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NULIDADES
TIPICIDADE
LEGALIDADE
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
DESAFORAMENTO
JUIZ NATURAL
MINISTÉRIO PÚBLICO
TRIBUNAIS
ÓRGÃO DE SOBERANIA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PREVENÇÃO GERAL
PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE EXERCÍCIO DE FUNÇÃO
CÚMULO JURÍDICO
Sumário
I- As nulidades regem-se por tipicidade e legalidade e o artigo 119º al. e) do Código de Processo Penal refere-se à competência de tribunal, à proibição de desaforamento com exceção dos casos legalmente previstos e ao princípio do juiz natural. II- O magistrado do Ministério Público não é um juiz e as regras de competência do Ministério Público não se confundem com as regras de competência do tribunal. Os tribunais são órgãos de soberania, independentes e apenas sujeitos à lei. Os magistrados do Ministério Público representam tal magistratura nos tribunais. III- Vigora no nosso sistema o princípio da livre apreciação da prova, mas tal livre apreciação não se subsume a arbítrio e tem de sustentar-se num processo lógico-racional de que resultem objetivados, à luz das máximas, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o tribunal recorrido valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer. IV- As exigências de prevenção geral são elevadas quando há violação grave de deveres por parte de agentes da PSP relativamente a pessoa indefesa, detida e algemada porquanto tais condutas são geradoras de evidentes e inquestionáveis sentimentos de insegurança dos cidadãos e de degradação da confiança destes nas forças de segurança. V- Resulta do artigo 66º nº 1 do Código Penal que a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função nela prevista exige dois pressupostos, sendo um formal e traduzido a condenação do arguido em pena de prisão superior a 3 anos e outro material, reportando às circunstâncias em que o facto/crime é praticado a que se reportam as diferentes alíneas de tal nº 1 e cuja verificação é feita pelo Tribunal e em face da factualidade que resultar provada. VI- Embora a pena única decorrente de cúmulo jurídico seja superior a três anos constitui entendimento consolidado que para aplicação de tal pena acessória em caso de concurso de crimes é necessário que, pelo menos, um dos crimes tenha sido punido com pena parcelar de prisão superior a três anos.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1-RELATÓRIO:
Nos autos de processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo nº 29/20.2PBAMD que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ...- Juízo Central Criminal ...- Juiz ... foi, em 1 de julho 2024, proferido acórdão, cujo dispositivo é, ao que nos interessa, do seguinte teor: V-DISPOSITIVO: Pelo exposto, tudo visto e ponderado: Julga este Tribunal Colectivo parcialmente procedente a pronúncia e, consequentemente, decide: Condenar AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência à al. I) do n.º2 do art.º 132.º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; Suspender a execução desta pena de prisão pelo período de 1 (um) ano. CondenarBB: - pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º2 do art.º 132.º, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um deles; - pela prática de dois crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um deles. Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do disposto no art.º 77.º do Código Penal, condenar BB na pena única de 3 (três) anos de prisão; Suspender a execução desta pena única pelo período de 3 (três) anos. Absolver BB da prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º1, e 184.º do Código Penal. Absolver BB da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º2 do art.º 132.º, do Código Penal. Absolver BB da prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal. Absolver BB da prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º do Código Penal. Absolver CC da prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º do Código Penal. Absolver DD da prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º do Código Penal. Não condenar o arguidoBB na pena acessória de proibição de exercício de função prevista no art.º 66.º, n.º1, do Código Penal. Condenar BB no pagamento a EE da quantia de 3.500 € (três mil e quinhentos euros). Absolver BB totalmente do pedido de indemnização civil deduzido por AA. Absolver BB do pedido de indemnização civil deduzido por EMP01..., S.A. Absolver CC do pedido de indemnização civil deduzido por AA. Absolver DD do pedido de indemnização civil deduzido por AA. Absolver o ESTADO PORTUGUÊS totalmente do pedido de indemnização civil deduzido por AA. Absolver CC do pedido de indemnização civil deduzido por EE. Absolver DD do pedido de indemnização civil deduzido por EE. (…)
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Inconformada com a decisão proferida dela recorreu a arguida/assistente AA extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: 1- O presente recurso vem interposto do acórdão que condenou AA ("AA") pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada contra o agente da PSP, BB ("BB") e que, por sua vez, absolveu o mesmo agente de qualquer crime contra a referida AA, nomeadamente, o crime de abuso de poder, sequestro, injúrias e ofensa à integridade física qualificada. 2- Recorre-se igualmente da decisão de absolver os agentes CC ("CC") e DD ("DD") de um crime de abuso de poder, cada um, contra AA. 3- Adicionalmente, recorre-se da decisão de absolver os Demandados BB, CC, DD e Estado português do pedido de indemnização cível deduzido por AA. 4- O acórdão recorrido, espelhando a convicção íntima do julgador, dá por provada uma realidade factual manifestamente distorcida, num exercício de absoluto distanciamento em relação ao que seria uma interpretação racional e ponderada dos elementos probatórios que compõem os autos: mais do que implausível, a versão dos factos acolhida pelo Tribunal a quo está diretamente contraditada pela prova constante dos autos. 5- A única versão dos factos compatível com (1) as lesões sofridas por AA, (2) com as agressões de BB aos outros dois cidadãos inocentes, FF e EE e (3) com todos os restantes elementos probatórios detalhadamente indicados nos capítulos seguintes é a de que AA foi brutalmente agredida por BB, Agente da PSP, maioritariamente durante a viagem de carro entre a paragem de autocarro na Avenida ..., na ... e a Esquadra da PSP .... 6- Nos termos do disposto no n.º3 do artigo 412.º do CPP, seguem impugnados os factos incorretamente julgados provados 50º, 51º e os factos incorretamente julgados não provados w), x), y), z). 7- A própria Recorrente (cf. - Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-08_14-16-17.mp3; Data & Hora Início: 2023-11-0814:16, minutos 00:05:06 a 00:05:34) e as testemunhas GG (cf. - Diligencia_29-20.2PBAMD_2024-03-06_13-53-28.mp3, Data & Hora Início: 2024-03-06 13:53, minutos 00:10:43 a 00:12:35), HH, (cf. - Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_09-46-41.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 09:46, minutos 00:06:05 a 00:07:12); e FF (cf. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-12-06_15-12-52.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 15:12, minutos 00:12:21 a 00:13:16) relataram ao Tribunal que AA, ao ser confrontada com a falta de bilhete da sua filha, informou que a menina tinha passe e que seria possível exibi-lo na paragem de chegada, sem que o motorista tivesse contestado esta afirmação. O motorista da EMP02..., II, reconheceu que AA o informou de que a menina tinha passe e que, depois e já dentro da viatura, fez uma chamada a perguntar pelo passe da menina - cf. Auto de Inquirição de folhas 14 e 15, de 20/01/2020. 8- É um erro de julgamento afirmar que AA disse que "a filha não tinha com ela um título de transporte válido, não o quis adquirir", ao invés de considerar provado o disposto nos factos não provados w) e x). 9- Por ter título de transporte válido e por ser gratuito o transporte de crianças na idade da sua filha - é o próprio motorista quem informa que o transporte é gratuito até aos 12 anos - AA pediu a tolerância do motorista para não adquirir, à entrada, um bilhete que de outro modo seria gratuito - oferecendo-se para exibir o passe à chegada, como de resto se infere dos factos provados n.º 36 e 37. 10- O motorista reconhece que AA fez uma chamada no interior do autocarro a perguntar pelo passe da menina - cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_12-23-53.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 12:23, minutos 00:06:56 a 00:08:18. 11- Por que razão haveria AA de se dar ao trabalho de telefonar a perguntar pelo passe da menina, se não tivesse intenção de, em primeiro lugar, demonstrar que ele existe e, depois, de o exibir ao motorista à chegada? 12- Foi considerado provado que AA disse “que se deviam juntar todos e dar uma surra". Sobre esta matéria, apenas o motorista II depôs neste sentido. Todas as outras testemunhas presentes no autocarro naquele momento depuseram em sentido exatamente contrário - EE (cf. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-11-22_10-39-15.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 10:39, minuto 00:25:17 a 00:25:47), AA (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-ll-08_14- 16-17.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-0814:16, minuto 00:05:36 a 00:05:40, 00:32:43 a 00:32:51, 00:33:08 a 00:33:40), GG (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023- 12-06_09-46-41.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 09:46, minuto 00:09:49 a 00:10:15). No mais, a testemunha/demandante FF não foi capaz de relatar ao Tribunal qualquer género de ameaça ou agressiva de AA para o motorista. 13- Além disto, a Recorrente AA ainda apresentou aos autos factos que podem explicar um possível mal-entendido (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-ll-08_14-15- 55.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 14:15, minuto 00:34:25 a 00:35:43). 14- Foi considerado provado no facto n.º 51 que "Foi por se sentir ameaçado que o motorista actuou como descrito no ponto 3.º”, referiu-se à chamada do Agente da PSP para intervir naquela situação. O que se impugna é que esse medo tenha sido provocado por AA naquela viagem de autocarro de 19/01/2020 e não por experiências negativas no passado, que o próprio invoca para justificar a sua atuação. 15- Veja-se o teor do Auto de Inquirição de II a 20/02/2020, que constam de fls. 213 a 215: "(...) À pergunta por que razão se sentiu ameaçado, quando a senhora saiu na paragem do Bairro ... e ainda assim pediu ajuda ao Agente, esclarece que, como já disse, foi agredido e, por antecipação, não excluía a possibilidade de alguém o abordar mais à frente, pelo que teve medo." 16- Realmente, à luz de todos os elementos probatórios e das regras da experiência comum sobre a vivência na ... e a vida dos motoristas de transportes públicos, não é possível concluir com um grau de certeza que AA tenha dito que se "deviam juntar todos e dar uma surra" ao motorista. Mais ninguém que estava naquele momento no autocarro ouviu tal ameaça. Que teria, necessariamente, de ser bem audível. 17- Porém, a Acusação foi incapaz de arrolar uma única testemunha que corroborasse a ameaça alegada por II. Ao invés, outras três testemunhas (GG, HH e EE) negam que tenha havido qualquer ameaça e uma testemunha não reportou qualquer episódio dessa natureza (FF), sendo que nada lhe foi perguntado concretamente sobre esta matéria. 18- Aqui chegados, parece que II tinha uma irritação acumulada devido a uma situação verificada com uma cidadã de origem ... ou ..., que também se fazia acompanhar de uma criança sem título de transporte válido - cf. Auto de Inquirição de II a fls. 213 a 215, confirmado pelo próprio em audiência de julgamento: "Duas paragens mais à frente entrou uma senhora ... com uma menina de 4 anos, sabe que tem 4 anos porque a mãe lhe disse, e que também não tinha título de transporte, tendo advertido a senhora que, apesar da idade da menina, esta devia ter um título, uma vez que até aos 12 anos o transporte é gratuito implicando a apresentação de um passe." 19- Sobre o episódio desta senhora que se encontrava numa situação muito semelhante à de AA e da sua filha de 7 anos, várias testemunhas e a própria Recorrente relatou ao Tribunal os comentários racistas e xenófobos que o motorista proferiu no autocarro - FF (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_15-12-52.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 15:12, minuto 00:12:21 a 00:13:15 e Auto de Inquirição a fls. 60 a 62), AA (Auto de Inquirição de 21/01/2020 a fls. 31 a 34), GG (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_09-46-41.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 09:464, minuto a 00:07:43 a 00:08:33). 20- II exibia sinais de medo e nervosismo devido a outras situações e, a acrescer, ter expressado sentimentos xenófobos e racistas - factos são capazes de explicar a decisão de chamar a PSP naquele momento e estão provados por vários depoimentos, com auxílio até dos do próprio. 21- Sendo também plausível que o motorista sentisse que precisava de uma suspeita "forte" para justificar ter chamado a PSP - não bastando a falta de título de transporte válido de uma criança que tem direito a viajar gratuitamente - o que o levou a efabular a tal "ameaça" que, na verdade, nunca existiu. 22- Note-se que BB referiu em sede de inquérito, em 06.03.2020 - com assistência da defensora - cf. Auto de Inquirição a fls. 296 a 300: "Acrescenta que o motorista não referiu quais foram as ameaças em concreto, nem as expressões injuriosas". 23-É realmente estranho que II não tenha reproduzido ao Agente da PSP apromessa de "surra" que havia acabado de ouvir. Não o fez porque inventou esse facto a posteriori, procurando escudar-se de acusações de racismo e de medos infundados, especialmente à luz dos danos corporais sofridos por AA - e EE e FF - após estar na companhia do Agente que ele próprio chamou ao local e que deixaram o país em choque. 24- Por outro lado, não é aceitável a forma como o Tribunal a quo desconsiderou inteiramente os depoimentos das testemunhas que apresentaram uma versão condicente à da defesa de AA. Insistindo diversas vezes que a sua perceção está viciada por "idiossincrasias e mundividências, preconceitos e pretensões", falando ainda em "interesses" procurando justificar que o valor dos seus depoimentos seja nulo. Ao passo que o motorista, os Arguidos que são Agentes da PSP e as testemunhas que relatam versões próximas à sua são isentos de "idiossincrasias, mundividências, preconceitos e pretensões", o que não deixa de ser curioso. 25- Nos termos do disposto no n.º3 do artigo 412.º do CPP, seguem impugnados os factos incorretamente julgados provados: 2º,6º,7º, 8º, 9º e 10º e os factos incorretamente julgados não provados bb), cc). 26- Foi considerado provado que o Arguido/Assistente BB "ao sair do carro, ouviu uma mulher a gritar, estando um autocarro parado junto à paragem" - cf. facto provado nº2. 27- Não se vislumbra, porém, qual é a base probatória para esta conclusão do Tribunal a quo, uma vez que a versão uniformemente relatada nos autos é a de que o Arguido/Assistente BB foi interpelado pelo motorista e, só depois, se dirigiu à paragem para abordar AA. Ouça-se as palavras do próprio, cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-08_15-56-39.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 15:56, minuto 00:01:24 a 00:03:17. Não existe qualquer elemento de prova de onde seja possível extrair que BB ouviu AA aos gritos "ao sair do carro". 28-É falso que AA estivesse aos gritos. Várias testemunhas relatam que AA estava a meio de uma chamada quando desceu do autocarro, sem que existissequalquer "bate-boca" entre ela e o motorista, os restantes passageiros ou que estivesse a falar alto consigo mesma - cf. declarações de AA (cf. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-11-08_14-16-17.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 14:16, minuto 00:06:15 a 00:07:14 e 00:31:04 a 00:31:15) e FF (cf. Auto de Inquirição a fls. 60 a 62) e até o próprio BB (cf. Auto de Inquirição fls. 296 a 300). 29-Deve o facto provado nº 2 ser julgado não provado. 30-Foi considerado provado que "BB foi na direção de AA, que se encontrava na zona da paragem de autocarro, e perguntou- É a senhora que anda a fazer distúrbios na camioneta a mandar agredir o motorista? O que é que se passa? Por que é que a senhora está a prometer uma surra ao motorista? AA retorquiu que não tinha feito nada e que apenas estava a falar com um familiar através do telemóvel, que não podia estar a falar com ela naqueles termos, porque ele não se encontrava de serviço, e que não tinha feito nada que justificasse sequer a sua identificação." - cf. facto provado n.º 6. 31-Logo à partida, como pôde o Agente BB ter perguntado a AA por que razão tinha "mandado agredir o motorista" e a "prometer uma surra ao motorista" se é o próprio BB quem, logo em sede de inquérito, apenas 46 dias após o sucedido (cf. Auto de Inquirição de 06.03.2020, a fls. 296 a 300), afirmou que o motorista não havia concretizado quais as alegadas ameaças e injúrias dirigidas por AA? É evidente que estes factos jamais poderiam ser considerados provados, por existir nos autos sólida prova contrária. 32- A verdade é que, em resposta à abordagem de BB, AA afirmou e reafirmou que "não tinha feito nada" e que "apenas estava a falar com um familiar através do telemóvel" e que "não tinha feito nada que justificasse sequer a sua identificação" - pelo que estas partes do facto provado n.º6 se devem manter. 33- Da prova supra transcrita, é facto assente que a Recorrente se encontrava a realizar uma chamada telefónica, tendo sido surpreendida com a abordagem do Agente BB. 34- Assim, o facto não provado bb): "AA, que inicialmente vinha a falar ao telemóvel, nem percebeu muito bem e disse: "Diga?", deve ser considerado provado pelo Tribunal ad quem. 35- Sobre a abordagem inicial hostil do Agente BB a AA, veja-se, com pertinência para a formação da convicção sobre esta parte, as declarações de FF - testemunha sem qualquer relação anterior com a Recorrente - (cf. Auto de Inquirição a fls. 60 a 62), de GG (Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11- 22_10-39-15.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 10:39, minuto 00:10:48 a 00:12:34), da Recorrente (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-08_14-16-17.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 14:16, minuto 00:06:15 a 00:08:46 e 00:20:45 a 00:21:41) e da sua filha, HH (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2024-03-06_13-53-28.mp3, Data & Hora Início: 2024-03-06 13:53, minuto 00:13:11 a 00:14:04 e 00:14:50 a 00:15:08). 36- Atente-se a esta circunstância, que não é de somenos: BB aborda AA com hostilidade, sem saber que ameaças e injúrias é que concretamente foram alegadamente feitas ao motorista. Assumindo, à partida e sem mais, que o motorista seria a vítima e a passageira negra a agressora. Foi BB quem, ao ver uma senhora de 40 anos ao telefone, acompanhada de uma criança de 7 anos, demonstrou uma predisposição para o conflito, não só verbal, mas físico, em tudo contrárias às suas obrigações enquanto Agente de autoridade. Estes aspetos são determinantes para interpretar este e todos os factos daqui em diante. 37- Resulta não provado que AA terá dito, numa abordagem inicial que BB "que não podia estar a falar com ela naqueles termos, porque ele não se encontrava de serviço", conforme infra melhor explanado a propósito da não exibição de carteira profissional. 38- Posto isto, o facto provado nº6 deve ser alterado para: "BB foi na direcção de AA, que se encontrava na zona da paragem de autocarro para a abordar na sequência do pedido do motorista. AA retorquiu que não tinha feito nada e que apenas estava a falar com um familiar através do telemóvel e que não tinha feito nada que justificasse sequer a sua identificação." 39-Por outro lado, o Tribunal a quo considerou provado que "AA continuava aos gritos, afirmando "Eu faço o que quero e não sou obrigada a dar satisfações" - cf. facto provado n.º 7. 40- Porém, a palavra "satisfações" não consta de qualquer um dos depoimentos presentes nos autos. 41- Veja-se que o próprio BB, em sede de acareação (cf. Auto de Acareação a fls. 429), à pergunta se ouviu a AA dizer "eu não fiz nada", refere que se recorda vagamente de ter ouvido. Ora, dizer "eu não fiz nada" é em tudo distinto de "eu faço o que quero e não sou obrigada a dar satisfações". O primeiro, funda-se numa atitude de submissão, procurando demonstrar a sua inocência; o segundo, é apenas uma atitude de desafio à autoridade. Do primeiro, há prova cabal; do segundo, só a versão de BB, que mentiu repetidamente e em várias instâncias ao longo do processo, a pode sustentar. 42-Deve o facto provado n.º 7, ser considerado não provado. 43- Foi ainda considerado provado que “Aquando do acima descrito no ponto 6. BB perguntou a AA o que se passou e disse-lhe que, por causa das ameaças que o motorista disse que ela lhe tinha feito no exercício das suas funções, teria que a identificar, a fim de participar a situação, para o que exibiu a sua carteira profissional." - cf. facto provado nº8. 44- Não resulta provado que BB tenha dito a AA que precisava de identificar a Recorrente "por causa dos ameaças que o motorista disse que ela lhe tinha feito no exercício das suas funções", como já resulta da prova supra transcrita. Além disso, não há qualquer evidência de que BB tenha dito a AA que teria de "participar" qualquer situação que, em concreto, nunca chegou a identificar. BB afirma que eram essas as suas intenções - porém, não resulta provado que tenha afirmado que a identificação se destinava a "participar" o que quer que fosse. Por outro lado, não resulta, de todo, provado que BB tenha exibido a sua carteira profissional quando abordou AA (ou noutro qualquer momento). 45-Só o próprio BB afirma tê-lo feito, por saber que tem essa obrigação nos termos do disposto no nº2 do artigo 18.º do Estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (Decreto-Lei n.9 243/2015). 46- Porém, todas as testemunhas que se encontravam no local referem ter percebido que BB era polícia após o mesmo ter retirado o blusão de civil que trazia vestido, já depois de abordar AA, nomeadamente II (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_12-23-53.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 12:23, minuto 00:30:48 a 00:32:41), FF (Auto de Inquirição a fls. 60 a 62), JJ (Auto de Inquirição a fls. 54 e 55) e AA (cf. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-11-08_14-16-17.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 14:16, minuto 00:08:45 a 00:09:15). Ou seja - BB não exibiu a sua carteira profissional. Limitou-se a retirar o blusão de civil, exibindo a sua farda da PSP e foi dessa a forma que se identificou nessaqualidade. 47-Assim, deve o facto provado nº 8 ser considerado não provado. 48-Relativamente ao facto provado nº 9: "AA afirmou "não tenho que falar consigo", "chamem a polícia", que ele que não estava de serviço e que ela não tinha feito nada", segue impugnada na parte em que AA terá afirmado "não tenho que falar consigo" e que "ele não estava de serviço", por não resultar nos autos qualquer depoimento nesse sentido. 49-Nos autos consta prova que AA terá questionado sobre se BB se encontrava, de facto, ao serviço - uma vez que estava a sair de um café e tinha um blusão vestido. Questionar, como sabemos, é diferente de afirmar. 50-Veja-se que é o próprio BB quem refere que, no momento em que foi abordado pelo motorista, não se encontrava de serviço. Os senhores polícias, os juristas e restantes profissionais da área da justiça e segurança, sabem que um Agente da polícia pode (e deve) estar de serviço em qualquer horário, desde que haja necessidade da sua intervenção. Porém, é absolutamente normal que um cidadão leigo desconheça essa norma e questione, por isso, a legitimidade e legalidade de uma abordagem hostil de um elemento da PSP naquele contexto. 51- O Tribunal a quo considerou provado que AA pediu que chamasse a polícia - e essa parte não segue impugnada. De facto, ao ser abordada de forma hostil por um Agente da PSP que minutos antes se encontrava num café, a Recorrente afirmou querer que fosse chamada a polícia ao local. 52- Assim, o facto provado n.º 9 deve ser alterado para: "AA questionou se BB estaria de serviço, disse "chamem a polícia" e que ela não tinha feito nada." 53-Foi considerado provado que "Uma vez que AA não se mostrava colaborante e que existia um queixoso que desejava procedimento criminal, BB não permitiu que a mesma se ausentasse do local" - facto provado n.º10. 54-À luz dos factos supra expostos, temos que não é correta a afirmação de que AA "não se mostrava colaborante". Ao invés, AA procurava dizer ao Agente PSP que não tinha feito nada, mostrando-se incrédula e revoltada com a abordagem do polícia. Alguém que "não é colaborante" não pede para chamar a polícia, como é mais do que evidente. A sequência de factos provados e não provados do Tribunal a quo não faz sentido, porque exclui que AA pudesse estar de boa fé - quando abundam nos autos elementos que assim o indicam. 55-Não podia o Tribunal a quo concluir que "existia um queixoso que desejava procedimento criminal", parte que se impugna. O motorista, que chamou o Agente BB a intervir na situação, jamais referiu aos autos ter dito ao Agente da PSP desejar procedimento criminal e não foi junta prova de que tivesse, realmente, apresentado queixa contra AA pela suposta ameaça. Em rigor, o Agente BB presumiu que II quereria apresentar queixa, ao ter pedido a sua intervenção. No entanto, não há qualquer indicação de que fosse essa a realidade, nem o mesmo foi capaz de a confirmar. 56- Face à ausência nos autos de prova que sustentem os factos ora impugnados, o facto provado n.º10 deve ser reduzido para "BB não permitiu que AA se ausentasse do local". 57-Foi julgado não provado o facto cc): "ao que BB lhe desferiu um safanão na mão arremessando o telemóvel para o chão, partindo-o", porém, existe prova nos autos de que BB provocou a queda do telemóvel que AA usava para o chão, partindo-o - cf. declarações de AA (cf. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-ll-08_14-16-17.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 14:16, minuto 00:07:20 a 00:08:14 e 00:56:14 a 00:56:31 e Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-08_15- 48-49.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 15:48, minuto 00:05:61 a 00:05:47), deGG (cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_09-46-41.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 09:46, minuto 00:17:15 a 00:18:05). 58-Devem também dar-se como provado o facto não provado cc). 59-Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, seguem impugnados os factos incorretamente julgados provados: 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 27º, 30º, 31º, 52º, 53º, e os factos incorretamente julgados não provados i), q), r), hh), ii), jj), kk). 60- Foi provado que "BB referiu que era polícia, que a partir daquele momento já se encontrava de serviço e que ela não sairia dali, o que AA não acatou, tendo então BB tentado agarrá-la." - cf. facto provado n.º11 - mas era preciso existir nos autos evidência de que AA queria fugir daquele local. 61- Como pôde o Tribunal a quo ter considerado facto provado que AA queria que a polícia fosse chamada ao local e, mais adiante, afirmar que ela não queria permanecer no local? 62-Sobre uma suposta intenção da Recorrente de sair do local, depôs II em audiência de julgamento. Porém, quando confrontado pelo Tribunal, desmente-se a si próprio logo a seguir - cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_12-23-53.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 12:23, minuto 00:13:26 a 00:14:53) Mais adiante, II referiu que foi "preciso agarrá-la para ela não sair dali", mas quando instado a descrever as ações de AA apenas foi capaz de referir que ela "estrebuchou e discutiu e disse não se identificava", que é muito diferente do que tentar fugir do local. Claramente, II concordou com a decisão de BB ao "agarrar" AA - daí que afirme que era "preciso agarrá-la". Contudo, no que aos factos diz respeito - e não a percepções nem interesses - temos que inexiste qualquer prova de que AA quisesse fugir daquele local. 63-Veja-se, sobre esta matéria, as declarações da testemunha HH - cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2024-03-06_13-53-28.mp3, Data & Hora Início: 2024-03-06 13:53, minuto 00:23:48 a 00:24:16). 64- Assim, sem mais evidências, deve o facto provado nº 11 ser considerado não provado. 65-Mais: não existindo evidência bastante de que a Recorrente (1) representasse uma ameaça quando foi inicialmente abordada por BB (2) procurasse fugir do local durante o diálogo com BB nem (3) que havia cometido um crime contra o motorista que justificasse a sua identificação e detenção, têm de ser considerados provados os factos erradamente julgados não provados q) e r). 66-Considerou também o Tribunal que ficou provado que "De imediato, AA começou a dar empurrões no peito de BB, dizendo que não se identificava." - cf. facto provado n.º 12. Ora, uma vez mais, só o Arguido/Assistente BB menciona este facto. 67-Todas as outras partes e testemunhas presentes naquele momento negam ter visto qualquer empurrão por parte de AA ao Agente BB - cf. declarações de II (Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_12-23- 53.mp3; Data & Hora Início: 2023-11-22 12:23, minuto 00:13:26 a 00:13:36), EE (Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_10-38-45.mp3; Data & Hora Início: 2023-11-22 10:38, minuto 00:16:31 a 00:16:36), FF (Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-12-06_15-12-52.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 15:12, minuto 00:14:12 a 00:14:30). 68-Para além de AA, GG e HH que contaram uma versão dos acontecimentos onde não consta qualquer empurrão da Recorrente ao Agente BB, por isto, deve o facto provado n.º 12 ser considerado não provado. 69-Foi considerado provado que: "Nesse momento, BB, praticante de artes marciais e conhecedor de técnicas policiais de imobilização de pessoas, a fim de a fazer parar, aproveitou o impacto de AA e, usando as mãos, agarrou-a e deu-lhe voz de detenção, tendo AA, ao tentar fugir, ido contra a paragem de autocarro, após o que ambos caíram ao chão, mas BB teve o cuidado de colocar o seu corpo por baixo de AA." - facto provado n.º 13. 70-Ora, o momento correspondente a esta matéria de facto está filmado. Vejam-se os primeiros segundos do vídeo junto com o DVD da marca ... anexo ao 1º Volume dos autos com a designação "VID-20200120-WA0003", que começa já a meio do diálogo entre AA e BB. 71-Assim, no vídeo é possível ver que, no momento imediatamente anterior a ambos terem caído no chão - como é referido no facto provado nº14, ora impugnado - AA não estava a dar empurrões a BB, nem BB "aproveitou o impacto de AA" para a agarrar. 72-AA estava de costas para a paragem a falar já em voz alta com BB, mas sem lhe tocar, e é o Agente da PSP que toma a iniciativa de a agarrar. Embora a visibilidade não seja a melhor, o áudio está em perfeitas condições, pelo que é possível ouvir com clareza tudo o que foi dito. Em momento algum BB dá "voz de detenção" a AA neste momento. 73-Assim, o facto provado nº 13 deve ser alterado para: "BB, conhecedor de técnicas policiais de imobilização de pessoas, usando as mãos, agarrou AA e puxou o seu corpo em direção à paragem de autocarro, tendo depois envolvido os seus dois braços em redor ao peito e pescoço de AA, caindo para o chão com o corpo dela em cima do seu." 74-Mais se entendeu, no Acórdão ora em crise, considerar matéria provada que "BB foi pontapeado nas costas e, pelo que sentiu e como já lhe acontecera ser esfaqueado, levou a mão às costas para verificar se tinha sangue, após o que, para se afastar da multidão, tentou sentar AA no banco da paragem de autocarro." - cf. facto provado n.º14. 75-É abundante a quantidade de depoimentos que relatam, de forma espontânea, credível e segura, que ninguém tocou em BB durante (ou antes) o seu envolvimento físico com AA na paragem de autocarro - cf. Declarações de FF, (Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_15-12-52.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 15:12, minuto 00:22:40 a 00:23:29), EE (Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-11-22_10-38-45.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 10:38, minuto 00:40:06 a 00:40:43), KK (Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_12-26- 33.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 12:26, minuto 00:19:07 a 00:19:31), JJ (Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_14-25-06.mp3 Data & Hora Início: 2023-11-22 14:25, minuto (00:16:26 a 00:16:56), LL (Diligencia_29- 20.2PBAMD_2024-04-10_16-08-24.mp3, Data & Hora Início: 2024-04-10 16:08, minuto 00:20:05 a 00:20:40). 76-Nestes termos, deve o facto provado n.º 14 ser considerado não provado, sendo a parte que não segue impugnada já constante da redação alternativa do facto provado n.º13, quanto a puxar o corpo de AA em direção à paragem de autocarro. 77-Ficou ainda provado que: "Nessa tentativa, AA investiu com murros em BB, este desequilibrou-se, caíram ao chão, e AA começou a dar-lhe cotoveladas." - cf. facto provado n.º 15. 78-Como resulta demonstrado na impugnação do facto provado nº13, BB e AA caíram ao chão por ação intencional da manobra de BB, com o seu corpo por baixo do corpo de AA. 79-Não consta dos autos qualquer prova de que AA e BB tenham estado no chão e, depois, voltado a estar de pé e depois caído novamente. Ambos caiem no chão no momento filmado no vídeo "VID-20200120-WA0003" e, a partir daí, AA só é levantada do chão para ser conduzida ao carro-patrulha da PSP. 80-Conforme cabalmente demonstrado, a queda no chão não foi antecedida por quaisquer "murros" nem sucedida de quaisquer "cotoveladas" de AA a BB. Resulta dos dois vídeos constantes no DVD - "VID-20200120-WA0003" e "VID- 20200120-WA0002" -- que a partir do momento em que BB manieta o corpo de AA e provoca a queda de ambos, a ora Recorrente fica com os movimentos altamente comprometidos. 81- Não existindo qualquer prova ou evidência, nem sendo plausível, que AA tenha conseguido dar "cotoveladas" a BB, deve o facto provado n.º15 ser julgado não provado. 82-Ficou ainda provado que "Porque foi necessário para a imobilizar, BB colocou o braço direito por baixo do braço direito de AA e agarrou este com o outro braço." - cf. facto provado n.º16. 83-Aqui, o que segue impugnado é, realmente, a "necessidade" de "imobilizar" AA, à luz de tudo o supra exposto. Nos primeiros segundo do vídeo "VID-20200120-WA0003"em que é possível ver AA e BB ainda de pé a discutir na paragem, vemos que AA (1) não tentava fugir e (2) estava imóvel. Realmente, este é o momento em que se pede ao Tribunal ad quem que aprecie da necessidade de agarrar, puxar, cair ao chão e imobilizar AA. 84-É evidente o excesso de força empregue por BB contra AA. É, em suma, gritante a desnecessidade de "imobilizar" AA. Assim, deve o facto provado nº 16 ser alterado para "BB colocou o braço direito por baixo do braço direito de AA e agarrou este com o outro braço". 85-Mais considerou o Tribunal provado que "Nesse momento, AA mordeu diversas vezes no braço direito e na mão direita de BB, causando-lhe cortes, hematomas e arranhões." - cf. facto provado nº 17. 86- Porém, no processo clínico do serviço de urgência do Hospital ..., EPE junto a fls. 177 a 179, de 19/01/2020 às 22h24, consta que BB "apresenta múltiplos hematomas escoriações no antebraço e mão direita", "traumatismo do punho direito, escoriações, sinais de mordedura (humana), RX do punho sem aparentes alterações" e "trauma e escoriações no punho direito com dor e trauma da grelha costal a direita. Nega outro sintomas" - cf. facto provado nº 28, não impugnado. 87- Em momento algum são mencionados cortes, nem isso resulta das fotografias das lesões de BB juntas aos autos. Por outro lado, está relatada uma mordedura humana, não diversas. Por fim, a mordedura é, em si, uma lesão corporal. A mordedura é necessariamente diferente de um aranhão e de um hematoma, pelo que não é correto afirmar que a mordedura "causou" hematomas e arranhões. Os hematomas e arranhões apresentados no corpo de BB resultam do envolvimento físico com AA que o próprio iniciou e dominou. Não está demonstrado que foram causados por ação direta da Recorrente contra ele. 88-Assim, deve o facto provado n.º17 ser alterado para: "Nesse, AA mordeu na mão direita de BB". 89-Porém, sempre se diga que a mordedura foi o único meio que a Recorrente encontrou para legitimamente se defender e resistir a um ataque violento completamente injustificado e desproporcional de um Agente da PSP, que confirmou em audiência de julgamento ter 1,85m e 100 kilos. 90-Que, naquele momento, se encontrava em cima do seu corpo, aterrorizando-a, causando-lhe medo de se magoar seriamente e, sobretudo, de ficar sem ar. Sobre este ponto, vale a pena referir os seguintes depoimentos - KK (Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-12-06_12-26-33.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 12:26, minuto 00:07:05 a 00:07:40, 00:12:53 a 00:14:12 e 00:21:10 a 00:23:57) e GG (Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_09-46-41.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 09:46, minuto 00:15:30 a 00:15:41). 91-No vídeo constante do DVD anexo no 1.º volume dos autos, no ficheiro com o nome "VID-20200120-WA0003", é possível ver o momento em que AA morde BB, durante a manobra de "mata-leão", entre os minutos 2:47 e 3:05. 92- Assim, devem os factos não provados jj) e hh) serem considerados provados. Consequentemente, deve o facto provado n.º 27 ser julgado não provado - "AA sabia que, ao actuar do modo acima descrito no ponto 17.º, molestava o corpo e a saúde de BB, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que pretendeu e alcançou." 93-Ora, aqui chegados, considerou o Tribunal a quo que "Nessa altura, AA ficou com a cara no chão e, como tentava sair, feriu-se." - cf. facto provado n.º19. 94-Ao longo de toda a matéria de facto provada, este é o único ponto em que o Tribunal refere o momento em que AA se "feriu". Ora, AA não se "feriu" nem as lesões corporais que apresentou naquele dia são resultado de ter "ficado com a cara no chão" enquanto resistia ao ataque físico de BB, assim, deve o facto provado n.º 19 ser julgado não provado. 95- Quanto ao facto provado n.º 30, dispõe que: "AA sabia que BB era Agente de autoridade e que estava no exercício das suas funções". 96-A este respeito, veja-se o seguinte: AA não praticou qualquer crime nem existiam indícios de que recaía sob si essa suspeita; viajou num autocarro em que o motorista expressou, alto e em bom som, afirmações de teor racista e xenófobo pouco tempo depois de lhe ter pedido que não cobrasse bilhete à sua filha porque a menina esqueceu do passe; à chegada da sua paragem, vê o motorista dirige-se a um café e chamar de lá um indivíduo que estava com um blusão de civil. 97-Após a retirada do blusão e de se aperceber que BB era um Agente da PSP - parte que não se impugna - temos que a dúvida sobre se BB estava efetivamente no exercício das suas funções ou se era, ao invés, um amigo ou conhecido do motorista que tinha intenção de a intimidar e agredir, era perfeitamente legítima e compreensível. 98-Deve o facto provado nº 30 ser alterado para "AA sabia que BB era Agente de autoridade." 99-A conduta de AA reflete uma defesa e resistência legítima e legal a um ataque físico injustificado e desproporcionado por parte de um agente da autoridade - conforme melhor demonstrado no capítulo infra o que não se confunde com uma atuação "livre, voluntária e consciência". 100-Por esta razão, deve o facto provado nº 31 ser julgado não provado. 101-Relativamente ao facto provado nº 52, foi entendido que: "Devido à resistência e às agressões de AA, foi muito difícil BB conseguir algemá-la, tendo sido por força da estatura e do peso de AA, e com a rotação do corpo da mesma, que, aquando do acima descrito no ponto 15º, ambos caíram ao chão, ficando o corpo de BB por debaixo do dela e tendo então sido para que AA parasse de o morder que BB teve que segurar o cabelo dela, mas sem o arrancar." 102-À luz de tudo o supra exposto, segue impugnada a menção a "agressões" de AA a BB, tratando-se apenas de uma legítima defesa e resistência. 103-No mais, não resulta dos vídeos juntos aos autos com o Requerimento da Recorrente de 04/12/2023, referência Citius 24583692, qualquer dificuldade de BB em algemar AA, mesmo face à resistência desta contra a detenção ilegal tentada e conseguida por BB. 104-Segue especialmente impugnada a parte que foi considerado provado que foi "para que AA parasse de o morder que BB teve que segurar o cabelo dela, mas sem o arrancar". 105-Nos vídeos juntos com o Requerimento da Recorrente de 04/12/2023, referência Citius 24583692, pode ver-se que BB está a agarrar com uma mão a cabeça de AA pelo cabelo, quando já tem o seu corpo por cima do dela, obtendo domínio total sobre os seus movimentos e em momento distinto do da mordedura já supra enquadrada. 106-É falso que BB não arrancou o cabelo de AA. 107-No dia 19 de janeiro de 2020, AA trazia um penteado prendido ao couro cabeludo por uma técnica chamada tissagem, que consiste em fazer pequenas tranças no cabelo e, depois, prender uma cabeleira postiça ao couro cabeludo por via dessas mesmas tranças. Ou seja, o cabelo falso fica preso ao couro cabeludo em todas as áreas do mesmo e, para ser retirado, são precisas algumas horas. 108-Após este incidente, AA ficou com lesões profundas no couro cabeludo e sofreu dores nessa mesma área, o que a impediu de usar o mesmo penteado - uma vez que a tissagem exige, como é fácil de perceber, esforço capilar. Passando, após aquele dia, a usar uma peruca convencional, que não está presa ao couro cabeludo sem ser por uma rede que envolve o crânio. 109-Explicada esta diferença, entende-se que BB tenha logrado arrancar parte dos cabelos de AA sem que, por isso, tenha arrancado o cabelo falso que ela trazia. Nas fotografias a fls. 253 é possível observar com clareza a parte do cabelo que foi arrancada por ação de BB, enquanto o cabelo falso se encontra "levantado" por já não estar arrancado à parte frontal, continuando em cima da cabeça de AA por estar ainda preso por na parte de trás da cabeça. 110-Ademais, no Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal a fls. 231 a 233 é claro. Nele, na fls. 232 v, existe uma distinção entre "queixas" e "exame objetivo". Na parte do "exame objetivo" consta: "A examinada apresenta as seguintes lesões: - Crânio: arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal, quer nas regiões temporais". 111-AA não tem qualquer género de alopecia, nem esse facto se pode "inferir" das imagens juntas nos autos e do facto de não se ver "inflamação" numa pele negra, como é evidente. 112-Assim, deve o facto provado n.º 52 ser julgado não provado e, correlativamente devem os factos não provados i), ii) e kk) ser julgados provados. 113-Por fim, quanto ao facto provado n.º 53: "Para algemar AA, BB utilizou 2 pares de algemas, para ficarem mais largas, para não a magoar.", segue o mesmo impugnado nos termos seguintes. 114-AA afirma que lhe foram colocados dois pares de algemas sucessivos, criando uma dupla restrição de movimentos, enquanto BB afirma ter colocado dois pares de algemas interligados um no outro, criando uma maior amplitude de movimento. 115-A justificação de BB para ter colocado dois pares de algemas na forma em que alega ter feito é, pasme-se, devido ao facto de AA ser "gordinha" - cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-ll-08_15-56-39.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 15:56, minuto 00:24:40 a 00:26:18. Esta versão dos factos roça o ridículo e é lamentável que tenha sido acolhida no Acórdão recorrido. 116-Sobretudo quando contrastado com um testemunho inequívoco de AA sobre as duas algemas que lhe foram colocadas, que revela e confirma o desejo de BB de magoar AA - cf. Diligencia_29-20.2PBAMD_2022-05- 16_14-18-00.mp3, Data & Hora Início: 2022-05-16 14:18, minuto 00:48:53 a 00:49:47 e Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-ll-08_14-16-17.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 14:16, minuto 00:14:51 a 00:14:59 e 01:10:58 a 01:12:06). 117-Por fim, vejam-se as imagens do pulso de AA constantes de fls. 251, que aqui se reproduz, onde é possível ver claramente as marcas das algemas que lhe foram colocadas, Lesão que não se verificaria caso tivessem sido colocadas duas algemas interlaçadas num na outra para criar maior amplitude de movimento. 118-Assim, deve o facto provado n.º 53 ser alterado para: "Para algemar AA, BB utilizou 2 pares de algemas, para a magoar e restringir ainda mais os seus movimentos." 119-Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 412º do CPP, seguem impugnados os factos incorretamente julgados provados: 71º, 72º, 73º, 74º, 75º, 76º, 77º e os factos incorretamente julgados não provados j, l, p, s, t, u, v, mm, nn, oo, pp, qq, rr, zz. 120- Entendeu o Tribunal a quo que o trajeto de carro entre a paragem de autocarro e a esquadra da PSP no ... se tratou de uma viagem curta, rápida (não mais de 5 minutos), de vidros fechados, em que, como é normal, a cidadã detida "socialmente revoltada" se queixava da vida e, por sua vez, os polícias, seguiam calmamente em silêncio, a fazer o seu trabalho. 121-Independentemente dos minutos que possa ter durado aquela fatídica viagem de carro, aquilo que resulta inequívoco e deveria ter sido dado como provado é que, mesmo queescassos, os minutos de viagem entre a paragem de autocarro e a esquadra da PSP foram tempo suficiente para que o Agente BB agredisse a Recorrente de forma brutal e desumana. 122-Nenhuma outra pessoa, além dos quatro Arguidos/Assistente, testemunhou/ presenciou/viveu aqueles minutos naquele carro e, portanto, em termos de relatos do que se passou naquele trajeto, temos apenas os seus depoimentos, mas, como é evidente, para apuramento daquilo que se passou no carro, não basta atentar nesses relatos. 123-Importa, igualmente, atentar i) nos relatos quanto ao estado da Recorrente quando entrou no carro vs. estado em que ficou pós viagem, ii) no que refere FF acerca das chegadas dos diferentes carros à esquadra, iii) bem como nas ilustrativas e chocantes imagens do rosto da Recorrente, antes e após aquela noite e finalmente, na avaliação clínica de tais lesões pelo Instituto Nacional de Medicina Legal. 124-Importando, após esta análise, e recorrendo às regras de experiência comum, concluir que a única causa plausível das lesões de AA que o Tribunal entendeu terem resultado i) das "quedas" que esta deu (na paragem de autocarro, e quando fez "peso morto" à chegada à esquadra) e ii) do facto de ter resistido à detenção pelo Arguido BB é, afinal, a violenta agressão de que foi vítima durante o trajeto de carro (e, depois, na esquadra), por parte daquele Arguido com a cumplicidade dos colegas, igualmente arguidos nestes autos. 125-Ouvido a propósito da chegada à esquadra dos diferentes carros, a testemunha FF foi clara ao referir que os dois carros saíram da paragem ao mesmo tempo e que o carro onde seguia AA chegou muito depois, sendo que quando chegou o Arguido BB vinha manifestamente alterado a dizer que a preta já estava, que a preta porca, já estava.- cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12- 06_15-12-52.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 15:12, minutos 00:09:02 a 00:09:58. 126-No que concerne a viagem de carro da paragem até à esquadra, a Recorrente foi clara ao referir que mal a viatura arrancou o arguido BB lhe começou a bater, que os polícias decidiram fechar os vidros do carro e que BB começou a chamá-la "puta, vaca, macaca", a dar-lhe socos na carra e a arrancar-lhe cabelo. - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-ll-08_14-16-17.mp3, Data e Hora Início: 2023-11-08 14:16, minutos 00:11:53 a 00:14:58. 127-Por sua vez, a confiar nos articulados (entre si) depoimentos dos três arguidos, naturalmente, nada se passou durante a viagem, com exceção dos lamentos da Arguida/Recorrente e dos desabafos do Agente BB. 128-Atentando-se, contudo, nos relatos acerca do estado físico da Recorrente antes de ir para esquadra, isto é, antes da viagem, resulta claro que nenhuma lesão existia. 129-EE foi claro ao referir que quando foi levada para a esquadra, a Recorrente não estava no estado em que se veio a apresentar apesar de, nessa altura, na versão do acórdão e dos arguidos, já muito ter resistido à detenção e de ter caído na paragem - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_10-39-15.mp3, Data e Hora Início: 2023-11- 22 10:39, Minutos 01:29:11 a 01:31:04. 130-Recorde-se que o Arguido BB atribui as lesões de AA à sua resistência na paragem e às suas quedas nesse local, onde teria raspado com a cara no chão, mas a verdade é que ninguém viu a Arguida na paragem no estado em que veio a ficar quando foi levada para o hospital, da esquadra. 131-São igualmente relevantes as declarações do motorista de autocarro, II que refere, claramente, quando confrontado com a imagens das lesões de AA, que "já não viu a senhora assim". - cfr. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-11-22_12-23-53.mp3, Data e Hora Início: 2023-11-22 12:23, Minutos 00:25:12 a 00:26:14 132-Atente-se ainda no que refere o companheiro da Recorrente, testemunha MM, sobre o estado em que encontra a mesma na ambulância: "Quando abri a porta de ambulância, vi a minha mulher toda rebentada". - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_14-55-54.mp3, Data e Hora Início: 2023-11-22 14:55, minutos 00:07:07 a 00:09:46. 133-E também a confirmação por parte da testemunha, NN, bombeira do INEM, de que a Recorrente quando entrou na ambulância estava no estado que consta das fotografias 249 a 253. - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11- 22_15-43-26.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 15:43, minutos 00:13:02 a 00:13:35. 134-Foi a referida testemunha que preencheu o registo do INEM, "Verbete de Socorro/Transporte" de fls. 156 onde regista precisamente, no que se refere ao "exame primário" que a Recorrente apresenta "hemorragias", no exame secundário identifica lesões no crânio e face, identifica lesões fechadas bem como lesões abertas (escoriações e feridasincisas), e nas observações é registado "refere ter sido vítima de agressão física, tem hematomas face e crânio, ferida inq, lábio inf. 135-Atente-se também no depoimento da testemunha GG, sobrinho de AA e que não só esteve presente durante todo o episódio na paragem de autocarro, como viu e fotografou a Tia, já em casa, pós: i) paragem, ii) viagem de carro- patrulha, iii) esquadra, iv) ambulância e iv) hospital que referiu que - cfr. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-12-06_09-46-41.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 09:46, minutos 00:21:13 a 00:21:58 e 00:48:01 a 00:48:13. 136-A propósito do depoimento da testemunha OO, bombeiro, que reconhece o estado em que se encontrava AA na ambulância e refere que é normal as lesões apresentarem uma evolução em termos de aspecto, veja-se que o mesmo, tal como a colega bombeira (ambos com relação com o Arguido BB no contexto "de serviço", dizem) entende adjetivar as lesões como "de impacto" - desconhecendo-se se impacto pode ser o impacto de uma agressão ou se se trata de um impacto no chão, por exemplo, sendo certo que, não pode deixar de se notar, que o Tribunal nunca questiona se tais feridas podem resultar de murros e pontapés, mas apenas, se podem ter resultado de uma "queda" ou de ter sido pressionado um "corpo contra outro" - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_11-56-21.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 11:56, minutos 00:04:35 a 00:10:05. 137-Por sua vez, a testemunha KK também foi clara ao referir que a Recorrente nenhuma lesão apresentava na paragem de autocarro - cfr. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-12-06_12-26-33.mp3, Data e Hora Início: 2023-12-06 12:26, minutos 00:16:17 a 00:16:34. 138-Retomando o depoimento de FF, veja-se que o mesmo é também claro seja quanto ao facto de o carro onde seguia AA ter chegado à esquadra muito depois do seu carro, pese embora tenham ambos saído ao mesmo tempo da paragem, seja quanto ao estado do Arguido BB quando se afastou do carro e se afastou de AA referindo que "o preta já estava, que a preta porca, como ele estava-lhe a chamar, já estava"- cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023- 12-06_15-12-52.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 15:12, minutos 00:09:12 a 00:09:58. 139-Aqui chegados, importa notar que o "Agente BB" era um dos agentes mais antigos da esquadra, a quem os mais novos recorriam, alegadamente visto como um "elemento dereferência" para a esquadra, como declarou PP - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2024-04-10_16-08-24.mp3, Data & Hora Início: 2024- 04-10 16:08, minutos 01:37:17 a 01:37:53. 140-Das regras de experiência comum impõe-se inferir que ninguém denunciaria o Agente BB - muito menos os jovens CC e DD que seguiam à frente no carro onde o Arguido, teve tempo e recato (ao contrário da paragem de autocarro onde se acumulava um grupo de curiosos e indignados com a situação) para espancar a Arguida/Assistente. 141-Impressionante - e revelador da forma como cada um dos colegas do Arguido BB assumiu a missão de negar os seus atos - é o depoimento do sentinela de serviço QQ que chega mesmo a afirmar que nunca viu AA com as lesões documentadas nos autos apesar de a ter visto antes de entrar para a ambulância (!). - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2024-04-10_16-08-24.mp3, Data e Hora Início: 2024-04-10 16:08, minutos 01:06:57 a 01:08:35. 142-O colega de BB, sentinela de serviço, que com o Arguido CC chamou a ambulância e que olhou para a Recorrente para ver se estava consciente e que tem formação em prontos socorros "não reparou" no estado daquela, não viu, Indo assim, ainda mais longe, na “defesa" do colega Arguido do que qualquer outro. 143-Do que se expôs e da análise crítica dos depoimentos conjugados de AA, FF, BB, DD, CC, EE, II, NN, KK, RR, bem como da análise do registo de ocorrência do INEM já identificado e Relatório do INML de fls. 231 e ss. impunha-se necessariamente dar como provados os factos julgados não provados j), I), m), p), s), t), u) v), mm), nn), oo), pp), qq) e rr), 144-Por sua vez, o "facto" provado do artigo 72º não é um facto, mas (mais uma) das considerações absolutamente subjetivas do Tribunal a quo, pelo que é, no mínimo, descabida, a inserção de tal frase num facto dado como provado no Acórdão. 145-O facto 73º dado como provado deve ser alterado para: "CC olhou para a parte traseira da viatura algumas vezes e apercebeu-se da conduta ilícita ou imprópria por parte de BB." 146-Deve ser alterado o facto 74º passando a ter a seguinte redação: "DD viu o que se passava de relevante e errado dentro da viatura, pelo retrovisor." 147-Deve ser alterado o facto julgado provado 75º passando a ter a seguinte redação: CC e DD ouviram AA queixar-se de ter sido e estar a ser agredida e ouviram BB a insultá-la. 148-Deve ser dado como não provado o facto 76º e é também evidente, no contexto descrito, que CC e DD presenciaram as agressões perpetradas por BB contra AA na viatura policial em que seguiam. - facto que deve ser considerado provado, e por sua vez deve ser considerado não provado o facto 77. 149-Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 412.º do CPP, seguem impugnados os factos incorretamente julgados provados: 54º, 79º, 80º, 81º, 82º, e os factos incorretamente julgados não provados k, ss, tt, uu, vv. 150- De acordo com a versão dos factos dos Arguidos, Agentes policiais, acolhida pelo Tribunal a quo, depois de uma viagem tranquila de carro, seguiu-se uma chegada à esquadra, igualmente tranquila, em que BB imediatamente abandonou o carro e foi tratar das suas feridas. 151-Contudo, AA afirmou perentoriamente ao Tribunal que, depois de espancada dentro do carro, foi agredida com um pontapé na testa à chegada à esquadra. - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-ll-08_14-16-17.mp3 Data & Hora Início: 2023-11-08 14:16, minutos 00:13:55 a 00:16:08. 152-Pontapé na testa absolutamente compatível com o que descreveu DD, mas que o Tribunal a quo também desatendeu. - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023- ll-15_14-37-42.mp3, 2023-11-15 14:37, minutos a 00:29:13 a 00:29:42. 153-Ambos os Agentes CC e DD Agentes viram e constataram o estado de AA, de tal forma preocupante que chamaram o INEM, para quem ligaram mais do que uma vez. Chegaram a verificar se a Arguida/Assistente tinha pulsação, tal era o estado em que estava depois de BB ter abandonado o carro - não sem antes ter dado o último pontapé a AA. 154-Forçoso é concluir que os Arguidos, já na esquadra, constatando com visibilidade o estado em que deixaram a Recorrente, receavam que a mesma pudesse morrer, sendo impressiva adescrição da Arguida/Assistente a este propósito - cfr. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-ll-08_14-16-17.mp3 Data & Hora Início: 2023-11-08 14:16, minutos 00:15:35 a 00:16:39. 155-CC e DD não foram surpreendidos com o facto de AA apresentar lesões quando a retiraram do carro - bem sabiam que o Colega BB, atrás no carro, estivera toda a viagem a agredi-la violentamente, enquanto se dirigiam para a esquadra, admitindo-se -contudo, que não tivessem noção da extensão e gravidade das lesões que vieram a constatar quando, nas palavras do Arguido CC, "extraíram" a Recorrente da viatura. 156-É possível compreender, nomeadamente da decisão de chamar o INEM, das insistências com as sucessivas chamadas para o INEM, com as sucessivas perguntas do Arguido CC para o colega, audivelmente nervoso, enquanto esperavam pelo atendimento do INEM "Está a acordar? Eu estou a ligar para o 112. Mas está a acordar?" - cf. CD anexo ao 1.º Volume do áudio com a designação "914035029_192124JAN2020" 157-E por isso, enquanto aguardava a chamada de voz, o Arguido CC não consegue conter o desabafo "Ainda nos vai foder a todos, este gajo..." - gravações das chamadas para o INEM constantes dos autos e reproduzidas na sessão de julgamento de 22.11.2023. 158- Em face do que se expôs, forçoso é concluir que se impõe a alteração da matéria de facto, devendo ser dados como provados os factos considerados não provados k) ss) tt) uu) vv). 159-E, por sua vez, não poderiam ter sido dado como provados os factos 54º, 79º, 80º, 81º e 82º - o que este Tribunal está em condições de corrigir dando como não provados. 160-Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, seguem impugnados o facto incorretamente julgado provado 55º os factos incorretamente julgados não provados m, n, o. 161-AA foi acompanhada na ambulância que a levou da esquadra da polícia para o Hospital ... pelo Arguido DD, elemento policial que conduzia a viatura onde AA foi espancada, ou seja, pelo polícia cúmplice que a tudo assistiu e nada fez para o impedir ou denunciar. 162-Parece escusado sublinhar o estado físico e, certamente, psicológico em que se encontraria AA, mas não é verdade, como o Tribunal entendeu dar como provado (facto provado 55º) que a própria recusou tratamento médico e de enfermagem, e que, na medida em que AA ainda assim o veio a permitir, lhe prestou os serviços médicos adequados até a própria pedir alta médica. 163-Aquilo que se lê no processo clínico junto aos autos a fls. 176 e seguintes é que doente recorre ao su por ter sido vítima de agressão com tce e trauma facial com edema exacerbado generalizado, edema dos lábios, com feridas dispersas, trauma dos OPN. Abdómen proeminente. Gravida? Não emite discurso sendo que a prioridade atribuída no hospital foi de "MUITO URGENTE". 164-No quadro de sintomas foi registado "Agressão"; o destino dado a AA foi "Sala de Reanimação - UGERAL", nas observações registadas às 23h08 foi ainda referido "Bastante ansiosa"; podendo ainda ler-se no referido processo clínico: pele e mucosas coradas. Apresenta face deformada por hematoma extensos em toda face, principalmente na regia! frontal à esq. aplicado gelo local. Apresenta ferida traumática no lábio inferior e superior com pequena hemorragia ativa. Edema dos lábios. Refere dor local." 165- No que se refere à colaboração da Arguida/Assistente pode efetivamente ler-se "Pouco colaborante, Recusa tratamento médico e de enfermagem. Informada médica assistente que vem falar com a utente", mas logo após tal registo pode ler-se "Posteriormente, após nova abordagem à utente aceita tratamento prescrito. Puncionado avp no MSdto e colhido sangue para H+B+C Administrada medicação prescrita. Nega alergias. Urinou na arrastadeira. colhida urina II. Aguarda chamada para realização de TAC, em vigilância em gabinete 27. 152/106 mmHg. 99 b/min. 18 c/min". 166-Não é difícil concluir que AA apenas desejasse chegar a casa, difícil é aceitar que em relação a esta factualidade o Tribunal tenha entendido dar como provado que subsequentemente ao acima descrito no ponto 20º, AA foi levada, em ambulância chamada por Agente da PSP, ao Hospital ..., onde a própria recusou tratamento médico e de enfermagem, e que, na medida em que AA ainda assim o veio a permitir, lhe prestou os serviços médicos adequados até a própria pedir alta médica, (facto provado 55º). 167- Sendo certo que no ponto 20º se lê "Quando outros Agentes da PSP chegaram ao local, onde chegou também o carro-patrulha CP.....60, da Esquadra ..., AA foi algemada e transportada para o veículo policial, de matrícula ..-CN- .., tendo então sido conduzida por BB e pelos Agentes da PSP arguidos CC e DD à esquadra, tendo BB seguido no banco de trás, ao lado de AA, CC como arvorado, sentado à frente, do lado direito, e DD como motorista." 168- Com efeito, subsequentemente ao acima descrito no ponto 20º, o que aconteceu foi que AA recebeu do Arguido BB um pontapé no meio da testa e ficou no chão até chegar a ambulância chamada pelo Arguido CC. 169-Assim, deve ser alterado o facto provado no artigo 55.º passando a adotar a seguinte redação: "Após chegar à esquadra, e depois de ter sido novamente agredida pelo Arguido BB com um pontapé na testa, AA ficou no chão até ser levada, em ambulância chamada por Agente da PSP, ao Hospital ..., onde lhe foi atribuída a prioridade MUITO URGENTE e onde foi constado que apresentava face deformada por hematoma extensos em toda face, principalmente na regial frontal à esq. aplicado gelo local. Apresenta ferida traumática no lábio inferior e superior com pequena hemorragia ativa. Edema dos lábios. Refere dor local." 170-Devem por outro lado ser julgados provados os factos julgados não provados m), n) e o) por ter, de facto, resultado provado que as lesões descritas no ponto 25º dos factos provados - e observadas no hospital nos termos dos registos clínicos de fls 176 e seguintes - foram consequência directa e necessária da actuação de BB, como decorre da impugnação da matéria de facto referente à viagem até à esquadra e chegada à mesma; que o arrancamento do cabelo referido no ponto 25º dos factos provados resultou de traumatismo de natureza contundente, como decorre da impugnação da matéria de facto referente ao envolvimento físico na paragem; e que BB pretendeu molestar o corpo e a saúde de AA, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que alcançou, como resulta do estado em que AA chegou ao hospital (cfr. respetivos registos e verbente do INEM) e da atuação, consciente e deliberada do Arguido, que se logrou demonstrar. 171-Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, seguem impugnados o facto incorretamente julgado provado 103º, 104º, 105º, 124º e 125º. 172-A forma, absolutamente desigual e injustificada, como o Tribunal entendeu retratar a Arguida/Assistente AA em contraste com o Arguido BB, ambospessoas em relação às quais não deveria ter qualquer pré-julgamento, preconceito ou ideia preconcebida, é patente no acórdão sob recurso. 173-Nos termos da decisão recorrida, AA tem fraco juízo crítico, é impulsiva, autovitimiza-se, é uma oportunista, com um "discurso claramente preparado", que quer ganhar uma "choruda indemnização" e "ludibriar a justiça", fazendo-se passar por "vítima", já o Arguido BB é uma pessoa com boas competências comunicacionais, extrovertida e com comportamentos habitualmente adequados, cheio de orgulho na sua profissão, (cfr. facto provado 118), alguém que em regra age e decide bem, de forma ponderada, corajosa e controlada! (cfr. fls 134 do acórdão), arguido com uma postura, aberta espontânea e coerente! (fls. 62 do acórdão). 174- Para o Tribunal a quo a situação de BB, no interior da esquadra onde exerce funções como agente da polícia, ter desferido um soco na cara de uma pessoa que ilegalmente transportou para a esquadra e outro soco numa outra pessoa que a atingiu no lado esquerdo da cara, sendo que quando essa pessoa baixou a cabeça para impedir que continuasse a levar socos na cara, decidiu dar-lhe mais dois socos na cabeça e um pontapé que o atingiu nas mãos que utilizava para tapar a cara, trata-se um situação de caráter pontual na sua vida: quando descomprimiu acabou por ser compulsivo. 175- É inequivocamente mais condizente com as regras de experiência comum que alguém que tem aquelas atitudes é alguém que antes terá uma personalidade manifestamente agressiva e alguém absolutamente capaz de agredir, como agrediu, a Arguida/Assistente. 176- Impondo-se, sem margem de dúvida, ser dados como não provados os artigos 124 e 125 dos factos dados como provados. 177- O Tribunal não poderia dar como provado que a arguida revela "impulsividade e atitude de autovitimização" já que tal caracterização corresponde à tal ideia e retrato que o Tribunal decide construir de AA, isto é, a mais uma consideração subjetiva do Tribunal e não a factos, sem qualquer sustento na prova. 178- Pelo que deverão V. Exas. eliminar dos factos provados o artigo 103º e em relação aos artigos 104.º e 105.º verifica-se que os mesmos foram parcialmente decalcados do relatório social da arguida/Assistente embora num sentido que não era o constante detal relatório, pelo que se impõe sejam tais factos sejam igualmente eliminados dos "factos provados". 179- Neste contexto, não pode deixar de se notar que o Tribunal na mesma lógica da distinção que entendeu fazer quanto às motivações e personalidades dos Arguidos BB, CC e DD versus Arguida/Assistente AA, decidiu também distinguir as testemunhas que depuseram num sentido e noutro, colocando no "mesmo saco" não só os familiares de AA, como as testemunhas por si indicadas, e, mesmo, as outras vítimas do Arguido BB - são tudo pessoas condicionadas pelas suas "mundividências" e pelos "interesses que consideram mais próximos" daquelas, com uma perspetiva enviesada, parcial, sugestionada e depois progressivamente orquestrada, orientada para a apresentação de AA como vítima, tudo enformado pela mundividência, pelos interesses e pelos relatos dos que lhes são e tornaram mais próximos. 180-Para o Tribunal a quo, as pessoas que assistiram ao que se passou na paragem de autocarro são todas elas pessoas preconceituosas e vociferam contra o agente policial, "cheias de falsas assunções" - já em relação aos polícias, bombeiros, motorista de autocarro ou fiscal da carris, não há mundividências, não há preconceitos, não há nada que "tolde" o seu depoimento, a credibilidade e veracidade do mesmo. 181- Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 412.º do CPP, seguem impugnados o facto incorretamente julgados não provados ww), xx) yy), zz), aaa). 182- A ora Recorrente deduziu, em sede própria, pedido de indemnização civil contra os Arguidos BB, CC, DD e Estado Português. 183- No Acórdão a quo, foi decidido que "Não tendo os arguidos BB, CC e DD sido responsáveis por qualquer conduta ilícita relativamente a AA, os mesmos, ou o Estado Português, também não são responsáveis pela reparação de nenhum prejuízo daquela, pelo que serão absolvidos totalmente do pedido de indemnização civil contra eles deduzido por AA." (cf. página 144 do Acórdão recorrido). 184- Da impugnação da matéria de facto provada e não provada constante do capítulo anterior resulta que foi em consequência direta da ilícita atuação de BB queAA sofreu os danos corporais que apresentou, os danos morais relatados em audiência de julgamento e que ficou sem um telemóvel no valor de 450 EUR. 185- Foi também em consequência da omissão de CC e DD, que nada fizeram para impedir as agressões de BB a AA dentro da viatura da PSP, que a Demandante sofreu aqueles mesmos danos corporais e os respetivos danos morais consequentes deste episódio. 186- Não há dúvidas de que a atuação ilícita de BB, CC e DD contra AA produziu as consequências - físicas e psicológicas - indicadas no pedido de indemnização civil, devendo, por isso, gerar a obrigação solidária de indemnizar a Demandante ao Estado e aos três Demandados. 187- Foi feita prova de que a Demandante sofreu lesões físicas que lhe causaram dores intensas durante os primeiros 10 dias, que a impediram de comer, de dormir, de cuidar da sua higiene e de efetuar qualquer tarefa doméstica; de nas semanas seguintes às agressões e decorrido o período temporal acima mencionado, sentiu dores, ainda que com menor intensidade; ainda nos dias de hoje tem zumbidos nos ouvidos e visão turva; ficou com marcas no lábio e no couro cabeludo; ficou com falta de cabelo; sofreu angústia severa, ansiedade, pânico, medo de sair à rua, de utilizar os transportes públicos e de frequentar locais públicos ou abertos ao público; durante pelo menos 2 (dois) meses sofreu de forma acentuada de perda de apetite, insónias, mal estar geral, astenia, fadiga física e mental; até aos dias de hoje padece de ansiedade, insónias, pesadelos, suores nocturnos, tendência para o isolamento, medo de sair à rua e de se deslocar e/ou frequentar quaisquer locais públicos e/ou abertos ao público. 188- Foi ainda feita prova dos danos por si sofridos, em consequência dos danos causados à sua filha e de que nunca mais conseguiu ter paz, serenidade e alegria no seu agregado familiar; evita sair de casa, tal como a referida filha, pelo que deixaram de se deslocar a parques infantis, supermercados, centros comerciais, restaurantes, concertos, cinemas ou a qualquer outro local onde habitualmente estejam Agentes de autoridade ou os possam encontrar pelo caminho e deixaram de se deslocar de autocarro ou qualquer outro transporte público; deixou de ter convívio social, com familiares e amigos; perdeu o gosto pela vida, passou a viver isolada em casa, sem vontade de sair,de se divertir, de conviver; era uma pessoa alegre, bem disposta e cheia de energia e passou a viver amargurada, triste, sem vontade e/ou capacidade de iniciativa seja para o que for; foi no Correio da Manhã e nas redes sociais e no seguimento de várias publicações feitas pelo Sindicato Unificado da Polícia de Segurança, na página do Facebook do Sindicato, acusada de ter praticado um crime e por isso BB a ter detido, de ser pessoa violenta, de ter ameaçado o condutor do autocarro, de ser pessoa desordeira, de ter sido ela a arranjar o conflito, de ter agredido BB e como tal até ter sido constituída arguida. 189-Ainda por causa da conduta de BB, AA ficou com a camisola e as calças que trazia vestidas, de valor não inferior a 50 EUR estragadas; teve que adquirir medicamentos, principalmente para as dores, de valor não inferior a 50 euros; teve que fazer várias deslocações, sendo o custo com transporte de valor não inferior a 200 euros, nomeadamente ao Hospital ..., a exames médicos, a farmácias, ao tribunal, à PSP, ao escritório da sua mandatária. 190- A testemunha HH descreveu que, após o incidente, a sua mãe tinha dificuldade em falar e caminhar, sendo necessário segurá-la para ajudar na locomoção. Antes do ocorrido, a mãe realizava as tarefas domésticas, mas após o incidente, outros familiares ajudavam, e isso perdurou por vários meses. - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2024-03-06_13-53-28.mp3, Data & Hora Início: 2024-03-06 13:53, minutos 00:42:03 a 00:45:02. 191- A filha da Arguida/Assistente mencionou que a vida da família mudou, pois antes faziam passeios e viagens, mas depois ficaram mais em casa, uma vez que a mãe não gostava de sair devido ao seu estado de saúde. A mãe queixava-se de dores, às vezes apontando com o dedo quando não conseguia falar, indicando as áreas doloridas. - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2024-03-06_13-53-28.mp3, Data & Hora Início: 2024-03-06 13:53, minutos 00:45:02 a 00:48:07. 192- Também o companheiro da Recorrente, MM, descreveu os danos supra indicados com vivido detalhe, tendo referido que que, após os acontecimentos, AA passou a usar peruca, sentia dores de cabeça constantes e teve dificuldades para comer devido a lesões na boca e dentes, situação que durou cerca de dois meses, durante os quais precisou de alimentá-la. - cfr. Diligencia_29--20.2PBAMD_2023-11- 22_14-55-54.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 14:55., minutos 00:31:08 a 00:32:18. 193- A testemunha MM descreveu igualmente que a companheira teve alterações emocionais significativas, ficando agitada, sem conseguir dormir e incapaz de lidar com a autoridade policial. Além disso, precisou de tomar medicação e ficou transtornada pela repercussão do caso na comunidade e na comunicação social. - Diligencia_29- 20.2PBAMD_2023-11-22_14-55-54.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 14:55., minutos 00:32:18 a 00:33:03. 194- MM explicou ao Tribunal que AA perdeu o emprego após dois meses sem poder trabalhar devido a dores no corpo e hematomas e que a filha do casal, HH precisou de acompanhamento psicológico. Mais afirmou que a família ficou abalada, e ele próprio passou duas semanas sem conseguir trabalhar, tendo ainda confirmado que o telefone e as roupas de AA também foram danificados durante o incidente. - Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-22_14-55-54.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-22 14:55., minutos 00:33:09 a 00:45:08. 195-GG relatou que sua tia, AA, sofreu grande impacto emocional e físico após o incidente, passou a evitar sair de casa por ser alvo de comentários racistas, e a filha, HH, desenvolveu um medo de policiais, chorando e ficando assustada ao ver pessoas fardadas. - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-12-06_11-08- 33.mp3, Data & Hora Início: 2023-12-06 11:08, minutos 00:20:35 a 00:28:31. 196-Mais referiu a testemunha GG que a tia também ficou traumatizada, com hematomas no rosto que levaram 7 a 8 meses para desaparecer. Além disso, ela perdeu parte do cabelo, precisando cortá-lo, o que a deixou desconfortável para sair de casa, deixou de trabalhar e, por três meses, não conseguiu cozinhar ou comer alimentos sólidos, sendo alimentada com sopas e sumos. O relacionamento com o marido e o ambiente familiar mudaram, e AA deixou de ser a pessoa alegre e ativa que era antes. Sofreu dores físicas e dificuldades para dormir e comer, o que prejudicou ainda mais sua rotina diária. 197-A testemunha SS descreveu o impacto profundo que o episódio teve na vida familiar de AA, destacando um sentimento generalizado de medo e tristeza. Relembrou conversas que testemunhou, onde HH e a sua família demonstravam medo de que algo de mal pudesse acontecer novamente, especialmente à mãe de HH. 198- Mais referiu a mesma testemunha que, além disso, o marido de AA sentia uma profunda sensação de injustiça por não ter conseguido protegê-la; que o episódio causou um impactosignificativo nas dinâmicas familiares, gerando um ambiente de luto contínuo na casa e que esse luto não foi superado e se intensificou com o processo judicial, causando profunda ansiedade e sofrimento diário - cfr. Diligencia_29- 20.2PBAMD_2024-02-07_13-52-13.mp3, Data & Hora Início: 2024-02-07 13:52, minutos a 01:38:47 a 01:41:24. 199-AA também descreveu ao Tribunal o impacto físico e emocional que sofreu após o incidente, explicando que que, devido aos ferimentos, precisou de ajuda do marido e da mãe para se alimentar e manter a higiene pessoal; que mãe trouxe remédios caseiros e chá para ajudar a remover o sangue coagulado no corpo. - cfr. Diligencia_29-20.2PBAMD_2023-11-08_14-16-17.mp3, Data & Hora Início: 2023-11-08 14:16, minutos a 01:21:39 a 01:24:00. 200-A Demandante AA também relatou ter desenvolvido um medo intenso de polícias, a ponto de evitar eventos ou locais onde eles estivessem presentes, mencionando que até o dia do julgamento sentia pânico, tendo dificuldades para comer e dormir devido à ansiedade. 201- Devem, assim, os factos não provados ww), xx), yy) e aaa) serem julgados provados e, em consequência, ser arbitrada à Demandante, ora Recorrente, a justa indemnização pelos danos patrimoniais e morais por si sofridos que vise compensar, dentro do possível, os danos corporais causados por BB e não impedidos por CC e DD, para além dos danos morais psicológicos sofridos pela Demandante em consequência direta dos factos sub judice. 202- Alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos requeridos, importará subsumir os factos ao direito. 203- No que respeita à conduta da Arguida/Assistente AA, a mesma encontra-se inequivocamente justificada à luz do disposto no artigo 21.º da Constituição da República Portuguesa que consagra o direito à resistência a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, não preenchendo os elementos subjetivos do tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada do artigo 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, pelo que deve do mesmo ser absolvida. 204- Mesmo que assim não se entendesse - o que não se concede, mas por cautela de patrocínio se equaciona - sempre se deverá então considerar que a Arguida/Assistente atuou em legítima defesa, nos termos do artigo 32.º do CPP, porquanto a sua atuação constituiu meionecessário para repelir a agressão atual e ilícita dos seus interesses juridicamente protegidos, por parte do Arguido BB, configurando a legítima defesa causa de exclusão da ilicitude. 205-No que concerne a detenção ilícita da Recorrente, o arguido BB sabia que não podia deter, prender, manter presa ou detida ou de qualquer forma privá-la da liberdade, como fez à Recorrente AA, sem qualquer fundamento legal, designadamente, por efeito da inexistência da prática de crime, e que ao actuar da forma supra descrita, fazia-o com grave abuso de autoridade, pelo que deve ser condenado na prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelos 158º, nº 1 e 2, al. g) do Código Penal. 206- No que concerne o desferimento de socos na viagem de carro até à esquadra e o pontapé na testa desferido na esquadra, o Arguido sabia que ao atuar do modo descrito agia com intenção de ofender e molestar o corpo e a saúde de AA causando- lhe lesões, dores e mal-estar físico, resultado que pretendeu e logrou alcançar, bem como que o fazia enquanto Agente da PSP no exercício de funções pelo que deverá ser condenado pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 26.º, 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. m) e 66.º , n.º 1, todos do Código Penal. 207-No que respeita às expressões dirigidas à Recorrente, "agora é que te vou mostrar, sua puta, sua preta do caralho, seu caralho, sua macaca, (...) estás a baixar a cara, caralho ainda por cima esta puta é rija", o Arguido sabia que ao dirigir aquelas expressões à ofendida AA ofendia a sua honra e consideração, o que pretendeu e alcançou, sendo que ao atuar da forma descrita, praticava o facto com grave abuso de autoridade, pelo que deve ser condenado em autoria material e na forma consumada na prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 26.º, 181.º, n.º1 e 184º. 208- O arguido BB praticou os factos supra descritos com flagrante e grave abuso da função em que estava investido e com grave violação dos deveres de isenção, zelo, lealdade, correcção e aprumo, revelando, deste modo, indignidade no exercício dos cargos para que tinha sido investido tendo, como consequência direta, a perda de confiança necessária ao exercício da função, pelo que deve ainda ser condenado pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 26º e 382º, todos do Código Penal, sendo-lhe aplicada a pena acessória de proibição de exercício de função prevista no artigo 66º, nº1, do Código Penal. 209- Por sua vez, os arguidos DD e CC, por se encontrarem no desempenho de funções e tendo presenciado a prática de crime público, ao não fazerem a comunicação, por qualquer meio, dos factos que tinham presenciado levando ao conhecimento da autoridade judiciária competente, violaram deveres inerentes às suas funções, e faziam-no com grave abuso de autoridade e que estavam obrigados a evitá-lo, bem sabendo que ao agirem como fizeram, as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, pelo que, também cada um deles, deve ser condenado, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelos arts. 26.º e 382.º, todos do Código Penal. 210- Sendo julgada procedente, como se confia, a requerida alteração da matéria de facto provada e não provada nos termos expostos, importa, então, subsumir os factos ao direito. Assim, 211-No que respeita à conduta da Arguida/Assistente AA, aqui recorrida, assente que está que à mesma foi ilegitimamente exigido que se identificasse, e que foi ilegalmente imobilizada e detida, porquanto inexistia qualquer fundada suspeita de crime que o permitisse nos termos do artigo 250 do CPP, a sua atuação tem de ser enquadrada no âmbito do direito à resistência a uma ordem ilegítima emanada de autoridade, direito consagrado constitucionalmente. 212-Sendo legítimo que uma pessoa assim abordada e manietada, desconhecedora de técnicas de imobilização ou de artes marciais supostamente de defesa, utilize os meios que tem ao seu alcance para se defender e que, no caso, foi o recurso à dentada para se libertar de uma ação contra si, ação que era ilegal, ilegítima e violadora do direito à liberdade - como bem se notou no despacho de acusação e arquivamento proferido originalmente nos autos. 213-A conduta da arguida encontra-se inequivocamente justificada à luz do disposto no artigo 212º da Constituição da República Portuguesa que consagra o direito à resistência a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão. 214-Em face do que se expõe, forçoso é concluir que a conduta da arguida não preenche os elementos subjetivos do tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada do artigo 145.º, n.º 1, al. a) e n.º2, por referência ao artigo 132.º, 215- Pelo que deve do mesmo ser absolvida. 216- Mesmo que assim não se entendesse - o que não se concede, mas por cautela de patrocínio se equaciona - sempre se deverá então considerar que a Arguida/Assistente atuou em legítima defesa, nos termos do artigo 322 do CPP, porquanto a sua atuação constituiu meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita dos seus interesses juridicamente protegidos, por parte do Arguido BB, 217- Configurando assim a legítima defesa causa de exclusão da ilicitude. Por outro lado, 218-No que concerne a atuação do Arguido BB, importa então qualificar juridicamente os factos por si praticados, e que infra se sintetizam: A detenção ilícita da Recorrente, com a violência à mesma associada, na paragem de autocarro; Os desferimentos de socos na viagem de carro até à esquadra; As expressões dirigidas à Recorrente, "agora é que te vou mostrar, sua puta, sua preta do caralho, seu caralho, sua macaca, (...) estás a baixar a cara, caralho ainda por cima esta puta é rija"; O pontapé na testa na esquadra. 219-Sublinhando-se que em consequência directa e necessária da actuação supra do arguido BB, sofreu a Recorrente as seguintes lesões: no crânio, arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais; na face, hematoma periorbitário que se prolonga até à região malar, bilateralmente, com edema acentuado subjacente, hemorragia subconjuntival dos os quadrantes laterais bilateralmente, escoriações com crosta sanguínea em toda a extremidade do nariz, incluindo asas nasais; equimose fortemente arroxeada na face mucosa de todo o lábio superior, com edema acentuado subjacente, ferimento aproximadamente linear longitudinal, com crosta sanguínea na metade superior, no lábio inferior, com edema acentuado subjacente; no pescoço, equimose fortemente arroxeada em todas as faces do pescoço, dolorosa à palpação; no membro superior direito, peso sobre a extremidade do 5º dedo da mão (associada a fractura da unha pelo sabugo), mobilidades do ombro, cotovelo e punho limitadas por dor, aparentemente sem deformidades ou outras alterações agudas; no membro inferior esquerdo, equimose arroxeada na face medial do terço médio da perna, com 6 cm por 2 cm de maiores dimensões. 220- Lesões que determinaram 21 dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (10 dias). 221-O arguido BB sabia que ao atuar do modo descrito agia com intenção de ofender e molestar o corpo e a saúde de AA causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, resultado que pretendeu e logrou alcançar, bem como que o fazia enquanto Agente da PSP no exercício de funções. 222- O arguido BB sabia também que ao dirigir aquelas expressões à ofendida AA ofendia a sua honra e consideração, o que pretendeu e alcançou, sendo que ao actuar da forma descrita, praticava o facto com grave abuso de autoridade. 223- Mais sabia o arguido BB que a Recorrente não podia ter sido detida, porquanto não tinha cometido crime ou suspeita da sua prática para que tal se verificasse, que a sua detenção e condução para o interior da esquadra da PSP, constituía um abuso de poder e a violação de deveres inerentes às suas funções e que, com a sua actuação, causava prejuízo a outras pessoas, o que quis e logrou concretizar. 224- O arguido BB sabia que não podia deter, prender, manter presa ou detida ou de qualquer forma privá-la da liberdade, como fez à Recorrente AA, sem qualquer fundamento legal, designadamente, por efeito da inexistência da prática de crime e que ao actuar da forma supra descrita, fazia-o com grave abuso de autoridade. 225- O arguido BB praticou os factos supra descritos com flagrante e grave abuso da função em que estava investido e com grave violação dos deveres de isenção, zelo, lealdade, correcção e aprumo, revelando, deste modo, indignidade no exercício dos cargos para que tinha sido investido tendo, como consequência direta, a perda de confiança necessária ao exercício da função. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade das suas condutas, a qual era agravada pela função profissional que exerciam e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 226- Assim, BB, deverá ser condenado, em autoria material e na forma consumada na prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 26.º, 181.º, n.º 1 e 184.º; na prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 26.º, 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al.a) e n.º 2 por referência ao artigo 132.º , n.º 2, al. m) e 66.º, n.º 1, todos do Código Penal; na prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelos 158.º, n.º 1 e 2, al. g) do CódigoPenal; na prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 26º e 382.º, todos do Código Penal; 227- Por outro lado, os arguidos DD e CC, por se encontrarem no desempenho de funções e tendo presenciado a prática de crime público, ao não fazerem a comunicação, por qualquer meio, dos factos que tinham presenciado levando ao conhecimento da autoridade judiciária competente, violaram deveres inerentes às suas funções, e faziam-no com grave abuso de autoridade e que estavam obrigados a evitá-lo, bem sabendo que ao agirem como fizeram, as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 228-Pelo que, também cada um deles, deve ser condenado, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelos arts. 26.º e 382.º, todos do Código Penal. 229-Por outro lado, e concreta e unicamente no que se refere ao Arguido BB, entende a Recorrente que deve o mesmo ser condenado na pena acessória de proibição de exercício de função prevista no artigo 66.º, n.º 1, do Código Penal. 230- Com efeito, dispõe o referido preceito que o funcionário que, no exercício da atividade para que foi eleito ou nomeado ou por causa dessa atividade, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, ou cuja pena seja dispensada se se tratar de crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem ou de corrupção, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 8 anos quando o facto: a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes; b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função. 231- Entende a Recorrente que os factos contra si perpetrados pelo Arguido BB não só foram praticados com flagrante e grave abuso da função, mas também commanifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes, enquanto agente da polícia. 232- Revelam, além do mais, os atos em causa indignidade no exercício do cargo de polícia. 233- E, no entender da Recorrente implicam, inevitavelmente, a perda da confiança necessária ao exercício da função de polícia. 234- Pelo que verificando-se os requisitos previstos no artigo 66.º n.º 1 do Código Penal, deverá o Arguido BB, independentemente de a pena de prisão ser efectiva ou com execução suspensa, ser proibido do exercício das respectivas funções. 235- Além de tudo quanto se deixou exposto, o presente recurso não pode deixar passar o facto de as audiências de julgamento realizadas no presente processo serem um caso flagrante de hostilidade e imparcialidade apriorística. 236- No caso dos autos, o ambiente formal e solene próprio de um momento do julgamento deu lugar a um ambiente hostil e intimidante que, necessariamente, criou nos intervenientes processuais menos habituados a estas lides, sentimentos de nervosismo, constrangimento, aflição ou medo. 237- Esse ambiente hostil ou intimidante prejudica a espontaneidade dos depoimentos, impede a lembrança de memórias relevantes, de modo geral impedindo que os depoentes - sejam arguidos, assistentes ou testemunhas - falem livremente e mesmo que os advogados trabalhem sem estarem condicionados ou pressionados e que o Tribunal consiga chegar à verdade material. 238- A imparcialidade judicial requer, entre outros, que o Tribunal adote uma postura neutra em relação às partes sendo o respeito pelo dever de urbanidade o princípio desta obrigação de neutralidade - o que não foi cumprido pelo Tribunal o quo em relação à Recorrente e às testemunhas que apresentaram em audiência uma versão dos factos condicente com a sua defesa. 239- A Sra. Dra. Juiz Presidente dos presentes autos, por diversas vezes, utilizou um tom manifestamente agressivo, interrompeu sucessivamente e pressionou a Recorrente, a sua Mandatária e as testemunhas por si arroladas para que respondessem mais rápido ou para se expressassem de forma que agradasse à Sra. Dra. Juiz Presidente, dando uma impressão de que já tomou uma decisão sobre o caso e que não estava disposta a ouvir todos os argumentos, perspetivas, nuances ou justificações do lado daRecorrente. 240-A relação que o Tribunal estabeleceu com a Arguida/Assistente AA e com aMandatária é digna de nota e deverá ser avaliada por este Tribunal superior sendo certo que, no entender da Recorrente, condicionou toda a forma como decorreu o julgamento, tendo a decisão sido reflexo também disto. 241- Acredita a Recorrente que V. Exas. ouvindo as gravações do julgamento não poderão deixar de concordar que a postura do Tribunal e a forma como trata e se dirige (seja nas palavras, seja no tom) à Arguida e à sua advogada são absolutamente inaceitáveis e tiveram um peso no sentido da errada e injusta decisão que ora se impugna. 242- O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) por várias vezes se pronunciou sobre a postura do juiz durante o julgamento, nomeadamente, abordando questões como postura intimidatória e frequentes interrupções do arguido ou dos advogados de defesa, concluindo pela violação do direito a um julgamento justo, consagrado no artigo 6.º da CEDH. 243- Requer-se ao Tribunal ad quem que, com os fundamentos supra explanados, altere o sentido da decisão nos termos ora peticionados e corrija este vício de imparcialidade e violação do direito a um julgamento justo, sem necessidade de recurso para o TEDH. 244- Com a decisão de que se recorre o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal; o disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Termina pugnando pela procedência do recurso e consequentemente:
a) Pela sua absolvição do crime de ofensa à integridade física qualificada;
b)Pela condenação de BB pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, de um crime de sequestro agravado, de um crime de injúria agravada e de um crime de abuso de poder em relação, todos em relação à recorrente.
c) Pela condenação de CC pela prática de um crime de abuso de poder em relação à recorrente.
d) Pela condenação de DD pela prática de um crime de abuso de poder em relação à recorrente.
e) Pela condenação de BB, CC e DD no pedido de indemnização civil deduzido pela recorrente.
f) Pela condenação do Estado Português no pedido de indemnização civil deduzido pela recorrente.
g) Pela condenação de BB na pena acessória de proibição do exercício de função prevista no artigo 66º nº1 do Código Penal.
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Inconformado com a decisão recorrida da mesma interpôs recurso o arguido BB extraindo da respetiva motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: A. O presente recurso tem por objecto a parte do acórdão que condenou o Recorrente "pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º2 do art.º 132.º, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um deles; - pela prática de dois crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um deles. Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do disposto no art.º 77.º do Código Penal, ... na pena única de 3 (três) anos de prisão; ... no pagamento a EE da quantia de 3.500 € (três mil e quinhentos euros)."; B. O Recorrente invocou em sede de contestação, a nulidade prevista na alínea e) do artigo 119º do CPP, por violação das regras de distribuição do inquérito e a nulidade da acusação, nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 283º do mesmo compêndio legal; C. O acórdão recorrido não apreciou essas questões fundamentadamente, limitando-se a mencionar que as mesmas não se verificavam; D.Se uma acusação é nula, não é por haver um despacho de pronúncia, que remete para aquela, que sana os seus vícios; E.No caso concreto, estando em causa crimes dolosos, a verificação do tipo subjetivo de ilícito pressupõe o conhecimento e vontade de realização de um tipo legal de crime por parte do agente, ou seja, pressupõe que estejam presentes o elemento intelectual, o elemento volitivo e o chamado elemento emocional. F.Quer isto dizer, que não se esgota o dolo no conhecimento de realização do tipo objetivo, é necessário o conhecimento e vontade de realização do tipo, isto é, o conhecimento e a consciência, por parte do agente, do carácter ilícito da sua conduta, como tem sido defendido pela jurisprudência - cfr. acórdão de 22/10/2003, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 11/5/2011 e de 11/10/06, do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/06/2012, 23/05/2012, Tribunal da Relação de Évora de 6/11/2012 e de 25/06/2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt; G.Para além do facto do Supremo Tribunal de Justiça ter fixado jurisprudência, pelo seu douto Acórdão n.º 1/2015, de 27/01/2015, no sentido de que, "a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º do Código do Processo Penal; H. Uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as nulidades suscitadas pelo Recorrente, o acórdão proferido é nulo, nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 379º do CPP; I.Há artigos dos Factos Provados, que da análise do texto do acórdão se verifica que ocorreu erro notório na apreciação da prova, por se ter valorado depoimentos de EE e FF, pese embora as reservas constantes do mesmo; J.Isto porque, quanto a FF mencionou: "Em face desde logo dos depoimentos prestados por FF, do seu conteúdo e modo de exposição, mas também da sua análise crítica e conjugada, de acordo com as regras daexperiência e da lógica, com a restante prova produzida, resultou claro para o tribunal que o primeiro deles foi condicionado por medo, pese embora já com a perspectiva enviesada, parcial e sugestionada que tinha sobre aquilo a que numa parte assistira e que noutra se passara perto de si, e que o segundo e o terceiro foram já fortemente marcados pela orquestração de perspectivas orientada para a desresponsabilização de AA e para a responsabilização do motorista e do agente da PSP que a abordaram, tal como sucedeu com GG, nos termos supra expostos, e que tal foi intensificado quer pela sua pré-existente evidente animosidade relativamente ao exercício da actividade própria da polícia (não sendo despicienda a referência do próprio a que se encontrava em liberdade condicional), quer pela sua - aí sim -, justificada revolta pela injustificada -claramente inadmissível -, privação da liberdade e pelas agressões físicas de que, já na esquadra, foi vítima pelo polícia que determinou que para ali fosse: BB. Nesta parte - a referente ao comportamento de BB para consigo -, FF transpareceu, no que descreveu, aquilo que efectivamente vivenciou, contrariamente ao que essencialmente quanto ao mais narrou, em que deixou condicionar a sua percepção e descrição parcial dos factos pela sua impetuosidade, pela sua mundividência e pelos interesses dos que considera mais próximos desta. K.E quanto a EE: "As imprecisões/incoerências nos descritos três depoimentos de EE foram reveladoras de que em audiência de julgamento relatou os factos como os recorda e de que os recorda com grau de precisão directamente proporcional à importância que naturalmente lhes atribuiu; daí que, por estar ainda mais focado na prévia questão entre o motorista e AA, tenha criado a memória de que estes não saíram do autocarro e de que BB aí entrou, quando resultou evidente, da análise crítica e global da prova produzida a tal respeito, que não foi isso que ocorreu, tendo a situação entre BB e AA decorrido na zona da paragem do autocarro. Emaudiência de julgamento, EE não quis relatar mais ou menos ou algo diferente do que percepcionou, quis relatar aquilo de que se recorda como se recorda, sendo - como sucedeu com II -, claro o carácter espontâneo, não preparado, nem orquestrado, nem sugestionado do seu depoimento, sendo as verificadas imprecisões/incoerências naturalmente decorrentes de, no desenvolvimento dos factos, ter tido a sua atenção focada em aspectos diferentes, de efectivamente não ter estado sempre a olhar para e atento a AA e BB, e do efeito do decurso do tempo (e da percepção da existência de diversas narrativas, de diversas proveniências) na memória. Importa ainda referir que as percepções de II e de EE diferiram também naturalmente em função da sua relação com as situações que foram ocorrendo, com o que os preocupava, com os locais onde cada um deles se encontrava em cada momento e com a decorrente capacidade/possibilidade de entendimento do que se passava”. L.Não foi produzida prova dos factos constantes dos artigos sobre os artigos 23º e 24º dos Factos Provados, uma vez que, a verificação do tipo legal de crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº1, 145º, nºs 1, alínea a) e 2, com referência à alínea m) do nº2 do artigo 132º, todos do CP, pressupõe a verificação de um dano que não há evidências de se terem verificado, já que não houve perícias, nem fotografias juntas aos autos, que fossem susceptíveis de verificação de um resultado: a lesão do corpo ou da saúde de outrem; M.A análise das declarações prestadas pelo Recorrente na audiência de julgamento do dia 8/11/2023, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal, com início pelas 15:56:41 e até às 16:31:10 horas, em especial, nas seguintes partes: 18:14 Aqui entretanto novamente os cidadão começaram a intervir, a puxar os braços e a dificultar a minha intervenção 21: 16 Novamente os cidadãos começam efectivamente a tentar puxar aqui e puxar acolá 21:49 Aqui há efectivamente novos cidadãos que tentam interferir, não sei se já estavam lá desde o início ou não ou se chegaram à posteriori, sei que efectivamente tive de dar ordens bem legais, bem perceptíveis, perdão, para os demais cidadãos não atrapalharem a minha actuação, à chegada dos colegas apontei dois cidadãos que efectivamente atrapalharam a minha actuação, foram esses dois conduzidos à esquadra, entretanto 22:18 Juiz: que se chamam? Sabe? Recorrente: não me lembro dos nomes Juiz; e atrapalharam como a sua actuação? Recorrente: puxando os braços, empurrar, chamando nomes Juiz: o sr. fez-lhes alguma coisa? Recorrente: não podia, não podia, estava com a sra. AA ... 24:15 Dei as ordens aos tais cidadãos que estavam em cima de mim a tentarem puxar novamente, o outro cidadão não consegui perceber quem era, estes sim, estes 2 últimos consegui perfeitamente perceber 30:01 eu como estava ferido, com sangue nos braços e nas mãos e com a roupa rasgada, dirigi-me para o interior da esquadra para fazer uma primeira avaliação daquilo que eu tinha a nível de ferimentos 30:50 Juiz: os outros dois srs. que disse que foram levados para a esquadra, foram levados por quem? Recorrente: não me recordo Juiz: o sr. viu-os na esquadra? Recorrente: vi sim senhora Juiz: e viu-os na esquadra, dentro da esquadra? Recorrente: dentro da esquadra Juiz: e aconteceu alguma coisa dentro da esquadra, com esses srs.? Recorrente: foram identificados pelos colegas das brigadas ou pelos demais policias, é de referir que junto ao local da paragem foi uma secção de piquete, que é tal carrinha mercedes que tem 9 policias no interior, comandada pelo Chefe PP e que o Chefe PP tomou conta da situação na esquadra 31:25 Juiz: o sr. assistiu a alguma coisa relativamente a esses srs.? Recorrente: não Juiz: teve alguma intervenção com esses srs.? Recorrente: não Juiz: esses srs. foram levados à esquadra porquê ? Recorrente: porque iam ser testemunhas da polícia Juiz: foram levados à esquadra porque queriam ser testemunhas da polícia? Recorrente: porque queriam ser testemunhas da polícia Juiz: não foi porque tinham reagido, ou tinham prejudicado a Recorrente: naquele momento, queria levá-los para os identificar, para perceber se eles efectivamente podiam ser testemunhas, minhas ou da sra. AA Juiz: mas eles tinham feito alguma coisa naquela situação? Recorrente: claro, durante a minha actuação prejudicaram a minha actuação Juiz: mas queriam ser testemunhas, mas foram levados à esquadra porque prejudicaram a sua actuação, ou seja, eles foram detidos ou foram levados à esquadra por serem testemunhas e pretenderem ir para a esquadra? Recorrente: foram levados para a esquadra, para efectivamente identificar aqueles srs. e eles próprios já não sei bem esta parte, eles quiseram ser testemunhas Juiz: de quem? Recorrente: daquilo que aconteceu Juiz: foram de livre vontade ou foram detidos? Recorrente: não, não foram detidos Juiz: o sr. ordenou a detenção desses srs.? Recorrente: não; N.Bem como as que o Recorrente prestou na audiência de julgamento do dia 15/11/2023, cujo depoimento, conforme consta da respectiva acta, se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal, com início ocorreu pelas 13:08:59 e o seu termo pelas 14:37:42 horas, pese embora no ficheiro áudio constar 13:59 - 14:37, em especial, nas seguintes partes: 9:29 Juiz: para além da sra. AA, o sr. mandou deter mais alguém? Recorrente: não senhor 11:34 Juiz: porque é que lhe disse para ir para a esquadra, ou o sr. foi voluntariamente, ou algum desses foi voluntariamente? Recorrente: negativo, voluntária não sei se foram, porque entretanto perdi a noção, eu pedi aos colegas que vieram para identificar os srs. e ou fazê-los conduzir à esquadra 26:01 Juiz: e na esquadra disse-lhes alguma coisa? Recorrente: nada Sra. Dra. juiz Juiz: quer ao sr. EE, quer ao sr. FF, que foram os srs. que foram para a esquadra? Recorrente: eu só os vi na esquadra, nunca falei com os mesmos O. Quanto ao depoimento do co-Arguido DD na audiência de julgamento do dia 15/11/2023, prestou declarações, tendo o seu depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal, com início ocorreu pelas 14:37:43 horas e o seu termo pelas 15:44:19 horas, que aos 36:52: Juiz: quando viu os outros srs. na esquadra, os tais dois Srs. EE e FF, os dois únicos que foram levados à esquadra, eles estavam algemados ou não? DD: não Juiz: viu acontecer-lhes alguma coisa na esquadra? DD: não P.Sobre os mesmos factos, o co-Arguido CC na audiência de julgamento desse mesmo dia 15/11/2023, prestou declarações, tendo o seu depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal, com início ocorreu pelas 15:44:20 horas e o seu termo pelas 16:14horas, tendo dito o seguinte aos minutos: 9:24 Juiz: sabem quem são os srs. EE e FF? CC: agora do momento do processo tenho esse conhecimento, sim Juiz: viu alguém que tenha sido, alguns, dois indivíduos que tenham sido conduzidos, para além da sra. AA, no local onde viu a sra. pela primeira vez, até à esquadra, viu alguém na esquadra que tenha sido conduzido do local? CC: vi na esquadra, não os vi a serem conduzidos, mas vi-os na esquadra Juiz: vi-os na esquadra, eram dois indivíduos CC: eram dois indivíduos Juiz: lembra-se do nome deles? CC: não me recordo do nome deles Juiz: e viu alguma coisa a acontecer a esses dois srs., o agente BB a interagir com esses srs. de alguma maneira na esquadra? CC: não vi Q. Ou seja, o Recorrente não deteve o assistente EE, nem FF, não interagiu com estes na esquadra, não lhes tendo dirigido a palavra e muito menos lhes bateu; R. Por outro lado, das declarações prestadas pelo assistente EE, percebe- se que este tem dificuldade em perceber o que lhe é perguntado e a exprimir-se e, confrontado com o teor das suas declarações prestadas perante o Ministério Público a 24/01/2020 - cfr. fls. 49 a 51 -, é perceptível que a linguagem não corresponde à utilizada por aquele na audiência de julgamento e que no depoimento foram escritos factos que o mesmo não disse, demonstrando que não percebeu quando leu e assinou o auto; S. Aliás, o assistente EE não pretendia apresentar queixa e só o fez porque foi induzido a tal pelo Ministério Público, contudo, este não ordenou que aquele fosse examinado, como seria normal; T.O que aconteceu foi o resultado da violação do Juiz natural; U. O artigo 140º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), que determina que a tramitação dos processos é efectuada electronicamente, o mesmo se passa com o artigo 16º da Portaria 280/2013 de 26/08, na versão actualizada pela Portaria 267/2018 de 20/09; V.Compulsados os autos, verificou-se que os presentes autos tiveram como data de autuação o dia 21/01/2020, tendo sido distribuídos eletronicamente à Procuradora da República, Dra. TT, da 2ª Secção da ..., pese embora, o interrogatório da Arguida efectuado no dia 21/01/2020, às 12h, tenha sido presidido pela Dra. UU; W. Acontece que, o titular do inquérito foi o Exmo. Senhor Procurador da República, Dr. VV, que se desconhece a que título é que avocou o inquérito, na sequência da sua ordem verbal para ser aberta conclusão no dia 22/01/2020, que consignou: "Nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 83º, nº2, al. A), do NEMP, aprovado pela Lei n.º68/2019, de 27 de agosto, avoco o presente processo. Comunique, de imediato, nos termos do Despacho n.º 6/2019 - Coordenação da comarca, a instauração do presente inquérito (Gabinete de apoio e Director do DIAP), com a informação que o processo vai ser sujeito a segredo de justiça. "Solicite ao Comandante da Divisão da FSF o envio imediato do inquérito 34/20.... e apresente-mo de imediato logo que dê entrada nestes serviços." - negrito nosso; X.Tal menção, pressupõe um conhecimento pessoal da existência de um inquérito, que ainda nem sequer deu entrada no DIAP ...; Y. O artigo 101º da LOSJ, define as competências do Magistrado do Ministério Público Coordenador, que são entre outras, a de "proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República e entre procuradores-adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei" (alínea d) e "afetar processos ou inquéritos, tramitação, a outro magistrado que não o seu titular, tendo em vista o equilíbrio da carga processual e a eficiência dos serviços, nos termos previstos no Estatuto do Ministério Público" (alínea g); Z. O artigo 101º da LOSJ, define as competências do Magistrado do Ministério Público Coordenador, que são entre outras, a de "proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República e entre procuradores-adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei" (alínea d) e "afetar processos ou inquéritos, tramitação, a outro magistrado que não o seu titular, tendo em vista o equilíbrio da carga processual e a eficiência dos serviços, nos termos previstos no Estatuto do Ministério Público" (alínea g); AA. Após a distribuição regular, a avocação do presente inquérito, sem ter sido consignado qualquer fundamentação para tal, com omissão de distribuição, é a violação do princípio do Juiz natural, por evidente violação das regras de distribuição e por inexistir qualquer fundamento para que a distribuição não fosse electrónica, conforme determinamexpressamente os artigos 140º da Lei 62/2013, 204º do CPC e artigo 16º da Portaria 280/2013 de 26/08; BB.A interpretação normativa dada ao artigo 205º do CPC, quando aplicável ao abrigo do artigo 4º do CPP, no sentido que perante uma derrogação das regras relativas à distribuição e perante uma escolha individual de um Magistrado, constitui uma mera irregularidade processual com os efeitos previstos nesse artigo, é inconstitucional por manifesta violação do princípio constitucional do Juiz natural previsto no nº 9 do artigo 32º da CRP, bem como do princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça e da independência e imparcialidade dos tribunais, prevista no artigo 203º da CRP; CC.Pelo exposto, a omissão de distribuição do presente inquérito ao Procurador da República Dr. VV, constitui uma NULIDADE INSANÁVEL, por contender com a determinação do juiz competente, aplicável também ao Ministério Público, prevista na alínea e) do artigo 119º do CPP; DD.Aquando das declarações prestadas de fls. 13 por EE, não se pode deixar de consignar a estranheza destas não referirem qualquer agressão e, a fls. fls. 49 a 51, após determinação do Procurador da República, é que aquele apresentou queixa; EE.As declarações do assistente EE, prestadas na audiência de julgamento do dia 22/11/2023, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal, com início ocorreu pelas 10:39:17 horas e o seu termo pelas 12:23:54 horas, importa verificar: 4:48 Juiz: sr. EE, o sr. percebe o que eu digo? EE: como, como Juiz: ouve bem? EE: ouço Juiz: ouve bem, sabe a que é que este processo aqui, porque é que estamos a fazer este julgamento? EE: sim, sim Juiz: estamos a fazer este julgamento porquê, tem a ver com que situação? EE: com uma briga da sra. AA e o polícia 42:01 EE: mandaram-me entrar na carrinha e depois mandaram-nos sentar e a gente sentou Juiz: mas mandaram e explicaram porquê? EE: ah Juiz: explicaram porquê vos mandaram a si e ao outro tal indivíduo entrar? EE: exatamente Juiz: sabe o nome dele EE: sei, mas já não estou recordado 42:34 Juiz: então disseram-vos para entrar na carrinha mas explicaram porquê? EE: não, não explicaram Juiz: foi uma ordem ou foi um pedido? EE: foi uma ordem 46:26 EE: quando chegamos lá tiraram-nos as algemas Juiz: e? EE: eu num lado e o rapaz noutro lado 46: 41 Juiz: então o sr. ficou então num lado dentro da esquadra num lugar e outro rapaz foi pra outro lugar, mas lugares fechados ou lugares abertos? EE: abertos Juiz: mas o sr. consegui ver o outro? EE: não conseguia 49:16 Juiz: havia outros polícias ali ao pé, quando o sr. levou esse murro, segundo diz? EE: ... imperceptível Juiz: havia outros polícias a assistir, ou não? EE: eram uns quatro polícias 49:57 Juiz: eu já lhe perguntei, mas isso foi num espaço aberto na esquadra, foi à entrada, foi mais para dentro, foi numa sala? EE: foi numa sala Juiz: mas quem entrasse na esquadra via logo essa sala? EE: quem entra via logo essa sala Juiz: quem entrasse na esquadra poderia ter visto isso? EE: sim 51:17 Juiz: o seu colega assistiu a esse muro ou não? EE: ele, ele Juiz: o seu colega quer dizer o sr. que foi para a esquadra, segundo diz, como o sr. foi é esse que se refere, já o conhecia antes? Diz colega porque foram nas mesmas circunstâncias para a esquadra, é isso? EE: sim Juiz: estava eu a perguntar esse sr. que também foi para esquadra consigo ele viu este murro, ou não viu? EE: não viu 53:12 Juiz: da primeira vez disse as coisas como aconteceram ou não? EE: disse Juiz: disse tudo como aconteceu? EE: sim Juiz: referiu que tinha levado esse murro ou não? EE: não disse Juiz: disse sempre tudo como aconteceu? EE: sim Sendo que, após a leitura do auto de inquirição de fls. 13 e 49, o assistente EE, disse: 1:09:15 EE: ele não estava lá a bater nela, agora não sei como é que está aí escrito 1:10:17 Juiz: o sr. pareceu-lhe que isso era necessário para deter a sra. ou pareceu-lhe que houve um momento que foi puramente bater para magoar? EE: era só para deter Juiz: quando o sr. disse bater neste depoimento que eu li a que é que se poderia estar a referir? EE: não sei como é que eu li e não percebi e assinei Juiz: ou leu e não percebeu e assinou, ou então não está a perceber como é que aquilo está ali? EE: sim 1:18:26 Ministério Público: se ouviu o sr. BB dar instruções aos colegas para o conduzirem à esquadra Juiz: ouviu alguém dar instruções para o conduzirem à esquadra? EE: como? Juiz: se ouviu, o sr. diz que lhe disseram para ir para dentro da carrinha, o sr. foi, sentou-se e foi algemado EE: sim Juiz: viu quem disse para fazer isto? EE: vi mas já não posso declarar quem é Juiz: não sabe quem é que disse para fazer isso? EE: não 1:41:37 Juiz: porque é que não apresentou logo queixa no dia seguinte? EE: eu até não era para apresentar queixa Juiz: sim? EE: aí no Tribunal ... ele, o Dr. disse que faz agora, apresentar queixa agora ounão, e eu disse que não valia a pena porque não tinha testemunhas, há polícia, mas não sei dizer quem são, quem é que dá prova de que era murro ou não. Mas o Dr. disse que tem que dar queixa Juiz: sim sr. e olhe e o sr. até esse momento, o sr. há pouco disse que não apresentou logo queixa porque teve medo e até esse momento teve medo ou não para apresentar queixa? EE: agora? Juiz: até ao momento em que a apresentou se teve medo ou não teve medo de apresentar queixa? EE: não, não teve. EE. O depoimento de EE tem que ser analisado à luz da experiência e da normalidade do acontecer e, não é verosímil que um agente da PSP, com a experiência do Recorrente, que integrou até o Corpo de Segurança Pessoal da PSP, após um episódio em que foi agredido, tendo sido EE uma testemunha dos factos, a agredisse e, muito menos, que o fizesse na entrada da esquadra; GG. O Depoimento da testemunha FF, não pode ser considerado como válido, porque, como refere o acórdão: "- FF (que não compareceu quando notificado pelo tribunal, mas que o fez depois de terem sido lidas, ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal, as declarações que anteriormente prestara e de, segundo referiu a mandatária da arguida/assistente/demandante AA, tal mandatária ter tido a iniciativa de contactar essa testemunha durante a "hora de almoço"); e "e como quem repete umaversão preparada, de modo despeitado, FF manteve o que a esse respeito afirmara." - cfr. pág. 108; HH. Face a estes depoimentos prestados após induções e condicionamentos de terceiros, com a vista a sustentar a tese amplamente difundida na comunicação social, implica necessariamente queos artigos 22º a 24º, sejam eliminados dos factos provados; II- Quanto ao artigo 22º dos factos provados, não foi o recorrente que ordenou que EE e FF fossem levados para a esquadra algemados, tendo-se limitado a pedir aos colegas que os identificassem no local, ou que fossem levados para a esquadra para esse efeito, numa com ordem de detenção; JJ. E, o Recorrente não praticou os factos constantes dos artigos 23º e 24º, porque na esquadra não se dirigiu, nem falou com EE e FF, pelo que, também não se verifica o facto constante do artigo 33º dos factos provados, o mesmo se diga dos artigos 34º; KK. Por outro lado, não foi produzida qualquer prova que sustente o teor do artigo 32º, 43º a 48; LL. Uma vez que os depoimentos de EE e FF foram induzidos por terceiros e, por isso, prestados com perturbação da capacidade de memória e de avaliação, o que constitui ofensa à integridade física e moral e, em consequência, NULIDADE, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 126.º do CPP; MM. O artigo 127º do CPP, consagra o princípio da livre apreciação da prova, mas tal não liberta o julgador das provas que se produziram nos autos, ou da sua falta, sendo com base nelas que terá de decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessasmesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio; NN. Não foi feita prova de que o Recorrente tenha praticado factos susceptíveis de preencherem os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de ofensa à integridade física qualificada e de sequestro agravado, este último até porque não foi feita prova de que tenha ocorrido grave abuso de direito; OO. O que implica a absolvição do Recorrente dos crimes pelos quais foi condenado; Se assim se não entender, o que somente por cautela de patrocínio se admite: PP. Face às dúvidas que tais depoimentos possam acarretar, ter-se-ia de aplicar o princípio in dubio pro reo como regra de decisão da prova; QQ. Pelo exposto, reapreciando o Tribunal da Relação de Lisboa a prova supra enunciada - depoimento do Recorrente, dos arguidos e de EE, mediante a renovação da mesma, aplicando o princípio in dubio pro reo, devem os factos constantes dos artigos 22º, 23º, 24, 32º, 33º, 34º, 43º a 48º dos factos provados, serem considerados como não provados e, a alínea kkk) deve ser acrescentada aos Factos Provados; Caso assim se não entenda, o que não se prevê, mas que por cautela de patrocínio, se faz constar: RR. As penas aplicadas ao Recorrente foram excessivas, atendendo às respectivas molduras penais, uma vez que este não tem antecedentes criminais; SS. A finalidade das penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do CP, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; TT. As exigências de prevenção geral, ao contrário do decidido não são elevadas, as condutas de agentes policiais são negativamente ampliadas pela comunicação social, por causa de determinados grupos que extrapolam os factos e as exigências de prevenção especial são mínimas, o Recorrente tem um historial de serviço com diversos louvores, com grande dedicação ao trabalho e aos cidadãos, encarando a força policial como uma missão e as consequências dos crimes em causa foram praticamente inexistentes; UU. Por outro lado, não faz sentido ter sido aplicada à Arguida AA, com antecedentescriminais 8 meses de prisão e ao Recorrente 10 meses; VV. Assim, caso se mantenha a condenação, que não se aceita, a pena a aplicar ao Recorrente deveria ser de 3 meses pelo crime de ofensa à integridade física qualificada e 2 anos quanto ao crime e, procedendo ao cúmulo das penas, nos termos dos artigos 71º e 77º do CP, a pena única adequada seria de 2 anos e 3 meses; WW. O Demandante EE peticionou aos 3 Arguidos, o valor de €3.500, pela alegada prática de 3 crimes; XX. Nos termos do artigo 496º do CC, tem-se aceite a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àquelas que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; YY. Como se disse supra, não foi produzida prova relativamente aos danos alegadamente sofridos e, muito menos que o Demandante tenha sofrido danos com intensidade ou gravidade, susceptível de merecer a tutela do direito; ZZ. E, o acórdão recorrido, não se pronunciou sobre a capacidade financeira do Recorrente e do Demandante, nos termos do artigo 496º nº 3 ambos do CC; AAA. Como supra se disse, o Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do nº 3 do artigo 412º do CPP. BBB. Tendo por base a parte dos depoimentos gravados supra mencionados, os artigos 22º a 24º, 32º a 34º e 43º a 48º dos Factos Provados, devem ser eliminadas desta categoria e passarem a Factos Não Provados e, a alínea KKK) deve passar a integrar os Factos Provados; CCC. Assim sendo, solicita-se, nos termos e para os efeitos do disposto da alínea c) do nº 3 e nº 4 do artigo 412º do CPP, a renovação das provas indicadas; DDD. O acórdão recorrido é nulo nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 379º, por conhecer de prova de não podia conhecer, para além de erro notório na apreciação da prova, nos termos daalínea c) do nº 2 do artigo 410º e há diversos factos que foram incorretamente julgados, nos termos do nº 3 do artigo 412º do CPP; EEE. Nesta conformidade, o acórdão recorrido violou o disposto nos: Artigos 40º, 70º, 71º, 77º, 90-B, 143º, 145º e 158º do Código Penal Artigo 119º, 125º, 126º, 246º, 283º, 340º e 379º do Código de Processo Penal Artigos 29º, 30º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
Termina pugnando pela procedência do seu recurso com a consequente revogação da decisão recorrida e sua absolvição de todos os crimes pelos quais foi condenado e pedido de indemnização civil.
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Admitido o recurso da arguida/assistente AA o Ministério Público apresentou a sua resposta extraindo da mesma as conclusões que a seguir se transcrevem: 1- A Assistente/Arguida AA foi condenada, nos presentes autos, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1 al. a), e 2, por referência à al. l) do n.º 2 do art.º 132.º, do Código Penal, na pena de 8 (oito)meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. 2- O Assistente/Arguido BB foi, para além do mais, absolvido da prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1, e do Código Penal; de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, e 145.º, n.s 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º 2 do art.º 132º, do Código Penal; de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal e de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º do Código Penal. 3- Os Arguidos CC e DD foram absolvidos da prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.382º do Código Penal. 4- Dúvidas não existem que a Recorrente comunicou ao motorista do autocarro da EMP02... onde viajava que a sua filha, HH não se fazia acompanhar do passe mas que o tinha. 5- Assim como, da prova produzida, não restam dúvidas que a Recorrente se recusou a pagar o respectivo bilhete para viajar, na ausência de passe. 6- Primeiro porque, não se fazendo acompanhar do passe, nunca ninguém afirmou que a Recorrente tinha adquirido o respectivo bilhete para a sua filha poder viajar - nem a própria Recorrente. 7- Depois, o facto do próprio motorista ter referido que a ouviu telefonar a perguntar se o passe estava em casa, ninguém, para além da própria Recorrente, da sua filha e do seu sobrinho, ouviram qualquer telefonema sobre tal assunto. 8- Efectivamente, a Recorrente, quando prestou declarações em audiência de julgamento, referiu que o motorista pediu o passe à sua filha, na altura com 7 anos, e esclareceu-o que a filha tinha passe, mas que se tinha esquecido do mesmo no bolso de outro casaco. O motorista nada disse. Não voltou a falar com o motorista e este também não lhe dirigiu a palavra. A dada altura liga a sua tia, para o telemóvel da sua filha porque estava sem telemóvel, porque estava uma confusão em casa. Quando passou a primeira paragem, segunda e terceira “entrou uma ...”. O motorista disse-lhe que tinha que descer porque a menina não tinha passe (cfr. ficheiro áudio: 20231108141617_4541694_2871281, de 08.11.2023, início: 04:38 e fim 06:48). 9- Por sua vez, a sua filha, HH, referiu que a mãe ligou ao irmão para trazer o passe. O irmão estava a demorar a atender e a mãe disse-lhe para ir levar o passe. Depois a mãe guardou o telefone. Passado algum tempo recebeu chamada da avó a dizer que estavam a bater na prima. Não percebeu o que a mãe estava a falar porque estava a falar com o primo GG, (cfr. ficheiro áudio: 20240306135329_4541694_2871281, de 06.03.2024, início: 04:38 e fim 12:22). Desceu do autocarro com a mãe e o primo. Quando estava mais à frente do café “...” o polícia agarrou a mãe por trás e disse-lhe para ir com ele até chegarem à paragem (mesmo ficheiro áudio, 12:50 a 13:36). O polícia não disse nada antes. Agarrou logo no capuz da mãe. Nessa altura estavam a andar, a ir para casa (mesmo ficheiro, 24:50 a 25:26). Enquanto decorreu a situação o irmão estava em casa. Quando, juntamente com o primo, já estavam quase em casa, cruzaram-se com o irmão que ia levar o passe. Isto cerca de meia hora depois do telefonema. Da paragem a casa terá demorado cerca de 2 minutos. O irmão demorou porque estava a jogar playstation (mesmo ficheiro, 52:28 a 54:27). 10- GG, quando prestou declarações, afirmou que a tia (Recorrente) disse ao motorista que o filho ia levar o passe à paragem e que aquele concordou. Bem como que a tia, na altura, ia a falar ao telemóvel com uma prima. Sabiacom quem a tia estava a falar (cfr. ficheiro áudio: 20231206094649_4541694_2871281, de 06.12.2023, início: 06:55e fim 07:29). 11- Verifica-se, assim, existirem contradições entre as declarações prestadas, muito embora resulte, igualmente, uma tentativa de “concertação” nas versões que deveriam ser apresentadas. 12- Desde logo a Recorrente não refere que telefonou ao filho e diz que recebeu um telefonema da tia. 13- Por sua vez a filha diz que a mãe ligou ao filho, que até estava a demorar a atender e lhe pediu para ir levar o passe. Depois, que recebeu um telefonema da avó e não da tia, conforme afirmado pela Recorrente. 14- Por outro lado, o sobrinho GG, que afirmou ter conhecimento da pessoa com quem a tia estava a falar, referiu que era com a prima. 15- Do que ficou supra referido, designadamente das declarações prestadas por HH resulta, inequivocamente, que nunca foi alegado por parte da Recorrente e aceite por parte do motorista, que alguém iria levar o passe à paragem. De facto, o filho da Recorrente, pessoa que alegadamente iria levar o título de transporte, nunca apareceu no local onde os factos ocorreram. 16- Ora, se era para o filho ir levar o passe à paragem, porque razão logo que saiu do autocarro, se encaminhou na direcção da sua residência, sendo certo que nem o filho nem outro familiar ali se encontrava ou, sequer, chegou enquanto durou a situação de conflito? 17- Sendo o transporte gratuito até aos 12 anos, é necessário que adquiram o respectivo passe. Sem o mesmo, o utente com mais de 4 anos tem de adquirir título válido para viajar. 18- O que a Recorrente não quis fazer. 19-O motorista do autocarro da “EMP02...” onde a Recorrente viajava, II, ouviu a Recorrente dizer que “se deviam juntar todos e dar uma surra”, o que lhe causou medo. 20- Se o medo sentido pelo motorista II se devesse a experiências negativas e não ao que ouviu a Recorrente dizer, como é que o mesmo teria “expressado sentimentos xenófobos e racistas” “que estão provados por vários depoimentos, com auxílio até dos do próprio” (segundo alegado pela Recorrente), num autocarro com passageiros maioritariamente africanos? E como, nas palavras da testemunha GG, tendo receio de situações ocorridas anteriormente, como iria “obrigar” a senhora de nacionalidade ... a sair na paragem seguinte por não ter passe da menor que a acompanhava? 21- Esse medo deveu-se às palavras proferidas pela Recorrente. 22- Palavras essas que o próprio motorista II referiu ao telefone quando ligou para o 112. 23- E, se aquela as não tivesse proferido qual a razão para quando, em sede de inquérito, prestou declarações perante magistrada do Ministério Público, ter declarado “encontrava-se a falar ao telefone com a sua tia sobre uma situação de violência doméstica, tendo dito no âmbito de tal conversa que se deveriam juntar todos e dar uma surra ao marido da sua prima, tendo o motorista pensado que se estava a referir a si” (cfr. Auto de Inquirição de fls. 31 a 34 dos autos). 24- Terá sido o motorista que, nas palavras da Recorrente, “efabulou” a tal “ameaça” que, na verdade nunca existiu, para justificar ter chamado a PSP? 25- Ou terá sido a Recorrente que “efabulou” uma situação de violência doméstica e que o marido da sua prima precisava de levar “uma surra” para justificar a “ameaça” ouvida pelo motorista e se desresponsabilizar da mesma? 26- Da prova produzida e melhor descrita na motivação da matéria de facto resulta provada a factualidade dada como provada nos pontos 50º e 51º ora impugnados. 27- Mas, mesmo que a frase “precisar de uma surra” não fosse, efectivamente, dirigida ao motorista, este ouviu falar em “surra” após ter confrontado a Recorrente com a falta do passe, pelo que, atento o comportamento manifestado pela Recorrente naquela altura, seria natural que pensasse que lhe era dirigida e, consequentemente, que se sentisse “ameaçado” e tivesse actuado como descrito no ponto 3º. 28- Pelo que tal facto foi dado como provado, não devendo ser alterado. 29- Bem como nada há a apontar aos factos dados como não provados, constantes dos pontos w), x), y) e z) e impugnados. 30- O tribunal a quo, ao dar o facto 2º como provado baseou-se nas declarações prestadas pelo próprio Arguido/Assistente BB em sede de audiência de julgamento (cfr. ficheiro áudio: 20231108155639_4541694_2871281, de 08.11.2023, inicio: 03:45 e fim 03:54), confirmado pelo teor do Auto de Noticia por Detenção de fls. 3 dos autos, datado de 20.01.2020 onde consta “Ao chegar junto da cidadã, esta estava aos gritos e a falar alto, dizendo “Eu faço o que eu quero e não sou obrigada a dar satisfações a ninguém”. 31- No que respeita ao facto dado como provado no ponto 6º, se o Arguido/Assistente BB não tivesse questionado a Recorrente, conforme aí consta, como poderia aquela responder, como a própria reconhece, que “não tinha feito nada”, que “apenas estava a falar com um familiar através do telemóvel”? 32- Aliás, foi a própria Recorrente que, quando prestou declinações, em sede de inquérito, perante magistrado do Ministério Público, referiu que: Entretanto reparou que o motorista vem acompanhado daquele homem que de imediato se lhe dirige a gritar, aproximando-se muito da sua cara dizendo-lhe “é a senhora que anda a fazer distúrbios na camioneta a mandar agredir o motorista”. 33- Tal facto resulta ainda, das declarações prestadas em sede de inquérito, perante magistrado do Ministério Público, por GG, que referiu: ... e é neste compasso de espera que que aparece o motorista acompanhado pelo agente que ainda tinha o casaco vestido a dizer na direcção da sua tia perguntando ”0 que é que se passa? Porque é que a senhora está a prometer uma surra ao motorista?” - cfr. Auto de Inquirição de fls. 234 a 236. 34- No que respeita à alegada “hostilidade” com que o Arguido/Assistente BB abordou a Recorrente resulta do depoimento da testemunha EE que aquele lhe solicitou a identificação que AA recusou dar (cfr. ficheiro áudio:20231122103915_4541694_2871281, de 22.11.2023, início: 13:00 e fim 13:40). 35- Nada resultando de hostilidade por parte do Arguido/Assistente BB. 36- Bem pelo contrário. 37- A hostilidade esteve sempre patente na atitude da Recorrente que se recusou a pagar bilhete pela filha, se recusou a identificar-se e se recusou a ser algemada. 38- O que foi confirmado pela testemunha II, motorista do autocarro, que esclareceu que o Agente BB solicitou apor várias vezes a identificação da Recorrente, tendo ela recusado (cfr. ficheiro áudio 20231121222352_4541694_2871281, de 22.11.2023, início: 11:00 e fim 11:19). 39- Razão pela qual, ao contrário do pretendido pela Recorrente, a factualidade dada como provada no ponto 6 não deve ser alterada. 40- Ao contrário do alegado pela Recorrente, consta do Auto de Notícia por Detenção de fls. 3 dos autos - cfr. § 3º de fls. 3 verso, que referiu que não tinha que dar “satisfações” - Factualidade dada como provada no ponto 7º. 41- O Arguido/Assistente BB, quando interrogado por magistrado do Ministério Público referiu que, quando abordou a Recorrente, se encontrava devidamente identificado, mas, ainda assim, exibiu a carteira profissional - cfr. Auto de Interrogatório, de 06.03.2020 (Factualidade dada como provada no ponto 8º). 42- O que confirmou quando prestou declarações em sede de julgamento (cfr. ficheiro áudio: 20231108155639_4541694_2871281, de 08.11.2023, 05:00 a 05:30), bem como, em sede de julgamento, esclareceu que explicou à Recorrente que tinha que a identificar face à ameaçaque tinha feito ao motorista, designadamente que estaria a reunir um grupo de pessoas, na próxima paragem, para o agredir (mesmo ficheiro, 05:00 a 05:30). 43-As expressões “não tenho que falar consigo” e “chamem a policia”, que ele não estava de serviço e que não tinha feito nada (Factualidade dada como provada no ponto 9º) resultam do Auto de Notícia por Detenção de fls. 3, bem como do Auto de Interrogatório de Arguido de 06.03.2020. 44-O referir que “não fez nada” resulta igualmente das declarações prestadas pela própria Recorrente, bem como pela sua filha. 45- De acordo com a factualidade dada como provada nos pontos 6º a 9º resulta inequívoco que a Recorrente não se mostrava “colaborante” (Factualidade dada como provada no ponto 10). 46- O mesmo sucedeu, posteriormente, quando foi socorrida pelos bombeiros NN e OO, que foram chamados, de acordo com o que foi declarado pelos mesmos quer em sede de inquérito (cfr. Autos de Inquirição de fls. 216 a 219, bem como ficheiro áudio: 20231122154326_4541694_2871281, de 22.11.2023, 05:20 a 05:40 e ficheiro áudio: 20231206115621_4541694_2871281, de 08.11.2023, 05:00 a 05:15, respectivamente). 47-Ao contrário do defendido pela Recorrente, uma pessoa não colaborante, perante um agente da polícia, não pede para “chamarem a policia”. Se estivesse colaborante, identificava-se e esclarecia o que, em seu entender, se tinha passado. 48- Por outro lado, alguém que pede a intervenção de um Agente da PSP porque foi ameaçado e teve medo pretende, à partida, apresentar queixa. 49- O que não significa, necessariamente, que a apresente. 50- Razão pela qual nada há a alterar à factualidade dada como provada no ponto 10º. 51-No que respeita à factualidade dada como não provada no ponto cc) há que esclarecer que, para além da Recorrente, ninguém referiu que o Arguido/Assistente BB “lhe desferiu um safanão na mão arremessando o telemóvel ao chão, partindo-o”. 52- Pelo contrário. A testemunha II referiu que “A senhora em causa (referindo-se à Recorrente) quis passar o telemóvel para as mãos do ora depoente para confirmar queque estava a falar com a mãe e este recusou”- cfr. Auto de Inquirição perante magistrado do Ministério Público, em 20.02.2020 e constante de fls. 213 a 215 dos autos. 53- Ora, se quis passar o telemóvel ao motorista era porque o tinha na mão, logo não foi arremessado ao chão. 54- Das declarações de HH (filha da Recorrente), não resulta que a Recorrente tenha ficado voluntariamente no local, mas sim que já iam a caminho de casa quando o Agente BB a agarrou pelo capuz. E, nas palavras da filha “a mãe andou para trás”. Isso não quer dizer que “tivesse acatado a ordem de não sair dali” (Factualidade dada como provada no ponto 11). 55- Por outro lado, a testemunha II, em sede de julgamento, referiu que a Recorrente queria ir embora e “estrebuchou”, discutiu, que não se identificava (cfr. ficheiro áudio: 20231122122352_4541694_2871281, de 22.11.2023, 14:25 a 14:40). 56- Pelo que a prova indicada não implica interpretação diferente do que foi dado como provado. 57- Factualidade dada como provada no ponto 12: Ao contrário do alegado pela Recorrente, não foi apenas o Arguido/Assistente BB que menciona o facto daquela lhe ter dado empurrões. A testemunha FF, quando inquirido em sede de inquérito, quando prestou declarações perante magistrado do Ministério Público, afirmou que “Como ela não se queria encostar, que não tinha falado com o motorista e não fez nada, o agente empurrou-a para a paragem e aí ela começou a resistir, empurrando egesticulando com o agente para impedir que este se aproximasse dela” - cfr. Auto de fls. 60 a 62. 58- O que reafirmou em audiência de julgamento, onde referiu que a Recorrente colocou a mão no peito do Agente porque ele estava a ir para junto dela. 59- Foi só depois que começou a filmar (cfr. ficheiro áudio: 20231206151252_4541694_2871281, de 06.12.2023, início: 14:20 e fim 16:30). 60- A factualidade dada como provada no ponto 13, impugnada pela Recorrente, resulta das declarações prestadas pelo Arguido/Assistente BB no Auto de Interrogatório de arguido de dia 06.03.2020, reiterado em sede de julgamento (mesmo ficheiro, 05:46 a 07:00). 61- Resulta igualmente do vídeo - ficheiro com 33517 KB, vídeo com a duração de 4 minutos e 1 segundo, cuja descrição se encontra efectuada a fls. 62 e 63 do acórdão proferido pelo tribunal a quo. 62- Pelo que não deverá ser alterado, conforme pretendido pela Recorrente. 63- A factualidade dada como provada no ponto 14 resulta da descrição efectuada pelo Arguido/Assistente BB em sede de julgamento (mesmo ficheiro, 07:00 a 08:04), bem como quando foi interrogado em sede de inquérito. 64- De facto, como seria espectável, as pessoas que estiveram presentes e que foram identificadas, aquando das suas declarações, não referiram que aquele tinha sido atingido por pontapés, nem sequer referiram que se aproximaram dele. 65- No entanto, como se refere da motivação da matéria de facto (fls. 124) tal mostra-se credível em face da dinâmica, da ambiência da situação, com destaque para a atitude e para a proximidade de quem ali se encontrava manifestando-se contra BB, e da atitude deste, nomeadamente ao gritar, insistentemente e aflito, para trás, para trás. 66-A factualidade dada como provada no ponto 15 resulta das declarações prestadas pelo Arguido/Assistente em sede de audiência de julgamento (mesmo ficheiro 09:00 a 09:34). 67- A factualidade dada como provada no ponto 16, impugnada pela Recorrente, nomeadamente a necessidade de a imobilizar resulta de toda a dinâmica constante dos vídeos juntos aos autos. 68 De facto, a Recorrente, não obstante se ouvirem pessoas a dizerem para ela não resistir e não morder o Agente, que estava ali a filha e se ouvir o choro de uma criança, o certo é que nem isso fez com que aquela deixasse de resistir, pelo que foi, efectivamente, necessário imobiliza-la. 69- A factualidade dada como provada no ponto 17, nomeadamente que a Recorrente, ao morder a mão direita de BB lhe causou cortes, resulta, quer da documentação clinica do Hospital ..., constante de fls. 176 a 178, quer do facto dado como provado no ponto 28, que não foi impugnado, quer das lesões que se veem a fls. 9 dos autos, fotografias de baixo, onde se veem as mãos do Arguido/Assistente com cortes nos dedos. 70- Lesões essas que a Recorrente quis, efectivamente, causar, bem sabendo que ao actuar daquele modo, descrito no ponto 17, molestava o corpo e a saúde de BB, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que pretendeu e alcançou. 71- Pelo que bem andou o tribunal a quo ao dar como provados os factos do ponto 27. 72- Factualidade dada como provada no ponto 19: Como resulta da dinâmica dos factos que se visualizam dos vídeos juntos aos autos, a Recorrente, enquanto se tentava libertar do Arguido/Assistente BB foi “rebolando” no chão, encontrando-se umas vezes por baixo outras por cima, pelo que é das regras da experiência comum que seja normal que bata com a cara no chão. 73-O que foi presenciado pela testemunha EE que, em sede de julgamento, referiu que a Recorrente caiu de frente, de cara para baixo. A cara bateu de frente (mesmo ficheiro já indicado, 18:15 a 20:26). 74- Bem como pelo sobrinho da Recorrente, GG, de acordo com o que este afirmou em audiência de julgamento (confere o mesmo ficheiro, 20:57 a 21:36). 75- Factualidade dada como provada no ponto 30: A Recorrente não podia desconhecer que BB era agente de autoridade. 76- Desde logo porque o mesmo se encontrava fardado e não restou qualquer dúvida às pessoas que estavam presentes, que o mesmo era agente de autoridade. 77- Depois, porque a própria o questionou e este identificou-se como tal. 78- Bem como se encontrava no exercício das suas funções pois também a informou dessa situação quando confrontado pela própria Recorrente. 79- Factualidade dada como provada no ponto 31: Como resulta da factualidade dada como provada, a Recorrente não agiu em legitima defesa. 80- Constitui legitima defesa o facto praticado, como meio necessário, para repelir a agressão actual e ilícita de quaisquer interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros (art.º 32 do Código Penal). A legítima defesa pressupõe uma agressão atual, o que significa em execução ou iminente, e ilícita, ilicitude que se deve considerar relativamente à globalidade da ordem jurídica, não apenas ao direito penal. 81- Ora, no vertente caso, não se verificou qualquer agressão em execução. 82- O Arguido/Assistente agiu exclusivamente para conseguir manietar a Recorrente na sequência de uma agressão eminente por parte desta, que não se querendo identificar, se lhe dirigiu com empurrões. Pelo que aquele agiu de forma licita, de acordo com os seus deveres, dado que havia uma denuncia por parte de um cidadão que se sentiu ameaçado pela Recorrente, que disse que ele merecia uma surra e, quando interpelada para se identificar, se recusou a fazê-lo. 83-Por seu lado, dispõe o art.º 21º da CRP que “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.”. 84- Ora, a Recorrente actuou com a intenção clara e explicita de impedir que o Arguido/Assistente BB a detivesse e a algemasse, bem sabendo do exercício de autoridade que aquele iria exercer sobre si e agiu do modo descrito visando impedir essa actuação de um agente do Estado. 85- Que bem sabia encontrar-se no exercício das suas funções. 86- Pelo que não lhe assistia o alegado direito de resistência. 87- Tendo actuado de livre vontade, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, como não podia deixar de saber. 88- Factualidade dada como provada no ponto 52: Ao contrário do alegado pela Recorrente, não ficou provado que o Arguido/Assistente, com a sua conduta, lhe tenha arrancado cabelo tendo ficado com lesões profundas no couro cabeludo, que sofreu dores nessa mesma área, o que a impediu de usar o mesmo penteado. 89- Efectivamente, não obstante o que ficou descrito na Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal, realizado no dia 23.01.2020, o certo é que no Processo Clinico - Urgência - do Hospital ..., que respeita à assistência médica que a Recorrente teve no dia da ocorrência, não se faz qualquer referência a falta de cabelo ou arrancamento de cabelo. 90- Por outro lado, a testemunha HH, filha daquela, referiu, em audiência de julgamento, que não se lembra quando a mãe tirou a “tissagem”. Quando a mãe chegou a casa ainda a tinha, no entanto não sabe dizer se a tirou decorridos alguns dias ou se um mês (mesmo ficheiro já identificado, 35:00 a 40:32) 91- Sendo que a testemunha GG referiu, igualmente em audiência de julgamento, que a tia só tirou a “tissagem” alguns dias depois, sendo que as fotos que constam dos autos (fls. 247 a 253) foram tiradas por si (mesmo ficheiro, 43:52 a 49:20). 92- Das fotografias constantes dos autos, designadamente de fls. 247 a 249, que alegadamente foram tiradas alguns dias após os factos ocorridos, não se vislumbra qualquer lesão do couro cabeludo, como seja vermelhidão ou feridas. 93- Daqui resulta que não se fez prova que o Arguido/Assistente BB, ao agarrar a Recorrente pelo cabelo lhe tenha causado, para além das normais dores, arrancamento de cabelo. 94- Factualidade dada como provada no ponto 53: O facto do Arguido/Assistente BB ter utilizado dois pares de algemas para algemar a Recorrente resulta das declarações por si prestadas em audiência de julgamento (24:30 a 26:19). 95- Sendo que a justificação apresentada para tal - falta de amplitude face à dimensão das algemas - é plausível. 96- Não sendo razoável que tivesse sido para “para a magoar e restringir ainda mais os seus movimentos”, como alega a Recorrente. 97- As imagens do pulso da Recorrente, constantes de fls. 251, não implicam necessariamente que as lesões tivessem resultado devido a ter sido utilizado apenas um par de algemas, mas sim da resistência que a mesma opôs à sua algemagem. 98- O tribunal a quo, para dar como provados os factos relativos à viagem e ao ocorrido durante a mesma teve em consideração a conjugação de todas as declarações prestadas pelos Arguidos e Assistentes/Arguidos e as regras da experiência comum. 99- Efectivamente, sendo Janeiro, não é de estranhar que as janelas do carro fossem fechadas. Estranho seria o contrário. 100- O Assistente/Arguido BB negou ter agredido, e que forma fosse, a Recorrente. O que foi confirmado pelos Arguidos DD e CC, que seguiam no banco da frente. 101- A Recorrente, ao descrever o que se teria passado no interior do carro durante a viagem para a Esquadra relatou, para além do mais, que na carrinha da polícia, quandoarrancou, “ele começou logo a bater-se muito, muito, muito, mesmo muito”. Começou a gritar por socorro. Foi por isso que fecharam o vidro do carro. Ele (Assistente/Arguido BB) “começou a tentar mudar-me as calças, começou a tentar mudar-me a roupa. A tirar a calça”. Dava socos na cara, muitos mesmo. Começou a arrancar o cabelo com muita força. Chegado à Esquadra agarrou-lhe na gola do casaco, por trás e atirou-a ao chão e deu-lhe pontapé na cara (testa) com muita força (cfr. ficheiro supra identificado, 12:06 a 13:20). Quando chamaram os bombeiros sentiu alguém puxá-la à força de dentro do carro a atirá-la ao chão. Já não via nem conseguia falar. Ele “rebentou-lhe a boca até ao fundo”. Não conseguia falar. Fizeram-lhe respiração com a bota no peito, para ver se tinha pulsação, para verem se ainda estava viva (15:00 a 16:28). 102- Sendo que já tinha referido que, quando ainda estava na paragem do autocarro, para justificar ter mordido o braço ao Assistente/Arguido BB, o fez porque, se não o tivesse feito, morria. Ele, a todo o tempo, a tentou “esganar”. A filha a assistir e a chorar e ninguém queria saber dela (9:40 a 10:07). Quando os colegas dele chegaram, ele estava sentado “em cima de mim, a tentar me tirar o olho. Gritava que ele lhe ia “arrancar o olho”. Ele colocou a mão e estava a puxar-lhe o olho. Por isso é que ficou com a cara “danificada”. Tem vídeo no seu telemóvel a gritar que lhe ia tirar o olho (10:44 a 11:19). 103- Da descrição feita pela Recorrente do que se passou, pode-se constatar a falta de razoabilidade do que alega lhe ter sido feito pelo Assistente/Arguido BB. 103- Gritou que lhe estava a tirar o olho quando, do vídeo junto aos autos pela própria Recorrente, se pode verificar que, quando está a gritar que lhe estão a tirar o olho, o Assistente/Arguido BB não tinha as suas mãos sequer perto da cara daquela (cfr. ficheiro com 10188 KB, vídeo com a duração de 42 segundos). 104- Já dentro do carro refere que aquele lhe estava a “mudar” as calças e a roupa que trazia vestida, que lhe bateu muito, o que repetiu várias vezes, que lhe arrancou o cabelo. 105- Porém momentos antes tinha referido que foi por causa dele lhe querer “arrancar o olho”que ficou com a “cara danificada”. 106- Ora, a versão apresentada pela Recorrente não merece qualquer credibilidade. 107- De notar, ainda, que os bombeiros que a assistiram após ter chegado à Esquadra - NN e OO (06:28 a 10:10) afirmaram que não viram cabelo arrancado, que apresentava ferimentos na face, em ferida, lesões de embate, mas não havia inchaço, só sangue no nariz e no lábio. Sendo que o inchaço é normal de uma lesão. Evolução normal. 108- NN afirmou mesmo, quando confrontada com as fotografias constantes dos autos, que algumas dessas lesões já têm mais tempo, ou seja, como estão retratadas não podem ter sido tiradas logo após os factos terem ocorrido (11:14313:56). Ou seja, o inchaço que se vê das fotos juntas aos autos a fls. 247 a 253, tiradas alegadamente pela testemunha GG, sobrinho da Recorrente, não retratam o estado da face desta antes de chegar ao hospital. 109- Logo, também não se pode afirmar que a Recorrente, quando saiu da paragem de autocarro e foi conduzida à Esquadra, não apresentava aqueles ferimentos, pelo que só poderiam ter sido causados pelo Assistente/Arguido BB, com a “conivência” dos Arguidos CC e DD. 110- Por outro lado, a versão apresentada pela testemunha FF também não merece credibilidade. De facto, esta foi conduzida à Esquadra e, uma vez ali chegada, foi levada para uma sala, no seu interior, pelo que não poderia saber se o carro onde tinha seguido a Recorrente já tinha chegado ou se chegou depois e, neste último caso, quanto tempo depois. 111- Face ao que ficou dito, também não será de estranhar que a testemunha QQ, sentinela de serviço, tivesse afirmado que nunca viu AA com as lesões documentadas nos autos apesar de a ter visto antes de entrar para a ambulância. 112- E se o disse foi porque, efetivamente, não viu, e não para proteger o Assistente/Arguido BB, como afirma a Recorrente (cfr. ficheiro referido pela Recorrente no ponto 141 das conclusões, que aqui se dá por reproduzido). 113- Face ao exposto, não assiste razão à Recorrente quando afirma que “impunha- se necessariamente dar como provados os factos julgados não provados j), l), m), p), s), t), u) v), mm), nn), 00), pp), qq) e rr). 114-Também não resultou, da prova produzidas em audiência, que: - CC olhou para a parte traseira da viatura algumas vezes e apercebeu-se da conduta ilícita ou imprópria por parte de BB, ou que - DD viu o que se passava de relevante e errado dentro da viatura, pelo retrovisor; - CC e DD ouviram AA queixar-se de ter sido e estar a ser agredida e ouviram BB a insultá-la; - CC e DD presenciaram as agressões perpetradas por BB contra AA na viatura policial em que seguiam. 115- Consequentemente, ao contrário do alegado pela Recorrente, não se impõe a alteração da factualidade dada como provada nos pontos 73º, 74º e 75º. 116- Devendo-se manter a factualidade dada como provada nos pontos 76 e 77. 117- Ao contrário do alegado pela Recorrente, em momento algum os Arguidos DD ou CC referiram que viram o Assistente/Arguido BB dar um pontapé na testa daquela ou verificaram ferimento/lesão compatível com tal conduta. 118- Pelo contrário. Ambos afirmaram que o Assistente/Arguido BB, uma vez chegados à Esquadra, saiu de imediato do carro e se dirigiu para o interior, juntamente com o ArguidoDD, para ir tratar dos ferimentos que também apresentava. Tendo o Arguido CC ficado a auxiliar a Recorrente a sair do carro. 119- O Arguido DD referiu ainda que quando voltou à rua, a Recorrente estava deitada no chão, de lado, supostamente inconsciente. E disse supostamente porque quando chegaram os meios de socorro, o bombeiro comentou consigo que a senhora estava a fingir o seu estado porque lhe fazia pontos de pressão no seu corpo e ela reagia. 120- Por outro lado, dado que foi com ela na ambulância, constatou que esta nunca falou com os bombeiros que lhe faziam perguntas para poderem prestar os primeiros socorros, nomeadamente se estava grávida, se tinha diabetes. Porém, quando chegaram ao hospital, ela viu uma pessoa de bata branca, levantou-se de imediato e disse ”os policias me bateram” (cfr. ficheiro áudio: 20231115143741_4541694_2871281, de 15.11.2023, inicio: 03:30 e fim 04.04 e 04:41 a 08:07). 121- O Arguido CC referiu que viu a Recorrente com escoriações no lábio e no nariz, mas não no estado das fotos. 122- Ao chegar à Esquadra disse aos colegas que ajudava a Recorrente a sair do carro e aconselhou o Assistente/Arguido BB a ir tratar-se de imediato. 123-Quando estava a auxiliar a Recorrente a sair do carro, sendo que ela já estaria de pé, fora da viatura, esta caiu ao chão. Ficou um “peso morto”. Tentou suportar esse peso e amparar a queda. Verificou os sinais vitais da senhora, chamou o colega sentinela, que sabia ser bombeiro nas horas vagas, para o auxiliar e a colocar em posição de segurança e chamou 112 do seu próprio telemóvel (cfr. ficheiro áudio: 2023115154418_4541694_2871281, de 15.11.2023, 06:06 a 06:43 e 18:15 a 23:14). 124- Mais referiu que, no decorrer do telefonema, quando exclamou “O gajo ainda nos vai foder a todos”, se estava a referir ao operador e ao tempo de espera da chamada (cfr. ficheiro áudio: 20231122094803_4541694_2871281, de 22.11.2023,15:35 a 18:15 e 19:42 a 23:14). 125-Do que ficou dito resulta preocupação pelo estado da Recorrente, como teriam por qualquer outra pessoa que se encontrasse na Esquadra, pois esta aparentava estar sem sentidos, mas não porque esse estado tivesse sido causado por qualquer um deles. 126-Pelo que, da prova produzida, não se impõe a alteração da matéria de facto dada como não provada provados m), n), o), k), ss), tt), uu) e w), não devendo, consequentemente serem dados como provados aqueles factos, ao contrário do pretendido pela Recorrente. 127- Mantendo-se a factualidade dada como provada nos pontos 54º, 55º, 79º, 80º,81º e 82º. 128- De facto, do Processo Clínico - Urgência do Hospital ..., referente à assistência médica da Recorrente, no dia 19.01.2020, junto a fls. 172 e 175, nomeadamente de fls. 173, resulta “Pouco colaborante. Recusa tratamento médico e de enfermagem. Informada médica assistente que vem falar com a utente.”. Só após a médica ter falado com a Recorrente é que esta acabou por aceitar tratamento. 129- E não se diga que, o recusar o tratamento era justificado pelo facto de não ser “difícil concluir que AA apenas desejasse chegar a casa” porque alguém que fosse agredida tão “barbaramente” como alega a Recorrente, teria necessariamente de ser assistida e não estaria, sequer, em condições de recusar qualquer tratamento que se revelasse urgente. 130- Pelo que também não deverá ser alterada a factualidade dada como provada no ponto 55º. 131- Assim como não devem ser julgados provados os factos julgados não provados nos pontos m), n) e o). 132- A factualidade dada como provada nos pontos 103º,104º,105º,124º e 125º., que foram impugnados, resultam do teor dos Relatórios Sociais, elaborados pela DGRSP e juntos aosautos em 01.09.2023, bem como da análise crítica e conjugada da prova produzida em sede de audiência de julgamento, de acordo com as regras da experiência e da lógica. 133-Atenta a factualidade dada como provada, que como ficou supra referido, não devem ser alterados por se ter feito prova dos mesmos, nunca poderiam os factos oraimpugnados - os factos dados como não provados nas alíneas ww), xx) yy), zz), aaa) - serem dados como provados, por se encontrarem em contradição com aqueles. 134- Não se coloca em causa que a situação ocorrida tenha causado danos físicos e psicológicos na Recorrente e na filha que a tudo assistiu. 135- No entanto, tendo em consideração a factualidade dada como provada e a que foi dada como não provada, há que concluir, necessariamente, que a responsabilidade por essas consequências não pode ser imputada àqueles e, consequentemente, ao Estado Português. 136- Não gerando qualquer obrigação solidária de indemnizar a Demandante. 137- Não se verificando os requisitos, quer de uma legitima defesa quer do direito à resistência, há que concluir, como concluiu o tribunal a quo, que a conduta levada a cabo pela Recorrente contra o Assistente/Arguido BB - “AA investiu com murros em BB, este desequilibrou-se, caíram ao chão, e AA começou a dar-lhe cotoveladas, (facto nº 155 da factualidade dada como provada), “Porque foi necessário para a imobilizar, BB colocou o braço direito por baixo do braço direito de AA e agarrou este com o outro braço.(facto nº 16 da factualidade dada como provada), “Nesse momento, AA mordeu diversas vezes no braço direito e na mão direita de BB, causando-lhe cortes, hematomas e arranhões, (facto nº 17 da factualidade dada como provada) integram o crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, nº 1, 145º, nºs 1, al. a), e 2, por referência à al. l) do nº 2 do art.º 132.º, do Código Penal, pelo qual foi condenada. 138- O Assistente/Arguido BB deteve a Recorrente na sequência da recusa da sua identificação seguida da conduta fisicamente agressiva que a mesma adoptou contra BB. 139- Pelo que este a deteve legitimamente, porque justificada. 140- Logo, não cometeu o crime de sequestro de sequestro agravado, p. e p. pelo art.158º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal. 141- Não se tendo provado que o Assistente/Arguido BB tenha proferido qualquer tipo de injúrias, há que concluir não ter praticado um rime de injúria agravada, р.e p. pelos arts.26º, 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal. 142- Pratica o crime de abuso de poder, p. e p. pelos arts.26º e 382.º, do Código Penal, “o funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa”. 143- Para o preenchimento do tipo subjectivo do ilícito o agente terá que actuar com uma específica intencionalidade, traduzida no objectivo de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa. 144- Ora, nenhuma dessas condutas são passíveis de serem imputados aos Arguidos BB, CC e DD. 145- Conforme se referiu no Acórdão do STJ, de 20.02.2019 (disponível em.www dgsi.pt) “a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem concluído no sentido da violação do artigo 6.º da Convenção no caso de o processo, como um todo, não poder ser considerado “justo”, por ter conduzido a uma decisão “injusta”, em virtude de ter havido violação das regras de obtenção de prova que conduziu à condenação e, em consequência disso, ter ocorrido violação de outros direitos protegidos pela Convenção, em particular do direito à protecção contra a tortura (artigo 3º) ou do direito ao respeito pela vida privada (artigo 8.º), como pode ver-se nos acórdãos de 12.7.1988, no caso Schenck с.Suíça, de 4.10.2000, no caso Kahn c. Reino Unido, e de 11.7.2006, no caso Jalloh c. Alemanha (em www.echr.coe.int, case-law)”. 146- Ora, basta uma mera leitura do acórdão proferido para se concluir que a análise que o Tribunal a quo fez das provas carreadas em sede de audiência e julgamento, conjugada com a prova documental e pericial existente nos autos, mostra-se coerente, lógica e racionalmente justificada, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e os critérios da normalidade. 147-Sendo assertiva a fundamentação esplanada, permitindo compreender o raciocínio lógico que presidiu à sua prolação, não resultando do seu texto que tivesse que ser outra a decisão do Tribunal a quo. 148-A decisão proferida é uma decisão “justa” não se tendo verificado qualquer violação das regras de obtenção de prova que conduziu à condenação/absolvição. 149- Consequentemente, não ocorreu qualquer violação dos direitos protegidos pelaConvençãoEuropeia dos Direitos Humanos, nomeadamente do seu art.º 6º. 150- No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito. 151- Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.
Termina, assim, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.
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Também o arguido/assistente BB apresentou resposta ao recurso apresentado por AA extraindo as conclusões que a seguir se transcrevem: A. A recorrente recorreu do acórdão proferido, impugnando determinados factos provados e não provados, por incorrectamente julgados, quanto à sua condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, quanto à absolvição dos Arguidos pela prática de um crime de injúria agravada, ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado e abuso de poder e, bem assim, da absolvição do pedido de indemnização civil deduzido contra estes e o Estado Português; B. Por incumprimento dos nºs 1, 3 e 4 do artigo 412º do CPP, deve ser rejeitada a impugnação factos provados e não provados, por incorrectamente julgados; C. Nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2012, publicado no DR-1â, de 18/04/2012, "Necessário é, ainda que impugnem a matéria de facto, pela forma prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º C. P. Penal, que pretendam a reapreciação da prova gravada e que indiquem concretamente as passagens em que se funda a impugnação, por referência ao consignado na acta - que contém o início e o termo do depoimento - ié, que situem no suporte - assim facilitando a indagação a levar a cabo pelo tribunal de recurso, da gravação o local e o momento em que constam as afirmações em causa;" - negrito nosso; D. As conclusões apresentadas pela Recorrente não indicam as provas que pretende ver renovadas, conforme prevê a alínea c) do nº 3 do artigo 412º do CPP, nem as referências que fez das alíneas a) e b) desse dispositivo legal, cumprem a exigência do nº 4, pois não fazem menção ao consignado em acta; E. Nesse caso, não é possível fazer o convite para completar ou esclarecer as conclusões formuladas, conforme estatui o nº 3 do artigo 417º do CPP, porque esseaperfeiçoamento não pode permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação - nº 4 desse preceito legal; Se assim se não entender, F. O erro na apreciação da prova terá este de resultar do texto da decisão recorrida, "é uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio» - Ac. do STJ de 20.11.2014, entre outros, in http://www.dgsi.pt; G. A existência de tal erro, pressupõe que, do texto da decisão sob recurso, por si só, ou conjugado com o senso comum, se conclua, de imediato e facilmente, de forma a que a factualidade dada como provada se apresenta como contrária às regras da experiência comum e da lógica da normalidade do acontecer; H. A matéria de facto pode ser alterada desde de que o vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sempre que: a) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) erro notório na apreciação da prova. I. O princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do CPP, está sujeito às regras da experiência e livre convicção do julgador, face à prova produzida; J. Na verdade, a Recorrente apenas discorda da forma como o Tribunal a quo apreciou a prova, qualificou os factos e aplicou o direito aos mesmos; K. A testemunha II, aquando do seu depoimento na 2â Secção do DIAP ..., referiu que: "já foi agredido três vezes no seu posto de trabalho, a última das quais no dia 24/01/2020", ou seja, 5 dias após os factos em causa nos presentes autos; L. Estava, por isso, alertado para eventuais ameaças, nas declarações prestadas por II na audiência de julgamento do dia 22/11/2023, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal, com início pelas 14:05:15 horas e o seu termo pelas 14:25:07 horas, pese embora o ficheiro em causa indicar 12:23 - 13:12 - Testemunha II, tenha dito o seguinte aos minutos: 7:25: E por 2 ou 3 vezes, ouvi a Sra. dizer ah, que o motorista precisa de levar uma surra, o motorista precisa de levar uma surra e eu já não estava a achar pronto aquela conversa muito normal e pronto e foi quando avistei ao chegar à paragem do Bairro ... quando avistei o agente em questão, vinha pelo passeio, Ok parei na paragem, abri a porta traseira, a Sra., o acompanhante e a menina saíram normalmente e eu fui ter com o agente e contei a situação que se estava a passar; Ministério Público: mas disse que o que contou ao agente para justificar uma intervenção? Testemunha II: disse ao Sr. agente o que tinha acontecido ... e depois que vinha ao telefone que o motorista precisava de levar uma surra, que o motorista precisava de levar uma surra. M. Não foi produzida qualquer prova de que o filho da Recorrente, ou qualquer outa pessoa, estivesse na paragem para mostrar o passe da filha desta, ao motorista, de resto, aquela confessou que a sua filha não trazia o passe consigo e que não adquiriu bilhete para a mesma; N. Os depoimentos citados pela Recorrente das testemunhas FF e GGsão contraditórios, já que um invocou que uma outra senhora que também não queria pagar bilhete, nem tinha o passe de uma criança, seria de etnia ... e outro de nacionalidade ...; O. Nos termos do nº 3 do artigo 6º da Lei 28/2006 de 4/07, determina que é permitida a intervenção de um agente da autoridade, para identificar o passageiro que não tem título válido e que não o pretende adquirir; P.Para além disso, ao se sentir ameaçado, o motorista comunicou que tinha sido alvo de ameaça e solicitou a intervenção de agente da autoridade, com vista à identificação da Recorrente, pelo que, era obrigação do Recorrido identificar-se como Agente da PSP, como fez, e solicitar a identificação à Recorrente; Q. Para além das declarações do Recorrido, a testemunha JJ na audiência de julgamento do dia 22/11/2023, prestou declarações, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal, com início pelas 14:25:08 horas e o seu termo pelas 14:55:55 horas, pese embora o ficheiro em causa indicar 14:24 - 14:55 - Testemunha: JJ, tendo dito o seguinte aos minutos 4:40, afirmou: O Sr. agente estava a falar com a Sra. e estava a dizer que era agente, estava-se a apresentar como agente de autoridade; R. Face à identificação do Recorrido como Agente da PSP e solicitação de identificação à Recorrente, bastaria esta se ter identificado, como faria qualquer cidadão; S. Contudo tal não ocorreu, pelas características pessoais da Recorrente: i) da listagem de processos pendentes, para além do presente inquérito e de dois inquéritos tutelares educativos, tem dois processos de ofensas à integridade física simples e um por violência doméstica; ii) do seu registo criminal consta a condenação da Recorrente, por decisão proferido em 17/01/2028, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 5; iii) quando os agentes foram ao Hospital para notificarem a Recorrente, esta recusou-se a assinar o interrogatório, o TIR e a notificação; iv) no hospital, conforme se pode ver de fls. 173 a 175, no balcão de Urgência Geral: "Poucocolaborante. Recusa tratamento médico e de enfermagem. Informada medica assistente que vem falar com utente. Posteriormente, após nova abordagem à utente aceita tratamento prescrito. Doente de difícil abordagem por falta de colaboração da doente. Nega algumas orientações do ponto de vista clínico como: Recusa cumprimento dos actos de enfermagem - colheita de sangue, cateterização de acessos periféricos, mobilização para higiene e aplicação de gelo na face.Foi explicado o objectivo da colheita e outras condutas, que mesmo assim a doente se nega a colaborar.Com apoio do chefe de equipa e convenceu a doente que agora colabora. Escoriação na pirâmide nasal, L+D, Laceração na face interior do lábio inferior, recusa de sutura. Alta da cirurgia apos discussão com chefe de equipa"; T. Tem relevância para a decisão, o facto da detenção da Arguida ter sido validada a fls. 28; U. A Recorrente na transcrição que fez de parte do depoimento da testemunha II, cita: "ela estrebuchou e discutiu e disse que não se identificava." - cfr. fls. 39 do recurso; V. O auto de denúncia de fls. 66, datado de 20/01/2020, às 08h18m, que deu origem ao NUIPC 34/20...., ou seja, na manhã seguinte dos factos, a Recorrente apenas referiu o seguinte: "Na data e hora mencionadas, compareceu no ... Esquadra ... a denunciante AA, que informou que no dia 19, pelas 21 horas, quando se encontrava no transporte público n.º ...63, foi abordada pelo motorista pelo facto de a sua filha não ter consigo o título de transporte. Segundo a denunciante, esta informou o motorista de que na próxima paragem lhe mostraria o passe que comprovaria que a filha tinha o direito a usufruir daquele transporte; posteriormente, aquela atendeu uma chamada telefónica, no seu telemóvel e, quando o autocarro parou na paragem, a mesma abandonou esse transporte e o motorista, em acto contínuo, também dele saiu e chamou um agente da polícia que a abordou e lhe fez um mata-leão. Segundo a denunciante, esta foi depois transportada para uma esquadra de polícia onde (foi) elaborada a sua detenção, não assinou qualquer documento, mas tinha consigo uma notificação para comparecer em tribunal no dia 21 de Janeiro, pelas 10h00, e um auto de constituição de arguido com o NUIPC 29/20.2PBAMD. Segundo a denunciante, posteriormente foi chamada pela polícia uma viatura de emergência médica, que fez o seu transporte para o Hospital ..., na ..., onde deu entrada às 22h18 de 19 de Janeiro, com o n.º...20, tendo sido devidamente tratada. Desconhece a identificação do agente que a agrediu, mas deseja procedimento criminal contra o mesmo. W. A Recorrente ignorou o teor do auto de notícia de fls. 3 dos autos, em que o Recorrido fez um relato objectivo dos factos; X. O visionamento dos vídeos juntos aos autos, constata-se que os mesmos não recolheram as imagens desde o início, mas sim após a resistência e agressão da Recorrente ao Recorrido e percebe-se que a Recorrente tenta dar uma imagem que não corresponde à verdade, como por exemplo, quando esta grita "ele quer-me furar o olho, ele está a furar-me o olho", enquanto o Recorrido lhe segura os punhos; Y. A verdade é que o Recorrido não injuriou, não agrediu a Recorrente, na paragem de autocarro, nem no percurso para a esquadra; Z. Os danos que a Recorrente sofreu, foi, somente, por causa directa da sua reação, que provocou a queda no chão, com a cara virada para baixo e, bem assim, por causa de ter mordido o braço do Recorrido; AA. As fotografias juntas aos autos pela Recorrente não têm a indicação da data da recolha das mesmas, mas o certo é que esta quando deu entrada no Hospital ..., tinha "trauma facial com edema exacerbado generalizado, edema dos lábios, com feridas dispersas, trauma da pirâmide nasal." - cfr. fls 172 - não se fazendo referência a feridas no couro cabeludo, sendo que nas fotografias as partes sem cabelo são antigas, não revelando vermelhão, nem feridas; BB. Aliás, as fotografias juntas aos autos com os danos sofridos pelo Recorrido, não são compatíveis com as agressões que a Recorrente invocou, nem as juntas pela Recorrente não são compatíveis com o que esta invocou - socos na cara e pontapés; CC. A Recorrente veio em sede de recurso colocar emcausa a imparcialidade do Tribunal e, consequentemente, o direito a um julgamento justo da Recorrente, mas se assim fosse poderia ter invocado a recusa ao abrigo do artigo 43º do CPP, o que não fez, por não se ter verificado tal facto; DD. A direção dos trabalhos durante a audiência, a forma de interrogar e/ou inquirir e de interagir com os mandatários e/ou patronos oficiosos, depende do perfil e maneira de ser de cada Juiz, mas este não pode ser alheios à postura das partes e dos seus mandatários; EE. Não é aceitável que a Recorrente venha invocar racismo, quando esta foi a primeira a agir com esse preconceito, uma vez que um Agente da PSP tem que agir de acordo com as regras, perante todo e qualquer cidadão, não podendo deixar de o fazer por causa da cor da pele, religião, sexo, orientação sexual ou filiação partidária; FF. O depoimento da testemunha SS, prestado na audiência de julgamento do dia 7/02/2024, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal, com início ocorreu pelas 15:14:14 horas e o seu termo pelas 15:57:20 horas, pese embora o ficheiro áudio referir 13:52 - 15:57, Marcadores: 00:03:51 - Marcador 1; 00:47:57 - Marcador 2; 01:04:00 Marcador 3,01:13:00 - Marcador 4, 01:21:56 - Marcador 5, disse aos minutos: 1:23:00: Ao saber daquilo que se tinha passado através de um vídeo e de um conjunto de post nas redes sociais, resolvi deslocar-me ao Tribunal ... em solidariedade com a AA; 1:24:28: Eu dirigi-me ao Tribunal com alguns amigos, na tentativa de perceber se seria possível de alguma maneira auxiliar a AA após aquilo que tinha dito visionado nas redes sociais; 1:41:31: Mandatária da Recorrente: não tinham meios para custearem um psicólogo, foi necessário os Srs. acionarem a vossa rede de contactos? Testemunha SS: exatamente bem como os custos jurídicos; GG. O que se passou foi o aproveitamento por parte de diversos indivíduos e movimentos partidários ou sociais, os quais, em vez de "incendiarem publicamente os ânimos", mais valia usarem os conhecimentos everbas para ajudarem os mais necessitados, de forma a todos terem acesso a trabalho e habitação condigna; HH. Por outro lado, não se pode deixar de consignar que por requerimento remetido para os autos em 26/09/2024, a Recorrente ao abrigo da alínea b) do nº 3 do artigo 196º do CPP, comunicou que iria ausentar da sua residência para os ..., até indicação em contrário, mas surgiu em manifestações organizadas no final de Outubro e principio de Novembro; II. Relativamente à peticionada condenação do Recorrido no pedido de indemnização civil peticionado pela Recorrente, não foi feita prova dos danos, nem de que os mesmos tivessem resultado de facto praticado pelo Recorrido, nem a Recorrente se pronunciou sobre a capacidade financeira desta e do Recorrido, nos termos do nº 3 do artigo 496º do CC; JJ. Face ao exposto, o Recorrido não praticou factos que pudessem preencher o tipo legal de crime imputados pela Recorrente, pelo que deve ser mantida a decisão quanto aos factos provados e não provados, ao contrário do que pretende a Recorrente; KK. O acórdão recorrido, na parte atinente à Recorrente e à absolvição do Recorrido, deve ser mantido nos seus precisos termos, sob pena de ser violar o disposto nos: Artigos 143º, 145 e 158º do Código Penal Artigo 127º, 250º, 340º e 379º do Código de Processo Penal Artigos 29º, 30º e 32º da Constituição da República Portuguesa
Termina pugnando pela rejeição do recurso ou sua improcedência. *
De igual modo os arguidos e recorridos CC e DD apresentaram resposta ao recurso da assistente e arguida AA extraindo da mesma as conclusões que a seguir se transcrevem: 1.ª Qualquer pressão exterior sobre as decisões dos tribunais, inadmissível em si mesma, arranca do pressuposto de que os tribunais podem ceder e joga nessa eventualidade – sendo expressiva, portanto, de um profundo desrespeito pelo poder judicial, pela sua independência, isenção e imparcialidade e bem assim pela sua inteligência e aptidão para percecionar o justo, o devido e o inadmissível. 2.ª À pressão exterior multiforme e esconsa que sobre o Tribunal vem sendo feita no presente caso – mediática, notória e inadmissível – respondem os recorridos (e só responderam) no interior do processo, desde logo por entenderem que as intervenções públicas sobre casos judiciais pendentes justificam a crítica jurídica dessas intervenções… e que a alternativa não pode ser só ou ser sempre dar a outra face… 3.ª Tendo em vista toda a prova produzida e reproduzida em audiência (e remetendo para os documentos e transcrições supra, que aqui dão por replicados), deve a douta decisão recorrida ser confirmada na íntegra e mantidas as absolvições dos recorridos ora respondentes CC e DD. 4.ª Todas as declarações dos respondentes CC e DD prestadas nos presentes autos – por todas as formas e em todos os seus momentos e fases – são coerentes, credíveis e compatíveis com as verificações que foi e é possível efetuar da sua correspondência à realidade. 5.ª AA foi levianamente catapultada para a condição de protagonista mediática e heroína de uma luta antirracista pertinente, mas com a qual o presente caso nada tem a ver. 6.ª Foram-lhe criadas expectativas sem fundamento e desmesuradas, de realização praticamente impossível. 7.ª Um caso singular de contenda entre um polícia e uma detida foi ardilosamente convertido num caso de relevância nacional. 8.ª A recorrente não tem razão, devem ser mantidos como tal os factos doutamente julgados como não provados nas alíneas j), l), m), p), s), t), u) v), mm), nn), oo), pp), qq) e rr), bem como todos os factos julgados provados nessa douta decisão proferida sobre matéria de facto, nomeadamente, que (facto provado 132.º) “CC e DD têm orgulho em exercer as suas funções na PSP e fazem-no com brio e respeito pelas outras pessoas”. 9.ª A análise da prova produzida ou apreciada em audiência constante do douto Acórdão posto em crise é coerente, lógica, exaustiva e congruentemente justificada. 10.ª A douta decisão proferida sobre matéria de facto não só não merece qualquer espécie de censura ou reparo – o que bastaria, sem mais, para lhe reconhecer elevada qualidade –, como é digna, ainda, da mais profunda e merecida vénia. 11.ª A sua fundamentação é minuciosa, precisa, elaborada com notável sentido de apreciação crítica–sábia, inteligente, arguta e pertinaz, além de sensível à experiência, agruras e contradições do mundo e da vida. 12.ª Os depoimentos prestados e os lidos em audiência – eximiamente conduzida, esta – e bem assim os comportamentos, gestos e atitudes dos depoentes, foram apreciados na douta decisão recorrida com total correção. 13.ª No exercício – minucioso, detalhado, articulado, sistemático, abrangente e de grande amplitude – de livre apreciação da prova oral e de ponderação de toda a prova a que porfiadamente se dedicou, em nenhum momento foi ultrapassado ou ferido o limite imposto pela a ordem jurídico-penal-constitucional da adequação às regras da experiência comum e da lógica. 14.ª A inocência dos recorridos ora respondentes ficou totalmente demonstrada em juízo e, portanto, foi corretamente reconhecida na douta decisão que os absolveu. 15.ª A recorrente, assistente e arguida, recusou a identificação que comprovadamente lhe foi solicitada pelo agente também arguido BB – e resistiu à sua legítima detenção. 16.ª Mas negou, com falsidade demonstrada, que o agente a tivesse tentado identificar, sem qualquer pejo de o sujeitar por isso ao terrível risco de uma acusação criminal por sequestro agravado, injusta… e ao terrível risco de uma condenação criminal injusta por um sequestro agravado que jamais ocorreu! 17.ª Esta vilania moral, juridicamente inadmissível, nada a justifica, nada a desculpa: 1) Nem as precárias condições de vida e trabalho que tenha tido e tenha de suportar, e que, assim sendo, se lamentam; 2) Nem as discriminações sociais e micro agressões diárias racistas a que tenha sido sujeita ao longo da vida, que evidentemente se lastimam e censuram; 3) Nem o seu natural ressentimento por uma detenção de que lhe resultaram lesões, sobretudo na face, que demandaram 21 dias para cura, com 10 de incapacidade para o trabalho; 4) Nem o protagonismo mediático, seguramente acolhedor e gratificante, para que foi oportunisticamente lançada, com pressuposições evidentes e negligentes de inocência e culpa, por associações cívicas, partidos políticos, comentadores e personalidades da vida pública nacional, bem como pela generalidade da imprensa; 5) Nem a desmesura da expectativa que lhe foi incutida de que poderia receber uma indemnização de 200 mil euros. 18.ª Nada a justifica, mas a recorrente levou-a por diante tanto quanto pôde, sempre amparada, sempre com a ajuda de campanhas de angariação de fundos para pagamento da defesa em juízo das suas desmedidas pretensões – que lhe foram criadas –, sempre com o intuito adicional de se eximir à responsabilização criminal, sempre na expectativa de receber quantia indemnizatória choruda e de verconsolidado o estatuto de vítima de violência policial racista a que mediaticamente ascendeu. 19.ª Fê-lo, contando com prova feita… afinal falseada… e que se gorou. 20.ª Fê-lo… mas não se faz – pura e simplesmente não faz – pois quem se considere vítima de um crime pode e deve pugnar firmemente pela responsabilização criminal de quem o cometeu, mas relatando os factos tal como se passaram, sem escamotear nem omitir nem negar nada do que então tenha acontecido. 21.ª A atitude da recorrente AA foi, no entanto, bem diferente. 22.ªÉ o caso da identificação comprovadamente tentada pelo agente arguido BB antes de a deter, que repetidamente negou sempre ao longo de todo o processo, com uma anuência acrítica assinalável do Ministério Público em fase de inquérito – mas que ficou demonstrada em juízo e bem assim que só foi detida porque se recusou a essa devida identificação perante quem tinha a obrigação de a obter porquanto, bem ou mal não interessa, acabara de ser denunciada, por ameaça ao motorista do autocarro em que se deslocara. 23.ª Recusou a identificação, recusou os pedidos e ordens do agente nesse sentido, quis seguir o seu caminho… sem se identificar – o agente não consentiu e desencadeia-se uma prolongada e intensa luta travada em pé e no chão, entre ambos, com quedas várias, a cabeça da recorrente entalada entre o joelho do agente e o pavimento, a raspar no pavimento, a ser batida contra o pavimento, a assistente a resistir, a pretender ir embora, o agente a não deixar, a tentar imobilizá-la, a pressionar-lhe a cara na região das órbitas, a puxar-lhe os cabelos na zona da nuca com a recorrente deitada de barriga para baixo, o agente a ser mordido por ela e a tentar colocar-lhe as algemas, o que só conseguiu (dois pares, um ligado ao outro, dada a forte compleição física daassistente) quando recebeu auxílio policial, designadamente dos dois recorridos ora respondentes! 24.ª O rosto da recorrente embateu várias vezes no pavimento – como declarado em juízo e resulta das regras da experiência comum –, no abrasivo pavimento; sobre a sua cabeça colocou o agente várias vezes o joelho; o cabelo foi-lhe puxado na zona da nuca; a face foi-lhe pressionada com o polegar junto à órbitas; o agente por seu turno foi mordido três ou quatro vezes – e a recorrente vista, nessa fase ainda, a sangrar da boca e com lesões na face. 25.ª Destes factos sumulados resultaram, numa noite fria de janeiro, as lesões que a recorrente sofreu na face e na cabeça – sempre sem a presença dos recorridos CC e DD. 26.ª AA mentiu despudorada e comprovadamente (para além do mais) quando disse: 1) Insistentemente, repetidas vezes, que o agente BB nunca a tentou identificar antes de a deter – o que é contrariado pelos depoimentos independentes de várias testemunhas e por declaração (acidental) verdadeira (por descuido) do seu sobrinho GG; 2) Que os vidros da viatura policial estavam abertos e foram fechados logo que se pôs em andamento, para que o agente BB lhe pudesse bater à vontade – certo sendo que os vidros já estavam fechados quando entrou na viatura, como o comprova um filme da CMTv, que não existia nos autos, junto com a contestação dos recorridos; 3) Que o cabelo lhe foi todo arrancado – certo sendo não lhe foi detetada qualquer lesão do género, nem disso se queixou, quando foi assistida no próprio dia e no dia seguinte em duas diferentes unidades hospitalares, só havendo a menção a cabelo arrancado, numa específica zona da cabeça (lesão totalmente compatível com os puxões de cabelo pelo agente BB quando tentava imobilizá-la) no relatório de exame médico-legal realizado 3 dias depois dos factos, o que permite admitir justificadamente a hipótese de que essas lesões tenham sido autoinfligidas; 4) Que na viatura o agente e arguido BB lhe tentou tirar as calças; 5) Que, deitada no chão depois de sair da viatura, lhe verificaram os sinais vitais com uma bota… 27.ª Mas quer que se acredite em si e passar por injustiçada… em si que mente e que mente tanto e com tamanha gravidade, em si, apanhada a mentir e apanhada a mentir em conluio com tanta gravidade… quando assegura que as suas lesões resultaram principalmente de agressões cometidas dentro da viatura pelo agente BB e não no decurso dos longos minutos do “sequestro” (no entendimento do Ministério Público em fase de inquérito) e da luta que então com ele travou em pé e no chão, à vista de toda a gente – o que, para além de permitir agravar a censurabilidade da conduta imputada com falsidade ao agente, permitiria ainda: 1) Envolver mais polícias (os ora recorridos, que ou denunciavam com falsidade ou sofriam as consequências) numa pretensa demonstração de racismo policial; 2) Intensificar a vitimização, o escândalo (às mãos de três polícias, um a agredir, os demais anuindo) e o alarme social; 3) Aguçar o apetite sensacionalista dos média e o gosto especulativo e de cosmética moralista dos praticantes da censura leviano-pronta (veja-se a crónica citada supra da advogada WW, no Público, e o belo sermão difamatório que dedicou também aos ora respondentes); 4) Desacreditar ou enfraquecer, quanto ao que se passou no interior da viatura policial, os testemunhos dos recorridos, ilibatórios de BB – só responsabilizável pelo que se passou na paragem do autocarro vingando a tese de que a sua detenção (da recorrente) foi ilegal e, portanto, de que lhe resistiu legitimamente (tese afastada na douta decisão recorrida, previamente abalada na douta decisão do recurso interlocutório doutamente interposto pelo arguido BB)... 5) Adensar a culpa do Estado e esticar assim a corda – no raciocínio juridicamente assistido da recorrente –, da indemnização peticionada até 200 mil euros. 28.ª O tribunal a quo apreciou livremente a prova produzida em total conformidade com as regras da lógica e da experiência comum, foi exímio a distinguir depoimentos verdadeiros e depoimentos falsos, descobriu factualidades relevantes para a apreciação da credibilidade de várias testemunhas – e absolveu os recorridos ora respondentes com todo o sábio acerto na fundamentação e toda a justiça no resultado. 29.ª Também quanto ao que se passou no interior da viatura, a palavra de três polícias (arguidos) não pode valer menos do que a palavra de uma detida (assistente e arguida) que mentiu obstinadamente ao longo de todo o processo, nos articulados e por declarações – sendo ainda que todas as lesões que para si resultaram da detenção (no pescoço, na face, na nuca) são compatíveis com o que se passou no decurso da luta que travou na paragem de autocarro com o arguido BB tal como narrada pelas testemunhas que sobre essa matéria depuseram com seriedade. 30.ª Por último – sabendo que não conseguiu abalar a prova produzida em audiência, tenta a recorrente, nas suas conclusões 235.ª a 244.ª: 1) Abalar a própria audiência em que foi produzida, partindo depois para uma derradeira tentativa de condicionamento da decisão do Tribunal, agora do Tribunal ad quem, adiantando ou sugerindo ou ameaçando que, sendo mal sucedida, recorrerá para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)… como se essa eventualidade pudesse funcionar como um bom argumento, um bom motivo para decidir num sentido ou noutro, consideração em si mesma claramente desrespeitosa; 2) Transformar essa audiência – eximiamente conduzida, de igual tratamento dispensado a todos os intervenientes, de escrupuloso respeito pelas normas processuais – numa demonstração judicial de hostilidade e parcialidade capaz de causar sensações de nervosismo, constrangimento, aflição e (pasme-se!) medo, nos intervenientes processuais envolvidos, prejudicando “a espontaneidade dos depoimentos”, impedindo “a lembrança de memórias relevantes” – pois, pois!... desde logo a lembrança das recomendações esquecidas –, e a liberdade discursiva de arguidos, condicionando-os irremediavelmente… como se não tivesse o tribunal o direito de travar a impertinência, a histeria e o disparate!... 3) Convencer o Tribunal ad quem de que a mera audição das gravações da audiência será suficiente para verificar que a postura do Tribunal a quo e a forma como tratou e se dirigiu (seja nas palavras, seja no tom) em particular à arguida e à sua advogada são absolutamente inaceitáveis e tiveram peso no sentido da pretensamente errada e injusta decisão sindicada – convencer, portanto… com generalidades que não demonstra, socorrendo-se de passagens descontextualizadas, procuradas exaustivamente e selecionadas com afinco, uma vez mais, portanto sem cumprir cabalmente o seu ónus de impugnação efetiva.. que pretenderá endossar ao conhecimento oficioso; 4) E escamotear, sobretudo, as seguintes evidências jurídicas: a) Podia ter reclamado de qualquer ação, decisão ou omissão do tribunal a quo na audiência, mas não o fez! b) Não arguiu a nulidade nem qualquer irregularidade de nenhuma ação, omissão ou decisão do tribunal a quo; c) Mesmo que o tribunal a quo – cuja conduta foi perfeitamente legal, regular e devida – tivesse incorrido nalguma nulidade, esse vício estaria sanado, pois não teria sido arguido no ato… d) Há muito, pois, estaria sanada qualquer nulidade praticada em audiência – e nenhuma foi; e) Sendo, pois – mesmo nessa hipótese que não se verificou – totalmente irrelevante o que a esse propósito vem dizer agora, por meio impróprio e fora de tempo, numa espécie de exercício inútil de retaliação, acintoso e de mau gosto. 31.ª Aludindo a pronúncias do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) – sobre “questões como postura intimidatória e frequentes interrupções do arguido ou dos advogados de defesa”... que jamais arguiu (!): 1) Conclui pela violação em audiência – de que nunca reclamou! – do direito a um julgamento justo, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH); 2) E solicita ao Tribunal ad quem que altere o sentido da decisão recorrida, assim corrigindo “este” pretenso “vício de imparcialidade e violação do direito a umjulgamento justo, sem necessidade de recurso para o TEDH” (conclusão 243.ª da motivação de recurso a que se responde)... 3) Ou seja… a) Ameaçando sub-repticiamente (ameaça escondida na expressão “sem necessidade”) recorrer ao TEDH; b) Supondo com arrogância e total desconsideração, que o Tribunal ad quem teme a apreciação das suas decisões pelo TEDH; c) E que esse motivo, evitar uma apreciação pelo TEDH de pretensas nulidades e violações processuais do tribunal a quo, alegadamente cometidas em audiência – que não substanciou devidamente nem demonstrou com recurso à prova gravada, assim deixando por cumprir o seu ónus impugnatório; que, por outro, não arguiu no momento certo e por meio processual adequado ou próprio; e, finalmente, que não ocorreram –, contém virtualidades capazes de convencer o Tribunal ad quem a decidir no sentido que pretende; d) Ou, numa hipótese mais branda, sugerindo a V. Exas., Venerandos Senhores Desembargadores… a bondade de lhe evitarem o transtornode um recurso para o TEDH, mediante a adoção dos argumentos falaciosos com que investe contra a douta decisão recorrida, condenando os recorridos – via que propõe para a sanação do vício de parcialidade que sem fundamentos invoca, que não arguiu em tempo e que não arguiu em tempo porque não aconteceu! 32.ª A recorrente faz referência a “inúmeras”decisões do TEDH, mas identifica apenas três, sem no entanto as comparar com o caso sub judice, sem esclarecer em que medida convergem – afirmando apenas que a douta decisão violou o disposto no artigo 127.º do CPP (!!!), no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e no artigo 6.º da CEDH, conjugados entre si… ou seja… deduzem os recorridos, nenhuma de tais normas foi violada em si mesma, violada terá sido a articulação que as liga, o anel virtual que as une, o espaço que entre todas medeia (…), enfim, numa palavra, o ar ou ‘coisa’ nenhuma: 1)Dispõe o artigo 127.º do CPP que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” – preceito exemplarmente acatado no presente processo, pelo menos desde que entrou na fase do julgamento; 2) Dispõe o n.º 4 do artigo 20.º da CRP que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” – a causa vem sendo tramitada com celeridade razoável e mediante (sendo este o ponto) um processo equitativo; 3) Lendo o disposto no artigo 6.º da CHDH (direito a um processo equitativo) podem extrair-se as seguintes conclusões seguras: a) A recorrente pôde exercer e está a exercer o seu direito a que as sua pretensões sejam examinadas, equitativa e publicamente, por um tribunal independente em todas as suas instâncias e imparcial, estabelecido por lei, para decisão quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra si; b) O julgamento foi público, o acesso à sala de audiências, contra o que pretendeu, não foi vedado (e não o foi, muito bem!) aos demais arguidos enquanto prestou declarações (total paridade que não lhe agradou, nem à imprensa, cujo afastamento nada justificaria) e foi acessível à comunicação social e a toda a gente do princípio ao fim; c)“Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada” – princípio de atuação judicial que para a recorrente funcionou quer no interior do processo, como tinha de ser, quer fora dele, nos média, como não tinha de ser, mas devia e foi, o que não pode ser dito quantoaos recorridos, que se viram aprioristicamente condenados na praça pública por jornalistas e personalidades que resvalam facilmente para a opinião precipitada sobre assuntos que não dominam, processos que nunca viram e regras que desconhecem; d) Os demais direitos da recorrente, quer enquanto acusada quer enquanto acusadora, previstos neste preceito… foram todos observados no decurso do processo e da audiência – bem como o de todos os arguidos, designadamente os ora respondentes, o que não lhe terá agradado… 4) Ou seja, a douta decisão recorrida não incorreu em nenhuma das violações à lei que lhe são imputadas e cumpriu com todo o rigor, num exercício judicial e jurisdicional primoroso, o disposto no CPP, na CEDH e na CRP… 5) Aplicou a lei, que bem interpretou, e o Direito, que demonstrou sumamente dominar, ao caso concreto, soube ser imune às pressões mediáticas, soube ser independente, isenta e imparcial, numa palavra, foi justa!... 6) … E mesmo assim visada por sugestões descabidas e ignominiosas. 33.ª Princípio fundamental do julgamento é o do in dubio pro reo, decorrência do princípio fundamental da presunção de inocência consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República: 1) Produzida a prova, se no espírito do juiz subsiste um estado de incerteza objetiva, razoável e intransponível sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido; 2) Se, pelo contrário, a incerteza não existe e a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio; 3) Os recorridos CC e DD foram absolvidos porque o Tribunal a quo se convenceu positivamente e com justeza plena da inocência de ambos; 4) A recorrente não abalou minimamente, com a sua impugnação, a prova dos factos que conduziram a esse resultado jurisdicional provisório e justo; 5) Menos ainda, portanto, conseguiu afastar, contra os recorridos – como lhe competia adicionalmente para obter a decisão que pretende – o princípio decisório fundamental do in dubio pro reo, constitucionalmente consagrado enquanto manifestação da garantia da presunção de inocência.
Termina pugnando pela improcedência do recurso interposto pela assistente AA.
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Admitido o recurso do arguido BB o Ministério Público apresentou a sua resposta extraindo da mesma as conclusões que a seguir se transcrevem: 1. O Recorrente foi condenado, nos presentes autos, pela prática de: - dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º 2 do art.º 32.º do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um deles; - dois crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um deles. - Em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 3 (três) anos de prisão 2. Os presentes autos tiveram origem no Auto de Noticia por Detenção de fls. 3. 3. O Recorrente suscitou no seu RAI, apresentado em 26.11.2021 (sob a ref 19960955 e constante de fls. 958 a 980)a questão da nulidade insanável do inquérito por entender que a avocação do processo pelo Exmo. Sr. Procurador da República ser “contrária aos princípios norteadores do processo penal”. 4. A Mma Juiz de Instrução pronunciou-se, em 14.01.2022 (ref. 134936101, de 14.01.2022, fls. 1026 e 1027),tendo decidido pela improcedência da invocada nulidade. 5. Desta decisão não foi interposto recurso, encontrando-se já decidida. 6. Porém, sempre se dirá: A magistratura do Ministério Público, sendo paralela à magistratura judicial, é dela independente (art.º 96º, n.º1, do Novo Estatuto do Ministério Publico (NEMP), aprovado pela Lei 68/2019 de 27/08). 7. Sendo os agentes do Ministério Público magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados (cfr. art.º 219.º n.º 4 da CRP). 8. Refere a este propósito o Senhor Juiz Conselheiro Souto de Moura relativamente à reconhecida autonomia do Ministério Público «a autonomia não se traduz na transposição para o Estatuto do MP da independência individual dos juízes. Por isso também não confere aos cidadãos uma garantia igual à que integrao princípio do iuiz natural.»(José Souto De Moura, in Sobre Justiça e sobre o MinistérioPúblico, pág.9, disponível em: https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/justicaeminpub_soutomoura.pdf. 9. Donde, e ao contrário do invocado pelo Recorrente BB, o princípio do Juiz natural não é assim aplicável aos Magistrados do Ministério Publico.
10.Também, neste sentido, «A violação das regras de determinação do magistrado do MP competente para a realização do inquérito (arts. 264.- e 265º) não constitui uma causa de invalidade insanável, subsumível a este mecanismo (acs. RP, 22.03.2006 (António Gama) e de 21.02.2018 (Neto Moura). Em causa, está aqui apenas a violação das regras de competência do tribunal aí não se incluindo a violação das regras de competência especificas do MP.»(João Conde Correia, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, Pág. 1241). 11. Em matéria de nulidades vigora o princípio da tipicidade e da legalidade, prevendo o art.º 118.º n.º1, do CPP que estas apenas podem ser invocadas e declaradas caso estejam previstas nos arts. 119º e 120º do CPP, ou noutras disposições legais relativas ao processo penal. 12. Pertencem à categoria de nulidades insanáveis os actos que afectem, de forma grave e irreversível, os fundamentos e princípios do sistema processual penal ou os direitos liberdades e garantias do arguido, (Ac. da trp de 06/05/2020 p. J772/20.2T8PRT-A.P1 e trg de 26-09-2016, disponíveis em www.dgsi.pt ). 13. Ora, constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outrasdisposições legais: «e) A violação das regras de competência do tribunal sem prejuízo do disposto no n.º2 do artigo32.º» (cfr. art.º 119º al. e) do CPP). 14.Sendo o Tribunal/DIAP ... o competente para conhecer dos presentes autos, verifica-se assim que nenhuma nulidade foi cometida. 15. Como se referiu no Acórdão do TRL, de 12.01.2022 (disponívelem www.dgsi.pt). “Resulta assim da lei que o dolo é um dos pressupostos da punição, ou, mais rigorosamente “(...) um dos fundamentos possíveis da imputação” - cfr. Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, II Vol., pag. 161, AAFDL. “Dolo quer dizer, como aqui o entendemos, o elemento subjetivo do tipo de crime que consiste no conhecimento dos elementos objetivos desse tipo e na vontade de praticar um certo ato ou de atingir um A acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a certo resultado (...) dolo corresponde ao conhecimento e à vontade de praticar um certo ato que é tipificado na lei como crime.” - cfr. ob. cit., loc. cit., pag. 166.
“É vulgar distinguir, dentro do dolo, para efeitos de análise e de entendimento, fundamentalmente, dois elementos: o chamado elemento intelectual e o chamado elemento volitivo. O elemento volitivo corresponde ao elemento querer a prática de um certo facto ou querer a produção de um certo resultado.” - cfr. ob. cit., loc. cit., pag. 166. 16. De acordo com o art.º 283.º nº3 al. b), a acusação contém, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada...”. 17. A acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual). 18. A esses elementos acresce o referido elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma e fazendo parte, como vimos, do tipo de culpa doloso. 19. Todos esses elementos, que constituem os elementos subjectivos do crime, são habitualmente expressos na acusação através da utilização de uma fórmula pela qual se imputa ao agente ter agido de forma livre (isto é, podendo agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida epunida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude). 20. No vertente caso consta da acusação deduzida, para a qual remete a decisão instrutória que pronunciou o Recorrente, que “O arguido BB sabia que ao atuar do modo descrito agia com intenção de ofender e molestar o corpo e a saúde de AA, EE e FF, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, resultado que pretendeu e logrou alcançar, bem como que o fazia enquanto Agente da PSP no exercício de funções, (de ter em atenção que o Recorrente foi absolvido da prática deste crime relativamente à Assistente/Arguida AA). (...) O arguido BB praticou os factos supra descritos com flagrante e grave abuso da função em que estava investido e com grave violação dos deveres de isenção, zelo, lealdade, correcção e aprumo, revelando, deste modo, indignidade no exercício dos cargos para que tinha sido investido tendo, como consequência direta, a perda de confiança necessária ao exercício da função. Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade das suas condutas, a qual era agravada pela função profissional que exerciam e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”. 21. No que respeita ao crime de sequestro agravado, para além do que ficou supra transcrito, escreveu-se na acusação: “Mais sabia o arguido BB que nenhum dos ofendidos podia ter sido detido, porquanto não tinham cometido crime ou suspeita da sua prática para que tal se verificasse, que a sua detenção e condução para o interior da esquadra da PSP, constituía um abuso de poder e a violação de deveres inerentes às suas funções e que, com a sua actuação, causava prejuízo a outras pessoas, o que quis e logrou concretizar. O arguido BB sabia que não podia deter, prender, manter presa ou detida ou de qualquer forma privá-las da liberdade, como fizeram aos ofendidos AA, FF e EE sem qualquer fundamento legal, designadamente, por efeito da inexistência da prática de crime, e que ao actuar da forma supra descrita, fazia-o com grave abuso de autoridade.”. 22. Do que ficou dito, verifica-se que a acusação, para a qual remeteu o despacho de pronúncia, contem/descreve todos os elementos em que se analisa o dolo. 23. Pelo que não se verifica a nulidade da acusação e, consequentemente, não se verifica qualquer nulidade do acórdão proferido. 24. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista no art.º 410º, n.º 2, al. a) do CPP ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficientepara fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão. 25.Este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, a qual já cai no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. 26.Para que exista aquele vício é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão proferida por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria necessária para uma decisão de direito.
27. Ora, basta uma simples leitura do acórdão recorrido para se concluir que o tribunal a quo investigou toda a matéria de facto e que permitiu a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação. 28. Analisadas as conclusões e a respectiva motivação, tendo em consideração que impugna a matéria de facto dada como provada e a dada como não provada, afigura-se- nos que o Recorrente incorre numa confusão muito frequente ao confundir o âmbito dos vícios previstos no art.º 410, n.º2, com o recurso versando a matéria de facto, isto é, com o chamado erro de julgamento, pois o que o recorrente questiona é o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que o tribunal recorrido fez do princípio da livre apreciação da prova. 29. De salientar ainda que vigora, entre nós, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º do Código de Processo Penal, de acordo com o qual as provas são apreciadas pelo julgador segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, não uma convicção subjetiva, baseada em impressões ou conjeturas de difícil objetivação, mas uma convicção racional e crítica, baseada nas regras da experiência comum, da lógica e nos critérios da normalidade da vida. 30. «O crime de ofensa à integridade física é um crime material e de dano, cujo resultado consiste na lesão do corpo ou da saúde de outrem. Por ofensas no corpo deve entender-se, como faz Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense ao Código Penal vol. I, pág. 205, citando Eser, “todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante”. (...) 31. Salienta-se neste âmbito que o crime em causa, abrange textualmente qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independente desta provocar lesão corporal. Tal entendimento encontra-se fixado no Assento nº 2/92 do ST] de 18 de Dezembro de 1991, in DR, serie I-A1991, in DR, serie I-A de 8 de Fevereiro de 1992: onde se pode ler “integra o crime do art.º 143.do Código Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.” 32.Na nessa senda retira-se ainda do Acórdão nº 226/2000, de 05/04/2000, do Tribunal Constitucional, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc “encontrando-se o direito à absoluta inviolabilidade da pessoal integridade física terminantemente tutelado pela constituição nacional, (cfr. respectivo art.º 252), nada no vigente ordenamento jurídico consente e/ou legitima qualquer interpretação restritiva do respectivo conteúdo, em termos de apenas supostamente abranger a protecção contra um determinado grau, mais ou menos intenso, de ofensas corporais” (cfr. Ac. TRP, de 04.05.2022, disponível em www.dgsi.pt. 33.No caso dos autos apurou-se que no interior da esquadra, BB dirigiu- se a EE e desferiu-lhe um soco na cara e dirigiu-se a FF, dizendo-lhe “tu é que és o herói da rua, não é? E agora fala lá outra vez” e, de imediato, deu-lhe um soco que o atingiu no lado esquerdo da cara (ponto 23 da factualidade dada como provada), que FF baixou a cabeça para impedir outras agressões; ainda assim, BB desferiu-lhe mais dois socos, que o atingiram na cabeça, e um pontapé, que o atingiu nas mãos que aquele colocou à frente da cara para se proteger (ponto 24 da factualidade dada como provada) e que FF e EE sofreram dores decorrentes das agressões que contra eles foram praticadas por BB, acima descritas nos pontos 23 e 24 (ponto 32 da factualidade dada como provada). 34.Pelo que o tribunal a quo concluiu, e bem, que tal comportamento integra a ofensa abarcada pelo tipo, inexistindo dúvidas quanto ao preenchimento do tipo de crime pelo qual foi condenado. 35. Também, ao contrário do defendido pelo Recorrente, foi feita prova das agressões e da situação que integrou a prática dos crimes de sequestro pelos quais foi igualmente condenado. 36.Da prova produzida em audiência não resultou que os ofendidos EE e FF tivessem, de algum modo, impedido ou tentado impedir a actuação do Recorrente. 37.O que teria justificado a sua condução à Esquadra. 38. Desde logo porque não foi efectuada qualquer Participação ou Auto de Noticia relativamente a eventual conduta daqueles. 39. Depois, de salientar que no Auto de Noticia elaborado pelo Recorrente, no dia 20.01.2020, pelas 02:20, FF e EE foram apenas indicados como testemunhas da ocorrência - para além de outros -, não tendo constando, ali, como denunciados (cfr. Auto de Noticia de fls. 4 e 5 dos autos). 40. Quando prestou declarações em sede de inquérito, no dia 06.03.2020, o Recorrente afirmou, no que a estas questões interessa, “Recorda-se que havia um cidadão que se insurgia particularmente contra ele a quem o arguido advertiu que se ele continuasse ou fizesse uso de algum objeto o próprio arguido utilizaria os meios que tinha ao seu dispor, na altura não disse o que era mas tinha pronto a ser utilizado gás pimenta, algemas e arma de fogo. Lembra-se de ter dito isso, assim como se lembra de ter indicado aos colegas que o identificassem e a um outro mais velhinho também de pele negra para o identificarem. (...) Quando confrontado com a acusação dos outros dois ofendidos terem sido agredidos no interior da esquadra o arguido nega qualquer agressão e nem sequer teve qualquer diálogo com eles. Quando entrou na esquadra manteve-se sempre numa área reservada da mesma e nunca lhes dirigiu a palavra. (...) À pergunta se tem alguma explicação para o facto de os dois cidadãos que foram à esquadra e referem terem sido agredidos, esclarece, como já disse atrás, um deles foi advertido várias vezes para se manter afastado e o outro, mais velho, também foi advertidoDa prova produzida em audiência não resultou que os ofendidos EE e FF tivessem, de algum modo, impedido ou tentado impedir a actuação do Recorrente. (...) 41. Em sede de julgamento, o Recorrente referiu que à chegada dos colegas foram conduzidos à esquadra dois cidadãos que tinham atrapalhado a sua actuação, que tentaram evitar que prendesse a Assistente/Arguida AA. Empurraram e chamaram nomes (cfr. ficheiro áudio: 2023iio8i55639_454i694_287i28i, de 08.11.2023, 22:00 a 22:30). Viu os outros dois indivíduos dentro da Esquadra. Foi o Chefe PP que tomou conta da situação no interior da Esquadra. Esses senhores foram à Esquadra porque queriam ser testemunhas. Foram levados à Esquadra. Mandou-os identificar e eles quiseram ser testemunhas Não determinou a sua detenção (mesmo ficheiro, 30:51 a 32:35). O arguido DD referiu, em sede de julgamento, que não foi mais ninguém detido no local (para além da arguida AA). Foram levados à Esquadra dois senhores. Se não foram detidos, foram de livre e espontânea vontade. Terão ido com colegas para identificação de testemunho. Se o colega BB disse para os levar os senhores, pensa que foi ele, pois não ouviu. Os senhores foram conduzidos à esquadra em carros da polícia, com colegas, mas não ou viu a serem conduzidos. Viu-os na Esquadra (cfr. ficheiro áudio: 20231115143741_4541694_2871281, de 15.11.2023, 21:27 a 23:25) O arguido CC, em audiência de julgamento, referiu que ninguém teve reacção que justificasse a sua condução à Esquadra. Viu-os (EE e FF) na Esquadra, mas não os viu a serem conduzidos. Não viu qualquer interacção com BB. Presumiu, mais tarde, que seriam testemunhas da situação. Foram conduzidos pela polícia à Esquadra, mas não sabe porquê e se foram por livre vontade. Não sabe como lá apareceram (cfr. ficheiro áudio: 20231115154418- _4541094_2871281, de 15.11.2023, 09:10 a 10:57). 42. EE, em sede de julgamento referiu que quando estava no local, de repente veio a carrinha da polícia e mandou-o entrar. Ninguém tocou no BB ou na AA. Há mais um rapaz que foi para a Esquadra e que esteve lá a ver. Ninguém tentou separá-los. Na carrinha vinham três ou quatro policias. Mandaram-nos entrar na carrinha e sentar. Não explicaram para quê. Foi uma ordem. Agarram-no e empurraram. Quando se sentou meteram-lhe algemas. Percebeu logo que ia parar à Esquadra, mas não tinha feito nada. Percebeu que ia ser testemunha. Não sabe porque o prenderam, “não entrou naguerra, não fez nada”. Quando chegou à Esquadra tiraram-lhe as algemas. Não sabe se o outro fez alguma coisa ou reagiu. Dentro da carrinha não se passou nada. Foi para a Esquadra .... Na Esquadra levaram cada um para lugares diferentes, abertos. Não conseguia ver o outro. Entretanto, apareceu o BB e deu-lhe um murro (na parte lateral da cara, próximo do olho esquerdo). Criou um caroço. Acha que ele estava alterado. Não protestou por ter ido para a Esquadra porque estava com medo. Estava no meio da polícia, não podia reagir muito. Havia outros policias, cerca de quatro. Eles é que evitaram, senão ele dava mais outro. Disseram “não faças isso, não faças isso”. Foi numa sala da Esquadra. Ele não disse nada, apareceu de repente e deu-lhe um murro, forte. Depois chamaram-nos para serem interrogados. O colega noutra sala. O outro não viu o murro, estava noutra sala. O BB não disse nada (cfr. ficheiro áudio: 20231122103915- _4541694_2871281, de 22.11.2023, 39: 27 a 51:55) 43. Confrontado com as declarações que prestou perante a PSP, em 20.01.2020, e perante Procurador da República, em 24.01.2020, em sede de inquérito, vertidas, respectivamente, nos autos de inquirição a fls. 13 e de fls. 49 a 51 - que foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art9. 356.9, n.9s 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal -, referiu, no que importa no vertente caso, que: “Foi conduzido à esquadra no camião da polícia mais um gajo que também era negro, não sabe o nome dele nem o conhece. Foi algemado à retaguarda, não disse nada aos polícias e não sabe porque é que foi algemado e à chegada à esquadra o mesmo polícia que estava em cima da senhora dirigiu-se a si e deu-lhe um soco na cara, numa altura em que já não estava algemado. Na altura em que lhe bateu na testa do lado esquerdo, o mesmo polícia disse "está aqui maisoutro" e ainda hoje tem dor. Foi agredido à frente dos colegas do polícia e foram estes que disseram para "não faças isso, não faças isso". Não consegue identificar os agentes mas consegue identificar quem lhe bateu, que foi o mesmo que estava em cima da senhora”. 44.De notar que, após ter prestado tais declarações foi-lhe nomeado defensor para o assistir, ao abrigo do disposto no art.º 132.º, n.º 4 do CPP, sendo que, quando assistido por defensor, nada mais disse de relevante. Perante a PSP, em 20.01.2020, o ofendido nada referiu relativamente a esta situação - cfr. Auto de Inquirição de Testemunhas de fls. 13. 45. De notar que o ofendido EE, não só desejou procedimento criminal contra o Recorrente como, posteriormente, veio deduzir pedido civil contra o mesmo pelos factos de que foi vítima. 46. E, não se diga que o fez porque foi “induzido a apresentar queixa” porque lhe foi nomeada defensora. Tal apenas sucedeu devido à dificuldade e humildade com que sempre depôs e teve por objecto elucidar o ofendido dos direitos que lhe assistem como ofendido, para além de testemunha. 47. FF, em audiência de julgamento, referiu que a determinada altura chegaram os colegas dele. Ficou lá, não tinha o porquê de ir embora porque não fez mal a ninguém, estava lá para ver e gravar. Mal chegaram os colegas (do Recorrente) ele disse que o ofendido e o outro senhor tinham que ir para a Esquadra. Algemaram-no. Perguntou porquê e disseram-lhe “Tens que ir e cala a boca” (cfr. ficheiro áudio: 202312.6151252_4541694_2871281, de 06.12.2023 19:52 a 20:25). 48. Perante Procurador da República, em 28.01.2020 disse, no que interessa para este caso, que: “Por ordem do agente envolvido o seu telemóvel foi apreendido e foi para a esquadra algemado com as mãos à frente. Não bateu no agente, não dirigiu qualquer expressão ou nome feio ao agente da PSP e não sabe porque é que foi algemado para a esquadra. Sabe que houve uma outra pessoa negra aparentando ter 40 anos ou mais, careca, que também foi para a esquadra algemado sem sequer ter batido a quem quer que fosse nem chamado nomes a ninguém. Pensa que o outro senhor nem sequer filmou nada. Já no interior da esquadra o mesmo agente que esteve envolvido com a dona AA dirigiu-se-lhe dizendo "tu é que és o herói da rua não é? E agora fala lá outra vez." ao que o ora depoente disse que não fez nada tendo de imediato recebido um soco que o atingiu no lado esquerdo da cara, depois baixou a cabeça ao que o agente disse "Olha para mim agora" o que não fez porque sabia que ia levar mais, o que aconteceu, tendo levado mais dois socos na cabeça e um pontapé que o atingiu nas mãos que protegiam a cara. Os colegas que estavam no interior da esquadra disseram "não faças isso, vais estragar a tua vida". Recorda-se que quando o outro indivíduo que também foi algemado para a esquadra chegou, o mesmo agente quis agredi-lo, mas os colegas não deixaram, ao que o agente dizia "estou farto disto, tenho 20 anos de serviço, estou-me a cagar para esta merda, ponham-me numa sala sozinho com ele, o outro já levou o que é dele ". Ninguém bateu no agente de forma nenhuma, apenas três pessoas se aproximaram dele, sendo duas senhoras e um rapaz a dizer "não faça isso, não faça isso, não resista, não é preciso” Foi com base na prova produzida, designadamente testemunhal, cuja credibilidade ficou expressa na motivação da matéria de facto, conjugada com os restantes elementos constantes dos autos, de acordo com as regras da experiência e da lógica, que o tribunal a quo deu como provados os factos impugnados pelo Recorrente - pontos 22º, 23º, 24º, 32º, 33º, 34º, 43º a 48º da factualidade dada como provada e os pontos iii), jjj) e kkk) dos factos dados como não provados. 49. Ora, a análise que o tribunal fez das provas mostra-se coerente, lógica e racionalmente justificada, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e os critérios da normalidade. 50. Razão pela qual o Recorrente não poderia vir a ser absolvido dos crimes pelos quais veio a ser condenado. 51. No caso em preço, nenhuma dúvida se suscitou ao tribunal quanto aos factos que deveria dar como provados ou não provados, tendo a prova sido reputada suficiente para a decisão da causa, isto é, foi considerada bastante e não dando margem para dúvidas quanto à autoria, por parte do Recorrente, dos crimes por cuja prática se encontra condenado. 52. E, atenta a fundamentação da decisão, explanada de forma clara e pormenorizada, é perfeitamente consequente e lógico o raciocínio seguido pelo Tribunal e conducente à condenação do Recorrente, dado ter considerado provados os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos constitutivos dos tipos legais dos crimes em causa. 53. Razão pela qual não tem base de sustentação a imputação de violação do princípio in dubio pro reo como pretende o Recorrente. 54. No que respeita à medida da pena: o crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, nº 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), com referência à al. l) do n.º 2 do art.º 132.º, do Código Penal, é punível com pena de prisão de 1 mês até 4 anos (cfr. art.º 41.º, n.º 1, do Código Penal); o crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos. 55. Na determinação da medida da pena a aplicar há que ter em consideração que: as elevadas necessidades de prevenção geral, no sentido de repor a confiança dos cidadãos nas normas jurídicas violadas, garantindo-lhes a paz e a segurança necessárias à vivência societária, aliadas de igual modo ao alarme social provocado por este tipo de crimes; as exigências de prevenção especial revelam-se medianas, considerando que o Recorrente não tem antecedentes criminais e que actuou de forma descontrolada e abusiva; que agiu sempre com dolo directo; a culpa, que é mediana dado que actuou de modo nervoso, com descontrole pelo desenrolar da ocorrência; a sua situação pessoal, profissional e familiar. 56. Ponderando todos estes factores, entendeu o tribunal a quo adequada a aplicação ao Recorrente das penas de: 10 meses de prisão quanto a cada um dos crimes de ofensa à integridade física qualificada; e 2 anos e 3 meses de prisão quanto a cada um dos crimes de sequestro agravado. E, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. 57. Pena com a qual se concorda por justa e adequada. 58. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito. 59. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.
Termina pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.
*
Também o assistente EE apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido BB extraindo da mesma as conclusões que a seguir se transcrevem: 1. Vieram os Recorrentes BB e AA interpor recurso das matérias de facto e de direito constantes do douto Acórdão proferido a 01.07.2024. 2. Não obstante, ao aqui Recorrido EE cumpre apenas contra-alegar, porquanto é relativamente a esta matéria que tem legitimidade e interesse em responder, ao recurso interposto pelo Recorrente BB, o que faz nos seguintes termos. 3.Veio o Recorrente interpor recurso quer da matéria de facto, quer da matéria de direito constantes do douto Acórdão proferido, sindicando em suma: a) A insuficiência de prova para a decisão sobre os artigos 22.º, 23.º, 24.º, 32.º, 33.º, 34.º, 43.º a 48.º dos Factos Provados, requerendo a renovação da prova mediante a reapreciação dos depoimentos do Recorrente, dos Arguidos e de EE; b) A falta de danos para a verificação do tipo legal de crime de ofensa à integridade física qualificada; c) A ausência de prova para a condenação do Recorrente no pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante EE; d) A excessividade da pena aplicada ao Recorrente. 4. O recurso interposto pelo Recorrente BB mais não é do que uma "famigerada" tentativa de obter o que, em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento e resultante dos autos, o Recorrente não logrou obter, porque não corresponde à verdade. 5.Vem o Recorrente alegar que respondeu e esclareceu os factos em causa desde o primeiro momento (ponto 35 da motivação). Ora, evidentemente que veio responder, porque lhe perguntado, mas não cremos que tenha vindo esclarecer. Em bom rigor, veio apenas negar os acontecimentos, ludibriando os factos com os quais demonstrou estar claramente comprometido. 6. Quando foi perguntado ao Recorrente se os cidadãos foram de livre vontade, é evidente que o Recorrente não responde diretamente, acabando apenas por dizer convenientemente que "não foram detidos". Pois está claro que não lhes foi dada voz de detenção, porque inexistia motivação para tal, e o Recorrente bem o sabia, mas o facto é que foram conduzidos à esquadra, algemados e contra a sua livre vontade, e sem que tal constitua procedimento legal para a identificação de testemunhas, tendo sido privados da sua liberdade. Ordenar a identificação de pessoas nestes trâmites é, para todos os efeitos, deter alguém ilegalmente! 7. As declarações do Recorrente vieram apenas confirmar que os cidadãos e, neste caso, o Recorrido EE não foi voluntariamente para a esquadra, como havia dito o Recorrente anteriormente, e que foi efetivamente o Recorrente BB a ordenar a sua detenção ("...eu pedi aos colegas que vieram para identificar os srs. e ou fazê-los conduzir a esquadra.") 8.É indiscutível que as declarações do Recorrente resultam numa grande confusão, porquanto tanto diz que ordenou a identificação porque estavam a provocar distúrbios e a dificultar a detenção de AA, chegando a referir que estariam a puxar os braços e a empurrar, para serem conduzidos à esquadra em virtude dos desacatos que provocaram; como em momento imediatamente seguinte diz que não ordenou nada e que os cidadãos afinal queriam ser testemunhas, refazendo posteriormente dizendo que os cidadãos foram levados para a esquadra para serem identificados para serem testemunhas da polícia. 9.Ficando-se sem se perceber se, a final, os cidadãos foram identificados porque estavam a fazer distúrbios ou porque queriam ser testemunhas. Mas, se queriam ser testemunhas, porque foram detidos e algemados? 10.O que num momento responde com toda a certeza, em momento a seguir dá o dito por não dito e acaba a dizer que afinal já não se lembra "bem desta parte". O que na verdade é evidente é que a história previamente preparada pelo Recorrente já não estava a conseguir ser bem encaixada nas variadas formas como o ilustre e experiente coletivo colocou a mesma questão, mas de diversas formas, para que se percebesse o que aconteceu de verdade. Desde logo aqui se denota o comprometimento do Recorrente e a falta à verdade, daquilo que sabe ser uma conduta inadmissível. 11. Ora como é consabido e o Recorrente muito bem sabe, o procedimento para a identificação das testemunhas não passa por detê-las. Na verdade sendo testemunhas deviam ser simplesmente notificadas para comparecer na esquadra para prestar declarações. O que efetivamente aconteceu com outras testemunhas do processo. 12.As declarações dos Arguidos CC e DD nada vieram acrescentar, já que resultou credível que, quanto ao Recorrido EE, a nada assistiram para poderem vir esclarecer os acontecimentos. 13.Contudo, deve ser ressalvado que, o facto de a nada terem assistido, não invalida que não tenha acontecido (como vem o Recorrente alegar), já que estes agentes não são omnipresentes e terão estado focados nas situações que decorreram diretamente consigo. 14.Em boa verdade, ninguém pode atestar o que não viu. E o facto é que os Arguidos CC e DD declararam que não assistiram à detenção, nem aos posteriores momentos, porque estariam ocupados com os acontecimentos decorrentes da detenção de AA: condução à esquadra, chamada da ambulância e acompanhamento de AA ao Hospital. 15.Vem ainda o Recorrente colocar em causa a capacidade do aqui Recorrido perceber o que lhe é perguntado e de se exprimir. No entanto, não logrou o mesmo requerer perícia médica legal sobre o seu estado de capacidade psicológica. 16.Quanto muito, e foi visível por quem assistiu às audiências de julgamento e poderá ser depreendido das gravações das audiências de julgamento acima transcritas, a postura do Recorrido apenas transparece a sua simplicidade e tranquilidade, incapaz de causar desacatos, perturbar detenções e intervir em qualquer situação conexa. O que demonstra e enfatiza a sua particular posição indefesa nos autos sob recurso,bem como, a credibilidade das suas declarações. 17.Parece-nos lógico que o auto de declarações perante o Ministério Público, a fls. 49 a 51, esteja redigido com linguagem mais formal, aprumada, adequada e com objetividade, pois que não foi o Recorrido que escreveu, tendo naturalmente sido adaptado - e bem - pelo Ministério Público. E diga-se que também a acusação particular e o pedido de indemnização civil deduzidos não foram certamente redigidos com as mesmas palavras do Recorrido EE, o que implica sempre uma certa adaptação à formalidade e objetividade exigidas (excecionando-se os trechos de conversações que - essas sim - terão que ser integralmente redigidas com as exatas palavras que aconteceram). O mesmo se diga em relação a todas as peças processuais apresentadas pelo Recorrente (não cremos que tenha sido o Recorrente a elaborá-las naquelas exatas palavras). 18.O que resulta notório é a preponderância do Recorrente sobre o Recorrido: uma pessoa manifestamente mais instruída, socialmente desinibida que se tenta aproveitar desse desembaraço e da sua posição de autoridade para mascarar o sucedido. 19.Não corresponde à verdade que o Recorrido não quisesse apresentar queixa-crime. Contudo, e tal resulta das suas declarações, pensou que não valeria a pena o fazer, já que não se podia (em seu entender), nem queria, dirigir-se a uma esquadra com medo do que lhe pudesse acontecer. Mais, porque pensou que a sua palavra de nada valeria contra a de um polícia, e que as testemunhas nunca testemunhariam contra BB (e não se enganou nesta parte). 20.Ora, se dentro de uma esquadra da polícia o Recorrido é ofendido na sua integridade física, e é levado a assinar um auto com declarações que não prestou e que não espelha o que havia acontecido, como podia o Recorrido sequer ousar queixar-se às própriasautoridades que provocaram toda esta situação? 21.O Ministério Público apenas agiu com a diligência que lhe é devida quando informou o Recorrido da possibilidade de apresentar queixa-crime, em caso de desejar procedimento criminal. Esquece-se o Recorrente que os crimes em causa têm natureza pública e que, por esse motivo, o Ministério Público tinha sempre legitimidade para avançar e sustentar o procedimento criminal. Pelo que, não cremos existir aqui qualquer facto ou procedimento gerador de nulidade, como vem o Recorrente pugnar (ponto 43 da motivação). 22.É muito conveniente que o Recorrente tenha parado a transcrição (ponto 81, página 28, da motivação) precisamente quando, logo após,o Recorrido vem esclarecer que apenas tinha receio de fazer queixa na esquadra. Que, a partir desse momento em diante, em tribunal perante o Ministério Público e com a sua Patrona, já não teve esse receio. 23.As observações levadas a cabo pelo Recorrente carecem de sentido. Temos que o Recorrente se tenta escudar de tudo o que pode pegar para desviar a atenção da sua real conduta. 24.A crítica ora imposta pelo Recorrente (de que o Recorrido tem dificuldade em perceber o que lhe é perguntado e em expressar-se) em nada mais resulta senão à crítica da personalidade de EE e que, na verdade, apenas vem confirmar a - essa sim - incapacidade do Recorrido de prestar declarações falaciosas, com vista a ludibriar o tribunal - ao contrário do Recorrente nas declarações que prestou relativamente à situação ocorrida com o Recorrido. 25.Não há outra conclusão a retirar das declarações prestadas por EE, senão a de que as mesmas foram prestadas com especial sinceridade e humildade, desprovidas de artifícios, e com enfoque nas situações que mais o marcaram referentes à sua pessoa e experiência. 26.Não podemos ainda aceitar que o Recorrente venha colocar o sucedido em causa porque "não é verosímil que um agente da PSP, com a experiência do Recorrente, que integrou até o corpo de segurança pessoal da PSP, após um episódio em que foi agredido, tendo sido EE uma testemunha dos factos, a agredisse e, muito menos, que o fizesse na entrada da esquadra." (ponto 84 da motivação). Cremos que é, perante a manifesta a posição de superioridade e vantagem do Recorrente. 27.O que lamentavelmente se retira deste excerto é que, nessa medida, o Recorrido EE, na posição social e económica em que se encontra, com pouca escolaridade e de etnia africana, seria mais verosímil de inventar tal situação, porque não tem o estatuto do Recorrente. Não cremos que possa ser assacada tamanha discriminação! 28.Pelo contrário, é mais verosímil que tenha acontecido precisamente o que o Recorrido descreveu, tendo em consideração a sua personalidade e a demonstrada incapacidade de artifícios, caso contrário não teria o Recorrido sequer força e vontade para avançar com todo o desgaste deste processo judicial, que neste momento já dura há mais de quatro anos! E não se diga que terá que ver com a indemnização deduzida, pois que resulta evidente o valor simbólico da mesma. 29. Mais resulta despicienda a invocação de nulidade pela alegada perturbação da capacidade de memória e de avaliação dos depoimentos de EE e FF, porque terão sido induzidos por terceiros (ponto 94 da motivação). Ora, parece-nos que o Recorrente confunde o dever de informação de direitos, que no caso do Recorrido EE resulta patente essa falta de informação (e que acabou por lhe ser prestada após 0 acontecido), com a "indução por terceiros". Pelo que, não cremos haver qualquer cabimento factual ou legal. 30.Não corresponde à verdade que não tenha sido feita prova quanto ao grave abuso de direito do Recorrente (ponto 97 da motivação), pois que tal assunção decorre naturalmente da sua posição vantajosa de autoridade policial, com meios superiores para imobilizar, antagonizar e aniquilar qualquer reação contra si. O problema coloca-se quando tal autoridade é canalizada e utilizada diversamente para a qual foi pensada, como sucedeu nos presentes autos sob recurso. 31.Foi o Recorrente condenado pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artigos 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, alínea a) e n.º2, alínea m) do artigo 132.º, e 66.º, n.º1 do Código Penal. Contudo, veio o Recorrente colocar em causa a douta decisão porque considera que "não foi verificada a existência de quaisquer danos, isto é, não foram realizadas quaisquer perícias, nem existem fotografias que comprovassem os danos resultantes da suposta agressão em EE e FF". 32.Para tal, evidencia que o Ministério Público não "ordenou que aquele fosse examinado, como seria normal" (ponto 42 da motivação). No caso do Recorrido EE, é evidente que os danos resultaram provados pelas declarações por si prestadas, que se encontram quase integralmente acima transcritas. 33.Tendo em consideração que a agressão ocorreu no dia 19/01/2020, e a inquirição perante magistrado no Ministério Público ocorreu no dia 24/01/2020, é lógico que nessa última data o Recorrido já não tivesse danos visíveis que instassem o Ministério Público a ordenar uma perícia médico-legal. 34.Como o próprio Recorrido afirmou nas declarações prestadas em audiência de julgamento de 22/11/2023, com início pelas 10:39 e fim pelas 12:23, este entendeu que o inchaço do “caroço"e as dores passariam, pelo que decidiu nada fazer em relação a isso. 35.Ora, porque o dano constituiu no Recorrido uma lesão corporal ligeira e passageira, tal não implica que não tenha relevância, não tenha dignidade penal e não seja objeto de tutela jurídica! 36.De encontro ao acórdão mencionado no ponto 30 da motivação, no processo n.º800/18.5PBCLD.C2, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 24/05/2023, "I - No crime de ofensa à integridade física o objeto da ação é o corpo humano e o bem jurídico protegido é a integridade física e psíquica de outra pessoa". 37.Do referido preceito legal e douto acórdão referido, resulta que o bem jurídico protegido é a integridade física e psíquica do ofendido. Nos autos em apreços, e da transcrição que até aqui se fez das declarações do Recorrido EE em sede de audiência de julgamento, é inequívoco que resultaram vários danos na saúde física e psíquica do ofendido. 38. Desde logo, o inchaço decorrente do murro, que acabou por formar um "caroço", e cujas dores demoraram, pelo menos, dois dias a passar. Acrescido do medo, impotência e frustração que foram sentidos pelo Recorrido, sem que para a situação tenha tido qualquer contributo. E, por fim, pela humilhação e vergonha que sentiu com o ocorrido, que despoletou um sentimento de descrença nas forças policiais. Todos estes danos são resultado da conduta do Recorrente, pelo que dúvidas não restam de que os elementos subjetivo e objetivo se encontram preenchidos e provados para todos os efeitos legais. 39.E, não seria expectável que o murro fosse empregue com pouca força, já que decorreu de uma situação em que o Recorrente estava exaltado e foi empregue como forma de descompressão. É desta forma que foi interpretada pelo Recorrido EE, que experienciou em primeira pessoa a situação, mas também pelo tribunal. 40.Os danos elencados constituem, além de uma ofensa à integridade física, um grave atentado à personalidade moral do Recorrido, legalmente tutelado pelo artigo 70.º do Código Civil. Sendo certo que, o lesado tem direito a ser indemnizado pelos danos nãopatrimoniais não sofridos, ao abrigo do disposto nos artigos 496.º, n.º1 e 4 e 483.º do Código Civil. 41.Pelo que, nesta parte, improcede igualmente a alegada falta de danos para a verificação do tipo legal de crime de ofensa à integridade física qualificada. 42.Aqui chegados, não cremos que a alegada ausência de prova para a condenação do Recorrente no pedido de indemnização civil deduzido por EE faça sentido, tendo já sido exaustivamente analisada a prova produzida que prova precisamente o contrário. 43.Cumpre, no entanto, destacar a prova que foi produzida relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido por EE, através da transcrição das suas declarações acima constantes. 44.Das declarações transcritas, apercebemo-nos de quais eram os pensamentos do Recorrido na altura em que foi agredido. Pensou em defender-se, mas logo soube que estava em posição desvantajosa e que não lhe competia reagir contra agente de força policial. 45.O Recorrido, apesar de colocado naquela situação injusta e ilegal, soube sempre distinguir o bem do mal, o correto do incorreto, e prover ao controlo das suas emoções e ações - o que o Recorrente não conseguiu fazer! 46.É absolutamente incompreensível que o Recorrente venha alegar, no ponto 124 da motivação, que "os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais", como se o que ocorreu com o Recorrido se resumissem a "incómodos". Pergunta-se se, no entendimento do homem médio, ser detido sem nada fazer, ser algemado perante uma multidão de pessoas, ser agredido sem motivo, sofrer dores e lesões corporais em virtude dessa agressão, e sentir vergonha, humilhação, medo e frustração, não serão danos suficientes suscetíveis de merecer tutela jurídica? Parece-nos que a resposta só pode ser afirmativa! 47.Face a todos os danos referidos, o Recorrido deduziu pedido de indemnização civil, requerendo o pagamento de uma compensação de valor não inferior a 3.500€ (três mil e quinhentos euros), por danos não patrimoniais. 48.Nos termos do artigo 129.º do Código Penal, a responsabilidade civil derivada da prática de um crime é regulada pela lei civil. 49.Determinada a responsabilidade penal do Recorrente, estão verificados os pressupostos constitutivos do direito à indemnização por parte do ofendido: facto ilícitoe culposo, que se revela causa adequada dos danos produzidos. 50.Nos termos dos artigos 483.º, 562.º e 563.º do Código Civil, é o arguido responsável pela reparação dos prejuízos causados com a conduta ilícita que tiver sido verificada. 51. Na vinculação do disposto no artigo 496.º do Código Civil, a indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar, de alguma forma, o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante. 52. Equidade, por sua vez, é sinónimo de um critério para correção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. 53. Os danos morais correspondem àquilo que, na linguagem jurídica, se costuma designar por pretium doloris, ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação de luto. 54. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496.º, n.º1, do Código Civil), sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (grau de culpa do agente e situação económica do lesado), de acordo com o disposto no artigo 496.º, n.º4, do Código Civil). 55.Nestes termos, dúvidas não restam de que se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade penal do Recorrente, sendo este responsável pelos danos causados a EE com a sua conduta, que resultaram da prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada e de sequestro agravado. 56.Em consequência direta e necessária, tendo em consideração que o Recorrido não contribuiu, de forma alguma, para a conduta ilícita perpetrada por BB, com grave abuso de autoridade, foi o Recorrente condenado - e bem - no pagamento do montante peticionado pelo Recorrido, por se ter entendido ser um valor equitativo no caso concreto. Outra decisão não seria expectável. 57.Quanto à medida da pena aplicada, veio o Recorrente alegar 1) que as exigências de prevenção geral não são elevadas, 2) que as exigências de prevenção especial são mínimas e 3) que as consequências dos crimes em causa foram praticamente inexistentes. 58. Não podemos concordar com tais assunções. Primeiramente, é falso que as consequências dos crimes praticados contra o Recorrido EE tenham sido praticamente inexistentes, por tudo o já evidenciado em supra. Por este motivo, é evidente que as exigências de prevenção especial são elevadas, mormente quando perpetradas com descontrolo e abuso de autoridade. 59. A afirmação, pelo Recorrente BB, de que as consequências dos crimes em causa foram "praticamente inexistentes" apenas demonstram a falta de consciencialização do desvalor da sua conduta (já denotado pelas suas declarações em que se desresponsabilizou da sua conduta, negando simplesmente os factos), e da ausência empática para com toda a situação que causou, e que deve relevar para todos os efeitos legais. 60. Acresce que, as exigências de prevenção geral revelam-se também elevadas, em face da (crescente) frequência com que estes crimes são praticados pelas forças policiais, e do alarme e injustiça sociais que despoletam. 61. Cremos, assim, que todos os elementos fatuais e legais foram corretamente observados, analisados e decididos pelo tribunal a quo, consumando-se numa decisão quase intocável pela sua isenta fundamentação. 62. De tudo o exposto, e conforme resulta do douto acórdão recorrido e que acompanhamos na íntegra, cumpre concluir que: a) "O que ocorreu no dia 19/01/2020, com início pelas 20:3oh, na Rua ... (...) foi dinâmico, envolveu a participação e a assistência de diversas pessoas, em distintos momentos, posições e circunstâncias, idiossincrasias emundividências, preconceitos e pretensões, que tiveram evidente reflexo no desenrolar deste processo" (página 121 do acórdão); b)"Já EE e FF foram efectivamente conduzidos à esquadra, algemados, sem que algo o justificasse. Das declarações do próprio arguido BB resultou claro que aqueles estiveram no local onde se debateu com AA para a deter, mas não fizeram nada contra si, sendo apenas testemunhas. Do depoimento de PP, contrariamente ao veiculado por BB, extrai-se que foi efectivamente este, à chegada daquele e dos demais elementos policiais, que não tinham presenciado o sucedido, a determinar a condução de EE e FF à esquadra, o que foi feito em viatura policial e algemados. Ora, mesmo antes da sua algemagem, nada havia que justificasse aquela ordem: sendo testemunhas, deviam ser notificadas para comparecer e não foi isso que aconteceu, foram efectivamente conduzidas à esquadra, em viaturas policiais, algemadas, porque tal lhes foi ordenado e a ordem que o originou partiu do arguido BB. Para além disso, e na sequência do fraco discernimento que então determinou que tal inaceitável privação da liberdade fosse levada a cabo, BB, já na esquadra, descomprimindo do ataque de que se viu vítima por ser polícia, ao ver EE e associando-o, também inaceitavelmente, àquele evento, impulsivamente, deu-lhe um soco. Tal resultou verificado, de forma cristalina, em face do depoimento simples, despojado de floreados, e sentido dessa testemunha." (páginas 131 e 132 do acórdão); c) "As declarações prestadas pelos arguidos AA e BB na parte em que negaram e/ou camuflaram os factos que, pelas razões expostas, se verificou que cometeram nos termos descritos na factualidade provada - tendo a arguida sustentado e pretendido veicular falsas versões dos factos e tendo BB negado os factos referentes a EE e a FF por estar ciente das graves implicações pessoais e profissionais da sua prática, levadaa cabo, na sua perspectiva, evidente, mas inaceitavelmente, já "de cabeça perdida"-, revelaram a sua tentativa de ludibriar o tribunal para afastar - na medida do que entenderam que poderia ter viabilidade em face dos restantes elementos e meios de prova, obviamente do seu conhecimento -, a sua responsabilização pela respectiva prática, e (...) mostrando BB que, apesar dos anos e do louvor do seu pretérito serviço, naquela data, quando descomprimiu, acabou por ser impulsivo e fazer o que sabe que nunca podia ter feito, e actualmente, por não conseguir suportá-lo, não consegue assumi-lo e por isso o nega." (páginas 133 e 134 do acórdão); d) "Os verificados comportamentos do arguido BB evidenciaram e evidenciam serem próprios de alguém que em regra age e decide bem, de forma ponderada, corajosa e controlada, mas que naquele dia, inaceitavelmente, depois de desse modo ter agido para com AA, acabou por agir de modo impulsivo relativamente a EE e FF, e que logo soube, como sabe, que não existe arrependimento que apague o mal que a estes dois fez." (página 134 do acórdão); e)"Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade penal do arguido BB relativamente a EE, é BB responsável pelos danos causados com as correspondentes condutas de ofensa à integridade física qualificada e sequestro agravado. (...) Por consequência, considerando que o ora ofendido em nada contribuiu para as condutas ilícitas ou para a ocorrência dos danos, e que BB actuou com grave abuso de autoridade, deve este proceder ao pagamento dos 3.500c pedidos pelo assistente EE, valor que se revela equitativo neste caso concreto." (página 145 do acórdão). 63.O douto Acórdão proferido pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo. Ao invés, éde louvar a análise detalhada, precisa, isenta, que espelha sem qualquer sombra de dúvida a cuidada apreciação e sensibilidade investidas na ponderação de todos os factos e na decisão proferida. 64. Em boa verdade, e refletindo precisamente a experiência de que a composição do tribunal coletivo veio demonstrar, é evidenciado ao longo de 149 páginas de decisão a ponderação de que a dinâmica e a ocorrência de várias situações em simultâneo nunca poderiam resultar numa decisão linear (em que um agente tivesse agido corretamente do princípio ao fim da sua conduta, como foi o caso do Recorrente). 65.O que foi humanamente destrinçado pelo tribunal a quo, foi a evidência de que nem todos os sujeitos terão agido conforme a sua normal conduta, fruto da exaltação proliferada por pessoas circundantes e alheias à situação e que exacerbaram as emoções dos seus intervenientes, mas que, em bom rigor, terão que ser punidas em conformidade.
Termina pugnando pela improcedência do recurso do arguido BB.
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Remetidos os recursos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer acompanhando a fundamentação das respostas apresentadas pelo Ministério Público no tribunal a quo e pugnando pela total improcedência dos recursos.
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Observado o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal a recorrente AA reiterou o exposto e concluído nas suas alegações de recurso e os recorridos CC e DD, subscreveram na íntegra o parecer do Ministério Público nas partes em que se refere ao recurso da assistente AA, reiterando, ainda, quanto concluíram e disseram na resposta oferecida a tal recurso.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito dos recursos interpostos cumprindo, assim, apreciar e decidir.
2-FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.[1]
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar[2].
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva[3], “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que a recorrente AA delimita nas conclusões do seu recurso a questões a dirimir são:
- se a decisão recorrida padece de erro de julgamento no que se reporta aos factos provados 2º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 27º, 30º, 31º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º 71º, 72º, 73º, 74º, 75º, 76º, 77º, 79º, 80º, 81º, 82º, 103º, 104º, 105º, 124º e 125º e factos não provados i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), bb), cc), hh), ii), jj), kk), mm), nn), oo), pp), qq), rr), ss), tt), uu), vv),ww), xx), yy), zz) e aaa). - se em caso de procedência da impugnação de facto o arguido BB deve ser condenado pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º1, e 184.º do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º2 do art.º 132.º, do Código Penal, de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal e de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º do Código Penal e escolha e determinação das respetivas penas e seu cúmulo e, ainda, se deve ser condenado na pena acessória de proibição de exercício de funções prevista no artigo 66º nº1 do Código Penal e determinação concreta da mesma. - se em caso de procedência da impugnação de facto o arguido CC deve ser condenado pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º do Código Penal e determinação da respetiva pena. - se em caso de procedência da impugnação de facto o arguido DD deve ser condenado pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º do Código Penal e determinação da respetiva pena. - se em caso de procedência da impugnação de facto estão verificados os pressupostos de condenação solidária dos arguidos e demandados BB, CC e DD e do Estado Português quanto ao pedido de indemnização civil deduzido por AA e fixação do respetivo montante. - se em caso de procedência da impugnação da matéria de facto a conduta da recorrente configura direito de resistência à luz do consagrado no artigo 21º da Constituição da República Portuguesa ou legítima defesa à luz do artigo 32º do Código Penal. - se foi violado o direito da recorrente a processo equitativo previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
No que se refere ao recorrente BB e em face da delimitação operada nas conclusões as questões a dirimir são: - Se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379º nº 1 al. c) do CPP. - Se a decisão recorrida padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova previstos no artigo 410º nº2 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal. - Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento relativamente aos factos provados 22º, 23º, 24, 32º, 33º, 34º, 43º a 48º e facto não provado kkk), se baseou em prova proibida e violou o princípio do in dubio pro reo. - Se a medida concreta das penas parcelares e de cúmulo aplicadas é excessiva. - Se não se verificam os pressupostos para a condenação do recorrente no pedido de indemnização civil deduzido por EE.
2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara o acórdão recorrido na parte que releva para a apreciação dos recursos interpostos o que a seguir se transcreve: III. DOS FACTOS 1. Factos provados Da prova produzida em audiência, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão: 1º No dia 19 de Janeiro de 2020, pelas 20h30, o arguido/assistente BB, agente principal da PSP, encontrava-se fora do seu horário de serviço, acompanhado por um amigo, RR, que lhe tinha dado boleia por causa da uma avaria do veículo automóvel e, ao passar pela Rua ..., junto a um café, nas imediações do prédio com o número de polícia ...09, na ..., pediu-lhe para parar, para tomar café. 2º Ao sair do carro, ouviu uma mulher a gritar, estando um autocarro parado junto à paragem. 3º Então, BB foi abordado pelo motorista da carreira n.º ...63 da EMP02..., II, que efectuava o trajecto ... – ..., que o identificou como elemento de uma força de segurança e lhe pediu auxílio para identificar uma passageira, a arguida/assistente AA, que o motorista alegava que tinha ameaçado a sua integridade física, usando expressões que lhe causaram medo, por a filha não ter um título de transporte válido. 4º BB foi abordado pelo motorista porque trajava uniforme policial, com um casaco civil por cima, sendo facilmente identificado como agente de autoridade. 5º O motorista perguntou-lhe se se encontrava de serviço, ao que BB respondeu prontamente que não mas se fosse necessário estaria, tendo tirado de imediato o seu casaco civil, exibindo uma camisa que o identificava como agente da PSP. 6º BB foi na direcção de AA, que se encontrava na zona da paragem de autocarro, e perguntou-lhe “É a senhora que anda a fazer distúrbios na camioneta a mandar agredir o motorista?”, “O que é que se passa?”, “Por que é que a senhora está a prometer uma surra ao motorista?”, ao que AA retorquiu que não tinha feito nada e que apenas estava a falar com um familiar através do telemóvel, que não podia estar a falar com ela naqueles termos, porque ele não se encontrava de serviço, e que não tinha feito nada que justificasse sequer a sua identificação. 7º AA continuava aos gritos, afirmando “Eu faço o que quero e não sou obrigada a dar satisfações”. 8º Aquando do acima descrito no ponto 6.º, BB perguntou a AA o que se passou e disse-lhe que, por causa das ameaças que o motorista disse que ela lhe tinha feito no exercício das suas funções, teria que a identificar, a fim de participar a situação, para o que exibiu a sua carteira profissional. 9º AA afirmou "não tenho que falar consigo", "chamem a polícia", que ele que não estava de serviço e que ela não tinha feito nada. 10º Uma vez que AA não se mostrava colaborante e que existia um queixoso que desejava procedimento criminal, BB não permitiu que a mesma se ausentasse do local. 11º BB referiu que era polícia, que a partir daquele momento já se encontrava de serviço e que ela não sairia dali o que AA não acatou, tendo então BB tentado agarrá-la. 12º. De imediato, AA começou a dar empurrões no peito de BB, dizendo que não se identificava. 13º. Nesse momento, BB, praticante de artes marciais e conhecedor de técnicas policiais de imobilização de pessoas, a fim de a fazer parar, aproveitou o impacto de AA e, usando as mãos, agarrou-a e deu-lhe voz de detenção, tendo AA, ao tentar fugir, ido contra a paragem de autocarro, após o que ambos caíram ao chão, mas BB teve o cuidado de colocar o seu corpo por baixo de AA. 14º. Então, BB foi pontapeado nas costas e, pelo que sentiu e como já lhe acontecera ser esfaqueado, levou a mão às costas para verificar se tinha sangue, após o que, para se afastar da multidão, tentou sentar AA no banco da paragem de autocarro. 15º. Nessa tentativa, AA investiu com murros em BB, este desequilibrou-se, caíram ao chão, e AA começou a dar-lhe cotoveladas. 16º. Porque foi necessário para a imobilizar, BB colocou o braço direito por baixo do braço direito de AA e agarrou este com o outro braço. 17º. Nesse momento, AA mordeu diversas vezes no braço direito e na mão direita de BB, causando-lhe cortes, hematomas e arranhões. 18º. Após, BB conseguiu inverter a posição, colocando-se por cima de AA, tendo entrelaçado as pernas dele à volta do corpo dela, e tentou algemá-la com a mão direita, enquanto AA gritava para a largar. 19º. Nessa altura, AA ficou com a cara no chão e, como tentava sair, feriu-se. 20º. Quando outros agentes da PSP chegaram ao local, onde chegou também o carro-patrulha CP.....60, da Esquadra ..., AA foi algemada e transportada para o veículo policial, de matrícula ..-CN- .., tendo então sido conduzida por BB e pelos agentes da PSP arguidos CC e DD à esquadra, tendo BB seguido no banco de trás, ao lado de AA, CC como arvorado, sentado à frente, do lado direito, e DD como motorista. 21º. Ao chegar à esquadra, BB foi aconselhado por um dos colegas a desinfectar as mãos e o braço, uma vez que estavam feridos e com sangue, e aí permaneceu até a chegada de uma ambulância que o levou ao hospital. 22º. BB ordenou que o ofendido FF e o assistente/demandante EE fossem levados para a esquadra, algemados, sem que tivessem tido qualquer participação ou intervenção no desenrolar dos factos, nem contra eles foi elaborado qualquer auto de notícia, detenção ou denúncia EE e FF foram algemados desde a Rua ... até à Esquadra .... 23º. Depois disto, no interior da esquadra, BB dirigiu-se a EE e desferiu-lhe um soco na cara e dirigiu-se a FF, dizendo-lhe “tu é que és o herói da rua, não é? E agora fala lá outra vez” e, de imediato, desferiu-lhe um soco que o atingiu no lado esquerdo da cara. 24º. FF baixou a cabeça para impedir outras agressões; ainda assim, BB desferiu-lhe mais dois socos, que o atingiram na cabeça, e um pontapé, que o atingiu nas mãos que aquele colocou à frente da cara para se proteger. 25º. AA sofreu as seguintes lesões: - no crânio, arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais; - na face, hematoma periorbitário prolongado até à região malar, bilateralmente, com edema acentuado subjacente, hemorragia subconjuntival dos quadrantes laterais bilateralmente, escoriações com crosta sanguínea em toda a extremidade do nariz, incluindo asas nasais; equimose fortemente arroxeada na face mucosa de todo o lábio superior, com edema acentuado subjacente, ferimento aproximadamente linear longitudinal, com crosta sanguínea na metade superior, no lábio inferior, com edema acentuado subjacente; - no pescoço, equimose fortemente arroxeada em todas as faces do pescoço, dolorosa à palpação; - no membro superior direito, peso sobre a extremidade do 5.º dedo da mão (associada a fractura da unha pelo sabugo), mobilidades do ombro, cotovelo e punho limitadas por dor, aparentemente sem deformidades ou outras alterações agudas; - no membro inferior esquerdo, equimose arroxeada na face medial do terço médio da perna, com 6 cm por 2 cm de maiores dimensões. 26º. Estas lesões, com excepção do arrancamento do cabelo, resultaram de traumatismo de natureza contundente e determinaram 21 dias para a cura, com 10 dias de afectação da capacidade de trabalho geral, sem consequências permanentes. 27º. AA sabia que, ao actuar do modo acima descrito no ponto 17.º, molestava o corpo e a saúde de BB, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que pretendeu e alcançou. 28º. BB deu entrada no Hospital ..., às 22h24, com múltiplos hematomas, escoriações no antebraço e mão direita, com traumatismo e sinais de mordedura humana. 29º. BB sofreu dores durante 3 dias e esteve de baixa médica durante 10 dias, impedido de exercer a sua actividade profissional. 30º. AA sabia que BB era agente de autoridade e que estava no exercício das suas funções. 31º. AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta punida por lei e conformou-se com tal resultado. 32º. FF e EE sofreram dores decorrentes das agressões que contra eles foram praticadas por BB, acima descritas nos pontos 23.º e 24.º. 33º. BB actuou ciente do descrito nos pontos 22.º a 24.º, sabia que o fazia enquanto agente da PSP no exercício de funções, que, porque não tinham cometido crime, nem havia suspeita de que o tivessem feito, nem existia outro fundamento legal para os deter, EE e FF não podiam ter sido detidos e conduzidos para o interior da esquadra da PSP, que, ao actuar do modo descrito nos pontos 23.º e 24.º, molestava o corpo e a saúde de EE e FF, causando-lhes lesões, dores e mal-estar físico, e quis actuar como actuou, 34º. tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas acima descritas nos pontos 22.º a 24.º proibidas e punidas por lei e ser a respectiva censurabilidade agravada pela função profissional que exercia. Do pedido de indemnização civil deduzido por AA: 35º. Previamente ao acima referido no ponto 2.º, AA, a filha então com 8 anos de idade e um sobrinho apanharam o autocarro n.º ...63, tendo como destino a paragem do ..., sita na Rua ..., na .... 36º. Ao entrarem nesse autocarro, o motorista perguntou a AA pelo passe da filha, que respondeu que se tinha esquecido dele em casa. 37º. AA disse ao motorista que morava perto da paragem do ... e que ia telefonar para o filho, que estava em casa. 38º Enquanto procurava deter AA, até à chegada de outros elementos da PSP, BB mandou afastar todas as pessoas que se tentaram aproximar. 39º. Entretanto chegaram ao local uma carrinha e dois carros da PSP. 40º. Com as algemas, AA não se conseguiu levantar sozinha, pelo que BB puxou-a. 41º. De seguida, outro agente da PSP levou-a algemada para o carro acima referido no ponto 20.º, no qual, nessa sequência, entraram BB, DD e CC. 42º. A referida filha de AA assistiu a parte do que até então ocorreu.
* Do pedido de indemnização civil deduzido por EE: 43º. O soco que BB desferiu em EE, acima referido no ponto 23.º, foi de punho cerrado e deixou EE em pânico, temendo por si, deveras prostrado e sem reacção durante algum tempo,tendo então visto a dobrar, sentido fortes dores no local atingido, que duraram dias, e ali ficado com um caroço que demorou semanas a sarar. 44º. EE não tinha sequer percebido a motivação para estar detido, mas também nada disse ou perguntou, com medo do que lhe pudessem fazer. 45º. EE é uma pessoa tranquila e pacata, séria, honrada e respeitada. 46º. Em consequência do soco referido nos pontos 23.º e 43.º, sente-se profundamente ofendido, indignado e injustiçado. 47º. Ficou extremamente envergonhado perante as pessoas que assistiram à sua detenção, sentindo-se profundamente vulnerável, vexado e ferido na sua honra. 48º. Em consequência, sente-se profundamente humilhado e entristecido, receando cruzar-se novamente com um agente da polícia. Do pedido de indemnização civil deduzido pela pela EMP01..., S.A.: 49º. No dia 21 de Janeiro de 2020, AA sentia dores e a EMP01..., S.A. (“Hospital ...”), prestou-lheassistência médica e hospitalar no valor de 99,75 € (noventa e nove euros e setenta e cinco cêntimos). * Da contestação de BB à pronúncia e aos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos: 50º. Previamente ao acima referido no ponto 2.º, no mencionado autocarro, tendo sido interpelada pelo motorista a tal respeito, AA disse-lhe que a filha não tinha com ela um título de transporte válido, não o quis adquirir e, depois, disse que “se deviam juntar todos e dar uma surra”. 51º. Foi por se sentir ameaçado que o motorista actuou como descrito no ponto 3.º. 52º. Devido à resistência e às agressões de AA, foi muito difícil BB conseguir algemá-la, tendo sido por força da estatura e do peso de AA, e com a rotação do corpo da mesma, que, aquando do acima descrito no ponto 15.º, ambos caíram ao chão, ficando o corpo de BB por debaixo do dela e tendo então sido para que AA parasse de o morder que BB teve que segurar o cabelo dela, mas sem o arrancar.
53º. Para algemar AA, BB utilizou 2 pares de algemas, para ficarem mais largas, para não a magoar.
54º. Quando, na sequência do acima descrito no ponto 20.º, AA, BB, CC e DD chegaram à esquadra, BB, porque estava a sangrar do braço, saiu de imediato do veículo, entrou na esquadra e dirigiu-se ao andar de cima desta, não tendo mais contactado com AA. 55º. Subsequentemente ao acima descrito no ponto 20.º, AA foi levada, em ambulância chamada por agente da PSP, ao Hospital ..., onde a própria recusou tratamento médico e de enfermagem, e que, na medida em que AA ainda assim o veio a permitir, lhe prestou os serviços médicos adequados até a própria pedir alta médica.
56º. Os Bombeiros Voluntários ... foram buscar AA à porta da esquadra, pelas 21h27, e transportaram-na para aquele hospital, na ..., onde a mesma deu entrada às 22h18 de 19 de Janeiro de 2020, foi socorrida em episódio de urgência e teve a referida alta às 03h13 de 20 de Janeiro de 2020. * Da contestação de CC e DD: 57º. No dia 19.01.2020, CC e DD estavam em serviço de patrulha no veículo automóvel acima referido no ponto 20.º, adstrito à Esquadra ..., ....
58º. Por volta das 21h00 receberam uma comunicação da “Central Rádio” – linha interna de comunicação da PSP –, instando-os, na sequência de um pedido de ajuda dirigido ao 112, a que se deslocassem à Rua ..., junto a um prédio com o n.º de porta ...09, para prestação de auxílio a um agente da PSP.
59º. Imediatamente após, receberam nova comunicação, segundo a qual o agente necessitado de ajuda estava a ser agredido no local por várias pessoas – ocorrência esta que, segundo a “Cronologia de Ocorrência” ...00 do 112: - teve início às 20h52m50s com chamada telefónica de motorista de autocarro dando conta de desacato e do local em que estava a acontecer; - prosseguiu com uma segunda chamada, pelas 20h58m18s, realçando que o desacato já envolvia outras pessoas e que um agente da PSP precisava de apoio. 60º. Acorreram ao local em marcha de urgência, utilizando para o efeito os meios policiais correntes de sinalização audiovisual – resultando a propósito do Relatório de Incidente n.º ...83 da PSP que: - aí chegaram às 21h03m; - às 21h04m informaram da chegada e que a situação estava controlada; - pelas 21h16m que uma detida iria ser transportada para a esquadra. 61º. Chegados ao local pelas 21h03m, viram o seu colega agente da PSP BB junto a paragem de autocarro a realizar manobras de imobilização a AA – ambos rodeados por populares, que observavam, filmavam e comentavam o que estava a passar-se. 62º. Instantes depois, chegou ao local um segundo carro-patrulha da Esquadra ... e uma carrinha das equipas de intervenção rápida da PSP, acima referidos no ponto 39.º. 63º. DD saiu do carro que conduziu e foi imediatamente falar com o seu colega BB, que lhe pediu duas coisas: água, por estar com a boca seca, e a identificação do motorista do autocarro 163. 64º. DD identificou o motorista e perguntou-lhe o que se passara, sendo então informado por este de que tinha solicitado o auxílio de BB por se ter sentido ameaçado por AA na sequência de uma discussão travada no interior do autocarro. 65º. Enquanto isso, CC afastou os transeuntes, solicitando a identificação de alguns, como testemunhas. 66º. Minutos após, CC e DD auxiliaram BB a introduzir AA no carro-patrulha, CC abrindo-lhe a porta traseira do lado direito do veículo e DD nele entrando também, pelo lado esquerdo, para lhe colocar o cinto de segurança, pois fora algemada por BB. 67º. CC e DD não estavam no local quando AA resistiu à detenção, nem presenciaram os factos que a determinaram; limitaram-se a auxiliar BB a concretizá-la, abrindo-lhe espaço, afastando pessoas, sem quaisquer informações concretas prévias a respeito do que anteriormente se passara - senão que um agente da PSP precisava de apoio -, e apenas com a preocupação de garantir a sua segurança, bem como a segurança da detida. 68º. Foram imediatamente informados no local, por BB, de que este tentara insistentemente identificar AA, mas que a mesma sempre recusou, empurrando-o, razão pela qual ele lhe deu voz de detenção, a que ela resistiu com muita agressividade, tudo culminando nas circunstâncias que percepcionaram ao chegar. 69º. No local dos factos havia pouca iluminação, um grande número de pessoas e quando CC viu AA esta tinha os cabelos a tapar-lhe a cara, seja quando estava a ser algemada, no chão, seja já em pé, parada e curvada, nervosa e a vociferar. 70º. Dentro do carro-patrulha, AA seguiu no lado direito do banco de trás e BB no seu lado esquerdo. 71º. A distância do local onde AA foi detida até à Esquadra da PSP ... é de 2,7 km e não havia trânsito, pelo que a percorreram, no máximo, em 5 minutos; o caminho que percorreram foi o mais curto e directo possível. 72º. É frequente o transporte para a esquadra de detidos em estado de grande nervosismo e exaltação, por vezes alcoolizados, por vezes em “ressaca”, quase sempre socialmente revoltados, desde logo com as próprias condições de vida, mas também com as instituições e, em especial, as forças de segurança, e assim percepcionaram CC e DD o comportamento de AA, que gritou, gemeu e insultou a PSP e os seus agentes durante toda curta a viagem, mas em nenhum momento presenciaram, ou lhes passou pela cabeça que pudesse ter ocorrido ou vir a ocorrer, alguma agressão ou qualquer insulto, impropério, expressão ou manifestação de desprezo ou ódio racial ou outra ofensa de BB a AA. 73º. CC olhou para a parte traseira da viatura algumas vezes e em nenhuma se apercebeu de qualquer sinal de conduta ilícita ou imprópria por parte de BB. 74º. DD, conduzindo a velocidade superior à comum, prestou atenção sobretudo à estrada e ao trajecto, mas também nada viu de relevante e errado dentro da viatura, pelo retrovisor. 75º. Em momento algum CC e DD ouviram AA queixar-se de ter sido ou estar a ser agredida e em momento algum ouviram BB a insultá-la. 76º. O que lhes pareceu nesse curto trajecto é que BB a ignorou e ao que dizia. 77º. CC e DD presenciaram a exaltação de AA, os seus lamentos, as suas expressões de revolta e desconfiança para com as forças policiais, mas relacionaram tudo com o que se passara na calçada e no alcatrão da via quando foi detida, até entrar no carro-patrulha. 78º. Nessa noite, os vidros do carro nunca estiveram abertos; à hora dos factos estavam 10 ou 11 graus Celsius, sendo para além disso procedimento de segurança prescrito e habitual no transporte de detidos os vidros e as portas do lado em que seguem estarem fechados e trancados, assim se evitando tentativas de fuga e riscos de ferimentos acidentais ou auto-infligidos.
79º. Chegados a ... por volta das 21h18m, DD estacionou o carro em frente à porta da Esquadra, com o lado do condutor voltado para essa porta, BB saiu do carro e entrou na Esquadra, seguido por DD, e CC foi abrir a porta do carro-patrulha a AA, para a auxiliar a sair da viatura.
80º. Quando a porta do carro foi aberta, AA colocou os pés fora da viatura, fez "peso morto" e caiu ao chão. 81º. CC amparou-a, mas não conseguiu evitar-lhe totalmente a queda, acabando AA por ficar deitada no chão junto ao lado direito do carro-patrulha. 82º. Ao verificar os seus sinais vitais e pálpebras, CC apercebeu-se de que AA tinha lesões na face e logo chamou o agente QQ, de sentinela à porta da esquadra, bombeiro voluntário melhor preparado para reagir naquelas circunstâncias e realizar as manobras de primeiros socorros aconselháveis, ajudou o agente QQ a colocar AA em posição lateral de segurança, contactou imediatamente, ou seja, pelas 21h19m25s, o 112 – Ocorrência ...80 na Cronologia desse serviço: - esclareceu que “precisava de uma ambulância para a ... Esquadra, na ..., ...”, e, questionado se era mesmo a esquadra ..., respondeu: “É, é mesmo a Esquadra ..., Praceta ...”, garantindo-lhe o agente do outro lado da linha que iria contactar imediatamente o INEM; - mas a passagem da chamada para o INEM não foi bem-sucedida, demorou muito tempo e acabou por cair; - pelo que para o mesmo fim efectuou nova chamada pelas 21h22m57s. 83º. Nos períodos de espera, várias vezes perguntou ao agente QQ se AA estava bem, se estava acordada, se podia fazer alguma coisa, manifestou-lhe a sua preocupação e revolta pela demora do 112, pois temia pelo estado de saúde de AA, sobretudo, mas também por si mesmo. 84º. O INEM demorou, chegando ao local cerca de 20 minutos depois, tendo AA, sempre velada, sido propositadamente mantida deitada no chão. 85º. Para evitar que sentisse frio, CC solicitou duas mantas, uma para a tapar, outra para colocar debaixo da sua cabeça. 86º. Chegado o INEM, AA foi transportada para o Hospital ... EPE, onde chegou pelas 22h18m. 87º. DD acompanhou-a na ambulância até ao hospital. * 88º. A arguida AA já foi condenada: - pela prática, em 29.09.2016, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença proferida em 17.01.2018, transitada em julgado em 16.02.2018; esta pena foi substituída por 50 horas de trabalho e extinguiu-se, pelo cumprimento, em 28.06.2019 (Proc. n.º 1299/16.... do Juízo Local Criminal ... – Juiz ...). * 89º. Nada consta do CRC do arguido BB. * 90º. A arguida AA nasceu em ../../1977, em ..., onde se desenvolveu integrada na família constituída pelos pais e quatro irmãos, com uma dinâmica relacional gratificante, com sentimentos de entreajuda entre os elementos do agregado familiar, sem privações na satisfação das necessidades básicas, tendo a subsistência sido assegurada pelos pais com os rendimentos das actividades profissionais de ambos. 91º.Efectuou o percurso escolar em idade normal, tendo-se habilitado com o 8.º ano de escolaridade. 92º. Por opção, saiu da escola e passou a ocupar o tempo com a venda de bebidas numa banca à porta da casa que habitava; a sua mãe comprava diversificados produtos, nomeadamente roupa e ourivesaria, na ..., onde se deslocava regularmente, para revenda em ...; AA, com o rendimento obtido daquela sua venda, comprava, através da mãe, utensílios domésticos, que também revendia, sendo este o seu meio de subsistência. 93º.Com 20 anos de idade contraiu matrimónio com o pai dos dois filhos mais velhos, que não exercia actividade laboral, pelo que era a arguida o único sustento da casa; a separação do casal ocorreu cerca de dois anos mais tarde. 94º.Em 2001, perante as dificuldades económicas vivenciadas e no intuito de alcançar melhores condições de vida, AA veio para Portugal, onde se encontravam dois irmãos; a sua integração e a dos filhos foi apoiada pelos familiares, designadamente por uma irmã junto de quem fixou residência e que lhe angariou trabalho numa pizzaria, onde beneficiou de inserção profissional imediata, que passou a desenvolver de forma regular, durante quatro anos; devido à exiguidade do espaço habitacional da arguida, os filhos foram temporariamente acolhidos pelo pai, também a residir em Portugal; contudo, este revelou incapacidade para cuidar dos filhos, pelo que a arguida os acolheu, reorganizando as condições de habitabilidade junto de uma tia. 95º.Em 2003 iniciou união de facto com outro companheiro, com o qual tem dois filhos; esse relacionamento terminou em 2021; o pai desses seus filhos apoia-os economicamente; a arguida desenvolveu regularmente actividade profissional nas áreas da restauração e limpezas. 96º.À ordem do Proc. n.º 1299/16...., a arguida cumpriu adequadamente as 50 horas de trabalho a favor da comunidade, de 19 a 28 de Junho de 2019. 97º.À data da instauração do presente processo, a arguida residia com a filha e o filho mais novos, sendo aquela menor de idade, enquadramento familiar que mantém; os dois filhos mais velhos têm vida autónoma, mantendo relação afectiva gratificante com a família de origem. 98º.Em termos profissionais, encontrava-se de baixa médica devido a patologia osteoarticular de um joelho; cozinhava em casa, por encomenda, para venda, como forma de angariar algum rendimento para o sustento do agregado familiar. 99º. Reside na Rua ..., ..., em casa arrendada pelo valor mensal de 612 €, despesa suportada pelo ex-companheiro; para além do apoio económico deste, a arguida beneficia ainda da ajuda dos seus irmãos, emigrantes em países europeus, pelo que vive num contexto económico sem privações relevantes. 100º. Actualmente, trabalha como empregada de limpeza duas horas diárias, no período da manhã, por conta de uma empresa, auferindo mensalmente cerca de 180 €; posteriormente, das 9h às 13h, trabalha numa casa particular, onde cuida de uma pessoa idosa, pelo que recebe mais 450 € mensais. 101º. Ao fim-de-semana colabora com uma associação, para a qual confecciona refeições e salgados, contribuindo para a angariação de fundos, associação essa que, por sua vez, a apoia. 102º.Na sequência dos factos supra descritos a que se refere este processo, a filha menor da arguida teve apoio psicológico na escola. 103º. A arguida revela impulsividade e uma atitude de autovitimização. 104º. Carece de desenvolver as suas capacidades de responsabilização e crítica perante actos ilícitos e socialmente desajustados, de definir estratégias pessoais consistentes favorecedoras de um estilo de vida normativo e do reforço da sua consciência cívica e jurídica. 105º. A arguida revela fraco juízo crítico e reduzida interiorização do desvalor dos factos por si praticados relativamente a BB, supra descritos, quanto aos quais não tem arrependimento. * 106º. O arguido BB nasceu em ../../1975, é o mais velho de uma fratria de três elementos e o seu processo de socialização decorreu no bairro da ..., ..., caracterizado pela pobreza e exclusão social, num contexto familiar e social organizado segundo um modelo convencional, com laços afectivos e imposição de regras, com supervisão e protecção parental. 107º. O pai desenvolveu actividade laboral como estofador de automóveis por conta própria e a mãe como cozinheira num hospital em ..., o que permitiu à família alcançar alguma estabilidade ao nível das condições socioeconómicas. 108º.BB teve um percurso escolar normativo, tendo concluído o 12.º ano de escolaridade e então, com 18 anos de idade, ingressado, como voluntário, na Marinha Portuguesa – Fuzileiro, onde permaneceu até 1999, altura em que ingressou na PSP através de concurso, em ../../1999. 109º. Efectuou um percurso empenhado e investido, tendo passado pela Equipa de Intervenção Rápida ... (...), seguindo-se a ... Esquadra ... (...), o Corpo de Segurança Pessoal, subunidade da Unidade Especial de Polícia, com a missão de segurança pessoal a membros dos órgãos de soberania e altas entidades, fazendo também várias missões em ...; em 2017, solicitou licença sem vencimento na PSP e esteve numa missão no ... associada à protecção de Direitos Humanos, regressou à PSP em ../../2019 e foi colocado na ... Esquadra – ..., ..., onde permanece; tem a categoria de Agente Principal e é o Graduado de Serviço; as suas avaliações de desempenho foram de bom e muito bom. 110º. Praticou actividades desportivas desde a infância, nomeadamente futebol e ciclismo; aos 14 anos de idade dedicou-se à prática de artes marciais, participando paralelamente em acções de voluntariado nas colectividades desportivas da área residencial; por ter formação em artes marciais, deu formação em defesa pessoal a jovens e a mulheres vítimas de violência doméstica. 111º. Durante a adolescência iniciou uma relação de namoro, na sequência da qual casou em 1998; dessa união nasceram duas filhas, em ../../1999 e em ../../2002; essa relação terminou em 2003 e BB passou a viver sozinho em ..., ...; nesse ano iniciou relação afectiva com uma colega do trabalho, mas a actividade laboral de ambos provocava grandes períodos de afastamento do casal, que optou por se separar. 112º. À data dos factos supra descritos a que se refere o presente processo BB residia com os pais. 113º. Desde ../../2020 mantém uma relação marital. 114º. A situação económica do agregado familiar era, como actualmente, equilibrada, encontrando-se assente no vencimento de BB, no valor líquido de cerca de 1500 € mensais, acrescido do recebido em gratificados que efectua sempre que possível, e no vencimento da companheira, enquanto auxiliar de acção médica em unidade hospitalar, no valor líquido mensal de cerca de 900 €. 115º. Vivem em ..., em casa arrendada, pela qual BB paga mensalmente cerca de 400 €, tendo ainda como despesas fixas as inerentes à habitação, com água, luz, gás e comunicações, e despesas com créditos, no valor de cerca de 419 €, referentes à aquisição de duas viaturas, e no valor de 144 €, para ajudar financeiramente as filhas. 116º.A relação marital é coesa e com sentimentos de gratificação na dinâmica relacional estabelecida. 117º. BB vive muito centrado na companheira e na filha mais nova, uma vez que a mais velha vive fora de Portugal; a mãe de BB faleceu há cerca de quatro anos e este mantém uma relação muito próxima com o pai, que se encontra doente, com cancro na bexiga, necessitando do seu apoio. 118º.BB tem boas competências comunicacionais, é uma pessoa extrovertida e com comportamentos habitualmente adequados; revela muito orgulho na profissão e já recebeu louvores. 119º.Não tem problemáticas de consumo/abuso de substâncias estupefacientes ou álcool. 120º. A sua situação jurídico-penal no âmbito deste processo tem tido repercussões no seu quotidiano, principalmente em termos pessoais, vivenciando ansiedade e sentimentos de tristeza e de injustiça, situação agravada pela mediatização do processo, sendo por vezes ameaçado quando reconhecido na rua e intitulado de racista de forma provocatória, o que não é, nem corresponde à sua forma de pensar. 121º. Relativamente à factualidade a que se refere a acusação deduzida nos presentes autos foi instaurado inquérito por parte da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), sendo aguardado o desfecho do presente processo judicial para a avaliação da sua futura situação profissional. 122º. Nas circunstâncias actuais, BB continua a dispor do apoio da companheira, que se tem revelado presente, e centra-se com empenho na sua vida profissional. 123º. Em vários momentos da sua actividade profissional BB esteve sujeito a momentos de stress e provocação. 124º. A factualidade a que acima se referem os pontos 33.º e 34.º revestiu-se de carácter pontual na sua trajectória de vida. 125º. O arguido BB, apesar de ter negado a respectiva prática, sente a gravidade daqueles factos que impetuosamente praticou contra EE e FF. * 126º. CC nasceu no dia ../../1993, cresceu em ..., em 19.01.2020 tinha 3 anos e 10 meses de serviço como agente na PSP, exercendo então funções na ... Esquadra dessa força policial, no ..., .... 127º. Ingressou no curso de agentes da PSP em ../../2015 e na ... esquadra em que foi colocado em 21.03.2016. 128º.Presta serviço desde 06.10.2022 na ..., na Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial. * 129º. DD nasceu no dia ../../1991, cresceu no ..., em 19.01.2020 tinha 7 anos de serviço como agente da PSP, exercendo então funções na ... Esquadra dessa força policial, no .... 130º. Ingressou no curso de agentes da PSP em ../../2012 e na sua ... esquadra em ../../2013. 131º. Está colocado desde ../../2022 em ..., na Secção de .... * 132º. CC e DD têm orgulho em exercer as suas funções na PSP e fazem-no com brio e respeito pelas outras pessoas. 2. Factos não provados Não se provou que: a) foi entre as 20h37m e as 21 horas que se verificou o descrito no ponto 1.º dos factos provados; b) aquando do descrito no ponto 6.º dos factos provados, AA encontrava-se no interior da paragem de autocarro; c) foi na sequência do descrito no ponto 6.º dos factos provados queBB despiu o casaco; d) aquando do descrito no ponto 10.º dos factos provados, BB afirmou que AA tinha de o acompanhar; e) aquando do descrito no ponto 11.º dos factos provados, BB disse a AA que ela não sairia dali até ser levada à esquadra e para se encostar ao abrigo da paragem do autocarro; f) na sequência do descrito no ponto 11.º dos factos provados, BB agarrou AA por trás com o braço direito e pelo pescoço, tendo ambos caído, ficando BB por cima de AA, que ficou com as costas no chão; g) aquando do descrito no ponto 12.º dos factos provados, AA começou a dar murros com a mão fechada em BB; h) de seguida, AA caiu em cima de BB; i) aquando do descrito no ponto 18.º dos factos provados, foi apenas com a mão direita que BB tentou algemar AA, enquanto que com a sua mão esquerda lhe puxava os cabelos, com bastante força, provocando-lhe o arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais, tendo então AA mordido BB para dele se libertar; j) no trajecto de cerca de 3 km entre a R. ... e a Esquadra ..., BB, aproveitando-se do facto de a mesma se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha disse-lhe “agora é que te vou mostrar, sua puta, sua preta do caralho, seu caralho, sua macaca”, enquanto lhe desferia vários socos na cara e, enquanto AA se tentava proteger, baixando a cara para não ser atingida, BB dizia-lhe “estás a baixar a cara, caralho” e “ainda por cima esta puta é rija”; k) à saída da viatura, junto à esquadra, BB desferiu um pontapé que atingiu AA na testa; l) DD e CC nada fizeram que impedisse a continuação da agressão por parte do seu colega, BB, nem procederam à elaboração de qualquer expediente, designadamente auto de notícia, relatando os factos que presenciaram e levando ao conhecimento da autoridade judiciária competente a prática de crime público que tinham presenciado; m) as lesões descritas no ponto 25.º dos factos provados foram consequência directa e necessária da actuação de BB; n) o arrancamento do cabelo referido no ponto 25.º dos factos provados resultou de traumatismo de natureza contundente; o) BB pretendeu molestar o corpo e a saúde de AA, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que alcançou; p) BB pretendeu dirigir as mencionadas expressões a AA, sabendo que ofendia a honra e consideração da mesma, o que alcançou; q) BB sabia que AA não podia ter sido detida, porquanto não tinha cometido crime nem havia suspeita de que o tivesse feito, que a sua detenção e condução para o interior da esquadra da PSP constituía um abuso de poder e a violação de deveres inerentes às suas funções e que, com a sua actuação, causava prejuízo a outras pessoas, o que quis e concretizou; r) BB deteve, prendeu, manteve presa ou detida AA sem qualquer fundamento legal, designadamente pela inexistência da prática de crime, o que sabia; s) DD e CC sabiam que a prática dos factos que presenciaram era crime e que violavam deveres inerentes às suas funções, com grave abuso de autoridade, estando obrigados a evitá-lo, bem sabendo serem essas suas condutas proibidas e punidas por lei; t) quanto aos factos provados com referência a AA, as condutas de BB eram proibidas e punidas por lei e a respectiva censurabilidade era agravada pela função profissional que exercia, o que o mesmo bem sabia; u) quanto aos factos não provados supra descritos, BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e ser a respectiva censurabilidade agravada pela função profissional que exercia; v) DD e CC agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e ser a respectiva censurabilidade agravada pela função profissional que exerciam; * Do pedido de indemnização civil deduzido por AA: w) aquando do descrito no ponto 37.º dos factos provados, AA disse que era para que o filho se deslocasse à paragem para exibir o passe da irmã que lhe ia telefonar; x) nessa sequência, o motorista não respondeu, pelo que AA ficou convicta de que o mesmo tinha anuído ao seu pedido; y) AA não voltou a falar com o motorista desde o momento em que lhe disse que iria telefonar para o filho, nem o mesmo lhe voltou a dizer nada; z) aquando do descrito no ponto 3.º dos factos provados, AA tinha, entretanto, iniciado uma conversação através do telemóvel e a falar ao mesmo saiu do autocarro com a filha e o sobrinho; aa) assim que desceu do autocarro, BB dirigiu-se a si e disse- -lhe que se sentasse no chão; bb) AA, que inicialmente vinha a falar ao telemóvel, nem percebeu muito bem e disse: “Diga?”; cc) ao que BB lhe desferiu um safanão na mão arremessando o telemóvel para o chão, partindo-o; dd) BB voltou a dizer: sente-se no chão; ee) AA respondeu que se sentava no banco que se encontrava na paragem; ff) BB respondeu que não, que se sentasse no chão; gg) AA respondeu que, existindo um banco na paragem, não se sentava no chão em plena via pública; hh) em acto seguido, BB, com a aplicação de uma manobra designada por mata leão, deitou AA ao chão, ficando com o seu corpo em cima do dela; ii) BB sentou-se em cima de AA, na zona lombar, pressionando o corpo da mesma contra o chão, não só a imobilizando, como também a asfixiando e puxando-lhe os cabelos; jj) foi para evitar sufocar e para que o mesmo parasse de a magoar, o que não conseguiu, e vendo-se a perder as forças, que AA mordeu um braço de BB; kk) BB provocou dores intensas a AA, tendo-lhe arrancado madeixas de cabelo; ll) AA perguntou ao agente que a levou para o carro a que se refere o ponto 41.º dos factos provados para onde ia e o mesmo respondeu-lhe que estava detida e por isso ia para a esquadra; mm) AA disse-lhe que não queria ir no carro com BB e aquele agente respondeu que não era preciso ir no mesmo carro, uma vez que estavam ali dois carros; nn) pouco depois de a viatura ter iniciado a marcha, BB começou a desferir murros no rosto de AA, ao mesmo tempo que lhe dizia, repetidamente, “Puta do caralho” “Preta do caralho” “Pretos ilegais de merda” “A preta é rija”, esta última expressão, segundo o próprio, por ter roçado com a mão na ponta dos dentes de AA e se ter magoado; oo) assim que começou a ser agredida, AA começou a gritar por socorro numa tentativa desesperada de que alguém que circulasse na rua a pudesse ouvir; pp) na sequência desse pedido desesperado de ajuda por parte de AA, os agentes da PSP fecharam os vidros do carro e colocaram música alta para que ninguém pudesse ouvir os gritos daquela, qq) até que AA deixou de gritar e já não tinha qualquer reacção ao continuar a ser esmurrada por BB; rr) até então, o agente que conduzia a viatura andou às voltas pelas ruas da ... para dar tempo a BB de satisfazer os seus instintos e esmurrar AA até lhe apetecer, o que só então deixou de fazer, nessa sequência se tendo dirigido para a referida esquadra; ss) ali chegados, BB puxou AA do carro para o chão e, estando a mesma caída no chão, na rua, BB não saciado ainda, desferiu-lhe um pontapé na testa; tt) nessa altura, em que AA não tinha já qualquer reacção e sangrava abundantemente da boca e nariz, um dos agentes disse “Ainda a matas” e “vira-a de lado”, no seguimento de AA se estar a engasgar com o seu próprio sangue; uu) então, um dos agentes, para perceber se AA ainda respirava, colocou-lhe a mão sobre o peito e disse: “ainda respira”; vv) acharam então por bem virar AA e, como não o conseguiram fazer com ela algemada, retiraram-lhe as algemas e deixaram-na permanecer caída no chão como se de um animal se tratasse; ww) em resultado directo e necessário da conduta de BB, AA: - sofreu lesões físicas que lhe causaram dores intensas durante os primeiros 10 dias, que a impediram de comer, de dormir, de cuidar da sua higiene e de efectuar qualquer tarefa doméstica; - nas semanas seguintes às agressões e decorrido o período temporal acima mencionado, sentiu dores, ainda que com menor intensidade; - ainda nos dias de hoje tem zumbidos nos ouvidos e visão turva; - ficou com marcas no lábio e no couro cabeludo; - ficou com falta de cabelo; - sofreu angústia severa, ansiedade, pânico, medo de sair à rua, de utilizar os transportes públicos e de frequentar locais públicos ou abertos ao público; - durante pelo menos 2 (dois) meses sofreu de forma acentuada de perda de apetite, insónias, mal estar geral, astenia, fadiga física e mental; - até aos dias de hoje padece de ansiedade, insónias, pesadelos, suores nocturnos, tendência para o isolamento, medo de sair à rua e de se deslocar e/ou frequentar quaisquer locais públicos e/ou abertos ao público; xx) por causa da conduta de BB, a referida filha de AA: - ficou em choque e traumatizada; - semanas após os factos e numa deslocação com familiares a um supermercado onde se encontrava um agente da PSP, fardado, de gratificado, ao vê-lo teve um ataque de pânico, necessitando de ajuda dos familiares, funcionários do supermercado, para parar de gritar e chorar e só a conseguiram acalmar quando o referido agente da PSP se afastou do local; - ainda no presente entra em pânico quando vê um agente de autoridade e recusa deslocar-se aos locais onde suspeite que possa encontrar algum; - ficou desde então afectada e a padecer de ansiedade e medos vários que lhe causam grande insegurança e perturbação ao seu desenvolvimento; - até aos dias de hoje tem interiorizado um sentimento de culpa por tudo o que veio a acontecer à mãe; yy) por causa da conduta de BB, AA: - nunca mais conseguiu ter paz, serenidade e alegria no seu agregado familiar; - evita sair de casa, tal como a referida filha, pelo que deixaram de se deslocar a parques infantis, supermercados, centros comerciais, restaurantes, concertos, cinemas ou a qualquer outro local onde habitualmente estejam agentes de autoridade ou os possam encontrar pelo caminho e deixaram de se deslocar de autocarro ou qualquer outro transporte público; - deixou de ter convívio social, com familiares e amigos; - perdeu o gosto pela vida, passou a viver isolada em casa, sem vontade de sair, de se divertir, de conviver; - era uma pessoa alegre, bem disposta e cheia de energia e passou a viver amargurada, triste, sem vontade e/ou capacidade de iniciativa seja para o que for; - foi no Correio da Manhã e nas redes sociais e no seguimento de várias publicações feitas pelo Sindicato Unificado da Polícia de Segurança, na página do Facebook do Sindicato, acusada de ter praticado um crime e por isso BB a ter detido, de ser pessoa violenta, de ter ameaçado o condutor do autocarro, de ser pessoa desordeira, de ter sido ela a arranjar o conflito, de ter agredido BB e como tal até ter sido constituída arguida; zz) as marcas que BB tinha nas mãos foram de murros que deu a AA dentro da viatura da PSP; aaa) por causa da conduta de BB, AA: - ficou com a camisola e as calças que trazia vestidas, de valor não inferior a 50 €, estragadas; - teve que adquirir medicamentos, principalmente para as dores, de valor não inferior a 50 €; - teve que fazer várias deslocações, sendo o custo com transporte de valor não inferior a 200 €, nomeadamente ao Hospital ..., a exames médicos, a farmácias, ao tribunal, à PSP, ao escritório da sua mandatária; - ficou com o seu telemóvel, no valor de 150 €, destruído; * Do pedido de indemnização civil deduzido porEE: bbb) o soco referido nos pontos 23.º e 43.º dos factos provados foi desferido na testa e sobrolho esquerdos de EE, que permaneceu numa sala, enquanto os arguidos CC e DD assistiam; ccc) EE ficou com a testa e sobrolho inchados; * Do pedido de indemnização civil deduzido pela pela EMP01..., S.A.: ddd) foi por causa da conduta de BB que foi prestada a assistência referida no ponto 49.º dos factos provados; * Da contestação de BB: eee) o motorista a que se refere o ponto 3.º dos factos provados efectuava a carreira n.º ...37; fff) BB, quando se dirigiu a AA, disse calmamente: “Oh minha senhora, o que é que lhe apoquenta?”; ggg) durante o percurso de carro a que se refere o ponto 20.º dos factos provados, AA foi colocada entre dois agentes; hhh) na sequência da entrada de BB na esquadra este não contactou com EE e FF; iii) EE e FF deram murros e pontapés nas costas de BB e, enquanto este tentava deter AA, estavam a instigar as pessoas para que estas investissem contra BB para a libertar; jjj) foi por causa do acima referido na al. iii) que EE e FF foram conduzidos à esquadra; kkk) BB nunca agiu contra terceiros; * Da contestação de CC e DD: lll) aquando do descrito no ponto 69.º dos factos provados, quando CC viu AA já em pé, esta estava a esbracejar; mmm) AA desfaleceu; * nnn) AA livre e conscientemente auto-infligiu-se ferimentos. 3. Motivação da matéria de facto A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada vertida nos pontos 1.º a 87.º resultou da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, nomeadamente: - das declarações da arguida/assistente/demandante AA em audiência de julgamento; - das declarações da arguida AA perante autoridade judiciária, em sede de inquérito, em 21.01.2020 - com assistência da defensora (mandatária, Dr.ª XX) cuja procuração forense, subscrita por AA, datada de 20.01.2020, juntou a fls. 29 -, constando o respectivo auto de fls. 31 a 34, que foram lidas em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art.º 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal; - das declarações do arguido/assistente BB em audiência de julgamento; - das declarações do arguido/assistente BB perante autoridade judiciária, em sede de inquérito, em 06.03.2020 e 13.05.2021 - com assistência da defensora (mandatária, Dr.ª YY) cuja procuração forense, datada de 06.03.2020, juntou a fls. 295 -, constando os respectivos autos de fls. 296 a 300 e de fls. 553 e 554, que foram lidas em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art.º 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal; - das declarações do arguido CC em audiência de julgamento; - das declarações do arguido CC perante autoridade judiciária, em sede de inquérito, em 16.09.2021, cujo auto consta de fls. 625 a 627 - com assistência de defensor oficioso, nessa data nomeado -, com remissão para as prestadas em 14.01.2021, cujo auto consta de fls. 474 a 476, que foram lidas em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art.º 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal; - das declarações do arguido DD em audiência de julgamento; - das declarações do arguido DD perante autoridade judiciária, em sede de inquérito, em 16.09.2021, cujo auto consta de fls. 635 a 637 - com assistência de defensor oficioso, nessa data nomeado -, com remissão para as prestadas em 19.11.2020, cujo auto consta de fls. 436 e 437, que foram lidas em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art.º 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal; - das declarações do assistente/demandante EE em audiência de julgamento; - das declarações prestadas por EE perante a PSP, em 20.01.2020, e perante Procurador da República, em 24.01.2020, em sede de inquérito, vertidas, respectivamente, nos autos de inquirição a fls. 13 e de fls. 49 a 51, que foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal; - dos depoimentos das seguintes testemunhas em audiência de julgamento: - GG; - FF (que não compareceu quando notificado pelo tribunal, mas que o fez depois de terem sido lidas, ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal, as declarações que anteriormente prestara e de, segundo referiu a mandatária da arguida/assistente/demandante AA, tal mandatária ter tido a iniciativa de contactar essa testemunha durante a “hora de almoço”); - KK; - II; - ZZ; - JJ; - MM (que disse ser companheiro da arguida AA e que também tinha constituído mandatária a Dr.ª XX, cuja procuração forense, datada de 06.02.“2019”, juntou a fls. 158, na data da sua inquirição perante Procurador da República, em 10.02.2020); - NN; - OO; - AAA; - RR; - LL; - BBB; - HH; - CCC; - DDD; - SS; - EEE; - PP; - FFF; - GGG; - HHH; - III; - QQ; - JJJ; - KKK; - LLL; - MMM; - NNN. - das declarações prestadas por GG perante Procurador da República, em 21.02.2020, em sede de inquérito, vertidas no auto de inquirição de fls. 234 a 236, que foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal; - das declarações prestadas por FF perante a PSP, em 20.01.2020, e perante Procurador da República, em 28.01.2020, em sede de inquérito, vertidas, respectivamente, nos autos de inquirição de fls. 10 a 12 e 60 a 62, que foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal; - das declarações prestadas por II perante a PSP, em 20.01.2020, e perante Procurador da República, em 20.02.2020, em sede de inquérito, vertidas, respectivamente, nos autos de inquirição de fls. 14 e 15 e 213 a 215, que foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal; - das declarações prestadas por ZZ perante Procurador da República, em 27.01.2020, em sede de inquérito, vertidas no auto de inquirição de fls. 52 e 53, que foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal; - das declarações prestadas por JJ perante Procurador da República, em 27.01.2020, em sede de inquérito, vertidas no auto de inquirição de fls. 54 e 55, que foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal; - dos vídeos (conteúdos audiovisuais) gravados no DVD junto na contracapa do volume I, extraídos do telemóvel da testemunha FF, a que se refere o aditamento de fls. 47, datado de 21.01.2020; - da chamada telefónica feita, no local da referida paragem de autocarro, pela testemunha II para o 112, gravada no CD junto na contracapa do volume I (no envelope azul, dentro do envelope branco); - da chamada telefónica feita, no local da referida paragem de autocarro, pela testemunha JJ para o 112, gravada no CD junto na contracapa do volume I; - das chamadas telefónicas feitas pelo arguido CC e por outro indivíduo para o 112, pedindo cada um que viesse uma ambulância à referida esquadra, gravadas no CD junto na contracapa do volume I; - do teor do auto de notícia por detenção junto a fls. 3, datado de 20.01.2020, às 02:23 horas, no que toca à data, hora e ao local da ocorrência e à identificação das pessoas ali mencionadas; - do teor do auto de notícia junto a fls. 4 e 5, datado de 20.01.2020, às 02:20 horas, no que toca à data, hora e ao local da ocorrência, ao respectivo relato e à identificação das pessoas ali mencionadas; - da notificação, do auto de constituição de arguido e do termo de identidade e residência juntos de fls. 6 a 8, datados de 20.01.2020, às 02:23 horas, elaborados por BB e respeitantes a AA, com menção de que esta se recusou a assinar tais documentos; - das fotografias juntas a fls. 9; - do documento - verbete de socorro/transporte -, junto a fls. 165; - da documentação junta de fls. 129 a 132, com as “3 fitas do tempo” encontradas nos registos do sistema 112 respeitantes à ocorrência de 19.01.2020; com essa documentação foi junto o mencionado CD com os respectivos registos áudio das chamadas atendidas naquele serviço, identificadas pelo número chamador e grupo data/hora de cada uma; - do documento junto a fls. 63, informação da EMP02... de que os respectivos autocarros não têm câmaras de videovigilância; - do documento junto a fls. 69, comprovativo de que AA esteve no serviço de urgência do Hospital ... das 22:18:02 horas de 19.01.2020 até às 03:13:00 horas de 20.01.2020; - do teor do auto de denúncia junto a fls. 66, datado de 20.01.2020, às 08:18 horas, no que toca à data, hora e ao local da ocorrência e da sua comunicação, ao respectivo relato e à identificação das pessoas ali mencionadas; - da documentação, apresentada pela PSP, constante de fls. 139 a 142, com identificação dos agentes que transportaram AA para a ... Esquadra – ..., da viatura utilizada para o transporte, de quem se encontrava de serviço naquela esquadra nesse dia, com menção de que BB seguiu juntamente com AA naquele transporte, da inexistência de videovigilância e com junção da escala de serviço; - da documentação clínica junta pelo Hospital ... (cfr. fls. 170) de fls. 171 a 175, respeitante à utente AA, contendo: - diário clínico do episódio de urgência com início às 22h18 de 19.01.2020 e fim à 01h55 de 20.01.2020; - relatório de radiologia/TAC, requisitado às 00h22 de 20.01.2020 e validado à 01h36 dessa data. - da documentação clínica junta pelo Hospital ... (cfr. fls. 170) de fls. 176 a 179, respeitante ao utente BB, contendo diário clínico do episódio de urgência com início às 22h24 de 19.01.2020 e fim à 01h06 de 20.01.2020; - da documentação clínica junta pelo Hospital ... (cfr. fls. 344) de fls. 345 e 346, respeitante à utente AA, referente ao dia 21.01.2020; - das fotocópias de fotografias constantes de fls. 155 a 157 e das fotografias constantes de fls. 247 a 253, juntas em Fevereiro de 2020; - dos documentos, incluindo vídeos e captura de ecrã referente a envios de ficheiro, juntos pela assistente/arguida AA sob a referência Citius 24583692, de 04.12.2023; - da acareação entre o arguido CC e a testemunha FF; - da nota de assentos do Agente Principal BB junta de fls. 304 a 309 (cfr. fls. 303 e 310); - do relatório da perícia de avaliação do dano corporal elaborado pelo INML na sequência do exame datado de 23.01.2020 a AA, junto de fls. 231 a 233; - do relatório da perícia de avaliação do dano corporal elaborado pelo INML na sequência do exame datado de 24.02.2020 a BB, junto de fls. 268 e 269; - das fichas biográficas dos arguidos CC e DD, das fotografias e do vídeo respeitante ao descrito no ponto 66.º dos factos provados juntos sob a referência Citius 23532547, de 09.06.2023; - da factura correspondente à assistência médica e hospitalar a que se refere o ponto 49.º dos factos provados e restante documentação com ela junta, constantes de fls. 827 a 835. * Importa antes de mais referir que: os sublinhados e setas e afins que estão marcados nos autos não foram elaborados pelo tribunal, mas por alguém que, evidentemente, procurou destacar tais passagens; na medida em que o tribunal faz referência ao conteúdo de autos mantém essencialmente o modo de expressão deles constante. * Do auto de notícia por detenção junto a fls. 3, datado de 20.01.2020, às 02:23 horas, que deu origem aos presentes autos, consta que: AA, ali referenciada como “Suspeito Interceptado”, foi interceptada, pelo elemento policial/autuante BB, às 20h30 de 19.01.2020. BB descreve que, nessa data e hora, quando se encontrava em deslocação para a sua residência, uniformizado e com um casaco civil, mas perfeitamente identificável como agente de autoridade, foi abordado pela testemunha II, motorista da EMP02..., carreira n.º ...37, a solicitar a sua ajuda para identificar uma cidadã, em virtude de o ter ameaçado e injuriado quando foi abordada pelo motorista, uma vez que circulava ilegalmente naquele transporte. II questionou-o sobre se estaria de serviço, tendo BB dito que não, mas informado que, em caso de necessidade, era sua obrigação, com profissional da Polícia de Segurança Pública, intervir. Antes de abordar a Suspeita, Sra. AA, BB retirou o casaco que tinha sobre a farda, ficando devidamente identificado como agente de autoridade, tendo também advertido aquela da sua condição policial. Ao chegar junto da cidadã, esta estava aos gritos e a falar alto, dizendo “Eu faço o que eu quero e não sou obrigada a dar satisfações a ninguém”. Perante tais afirmações, e sem tirar a razão e tomar partido das partes, questionou a Suspeita, para lhe contar a sua versão dos factos; esta, mais uma vez, disse “Não tenho que falar consigo”, “Chamem a Polícia”. Perante tal recusa em acatar o que lhe tinha perguntado, o agente autuante ainda a informou de que é obrigatório o uso de título de transporte, de acordo com as normas estabelecidas. De imediato, a Suspeita mostrou uma atitude bastante agressiva contra a pessoa daquele agente, dando-lhe vários empurrões no peito, enquanto se recusava a identificar-se. Uma vez que aquela não estava colaborante e sobre aquele investia com agressividade, foi pelo mesmo feita uma técnica de imobilização, nos termos das normas institucionais em vigor (técnicas de mãos vazias) e foi dada voz de detenção à suspeita. Devido à estatura física da Suspeita (pessoa forte e com bastante peso corporal), foi efectivamente necessário proceder à algemagem no solo, uma vez que esta não colaborou em tempo algum, tendo o agente caído no solo com a detida. No chão, a Suspeita resistiu activamente, tendo sido necessário usar a força estritamente necessária para a manter junto a tal agente e proceder à algemagem, posterior identificação e detenção. Por diversas vezes a Suspeita tentou fugir, mas como a técnica foi eficiente, não teve como escapar. Contudo, o referido agente pediu apoio aos demais cidadãos que ali estavam, para fazer chamada via 112 e o ajudarem em relação a certos cidadãos que estavam agressivos, tomando partido da Suspeita, para que os mesmos não o agredissem enquanto estava a fazer o seu trabalho. No calor da tentativa de algemagem, o agente/autuante sentiu vários impactos nas costas e empurrões, dando origem a que a Suspeita se colocasse em posição favorável, onde lhe mordeu o braço direito em vários lados. Perante tal agressão, aquele agente teve que usar mais força física para com a Suspeita, para que esta não o continuasse a morder, aplicando técnica de imobilização ao braço e colocando o seu peso sobre o da Suspeita, tendo a mesma ficado com a face sobre o alcatrão da estrada, resultando daí algumas escoriações para a mesma. A algemagem só se concretizou após a chegada de apoio ao local e com auxílio de mais polícias, que vieram em auxílio daquele agente. Dos descritos factos resultaram nesse agente várias escoriações, em ambas as mãos e marcas de dentadas no braço direito e traumatismo torácico, tendo necessitado de recorrer às urgências do Hospital ..., transportado pelos Bombeiros Voluntários ..., onde recebeu tratamento, tendo ali entrado pelas 22h24, sob processo hospitalar n.º ...83. Devido às fortes dores sentidas nas lesões sofridas nessa ocorrência, tal agente teve que pedir auxílio para redigir o expediente, e as mesmas iam impedi-lo de exercer as suas funções, pelo que informou superiormente o Oficial de Dia à Divisão Policial da ..., Subcomissário JJJ e o Comandante de Esquadra, Subcomissário LLL, de que iria ficar de baixa por tempo indeterminado. Foi elaborada reportagem fotográfica das suas agressões, bem como foram inquiridas as testemunhas a corroborar tudo o que se encontra escrito nesse Auto de Notícia por Detenção. A então detida deu entrada naquele hospital pelas 22h18, sob o episódio clínico ...03/20 e teve alta pelas 02h15, altura em que foi constituída arguida e sujeita a termo de identidade e residência, sendo notificada para comparecer no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízos ..., no dia 21.01.2020, pelas 10h00. Pelos factos que descreveu, o agente autuante desejou procedimento criminal contra a então detida. Foi dado conhecimento dessa detenção ao Exmo. Sr. Procurador-Adjunto junto daqueles Tribunal/Juízos. * Do auto de denúncia junto a fls. 66, datado de 20.01.2020, às 08:18 horas, que deu origem ao NUIPC 34/20...., consta que: Na data e hora mencionadas, compareceu no ... Esquadra ... a denunciante AA, que informou que no dia 19, pelas 21 horas, quando se encontrava no transporte público n.º ...63, foi abordada pelo motorista pelo facto de a sua filha não ter consigo o título de transporte. Segundo a denunciante, esta informou o motorista de que na próxima paragem lhe mostraria o passe que comprovaria que a filha tinha o direito a usufruir daquele transporte; posteriormente, aquela atendeu uma chamada telefónica, no seu telemóvel e, quando o autocarro parou na paragem, a mesma abandonou esse transporte e o motorista, em acto contínuo, também dele saiu e chamou um agente da polícia que a abordou e lhe fez um mata- -leão. Segundo a denunciante, esta foi depois transportada para uma esquadra de polícia onde (foi) elaborada a sua detenção, não assinou qualquer documento, mas tinha consigo uma notificação para comparecer em tribunal no dia 21 de Janeiro, pelas 10h00, e um auto de constituição de arguido com o NUIPC 29/20.2PBAMD. Segundo a denunciante, posteriormente foi chamada pela polícia uma viatura de emergência médica, que fez o seu transporte para o Hospital ..., na ..., onde deu entrada às 22h18 de 19 de Janeiro, com o n.º...20, tendo sido devidamente tratada. Desconhece a identificação do agente que a agrediu, mas deseja procedimento criminal contra o mesmo. Em audiência de julgamento, AAA referiu que: - é agente da PSP; - não assistiu a qualquer facto; - apenas escreveu o que a denunciante comunicou, tendo ela depois assinado; - não se recorda de a mesma ter marcas de ferimentos; - a denunciante queixou-se de que o colega (de AAA) a tirou à força do autocarro. * AA perante Procuradora-Adjunta, em sede de inquérito, em 21.01.2020 - com assistência da defensora (mandatária, Dr.ª XX) com procuração forense datada de 20.01.2020 -, prestou as seguintes declarações (cfr. auto de fls. 31 a 34): Foi neste acto confrontada com os factos que lhe são imputados, que constam dos autos. Subiu para a camioneta n.º ...63, na ..., pelas 20:37H, acompanhada pela filha de 8 anos, de nome HH, e pelo sobrinho de 32 anos, de nome GG, residente na Rua ..., .... Apercebeu-se que a filha se tinha esquecido do passe e informou o motorista, que lhe disse que tinha que descer do autocarro. Disse-lhe que iria ligar ao seu filho para trazer o passe quando saísse na paragem perto da sua casa. O motorista não disse nada. Quando chegaram à paragem, encontrava-se a falar ao telefone com a sua tia sobre uma situação de violência doméstica, tendo dito no âmbito de tal conversa que se deveriam juntar todos e dar uma surra ao marido da sua prima, tendo o motorista pensado que se estava a referir a si. Ainda tem os registos da chamada telefónica e da hora a que a mesma ocorreu, estando na disponibilidade de facultar esses registos se solicitados, assim como o telemóvel. Antes disso, tinha entrado no autocarro uma senhora ... com uma filha de 4 anos, tendo o motorista perguntado pelo passe da menina, ao que a senhora respondeu que ela só tinha 4 anos, tendo-a mandado descer. Disse ainda, "isto não é como na vossa terra, isto não é uma praça, voltem para as vossas terras". Um senhor ... perguntou ao motorista se todos os portugueses moram em Portugal, tendo o mesmo dito "vão para a vossa terra, não me chateiem a cabeça". Não teve qualquer intervenção nesta conversa. O autocarro não estava cheio, mas tinha maioritariamente pessoas africanas. O autocarro ao parar não abriu as portas e o motorista viu um Agente da PSP, acompanhado do seu pai, a sair de um bar e chamou-o. Após, o Agente dirigiu-se a si e deu-lhe uma palmada da mão fazendo com que o telemóvel saltasse e se partisse e disse-lhe para parar e para se sentar no chão enquanto chamava a patrulha, porquanto estava detida. Apesar de lhe tentar explicar o que tinha acontecido, o mesmo não deixou falar. Nunca empurrou o Agente, nem lhe desferiu pancadas no peito. Respondeu que não se tinha que sentar no chão, tendo o Agente a chamado de ilegal. Depois fez-lhe uma manobra de "mata-leão", agarrando-a no pescoço por trás e caindo ambos ao chão enquanto gritava pelo seu sobrinho e pela sua filha porque estava muito aflita. Inclusivamente, a sua filha pediu muitas vezes ao Agente para não matar a mãe. Quando começou a sentir falta de ar, uma senhora ... começou a dizer que o Agente estava possuído e para a largar, e foi nessa altura que mordeu um dos braços do Agente para se conseguir libertar. Nessa altura ainda não estava algemada, mas o Agente conseguiu algemá-la sozinho. Posteriormente chegaram dois carros patrulha e uma carrinha da PSP que a ajudaram a levantar e entrar no carro patrulha para a levar para a esquadra. Apesar de ter pedido para não ir no mesmo carro com o Agente BB, não respeitaram essa vontade e foi no banco de trás com o mesmo e dois Agentes à frente. Depois subiram os vidros, ligaram a música em alto volume e o Agente BB disse-lhe "agora é que vou-te mostrar, sua puta, sua preta do caralho, seu caralho, sua macaca". De seguida desferiu-lhe vários socos na cara, parecia "um saco de pancada", e agarrou-a nas calças e nas cuecas puxando para cima. Apesar de estar algemada, tentou baixar a cara para não ser atingida e ele disse-lhe "estás a baixar a cara caralho" e desferiu-lhe mais socos. As lesões que o Agente apresenta nos nós dos dedos devem-se aos socos que lhe deu na boca, ao mesmo tempo que dizia "ainda por cima esta puta é rija". Os outros agentes não intervieram, só um deles disse "vais matá-la". Não consegue reconhecer esses agentes porque quando eles entraram no carro já ali estava sentada e quando começou a levar socos deixou de conseguir ver com nitidez. Ao chegar à esquadra, o Agente BB agarrou-a pelo casaco e arrastou-a para fora do carro, tendo-a deixado estendida no chão e após deu-lhe um pontapé na cara, entre os olhos, tendo um dos Agentes referido "pára, ela já está a sangrar muito", e puseram-na de lado para evitar que engolisse o sangue. Não chegou a entrar na esquadra, tendo-lhe sido entregue o expediente relativo à constituição de arguido e TIR e a notificação para comparência no Tribunal no hospital, pelas 2:23H. Não assinou o expediente porque não estava a conseguir ver. Depois só se lembra de ouvir a Bombeira a falar consigo e de ouvir o seu marido a abrir a porta do carro dos bombeiros e a perguntar quem é que tinha feito aquilo, tendo um dos polícias, o que a acompanhou no carro dos bombeiros, a pedir para trancar a porta para mais ninguém entrar. Quando chegou a casa o seu filho filmou-lhe a cara para documentar as lesões que apresentava. Requer a preservação de imagens da carreira n.º ...63 da EMP02..., bem como a inquirição da pessoa que filmou o vídeo de nome KK, residente na Rua ..., .... No dia de ontem apresentou queixa na Esquadra ... relativamente a esta situação, tendo assumido o NUIPC 34/20...., requerendo-se a incorporação do mesmo nestes autos. BB perante Procurador da República, em sede de inquérito, em 06.03.2020 - com assistência da defensora (mandatária, Dr.ª YY) com procuração forense datada de 06.03.2020 -, prestou as seguintes declarações (cfr. auto de fls. 296 a 300): No dia 19/01/2020 saiu do serviço às 16H00 e pegou no carro para ir para sua casa sendo que este teve um problema mecânico que o impediu de prosseguir a marcha. Pediu auxílio ao seu irmão que lhe indicou uma terceira pessoa para o auxiliar com o problema mecânico do seu carro e era com esta pessoa que estava quando pediu para beber um café no primeiro estabelecimento de que se apercebeu, que pensa que era A .... Quando estava a sair do carro em direcção ao café, um motorista de uma camioneta aproximou-se de si e perguntou-lhe se era polícia, tendo respondido afirmativamente. Estava completamente fardado, mas trajava um casaco azul escuro civil por cima da farda. À solicitação do motorista, respondeu afirmativamente, dizendo que não estava de serviço, mas que passaria a estar se fosse necessário. Foi nessa ocasião que o motorista disse que uma senhora o estava a ameaçar e a injuriar - foi a informação do motorista. Acrescenta que o motorista não referiu quais foram as ameaças em concreto, nem as expressões injuriosas. Antes de se dirigir à senhora despiu o casaco e como tinha a farda ficou facilmente identificado pela generalidade dos cidadãos. Lembra-se que a senhora estava ao telefone, aguardou que terminasse o telefonema e quando a abordou perguntou-lhe o que é que a apoquenta, ao que aquela respondeu de imediato "eu consigo não falo". Nesta ocasião o ora arguido disse "a senhora tem de se identificar, porque eu fui solicitado por um cidadão", no caso o motorista, que queria identificar a senhora para apresentar queixa. O ora arguido estava devidamente identificado, mas ainda assim exibiu a carteira profissional, mas a senhora queria que chamassem a Polícia que com ele não falava. Foi advertida que teria de se identificar, que ela própria poderia solicitar a identificação do motorista se assim o entendesse, tendo ela recusado identificar-se, ao que o arguido respondeu que teria de a identificar e que não sairia dali sem se identificar. Recorda-se que a senhora estava a um canto da paragem; aproveitou-se dessa posição para impedir que a mesma se ausentasse. A determinada altura a senhora empurrou-o e partiu para a agressão com as mãos fechadas a rodarem na sua direcção num gesto pouco habitual e o ora arguido para além das técnicas policiais é igualmente praticante de AIKIBUDO, tendo beneficiado do conhecimento dessas técnicas para aproveitar a energia da própria pessoa para a imobilizar, o que conseguiu apenas por um curto período de tempo. A senhora em causa manifestou sempre a intenção de o agredir e o ora arguido, a primeira manobra que fez, beneficiando dessa energia resultante das técnicas de AIKIBUDO, foi virar a senhora contra a paragem, pôr-lhe a mão esquerda nas costas e com a mão direita procurar as algemas para proceder à algemagem. Aquilo que fez tecnicamente é designado como manobra de restrição de movimentos, que consiste em colocar o braço direito por baixo da axila e com o braço esquerdo cruzar as suas mãos para impedir o movimento das mãos da pessoa que está assim de modo a impedir qualquer agressão da parte da pessoa visada ou retirar qualquer objecto que possibilite uma agressão. Nesta altura teve a noção que tinha de dominar a situação e recorreu a técnicas policiais para a derrubar e tentar imobilizar, o que não conseguiu, porque ela sempre ofereceu resistência, ao mesmo tempo que ia dizendo para a acalmar. Quando confrontado com as expressões que utilizou "morde, morde", disse que foi no sentido de chamar a atenção das pessoas e no calor da detenção a expressão saiu sem qualquer outra intenção. Neste momento foi confrontado com as fotografias de fls. 247 a 253 e com o relatório de perícia de fls. 231 a 233 tendo referido que agarrou no cabelo da AA com a sua mão esquerda, com o objectivo de impedir que ela se auto-infligisse, impedindo-a de aplicar a si própria ferimentos, e com a mão direita dava ordens às pessoas para se afastarem. Lembra-se de que deu ordens a um senhor de capacete para se afastar, mas não o consegue identificar. O processo clínico de urgência de fls. 172 neste acto foi exibido ao arguido, tendo o mesmo referido que tais lesões são compatíveis com as manobras de intervenção policial e a propósito das fotografias que lhe foram exibidas não se lembra de ter visto a senhora com sangue na cara como resultam desses documentos. Não duvida que a senhora tenha ficado com esses inchaços e sangue. Referiu que a senhora esteve com a face no chão várias vezes e teve que exercer força para a algemar. À pergunta se tem ideia quanto tempo durou esta intervenção na paragem, refere que terá sido cerca de meia hora ou mais, tendo andado no chão cerca de 15 minutos. Reconhece ter utilizado pontos de pressão na face para causar dor e a tentar algemar, o que não conseguiu, só com a ajuda de um colega que veio mais tarde, tendo sido utilizados dois pares de algemas para evitar qualquer luxação à arguida. À pergunta se se recorda ou admite ter dito "vocês são todos ilegais, vêm aqui fazer confusão", respondeu negativamente, não disse e não usou tal expressão. Estava bastante nervoso com toda a situação e indignado por ter sido cuspido, tendo estado sempre consciente dos seus actos e atitudes, mas sentindo também alguma humilhação pela posição em que se encontrava, sozinho com um grupo de cidadãos, não sabe quantos, mas era um número elevado, dando as ordens audíveis para se afastarem e manter a sua segurança. Refere que, quando a senhora estava de pé na paragem, alguém, que não a senhora, lhe desferiu um murro ou um pontapé nas costas e alguns empurrões, mas não sabe precisar quem foi. Enquanto esteve no chão, ninguém se aproximou para lhe bater, porque sempre manteve o aviso a quem tentasse aproximar-se. Recorda-se de que havia um cidadão que se insurgia particularmente contra ele, a quem o arguido advertiu de que se ele continuasse ou fizesse uso de algum objecto o próprio arguido utilizaria os meios que tinha ao seu dispor; na altura não disse o que era, mas tinha prontos a ser utilizados gás pimenta, algemas e arma de fogo. Lembra-se de ter dito isso, assim como se lembra de ter indicado aos colegas que o identificassem e a um outro mais velhinho, também de pele negra, para o identificarem. À pergunta se se recorda que a dona AA tenha dito "eu não fiz nada", diz que não se recorda e que nunca conseguiu manter um diálogo com a senhora porque estava extremamente exaltada e até quando ela estava ao telefone lembra-se de a ouvir falar em voz alta e exaltada. Quando foi conduzida para a viatura policial sempre ofereceu resistência, teve que empurrar a senhora sem que ela tivesse caído, mas conduzindo-a para o interior da viatura de forma firme, no que foi auxiliado por um seu colega para a introduzir na referida viatura, onde seguiu algemada à retaguarda e com o cinto de segurança colocado. O ora arguido não levava cinto de segurança. Tanto quanto se recorda quem conduzia a viatura era o Agente CC e no lugar do pendura seguia o Agente DD. Tanto quanto consegue precisar do local da paragem até à esquadra são cerca de 3 km, que foram percorridos num curto espaço de tempo, que precisa em 1 minuto ou 1 minuto e 40 segundos. Não havia trânsito. O carro da PSP assinalava marcha de urgência apenas com os sinais visuais. A viagem foi tranquila. Nunca dirigiu à senhora as expressões atrás referidas, não lhe bateu, nunca menorizou sob qualquer forma ou circunstância a senhora e não admitia que alguém o fizesse, daí que tenha assumido sempre o controlo da situação, seguindo com a senhora no carro para não haver interferências. Também não desferiu nenhum pontapé na senhora, cuja extracção da viatura policial foi feita pelos seus colegas. Sabe que a mesma caiu quando saiu, por os seus colegas lhe terem dito, isto porque o ora arguido apresentava lesões e os seus colegas disseram-lhe para ir tratar de si, que eles tratavam da detida, o que ele aceitou fazer. Não a pontapeou na cara e tem a certeza que os seus colegas também não o fizeram. À pergunta se utilizaram o trajecto mais curto para a esquadra, respondeu que pensa que sim, não era o condutor, mas não andaram às voltas pela cidade .... A senhora lançou-se para o chão quando saiu do carro e ali ficou até à chegada dos bombeiros. Quando confrontado com a acusação dos outros dois ofendidos terem sido agredidos no interior da esquadra, o arguido nega qualquer agressão e nem sequer teve qualquer diálogo com eles. Quando entrou na esquadra, manteve-se sempre numa área reservada da mesma e nunca lhes dirigiu a palavra. Esclareceu que nunca fez a manobra "mata leão", que é uma expressão brasileira originária de uma arte marcial japonesa e que consta em cortar o fluxo sanguíneo ao cérebro e a pessoa fica inconsciente em escassos segundos retomando a actividade cerebral logo após. É uma técnica eficiente, porque permite a paralisação da pessoa, mas naquele caso não a utilizou. À pergunta se tem alguma explicação para o facto de os dois cidadãos que foram à esquadra e referem terem sido agredidos, esclarece, como já disse atrás, um deles foi advertido várias vezes para se manter afastado e o outro, mais velho, também foi advertido e recorda-se que dizia que o arguido queria matar a senhora, pelo menos é o que pensa da ideia que tem, depois de ver o vídeo. Recorda-se que uma pessoa que estava consigo respondeu que se o arguido o quisesse matar tinha uma arma. Confrontado com o documento de fls. 165, em que a ofendida refere ter sido vítima de agressão física, o arguido nega qualquer agressão e que as lesões apresentadas terão resultado da sua acção para imobilizar a senhora. Quanto às lesões que o ora arguido apresentava e apresenta ainda, embora não sejam visíveis, quer dizer que esteve de baixa 10 dias. Relativamente às expressões utilizadas pelo Sindicato Unificado de Polícia, não se revê nas mesmas. Não se revê no conteúdo do texto de fls. 284 que neste acto lhe foi lido e exibido. Esclarece ainda que, na sequência das mordidelas de que foi vítima, o médico da PSP receitou-lhe antibiótico, por prevenção, uma vez que a saliva tem milhões de bactérias e havia feridas infectadas.
BB perante Procurador da República, em sede de inquérito, em 13.05.2021 - com assistência da defensora (mandatária, Dr.ª YY) -, prestou as seguintes declarações (cfr. auto de fls. 553 e 554): Confrontado com os documentos que constituem fls. 4 e 6 dos autos, por referência ao requerimento de fls. 90, o arguido esclareceu que a inserção da data de ocorrência é feita manualmente, porém, quando se encerra o expediente e no que respeita à notificação de fls. 6, quanto ao grupo data/hora é o sistema SEI que automaticamente introduz esse grupo. Confrontado com fls. 69, o arguido esclareceu que foi uma equipa do carro patrulha que levou o expediente ao Hospital ... para proceder à notificação da arguida. Instado a esclarecer quem eram os elementos que compunham essa patrulha, disse não se recordar de momento, mas que indicará em 5 dias por escrito aos autos a identificação dessa patrulha. Esclarece que não a notificou pessoalmente, mas elaborou o expediente e as respectivas notificações tendo para o efeito introduzido a respectiva password. Cada Agente inicia e encerra uma sessão sem poder alterar documentos anteriormente elaborados por outros (e pelos próprios).
CC perante Procurador da República, em sede de inquérito, em 16.09.2021 - com assistência de defensor oficioso, nessa data nomeado -, prestou as seguintes declarações, também com remissão para as prestadas em 14.01.2021 (cfr. autos de fls. 625 a 627 e 474 a 476): Mantém, na totalidade, a versão dos factos que relatou neste Departamento, no dia 14-01-2021 e que neste acto lhe foram lidos. Quanto aos factos que lhe são imputados, nega que tenham acontecido. Declara ainda que, sendo caso disso, não se opõe a uma eventual desistência de queixa. Em 14.01.2021 disse: Em dia que exactamente não recorda, de Janeiro de 2020, entre as 20.00 e as 21.00 horas, estava no carro patrulha ...60, adstrito à Esquadra ..., sendo o ora depoente o arvorado e condutor da mesma o seu colega DD. Receberam uma comunicação para irem em auxílio de um colega seu, na Av. ..., e uma segunda comunicação que o mesmo estaria a ser agredido por vários indivíduos. Quando chegou ao local, apercebeu-se de um grande número de pessoas e viu o seu colega embrulhado com uma mulher. Instantes depois, ou praticamente ao mesmo tempo, chegou um segundo carro patrulha, da Esquadra ..., assumindo o ora depoente a posição de afastar os transeuntes que se aglomeravam, tendo solicitado a identificação de algumas pessoas, para indicar nos autos como testemunhas. No local onde os factos ocorreram - Av. ... - era uma zona pouco iluminada e quando viu a suspeita ela tinha os cabelos que lhe tapavam a cara, não se tendo apercebido de lesões. Na Av. ... não se apercebeu de lesões que a ofendida pudesse ter e só a posteriori é que se apercebeu. À pergunta o que entende por a posteriori, referiu que só à chegada à Esquadra ... é que teve uma percepção da cidadã, isto porque também a mesma seguia algemada e curvada e como tinha os cabelos compridos não lhe conseguia ver o rosto. A cidadã foi transportada na viatura que era conduzida pelo Agente DD, seguindo o ora depoente no lugar da frente do lado direito, o seu colega BB na parte de trás lado esquerdo e a cidadã, na parte de trás, mesmo atrás de si. Do local onde os factos ocorreram até à Esquadra ..., demoraram não mais de 5 minutos, para percorrer 2 a 3 km, que era a distância. Não havia trânsito. À pergunta o que é que se passou no interior da viatura, durante o transporte, respondeu nada de anormal relativamente ao que aconteceu durante outros transportes de detidos, lembra-se que a cidadã reclamava contra a polícia, gemia eventualmente com dor. À pergunta que palavras a cidadã usava contra a policia, disse não se recordar. À pergunta se durante o transporte entre a Av. ... e a Esquadra se ouviu o seu colega BB chamar à cidadã "puta, esta puta é rija, cadela, cavalo, macaco", respondeu que não. À pergunta se viu o Agente BB desferir murros, cotoveladas, bofetadas à cidadã respondeu que não, nem ouviu nada que pudesse indicar que estaria a ser agredida. Tem praticamente a certeza que cidadã detida estava algemada à retaguarda. À pergunta se tivesse visto ou presenciado a agressão de um seu colega à cidadã qual deveria ser o seu procedimento, o mesmo respondeu que faria cessar a agressão e comunicar por ter presenciado um crime. À pergunta por que razão não o fez, responde que não presenciou nenhuma agressão. Esclareceu ainda que foi o ora depoente que foi fazer a extracção da cidadã da viatura policial, recorda-se que ela pôs os dois pés fora da viatura e "fez peso morto", que o ora depoente não conseguiu suster, tentando ao máximo amparar a sua queda. Procurou por sinais vitais, aos quais a mesma respondia, abriu-lhe as pálpebras e chamou o sentinela que estava à porta da Esquadra, que sabia ser bombeiro voluntário e que sabia ter conhecimentos de primeiros socorros, tal como o ora depoente, mas era de prever que o mesmo pudesse ter mais conhecimentos do que o ora depoente. A cidadã ficou no chão por um período de tempo bastante longo, tendo o Agente QQ e o depoente colocado a senhora em posição lateral de segurança e accionou o 112, por duas vezes. Ignora por que razão o auxilio médico demorou cerca de meia hora, ou mais, a chegar à Esquadra. Sabe que foi muito tempo. Foi o ora depoente que também mandou buscar duas mantas, uma para tapar a senhora e outra para lhe colocar de baixo da cabeça e aguardou junto dela até chegar o pessoal médico. À pergunta se viu o seu colega BB agredir alguém dentro da Esquadra, referiu que não porque se manteve sempre ao lado da senhora até chegar o auxilio médico solicitado. À pergunta se tem conhecimento de a detida ter sido notificada no Hospital de qualquer situação relacionada com este processo, respondeu que não. À pergunta se o ... tem um posto policial avançado, respondeu que sim, mas desconhece se o mesmo está apto a efectuar qualquer notificação. À pergunta, e exibido o doc. de fls. 6, se o grupo data/hora é emitido automaticamente, tem a impressão que é automático. Referiu ainda que é possível que o doc. tenha sido impresso à hora que ali consta, mas presente para assinatura em momento posterior. À pergunta se se lembra de ter ouvido ou o próprio dizer para o BB "ainda a matas", respondeu que não. Nega ter presenciado qualquer agressão por parte do seu colega à cidadã AA. DD perante Procurador da República, em sede de inquérito, em 16.09.2021 - com assistência de defensor oficioso, nessa data nomeado -, prestou as seguintes declarações, também com remissão para as prestadas em 19.11.2020 (cfr. autos de fls. 635 a 637 e 436 e 437): Mantém a versão aqui apresentada que prestou enquanto testemunha, no dia 19-11-2020, não pretendendo acrescentar nada. Quanto aos factos que concretamente lhe são imputados, nega ter havido qualquer agressão ou expressões injuriosas à Sr.ª AA. Em 19.11.2020 disse que: Era o motorista da viatura que no dia 19-01-2020, entre as oito tal e nove horas da noite, conduziu os Agentes CC e BB e AA, do local da ocorrência até à Esquadra .... O local da ocorrência foi na Rua ..., na ..., junto à paragem do autocarro. O trajecto foi rápido, da paragem do autocarro fizeram uma transgressão cortando à esquerda para a Estrada ..., em direcção à rotunda ... e saíram na 1.ª saída em direcção à Estrada ..., e depois passaram o 1.º entroncamento, seguiram em frente e no 2.º viraram à direita, para Rua ..., seguindo para a Rua ... e saíram na 3.ª saída da rotunda para a Rua ... e na Rua ..., onde se localiza a Esquadra. Em termos de tempo não se demora 5 minutos e em termos de distância cerca de 2 km. Tanto quanto se recorda, foi o Agente CC quem colocou a Sr.ª AA no banco de trás, lado direito da viatura policial e ia algemada. Os vidros da viatura estavam fechados e não se recorda se o rádio estava com música ou não. Quanto à viatura, recorda-se que era um .... À pergunta se a AA foi agredida no interior da viatura pelo seu colega BB, respondeu negativamente. À pergunta se no interior da viatura ouviu o seu colega BB chamar a AA "puta, esta puta é rija, cadela, cavalo, macaco", respondeu que não. À pergunta se à saída da viatura policial viu o seu colega BB atingir a integridade física de AA, respondeu que não. Nega qualquer agressão por parte do seu colega e as palavras que foram acima referidas. À pergunta se se recorda de ter visto o seu colega BB desferir um pontapé na testa à AA, referiu que ele, assim que saiu do carro, dirigiu-se à Esquadra. À pergunta se se recorda que o seu colega CC impediu alguma agressão, diz que não, porque não houve agressão nenhuma. * Em audiência de julgamento, os arguidos, em suma e no essencial, mantiveram o que anteriormente declararam, a arguida/assistente/demandante com uma postura que, como sucedeu ao longo da audiência, alternou entre a impaciência/agitação e o mais apagado, com um discurso claramente preparado e revelador das incoerências dos seus relatos e destes com o correspondente estado anímico, o arguido/assistente BB com uma postura mais aberta, espontânea e coerente no que tange ao sucedido com a arguida, sem prejuízo de alterações que se revelaram insignificantes e que evidentemente decorrem do efeito do tempo e das diversas narrativas na memória, e mais fechada, claramente comprometida e não franca quanto aos ofendidos EE e FF, e os arguidos CC e DD de modo simples, franco e espontâneo, coerente com a memória que no essencial mantêm dos factos. * Nos vídeos (conteúdos audiovisuais) gravados no DVD junto na contracapa do volume I (no envelope castanho, dentro do envelope branco), extraídos do telemóvel da testemunha FF, a que se refere o aditamento de fls. 47, datado de 21.01.2020, consta o seguinte: No ficheiro com 33517 KB, vídeo com a duração de 4 minutos e 1 segundo: BB e AA estão, de pé, na paragem de autocarro, com 4 pessoas a cerca de 1 metro de ambos. AA está virada para o vidro de trás da paragem e BB está, de lado, junto à mesma, segurando-a com a mão direita, esticando o braço esquerdo atrás no sentido de um senhor que fala ao telemóvel. AA diz, em voz alta, “querem é dinheiro”, “eu não estou a falar com o senhor motorista”. Continua um senhor atrás a falar ao telemóvel e BB responde a AA “ainda bem, ainda bem” e “não, eu sou polícia”; está fardado, e ao seu lado, a cerca de um metro, está um senhor que segura num casaco. AA grita “o senhor largue a minha mão” e BB responde--lhe “não largo não, não largo”, “a senhora larga o telefone, não largo não”. BB procura deter AA, enquanto a mesma se move, ele ficando atrás dela, segurando-a também com a mão direita. Enquanto isso, o senhor que segurava o casaco passa pelos mesmos e afasta-se. BB, segurando AA pelo braço esquerdo, procura afastá--la do referido vidro e sentá-la no banco da paragem, e AA, já de lado, do lado direito de BB, faz força para o evitar, soltando o braço esquerdo e dando um safanão, enquanto chama “GG, GG, GG”. BB agarra-a, colocando os dois braços do mesmo a envolver a parte superior do tronco de AA, puxa-a e, em desequilíbrio, caem os dois ao chão, no passeio, ficando BB por debaixo de AA, segurando-a com mão esquerda dele na zona superior do braço esquerdo dela, continuando a mesma em movimento, rolando para o lado direito. BB, dirigindo-se a AA, diz “você quer brincar, é isso, quer brincar você?” e pede a outra pessoa “chama aí a polícia, se faz favor”. Uma voz masculina, com pronúncia africana, diz “eu filmo quando eu quiser”. Outra pessoa grita “vai passar mal, não faças isso”. BB grita “para trás, para trás”. Ouve-se a voz de AA. Alguém repete “jovem, jovem”, procurando chamar a atenção de um jovem que diz para BB “cala a boca, cala a boca”, enquanto BB, aflito, continua a dizer “para trás, para trás”. BB grita para outra pessoa “cala a boca quê, sabe o que é que se passa? Mas sabe o que é que se passa, você?”; responde-lhe uma voz de um jovem, com pronúncia africana e BB responde, nervoso, “ó, ó, ó…, olha levas um balázio”, “para trás, para trás!” Ouve-se uma criança começar a chorar. Uma voz de homem, em tom jocoso, diz “tá a filmar a querer dar balázio”, “tá maluco”, “fala balázio, fala, fala balázio”. Alguém diz “tá ali o marido dela”. A criança chora “a minha mãe”. AA chama “GG” e fala para ele, diz-lhe para chamar alguém. BB diz para alguém “você, você ouviu, você é marido, é marido, né?” e depois, para o referido jovem, “ó jovem, este senhor é marido, você sabe o que é que se passa?”. O tal jovem responde “eu tava no autocarro”. BB pergunta-lhe “você sabe o que é que se passa?” e o jovem responde-lhe, em jeito de desafio, “sei, eu sei o que é que se passa”. Outro indivíduo responde ao jovem “sabe, sabe o quê?”. O jovem responde “vocês pensam que eu sou burro, “eu filmo, eu filmo mêmo, tou-me a cagar”. Uma senhora, em português com sotaque ..., diz “tenha calma, já vem a polícia, já vai passar, isso não passa de nada, não se prejudique à toa, não te preocupes com isso, o inimigo quer é isso mesmo”. Uma voz de homem diz “então fazem isso por causa de um bilhete de autocarro”, “o homem foi chamar a polícia por causa de um bilhete”. Um homem grita “HH, pára!” A senhora com sotaque ... diz “calma, a polícia já chega e já resolve isso, isso não vai passar disso, tenha calma; olha aqui, fica com a criança, a criança é uma pessoa”. Um homem diz “estão a fazer isso por causa de um autocarro”. Quem está a filmá-los entretanto aproximou-se de BB e AA, deixando de os focar durante cerca de 4 segundos (dos 21 aos 25 segundos), altura em que se vê a cara de BB, com a cabeça no chão, de cara para cima, deixando depois de se ver dos 26 aos 33 segundos, continuando a imagem em movimento, sem os focar, e ficando, entretanto, escura até aos 1 minuto e 8 segundos, altura em que se volta a ver imagem não focada e em movimento até ao 1 minuto e 21 segundos, e a imagem volta a ficar escura até aos 1 minuto e 39 segundos, voltando então a ver-se imagem em movimento e não focada até aos 1 minuto e 48 segundos, apenas se voltando a ver BB, aos 1 minuto e 55 segundos, filmado de lado, parecendo agachado, de costas semi-levantadas, viradas para cima, percebendo-se – pela sequência –, que debruçado sobre AA, estando outra pessoa, de pé, a menos de meio metro de BB; a imagem volta a ficar escura e, entretanto, em movimento e sem os focar, vendo-se a parte inferior das pernas e pés de outras pessoas dos 2 minutos aos 2 minutos e 42 segundos. Então, de costas, vê-se BB de pé com o tronco dobrado para baixo, percebendo-se, logicamente, que debruçado para AA, que permanece em movimento, procurando o mesmo, sem sucesso, levantá-la. BB diz “quer resistir, quer resistir, é isso? Não resista, não resista, não vale a pena”. A câmara volta a deixar de os focar, aos 2 minutos e 45 segundos, e aos 2 minutos e 48 segundos foca BB e AA de pé, BB com o braço direito ao redor da parte de cima do tronco de AA, virada de costas para si, e o braço esquerdo rodeando-a pelo outro lado, tendo BB a sua a mão esquerda a segurar o seu braço direito e caindo os dois para trás, enquanto AA continua a fazer força para cima. BB grita “está-me a morder, está-me a morder, é? Está-me a morder, está-me a morder! Morda, morda, morda, morda, morda, morda…” e outro homem diz “ele vai-se queimar”. Enquanto isso, uma senhora diz “moça, moça, moça, não faça isso”. Uma voz de homem diz “eu filmo não o quê, eu filmo, tenho direito de filmar, liberdade, eu tenho direito a filmar, é o quê? Eu não sou livre de filmar, há alguma placa a dizer proibido de filmar?”. E BB a dizer “filma aí, filma aí, filma aí, ela está-me a morder”, aflito “ela está-me a morder”, “queres brincar, não queres?”, “ela está-me a morder”, “isso, morda aí” e várias senhoras que dizem “solta, solta”, “moça, acalme-se, não faça isso”, “solta senhora”, “a sua filha”, “moça pára, calma, pára, não faz isso à tua vida” e BB diz, com voz em esforço, como quem o quer disfarçar, “deixe-a morder”, “não custa nada”, “eu sou polícia, eu sou polícia” e uma senhora que diz, “eu sei”, “não precisa disso gente” e BB diz “esta gente não sabe as leis” e uma senhora que diz “a gente sabe que é assim” e BB que responde “você sabe, mas eles não”, “olha a resistir, a resistir, morda, morda aí”. Ao redor, vêem-se outras pessoas, estando um indivíduo a menos de meio metro de BB e este de costas no chão, com AA em cima dele (cfr. aos 2 minutos e 55/56 segundos). Permanecem assim, enquanto outras pessoas passam junto aos mesmos, tendo AA uma perna entre as pernas abertas de BB, vendo-se uma mão de outra pessoa, que está de pé, que tocava em AA, na zona onde o braço direito de BB a envolvia, terminando então a filmagem, com BB e AA ainda nessa posição, em cima do passeio, na paragem de autocarro, aos 4 minutos e 1 segundo.
No ficheiro com 10188 KB, vídeo com a duração de 42 segundos: BB está apoiado com a mão esquerda no passeio e a mão direita no respectivo lancil, com o braço esquerdo esticado e o braço direito ligeiramente flectido, com as pernas atrás. AA está deitada parcialmente por baixo de BB, com a zona do braço esquerdo e de parte da cabeça na zona do passeio e o resto do corpo na estrada, inicialmente com as mãos soltas por baixo da zona do peito de BB e de seguida agarrando com as duas mãos a zona do punho direito do mesmo e a gritar “ele quer-me furar o olho, ele quer-me furar o olho”, enquanto BB permanece naquela posição (ou seja, com as duas mãos apoiadas no chão, sem lhe tocar em qualquer olho); vêem-se pessoas a cerca de 1 e 2 metros dos mesmos. De seguida, AA desvia totalmente o corpo, rodando-o, para a zona da estrada, e BB acompanha o movimento da mesma, mantendo-se apoiado com a mão esquerda no chão e o braço esquerdo esticado e procurando segurar AA com o braço direito flectido na zona do ombro esquerdo dela, enquanto a mesma lhe volta a agarrar o punho direito. De seguida, BB, mantendo o braço direito naquela posição, com a mão direita fechada - afastada da cara de AA -, agarra-lhe o punho esquerdo, ficando ambos com as mãos esquerdas junto ao asfalto, e AA grita “GG” e “ai, ele quer-me furar o olho” e BB diz-lhe “detida, está detida” e ela continua a gritar “ele quer-me furar o olho” e ele grita “está detida, ouviu, está detida, está detida?”, e procura agarrar-lhe as duas mãos junto ao chão, o que a mesma evita, movimentando os braços e segurando o braço direito do mesmo, que volta a tentar juntar-lhe as duas mãos junto ao chão (cfr. aos 21 segundos). De seguida, com o braço direito esticado a segurar-lhe a mão direita sobre a mão esquerda, BB leva a mão esquerda do mesmo à zona de trás das suas calças e pega nas algemas, que procura colocar a AA, que diz “ele vai-me algemar, me larga a mão, já, vai-me algemar, eu não vou levantar, não vou levantar, tá--me a aleijar a mão”, enquanto mexe os pulsos e BB tenta colocar-lhe as algemas, conseguindo pôr-lhe uma parte no pulso direito enquanto AA desvia o braço e a mão esquerdos para a zona do passeio e um indivíduo diz “é um ódio, mau polícia”, BB olha para cima e diz “veja lá a força …” e o vídeo é desligado (cfr. aos 33 a 42 segundos).
Nos vídeos juntos pela assistente/arguida AA sob a referência Citius 24583692, de 04.12.2023, consta o seguinte: No ficheiro com 27 segundos: AA está deitada sobre o passeio, junto ao lancil, em frente à paragem de autocarro, e BB está sentado na zona inferior do tronco da mesma, inclinado para a frente, com os braços esticados, o joelho esquerdo apoiado no passeio, a perna direita junto ao lado direito do corpo de AA e o pé direito apoiado no asfalto. À frente dos mesmos passa o já referido senhor com o casaco na mão, dirigindo-se a outros indivíduos que comentam a situação, dizendo “tu viste, tu viste?”. BB grita “para trás, para trás, embora”, para aqueles indivíduos e, para AA, diz “não resista, não resista”, enquanto esta procura mover o corpo e ele apoia o joelho direito no lancil do passeio. No ficheiro com 41 segundos: AA está com o cotovelo esquerdo apoiado no lancil do passeio e a mão direita apoiada no asfalto, com o braço direito semi-flectido, orientando a zona da cabeça para a estrada e tendo o resto do corpo na oblíqua relativamente ao lancil; BB está por cima das costas de AA, com o joelho esquerdo apoiado no passeio, parte da coxa direita junto ao lado direito de AA e o pé direito apoiado no asfalto, segurando AA com as mãos na zona dos ombros da mesma. Há pessoas junto deles, a menos de meio metro, e BB, com o braço direito, procura afastá-las, havendo um homem que diz “deixa ela”, dizendo BB “para trás”, enquanto com a mão direita segura o cabelo de AA, por forma a evitar esta que se mexa, e AA põe o braço direito no ar, após o que agarra o punho e a mão direitos de BB. BB segura-lhe o cabelo com a mão esquerda, por forma a evitar que ela se levante, AA junta as duas mãos e fala, dizendo, entre o mais “GG”, e BB, interpelado por indivíduos que ali se encontravam, um dizendo “ela não tá a resistir”, responde “o que é que foi?” e diz-lhes para irem para trás, perguntando outro indivíduo “tu viste? Tu viste? Tá aqui o motorista, chamaste a polícia, não chamaste?”.
Pelos sucessivos posicionamentos e actuações de AA e BB, logicamente o tribunal constatou que os factos registados nos referidos vídeos fazem parte de uma sequência não integralmente filmada e que ocorreram, nas parciais medidas gravadas, pela seguinte ordem: 1.º - os gravados no vídeo com a duração de 4 minutos e 1 segundo; 2.º - os gravados no vídeo com a duração de 27 segundos; 3.º - os gravados no vídeo com a duração de 41 segundos; 4.º - os gravados no vídeo com a duração de 42 segundos.
II – o motorista –, depôs com simplicidade, de modo espontâneo, sem artifícios, nem incoerências relevantes, relevando relatar apenas aquilo de que se apercebeu, recordou e como recordou, com isenção. Em audiência de julgamento referiu que: - só conhece AA e BB da situação dos autos; - estava, como motorista da EMP02..., a realizar a carreira, quando, numa paragem, entrou uma senhora - AA -, um senhor e uma menina; os dois primeiros validaram os passes e a menina, que tinha “uns 10/11 anitos” não; - perguntou se a menina tinha título de transporte; a partir dos 4 anos é necessário título de transporte; - AA disse que não tinha ali o passe da menina; ele disse- -lhe que teria que tirar bilhete ou que sair da viatura; a senhora respondeu-lhe que não ia comprar o bilhete e que não saía do autocarro e sentou-se junto à porta traseira, de saída; - no decurso da viagem apercebeu-se de que AA fez uma chamada a perguntar pelo passe da menina, “se estava lá em casa”; - por duas ou três vezes ouviu AA dizer que “o motorista precisa de levar uma surra”; - o autocarro ia praticamente vazio, levava dois ou três passageiros, para além de AA, o acompanhante e a menina; ouvia-se o que as pessoas estavam a dizer, não havia muito barulho; - AA nunca disse que à chegada apresentaria o passe; - não se recorda de qualquer outra situação de falta de passe nesse dia no autocarro; - quando estava a chegar à paragem do ... avistou “a polícia” - BB -, tendo percebido que era polícia pelo blusão, calças e botas, estava fardado; - abriu a porta traseira do autocarro; AA, o acompanhante e a menina saíram do autocarro; - foi pedir ajuda àquele agente, porque se sentiu ameaçado dentro do autocarro; contou-lhe que AA não tinha passe e que esta tinha dito que o motorista precisava de levar uma surra; - quando (II) abordou BB, estava a cerca de 5 metros de AA; - AA saiu do autocarro e sentou-se no banco da paragem; o acompanhante e a menina ficaram ali perto; - não se recorda se AA continuava ao telefone; - o agente perguntou onde estava a senhora; (II) indicou-lhe o banco da paragem; - o agente foi ter com a senhora, AA, e perguntou-lhe o que se tinha passado; - o agente tirou o casaco que tinha vestido; não se recorda em que momento, mas já depois de estar a falar com a senhora; - (II), já da porta de entrada do autocarro, a cerca de 2 metros daqueles, viu o que se passava: por várias vezes o agente pediu à senhora a identificação e ela não deu, pretendendo ir-se embora; o agente pediu a identificação à senhora e perguntou-lhe se ela tinha alguma coisa a ver com o que II lhe tinha dito; - ela entendeu que queria ir-se embora; - o agente teve que agarrar a senhora para ela não se ir embora; pensa que a agarrou nos braços; - a senhora tentava soltar-se do agente; não estava calada, dizia “Largue-me…”; - ninguém se aproximou deles, ninguém lhes tocou; - não viu agressão de parte a parte; - AA e BB acabaram por cair para o chão, ele a tentar detê-la e ela a mexer-se para o evitar; - o agente e a senhora estiveram agarrados no chão; mais ninguém tocou neles; - não ouviu ninguém dizer que lhe iam tirar uma parte do corpo; - ouviu o agente dizer que a senhora lhe estava a morder o braço, quando estavam no chão; - viu a senhora deitada no chão de barriga para baixo e o agente também deitado no chão a agarrar nela; - não sabe se AA bateu com a cara; - não viu que ela estivesse sem conseguir respirar, nem que BB tivesse feito alguma coisa para isso; - não viu ninguém a filmar; - a menina esteve sempre com um senhor, mais afastada da situação; - ouviu a menina chorar; não se recorda se a mesma disse alguma coisa; - a senhora usava o cabelo similar ao que actualmente usa; - em face das fotografias de fls. 247 a 249, referiu que era de acordo com a fotografia de baixo, do lado esquerdo, de fls. 249, que AA se apresentava; - em face das fotografias de fls. 250 a 253, referiu que não a viu assim; - BB deteve AA estando deitado no chão, a agarrá-la; chegaram os colegas do agente e AA foi levada para a esquadra; - quando ele, II, saiu do local, ainda ali ficou a polícia; Confrontado com as declarações que prestou perante a PSP, em 20.01.2020, e perante Procurador da República, em 20.02.2020, em sede de inquérito, vertidas, respectivamente, nos autos de inquirição de fls. 14 e 15 e 213 a 215 - que, como referido foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal -, disse que é mais correcto o que disse em data mais próxima do que aconteceu; Confrontado com a gravação da chamada feita para o 112 pelas 20h24, gravada no CD junto na contracapa do volume I, confirmou tê-la feito pelas razões que nela expôs; - da memória que tem, estariam 10 pessoas no local; - já não se lembra, mas pensa que terá sido identificado no local. Naquela gravação - 5.º ficheiro a contar de cima, com a duração de 3 minutos e 44 segundos -, ouve-se o seguinte: Olhe, bom dia, eu tenho aqui uma situação no autocarro, foi o agente mesmo que disse para eu chamar o 112; é aqui uma senhora que estava a dizer que o motorista precisava de ser agredido. À pergunta sobre se o motorista tinha sido agredido, respondeu não, não, não, sou eu, sou eu, e a senhora vinha a dizer dentro do autocarro que eu é que precisava de uma surra, precisava de ser surrado, entretanto eu vi um agente aqui na rua e chamei-o, chamei o agente. À pergunta sobre se estava a haver desordem, respondeu tá, tá, aqui na rua, a fazer um espalhafato do caraças, tá. À pergunta sobre o que é que precisava, respondeu olhe, preciso de um carro- -patrulha aqui, ao Bairro ..., aqui ao café ..., ao Bairro ..., Rua .... Ouve-se outra voz masculina no local e II diz já, já estou a chamar. Este continua depois a responder, a quem o atende, Bairro ..., Bairro ..., ..., Bairro .... Ouve-se, em fundo, “ela vai passar mal”. II continua depois a responder a quem o atende, que é na zona da ..., ..., ..., n.º de porta ...03, na paragem do autocarro mesmo. Ouvem-se vozes masculinas, em fundo. À pergunta sobre se é o motorista, este responde sim, sim, sim, e a viatura é a 335, carreira ...63, … pois, é que ela vinha dentro do autocarro, a dizer que o motorista precisava de uma surra, é…, é…eles têm a mania que batem em todos e fazem tudo. À pergunta sobre se está ali mais gente, responde tá, tá, tá. À pergunta sobre se há alguém ferido, responde não, não, não, só para ela tomar atenção na língua… na paragem anterior já tinha advertido outra pessoa, ainda me tratou mal, ainda me chamou nomes, e esta começou a dizer que eu precisava de uma surra. Quem o atendia disse-lhe que a PSP já estava informada e perguntou-lhe se “ela” tinha chamado mais gente para a confusão, ao que respondeu não, não, não, não, o agente deteve, deteve a senhora ali, está detida ali, e está à espera de um carro- patrulha. Quem o atende pergunta-lhe se está ali um agente da PSP, e II responde sim, sim, sim, sim. À pergunta se ele precisa de mais ajuda, responde não, não, não, não, não, é só mesmo um carro-patrulha, o mais rápido possível, faz favor. O meu nome é II, caso seja preciso para alguma situação. Quem o atende conclui que a situação já está controlada então, e II responde sim, mais ou menos, e aquele diz-lhe para não se preocupar, que a PSP já está informada e a ir para o local e que é só aguardar que eles cheguem lá, ao que II responde muito obrigada então. Alguém pergunta, mas está fardado de polícia e quem atende II responde, tá, tá, pediu ao motorista para ligar, está detida, supostamente está detida, pediu ao motorista para ligar, e termina a gravação.
Perante a PSP, em 20.01.2020, II referiu que: - é funcionário da empresa de transporte de passageiros EMP02...; - à data e hora dos factos encontrava-se de serviço, na carreira n.º ...63, no percurso de ... para o ...; - na paragem junto ao Centro Comercial ... entrou um casal acompanhado de uma criança com aproximadamente 9 anos de idade; - os dois adultos validaram os títulos de viagem, mas não foi validada a da criança, pelo que perguntou à senhora se a criança tinha título de viagem, tendo a senhora informado que tinha passe, mas que estava em casa e que não iria pagar bilhete, deslocando-se de seguida para o interior do autocarro; - não valorizou a situação, para evitar conflitos, mas essa passageira, já sentada, aparentemente efectuou uma chamada, dizendo em voz alta que aquele motorista precisava levar uma surra, repetindo esta afirmação várias vezes; - devido a essas provocações em voz alta, um outro passageiro referiu que o motorista se estava a portar mal e que era racismo; - ao chegar à paragem do Bairro ..., por temer pela sua integridade física, ao ver um elemento policial, solicitou-lhe auxílio; - o elemento policial deslocou-se prontamente junto do autocarro, estando já a referida passageira no exterior deste, sentada na paragem; - quando o elemento policial foi falar com a senhora, esta de imediato começou a exaltar-se, gesticulando e a gritar com aquele; - apesar das várias tentativas do elemento policial para tentar acalmar a senhora, estava continuava agressiva e bastante alterada; - o elemento policial, após inúmeras tentativas para a acalmar, envolveu--se com a mesma, caindo os dois no solo; - a senhora, já envolvida com o elemento policial no solo, nunca parou de resistir activamente; - antes de chegarem mais meios policiais ao local, um indivíduo que desconhece quem é e de onde surgiu tentou impedir o trabalho do elemento policial, não tendo interferido devido à intervenção de um outro cidadão que auxiliou o polícia até à chegada de mais meios policiais; - no momento não se recorda de mais dados da situação. Perante Procurador da República, em 20.02.2020, II referiu que: - exercia a condução do autocarro da EMP02..., carreira ...63, tendo iniciado o seu serviço às 20H30 do dia 19.01.2020, na estação de ..., e terminaria à 01H35 do dia 20.01.2020, em .... A carreira em causa era ...; - o incidente deu-se no trajecto ...; - junto ao Centro Comercial ... na ... entraram várias pessoas, entre elas um senhor, uma criança e a pessoa que mais tarde veio a ser detida; quer a senhora quer o acompanhante validaram o título, mas a menina não, tendo o ora depoente interpelado a mãe no sentido de saber se a menina tinha bilhete ou não, ao que a mesma respondeu que tinha passe mas que se tinha esquecido em casa e que não ia comprar bilhete e que se ia sentar. À pergunta se a mãe da menina alguma vez sugeriu a possibilidade de alguém no final do destino dela apresentar o título de transporte, respondeu que ninguém lhe sugeriu isso e não levantou problemas, deixando a menina seguir. - duas paragens mais à frente entrou uma senhora ... com uma menina de 4 anos - sabe que tem 4 anos porque a mãe lhe disse -, e que também não tinha título de transporte, tendo advertido a senhora de que, apesar da idade da menina, esta devia ter um título, uma vez que até aos 12 anos o transporte é gratuito implicando a apresentação de um passe. À pergunta que idade aparentava ter a menina que seguia com a senhora que foi detida, respondeu que não tem filhos, mas que, pela estatura e altura, teria 8, 9 anos. - quanto à senhora ... e à filha desta também as deixou seguir o seu trajecto, saindo voluntariamente na paragem seguinte, porque se sentiu constrangida pelo facto de a filha não ter título de transporte, estando convencido de que o destino da senhora não seria aquela paragem mas mais à frente. À pergunta se deu ordem de saída ou de expulsão do autocarro pela falta de título da criança, respondeu negativamente. Esta senhora ... na paragem onde saiu pediu a identificação do ora depoente no sentido de se dirigir à empresa e fazer uma reclamação pela sua conduta. À pergunta se a senhora ... e a menina foram impedidas de entrar no autocarro, responde negativamente. Entraram, mas saíram na paragem seguinte voluntariamente. Conhece de vista esta senhora por já a ter transportado noutras carreiras. - a determinada altura do trajecto ouviu a senhora negra dizer que o motorista precisava de uma surra e um senhor dizer que era racista e mal-educado. Nunca reagiu e nunca respondeu. À pergunta se alguma vez disse "pretos, pensam que isto é uma praça, voltem para a vossa terra", respondeu que não disse nada disso. À pergunta se se recorda se algum dos passageiros perguntou se tinha família fora de Portugal, respondeu não se lembrar de que alguém o tenha feito. - a EMP02... não tem videovigilância nos autocarros; - na paragem do Bairro ... viu uma pessoa a sair de um carro civil que identificou como sendo polícia, pois estava fardado, com a arma à cintura; - parou o autocarro na paragem, abriu as portas, passageiros entraram e passageiros saíram, inclusive a senhora, o acompanhante e a menina e, nessa ocasião, o ora depoente dirigiu-se ao agente da PSP, explicando o que se tinha passado e pedindo ajuda, porque teve medo, tanto mais que já foi agredido três vezes no seu posto de trabalho, a última das quais no dia 24/01/2020. Confrontado com o facto de haver outros depoimentos que referem que o agente da PSP a quem pediu ajuda usava um blusão não ostentando qualquer identificação, respondeu que, na sua posição no autocarro, enquanto condutor, apercebeu-se que ele saiu de uma viatura civil, viu um cinto com as algemas e a arma e o calçado próprio de um agente. Quando o depoente o abordou a pedir ajuda o agente despiu imediatamente o casaco tendo então o agente exibido o polo que trajava e o identificava como polícia. À pergunta como o agente abordou a dita senhora, o depoente respondeu que foi uma abordagem normal, começando por dirigir a saudação (boa noite) e de seguida perguntando à senhora o que vinha dizendo ao telefone para o motorista pedir ajuda, ao que ela respondeu que vinha ao telefone com a mãe e que não disse que o motorista precisava levar uma surra. - a senhora em causa quis passar o telemóvel para as mãos do ora depoente para confirmar que estava a falar com a mãe e este recusou; Quando confrontado com a versão da arguida/ofendida segundo a qual ela falava efectivamente de uma surra, mas para um familiar e num contexto de violência familiar, o depoente reitera a sua versão de que ouviu "o motorista precisava de uma surra". À pergunta por que razão se sentiu ameaçado quando a senhora saiu na paragem Bairro ... e ainda assim pediu ajuda ao agente, esclarece que, como já disse, foi agredido e por antecipação não excluía a possibilidade de alguém o abordar mais à frente, pelo que teve medo. - não se recorda se o agente alguma vez pediu a identificação à senhora, mas admite que a tenha pedido, embora nunca tenha visto a senhora mostrar-lhe a identificação, do que se lembra; - não consegue precisar o que a senhora dizia, mas recorda-se que ela falava muito alto e o agente a tentar acalmá-la, a dizer-lhe para falar baixo, que estava a falar com uma autoridade; - tanto quanto conseguiu perceber, a senhora queria sair do local e o agente não a queria deixar sair, numa altura em que a menina e o acompanhante já tinham seguido o seu caminho e depois voltaram para trás; - o acompanhante da ofendida/arguida nunca disse qualquer palavra imprópria, nem a si nem ao agente, apenas resguardava a menina, nunca lhe dirigiu a palavra; o tal acompanhante não disse uma única palavra; recorda-se de a senhora chamar por ele aos berros; nem sequer se recorda do nome dele; - o agente agarrou a senhora, mas, não sabe precisar como, tem ideia de que escorregaram e caíram; - no chão andaram enrolados 5, 7, 8 minutos e foi o tempo suficiente para chegar um carro patrulha e depois outros dois; apercebeu-se também de que no local apareceu uma carrinha do corpo de intervenção; - enquanto estavam no chão, o agente e a senhora, ouviu o agente dizer várias vezes "podes morder à vontade", viu o agente com o braço dele à volta do pescoço dela e ela mordia-o; - que se lembre, nunca ouviu o agente dizer naquele momento "preta do caralho, esta puta é rija"; - o agente não conseguiu algemar a senhora sozinho, só o conseguindo depois de ter chegado o primeiro carro patrulha e com duas algemas; - nunca viu o agente junto daquela paragem dar murros ou pontapés à senhora, apenas queria dominá-la, o que sucedeu, mas com muita dificuldade; - foi identificado por um colega do agente que se envolveu e depois seguiu o seu caminho; - confirma que ligou para o 112 a solicitar apoio; À pergunta se viu a senhora bater com a cara no chão, respondeu que andaram enrolados, ora a senhora com a cara no chão ora com a cara para cima.
As imprecisões/incoerências nos descritos três depoimentos de II não conduziram o tribunal à conclusão de que aquele quis relatar mais ou menos ou algo diferente do que percepcionou, mas tão-só aquilo de que em cada momento e em face das perguntas que lhe foram sendo feitas, e do modo como o foram, se lembrou, apenas revelando o seu carácter espontâneo, não preparado, nem orquestrado, sendo naturalmente decorrentes de, no desenvolvimento dos factos, ter tido a sua atenção focada em aspectos diferentes, de efectivamente não ter estado sempre a olhar para e atento a AA e BB, e do efeito do decurso do tempo na memória; daí, por exemplo, que não se tenha por si recordado do telefonema que fez para o 112, claramente aflito e indignado, sendo o respectivo tom coerente com o seu conteúdo e ambos reveladores da sinceridade do seu relato, nem do anterior episódio com a senhora ..., evidente e naturalmente um entre os muitos do dia-a-dia, que acabou como se espera que acabem, sem violência, nem ameaças, e relativamente ao qual o próprio motorista, quando o recordou, referiu que a senhora mencionou que iria reclamar dele (o que evidencia que esse lhe pareceu um comportamento normal e que nada pretendeu esconder).
Foi também manifesta a sinceridade por que se pautaram as declarações de EE - de 63 anos (cfr. a cópia do respectivo cartão de cidadão sob a referência Citius 19739764, de 25.10.2021), solteiro, canalizador, pessoa transparentemente humilde -, em audiência de julgamento, com coerência entre o seu conteúdo, a forma e o estado emocional que o acompanhou, tudo expresso de forma natural, simples e contida, com base na memória e na percepção que tem do sucedido. Referiu que: - à data dos factos não conhecia AA, nem BB e é dessa data que os identifica; - vinha na mesma camioneta que AA; - AA, com quem não voltou a ter contacto, vinha com a filha com cerca de 8 anos; não se apercebeu de que viessem acompanhadas por mais alguém; - no interior do autocarro houve “uma briga” entre AA e o motorista; o motorista pedia o passe e AA dizia que não tinha; o motorista mandou-a sair do autocarro; AA disse que não saía; o motorista voltou a dizer-lhe para sair; aquela voltou a não sair; - não ouviu AA ameaçar o motorista ou chamar-lhe nomes; - quando chegou à paragem onde AA queria sair, o motorista não a deixou sair sem pagar o bilhete; o motorista chamou o polícia, BB; - o motorista não saiu do autocarro; BB entrou no autocarro e pediu a identificação a AA; AA disse que não dava, que não era obrigada a mostrar identificação, que fazia o que entendia; - BB agarrou AA pelo braço para a tirar do autocarro; - BB estava sozinho; AA tinha as mãos livres; - AA fez força para não sair do autocarro; desequilibraram- -se e caíram os dois no chão; ficaram a rebolar um por cima do outro; AA ficou de cara para baixo e BB a tentar juntar-lhe os braços, para lhe colocar as algemas; ela não deixava, tentava escapar, abria os braços; “aí é que foi muita luta”, durou 1 a 3 minutos; - estava a 3 metros de AA e de BB, conseguiu ver o que se passava; - não viu BB bater em AA, se o fez foi noutro local; - BB, estando em cima de AA, disse que ela estava a morder; - não ouviu falar em olho; - não viu ninguém com o joelho em cima de alguém; - BB agarrou no cabelo de AA com a mão aberta; o cabelo dela era tipo rasta, não era como agora; AA levantou a cabeça de seguida porque foi puxada; não percebeu por que é que BB agarrou AA pelo cabelo, pensa que o objectivo era tentar acalmá-la; - entretanto, veio a carrinha da polícia, com 3 ou 4 polícias e mandou-o entrar; houve mais um rapaz a ver o sucedido, que também mandaram entrar na carrinha; não lhes explicaram por que é que os mandaram entrar na carrinha, foi uma ordem; nem ele - EE -, nem aquele rapaz tocaram em AA ou BB; ficaram a uma distância de 2/3 metros deles; ninguém tentou separá-los; - as pessoas fugiram porque não quiseram ser depois abordadas pela polícia como testemunhas, não por medo da polícia; - quando o mandaram entrar “na carrinha”, entrou logo; sentou-se e colocaram-lhe as algemas; não tinha feito nada que o justificasse; percebeu que ia ser testemunha; “não entrei na guerra; não fiz nada”; - foi para a Esquadra ...; quando chegaram lá, tiraram-lhe as algemas; separaram-no do rapaz, não o conseguia ver na esquadra; - não sabe se BB chegou entretanto ou se já estava na esquadra; (BB) saiu de uma sala, (EE) pensa que ele vinha alterado, e deu-lhe um murro na parte lateral esquerda da cabeça, próximo do olho; ele - EE -, não disse nada antes; criou um caroço, que já desapareceu; doeu-lhe, viu tudo a tremer, a parecerem-lhe duas pessoas; - estavam lá mais 4 polícias, que disseram a BB “não faças isso”; - (EE) não conseguiu trabalhar, o encarregado mandou-o descansar; sentiu vergonha; muita gente viu-o a ser empurrado para a esquadra; não fez nada de mal; era toda a gente a telefonar-lhe; - o rapaz que foi consigo para a esquadra não viu o soco. Confrontado com as declarações que prestou perante a PSP, em 20.01.2020, e perante Procurador da República, em 24.01.2020, em sede de inquérito, vertidas, respectivamente, nos autos de inquirição a fls. 13 e de fls. 49 a 51 - que, como referido foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal -, referiu que: - AA e a filha entraram “no ...”; uma delas não tinha bilhete; houve discussão entre AA e o motorista; - a memória que tem é que viu BB dentro do autocarro; - (EE) ia na parte de trás do autocarro, a filha de AA ia junto com esta, mais à frente; - quando BB surgiu, percebeu logo que era polícia, via-se a farda; (EE) também ouviu dizer “já chamaram a polícia; vem o polícia”; - é verdade que AA disse “me larga, racista”; já não se estava a lembrar disso, já foram muitos anos; - BB não fez a AA mais do que o necessário para a algemar; “era só para deter”; “puxar o cabelo não foi bater, foi segurar”; - estavam cerca de 10-20 pessoas a assistir ao sucedido; - em face das fotografias de fls. 247 a 253, referiu que não se lembra de como era o cabelo de AA; conseguiu ver que não foi arrancado cabelo na altura; ela estava com a cara normal; não tinha o olho como se vê de fls. 249 a 253; - não viu AA ser conduzida para o carro da polícia, nem ser algemada; já tinha seguido para a esquadra; - foi no dia 19.01.2020, às 20h30; - a filha de AA presenciou tudo; - além do murro na esquadra, nada mais lhe - a EE - aconteceu; ninguém lhe pediu desculpa; - teve medo de apresentar queixa na Esquadra ..., agora não; - não viu BB ferido quando este lhe deu o murro.
Perante a PSP, em 20.01.2020, pelas 23h30, EE referiu que: - nesse dia, quando se encontrava no autocarro da empresa de transportes EMP02..., na carreira n.º ...63, no percurso para a sua residência, tendo entrado na paragem frente ao ..., “a suspeita” entrou no autocarro acompanhada de outro senhor e de uma menor; - apercebeu-se de que um dos três não teria passe, o que gerou uma troca de palavras com o motorista; - já no local da ocorrência, apercebeu-se do motorista a afirmar que se “a suspeita” não saísse, o autocarro também não arrancava; - após os passageiros começarem a ficar revoltados, “a suspeita” abandonou o autocarro, sendo que o motorista a acompanhou; - já na presença do agente da PSP, “a suspeita” começou deliberadamente a discutir e a falar em tom de voz mais elevado, bastante alterada e agressiva com o agente, vociferando reiteradamente “me larga”, “racista”; - apercebeu-se de que o agente da PSP se envolveu com “a suspeita” no solo, tendo a mesmo resistido, enquanto mordia o agente no braço direito; - “a suspeita” resistiu sempre à manietação e apresentou um comportamento fora do normal; - após inúmeras tentativas, o agente da PSP conseguiu algemar “a suspeita”, momento esse em que começaram a chegar mais viaturas policiais. Perante Procurador da República, em 24.01.2020, EE referiu que: - apanhou o autocarro da EMP02..., carreira ...63, no Centro Comercial ..., entre as 20H00 e as 21H00 do dia 19.01.2020, com destino à ..., onde mora. - a determinada altura, junto à ..., uma paragem antes de onde ia descer, entrou uma senhora negra, uma filha e um senhor, sendo que a filha não tinha bilhete e o motorista não queria que um dos passageiros entrasse sem bilhete; houve discussão entre o motorista e a senhora, mas não se lembra em concreto que palavras trocaram. - como um dos passageiros que ali entrou não tinha bilhete, o motorista não andou com o autocarro; À pergunta se o polícia estava dentro do autocarro, respondeu que não se apercebeu que o polícia estivesse no autocarro. - apenas se apercebeu do polícia fora do autocarro; - viu o agente puxar a senhora para fora do autocarro e a querer algemá-la, mas ela não aceitava; - dentro do autocarro não viu o polícia; - como o autocarro não andava e estava perto de casa, decidiu sair e ir a pé e foi nesta altura que viu o polícia em cima da senhora a dar-lhe porrada; - à pergunta se o polícia lhe estava a bater ou a tentar algemá-la disse que lhe estava a bater; - a senhora estava no chão, o polícia em cima dela, a segurar-lhe o cabelo, ouviu o polícia a gritar que ela lhe estava a morder; - não conseguiu ver a cara da senhora; - estava a cerca de dois, três metros daquelas duas pessoas; - a senhora disse para o polícia "racista", mas não ouviu o polícia chamar-lhe nomes; - o polícia queria prendê-la, mas ela não queria; - quando chegou o camião com os polícias é que conseguiram algemá-la, porque sozinho não conseguia; - foi conduzido à esquadra no camião da polícia, mais um gajo que também era negro, não sabe o nome dele nem o conhece. - foi algemado à retaguarda, não disse nada aos polícias e não sabe porque é que foi algemado e, à chegada à esquadra, o mesmo polícia que estava em cima da senhora dirigiu-se a si e deu-lhe um soco na cara, numa altura em que já não estava algemado; - na altura em que lhe bateu na testa do lado esquerdo, o mesmo polícia disse "está aqui mais outro" e ainda hoje tem dor; - foi agredido à frente dos colegas do polícia e foram estes que disseram para "não faças isso, não faças isso"; - não consegue identificar os agentes, mas consegue identificar quem lhe bateu, que foi o mesmo que estava em cima da senhora; - quando foi ouvido na PSP não contou que tinha sido agredido, porque teve medo de o dizer, mas os agentes viram a agressão; - a senhora não ia consigo no camião; - não viu a senhora na esquadra; - não disse nada, nem falou para ninguém, não provocou, não disse palavra nenhuma que justificasse a agressão. As imprecisões/incoerências nos descritos três depoimentos de EE foram reveladoras de que em audiência de julgamento relatou os factos como os recorda e de que os recorda com grau de precisão directamente proporcional à importância que naturalmente lhes atribuiu; daí que, por estar ainda mais focado na prévia questão entre o motorista e AA, tenha criado a memória de que estes não saíram do autocarro e de que BB aí entrou, quando resultou evidente, da análise crítica e global da prova produzida a tal respeito, que não foi isso que ocorreu, tendo a situação entre BB e AA decorrido na zona da paragem do autocarro. Em audiência de julgamento, EE não quis relatar mais ou menos ou algo diferente do que percepcionou, quis relatar aquilo de que se recorda como se recorda, sendo - como sucedeu com II -, claro o carácter espontâneo, não preparado, nem orquestrado, nem sugestionado do seu depoimento, sendo as verificadas imprecisões/incoerências naturalmente decorrentes de, no desenvolvimento dos factos, ter tido a sua atenção focada em aspectos diferentes, de efectivamente não ter estado sempre a olhar para e atento a AA e BB, e do efeito do decurso do tempo (e da percepção da existência de diversas narrativas, de diversas proveniências) na memória. Importa ainda referir que as percepções de II e de EE diferiram também naturalmente em função da sua relação com as situações que foram ocorrendo, com o que os preocupava, com os locais onde cada um deles se encontrava em cada momento e com a decorrente capacidade/possibilidade de entendimento do que se passava. Por tudo isso, e como resultou da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, o tribunal constatou a sugestionada falta de isenção que marcou as declarações de EE quer perante a PSP, quer perante o Ministério Público, no que tange ao sucedido com AA; perante a PSP por medo, porque já tinha sido detido e levado um soco sem saber porquê; perante o Ministério Público, porque já tinha sido detido e levado um soco sem saber porquê e porque a narrativa que “já corria” era a de que afinal “AA” também tinha sido “batida” pela polícia. Tudo analisado, nos termos supra e infra expostos, de acordo com aquelas regras, o tribunal constatou que, em audiência de julgamento, apesar de a memória ter falhado a EE em aspectos que, tudo “somado”, não se revelaram essenciais, no essencial não lhe falhou quanto à íntima compreensão que, perante as partes dos factos a que assistiu, registou.
Em audiência de julgamento, RR referiu que: - é fiscal da Carris; - conhece BB há 8 anos; o filho do irmão deste treinava futebol com o seu filho; - conhece AA apenas dos factos a que assistiu; - (RR) chegou ao local com BB; o carro deste tinha avariado; porque se prontificou para o ir buscar, encontrou-se com este e ia com ele beber um café; - ficou a estacionar perto da paragem; BB saiu; um motorista de autocarro, fardado, dirigiu-se a BB; não sabe o que lhe disse; ouviu BB dizer “dependia”; - o motorista do autocarro disse que ia uma pessoa ilegal dentro do mesmo e que se negou a sair e que o iam esperar numa paragem e bater-lhe; BB tirou o casaco e deu-lho (a RR); - ficou na parte de trás do autocarro, dirigindo-se para a porta de trás; BB dirigiu-se a AA; - ouviu BB dizer a AA que ela tinha que se identificar; - AA estava ao telefone; - (RR) ouviu BB perguntar se ela estava a falar com ele ou com a pessoa ao telefone; - estava lá um senhor com uma menina, que pensa que era a filha de AA; - dirigiu-se a ele para afastar a menina, que estava aos gritos, para trás da paragem; disse-lhe para dizer à senhora para se identificar; ele disse a AA “Dá os documentos ao senhor”; - BB chamou-o para o ajudar; pediu às pessoas para se afastarem; estavam 4/5 pessoas a dar pontapés; - BB dizia a AA para parar; - AA estava a morder BB; - ouviu-o pedir a AA para se identificar, várias vezes; ela dizia “Eu faço o que eu quero”; BB dizia “Você não faz o que quer, faz o que a lei diz”; - diziam “chamem a polícia”; - na altura, (RR) disse que a polícia estava lá, apontando para BB e fazendo alusão à roupa do mesmo; - há filmagens praticamente desde o início; quando ficou para trás a falar com o motorista, até dentro do autocarro havia pessoas a filmar; - viu AA a morder BB no braço; viu pontapés; - tentou puxar os braços da senhora, para o largar; - um senhor da “...” também estava a filmar e a chamar nomes; disse-lhe que não tinha visto o que se passou desde o início; - AA tentava levantar-se; BB tentava algemá-la; AA caiu várias vezes ao chão; BB segurava-a pela cabeça; - quando chegaram mais agentes, um dos agentes deu a BB outro par de algemas e conseguiram algemá-la; - caiu o carregador da pistola de BB; (RR) apanhou-o para lho dar; quando chegaram os outros agentes ainda o questionaram sobre por que é que tinha o casaco e o carregador; entregou o carregador; ficou com o casaco, que BB lhe pediu que levasse para a Esquadra; como (RR) não conhece bem a ..., perdeu-se, demorou uma hora a chegar lá, ainda foi a outra Esquadra onde lhe disseram que não era aquela; - de certeza que AA estava magoada, ela estava com a cara para o chão; não lhe viu a cara, mas, pelos movimentos que ela fez, pensa que tem que se ter magoado naquele contexto; - a marca da mordidela ficou no braço de BB; - quando chegou à esquadra este não estava lá; depois soube que o mesmo e AA tinham ido para o hospital; - prestou depoimento na esquadra; quando o estava a fazer, chegou BB; - estavam mais duas pessoas a prestar declarações; não viu ferimentos em nenhuma: um senhor, mais idoso, que estava num banco, deitado, a dormir, e um rapaz, mais agitado, que andava para a frente e para trás; o senhor mais idoso tinha estado na paragem; tem ideia de também aí ter visto o mais novo; não viu BB a interagir com esses senhores; - não se recorda se o motor do autocarro estava ligado; - estava a cerca de 5 metros de BB quando este abordou AA, junto à porta traseira do autocarro, que tem 12 metros; - a partir do momento em caíram no chão, BB esteve sempre a segurar AA; BB dizia-lhe para se deixar algemar, que tinha que ir para a Esquadra; - não se recorda de como era o cabelo de AA; - aquando da mordidela, viu uma marca no sobrolho de AA; - tem ideia de que teve sempre o casaco de BB debaixo do braço.
O depoimento de RR foi, como sucedeu com o prestado em audiência de julgamento por EE, expresso com coerência entre o seu conteúdo, a forma e o estado emocional que o acompanhou, de forma natural, simples e contida, com base na memória e na percepção que tem do sucedido, revelando, também, que natural e evidentemente nem de tudo se apercebeu e nem de tudo guarda memória precisa. Em audiência de julgamento, BBB referiu que: - é fiel de armazém no Hospital ...; - foi bombeiro na ... e conheceu BB nessa altura, há dez anos; conheceu AA da “ocorrência em causa”; - estava na tasca da “...” e ouviu muitos gritos; veio à rua e percebeu que era junto à paragem; - viu a senhora, AA, ir uma ou duas vezes ao chão; - não ouviu BB pedir-lhe para se identificar, porque isso terá ocorrido antes de (BBB) chegar ao local; - AA estava “um pouco” agitada; naquela situação não estava a colaborar; - não viu morder; - assistiu a duas quedas; - (BBB) estava a cerca de 10 metros do local; só ouvia gritos; - viu chegar um carro da PSP; - não viu BB a algemar AA; - não viu a cara de AA; - havia pouca iluminação; - cerca de uma semana mais tarde, viu que BB tinha as costas marcadas e o braço mordido; - não se lembra de quantas pessoas viu junto da paragem.
O depoimento de BBB revelou-se isento, como o de RR. Em audiência de julgamento, PP referiu que: - é chefe da PSP, exercendo funções na Esquadra de Investigação Criminal da Divisão Policial ...; - na ocorrência em causa, BB pediu-lhe que transportasse à Esquadra o senhor mais novo e (PP) só com este teve contacto; - não sabe se o senhor mais velho foi algemado; - não teve intervenção na algemagem de AA, só fez perímetro de segurança; - a carrinha que estava no local era da equipa de intervenção, onde PP e colegas foram transportados. Em audiência de julgamento, LL referiu que: - é auxiliar de educação; - ia para casa, com o namorado e o filho, a passear a cadela, e viram que havia confusão junto à paragem do autocarro; - não ficou muito tempo, porque a cadela estava a ficar agitada; - ouviu o agente - referindo-se a BB -, que estava fardado, dizer à senhora - referindo-se a AA -, para estar quieta e ela não ficava quieta; - estava “tudo” muito perto deles, a um braço de distância.
Em audiência de julgamento, OO referiu que: - é bombeiro na ...; - foi accionado o seu serviço, tendo sido chamado à Esquadra ...; - quando ali chegaram, AA estava deitada no chão, junto ao carro da polícia; - colocaram-na dentro da ambulância para fazer a avaliação; havia pouca luz junto à esquadra; - AA apresentava feridas na face, feridas de impacto; - AA, na ambulância, disse que tinha sido agredida; - AA estava consciente, mas não estava colaborante; - não se recorda de se alguém tentou entrar na ambulância; - dentro da ambulância estava um agente; - antes de colocarem AA na ambulância, um agente pediu que um dos bombeiros fosse ver um colega que estava ferido, dentro da esquadra; foi a colega que lá foi; Face à fotografia de fls. 249, referiu que viu AA assim, mas sem inchaço, só viu sangue no lábio e no nariz; - quanto ao tipo de cabelo, a senhora estava como está hoje; - não se recorda de se a senhora tinha uma mala; Face ao documento de fls. 165, referiu que não foi elaborado por si, mas sim pela colega, que o assinou; quanto ao que aí fazem exarar, baseiam-se no que diz a vítima; - AA pouco lhes disse; perguntaram-lhe se estava grávida e não respondia; só disse, entre dentes, que tinha sido agredida, quando lhe perguntou o que aconteceu; - (OO) ficou com a percepção de que AA não foi colaborante porque não quis, porque quando chegaram ao hospital a mesma passou a responder. Em audiência de julgamento, NN referiu que: - é bombeira; - foi chamada para uma situação de emergência; - foram socorrer AA, na Esquadra ...; - AA estava caída junto a um carro-patrulha, junto à porta traseira, do lado do pendura; - como estava muita confusão no local, colocaram-na na ambulância, na maca, de barriga para cima; - AA estava acordada, mas respondeu-lhes muito pouco; (NN) não conseguiu perceber se o fez por não querer ou se por não estar capaz de o fazer; - tem curso de primeiros-socorros desde 2005; - quando levaram AA para a ambulância ela tinha muito cabelo, pensa que como hoje tem; - não se recorda se fecharam a porta da ambulância; provavelmente estaria fechada, para privacidade da vítima; - tem ideia de que o marido entrou na ambulância e falou com AA em crioulo; - estava um agente na ambulância durante o transporte; não se recorda de se estava antes; - na esquadra estava um agente magoado: BB; prestou o primeiro auxílio a esse agente e solicitou outra ambulância para o transportar; estava mordido; queixava-se de dores nas costas; limpou-lhe feridas; Face às fotografias de fls. 247 a 252, referiu que não viu AA com as tranças; viu-a com as feridas que aí se vêem, embora aí provavelmente estivessem com mais tempo de evolução; - as lesões que viu em AA eram de embate; não sabe o que as provocou em concreto; para além das lesões das fotografias, não viu outras lesões em AA; - com o cabelo de AA, não era perceptível se tinha lesões no couro cabeludo; não viu espaço livre no cabelo; - não se recorda de um agente ir buscar a mala de AA; Face ao documento de fls. 165, referiu que normalmente elabora o documento depois do transporte e que aquele fala em “agressão” por ter sido o referido pela vítima. Em audiência de julgamento, QQ referiu que: - é agente da PSP; - conhece BB, CC e DD, por terem trabalho juntos na Esquadra ..., sendo apenas colega dos mesmos, e conhece AA de uma ocorrência que ali teve lugar, em Janeiro de 2020; - (QQ) estava de sentinela de serviço; - quando os colegas chegaram com o carro-patrulha, saiu da esquadra; - BB vinha agarrado aos braços; - CC pediu-lhe (a QQ) ajuda, para ver se estava tudo bem com a senhora; - (QQ) é bombeiro; verificou que AA tinha sinais vitais; colocou-a em posição lateral de segurança; CC ligou ao 112; não ouviu o que ele disse ao 112; foram buscar um cobertor à esquadra e cobriram a senhora; AA não estava colaborante: apesar de pestanejar, não respondia; - o 112 demorou 10/15 minutos a chegar; - não viu nada no rosto da senhora que lhe chamasse a atenção; - depois chegou a carrinha grande do piquete; - o primeiro carro a chegar foi o ...; ouviu-o a chegar; quando chegou, saiu da esquadra e CC e DD estavam calmos; - o local é pouco iluminado. Os depoimentos de PP, LL, OO, NN e QQ foram expressos com coerência entre o seu conteúdo, a forma e o estado emocional que os acompanharam, de forma natural, simples e contida, com base na memória e na percepção que têm do sucedido. Em audiência de julgamento, HH referiu que: - tem 12 anos de idade; - vive com a mãe - AA -, e o pai; - a mãe estava sem telefone; foi ao Centro Comercial ... com ela; levou um casaco distinto daquele onde tinha o passe; - a mãe explicou ao motorista que estava sem passe, mas que o irmão ia levar à estação; - o motorista disse que tinha que ter o passe; - a mãe ligou ao irmão; - a mãe recebeu telefonema da avó, a dizer que estavam a bater na prima; - quando a mãe estava a falar ao telefone, ela, HH, ficou distraída a falar com o primo GG; - numa paragem entrou uma senhora ..., com uma bebé no carrinho, com quem o motorista começou a reclamar; - o motorista saiu do autocarro e dirigiu-se a um café; - também saíram; estavam ao pé do café “...”, a andar, para ir para casa; - o polícia, BB, começou a agarrar a mãe por trás, no capuz; disse “a senhora venha comigo”; - a mãe disse que não tinha feito nada; - o polícia disse que a mãe tinha que ir com ele; - o motorista queria ir embora, mas o polícia disse que não; - as pessoas diziam para o polícia largar a mãe; - o polícia sentou-se ao lado da mãe, na paragem, e disse que ela não ia a lado nenhum; - a mãe dizia para ele a largar; - a mãe levantou-se, ele também; - o polícia fez um mata-leão à mãe quando a mãe se queria ir embora; - os dois caíram para o chão; - o polícia ficou com as pernas presas à mãe; - a mãe começou a gritar que ele estava a tentar tirar-lhe o olho, que a ia matar; - todos diziam para ele a largar; - quando chegavam perto, o polícia colocava a mão na arma, para que não se aproximassem; - as pessoas começaram a gravar; - ele dizia “podem gravar”; - um senhor que estava lá disse ao polícia para sair de cima da sua mãe, mas ele dizia que não, que estava a chegar a polícia; - chegou uma carrinha com polícias; - dois senhores deram algemas a BB; - (HH) começou a chorar; uma senhora veio ter consigo e disse-lhe para ficar com ela; um polícia foi ter consigo para ir com ele, mas a senhora disse que ia ficar com ela; - a mãe mexia-se enquanto lhe estavam a colocar as algemas; - colocaram a mãe num carro e este já ia a andar quando BB fez sinal para pararem e entrou nele; - não viu ninguém bater em BB; quando outras pessoas se aproximavam, ele colocava a mão na arma e as pessoas não avançavam; - o primo, GG, ligou ao pai (de HH); ele não foi para casa; - ela não estava a conseguir dormir, estava preocupada com a mãe; ficou com o irmão à espera da mãe; quando a mãe chegou tinha a boca e o olho inchados; a mãe não conseguia falar; Face às fotografias de fls. 247 a 253, disse que viu a mãe assim nesse dia; - quando se tira a “tissagem” (nota: trata-se de cabelo postiço que se costura no cabelo entrançado rente ao couro cabeludo) não vêm cabelos atrás; não se lembra se a mãe ainda tinha a “tissagem” no dia seguinte; - a mãe passou a usar peruca; - antes a mãe arrumava e limpava a casa, com excepção do quarto, que era o irmão que arrumava; - não sabe se a mãe voltou a trabalhar depois desta situação; - ouviu a mãe queixar-se com dores; - quando estavam no chão, ouviu BB chamar a mãe de “macaca”, “preta” e dizer que “estavam aqui ilegais” e a mãe não respondia; - antes disto a mãe não tinha usado peruca; - o “incidente” da mãe durou cerca de 30 minutos; depois, quando (HH) se estava a deslocar para casa com o primo, cruzou-se com o irmão, que ia levar o passe, só então porque entretanto o mesmo tinha ficado a jogar; - não viu ninguém a morder, nem ouviu ninguém queixar-se de que tinha sido mordido.
Houve evidentemente, constatou o tribunal, uma inocência reveladora no depoimento de HH: - revelou que a mesma não percepcionou tudo o que se passou dentro do autocarro; - revelou que narrou o que percepcionou com a interessada conformação que lhe foi sendo transmitida pelos mais próximos; - revelou que, não obstante, percepcionou que a mãe tudo fez para abandonar o local e que “o polícia” teve que usar de força para evitar que aquela se fosse embora; - revelou o medo sentido pelo próprio polícia quando outras pessoas chegavam perto dele; - revelou que o polícia não quis esconder o que ali se passou; - revelou que o polícia entendeu que assim se lhe impunha actuar até à chegada “da polícia”.
Em audiência de julgamento, GG referiu que: - é sobrinho de AA; - à data dos factos, a HH - filha de AA -, tinha-se esquecido do passe; - a tia foi falar com o motorista, informando-o de que a filha se tinha esquecido do passe e de que iam sair duas paragens a seguir; - na paragem seguinte, entrou uma senhora ... com a neta, de 2 anos; disse que saiu uma lei que diz que as crianças abaixo de 6 anos não têm que pagar bilhete; - o motorista foi a refilar, a dizer “vêm para aqui, dar cabo deste país”; - durante este período, a tia ia a falar ao telefone; - o motorista obrigou a senhora ... a sair; - um senhor indignou-se; - o motorista parou; - a tia disse ao polícia que o motorista a tinha deixado prosseguir sem o passe; - o polícia agarrou a tia, queria algemá-la, deitou-a no chão, colocou-se em cima dela; - o polícia estava acompanhado de um senhor que dizia “filho, pára”; - o polícia não estava totalmente uniformizado quando saiu do café; quando a tia fez alusão a isso, o polícia - BB -, tirou o casaco e disse “agora estou de serviço”; - a tia esteve sempre no chão; dizia “não consigo respirar”; o joelho do polícia estava entre as costelas da tia; a tia tinha as mãos atadas por trás; - quando a tia estava a ser colocada no carro da PSP surgiu o filho desta, OOO; disse-lhe para ligar ao tio, a dar conta do sucedido; - o agente tirou à força o telemóvel da mão da tia, logo no início; este telemóvel não apareceu mais; o telemóvel novo estava dentro da bolsa, ficou partido; - a tia tinha o cabelo como tem hoje; - quando entrou no carro da polícia, a tia ainda tinha a peruca colocada e não tinha sinais de espancamento; - quando caiu, a tia bateu com a perna no chão; - enquanto esteve no chão, a tia estava com a barriga para baixo, com a cara no chão; quando se levantou o rosto estava normal; - ela dizia que estava cheia de dores na perna, que estava a passar mal; - ela foi arremessada para o chão; - entregou 5/6 vídeos em ..., também entregou à advogada da tia; as imagens que deu foi a partir do momento em que a tia estava no chão; Confrontado com as declarações que prestou perante Procurador da República, em 21.02.2020, em sede de inquérito, vertidas no auto de inquirição de fls. 234 a 236 - que, como referido foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal - referiu que: - a tia mordeu o polícia; - o primo tirou fotografias em casa; - em face das fotografias de fls. 247 a 253, referiu que a fotografia das tranças foi tirada na mesma semana, mas depois; a tia chegou com a peruca cosida nas tranças, não viu o cabelo arrancado; a tia não voltou a usar esse tipo de cabelo; - estava presente quando chegou o carro da polícia; entretanto foi levar a HH a uma senhora, pelo que não viu a tia entrar no veículo; viu depois a carrinha sair; Posteriormente, afirmou que viu a entrar, não viu foi o veículo arrancar; - quando a tia entrou no autocarro, estava a falar ao telefone; não sabe com quem estava ela a falar, só soube mais tarde; - já em casa, a tia disse-lhe que estava a falar com uma tia que morava em ...; depois desligou para ligar ao OOO; depois retomou a outra chamada; - ele, GG, à data dos factos, vivia em casa da tia há 6/7 meses e depois viveu lá mais cerca de 4/5 meses; - a tia não conseguia ir para a rua, porque diziam “olha a preta, olha a preta”; - a HH ficou traumatizada, sempre que via polícias ou pessoas fardadas vinha a chorar, sentia medo; - os hematomas no rosto da tia demoraram 7/8 meses a desaparecer; - a mulher africana tem orgulho no cabelo e ela teve que cortar o cabelo e estava muito desconfortável com isso, deixou de sair de casa; - os nomes que o agente chamou à tia foram os que referiu nas declarações que lhe foram lidas; - não se recorda de a tia ficar magoada noutras partes do corpo; - isto também afectou o relacionamento dos tios, que já não saíam, já não estavam tão apegados como antes; - antes a tia era feliz, depois já não; - durante algum tempo a tia não conseguia dormir, comer, falar; durante três meses só comia sopinhas e sumo; tinha uma amiga que lhe ia fazer as refeições. Perante Procurador da República, em 21.02.2020, GG referiu que: - é sobrinho da ofendida/arguida AA; - no dia 19.01.2020, data de que se recorda por ter consultado o telemóvel onde tinha registado as fotografias que tirou à sua tia, foi com ela e a sua prima ao Centro Comercial ... levantar um telemóvel que o seu tio já tinha pago; - tanto quanto se recorda, por volta das 19H40 apanharam um autocarro, cujo número não sabe - reside em ... e muito raramente vem à ... -, que passava perto de casa da sua tia, tendo nele entrado com ela e a sua prima, bem como outras pessoas que ali se encontravam; - tanto o depoente como a sua tia validaram o passe, mas a prima - que tem 8 anos -, não, tendo sido interpelados pelo motorista; a prima procurou o passe, mas disse que o tinha esquecido; - a sua tia disse ao motorista que ela tinha passe e que ia ligar para o filho que estava em casa para levar o passe à paragem e o motorista não levantou qualquer problema; - na paragem imediatamente seguinte entrou uma senhora ..., aparentando ter 55, 56 anos, com a sua neta que aparentemente tinha 4 anos; a senhora validou o seu passe, mas, interpelada pelo motorista, respondeu que a menina não tinha passe, ao que de imediato o motorista disse "deste jeito não dá, estão a dar cabo de Portugal, vão lá para a vossa terra, isto é um país organizado, as pessoas não podem entrar sem passe, agora entrou uma há pouco entrou outra"; - a senhora não tinha moedas suficientes para pagar e saiu na paragem a seguir; - quando a senhora ... saiu, dois cidadãos africanos, provavelmente de origem ..., reagiram, questionando o motorista se os portugueses não iam para o estrangeiro, se não tinha família no estrangeiro, mas o motorista não respondeu; - o depoente e sua prima sentaram-se na parte de trás do autocarro, a sua tia na parte da frente, do lado direito, e as outras pessoas à frente, do lado esquerdo, lado a lado com a sua tia, que estava a falar ao telemóvel, não sabe com quem; - imediatamente após a saída da senhora ..., a sua tia accionou o sinal de paragem, sendo que o motorista imobilizou o autocarro uns metros antes da paragem e após ter visto um agente da PSP, que era facilmente identificável pelas botas e calças, embora o casaco que trajava fosse de civil; - estranhou o facto de o motorista ter saído logo a correr, mas saíram do autocarro, permanecendo ali à espera que o primo viesse com o passe da prima; é neste compasso de espera que aparece o motorista acompanhado pelo agente, que ainda tinha o casaco vestido, a perguntar, na direcção da sua tia "o que é que se passa? porque é que a senhora está a prometer uma surra ao motorista?", ao que a tia respondeu "não se passa nada, a minha menina esqueceu-se do passe no outro casaco, mas já liguei ao meu filho para trazer o passe, mas expliquei ao motorista, antes de subir, que a menina tinha passe, que se esqueceu noutro casaco e que ia ligar ao meu filho para trazer o passe"; - o agente disse que a senhora tinha que o acompanhar, ao que a tia respondeu "mas eu não fiz nada, porque é que tenho de o acompanhar", ao que o agente respondeu "a senhora não pode andar sem passe, nem a oferecer surras às pessoas", tendo dito estas palavras num tom intimidatório; - a tia respondeu "em primeiro lugar o senhor não está de serviço e em segundo lugar eu não fiz nada"; - nisto, o agente despe o casaco e disse "não estava de serviço, agora já estou" e passou o casaco a um senhor, que presume ser o pai porque o ouviu chamar de filho; À pergunta se o agente alguma vez pediu a identificação da sua tia, respondeu que não e de imediato procurou agarrar a sua tia, tendo ela resistido, dizendo "não precisa me agarrar desse jeito porque eu não vou fugir, só quero sentar porque estou com problemas na perna"; o agente não deixava, dizendo "a senhora não tem que escolher", mas sempre a tentar agarrá-la para a algemar. - nesta altura, a prima começou a chorar muito e o depoente afastou-se com ela uns 4 metros, deixou a prima com uma senhora de idade que não conhecia e voltou para receber o telemóvel da sua tia, para saber o número do seu tio, que não tinha, para lhe ligar e dizer o que se estava a passar; - nesta altura já havia muita gente à volta; - a determinada altura, já viu o agente a agarrar a sua tia por detrás, com o braço direito, a tia gritava por socorro e a dizer que não fez nada, e o agente, quando colocado em cima da sua tia com esta no chão a gritar por socorro e ele com o joelho em cima do braço dela e a tentar algemá-la ao mesmo tempo, dizia "vocês são todos ilegais, vêm aqui fazer confusão"; - em momento algum o depoente se envolveu ou disse o que quer que fosse; - por momentos afastou-se, para ligar para o seu tio a dar-lhe conta da situação; - não viu ninguém pontapear o polícia, assim como também não ouviu que o agente tivesse ameaçado alguém com tiros; - estiveram naquele envolvimento físico durante 20, 25 minutos e a situação toda cerca de 35 minutos; - passado algum tempo apareceu uma patrulha grande, num autocarro, e um carro pequeno, identificados como Polícia; À pergunta se nessa altura a tia apresentava hematomas na cara, respondeu que não. À pergunta se a tia naquela ocasião apresentava sangue ou arranhões nalguma parte do corpo, respondeu que não. - quando o agente apertava o pescoço da sua tia, com força, esta reagiu mordendo-o no braço; - o seu tio informou-o de que estava no ... e, porque a sua prima chorava muito e para evitar outras confusões, (GG) levou-a e ao seu primo para casa, uma vez que teve medo da reacção deste ao ver a mãe naquela situação; foi levá-los a casa e quando desceu já não se encontrava ninguém; - não viu a tia entrar no carro da Polícia e naturalmente não a acompanhou na viatura; - voltou a ligar ao tio, informando-o de que não estava ali ninguém, e só voltou a ver a tia cerca das 02H00 do dia seguinte, tendo feito as fotografias à tia nessa ocasião. Foi ostensiva, desde logo pela conjugação do conteúdo dos seus depoimentos com o modo como os prestou, mas também com a restante prova produzida, a perspectiva enviesada, parcial, sugestionada, orquestrada, orientada para a desresponsabilização da sua tia, AA, e para a responsabilização do motorista e do agente da PSP que a abordaram, que esteve subjacente ao descrito por GG, claramente transmissor da narrativa criada pela tia e pela entourage que subsequentemente à sua detenção se formou, fortemente marcada pelo alarido gerado e por pessoas cujo interesse prevalente claramente nunca foi o do apuramento objectivo dos factos, mas o da apresentação daquela narrativa, como exposição não do seu objectivo conhecimento dos factos, mas sim da sua sensibilidade e/ou veículo dos seus interesses.
Como supra exposto, FF não compareceu em audiência de julgamento quando notificado pelo tribunal, mas fê-lo depois de terem sido lidas, ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal, as declarações que anteriormente prestara, e de a mandatária da arguida/assistente/demandante AA ter tido a iniciativa, que depois comunicou em audiência de julgamento, de o contactar durante a “hora de almoço” (entre sessões, uma de manhã e outra à tarde, da audiência de julgamento); esteve presente, como por aquela requerido, por videoconferência, através de WhatsApp, com o acordo de todos os intervenientes.
Perante a PSP, em 20.01.2020, pelas 21h40, FF referiu que: - no presente dia, quando se encontrava no autocarro da empresa de transportes EMP02..., na carreira n.º ...63, no percurso para a sua residência, vislumbrou “a suspeita” a entrar no mesmo autocarro; - o motorista do autocarro solicitou à “suspeita” o passe da filha, ao que aquela retorquiu que não tinha, mas que se fosse preciso, quando terminasse a viagem, alguém lhe levaria o passe em falta; - assim que a “suspeita” decidiu abandonar o autocarro na paragem na Rua ..., em frente ao n.º 109, o motorista do autocarro abandonou-o juntamente com ela; - viu o motorista a falar com um agente da PSP, com o intuito de pedir auxílio para que este a identificasse; - já na presença do agente da PSP, numa tentativa de abordagem por parte daquele, “a suspeita” começou deliberadamente a discutir e a falar num tom de voz mais elevado, bastante alterada e agressiva com o motorista do autocarro; - viu o agente da PSP tirar o casaco civil que tinha vestido ao mesmo tempo que se identificava e proferia as palavras “eu sou polícia”; após se identificar, disse à “suspeita” para se acalmar; - após o pedido do agente da PSP, “a suspeita” começou a falar num tom de voz elevado e alterada também para o agente; - sem que nada o fizesse prever, “a suspeita” começou a empurrar e dar pancadas na zona do peito do agente da PSP enquanto este tentava repelir a ameaça; - após as agressões, o agente da PSP conseguiu projectar “a suspeita” ao solo, enquanto esta mordia o agente no braço direito e o agente lhe pedia que parasse com as mordeduras; - “a suspeita” resistiu sempre à manietação; - após inúmeras tentativas, o agente da PSP conseguiu algemar “a suspeita”, momento esse em que começam a chegar mais viaturas policiais”.
Perante Procurador da República, em 28.01.2020, FF referiu que: - no dia 19.01.2020, cerca das 20H00, 20H30, subiu com a senhora AA, a filha desta e o marido para o autocarro n.º ...63, com destino, ao que pensa, ...; - quando a senhora entrou no autocarro, tanto ela como o marido validaram o passe, mas a filha não; a criança aparentava ter 7, 8 anos; - então o motorista perguntou pelo passe e a resposta da senhora foi que a filha se tinha esquecido do passe, mas que o tinha e que, se fosse preciso, quando descesse, alguém iria a casa buscá-lo e o mostraria; - não se recorda da resposta do motorista; - o autocarro prosseguiu a marcha normalmente e não houve troca de palavras; - uma paragem antes daquela onde “a dona AA” queria sair, entrou uma senhora que lhe pareceu ser ..., que não tinha passe e também estava acompanhada de uma criança, que não sabe se tinha passe ou não, mas a senhora não tinha e o motorista não deixou entrar esta senhora nem a criança; - nesta altura, o motorista, dirigindo-se para aquela senhora, que estava fora do autocarro, e não para a AA, disse "volta para a tua terra, não fazem cá falta"; - a marcha do autocarro prosseguiu, aquela senhora não entrou, mas o motorista falava sozinho; o depoente não se apercebeu em concreto do que dizia, pois estava na parte de trás do autocarro; - “a dona AA” tocou a campainha para sair, o motorista demorou um bocadinho para abrir a porta, “a dona AA” pediu educadamente para abrir a porta, o que ele fez, e saiu com a filha e pensa que com o companheiro; - nesta ocasião, o motorista saiu do autocarro e dirigiu-se a uma tasca ali existente, que dá pelo nome de "A ..."; - o depoente estava no autocarro, não ia sair ali, e apercebeu-se de que o motorista se dirigiu a um civil que estava na tasca, que, ao regressar para o autocarro, o acompanhou, dirigindo-se ao sítio onde estava a senhora, a filha e o homem; - apercebeu-se de que “a AA” estava a falar ao telemóvel quando foi abordada pelo motorista e pelo outro senhor, mantendo-se o depoente ainda no autocarro; - apercebeu-se também de que os ânimos começaram a exaltar-se, “a dona AA” gesticulava e, a determinada altura, o homem que saiu da tasca acompanhado pelo motorista despiu o blusão e, aí, apercebeu-se de que era polícia; - depois de ele se ter identificado e de ter tirado o blusão, (FF) reparou que aquele estava com farda, mandou “a dona AA” encostar-se à paragem e esta disse que não fez nada, que não estava a falar com o motorista e que estava a falar com uma pessoa ao telefone; - como ela não se queria encostar, que não tinha falado com o motorista e não fez nada, o agente empurrou-a para a paragem e aí ela começou a resistir, empurrando e gesticulando com o agente para impedir que este se aproximasse dela; - nesta altura, já o depoente estava junto à porta de trás do autocarro, de pé, no interior deste, a assistir; - o agente disse para ela não resistir, mas ela continuou a resistir e, à ordem do agente para que “a dona AA” pusesse as mãos no vidro da paragem, ela disse "eu não fiz nada, eu não estava a falar com o motorista"; - nesta altura, o agente fez uma "chave" à “dona AA” - pôs-lhe um braço à volta do pescoço -, tendo os dois caído de imediato; - o agente comunicou à “dona AA” que ela estava detida por resistir ou por desacato à autoridade - não se lembra da expressão que utilizou em concreto -, enquanto “a dona AA” dizia que não tinha feito nada, não se tinha dirigido ao motorista; - o depoente filmou a cena, tendo já entregue as imagens à PSP; - quando estava a filmar, o agente envolvido na situação apercebeu-se de que estava a filmar e disse-lhe "para trás senão levas um balázio"; - uma das vezes, “a dona AA” ainda tentou levantar-se, mas o agente voltou a fazer-lhe uma "chave", ela caiu e ficaram assim até virem mais colegas; - viu “a dona AA” morder no agente quando este lhe fez a "chave"; - sabe que a cena foi filmada por outras pessoas, mas não sabe quem; - por ordem do agente envolvido, o seu telemóvel foi apreendido e FF foi para a esquadra algemado, com as mãos à frente; - não bateu no agente, não dirigiu qualquer expressão ou nome feio ao agente da PSP e não sabe porque é que foi algemado para a esquadra; - sabe que houve uma outra pessoa negra, aparentando ter 40 anos ou mais, careca, que também foi para a esquadra, algemada, sem sequer ter batido a quem quer que fosse, nem chamado nomes a ninguém; pensa que o outro senhor nem sequer filmou nada; - já no interior da esquadra, o mesmo agente que esteve envolvido com “a dona AA” dirigiu-se-lhe, dizendo "tu é que és o herói da rua não é? E agora fala lá outra vez", ao que o depoente disse que não fez nada, tendo, de imediato, recebido um soco que o atingiu no lado esquerdo da cara; depois baixou a cabeça, o agente disse "Olha para mim agora", o que (FF) não fez porque sabia que ia levar mais, o que aconteceu, tendo levado mais dois socos na cabeça e um pontapé que o atingiu nas mãos que protegiam a cara; - os colegas (daquele) que estavam no interior da esquadra disseram "não faças isso, vais estragar a tua vida"; - quando o outro indivíduo que também foi algemado para a esquadra chegou, o mesmo agente quis agredi-lo, mas os colegas não deixaram, ao que o agente dizia "estou farto disto, tenho 20 anos de serviço, estou-me a cagar para esta merda, ponham-me numa sala sozinho com ele, o outro já levou o que é dele "; - ninguém bateu no agente de forma nenhuma, apenas três pessoas se aproximaram dele, sendo duas senhoras e um rapaz a dizer "não faça isso, não faça isso, não resista, não é preciso"; - quando chegaram os paramédicos e perguntaram ao agente o que tinha acontecido, o agente disse "estive ali com uma vaca de 200 kilos, 40 minutos"; efectivamente estiveram naquela ocorrência cerca de meia hora; - foi um popular que se encontrava com o agente na tasca que chamou a Polícia, tendo demorado algum tempo a chegar; Quando confrontado com o seu depoimento de fls. 10 e 11, que neste acto lhe foi lido, e porque lhe foi perguntado por que razão não manifestou na ocasião o propósito de proceder criminalmente contra o agente, disse que estava com medo que lhe pudessem prejudicar a sua vida porque está em liberdade condicional, no dia seguinte tinha que se apresentar à Reinserção Social, ou que não o deixassem fazer, ou que o mandassem para outra esquadra e teve medo de ser agredido se quisesse fazer queixa. Em audiência de julgamento, FF referiu que: - conhece AA; sabe muito bem quem é BB, estava na esquadra; não se recorda se conhece os demais arguidos; - prestou declarações neste processo duas vezes: na primeira vez mentiu, já tinha apanhado; na segunda vez relatou as coisas tal como sucederam; - andaram às voltas com AA, espancaram-na de certeza; - saíram do mesmo sítio ao mesmo tempo; ela demorou muito mais tempo a chegar; - quando BB chegou à esquadra disse “a preta porca já está”, “puta preta”, “vaca”, “obesa”; ele vangloriava-se várias vezes do que tinha feito; - sabe quando é que AA chegou pelo momento em que BB chegou; - (FF) estava no autocarro com a arguida; - o motorista saiu do autocarro e foi chamar BB à “...” - tasca; - saíram todos do autocarro por causa “daquele aparato”; - BB aproximou-se de AA e começou ali uma grande confusão; trocaram palavras; - o problema era por causa de a filha de AA ter entrado sem passe; o motorista ficou revoltado; a arguida disse que a menina tinha passe e que o marido o ia trazer; - não se recorda do que é que AA disse ao polícia; - BB dirigiu-se de forma agressiva a AA; o polícia estava a tentar aproximar-se da “dona AA” e esta meteu-lhe a mão no peito, para que BB não se aproximasse; - ele encostou-a, fez-lhe um mata-leão e ela mordeu-o; - (FF) filmou tudo; - quando BB viu que estava a filmar, ameaçou-o de que o matava; - o que ele estava a fazer não é o que um polícia normal deve fazer; - AA já tinha sangue na boca; BB tentava puxar-lhe o cabelo, andava com ela pelo chão; - mal os colegas de BB chegaram, este disse que FF e o outro senhor tinham que ir para a esquadra, cada um em seu carro; - estava no local a filha de AA, a chorar; - estavam lá cerca de 8 pessoas; - só uma pessoa que veio com BB do café é que estava a tentar aproximar-se; - estavam a chamar “preta” a AA; - AA esteve sempre a tentar defender-se; - ele, FF, foi para a esquadra num carro; - na esquadra, ouviu uns gritos do outro senhor, não viu como é que foi batido; - na esquadra, (FF) ficou uns 20/30 minutos nuns bancos, à entrada; também esteve numa sala, com o outro senhor, idoso, que estava cheio de medo; esteve ainda noutra sala, no piso superior, para prestar declarações; - BB chegou à esquadra 10/15 minutos depois de FF aí chegar; - BB bateu-lhe junto dos bancos; ao outro senhor bateu na sala; - no local onde (FF) foi colocado, juntos dos bancos, na esquadra, via a porta, mas não dava para ver lá para fora; - não se recorda de se viu AA ser algemada, na paragem; - não viu AA entrar na viatura, mas estavam à espera que ela entrasse para arrancarem; - não voltou a contactar com a “dona AA”; o filho dela conhece o seu irmão mais novo. Na acareação entre o arguido CC e a testemunha FF, aquele reafirmou, de modo que se revelou seguro, sentido, isento, que a viatura de onde seguiu da referida paragem de autocarro para a esquadra foi a primeira viatura policial a abandonar o local e a chegar à esquadra e, como quem repete uma versão preparada, de modo despeitado, FF manteve o que a esse respeito afirmara.
Em face desde logo dos depoimentos prestados por FF, do seu conteúdo e modo de exposição, mas também da sua análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com a restante prova produzida, resultou claro para o tribunal que o primeiro deles foi condicionado por medo, pese embora já com a perspectiva enviesada, parcial e sugestionada que tinha sobre aquilo a que numa parte assistira e que noutra se passara perto de si, e que o segundo e o terceiro foram já fortemente marcados pela orquestração de perspectivas orientada para a desresponsabilização de AA e para a responsabilização do motorista e do agente da PSP que a abordaram, tal como sucedeu com GG, nos termos supra expostos, e que tal foi intensificado quer pela sua pré-existente evidente animosidade relativamente ao exercício da actividade própria da polícia (não sendo despicienda a referência do próprio a que se encontrava em liberdade condicional), quer pela sua - aí sim -, justificada revolta pela injustificada - claramente inadmissível -, privação da liberdade e pelas agressões físicas de que, já na esquadra, foi vítima pelo polícia que determinou que para ali fosse: BB. Nesta parte - a referente ao comportamento de BB para consigo -, FF transpareceu, no que descreveu, aquilo que efectivamente vivenciou, contrariamente ao que essencialmente quanto ao mais narrou, em que deixou condicionar a sua percepção e descrição parcial dos factos pela sua impetuosidade, pela sua mundividência e pelos interesses dos que considera mais próximos desta. Em audiência de julgamento, KK referiu que: - estava a trabalhar na entrega de pizzas; - viu AA junto à paragem do autocarro; - o polícia, BB, fez um mata-leão e agarrou o cabelo daquela, que não conseguia respirar; - (KK) filmou a situação; - AA e BB estavam os dois no chão, ele por cima dela; não os viu de pé, já estavam no chão; - (KK) tentou falar com o polícia; ele disse que a senhora não estava a colaborar; - (KK) disse a AA para não reagir; ela disse que não conseguia respirar; - disse ao polícia que a senhora não estava a resistir; ele disse-lhe (a KK) para se afastar; - depois, (KK) foi-se embora, tinha que fazer entrega de pizza; - a barriga de AA estava virada para o chão; BB estava em cima de AA, com um dos joelhos no chão; ela estava a mexer-se; primeiro viu o mata-leão, depois começaram a mexer-se e AA dizia que não conseguia respirar; - (KK) enviou o vídeo à filha da AA; - conheceu AA no “tribunal de ...”; - tem falado com a filha de AA, unicamente sobre este assunto; - não viu ninguém a ser conduzido a uma carrinha; - não viu ninguém a tocar em AA e BB; - estava um senhor a reclamar, mas não lhes tocou; - estava uma senhora com uma menina a chorar, que a senhora disse ser a filha de AA; - (KK) foi-se embora antes de AA e BB se levantarem; - lembra-se de estar lá uma senhora ...; - estavam lá cerca de 7/10 pessoas; - AA só pedia socorro, dizia que se sentia sufocada e que BB lhe estava a puxar o cabelo; - só fez um vídeo; não consegue precisar a respectiva duração, mas será de cerca de 1 minuto; - quando isto aconteceu, (KK) vivia com a mãe no ...; - a filha de AA era sua vizinha; KK não soube explicar o que é que o polícia estava a tentar fazer e no que AA não colaborava. Confrontado com os vídeos juntos pela assistente/arguida AA sob a referência Citius 24583692, de 04.12.2023, disse que o primeiro foi feito por si e que o segundo não. Também no que tange a KK, como sucedeu com GG e com FF, verificou o tribunal - quer pela conjugação do seu conteúdo com o modo como o prestou, quer pela sua análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com a restante prova produzida, supra e infra referida -, que o respectivo depoimento se baseou não no conhecimento e análise completos e objectivos das sucessivas situações que envolveram AA, o motorista e depois BB, mas sim numa perspectiva logo enviesada, parcial, sugestionada e depois progressivamente orquestrada, orientada para a apresentação de AA, que já só viu deitada (mas ainda não detida), como vítima, tudo enformado pela mundividência, pelos interesses e pelos relatos dos que lhe são e tornaram mais próximos.
Em audiência de julgamento, ZZ referiu que: - não conhece nenhum dos arguidos; - lembra-se vagamente de uma situação em que ia a sair de um café e havia uma confusão, junto a uma paragem, com a polícia e uma senhora de cor; - (ZZ) não tinha nada a ver com isso, já não liga a essas coisas; na altura ficou aborrecido com a sua companheira; - foi à ... passados 2/3 dias prestar declarações; - “nunca menti até hoje”.
Perante Procurador da República, em 27.01.2020, ZZ referiu que: - no Domingo, 19.01.2020, cerca das 21H00, na Rua ..., na ..., quando se deslocava para o seu estabelecimento comercial, sito naquela zona, viu três pessoas, o agente vestido com um casaco desportivo (tipo fato de treino), a dirigir-se à senhora dizendo para ter calma; pensa que o outro indivíduo que estaria junto deles os dois seria o motorista do autocarro; - a dada altura ouviu a senhora dizer para o agente “mas quem és tu?” e o agente despiu o casaco desportivo que trazia e disse “eu sou polícia” e entregou o casaco a outra pessoa, que não sabe quem foi; - o agente disse à senhora para se encostar junto ao abrigo de autocarro ao que ela não acatou e, de imediato, o agente fez a manobra mata-leão; - nenhuma das pessoas que assistia tocou no agente, este apenas se envolveu com a senhora; - a dada altura ouviu uma menina gritar “mãe, mãe”, ao que o depoente se aproximou do agente e disse-lhe “eu não vou fazer nada”, isto porque o agente lhe disse para se afastar, tendo o ora depoente então alertado o agente que estava ali uma criança a assistir, que seria a filha da arguida, tendo então o agente libertado a senhora, que se manteve exaltada; - ouviu o agente dizer para a senhora várias vezes “preta do caralho”; - noutro momento da refrega lembra-se de que apareceu um rapaz de uma empresa de distribuição de pizzas, também negro, a quem o agente disse “afasta-te senão levas um tiro”, mas o agente não fez nenhuma menção de levar a mão à arma, momento em que o depoente agarrou o tal rapaz e o afastou do local; - viu a senhora morder no agente e, quando este abriu os braços, naquela altura em que o depoente chamou a atenção do agente para o facto de a filha da senhora estar a assistir, a senhora tentou mordê-lo (na ocasião o agente referiu “vamos lá ter calma”); - entretanto vieram os reforços e seguiu a sua vida; - tanto quanto sabe, o agente não ia dentro do autocarro; - não viu a senhora entrar no carro da polícia. Pela análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com a restante prova produzida, supra e infra referida, o tribunal constatou que os depoimentos de ZZ não se basearam no conhecimento e análise completos das sucessivas situações que envolveram AA, o motorista e depois BB, mas sim na perspectiva “despachada” de quem não pretendeu prestar cuidada atenção ao que se passava, num contexto muito dinâmico, com uma série de pessoas que se manifestava sobre o que via ou percepcionava, o que evidentemente se reflectiu em relatos que, embora desinteressados, não se revelaram expressão rigorosa dos factos, incluindo da respectiva sequência, sentido, do que exactamente foi feito e dito e exactamente por quem e como. Em audiência de julgamento, JJ referiu que: - só conhece AA e BB da situação em causa; - BB estava a falar com AA na paragem, de pé; - BB estava a identificar-se como agente policial; - ela, JJ, foi-se embora com o marido; - começaram a ouvir gritos da senhora e voltaram para trás; - ouvia-se BB a dizer para a senhora estar quieta e se virar e ela não o fazia; - BB então colocou um braço à volta do pescoço da senhora, que estava de costas para ele, e esta foi para o chão e ele colocou um joelho em cima da cabeça dela; - foi por esse motivo que (JJ) ligou para o 112; - BB retirava e punha o joelho na cabeça da senhora; - ele dizia-lhe para estar quieta e ela dizia-lhe para a largar; - foi tudo muito rápido, 5/10 minutos no máximo; - BB nunca tocou na cara de AA; - BB também a segurava pelos braços; - pensa que na altura AA tinha o cabelo mais volumoso do que agora; - entretanto chegou um agente que disse para identificar toda a gente que ali estivesse; - houve uma altura em que BB chegou a ficar com as pernas entrelaçadas entre AA; esta não parava e BB só dizia para ela estar quieta; - AA deu uma chapada e uma cotovelada na cara de BB quando já estavam no chão; - BB nunca bateu em AA; - não ouviu nenhum deles chamar nomes ao outro; - não viu ninguém tocar em BB ou em AA; - havia muita gente à volta, a meio metro de distância, inclusivamente a filmar; - não viu puxar cabelos; viu BB agarrar/segurar AA pelo cabelo; não viu arrancar-lhe cabelo; - ligou para o 112 porque ouvia uma menina com 4/6 anos a chorar, junto de um senhor, e a dizer “a minha mãe”; - não viu AA dar mordidelas; Confrontada com as declarações que prestou perante Procurador da República, em 27.01.2020, em sede de inquérito, vertidas no auto de inquirição de fls. 54 e 55 – que, como referido, foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal –, confirmou o relato; - não referiu em audiência de julgamento a mordidela por já disso não se recordar; - não viu nenhum senhor a ser conduzido a uma carrinha, para ser levado para a esquadra; - passadas duas horas, foram dois agentes ao seu estabelecimento para a identificar; - a criança estava a cerca de meio metro da mãe; ouvia-se bem a criança a chorar; - BB em momento algum empurrou a cabeça de AA contra o chão; a cara dela ficava encostada ao chão quando ele a tentava imobilizar. Na gravação da chamada feita por JJ para o 112 - 6.º ficheiro a contar de cima, com a duração de 3 minutos e 12 segundos -, ouve- -se o seguinte: Olá, boa noite. É o seguinte: tá aqui um polícia a bater numa senhora, no meio da rua, e a tratar mal da senhora e a acusar as pessoas e… é o senhor agente e com a criança ao lado a gritar, então acha? Isto não é normal, isto é violência. Quem a atende responde-lhe que não está ali para achar o que é normal e pergunta- lhe o que se está a passar no local, ao que aquela responde, portanto, isto é a Avenida ..., peço imensa desculpa, Avenida ..., junto à ..., portanto junto ao ...09, aqui na ..., chamar aqui a autoridade, é porque ele tá a bater na senhora, e ele não estava bem fardado, ele diz que é polícia, diz que vai dar um tiro quem, a toda a gente que entre, que faz e que não faz, confirma que é na Rua ..., na ..., olhe para isto, ele vai matar esta senhora, ele está-lhe a fazer um mata-leão e está aqui uma criança. À pergunta se “ele” está fardado, responde ele neste momento está fardado, mas ele tava com um casaco, nem se identificou nem nada, simplesmente saiu de dentro…neste momento tá sim, ele está fardado, que ele já tirou o casaco, mas… À pergunta sobre quem é “essa senhora”, responde que é uma senhora que estava dentro do autocarro e que ela (JJ) ia a passar, e aquela estava a discutir com o motorista e “ele” meteu-se, só que ele tá a fazer mal à senhora. Quem está a atender responde-lhe que ele tá a fazer mal, porque a senhora já fez mal e faltou ao resp… ouça, uma coisa não invalida a agressão, mas a senhora, essa senhora que está a ser controlada, essa senhora fez algo de errado, tá a perceber, e foi abordada pelo polícia, ao que JJ responde correcto, mas ela está… Quem está a atender continua, e está a ser controlada pela polícia e pede encarecidamente para os senhores que estão no local aguardarem serenamente no local, porque os senhores não sabem o que é que a senhora fez e às vezes… sabem que é complicado… ao que JJ responde, tá sim, tá bem, não, eu só tou a dizer é que ele, ela tá com uma criança e a criança tá a chorar muito… ele também podia ter um bocadinho de calma, ao que quem a atende responde mas as pessoas hoje em dia gostam muito do impacto social, tá a perceber, e gostam muito do drama, mas esquecem-se daquilo que fazem, portanto eu vou-lhes pedir encarecidamente, tentem acalmar a situação, a autoridade já tá para o local, a ambulância também já tá para o local, ao que JJ responde obrigada e não, não, eu não me tou, eu nem me meto nisso, eu tou aqui à parte, tá a perceber, só que eu, ao que quem a atende responde o senhor polícia se está a trabalhar, a senhora devia ter conhecimento que o senhor está a trabalhar e não devia ser assim, a senhora… não é a senhora que me está a ligar, é a senhora que está lá envolvida com ele, ao que JJ responde sim, sim, eu é assim, estou a ver uma criança, eu também sou mãe… é só por isso, tá bem?, ao que quem a atende responde que o senhor polícia não está a agredir a senhora directamente, mas está a tentar controlá-la, tá bem, porque a senhora está a fazer espectáculo, ao que JJ responde sim, mas estão aqui mais pessoas e “ele” também diz às outras pessoas ah, se afastem, se não levam um tiro… tá bem, é só por isso, e quem a atende diz-lhe que as autoridades já estão a ir para o local e que a senhora, referindo-se agora a JJ, pode-se dirigir às autoridades a dar conhecimento realmente do que aconteceu, tá bem, e diz para que se mantenham calmos, que isto é uma situação que já vem de trás e não vale a pena estar a aumentar a situação, ao que JJ responde obrigada pela atenção.
Perante Procurador da República, em 27.01.2020, JJ referiu que: - no dia 19.01.2020, cerca das 21H00, na Rua ..., na ..., quando ia com o seu companheiro, ZZ, para o estabelecimento que exploram, apercebeu-se de que o autocarro estava parado e viu uma senhora fora do autocarro, com o agente, o motorista à porta do autocarro, vários homens e mulheres, sendo que um dos homens segurava a mão de uma criança, que chorava muito; - apercebeu-se de que o agente falava com a senhora, mas, ao início, não se apercebeu do que diziam e, à medida que se foi aproximando, começou a ouvir; - ouviu a determinada altura o agente dizer “eu sou polícia”, despiu um blusão que trazia e ficou a com a farda visível, tendo dito para a senhora “vamos ter calma”, ao que a senhora retorquiu “mas eu não fiz nada”; - nessa altura, o seu telemóvel tocou, era a sua filha, respondeu “agora não posso falar” e nessa altura viu o agente virar a senhora ao contrário e fez um mata-leão e a senhora caiu de costas e o agente caiu por cima dela, ele virou-a novamente e entrelaçou as pernas dele à volta do corpo dela e apenas ouvia a senhora a dizer "larga-me, larga-me”; - a criança que ali estava chorava muito e dizia para largar a mãe e, quando o seu companheiro se aproximou do agente para o alertar da presença da criança, o agente abriu as mãos e largou a senhora, mas esta de imediato mordeu-o nos braços; - alguns dos presentes filmaram a situação, o que não foi o caso da depoente, enquanto o agente mandava as pessoas afastarem-se; - foi a depoente que ligou para o 112 a dar conhecimento da situação, porque, no seu entender, havia excesso de força por parte do agente e relatou isso para o 112; - a determinada altura, aquele disse para um dos presentes “cidadão afaste-se senão dou um tiro”, mas não tem ideia que tenha dito a alguém em particular; - não ouviu chamar “preta” à senhora; - o próprio agente, ao aperceber-se de que a cena tinha sido filmada, determinou a apreensão dos telemóveis e a identificação dos presentes; - uma vez que tanto a depoente como o seu companheiro não se faziam acompanhar das respectivas identificações, os agentes, passada uma hora, foram ao seu estabelecimento para os identificar; - quando chegaram reforços, a depoente saiu do local, nada mais tendo presenciado; - nenhum dos presentes ameaçou ou bateu no agente, nem este bateu na senhora, apenas a imobilizou, agarrando os cabelos e fazendo o mata-leão; - não tem noção de que a senhora tenha batido com a cara no passeio ou no chão; - a senhora debatia-se sempre quando se sentia manietada pelo agente, quando este fez o mata-leão, ela caiu de costas, mas voltou a virá-la no chão; - nunca a viu a bater com a cara no chão, mas viu-a a morder no agente.
Pela análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com a restante prova produzida, supra e infra referida, o tribunal constatou que os depoimentos de JJ não se basearam no conhecimento e análise completos das sucessivas situações que envolveram AA, o motorista e depois BB, mas sim na perspectiva sensibilizada de quem ouviu o choro de uma criança pela sua mãe, num contexto muito dinâmico, em que já se afastara do local dos factos sem lhes prestar grande atenção e a que a ele voltou por causa daquele choro, com momentos de distracção - por exemplo o telefonema da filha -, em que quando volta a pretender focá-la já perdeu parte da sequência e atribui ao que vê um significado distinto da realidade, porque incompleto e perturbado pela confusão de pessoas que se manifestava sobre o que via ou percepcionava, o que evidentemente se reflectiu em relatos que, embora desinteressados - não implicados num resultado -, não se revelaram expressão rigorosa dos factos, incluindo da respectiva sequência, sentido, do que exactamente foi feito e dito e exactamente por quem e como, tal como sucedeu com os do seu companheiro; importa ainda realçar que embora tenha referido que, no seu entender, havia excesso de força, a verdade é que o polícia - BB -, que era alto, forte, robusto e treinado, só a muito custo e ao fim de vários minutos conseguiu controlar AA e só com a colaboração de outro colega acabou por conseguir algemá-la, tudo revelando que aquele “entender” foi mais determinado pela emoção do que pela razão e que aquela se prendeu mais com o choro de uma criança - que evidentemente sensibiliza, como também sensibilizou o polícia -, do que com qualquer outra coisa, nomeadamente do que com a constatação de qualquer injustiça/actuação desnecessária do polícia/BB face ao comportamento da mãe da criança/AA.
Em audiência de julgamento, CCC, que depôs com simplicidade e evidente isenção, referiu que: - é bombeiro voluntário na ...; - não conhece os arguidos; - houve uma chamada para o 112, que accionou os bombeiros, e foi assistida uma senhora; - (CCC) limitou-se a assinar o relatório da ocorrência, não elaborado por si; Em face do documento de fls. 165, referiu que é a ficha do INEM, habitualmente preenchida no local do sinistro, que acompanha a vítima até à entrada no hospital.
Em audiência de julgamento: MM referiu ter 56 anos, ser pedreiro, ser companheiro de AA desde 2001 e só ter visto os restantes três arguidos em vídeo. SS referiu ter 39 anos, ser antropóloga, conhecer AA na sequência dos eventos de 19.01.2020 e não conhecer os demais arguidos. EEE referiu ter 44 anos, ser professora/investigadora de sociologia, conhecer AA desde o dia a seguir ao caso que “aqui está a ser julgado”, que tem a ver com “a violência policial sobre a AA” e não conhecer os demais arguidos.
MM, SS e EEE evidenciaram não terem assistido aos factos que estiveram na origem dos presentes autos, nem terem analisado elementos que suficientemente lhes permitissem ter um olhar objectivo sobre os mesmos, o que esteve na sua origem, as suas reais causas, desenvolvimento e consequências; a atitude categórica e presunçosa que presidiu aos respectivos depoimentos deixou assim a claro o preconceito e os interesses que, da sua parte, lhes serviu de força motriz.
DDD referiu estar aposentado, ter sido agente da PSP, com domicílio profissional no Sindicato Unificado da PSP, não conhecer os arguidos e nenhum conhecimento directo e, por isso, com relevância, ter sobre os factos em causa.
JJJ, comissário da PSP, referiu que: - estava de oficial de serviço; - ouviu uma das testemunhas que foram levadas à esquadra, o senhor mais velho; não estava algemado; - conhece DD e CC desde 2018; trabalhou com eles 5 anos; são polícias dinâmicos, proactivos, normativos, sempre cumpriram as normas instituídas, nunca teve que os advertir. KKK, chefe da PSP, referiu ter trabalhado com DD e CC na Esquadra ... e descreveu-os como muito bons profissionais, nunca tendo ouvido qualquer reclamação quanto aos mesmos. LLL, comissário da PSP, referiu que foi comandante de DD e CC na Esquadra ... e descreveu-os como bons profissionais. MMM – oficial de polícia, tio de CC –, e NNN – procuradora da República, colega de liceu e da faculdade de Direito e amiga de CC –, descreveram-no como calmo, ponderado, apaziguador, doce, próximo da família, respeitador de todos, dedicado, empenhado em fazer o melhor que sabe, imparcial.
FFF referiu que é chefe da PSP, conhece BB desde 2011, fizeram uma missão em conjunto na ..., são amigos, e que BB é um bom elemento, competente, educado, nada tendo a reportar pela negativa quanto ao mesmo, só pela positiva.
GGG referiu que é chefe da PSP e conhece BB desde 2006, e III disse que é músico e professor de artes marciais e que BB foi seu aluno, com interrupções, entre 1990 e 1998; ambos descreveram BB como uma pessoa educada e ponderada.
HHH, professor de fitness e artes marciais, referiu conhecer BB há quase 21 anos e explicou que mata-leão é uma técnica de estrangulamento que leva a que em 10 segundos a pessoa perca os sentidos.
DDD, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, FFF, GGG, III e HHH depuseram com simplicidade, clareza e evidente isenção, revelando apenas aquilo que é do respectivo conhecimento directo. * Por tudo o exposto, o tribunal, tendo analisado crítica e conjugadamente toda a prova produzida, de acordo com as regras da experiência e da lógica, constatou que: O que ocorreu no dia 19.01.2020, com início pelas 20h30, na Rua ..., nas imediações do prédio com o número de polícia ...09, na ..., depois daí até à ... Esquadra, no ..., e depois já nessa Esquadra, foi dinâmico, envolveu a participação e a assistência de diversas pessoas, em distintos momentos, posições e circunstâncias, idiossincrasias e mundividências, preconceitos e pretensões, que tiveram evidente reflexo no desenrolar deste processo, mas tal não transformou realidades de estrutura simples, como as que se verificaram, em algo complexo, apenas rodeou tais realidades do ruído provocado por idiossincrasias, mundividências, preconceitos e pretensões. Em suma, resultou evidente que: AA apercebeu-se de que a filha - HH -, então com 8 anos de idade, não levava com ela o passe para poder viajar no autocarro quando o motorista - II -, lhe perguntou pelo respectivo título de transporte. Como não o tinha ali, o motorista disse-lhe que tinha que comprar bilhete para a filha, o que AA - cujo modo de ser impetuoso resultou transparentemente verificado também ao longo da audiência de julgamento -, deixou claro que não faria, assim se desentendendo com o motorista. Nesse contexto, e por forma a eliminar a reacção do motorista, AA “lançou para o ar” - como ameaça velada, mas não muito velada - as palavras “precisa de uma surra” - por forma a que o mesmo a ouvisse e não ficasse à vontade para a confrontar -, e seguiu no autocarro, com a filha e o sobrinho, até ao local onde pretendiam sair. Quando saíram, na referida paragem de autocarro, o motorista viu um agente da PSP - BB - e, indignado e amedrontado pelo que acontecera, dirigiu-se-lhe, contou-lhe e pediu-lhe que interviesse. Enquanto isso, evidentemente ciente do contexto, mas fazendo-se de desentendida, AA, com a esperteza própria de quem quer livrar-se da situação e espera que assim, para serem poupados ao desconforto do confronto, não a chamem à atenção, foi-se vagarosamente afastando do autocarro. No entanto, BB não podia ignorar o que lhe fora comunicado pelo motorista, não só quanto ao título de transporte, mas também, e sobretudo, quanto à referida ameaça; não o podia ignorar - face à comunicação de que a ameaça tinha sido feita -, por forma a cumprir o disposto no art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19.10 (publicado no Diário da República n.º 204/2015, Série I, de 19.10.2015), que dispõe que: “Os polícias, ainda que se encontrem fora do período normal de trabalho e da área de responsabilidade da subunidade ou serviço onde exerçam funções, devem, até à intervenção da autoridade de polícia criminal competente, tomar as providências necessárias e urgentes, dentro da sua esfera de competência, para evitar a prática ou para descobrir e deter os autores de qualquer crime de cuja preparação ou execução tenham conhecimento”. Por isso, BB tirou o casaco à civil que vestia sobre o respectivo uniforme, entregou-o a RR, dirigiu-se a AA e abordou-a àquele respeito, por forma a obter a sua identificação. Uma vez mais, esta tentou atingir o seu objectivo - chegar ao seu destino, sem qualquer implicação do sucedido para si -, com uma “fuga para a frente”. Assim, perante BB, que, estando uniformizado, todos perceberam que era agente da PSP, respondeu-lhe que não se identificava, porque ele não estava de serviço, “lançou para o ar”, num lugar onde só havia aquele, um “chamem a polícia”, e fez por se ir embora. Perante a insistência de AA nesse comportamento, BB procurou agarrá-la e, nessa altura, aquela, por forma a evitar permanecer no local e ver-se confrontada com o devido funcionamento da lei, nomeadamente com o início de um procedimento criminal contra si pela ameaça feita ao motorista, fez por evitar que BB concretizasse o que se lhe impunha; por isso, empurrou-o. Naquele contexto, por forma a cumprir o seu dever, BB procurou detê-la, o que fez de mãos vazias. AA era, como é, uma mulher possante e continuou a procurar evitá-lo. Todavia, também BB era, como é, um homem robusto, para além de praticante de artes marciais e, sobretudo, um polícia treinado e, por isso, conseguiu aproveitar a actuação de AA contra si para, nessa dinâmica, a rodar, ficando a mesma dentro da paragem de autocarro, virada de frente para o respectivo vidro de fundo e ele a agarrá-la por detrás – estes últimos momentos foram captados por FF no vídeo que insistiu em fazer, na sua perspectiva porque um polícia insistia em deter uma senhora de origem africana por causa de um bilhete de autocarro e não porque essa senhora procurava à força evitar ser detida apesar de haver então motivo para a deter. Na parte em que BB sustentou ter sofrido pancadas nas costas, tal mostra-se credível em face da dinâmica, da ambiência da situação, com destaque para a atitude e para a proximidade de quem ali se encontrava manifestando-se contra BB, e da atitude deste, nomeadamente ao gritar, insistentemente e aflito, para trás, para trás. E aquela preconceituosa percepção de FF era também a vociferada pela maioria das pessoas que se encontravam no local, ali chegadas de proveniências e em momentos diversos e desde logo desconhecedoras do comunicado pelo motorista a BB. O que aquele vídeo mostra é, efectivamente, o comportamento da arguida em coerência com a descrição feita por II - o motorista -, por EE - que estava dentro do autocarro aquando do desentendimento de AA com o motorista e assistiu à subsequente reacção da mesma à abordagem de BB, não tendo EE qualquer relação com qualquer daqueles três -, em audiência de julgamento, e por RR - o amigo que acompanhava BB. Nessas circunstâncias, e em coerência, II fez a chamada para o 112, a relatar o que se passara e passava e a pedir mais meios policiais (gravada no 5.º ficheiro a contar de cima no CD junto na contracapa do volume I). Subsequentemente à dinâmica que determinou o filmado posicionamento de BB e de AA na paragem de autocarro, perspectivando BB ter a situação dominada e perspectivando AA evitá-lo - como resultou evidente pelo seu desenvolvimento -, esta deu a entender pretender sentar-se no banco da paragem e isso foi tido por adequado por aquele. Sucede que, quando AA fazia o movimento como se se fosse sentar, em vez de se sentar, procurou, impetuosamente, soltar-se, acabando aquele por cair de costas, com ela em cima dele. Então, para a dominar, BB, de costas no chão, com AA em cima dele - as costas dela no peito dele -, manteve o braço direito dele por baixo do braço direito dela e segurando este com o seu outro braço e foi nessa altura que AA começou a morder BB. É parte desta sequência que mostra o vídeo constante do segundo ficheiro do mencionado DVD, também filmado por FF, e nas fotografias de fls. 9 vêem-se as marcas daquelas mordidelas nos braços e nas mãos de BB. Cabe aqui também realçar que, como evidencia aquela gravação audiovisual, AA gritava que BB lhe estava a furar um olho; a gravação patenteia que tal era falso ou seja, que AA mentia, e essa e as demais verificadas circunstâncias deixam claro que o fazia para passar por vítima e conseguir sair dali sem se identificar ou, pelo menos, naquele papel. À noite, num local fracamente iluminado, num contexto dinâmico, com aqueles gritos e a mencionada restante vociferação, de perspectivas distintas e com a atitude preconceituosa que assim se tornou quase transversal, quem assistia àquele cenário - em que a filha de AA chorava, alto, e em que AA persistia na resistência física, robusta, e mentia, gritando que “ele” a cegava -, quem assistia àquele cenário, sendo desconhecedor do comunicado pelo motorista a BB, “assumiu” que AA se defendia, e não que deliberada, artificiosa e violentamente tinha obstado a que um agente da PSP devidamente a identificasse, nem que violenta e falsamente tinha obstado e persistia em obstar a que tal agente da PSP a detivesse; quem daquele modo assistiu àquele cenário concluiu, assim, que se tratava de “violência policial” contra uma senhora de origem africana. Daí também o conteúdo da chamada telefónica de JJ para o 112, que se encontra gravada no 6.º ficheiro a contar de cima no referido CD junto na contracapa do volume I. Os conteúdos e os tons das mencionadas chamadas telefónicas para o 112 são bem reveladores da indignação e do pedido de auxílio sinceros do motorista - mais conhecedor do que se passara e passava -, e da atitude preconceituosa de JJ - que se julgava conhecedora pelo pouco a que julgava ter assistido (sendo que se baseava em gritos de falsidade) e estava naturalmente sensibilizada pelo choro da criança pela mãe. Os vídeos gravados por FF são bem reveladores da atitude violenta e falsa de AA e da adequada tentativa da sua contenção, bem como de contenção da turba que por causa dela assim ali se formara. O depoimento de EE é bem esclarecedor de que foi AA quem se desentendeu com o motorista e com o agente da PSP, BB, e quem, tendo sido devidamente abordada por este, reagiu violentamente para com ele, que em momento algum procurou fazer algo mais do que o necessário para a deter face à impetuosidade e força pela mesma exercida contra ele. HH, filha de AA, chorou, mas deveu-o à mãe, que, face a um natural esquecimento do passe, optou por não satisfazer a correcta pretensão do motorista de que pagasse um bilhete e por o ameaçar para que “a deixasse em paz” sem o pagar; é evidentemente falsa e descabida a versão por ela sustentada de que o filho viria apresentar o passe aquando da sua saída do autocarro: o filho não veio, não estava lá então, e o suposto/pretenso telefonema que a mesma disse ter feito não existiu, nem para ele, nem para uma tia, com referência a “uma surra”; esta referência foi feita, mas, como logicamente percepcionado e exposto pelo motorista, foi dirigida ao mesmo: II. Em face da violenta reacção de AA e do grupo de pessoas que, cheias de falsas assunções – e essas sim, preconceituosas –, a apoiavam e vociferavam contra o agente da polícia que a procurava deter, este, BB, ao ser persistentemente mordido por aquela, gritou “morde”, “morde”, porque, estando naturalmente aflito e a pretender mostrar o que estava a acontecer e aguentá-lo, quis deixar claro que tal não o faria soltar os braços e deixá-la ir-se embora. BB conseguiu, como descrito, com os movimentos que logicamente foram necessários e funcionaram, inverter a posição em que se encontravam, passando AA a estar por baixo, virada de barriga para o chão, e ele por cima dela. Apesar disso, não conseguiu detê-la até à chegada de mais elementos policiais, porque AA continuou a procurar soltar-se dele, que evidentemente não a segurava pelo pescoço (não obstante esta, na dinâmica que a própria impôs, também aí ter ficado magoada) e já não a segurava por baixo do braço direito; procurava segurar-lhe as mãos atrás das costas e, evidentemente, não conseguia evitar que a mesma, ao reagir-lhe energicamente, fosse repetidamente raspando com a cara no chão. BB não lhe arrancou cabelos, como resulta claro não só da análise das fotografias juntas – que evidenciam que era pré-existente a alopecia de AA, pois de outro modo apresentaria sinais de inflamação nos locais (nenhum deles inflamado) onde a falta de cabelo é visível –, como também da análise da documentação clínica – que não faz qualquer menção a tal arrancamento; tal menção só surge no relatório da perícia de fls. 231 a 233, porque entretanto foi verbalizada por AA - já rodeada de um “staff” e “aparato” predispostos e preparados para a narrativa que entretanto foi desenvolvida e pela mesma apresentada -, e porque a alopecia existia, embora por distinta razão: trata-se claramente de alopecia devida ao uso constante de penteados com tracção, geradores de tensão prolongada ou repetitiva do cabelo (alopecia por tracção). Foi necessária a chegada de mais elementos policiais para que o arguido BB, por fim, conseguisse deter AA, o que então fez, com o auxílio do arguido DD - como por este também explanado -, usando duas algemas, por forma a que, por causa da forte compleição física da mesma, AA não ficasse em maior esforço do que o estritamente necessário (ficando assim com os punhos menos juntos atrás das costas). Ao chegarem ao local, na sequência da comunicação da necessidade de auxílio a um agente da PSP que procurava deter uma senhora na presença de um ajuntamento de pessoas que contra tal se manifestava, DD e CC depararam-se com esse ajuntamento e com um colega que efectivamente procurava deter uma senhora que contra tal se debatia energicamente e actuaram como, bem, perceberam que se lhes impunha: um auxiliando BB a detê-la e o outro afastando aquelas pessoas para o passeio; um conduzindo a senhora para o carro-patrulha com que tinham chegado ao local e ajudando-a a entrar e outro colocando-lhe o cinto; um conduzindo o carro e o outro ao seu lado, enquanto atrás, com a arguida, seguiu o arguido BB, que, na descrita sequência, tinha acabado de a deter. As declarações prestadas pelos arguidos DD e CC a tal respeito revelaram-se seguras, lógicas, naturais, sem artifícios, coerentes com o cenário com que se depararam e com o que depois puderam constatar: o trajecto para a esquadra foi directo e o mais rápido possível e durante o mesmo não se aperceberam de que o arguido BB tivesse por alguma forma magoado ou dirigido qualquer palavra à arguida. Evidentemente, como resulta das regras da experiência e da lógica, que o ambiente era tenso. Ao chegar à esquadra, BB saiu de rompante do carro e entrou na esquadra. DD, que igualmente saiu do lado esquerdo do carro, mas pela porta da frente (era o condutor), menos nervoso e com o colega CC ainda junto ao carro, foi também para a esquadra que, de seguida, se dirigiu. CC saiu pelo lado direito do carro, pela porta dianteira, e preparava-se para ajudar a arguida sair do carro para a encaminhar para a esquadra quando se confrontou com a impossibilidade de o fazer, porque, de forma aparentemente inexplicável para o mesmo, AA acabou por ficar ali deitada no chão. E concluiu o tribunal que só de forma aparentemente inexplicável, porque afinal é claramente inteligível: AA fez por simular um desfalecimento, foi parar e ficou deitada no chão, mas não sem o amparo de CC - que de imediato pediu o auxílio do sentinela, para além de polícia também bombeiro, QQ, que logo desconfiou que a falta de reacção daquela era uma farsa, como também desconfiou OO, bombeiro que na sequência dos sucessivos pedidos de auxílio de CC acorreu com NN e a ambulância ao local, junto à esquadra, onde aquela se encontrava -, e assim AA arranjou maneira não chegar a entrar na Esquadra. Levada para o hospital, mostrou-se aí, deliberadamente, pouco colaborante, mas falou - contrariamente à impossibilidade de o fazer que procurou ver sustentada em audiência -, para, uma vez mais falsamente, como resulta do supra exposto, acusar de violência, agressões, o polícia que a tinha procurado deter. Falou e no dia 20, embora se tenha recusado a assinar o auto de constituição de arguido, o termo de identidade e residência e a notificação, logo foi capaz de assinar a procuração forense. Evidentemente que havia polícia no hospital a acompanhá-la: impunha- -se a sua detenção, não obstante os tratamentos de que precisasse e pelos quais foi a própria PSP que diligenciou, como revelam os sucessivos telefonemas de CC para o 112 – sucessivos, por causa da demora desse serviço e porque aquele não compreendia o que se estava a passar e não o compreendia porque no carro onde seguira com a arguida não se passara nada que justificasse a queda da mesma ao chão e porque assim estava preocupado com as consequências da demora na chegada da ambulância, numa situação em que acompanhava AA sem saber o que se passara antes com a mesma, nomeadamente algo que pudesse explicar aquele aparente “desmaio” –, gravados no CD junto na contracapa do vol. I (1.º a 4.º ficheiros a contar de cima; o 7.º ficheiro refere-se ao pedido de uma ambulância, também para a Esquadra ..., mas percebe-se, não obstante a confusão de quem atende, que induz a confusão de quem fez a chamada, que se refere a outra ambulância, à solicitada para BB). A documentação clínica apresentada pelo primeiro hospital que a atendeu é esclarecedora quanto ao estado e à atitude da arguida. A denúncia que a mesma apresentou poucas horas depois – às 08h18 de 20.01.2020 –, é esclarecedora de que conseguia falar e falou, contrariamente ao – de modo evidentemente preparado –, no seu interesse falsamente sustentado em audiência de julgamento, e também revela que aquando da apresentação dessa denúncia ainda não tinha surgido a ideia do arrancamento de cabelo. Os depoimentos de MM, SS e EEE deixaram clara a vontade de fazer de um caso que não tinham devidamente acompanhado uma oportunidade para alardear uma “luta” e certamente serviram os interesses da arguida de se fazer passar por vítima e de, por essa via, e daquele alarde - baseado em falsas assunções de actuação policial com pretensa motivação racista -, vir a obter uma choruda indemnização, isto, enquanto os honorários da sua mandatária seriam entretanto assegurados pelo “movimento” que assim foi sendo desenvolvido. O arguido BB não actuou com qualquer motivação racista; actuou relativamente a AA, procurando identificá-la e subsequentemente detê-la, como se lhe impunha, usando os meios estritamente necessários para tal, porque a arguida recusou identificar-se quando devia ter-se identificado - pelas razões expostas a respeito do sucedido com o motorista II e por este comunicado a BB -, e o agrediu (a BB) quando não tinha motivo para tal. O combate ao racismo e a qualquer forma de discriminação entre as pessoas impõe-se, transversalmente, mas neste caso foi mal servido pelo conjunto de pessoas que se associaram a AA, uns com interesses comuns - de ludibriar a justiça, afectivos e patrimoniais -, outros com aquele fito, mas vivido e exposto de forma ignorante (porque baseado numa falsa percepção do caso) e panfletária (como sucede ao que é entusiástico, mas não informado, nem ponderado). O preconceito, seja ele qual for, é, em qualquer caso, prejudicial, designadamente como motor e critério de acções, apreciações e decisões. Ninguém fez mal a AA; AA é que não pagou o bilhete que lhe cabia pagar, porque o esquecimento do passe da sua filha não era imputável à EMP02..., nem à EMP02... se impunha que estivesse ciente da sua existência, era imputável à mãe daquela menina, ainda criança; AA é que deliberadamente atemorizou o motorista; AA é que recusou a sua identificação ao único polícia que se encontrava no local e por isso a abordou; AA é que agrediu, empurrando-o e mordendo-o, para abandonar o local sem se identificar e depois sem ser detida; AA é que se serviu de uma série de impulsivas simulações e agressões para atingir os seus fins e, por isso, o choro da sua filha é à mãe que se deve. Já EE e FF foram efectivamente conduzidos à esquadra, algemados, sem que algo o justificasse. Das declarações do próprio arguido BB resultou claro que aqueles estiveram no local onde se debateu com AA para a deter, mas não fizeram nada contra si, sendo apenas testemunhas. Do depoimento de PP, contrariamente ao veiculado por BB, extrai-se que foi efectivamente este, à chegada daquele e dos demais elementos policiais, que não tinham presenciado o sucedido, a determinar a condução de EE e FF à esquadra, o que foi feito em viatura policial e algemados. Ora, mesmo antes da sua algemagem, nada havia que justificasse aquela ordem: sendo testemunhas, deviam ser notificadas para comparecer e não foi isso que aconteceu, foram efectivamente conduzidas à esquadra, em viaturas policiais, algemadas, porque tal lhes foi ordenado e a ordem que o originou partiu do arguido BB. Para além disso, e na sequência do fraco discernimento que então determinou que tal inaceitável privação da liberdade fosse levada a cabo, BB, já na esquadra, descomprimindo do ataque de que se viu vítima por ser polícia, ao ver EE e associando-o, também inaceitavelmente, àquele evento, impulsivamente, deu-lhe um soco. Tal resultou verificado, de forma cristalina, em face do depoimento simples, despojado de floreados, e sentido dessa testemunha. E desse depoimento, ou de qualquer outra prova, não resultou que DD ou CC tivessem presenciado ou se tivessem apercebido dessa actuação. O mesmo tipo de actuação foi levado a cabo pelo arguido BB contra FF, na perspectiva daquele um dos indivíduos que alimentara a turba, falando e filmando sob falsos pressupostos com clara distorção do sucedido, por idiossincrasia, postura opositora e inerente interesse. Em suma, pela análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que se verificou a factualidade vertida nos pontos 1.º a 87.º dos factos provados, verificação essa destacadamente alicerçada na sinceridade que evidentemente transpareceu dos referidos depoimentos de II, EE e RR em audiência de julgamento e das declarações dos arguidos DD e CC e no carácter nessa medida genuinamente emotivo do depoimento de FF quanto à actuação do arguido BB para consigo na esquadra; essa verificação, baseada numa análise rigorosamente não preconceituosa da globalidade da prova, mostra-se em concordância com o que esta, à luz da regras da experiência e da lógica, revelou, nomeadamente no tocante às deliberadas actuações da arguida, à respectiva dinâmica, aos verificados resultados e aos comportamentos que se lhe seguiram. Analisados os referidos depoimentos e declarações, a par do relatado pela arguida/assistente/demandante AA e pelo arguido/assistente BB, com consideração dos momentos, locais e actuações a que se reportam, assim como da prova pericial relativa às lesões verificadas em cada um deles e da mencionada prova documental, resultou claro que os factos se verificaram como descrito na factualidade provada.
Quanto ao antecedente criminal da arguida (ponto 88.º dos factos provados), o tribunal baseou-se no CRC junto sob a referência Citius 25183376, de 06.03.2024.
Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido BB (ponto 89.º dos factos provados), o tribunal baseou-se no CRC junto sob a referência Citius 25183374, de 06.03.2024.
Para a prova dos factos relativos à situação pessoal dos arguidos AA e BB - pontos 90.º a 105.º e 106.º a 125.º -, foram decisivos os respectivos relatórios sociais, constantes sob as referências Citius 23964746, de 01.09.2023, e 24185767, de 06.10.2023, considerados apenas na medida em que se revelaram credíveis, em face dos elementos em que se baseou a elaboração de tais documentos e da correspondente análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com toda a prova produzida no que tange à restante factualidade provada, a que nesta sede o tribunal também atendeu, tendo ainda atendido ao teor da nota de assentos junta de fls. 304 a 309 (cfr. fls. 303 e 310) e daquela forma tendo também sido considerados os depoimentos de JJJ, KKK, LLL, MMM e NNN - quanto ao vertido nos pontos 126.º a 132.º relativamente aos arguidos CC e DD, quanto aos quais foram também consideradas as respectivas fichas biográficas, juntas sob a referência Citius 23532547, de 09.06.2023 -, e os de FFF, GGG, III e HHH relativamente ao arguido BB. As declarações prestadas pelos arguidos AA e BB na parte em que negaram e/ou camuflaram os factos que, pelas razões expostas, se verificou que cometeram nos termos descritos na factualidade provada - tendo a arguida sustentado e pretendido veicular falsas versões dos factos e tendo BB negado os factos referentes a EE e a FF por estar ciente das graves implicações pessoais e profissionais da sua prática, levada a cabo, na sua perspectiva, evidente, mas inaceitavelmente, já “de cabeça perdida” -, revelaram a sua tentativa de ludibriar o tribunal para afastar - na medida do que entenderam que poderia ter viabilidade em face dos restantes elementos e meios de prova, obviamente do seu conhecimento -, a sua responsabilização pela respectiva prática, mostrando AA, pela global extensão da sua conduta, não ter interiorizado, designadamente ao nível das emoções, da moral e da ética, a responsabilidade pelos actos que sempre soube contra II - o motorista -, e BB - o agente da PSP -, ter levado a cabo, e mostrando BB que, apesar dos anos e do louvor do seu pretérito serviço, naquela data, quando descomprimiu, acabou por ser impulsivo e fazer o que sabe que nunca podia ter feito, e actualmente, por não conseguir suportá-lo, não consegue assumi-lo e por isso o nega. Todos os verificados comportamentos da arguida evidenciaram e evidenciam serem próprios de alguém autocentrado, impulsivo e unicamente atento aos interesses seus e dos que lhe são mais próximos, tudo revelador da falta de efectivo arrependimento. Os verificados comportamentos do arguido BB evidenciaram e evidenciam serem próprios de alguém que em regra age e decide bem, de forma ponderada, corajosa e controlada, mas que naquele dia, inaceitavelmente, depois de desse modo ter agido para com AA, acabou por agir de modo impulsivo relativamente a EE e FF, e que logo soube, como sabe, que não existe arrependimento que apague o mal que a estes dois fez.
O vertido na factualidade não provada assim foi considerado por estar em oposição com o que, pelas razões expostas, se provou, sendo de destacar quanto ao constante da al. nnn) que não se provou que AA se feriu deliberadamente, antes se tendo verificado que tal resultou do modo como resistiu à sua detenção. * A restante matéria alegada é irrelevante, conclusiva, genérica, meramente argumentativa ou de direito, razão pela qual não foi considerada como factualidade provada ou não provada. IV. DO DIREITO 1.Enquadramento jurídico-penal 1.1. A arguida AA está pronunciada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência à al. l) do n.º 2 do art.º 132.º, do Código Penal, Pratica tal crime quem ofender a integridade física de outra pessoa se tal ocorrer em circunstâncias relevadoras de especial censurabilidade ou perversidade, o que é susceptível de ser aferido pelo facto de o ofendido ser agente das forças de segurança. Dos factos provados resulta que a arguida AA agrediu o agente da PSP BB, por causa do exercício legítimo das suas funções, uma vez que este pretendia identificá-la, sendo a mesma referida como agente de um crime. A ofensa à integridade física qualificada constitui um tipo agravado em relação ao crime de ofensa à integridade física simples (à semelhança do que relativamente ao crime de homicídio sucede com o homicídio qualificado p. e p. pelo art.º 132.º do Código Penal, para o qual aquela remete); é um crime de resultado e configura-se como um caso especial de ofensa à integridade física, em que o legislador decide punir a correspondente actuação criminal com uma moldura penal diferente, em virtude da existência em relação ao tipo fundamental de circunstâncias relativas à maior ilicitude ou à maior culpa, sempre com reflexo na culpa do agressor. A qualificação prevista no art.º 145.º, por remissão para o art.º 132.º, deriva, pois, da verificação de um tipo de culpa agravado (neste sentido, TERESA SERRA, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Livraria Almedina, Coimbra, a propósito do homicídio qualificado, mas com plena aplicação ao art.º 145.º na medida em que a técnica legislativa utilizada é idêntica à do art.º 132.º, e ainda FIGUEIREDO DIAS, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora), que assenta numa cláusula geral em que o legislador recorreu a conceitos indeterminados, contida no n.º 1 do preceito e cuja verificação é indiciada pelo preenchimento de uma ou mais das diversas circunstâncias elencadas nas alíneas do n.º 2 do art.º 132.º, para o qual remete o n.º 2 do art.º 145.º do Código Penal. Assim, não basta a verificação de circunstância/s prevista/s nas alíneas daquele n.º 2 para estarmos perante ofensas à integridade física qualificadas, uma vez que aquelas têm função indicadora em termos de culpa, são exemplos-padrão, sendo sempre necessária a verificação, no caso concreto, de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Na alínea l) do n.º 2 do art.º 132.º estão em causa circunstâncias indiciadoras de uma especial censurabilidade ou perversidade atinentes à pessoa do ofendido. No caso concreto, a agressão sobre BB relacionou-se directamente com o exercício das funções policiais deste, o que foi claramente exposto à arguida, e não possui qualquer outro enquadramento que possa permitir um afastamento da maior censurabilidade da conduta relacionada com a verificação desta circunstância indicadora. Por conseguinte, uma vez que a arguida AA agiu como queria, com conhecimento dos elementos objectivos referidos, agiu com dolo directo, nos termos do art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que cometeu o crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência à al. l) do n.º 2 do art.º 132.º, do Código Penal, pelo qual está pronunciada. 1.2. O arguido BB está pronunciado pela prática de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. m), e pelo art.º 66.º, n.º 1, do Código Penal. Pratica tal crime quem ofender a integridade física outra pessoa, se tal ocorrer em circunstâncias relevadoras de especial censurabilidade ou perversidade, o que é susceptível de ser aferido pelo facto de o agressor ser funcionário e actuar com grave abuso de autoridade. Dos factos provados resulta que o arguido BB agrediu fisicamente os ofendidos EE e FF, sem que os mesmos estivessem sequer directamente envolvidos na situação, apenas pela sua posição de descontrole e superioridade, sendo considerado funcionário nos termos do disposto no art.º 386.º, n.º 1, al. a), do Código Penal. Pelo que, no caso concreto, mantendo-se os considerandos já efectuados quanto a esta incriminação, verificou-se uma especial censurabilidade de BB na sua conduta criminosa, de acordo com a circunstância indicadora invocada. Por conseguinte, uma vez que BB agiu como queria, com conhecimento dos elementos objectivos referidos, agiu com dolo directo, nos termos do art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que cometeu dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º 2 do art.º 132.º, e pelo art.º 66.º, n.º 1, do Código Penal, pelos quais está pronunciado, um por cada um dos ofendidos agredidos: EE e FF (art.º 30.º, n.º 1, do Código Penal). Já quanto ao crime de ofensa à integridade física que lhe estava imputado com referência a AA, resulta dos factos provados que BB actuou de forma agressiva, mas apenas para a deter legitimamente, depois de a mesma recusar a sua identificação na sequência da denúncia de que ameaçara o motorista do autocarro e de seguida ter adoptado para com BB uma conduta fisicamente agressiva (cfr. arts. 250.º, n.º 1, e 254.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal). Por isso, a conduta deste quanto a AA mostra-se justificada (art.º 31.º, n.º 1, al. c), do Código Penal), pelo que o arguido BB será absolvido do crime de ofensa à integridade física qualificada pelo qual relativamente a AA foi pronunciado.
1.3. O arguido BB está pronunciado pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1, e 184.º do Código Penal. Não tendo ficado provado o proferimento de qualquer insulto por parte deste arguido, o mesmo será absolvido desta imputação criminosa. 1.4. O arguido BB está também pronunciado pela prática de três crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal. Pratica tal crime quem detiver outra pessoa, sendo funcionário e tendo actuado com grave abuso de autoridade. Conforme foi já referido quanto ao crime de ofensa à integridade física que lhe estava imputado com referência a AA, resultando dos factos provados que BB a deteve legitimamente, na sequência da referida recusa da sua identificação seguida da conduta fisicamente agressiva que a mesma contra BB adoptou, a conduta deste quanto a ela mostra-se justificada (art.º 31.º, n.º 1, al. c), do Código Penal), pelo que o arguido BB será absolvido de um crime de sequestro. Já quanto aos ofendidos EE e FF, os mesmos não estavam sequer directamente envolvidos na situação, não se verificava qualquer hipotético fundamento para a sua detenção, pelo que a mesma ocorreu só pela posição de descontrole e superioridade de BB como funcionário que era (nos termos do disposto no art.º 386.º, n.º 1, al. a), do Código Penal). Por conseguinte, uma vez que BB agiu como queria, com conhecimento dos elementos objectivos referidos, agiu com dolo directo, nos termos do art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que cometeu dois crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal, pelos quais está pronunciado, um por cada um dos ofendidos EE e FF (art.º 30.º, n.º 1, do Código Penal).
1.5. Finalmente, os arguidos BB, CC e DD estão pronunciados pela prática, cada um, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º do Código Penal. Pratica tal crime quem abusar dos seus poderes ou violar os deveres próprios das suas funções, com intenção de obter um benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa. Mesmo não estando descritos na pronúncia os referidos elementos subjectivos especiais da ilicitude deste crime, é taxativa a subsidiariedade expressa da incriminação, o que significa que qualquer conduta apenas se pode subsumir a esta incriminação se não possuir outro enquadramento jurídico. Ora as condutas imputadas ao arguido BB já se mostram valoradas no âmbito de outros tipos de crime. E nada de abuso de poder ou violação de deveres funcionais é possível imputar aos arguidos CC e DD, que se limitaram a colaborar para o cumprimento de ordens, de acordo com os factos por si conhecidos. Pelo que manifestamente não se encontra preenchido qualquer dos elementos subjectivos desta incriminação. Desta forma, os arguidos BB, CC e DD serão absolvidos desta imputação criminosa.
2. Medida da pena A prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), com referência à al. l) do n.º 2 do art.º 132.º, do Código Penal, é punida com pena de prisão de 1 mês até 4 anos (cfr. art.º 41.º, n.º 1, do Código Penal). A prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal, é punida com pena de prisão de 2 a 10 anos. Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo. Tal resulta igualmente do art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal, ao afirmar-se que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Assim, por referência àquele normativo, a determinação da medida da pena deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta oferece. Neste caso as exigências de prevenção geral revelam-se elevadas, atendendo à frequência da prática destes crimes – contra as forças policiais e por parte de forças policiais –, e ao alarme social que geram, em qualquer dos casos, o que implica uma particular necessidade de afirmação das normas violadas. As consequências dos crimes de ofensa à integridade física revelam-se de média intensidade em todos os casos em apreço, pelas consequências provocadas e pela violência usada. Já quanto aos crimes de sequestro as consequências são de baixa intensidade, considerando o tempo de privação da liberdade, no contexto da incriminação concretamente considerada. Relativamente às exigências de prevenção especial, constata-se que as mesmas se revelam medianas, tendo em conta o antecedente criminal que a arguida já regista e que não se mostrou arrependida, e tendo os arguidos, quanto aos crimes que cometeram, actuado de forma descontrolada e abusiva, quer o arguido BB, quer a arguida AA. Na determinação da medida da pena devem ser tidas em conta, de acordo com o disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a culpa do agente (art.º 40.º, n.º 2, do Código Penal). No presente caso, verifica-se que a culpa dos arguidos é mediana, pois o dolo foi directo, mas actuaram de modo nervoso, com descontrole pelo desenrolar da ocorrência. Assim, ponderando todos os aspectos, consideram-se adequadas as penas de: - 8 meses de prisão quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada praticado pela arguida AA; - 10 meses de prisão quanto a cada um dos crimes de ofensa à integridade física qualificada praticados pelo arguido BB; - 2 anos e 3 meses de prisão quanto a cada um dos crimes de sequestro agravado praticados pelo arguido BB.
3- Cúmulo Os crimes pelos quais o arguido BB vai ser condenado estão numa relação de concurso efectivo entre si, pois foram praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, pelo que há que efectuar, nos termos do estabelecido no art.º 77.º do Código Penal, o cúmulo jurídico relativamente às correspondentes penas. A pena única terá como limite máximo a soma das penas de prisão a considerar concretamente aplicadas aos vários crimes – 6 anos e 2 meses de prisão –, e como limite mínimo a mais elevada daquelas penas (art.º 77.º, n.º 2, do Código Penal) – 2 anos e 3 meses de prisão; dentro da moldura encontrada, é determinada a pena do concurso, considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77.º, n.º 1), sem embargo, obviamente, de se terem também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, bem como os factores elencados no n.º 2 deste art.º 71.º, referidos à globalidade dos crimes. À luz dos critérios supra expostos, considerando o conjunto de todos os factos, designadamente, a natureza dos crimes cometidos, o facto de todos eles terem ocorrido no quadro da mesma ocorrência, não planeada, a modesta condição social do arguido, o tipo e o nível de conflituosidade existente na zona onde exerce funções e o carácter evidentemente excepcional das condutas criminosas em causa no seu percurso pessoal e profissional, a fim de se restaurar, na medida do possível, a segurança de cada um, a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e de assegurar a reintegração social do arguido, considera o tribunal como adequada a pena única de 3 anos de prisão. 4.Suspensão Nos termos do art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, pode o tribunal, quando condene em pena de prisão não superior a cinco anos, determinar que a execução da mesma fique suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e às circunstâncias do facto. No presente caso verifica-se que o arguido BB não tem antecedentes criminais e a arguida AA apenas tem o já datado de 2016, e ambos mostram estar integrados laboral e familiarmente, o que é indiciador de que a censura dos factos e a ameaça da pena de prisão se mostram quanto a ambos suficientes para acautelar as finalidades da punição. O período de suspensão da execução das penas de prisão terá a mesma duração da pena única de prisão quanto ao arguido BB e a duração de 1 ano (mínimo legal) quanto à arguida AA (art.º 50.º, n.º 5, do Código Penal). Esta pena substitutiva é a que ainda permite ter esperança na reinserção dos arguidos e na realização das finalidades da punição em face da violência de cada um dos crimes. 5. Proibição do exercício de função Encontra-se promovida a aplicação ao arguido BB da sanção acessória de proibição de exercício de função nos termos do disposto no art.º 66.º, n.º 1, do Código Penal. Contudo, a aplicação de tal sanção depende de o arguido ser punido com pena de prisão superior a 3 anos. Sendo o arguido punido com a pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução, enquanto pena substitutiva da prisão, não se verifica a previsão legal da aplicação da mencionada sanção acessória, pelo que a mesma não terá lugar nestes autos.
6. Pedidos de indemnização civil Nos termos do art.º 129.º do Código Penal, a responsabilidade civil derivada da prática de um crime é regulada pela lei civil. Determinada a responsabilidade penal de arguido, verificados estão os pressupostos constitutivos do direito à indemnização por parte de ofendido: facto ilícito e culposo, que se revela causa adequada dos danos produzidos. Nos termos dos arts. 483.º, 562.º e 563.º do Código Civil, é o arguido responsável pela reparação dos prejuízos causados com a conduta ilícita que tiver sido verificada. Nos termos do art.º 495.º, n.º 2, do Código Civil, em todos os casos de lesão corporal têm direito a indemnização os estabelecimentos hospitalares que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima. Neste enquadramento, AA deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos BB, CC e DD e contra o ESTADO PORTUGUÊS. Não tendo os arguidos BB, CC e DD sido responsáveis por qualquer conduta ilícita relativamente a AA, os mesmos, ou o Estado Português, também não são responsáveis pela reparação de nenhum prejuízo daquela, pelo que serão absolvidos totalmente do pedido de indemnização civil contra eles deduzido por AA. EMP01..., S.A. (conhecido por “Hospital ...”) deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido BB, com fundamento na assistência médica e hospitalar que prestada à ofendida AA. Pelos fundamentos já expostos, não tendo BB sido responsável por qualquer conduta ilícita relativamente a AA, o mesmo também não é responsável pela reparação de nenhum prejuízo que se lhe refira, pelo que será absolvido totalmente do pedido de indemnização civil contra ele deduzido por EMP01..., S.A. EE deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos BB, CC e DD, pretendendo a sua condenação no pagamento de 3.500 € (três mil e quinhentos euros) pelos danos morais que alegadamente para si decorreram dos factos pelos quais aqueles foram pronunciados pelos crimes de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado e abuso de poder. Não tendo os arguidos CC e DD sido responsáveis por qualquer conduta ilícita, os mesmos serão absolvidos do pedido de indemnização civil contra eles deduzido por EE. Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade penal do arguido BB relativamente a EE, é BB responsável pelos danos causados com as correspondentes condutas de ofensa à integridade física qualificada e sequestro agravado. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (grau de culpa do agente e situação económica do lesado), de acordo com o disposto no art.º 496.º, n.º 4, do Código Civil). Por consequência, considerando que o ora ofendido em nada contribuiu para as condutas ilícitas ou para a ocorrência dos danos, e que BB actuou com grave abuso de autoridade, deve este proceder ao pagamento dos 3.500 € pedidos pelo assistente EE, valor que se revela equitativo neste caso concreto. (…)
Aqui chegados impõe-se proceder à apreciação das concretas questões suscitadas pelos recorrentes nos seus respetivos recursos o que se fará pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objeto das seguintes e, por isso, sem seguir a ordem com que foram enunciadas na delimitação do objeto dos recursos.
Assim, no que se reporta ao recurso do arguido BB (doravante BB) no mesmo invoca-se a nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida nos termos do artigo 379º nº1 al. c) do CPP.
Para tanto refere que invocou em sede de contestação, a nulidade prevista na alínea e) do artigo 119º do CPP, por violação das regras de distribuição do inquérito e a nulidade da acusação, nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 283º do mesmo compêndio legal e que a decisão recorrida não apreciou essas questões limitando-se a mencionar que as mesmas não se verificavam.
Mais refere que se uma acusação é nula por omissão da descrição dos factos integradores do elemento subjetivo não é por haver um despacho de pronúncia que remete para aquela que tal vício se sana.
E, ainda, que a nulidade insanável se verifica por falta de distribuição do inquérito ao Ministério Público e preterição das regras de competência e violação do princípio do juiz natural que entende ser aplicável ao àquele.
Do acórdão recorrido consta no que releva para apreciação desta questão o seguinte o que a seguir se transcreve: Inexistem nulidades, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da acção, importando realçar – em face das nulidades invocadas na contestação do arguido BB –, que: - não existe a nulidade prevista na al. e) do art.º 119.º do Código de Processo Penal, que se refere às regras de competência do tribunal e não à distribuição do inquérito no seio do Ministério Público; para além disso, objecto do julgamento é aqui o que foi objecto de pronúncia, por determinação do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que está ultrapassada qualquer questão atinente àquela distribuição; - a eventual nulidade da acusação que precedeu a pronúncia feita na sequência do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não pode já ser conhecida por este tribunal de julgamento, conforme resulta do disposto no art.º 311.º do Código de Processo Penal, na medida em que o título pelo qual os correspondentes crimes passaram a julgamento é uma decisão judicial transitada em julgado e não já a referida acusação.
Nos termos previstos no artigo 379º nº 1 al. c) primeira parte do Código de Processo Penal é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Assim, a omissão de pronúncia consubstancia uma ausência de posição ou decisão do Tribunal relativamente a questões que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sejam as suscitadas pelos sujeitos processuais sejam as de conhecimento oficioso.
Trata-se de uma omissão relativa a questões e não a argumentos invocados pelos sujeitos processuais.
Com efeito e como se consigna no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2012[4]: “A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão”.
No caso vertente, a decisão recorrida pronunciou-se relativamente às nulidades invocadas sendo, no caso da nulidade prevista no artigo 119º al. e) do Código deProcesso Penal, afirmando que a mesma não se verificava por se referir às regras da competência do tribunal e não às de distribuição do inquérito no Ministério Público e, no caso da nulidade da acusação, ao afirmar que o conhecimento da mesma não podia ocorrer, ao abrigo do disposto no artigo 311º do Código de Processo Penal, por estar em causa uma decisão transitada em julgado em virtude de pronúncia proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Uma mera leitura do preceituado no artigo 311º do Código de Processo Penal permite concluir pelo acerto da decisão do tribunal recorrido, nesse segmento, uma vez que o conhecimento nessa sede da natureza manifestamente infundada de uma acusação apenas tem lugar se não tiver havido instrução, ou seja, decisão de pronúncia como ocorreu no caso vertente.
Questão distinta é a possibilidade do tribunal recorrido, em sede de subsunção dos factos ao direito, considerar que os factos constantes do despacho de pronúncia eram insuficientes para integrar todos os elementos típicos dos ilícitos criminais imputados, não sendo tal apreciação de índole adjetiva, mas substantiva.
No que se reporta à invocada nulidade insanável não é porque o recorrente considera que o previsto no artigo 119º al. e) do Código de Processo Penal é aplicável ao Ministério Público que tal interpretação é admissível e possa ocorrer.
As nulidades regem-se por tipicidade e legalidade e o preceito refere-se à competência de tribunal, à proibição de desaforamento com exceção dos casos legalmente previstos e ao princípio do juiz natural.
O magistrado do Ministério Público não é um juiz e as regras de competência do Ministério Público não se confundem com as regras de competência do tribunal. Os tribunais são órgãos de soberania, independentes e apenas sujeitos à lei. Os magistrados do Ministério Público representam tal magistratura nos tribunais.
Em face do exposto, impõe-se concluir que não se verifica a invocada omissão de pronúncia improcedendo, consequentemente, quanto a esta questão o recurso do arguido BB.
Mais se invoca no recurso do arguido BB que a decisão recorrida padece de erro de julgamento relativamente aos factos provados 22º, 23º, 24, 32º, 33º, 34º, 43º a 48º e facto não provado kkk), se baseou em prova proibida e violou o princípio do in dubio pro reo.
É pacífico que a decisão da matéria de facto em sede de recurso pode ser sindicada quer através dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal, a que se convenciona chamar de revista alargada, quer através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3, 4 e 6, do mesmo diploma.
Refira-se que os vícios consagrados no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal são de conhecimento oficioso pelo que não está o Tribunal de recurso impedido de os detetar e conhecer ainda que o recorrente opte apenas por uma impugnação ampla de matéria de facto como neste caso se verifica.
Ora, prevê o artigo 412º nº3 do Código de Processo Penal que quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
Impondo o nº4 do preceito em questão a exigência de que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Neste caso a apreciação a levar a cabo pelo Tribunal da Relação não se restringe ao texto da decisão (como ocorre no caso dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal) incidindo sobre o que se pode extrair da prova produzida em audiência.
No que se reporta à especificação dos concretos pontos de facto, o ónus a que aludimos só é cumprido com a indicação do facto individualizado que consta da decisão recorrida e se considera incorretamente julgado[5].
Tal ónus de especificação de factos não se basta, assim, com qualquer indicação genérica dos mesmos.
Ademais e no que respeita à especificação das provas concretas, o ónus previsto no art.º 412º do Código de Processo Penal só é cumprido se for feita a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida.
Destarte é, nomeadamente, insuficiente a indicação genérica de um documento, de uma declaração ou de um depoimento, de uma perícia ou de uma interceção telefónica realizada.
De qualquer modo o recorrente tem o ónus de indicar clara e concretamente o que na matéria de facto quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual oposta à decisão de facto vertida na decisão que impugna, quais os motivos exatos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exigeque o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado.
Ademais e caso esteja em causa meio de prova oralmente produzido em audiência e gravado exige-se a indicação não só do início de termo da gravação, mas a indicação e especificação das concretas passagens que fundam a impugnação tal como resulta do nº4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
As provas que o recorrente indique nos termos sobreditos e a apreciação das mesmas apresentada no recurso devem não só evidenciar que os factos foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo como fundar a convicção de que se impunha uma decisão diversa da proferida na fixação dos factos provados e não provados.
No que se reporta à especificação dos concretos pontos de facto, o ónus a que aludimos só é cumprido com a indicação do facto individualizado que consta da decisão recorrida e se considera incorretamente julgado[6].
Tal ónus de especificação de factos não se basta, assim, com qualquer indicação genérica dos mesmos.
Acresce que no que respeita à especificação das provas concretas, o ónus previsto no art.º 412º do Código de Processo Penal só é cumprido se for feita a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida.
Destarte é, nomeadamente, insuficiente a indicação genérica de um documento, de uma declaração ou de um depoimento, de uma perícia ou de uma interceção telefónica realizada.
De qualquer modo o recorrente tem o ónus de indicar clara e concretamente o que na matéria de facto quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual oposta à decisão de facto vertida na decisão que impugna, quais os motivos exatos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exigeque o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado.
Por outro lado, estando em causa meio de prova oralmente produzido em audiência e gravado exige-se a indicação não só do início de termo da gravação, mas a indicação e especificação das concretas passagens que fundam a impugnação tal como resulta do nº4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
As provas que o recorrente indique nos termos sobreditos e a apreciação das mesmas apresentada no recurso devem, não só evidenciar que os factos foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo, como fundar a convicção de que se impunha uma decisão diversa da proferida na fixação dos factos provados e não provados.
Não, é, pois, suficiente a demonstração da possibilidade de existir uma seleção em termos de matéria de facto alternativa à da constante da decisão recorrida sendo necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida em julgamento só poderia ter conduzido à matéria de facto provada e não provada por si propugnada e não àquela fixada na decisão recorrida.
O recurso sobre a matéria de facto não está configurado no nosso sistema processual penal como um segundo julgamento, mas sim como um mecanismo de correção.
Com efeito e como se refere no AUJ do STJ nº3/2012 de 18 de abril: A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas. O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto. Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
E como se exara no Acórdão do Tribunal Constitucional, no processo nº 198/04, publicado in DR II Série, de 2 de Junho de 2004, a impugnação da decisão em matéria de facto terá de assentar na violação dos factos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria a inversão dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela de quem espera a decisão.
A modificação da decisão recorrida pelo Tribunal de recurso só poderá ter lugar se, depois de cumprido o ónus de impugnação previsto no citado art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se vier a apurar que a decisão recorrida sobre os precisos factos impugnados em face da prova concretamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta.
Traduzindo-se o erro de julgamento na inobservância de ditames em matéria probatória quer na vertente da sua validade quer da sua eficácia especial, na violação de princípios como o da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo ou na violação das regras da lógica e da experiência comum.
Destarte o que se exige é um erro e não uma mera divergência de convicção e assim “se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei [artigos 127º e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal], inexistindo assim violação destes preceitos legais[7].
Revertendo ao caso concreto o recorrente BB indica os factos que pretende impugnar, ou seja, os factos provados 22º, 23º, 24, 32º, 33º, 34º, 43ºa 48º e facto não provado kkk).
Os referidos factos provados têm o seguinte teor: 22º BB ordenou que o ofendido FF e o assistente/demandante EE fossem levados para a esquadra, algemados, sem que tivessem tido qualquer participação ou intervenção no desenrolar dos factos, nem contra eles foi elaborado qualquer auto de notícia, detenção ou denúncia; EE e FF foram algemados desde a Rua ... até à Esquadra .... 23ºDepois disto, no interior da esquadra, BB dirigiu-se a EE e desferiu-lhe um soco na cara e dirigiu-se a FF, dizendo-lhe “tu é que és o herói da rua, não é? E agora fala lá outra vez” e, de imediato, desferiu-lhe um soco que o atingiu no lado esquerdo da cara. 24ºFF baixou a cabeça para impedir outras agressões; ainda assim, BB desferiu-lhe mais dois socos, que o atingiram na cabeça, e um pontapé, que o atingiu nas mãos que aquele colocou à frente da cara para se proteger. 32ºFF e EE sofreram dores decorrentes das agressões que contra eles foram praticadas por BB, acima descritas nos pontos 23.º e 24.º. 33ºBB actuou ciente do descrito nos pontos 22.º a 24.º, sabia que o fazia enquanto agente da PSP no exercício de funções, que, porque não tinham cometido crime, nem havia suspeita de que o tivessem feito, nem existia outro fundamento legal para os deter, EE e FF não podiam ter sido detidos e conduzidos para o interior da esquadra da PSP, que, ao actuar do modo descrito nos pontos 23.º e 24.º, molestava o corpo e a saúde de EE e FF, causando-lhes lesões, dores e mal-estar físico, e quis actuar como actuou, 34ºtendo agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas acima descritas nos pontos 22.º a 24.º proibidas e punidas por lei e ser a respectiva censurabilidade agravada pela função profissional que exercia. 43º O soco que BB desferiu em EE, acima referido no ponto 23.º, foi de punho cerrado e deixou EE em pânico, temendo por si, deveras prostrado e sem reacção durante algum tempo, tendo então visto a dobrar, sentido fortes dores no local atingido, que duraram dias, e ali ficado com um caroço que demorou semanas a sarar. 44ºEE não tinha sequer percebido a motivação para estar detido, mas também nada disse ou perguntou, com medo do que lhe pudessem fazer. 45ºEE é uma pessoa tranquila e pacata, séria, honrada e respeitada. 46ºEm consequência do soco referido nos pontos 23.º e 43.º, sente-se profundamente ofendido, indignado e injustiçado. 47ºFicou extremamente envergonhado perante as pessoas que assistiram à sua detenção, sentindo-se profundamente vulnerável, vexado e ferido na sua honra. 48ºEm consequência, sente-se profundamente humilhado e entristecido, receando cruzar-se novamente com um agente da polícia.
E o facto não provado kkk) que tem o seguinte teor: kkk) BB nunca agiu contra terceiros.
No que se reporta à indicação da prova indica o recorrente as declarações prestadas por EE quer perante magistrado do Ministério Público quer em audiência de julgamento nos excertos que transcreve, um segmento da motivação da decisão recorrida sobre o depoimento de FF.
E daí retira que tais depoimentos prestados após induções e condicionamentos de terceiros foram com perturbação da capacidade de memória e de avaliação, o que constitui ofensa à integridade física e moral e, em consequência, padecem de nulidade prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 126º do CPP.
Por outro lado, defende que não foi o recorrente que ordenou que EE e FF fossem levados para a esquadra algemados, tendo-se limitado a pedir aos colegas que os identificassem no local ou que fossem levados para a esquadra para esse efeito e que na esquadra não se dirigiu, nem falou com EE e FF, concluindo que os factos 22º a 24º, 33º e 34º devem ser eliminados dos factos provados e, ainda, que não foi produzida qualquer prova que sustente o teor dos factos 32º e 43º a 48.
Mais defende o recorrente que com a reapreciação do depoimento do Recorrente, dos arguidos e de EE, mediante a renovação da mesma, aplicando o princípio in dubio pro reo, devem os factos constantes dos artigos 22º, 23º, 24, 32º, 33º, 34º, 43º a 48º dos factos provados, serem considerados como não provados e o facto não provado ínsito na alínea kkk) deve ser acrescentada aos factos provados.
Decorre do exposto e atestam as conclusões do seu recurso que o recorrente não compreende qual o ónus que sobre o mesmo impende em sede de impugnação da matéria de facto.
Não só não indica quais são os concretos excertos das declarações do recorrente e coarguidos que impõem decisão diversa como não basta indicar parte do que foi dito por EE perante magistrado do Ministério Público ou em audiência, ou que o depoimento de FF não pode ser considerado ou que inexiste prova de determinados factos.
Para além disso, exige-se que o recorrente correlacione tais provas com os factos e fundamente a existência de erro, demonstre que o raciocínio empreendido pelo tribunal recorrido foi erradamente formado, que se impunha decisão diversa da do tribunal recorrido relativamente a tais factos.
Ora, nada disso se verifica, ademais e no que respeita quer à alegada nulidade mercê do disposto no artigo 126º nº2 al. b) do Código de Processo Penal quer à violação do princípio do in dubio pro reo a invocação do recorrente é genérica, pois, que no primeiro caso o recorrente, apenas, refere ter havido induções e condicionamentos de terceiros e, no segundo caso, que em face às dúvidas que tais depoimentos possam acarretar, ter-se-ia de aplicar o princípio in dubio pro reo.
Importa referir que os ilícitos imputados ao recorrente no que se refere a EE e a FF e pelos quais foi condenado na decisão recorrida são de natureza pública sendo irrelevantes as considerações expendidas a propósito do momento em que EE apresentou queixa.
Por outro lado, depreende-se das conclusões do recorrente que no que se refere a induções de terceiros reporta-se à alusão feita na decisão recorrida a telefonema da mandatária de AA a FF e à tese veiculada pela comunicação social.
Ora, o recorrente não cumpre o seu ónus de impugnação e a matéria de facto não é idónea a ser modificada com base em mera argumentação nem esta revela o uso de qualquer meio proibido de prova.
Aliás, nem nada nos autos o revela.
No que respeita à alegada violação do princípio do in dubio pro reo também o recorrente não alicerça a sua invocação em nada concreto limitando-se a afirmar que em face das dúvidas que tais depoimentos possam acarretar devia tal princípio ter sido aplicado.
Ora, o princípio do in dubio pro reo assenta numa dúvida insanável, razoável e objetivável ou motivável e não se traduz em dar relevância às dúvidas que os sujeitos processuais encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos – é, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza nos termos referidos sobre os factos decisivos para a solução da causa.
A argumentação expendida pelo recorrente não é idónea a produzir qualquer alteração na matéria de facto provada e não provada, improcedendo, também, neste segmento a pretensão recursória do arguido BB.
No que respeita ao recurso interposto por AA (doravante AA) defende esta recorrente que decisão recorrida padece de erro de julgamento no que se reporta aos factos provados 2º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 27º, 30º, 31º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º, 76º, 77º, 79º, 80º, 81º, 82º, 103º, 104º, 105º, 124º e 125º e factos não provados i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), bb), cc), hh), ii), jj), kk), mm), nn), oo), pp), qq), rr), ss), tt), uu), vv),ww), xx), yy), zz) e aaa).
Repristinam-se nesta sede todas as considerações supra expendidas relativamente ao que configura o erro de julgamento e o ónus processual da sua invocação bem como os poderes de cognição nessa matéria do Tribunal de recurso e, analisando o caso concreto ,deteta-se que a recorrente pretende a alteração da seleção factual empreendida pelo tribunal recorrido com referência aos factos provados e não provados supra indicados, sustentando a sua invocação nos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e na forma como foi efetuada a respetiva avaliação pelo tribunal recorrido.
A recorrente em tal exercício e, tal como evidenciam as conclusões e motivação do seu recurso, agrupa determinados factos provados e não provados, segmenta os mesmos e/ou faz uma súmula do que, no seu entender, se extrai dos elementos de prova que indica ou transcreve o teor de excertos de tais elementos de prova revelando relativamente aos mesmos a sua interpretação e valoração.
Com efeito, a recorrente pretende obter a modificação da matéria de facto provada e não provada que especifica com base na valoração que empreende da prova e que, na sua ótica, consubstancia um erro de julgamento.
Em suma, arecorrente assentaa sua discordância e invocação de erro relativamente aos factos, por um lado, apelando à prova documental, pericial e oral produzida e que identifica e na contemplação dos fragmentos das mesmas que delimita nas conclusões e transcreve na motivação do recurso e, por outro, invetivando a circunstância de o tribunal a quo haver, para seleção positiva ou negativa dos mesmos factos, valorizado indevidamente meios de prova.
As considerações da recorrente assentam, pois, em pressupostos que retira da sua própria valoração e apreciação dos elementos referidos, valoração essa que é naturalmente distinta quanto à seleção como provados e não provados de tais factos da alcançada pelo tribunal recorrido.
Tendo a mesma cumprido o ónus processual previsto no artigo 412º do Código de Processo Penal importa, pois, verificar se a valoração empreendida pelo tribunal recorrido e a seleção factual positiva e negativa a que chegou se mostra de algum modo manchada mercê da invocação da recorrente.
Ora, no que se refere à prova pessoal produzida em audiência procedeu-se à audição da sua documentação em gravação, designadamente, dos concretos excertos indicados pela recorrente bem como do demais que se entendeu relevante atento o disposto no artigo 412º nº6 do Código de Processo Penal.
Ademais procedeu-se à visualização dos vídeos bem como à análise da prova documental e pericial referidas.
Inicia a sua impugnação (vide conclusões 6 a 24) invocando que é um erro darem-se como provados os factos 50º e 51º que têm o seguinte teor: 50º-Previamente ao acima referido no ponto 2.º, no mencionado autocarro, tendo sido interpelada pelo motorista a tal respeito, AA disse-lhe que a filha não tinha com ela um título de transporte válido, não o quis adquirir e, depois, disse que “se deviam juntar todos e dar uma surra”. 51º. Foi por se sentir ameaçado que o motorista actuou como descrito no ponto 3.º.
E não provados os factos w), x), y) e z) que têm o seguinte teor: w) aquando do descrito no ponto 37.º dos factos provados, AA disse que era para que o filho se deslocasse à paragem para exibir o passe da irmã que lhe ia telefonar; x) nessa sequência, o motorista não respondeu, pelo que AA ficou convicta de que o mesmo tinha anuído ao seu pedido; y) AA não voltou a falar com o motorista desde o momento em que lhe disse que iria telefonar para o filho, nem o mesmo lhe voltou a dizer nada; z) aquando do descrito no ponto 3.º dos factos provados, AA tinha, entretanto, iniciado uma conversação através do telemóvel e a falar ao mesmo saiu do autocarro com a filha e o sobrinho;
Refira-se que no que se reporta ao facto provado 50º a recorrente impugna os segmentos "a filha não tinha com ela um título de transporte válido, não o quis adquirir"e que disse que “se deviam juntar todos e dar uma surra”:
No que respeita aos segmentos do facto provado 50º"a filha não tinha com ela um título de transporte válido, não o quis adquirir” impõe-se salientar que decorredos factos provados 36º e 37º que foram aduzidos pela própria recorrente no seu pedido de indemnização civil e que a mesma não impugnou que “Ao entrarem nesse autocarro, o motorista perguntou a AA pelo passe da filha, que respondeu que se tinha esquecido dele em casa” bem como “AA disse ao motorista que morava perto da paragem do ... e que ia telefonar para o filho, que estava em casa”.
Ora, mercê da sua não impugnação está consolidado que a recorrente comunicou a II (motorista do autocarro da EMP02... onde viajava) quer que a sua filha, não se fazia acompanhar do passe de que era titular quer que apenas lhe disse que morava perto da paragem do ... que ia telefonar para o filho que estava em casa.
Ademais e quanto a não querer adquirir bilhete nenhum elemento de prova oral ou documental (sendo que nem a recorrente alguma vez o afirmou) sustenta que a mesma tenha, naquelas circunstâncias, adquirido um bilhete para a sua filha que, apesar de ser menor e titular de um passe não se fazia acompanhar do mesmo.
Invoca, também, a recorrente que existe erro no segmento do facto 50º em que se deu como provado que a mesma disse que “se deviam juntar todos e dar uma surra” bem como na seleção positiva do facto 51º sendo que quanto a este a recorrente discorda que medo tenha sido provocado por AA naquela viagem de autocarro de 19/01/2020 e não por experiências negativas no passado, que o próprio invoca para justificar a sua atuação.
Neste particular, para além da recorrente não ter impugnado o facto 3º provado para que remete o facto 51º importa salientar que a própria recorrente admite que o motorista II depôs nesse sentido sendo que do facto 3º provado, que se reitera não ter sido impugnado, resulta: “Então, BB foi abordado pelo motorista da carreira n.º ...63 da EMP02..., II, que efectuava o trajecto ... — ..., que o identificou como elemento de uma força de segurança e lhe pediu auxílio para identificar uma passageira, a arguida/assistente AA, que o motorista alegava que tinha ameaçado a sua integridade física, usando expressões que lhe causaram medo, por a filha não ter um título de transporte válido”.
Acresce que no exame crítico da prova perante si produzida não está o Tribunal recorrido impedido de valorar um depoimento (o de II) em detrimento de uma declaração (a da arguida e ora recorrente) sendo que o depoimento de II se afigura credível não só com base no que o mesmo esclareceu, mas também porque o que esclareceu é consentâneo com a sua atuação quer no interior do autocarro quer posteriormente ao solicitar o auxílio do arguido BB quer, ainda, no telefonema que fez para o 112 (e que está documentado em CD) em que expressa e claramente descreve a expressão que a arguida e ora recorrente lhe dirigiu, assim, tornando evidente a origem do seu medo e o motivo de intervenção de BB.
Aliás, a versão que a arguida pretende impor com a reversão para provados dos factos dados como não provados w), x), y) e z) não faz sentido e não é verosímil se considerarmos que a própria admite nas suas declarações que quando chegou à sua paragem o motorista (II) nem sequer queria abrir a porta do autocarro, ou seja, deixá-la sair.
Por outro lado, as testemunhas EE e GG que se faziam transportar no mesmo autocarro relatam que anteriormente aquele se tinha insurgido relativamente a outra passageira (...) em idêntica situação à da arguida e que acabou por sair na paragem seguinte à sua entrada no autocarro, não sendo, assim, crível que perante a arguida o motorista II fosse complacente nos termos que a mesma alega.
Refira-se que tais factos dados como não provados são, em bom rigor, penalmente irrelevantes para aferir da legalidade de intervenção do arguido BB e da transmissão a este da ocorrência de factos integradores de um crime e, em face de todo o exposto, inexiste qualquer fundamento para divergir da convicção do tribunal recorrido quanto a tais factos provados e não provados, pelo que se mantêm incólumes os factos provados 50º e 51º e os factos não provados w), x), y) e z) da decisão recorrida.
Prossegue a recorrente com a invocação de erro (vide conclusões 25 a 58) na seleção dos factos provados 2º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º ebb) e cc) não provados.
O facto provado 2º tem o seguinte teor: “Ao sair do carro, ouviu uma mulher a gritar, estando um autocarro parado junto à paragem”.
Resulta do facto provado 1º não impugnado que No dia 19 de Janeiro de 2020, pelas 20h30, o arguido/assistente BB, agente principal da PSP, encontrava-se fora do seu horário de serviço, acompanhado por um amigo, RR, que lhe tinha dado boleia por causa da uma avaria do veículo automóvel e, ao passar pela Rua ..., junto a um café, nas imediações do prédio com o número de polícia ...09, na ..., pediu-lhe para parar, para tomar café.
Insurge-se a recorrente quanto ao facto provado 2º por, no seu entender, inexistir prova que o arguido/assistente ouviu uma mulher a gritar.
Ora, assiste, neste caso, razão à recorrente porquanto o que decorre da conjugação das declarações prestadas pelo arguido BB com os depoimentos das testemunhas II (motorista que interpela aquele) e RR que acompanhava o referido arguido é que este só depois de ter sido interpelado por II é que se dirigiu à paragem para abordar a arguida AA.
Tal facto dado como provado na decisão recorrida não é sustentado por qualquer elemento de prova e, nessa medida, procede a impugnação da recorrente com a consequente inserção do facto provado 2º na matéria de facto não provada.
Impugna, também, a recorrente segmentos do facto provado 6º referentes à interpelação da recorrente que tem o seguinte teor: BB foi na direcção de AA, que se encontrava na zona da paragem de autocarro, e perguntou-lhe “É a senhora que anda a fazer distúrbios na camioneta a mandar agredir o motorista?”, “O que é que se passa?”, “Por que é que a senhora está a prometer uma surra ao motorista?”, ao que AA retorquiu que não tinha feito nada e que apenas estava a falar com um familiar através do telemóvel, que não podia estar a falar com ela naqueles termos, porque ele não se encontrava de serviço, e que não tinha feito nada que justificasse sequer a sua identificação.
Neste caso a invocação da recorrente carece de lógica, pois, a mesma não impugna a parte em que se refere que afirmou "não tinha feito nada" e que "apenas estava a falar com um familiar através do telemóvel" e que "não tinha feito nada que justificasse sequer a sua identificação, sendo que tais respostas não impugnadas apenas fazem sentido se a mesma tivesse sido interpelada pelo arguido e assistente BB nos termos indicados em tal facto.
Ademais dar-se como provado e, neste segmento a própria recorrente não impugna, que a mesma terá dito que estava a falar com um familiar através de telemóvel não é incompatível nem demanda a alteração do facto não provado bb) cujo teor é o seguinte: AA, que inicialmente vinha a falar ao telemóvel, nem percebeu muito bem e disse: “Diga?.
Com efeito, as respostas admitidas como dadas pela recorrente nos segmentos do facto provado 6º que a mesma não impugna é que contrariam a sua tese, motivo porque não se considera existir qualquer incorreção no vertido no referido facto não provado.
Acresce que tal seleção positiva e negativa de tais factos está em conformidade com o esclarecido pelo arguido BB e pela testemunha II em audiência de julgamento, sendo tais versões unânimes e sem hesitações e ademais corroboradas pelo depoimento da testemunha GG prestado perante magistrado de Ministério Público e que foi lido em audiência, com observância das regras processuais, como decorre da decisão recorrida e da respetiva ata de audiência.
Assim, carece de fundamento o alegado pela recorrente relativamente ao facto provado 6º provado e facto não provado bb) que, por isso, permanecem nos seus precisos termos.
Mais entende a recorrente que os factos provados 7º, 8º, 9º e 10º e facto não provado cc) foram, também, incorretamente selecionados nessa qualidade na decisão recorrida.
Os factos em causa têm o seguinte teor: 7º AA continuava aos gritos, afirmando “Eu faço o que quero e não sou obrigada a dar satisfações”. 8º Aquando do acima descrito no ponto 6.º, BB perguntou a AA o que se passou e disse-lhe que, por causa das ameaças que o motoristadisse que ela lhetinha feito no exercício das suas funções, teria que a identificar, a fim de participar a situação, para o que exibiu a sua carteira profissional. 9º AA afirmou "não tenho que falar consigo", "chamem a polícia", que ele que não estava de serviço e que ela não tinha feito nada. 10º Uma vez que AA não se mostrava colaborante e que existia um queixoso que desejava procedimento criminal, BB não permitiu que a mesma se ausentasse do local. cc) ao que BB lhe desferiu um safanão na mão arremessando o telemóvel para o chão, partindo-o;
Refere a recorrente que inexiste prova que tenha proferido a expressão contida no facto provado 7º, mormente nenhuma prova que tenha dito a palavra satisfações.
Mais alega quanto ao facto provado 8º que não resulta provado que BB tenha dito a AA que precisava de identificar a Recorrente "por causa das ameaças que o motorista disse que ela lhe tinha feito no exercício das suas funções. Além disso, não há qualquer evidência de que BB tenha dito a AA que teria de "participar" qualquer situação que, em concreto, nunca chegou a identificar ou que BB tenha exibido a sua carteira profissional quando abordou AA (ou noutro qualquer momento). E, também, quanto ao facto provado 9º que segue impugnada na parte em que AA terá afirmado "não tenho que falar consigo" e que "ele não estava de serviço", por não resultar nos autos qualquer depoimento nesse sentido.
Ainda, impugna a recorrente, quanto ao facto provado 10º o segmento: Uma vez que AA não se mostrava colaborante e que existia um queixoso que desejava procedimento criminal por inexistir prova de tal.
E no que se refere aofacto não provado cc) entende a recorrente que o mesmo deveria ter sido dado como provado porque existe prova, nos autos de que BB provocou a queda do telemóvel que AA usava para o chão, partindo-o.
Relativamente ao facto provado 7º o que se entende resultar incontestado da análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência é que a recorrente terá pelo menos afirmado/respondido a BB eu faço o que quero.
Com efeito, tal menção consta quer do teor do auto de notícia por detenção quer das declarações prestadas pelo arguido BB em audiência de julgamento e a mesma é consentânea com a atuação da recorrente de recusa e oposição àquele presenciada e descrita nos respetivos depoimentos pelas testemunhas EE, RR, GG e JJ.
Assim, considera-se que o referido facto provado 7º deve ser reduzido a AA continuava aos gritos, afirmando “Eu faço o que quero” e consequentemente considerado como não provado no demais.
No que se reporta ao facto provado 8º entende-se que não decorre de nenhuma declaração dos arguidos em causa ou depoimento, mormente, das testemunhas supra indicadas que se encontravam no local que BB tenha efetivamente exibido a sua carteira profissional.
Todavia, impõe-se salientar que a prova produzida evidencia plenamente o conhecimento de todos os presentes, incluindo da recorrente, relativamente à qualidade de agente da polícia de BB.
Com efeito, o mesmo encontrava-se fardado circunstância evidente para todos os presentes e que a própria recorrente não refuta.
Quanto aos factos provados 9º e 10º a recorrente aduz argumentos de alegado desconhecimento que um agente policial pode e deve estar de serviço em qualquer horário e adjetiva como hostil a atuação de BB na abordagem que lhe foi feita e, ainda, invoca que não é verdade que não se mostrava colaborante.
Não só tal hostilidade não transparece nas versões de EE e II como, curiosamente, a própria recorrente não impugna o segmento ”chamem a polícia” e não refuta que BB estava fardado. Por outro lado, do esclarecido por EE e II resulta que a mesma se recusou a identificar-se, não obstante tal lhe ter sido solicitado, por mais de uma vez, por BB.
Ademais, também, JJ referiu em audiência que o arguido BB se identificou perante a recorrente como agente policial.
O critério de normalidade e de boa fé do comum cidadão e de uma pessoa colaborante é, perante a abordagem de um agente policial que lhe solicita identificação, identificar-se e esclarecer os motivos da interpelação. Não é pedir que chamem a polícia e recusar-se a identificar-se.
Por outro lado, alguém que solicita a intervenção de um agente policial relatando ter sido ameaçado, ter receio pela sua integridade física e solicitando que identifique a pessoa autora de tais factos evidencia uma intenção de agir criminalmente relativamente a tal pessoa, mas não é obrigado a fazê-lo naquele momento ou sequer a fazê-lo ulteriormente. Uma coisa é uma verbalização que evidencia tal intenção outra a sua formalização.
No que respeita ao facto cc) dado como não provado impõe-se salientar que a versão da recorrente é contrariada pela versão de II e a valoração que é empreendida na decisão recorrida obedece ao princípio da livre apreciação da prova, que não se vislumbra, neste caso, ter sido de algum modo infringido pelo tribunal recorrido e pelo que é insindicável.
Assim, procede a impugnação neste segmento apenas no que respeita aos factos provados 7º e 8º e parcialmente nos termos sobreditos, eliminando-se do teor dos mesmos respetivamente, as menções “e não sou obrigada a dar satisfações” e “para o que exibiu a sua carteira profissional”.
Insurge-se, ainda, a recorrente (vide conclusões 59 a 170) relativamente aos factos provados 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 27º, 30º, 31º, 52º, 53º, 54º, 55º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º, 76º, 77º, 79º, 80º, 81º, 82º bem como relativamente aos factos não provados i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), hh), ii), jj), kk), mm), nn), oo), pp), qq), rr), ss), tt), uu), vv) e zz) por entender terem sido os mesmos incorretamente selecionados nesses termos na decisão recorrida.
Têm tais factos dados como provados na decisão recorrida o seguinte teor: 11º BB referiu que era polícia, que a partir daquele momento já se encontrava de serviço e que ela não sairia dali o que AA não acatou, tendo então BB tentado agarrá-la. 12ºDe imediato, AA começou a dar empurrões no peito de BB, dizendo que não se identificava. 13º Nesse momento, BB, praticante de artes marciais e conhecedor de técnicas policiais de imobilização de pessoas, a fim de a fazer parar, aproveitou o impacto de AA e, usando as mãos, agarrou-a e deu-lhe voz de detenção, tendo AA, ao tentar fugir, ido contra a paragem de autocarro, após o que ambos caíram ao chão, mas BB teve o cuidado de colocar o seu corpo por baixo de AA. 14º Então, BB foi pontapeado nas costas e, pelo que sentiu e como já lhe acontecera ser esfaqueado, levou a mão às costas para verificar se tinha sangue, após o que, para se afastar da multidão, tentou sentar AA no banco da paragem de autocarro. 15º Nessa tentativa, AA investiu com murros em BB, este desequilibrou-se, caíram ao chão, e AA começou a dar-lhe cotoveladas. 16º Porque foi necessário para a imobilizar, BB colocou o braço direito por baixo do braço direito de AA e agarrou este com o outro braço. 17ºNesse momento, AA mordeu diversas vezes no braço direito e na mão direita de BB, causando-lhe cortes, hematomas e arranhões. 19ºNessa altura, AA ficou com a cara no chão e, como tentava sair, feriu-se. 27º AA sabia que, ao actuar do modo acima descrito no ponto 17.º, molestava o corpo e a saúde de BB, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que pretendeu e alcançou. 30º AA sabia que BB era agente de autoridade e que estava no exercício das suas funções. 31ºAA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta punida por lei e conformou-se com tal resultado. 52ºDevido à resistência e às agressões de AA, foi muito difícil BB conseguir algemá-la, tendo sido por força da estatura e do peso de AA, e com a rotação do corpo da mesma, que, aquando do acima descrito no ponto 15.º, ambos caíram ao chão, ficando o corpo de BB por debaixo do dela e tendo então sido para que AA parasse de o morder que BB teve que segurar o cabelo dela, mas sem o arrancar. 53ºPara algemar AA, BB utilizou 2 pares de algemas, para ficarem mais largas, para não a magoar. 54ºQuando, na sequência do acima descrito no ponto 20.º, AA, BB, CC e DD chegaram à esquadra, BB, porque estava a sangrar do braço, saiu de imediato do veículo, entrou na esquadra e dirigiu-se ao andar de cima desta, não tendo mais contactado com AA. 55º Subsequentemente ao acima descrito no ponto 20.º, AA foi levada, em ambulância chamada por agente da PSP, ao Hospital ..., onde a própria recusou tratamento médico e de enfermagem, e que, na medida em que AA ainda assim o veio a permitir, lhe prestou os serviços médicos adequados até a própria pedir alta médica. 71º A distância do local onde AA foi detida até à Esquadra da PSP ... é de 2,7 km e não havia trânsito, pelo que a percorreram, no máximo, em 5 minutos; o caminho que percorreram foi o mais curto e directo possível. 72º É frequente o transporte para a esquadra de detidos em estado de grande nervosismo e exaltação, por vezes alcoolizados, por vezes em “ressaca”, quase sempre socialmente revoltados, desde logo com as próprias condições de vida, mas também com as instituições e, em especial, as forças de segurança, e assim percepcionaram CC e DD o comportamento de AA, que gritou, gemeu e insultou a PSP e os seus agentes durante toda curta a viagem, mas em nenhum momento presenciaram, ou lhes passou pela cabeça que pudesse ter ocorrido ou vir a ocorrer, alguma agressão ou qualquer insulto, impropério, expressão ou manifestação de desprezo ou ódio racial ou outra ofensa de BB a AA. 73ºCC olhou para a parte traseira da viatura algumas vezes e em nenhuma se apercebeu de qualquer sinal de conduta ilícita ou imprópria por parte de BB. 74º DD, conduzindo a velocidade superior à comum, prestou atenção sobretudo à estrada e ao trajecto, mas também nada viu de relevante e errado dentro da viatura, pelo retrovisor. 75º Em momento algum CC e DD ouviram AA queixar-se de ter sido ou estar a ser agredida e em momento algum ouviram BB a insultá-la. 76º O que lhes pareceu nesse curto trajecto é que BB a ignorou e ao que dizia. 77º CC e DD presenciaram a exaltação de AA, os seus lamentos, as suas expressões de revolta e desconfiança para com as forças policiais, mas relacionaram tudo com o que se passara na calçada e no alcatrão da via quando foi detida, até entrar no carro-patrulha. 79º Chegados a ... por volta das 21h18m, DD estacionou o carro em frente à porta da Esquadra, com o lado do condutor voltado para essa porta, BB saiu do carro e entrou na Esquadra, seguido por DD, e CC foi abrir a porta do carro-patrulha a AA, para a auxiliar a sair da viatura. 80º Quando a porta do carro foi aberta, AA colocou os pés fora da viatura, fez "peso morto" e caiu ao chão. 81º CC amparou-a, mas não conseguiu evitar-lhe totalmente a queda, acabando AA por ficar deitada no chão junto ao lado direito do carro-patrulha. 82º Ao verificar os seus sinais vitais e pálpebras, CC apercebeu-se de que AA tinha lesões na face e logo chamou o agente QQ, de sentinela à porta da esquadra, bombeiro voluntário melhor preparado para reagir naquelas circunstâncias e realizar as manobras de primeiros socorros aconselháveis, ajudou o agente QQ a colocar AA em posição lateral de segurança, contactou imediatamente, ou seja, pelas 21h19m25s, o 112 – Ocorrência ...80 na Cronologia desse serviço: - esclareceu que “precisava de uma ambulância para a ... Esquadra, na ..., ...”, e, questionado se era mesmo a esquadra ..., respondeu: “É, é mesmo a Esquadra ..., Praceta ...”, garantindo-lhe o agente do outro lado da linha que iria contactar imediatamente o INEM; - mas a passagem da chamada para o INEM não foi bem-sucedida, demorou muito tempo e acabou por cair; - pelo que para o mesmo fim efectuou nova chamada pelas 21h22m57s.
E, por seu turno, têm os factos dados como não provados na decisão recorrida e impugnados pela ora recorrente o seguinte teor: i) aquando do descrito no ponto 18.º dos factos provados, foi apenas com a mão direita que BB tentou algemar AA, enquanto que com a sua mão esquerda lhe puxava os cabelos, com bastante força, provocando-lhe o arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais, tendo então AA mordido BB para dele se libertar; j) no trajecto de cerca de 3 km entre a R. ... e a Esquadra ..., BB, aproveitando-se do facto de a mesma se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha disse-lhe “agora é que te vou mostrar, sua puta, sua preta do caralho, seu caralho, sua macaca”, enquanto lhe desferia vários socos na cara e, enquanto AA se tentava proteger, baixando a cara para não ser atingida, BB dizia-lhe “estás a baixar a cara, caralho” e “ainda por cima esta puta é rija”; k) à saída da viatura, junto à esquadra, BB desferiu um pontapé que atingiu AA na testa; l) DD e CC nada fizeram que impedisse a continuação da agressão por parte do seu colega, BB, nem procederam à elaboração de qualquer expediente, designadamente auto de notícia, relatando os factos que presenciaram e levando ao conhecimento da autoridade judiciária competente a prática de crime público que tinham presenciado; m) as lesões descritas no ponto 25.º dos factos provados foram consequência directa e necessária da actuação de BB; n) o arrancamento do cabelo referido no ponto 25.º dos factos provados resultou de traumatismo de natureza contundente; o) BB pretendeu molestar o corpo e a saúde de AA, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que alcançou; p) BB pretendeu dirigir as mencionadas expressões a AA, sabendo que ofendia a honra e consideração da mesma, o que alcançou; q) BB sabia que AA não podia ter sido detida, porquanto não tinha cometido crime nem havia suspeita de que o tivesse feito, que a sua detenção e condução para o interior da esquadra da PSP constituía um abuso de poder e a violação de deveres inerentes às suas funções e que, com a sua actuação, causava prejuízo a outras pessoas, o que quis e concretizou; r) BB deteve, prendeu, manteve presa ou detida AA sem qualquer fundamento legal, designadamente pela inexistência da prática de crime, o que sabia; s) DD e CC sabiam que a prática dos factos que presenciaram era crime e que violavam deveres inerentes às suas funções, com grave abuso de autoridade, estando obrigados a evitá-lo, bem sabendo serem essas suas condutas proibidas e punidas por lei; t) quanto aos factos provados com referência a AA, as condutas de BB eram proibidas e punidas por lei e a respectiva censurabilidade era agravada pela função profissional que exercia, o que o mesmo bem sabia; u) quanto aos factos não provados supra descritos, BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e ser a respectiva censurabilidade agravada pela função profissional que exercia; v) DD e CC agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e ser a respectiva censurabilidade agravada pela função profissional que exerciam; hh) em acto seguido, BB, com a aplicação de uma manobra designada por mata leão, deitou AA ao chão, ficando com o seu corpo em cima do dela; ii) BB sentou-se em cima de AA, na zona lombar, pressionando o corpo da mesma contra o chão, não só a imobilizando, como também a asfixiando e puxando-lhe os cabelos; jj) foi para evitar sufocar e para que o mesmo parasse de a magoar, o que não conseguiu, e vendo-se a perder as forças, que AA mordeu um braço de BB; kk) BB provocou dores intensas a AA, tendo-lhe arrancado madeixas de cabelo; mm) AA disse-lhe que não queria ir no carro com BB e aquele agente respondeu que não era preciso ir no mesmo carro, uma vez que estavam ali dois carros; nn) pouco depois de a viatura ter iniciado a marcha, BB começou a desferir murros no rosto de AA, ao mesmo tempo que lhe dizia, repetidamente, “Puta do caralho” “Preta do caralho” “Pretos ilegais de merda” “A preta é rija”, esta última expressão, segundo o próprio, por ter roçado com a mão na ponta dos dentes de AA e se ter magoado; oo) assim que começou a ser agredida, AA começou a gritar por socorro numa tentativa desesperada de que alguém que circulasse na rua a pudesse ouvir; pp) na sequência desse pedido desesperado de ajuda por parte de AA, os agentes da PSP fecharam os vidros do carro e colocaram música alta para que ninguém pudesse ouvir os gritos daquela, qq) até que AA deixou de gritar e já não tinha qualquer reacção ao continuar a ser esmurrada por BB; rr) até então, o agente que conduzia a viatura andou às voltas pelas ruas da ... para dar tempo a BB de satisfazer os seus instintos e esmurrar AA até lhe apetecer, o que só então deixou de fazer, nessa sequência se tendo dirigido para a referida esquadra; ss) ali chegados, BB puxou AA do carro para o chão e, estando a mesma caída no chão, na rua, BB não saciado ainda, desferiu-lhe um pontapé na testa; tt) nessa altura, em que AA não tinha já qualquer reacção e sangrava abundantemente da boca e nariz, um dos agentes disse “Ainda a matas” e “vira-a de lado”, no seguimento de AA se estar a engasgar com o seu próprio sangue; uu) então, um dos agentes, para perceber se AA ainda respirava, colocou-lhe a mão sobre o peito e disse: “ainda respira”; vv) acharam então por bem virar AA e, como não o conseguiram fazer com ela algemada, retiraram-lhe as algemas e deixaram-na permanecer caída no chão como se de um animal se tratasse; zz) as marcas que BB tinha nas mãos foram de murros que deu a AA dentro da viatura da PSP;
Para contrariar o vertido no facto provado 11º invoca a recorrente que não há evidência que quisesse sair do local, que os depoimentos de II são contraditórios e insuficientes e apela ao teor do depoimento da sua filha e testemunha HH
Porém, do teor deste último depoimento não resulta o pretendido, porquanto da versão de tal testemunha não decorre que a recorrente tenha ficado voluntariamente no local. Aliás, o que daí se retira é que também saíram; estavam ao pé do café “...”, a andar, para ir para casa; o polícia, BB, começou a agarrar a mãe por trás, no capuz;disse “a senhora venha comigo” carecendo, pois, de fundamento o invocado pela recorrente.
Ademais, alega a recorrente não existindo evidência bastante de que a Recorrente (1) representasse uma ameaça quando foi inicialmente abordada por BB (2) procurasse fugir do local durante o diálogo com BB nem (3) que havia cometido um crime contra o motorista que justificasse a sua identificação e detenção, têm de ser considerados provados os factos erradamente julgados não provados q) e r).
Ora, o que a recorrente leva a cabo é um raciocínio votado ao insucesso por não ter logrado infirmar as premissas por si invocadas.
No que respeita ao facto provado 12º invoca a recorrente que só o Arguido/Assistente BB menciona este facto e que não só a recorrente, mas todas as testemunhas presentes naquele momento (II, EE, FF, GG e HH) negam ter visto qualquer empurrão por parte de AA ao Agente BB.
Ao contrário do invocado pela recorrente não é, apenas o arguido e assistente BB que fez tal afirmação, impondo-se referir que mesmo que assim fosse não estava o tribunal recorrido impedido de valorar tal versão em detrimento das demais.
Contudo, também, a testemunha FF o confirmou como decorre da sua inquirição perante o Ministério Público cuja leitura foi feita em audiência em observância das regras processuais como decorre da decisão recorrida e se encontra lavrado em ata de audiência.
Acresce que também, neste conspecto, não se deteta que a motivação da decisão tenha infringido alguma regra processual de apreciação e valoração de prova.
Destarte, inexiste fundamento para divergir da apreciação e valoração do tribunal recorrido no que respeita aos factos provados 11º e 12º que se mantém nos seus precisos termos.
Todavia, existe fundamento para divergir da seleção factual empreendida na decisão recorrida em termos mais amplos do que até agora se detetou e alterou.
Com efeito, tal como anteriormente afirmado, vigora no nosso sistema o princípio da livre apreciação da prova, mas tal livre apreciação não se subsume a arbítrio e tem de sustentar-se num processo lógico-racional de que resultem objetivados, à luz das máximas, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o tribunal recorrido valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer.
Ora, a leitura da fundamentação da matéria de facto provada e não provada ínsita na decisão recorrida não evidencia sempre tal objetivação, mormente, por reporte às declarações dos arguidos e à prova testemunhal em que se sustenta quase exclusivamente o recurso da ora recorrente.
A decisão recorrida indica os meios probatórios produzidos e descreve o conteúdo do auto de notícia por detenção, auto de denúncia, dos conteúdos das declarações dos arguidos nos diversos momentos processuais em que foram recolhidas, dos depoimentos das testemunhas também por reporte aos distintos momentos processuais em que foram inquiridos com transcrição de gravações de conversações telefónicas mantidas por algumas das testemunhas e por um dos arguidos para o número 112 durante e depois dos factos (cfr. os depoimentos das testemunhas II e JJ e as declarações do arguido CC), da descrição dos vídeos disponíveis no processo, quer os que foram extraídos do telemóvel da testemunha FF no contexto descrito no aditamento de fls. 47, quer os que a arguida e ora recorrente fez juntar ao processo em 4 de Dezembro de 2023 e priorizou relativamente a determinados factos declarações de arguido ou depoimentos de testemunhas sem que se logre, sempre descortinar quais os motivos porque o fez à luz de critérios objetivos ou objetiváveis em que assenta nos termos sobreditos a livre apreciação da prova.
De facto e, se atentarmos na fundamentação da matéria de facto, verifica-se que o Tribunal escolheu como meios de prova credíveis, quanto ao que aconteceu à saída do autocarro n.º ...63, na Avenida ..., naquele dia 19 de Janeiro de 2020 entre os dois arguidos BB e AA, exclusivamente as declarações do arguido BB em detrimento das declarações da arguida AA e exclusivamente os depoimentos das testemunhas II, EE e RR, em detrimento dos testemunhas de GG, FF, KK e JJ sem que a fundamentação evidencie o porquê de tal opção.
Concretizando, a decisão recorrida defende que as declarações do arguido BB são totalmente credíveis, no que se refere à sua interação com a arguida AA, na paragem do autocarro do Bairro ..., na Avenida ..., ..., na ..., naquele dia 19 de Janeiro de 2020, cerca das 21 horas, apelidando a postura daquele quanto a tais factos como sendo «mais aberta, espontânea e coerente no que tange ao sucedido com a arguida» e apenas com «alterações que se revelaram insignificantes e que evidentemente decorrem do efeito do tempo e das diversas narrativas na memória», mas em relação à atuação do mesmo arguido com os ofendidos EE e FF, nesse mesmo dia, já classificou essa postura como «mais fechada, claramente comprometida e não franca», para utilizar o texto do próprio acórdão, a páginas 61 e 62 do mesmo.
Porém, tanto os factos protagonizados pelo arguido BB com a arguida AA, como aqueles que se referem ao modo como aquele arguido interagiu com as testemunhas FF e EE, aconteceram nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e estão interligados entre si, todos tendo a mesma origem.
Decorre do teor dos factos provados 22º a 24º da decisão recorrida que o arguido BB ordenou que o ofendido FF e o assistente/demandante EE fossem levados para a esquadra, algemados, sem que tivessem tido qualquer participação ou intervenção no desenrolar dos factos, nem contra eles foi elaborado qualquer auto de notícia, detenção ou denúncia; EE e FF foram algemados desde a Rua ... até à Esquadra .... Depois disto, no interior da esquadra, BB dirigiu-se a EE e desferiu-lhe um soco na cara e dirigiu-se a FF, dizendo - tu é que és o herói da rua, não é? E agora fala lá outra vez – e desferiu-lhe um soco que o atingiu no lado esquerdo da cara. FF baixou a cabeça para impedir outras agressões; ainda, assim, BB desferiu-lhe mais dois socos, que o atingiram na cabeça e um pontapé, que o atingiu nas mãos que aquele colocou à frente da cara para se proteger.
De acordo com os esclarecimentos prestados, tanto por EE, como por FF, o arguido BB só colocou termo às agressões porque outros agentes da PSP presentes na esquadra ao se aperceberem destes comportamentos, lhe solicitaram que parasse.
E, como resulta do facto provado 6º cuja impugnação não foi procedente como supra decidido, o arguido BB quando interpelou a arguida AA perguntou-lhe: É a senhora que anda a fazer distúrbios na camioneta a mandar agredir o motorista? O que é que se passa? Por que é que a senhora está a prometer uma surra ao motorista?
Ora, tal abordagem evidencia que o arguido BB assumiu como verdadeira a versão que lhe terá sido transmitida pela testemunha II (pessoa que lhe solicitou auxílio) e as expressões utilizadas traduzem imputação assertiva de factos sob a capa de um questionamento, ao invés de serem uma indagação dubitativa da atuação de AA.
Saliente-se que, tal como anteriormente referido, não se considera ter existido uma interpelação hostil (como entende a recorrente) por parte do arguido BB a AA, mas apenas uma abordagem de imputação assertiva e de tal interpelação e subsequente reação de AA resulta, como decorre quer dos relatos feitos também pelos arguidos BB e AA sobre os acontecimentos na paragem do autocarro junto ao nº ...09 da Av. ..., no dia 19 de janeiro de 2020, quer das imagens em vídeo recolhidas e constantes dos autos, um conflito e um confronto físico sendo visível nas mesmas, de modo impressivo, o arguido BB a tentar deter AA, esta a arredar com os seu braços as tentativas do arguido de a colocar voltada de costas contra o vidro traseiro da paragem do autocarro, manobras de imobilização semelhantes às do vulgarmente conhecido «mata leão», movimentações no chão, ora estando o arguido de costas no chão com a arguida também de costas para baixo em cima do corpo do arguido, ora estando este por cima da arguida e esta de lado ou de bruços no chão, agarrar de cabelos, mordeduras no braço e nas mãos. Diversos movimentos que evidenciam a tentativa de algemagem e de imobilização de AA por parte de BB e de resistência e oposição à detenção assumidas por esta, que acabaram apenas com a chegada ao local de vários agentes da PSP que acabaram por consumar a detenção com um segundo par de algemas.
Independentemente de tal confronto que se seguiu à abordagem e conversa iniciais ter sido desencadeado e exponenciado por reações de recíproca oposição da arguida AA à pretensão do arguido BB de a identificar e depois deter e do arguido BB à da arguida de que não tinha feito nada e de não se querer identificar nem ser detida, a verdade é que, naquele clima de gritos, confrontos físicos, tentativas de algemagem, manobras de imobilização, queda ou quedas no chão envolvendo os dois arguidos, com várias pessoas por perto, umas a opinar sobre o comportamento do arguido, outras a apelar à calma, é patente em tais registos de imagens recolhidos no local o enorme nervosismo e a grande exaltação de ambos os arguidos, gritando ambos, vociferando o arguido, designadamente, «morde, morde, morde»,«não resista»,«não conhecem as leis», «cidadão afaste-se», «levas um balázio» e vociferando a arguida, designadamente, «está a tirar-me um olho», «chamem a polícia», ou «eu não fiz nada», ao mesmo tempo que ele tentava detê-la e a agarrava e ela se mexia para o evitar, estando ambos no chão.
E, se o arguido BB, como descrito em 22º a 24º dos factos provados, adotou um comportamento tão violento e tão abusivo em relação a duas pessoas com as quais nenhuma interação relevante havia tido antes, desferindo-lhes socos na cara, já depois de estar concretizada a detenção da arguida AA e quando já todos se encontravam na Esquadra ..., portanto, em circunstâncias de tempo e de lugar em que seria razoável esperar e até seria exigível uma maior acalmia de ânimos e autocontrole e tal não aconteceu, como é possível concluir que o arguido BB atuou sempre de modo correto e penalmente irrelevante relativamente à recorrente AA quando foi, justamente, com esta arguida que o arguido BB esteve durante vários minutos consecutivos envolvido em confronto físico e num clima de grande tensão e conflito.
À luz de um critério de mera probabilidade estatística e de senso comum, mais motivos teria o arguido BB para tirar desforço da arguida AA do que de EE e FF e, no entanto, a decisão recorrida não questiona a atuação do arguido BB para com estes não se entendendo, pois, porque se atribui maior coerência e credibilidade à versão de tal arguido no que se refere aos acontecimentos que o envolveram com a referida arguida.
Ora, tal cisão de credibilidade empreendida na decisão recorrida relativamente ao arguido BB não tem respaldo integral na prova produzida e a coerência e credibilidade que é atribuída às suas declarações, também, não merece a amplitude que lhe foi conferida.
Senão vejamos:
O arguido BB começou por declarar nas sessões do julgamento realizadas, nos dias 8 e 15 de novembro de 2023, que nunca arrancou cabelos à arguida AA, porque nunca lhe puxou nem agarrou o cabelo, mas tais afirmações contendem com o que se pode visionar nos vídeos disponíveis no processo, particularmente, no segundo vídeo junto pela arguida AA, no dia 4 de Dezembro de 2023, que foi feito pela testemunha KK (referência Citius 24583692).
Além disso, quando interrogado em 6 de março de 2020, pelo Magistrado do Ministério Público e tal como consta do auto de interrogatório de fls. fls. 296 a 300 e está reproduzido a páginas 54 a 57 do acórdão recorrido, BB não só reconheceu que «agarrou no cabelo da AA com a sua mão esquerda», como acrescentou que o fez «com o objectivo de impedir que ela se auto-infligisse, impedindo-a de aplicar a si própria ferimentos, e com a mão direita dava ordens às pessoas para se afastarem (…)».
Contudo, na contestação à pronúncia e aos pedidos cíveis contra si deduzidos, o mesmo arguido alegou, no artigo 80º que «a Arguida mordeu o braço e mão do Arguido, pelo que este teve que segurar o cabelo daquela para a afastar a agressão, mas sem arrancar quaisquer cabelos» (cfr. contestação apresentada em 15 de Junho de 2023, referência Citius 23566272), tendo sido considerado provado no facto provado 52º, esta última versão, ou seja, que foi para «que AA parasse de o morder que BB teve que segurar o cabelo dela, mas sem o arrancar», embora o arguido tenha, sempre, negado na audiência de julgamento, alguma vez ter agarrado os cabelos da arguida AA e quanto à circunstância de tal ter acontecido para que a arguida parasse de morder os braços e as mãos do arguido BB nenhuma das testemunhas aí inquiridas o ter referido.
O mesmo se diga no que concerne à impropriamente denominada manobra de mata leão que as testemunhas JJ, GG, KK e FF referiram que o arguido BB realizou para manietar a arguida AA.
O arguido BB negou sempre ter realizado uma manobra de mata leão, explicando, no interrogatório a que foi sujeito perante Magistrado do Mº. Pº. durante o inquérito, em 6 de Março de 2020, que «aquilo que fez tecnicamente é designado como manobra de restrição de movimentos, que consiste em colocar o braço direito por baixo da axila e com o braço esquerdo cruzar as suas mãos para impedir o movimento das mãos da pessoa que está assim de modo a impedir qualquer agressão da parte da pessoa visada ou retirar qualquer objecto que possibilite uma agressão. Nesta altura teve a noção que tinha de dominar a situação e recorreu a técnicas policiais para a derrubar e tentar imobilizar, o que não conseguiu …» (auto de interrogatório de 6 de março de 2020 de fls. 296 a 300).
E, na audiência de discussão e julgamento, manteve esta versão, a qual de resto, veio a ser repercutida na matéria de facto provada, em geral nos factos 13º a 18º, mas especialmente nos factos provados 13º e 16º.
A primeira constatação a fazer, a partir da simples análise do texto do acórdão, é que a descrição contida nos factos provados 13º a 17º padece de erro notório na apreciação da prova. E a segunda constatação, também, apenas com base na referida análise da decisão recorrida, é a da existência de uma evidente contradição entre, por um lado, os factos provados 13º, 16º e 19º e, por outro, as lesões descritas no facto provado 25º.
De facto, a sequência cronológica dos factos descritos em 13º e 14º da matéria de facto provada contraria frontalmente as leis da física.
Com efeito, jamais seria possível que, estando o arguido BB deitado no chão e de costas viradas para baixo e estando, a arguida AA, também, deitada de costas e, por cima dele, nesse momento, o mesmo arguido tenha sido pontapeado nas costas, tal como resulta da conjugação entre a parte final do facto provado 13º «após o que ambos caíram ao chão, mas BB teve o cuidado de colocar o seu corpo por baixo de AA» e a parte inicial do facto provado 14º, «então, BB foi pontapeado nas costas e, pelo que sentiu e como já lhe acontecera ser esfaqueado ….»;
Do mesmo modo, parece incompatível com as leis da física, que o arguido BB tenha tentado sentar a arguida AA no banco da paragem do autocarro, segundo a descrição contida na parte final do facto provado 14º e que, nesse processo, a arguida tenha desferido cotoveladas e murros nos termos descritos em 15º da matéria de facto provada.
Se estavam os dois no chão, a arguida AA de barriga para cima e em cima do corpo do arguido BB e agarrada segundo as «técnicas policiais de imobilização de pessoas» a que alude o facto provado 13º, na sequência de cujo uso, ambos caíram, para a arguida poder desferir murros e cotoveladas no corpo do arguido ou teriam de estar em posições relativas diversas no chão ou teriam de estar de pé. Contudo nem uma, nem outra circunstâncias são, sequer, mencionadas nos factos provados 13º a 15º, embora, o facto provado 15º refira que caíram ambos ao chão, parecendo referir-se a uma segunda queda, em relação à que se encontra mencionada no facto provado 13º (de resto, o próprio arguido BB referiu no julgamento que houve duas quedas).
Mais flagrantemente impossível é a arguida AA ter conseguido morder o braço direito e a mão direita do arguido BB, nas circunstâncias descritas em 16º, 17º e 52º da matéria de facto provada.
Isto, porque, se estavam os dois caídos no chão, a arguida AA por cima e o arguido BB por baixo, mas estando ambos de barriga para cima com o arguido a manietar os braços da arguida, colocando os seu braços ao nível do peito dela, a arguida AA teria de ter uma mobilidade extraordinária ou um comprimento de pescoço muito superior ao que a anatomia humana consente, para conseguir morder o braço e a mão direitos do arguido BB.
Ora, se a arguida AA estava manietada pelos braços e ao nível do peito, segundo a descrição contida no facto provado 16º, jamais conseguiria elevar e esticar o seu pescoço ao nível do seu peito, a ponto de conseguir morder o braço e a mão direita do arguido BB.
No entanto, nenhuma dúvida oferecem as fotografias de fls. 9, a documentação clínica junta pelo Hospital ... (cfr. fls. 170) de fls. 176 a 179, respeitante ao utente BB, contendo o diário clínico do episódio de urgência com início às 22h24 de 19.01.2020 e fim à 01h06 de 20.01.2020, bem assim o relatório de avaliação do dano de fls. 267 e seguintes e, ainda, as declarações, tanto do arguido BB, como da arguida AA, unânimes, neste aspeto, de que esta mordeu o braço e a mão direitos daquele.
A questão é que, segundo regras de experiência, de lógica e as leis da física, tais lesões não podem ter sido causadas pela forma descrita naqueles factos provados 16º e 17º.
E de resto, as testemunhas JJ, GG, KK e FF, que foram as únicas testemunhas que relataram tais circunstâncias a propósito da alusão que fizeram a «mata leão», explicaram que o que o arguido BB fez, foi agarrar a arguida AA pelo pescoço colocando-lhe o braço à volta do mesmo e apertando-o, tendo sido, na sequência da resistência da arguida que ambos acabaram por cair.
E isto é o que se vê das imagens em vídeo disponíveis no processo, especialmente no filme feito pela testemunha FF com 33517 KB, com a duração de 4 minutos e 1 segundo (vídeos gravados no DVD junto na contracapa do volume I extraídos do telemóvel da testemunha FF, a que se refere o aditamento de fls. 47, datado de 21.01.2020), anotando-se que o excerto em que a páginas 63 do acórdão recorrido se descreve que «BB agarra-a, colocando os dois braços do mesmo a envolver a parte superior do tronco de AA, puxa-a e, em desequilíbrio (…)», o que se vê na imagem, é precisamente uma manobra de neutralização dos movimentos da arguida, pela forma descrita pelas testemunhas identificadas, ou seja, o arguido a colocar o seu braço, estando por trás da arguida, à volta do pescoço desta e a agarrá-la e a puxá-la, ambos se desequilibrando e caindo no perímetro da paragem do autocarro.
Da postura do arguido BB quanto aos factos provados descritos em 22º a 24º, que se referem à detenção ilegal e abusiva das testemunhas EE e FF, conduzidas à Esquadra ..., ilegalmente algemadas e às agressões físicas que lhes foram desferidas pelo arguido BB, no interior da Esquadra ..., o que pode dizer-se, desde logo, é que o arguido negou tê-los praticado, contra as evidências da prova testemunhal produzida.
Na gravação das suas declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento, nas sessões de 8 e 15 de Novembro de 2023, o arguido foi perentório no sentido de que não foi ele quem determinou a detenção das referidas duas testemunhas, não tendo tido qualquer contacto ou intervenção com qualquer delas, não deixando, porém, de dizer, também, que ambos estavam a querer impedi-lo de exercer a sua ação policial junto da arguida AA, sem que tenha, no entanto, conseguido concretizar em que possa ter consistido essa obstaculização, para além das circunstâncias de FF ter filmado o que viu os arguidos BB e AA fazerem e dizerem um ao outro, naquele dia 19 de Janeiro de 2020, na paragem do autocarro do Bairro ... e de EE ter comentado que o arguido BB estava a fazer mal à arguida AA.
Curiosa foi, igualmente, a alusão de que FF e EE foram conduzidos à Esquadra ... porque «queriam ser testemunhas da PSP», sensivelmente aos minutos 31/32 das declarações que prestou na sessão da audiência de dia 8 de novembro de 2023, acrescentando depois, «não sei se seriam para ser a favor ou contra a polícia». Ora, se era para serem testemunhas, bastaria terem sido identificadas no local, mas a verdade é que foram ilegalmente detidas, conduzidas algemadas à Esquadra ... e agredidas fisicamente.
Do mesmo modo, a afirmação feita pelo arguido de que a determinada altura a arguida começou a queixar-se de que tinha dores numa perna e que ele, arguido, lhe disse para ela se sentar no banco da paragem do autocarro, a ponto de a Sra. Juiz Presidente lhe ter perguntado «E o senhor disse-lhe isso com essa calma toda?», também não é minimamente credível, face ao contexto de animosidade crescente em que os arguidos interagiram um com o outro, no referido local e naquelas circunstâncias como já anteriormente descrito.
Por isso, não se afigura que possa fazer-se qualquer distinção entre maior sinceridade das declarações do arguido quanto aos factos envolvendo a arguida AA por um lado e menor sinceridade dessas declarações quanto aos factos em que foram intervenientes as testemunhas FF e EE por outro.
Também em relação à arguida AA e, bem assim, aos arguidos DD e CC, depois da audição da gravação da prova produzida em audiência e da leitura das declarações reproduzidas em audiência de discussão e julgamento e transcritas a páginas 51 a 61 do acórdão recorrido, não merece concordância a apreciação de que a arguida AA assumiu uma postura que «alternou entre a impaciência/agitação e o mais apagado, com um discurso claramente preparado e revelador das incoerências dos seus relatos e destes com o correspondente estado anímico», muito menos, que os arguidos CC e DD tenham prestado as suas declarações «de modo simples, franco e espontâneo, coerente com … memória que no essencial mantêm dos factos».
Na gravação do julgamento não se ouve impaciência alguma da arguida, antes as tentativas de corresponder, com humildade e simplicidade, às expectativas do Tribunal quanto a uma determinada etiqueta de comunicação.
É certo que a arguida AA não revelou sinceridade em vários aspetos factuais importantes, como o de que o arguido BB nunca lhe pediu que se identificasse e que nunca a deixou falar, ordenando-lhe que se calasse e tendo-lhe desferido um murro ou safanão no telemóvel que tinha na altura na mão.
E, pese embora, a linguagem usada nos termos descritos no facto provado 6º revele claramente que o arguido BB assumiu logo como verdadeira a versão dos factos que lhe foi relatada pela testemunha II, a verdade é que a arguida AA ficou ciente do motivo da abordagem do arguido BB, contrariamente ao que declarou em audiência de julgamento uma e outra vez que o arguido BB nunca lhe pediu a identificação e teria tido uma alternativa bem mais razoável e própria do comum cidadão, como já afirmado neste acórdão, que era a de se ter identificado perante o agente da PSP, tal como lhe havia sido determinado por este.
Resultou inequívoco dos depoimentos das testemunhas EE, II, JJ, GG e RR, unânimes neste aspeto e prestados de forma coerente e consistente, já que estando presentes no local, ouviram o arguido BB solicitar à arguida um documento de identificação. E no caso das testemunhas II e RR, ouviram esta solicitação várias vezes e, também, ouviram as recusas da arguida AA em fazê-lo com os argumentos de que não tinha ameaçado o motorista, não tinha feito nada e de que o arguido BB não estava de serviço. Por outro lado, também, das declarações deste último, segundo as quais, começou por se identificar como agente da PSP, deu a conhecer à arguida o motivo pelo qual queria proceder à sua identificação.
Anota-se que a testemunha JJ, inclusivamente, ouviu o arguido BB apelar à arguida AA que tivesse calma quando esta começou a gritar a colocar em causa a atuação de BB como agente da PSP.
Destarte, não havia nada, à partida, que justificasse o comportamento de AA de oposição e resistência à intervenção policial de BB.
E no que se refere às tentativas do arguido BB de lhe tirar um olho que a arguida AA repetiu nas declarações que prestou em audiência de discussão e julgamento, se é certo que se vê e ouve esta gritar no vídeo ficheiro com 10188 KB, vídeo com a duração de 42 segundos (gravado no DVD junto na contracapa do volume I extraído do telemóvel da testemunha FF, a que se refere o aditamento de fls. 47, datado de 21.01.2020), o que igualmente se vê, no mesmo vídeo, tal como descrito nas páginas 65 e 66 do acórdão recorrido, é que nos dois momentos em que a arguida grita «ele quer furar-me um olho», o arguido nem sequer tem as mãos perto da cara da mesma arguida.
De resto, as testemunhas inquiridas que assistiram aos factos na paragem do autocarro, envolvendo os dois arguidos BB e AA, foram unânimes em explicar que enquanto estes estiveram envolvidos no chão e mesmo antes, nos momentos que antecederam a queda de ambos, aquele nunca bateu nesta, na cara ou em qualquer outra parte do corpo (cfr. II, JJ, EE, no depoimento prestado em audiência, GG, KK).
A falta de sinceridade detetada quer nas declarações do arguido BB quer nas declarações de AA relativamente a certos aspetos não significa que noutros as mesmas não mereçam ser credibilizadas quer por serem consonantes entre si, quer porque resultam corroboradas pelos relatos das testemunhas que depuseram com conhecimento direto dos factos, de forma firme e, na medida do que a sua memória lhes permitiu, detalhadamente, neles não se detetando nada que comprometa a asserção de que esclareceram o que realmente viram, no que se refere aos acontecimentos na paragem do autocarro do Bairro ..., ainda, conjugados com os vídeos gravados no DVD junto na contracapa do volume I extraídos do telemóvel da testemunha FF, a que se refere o aditamento de fls. 47, datado de 21.01.2020 e os vídeos juntos pela assistente/arguida AA sob a referência Citius 24583692, em 04.12.2023.
E tendo em conta o teor de tal prova importa determinar qual a origem das lesões sofridas pela arguida AA, mormente, as na sua cara como ilustram as fotografias de fls. 243 a 257 e que o arguido BB declarou decorrerem das tentativas de algemagem e das quedas da arguida no decurso da mesma e que a decisão recorrida explica no facto provado 19º que tem o seguinte teor: Nessa altura, AA ficou com a cara no chão e, como tentava sair, feriu-se.
Ora, como anteriormente afirmado, existe evidente contradição entre, por um lado, os factos provados 13º, 16º e 19º e, por outro, as lesões descritas no facto provado 25º.
Com efeito, e, em primeiro lugar, o ter ficado com a cara no chão e ao tentar sair ter-se ferido não explica, nem pode ter estado na origem de boa parte das lesões sofridas pela arguida AA e descritas no facto provado 25º, à luz de conhecimentos básicos de medicina, comuns à generalidade dos cidadãos, designadamente, as sofridas no crânio, arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais; na face, quanto ao hematoma periorbitário prolongado até à região malar, bilateralmente, com edema acentuado subjacente, hemorragia subconjuntival dos quadrantes laterais bilateralmente, nem as sofridas no pescoço, que apresentava uma equimose fortemente arroxeada em todas as faces do pescoço, dolorosa à palpação.
A única ferida abrasiva que a arguida sofreu do que se vê nas fotografias de fls. 247 a 253 e resulta dos documentos clínicos e do relatório pericial de avaliação do dano de fls. 231 a 233, que pode ser compatibilizada com ter andado com a cara a rojar pelo chão é a do nariz. Porém nem sequer se provou que a cara da arguida tenha batido no chão, tão-pouco, que tenha sido arrastada pelo chão, sendo, aliás, o próprio arguido BB que atribuiu a origem de todas as feridas na cara da arguida às quedas da mesma no chão que, na sua versão, terão sido duas, mas que, segundo essa mesma versão, apenas numa delas, a arguida terá ficado de bruços para o chão, já que na primeira ele teve «o cuidado de se colocar por baixo do corpo da arguida» e, bem assim, à algemagem, mas acrescentando que se limitou a exercer um ponto de pressão com o seu polegar na face da arguida, entre os maxilares, o que nem sequer corresponde ao que pode visionar-se no vídeo 20200120-WA0002 que foi gravado no CD junto na contracapa do Volume I deste processo e extraído do telemóvel da testemunha FF.
Neste vídeo, que contém a filmagem do momento da algemagem, pode constatar-se que a arguida está deitada no chão de costas com a cara voltada para cima e para o arguido que está sentado em cima dela a agarrar-lhe os pulsos.
Mesmo que alguma vez, em algum outro momento, o arguido tenha exercido o tal ponto de pressão na cara da arguida contra o chão, nem assim, se consegue perceber como surgiu uma ferida de tão largo espectro e tão profunda no nariz.
No mais, todas as testemunhas que estavam no local e presenciaram os factos foram unânimes na afirmação de que o arguido nunca bateu na arguida enquanto tentava detê-la, apenas a agarrando pelos braços ou fazendo pressão sobre o corpo da mesma, ao nível do tronco com as pernas ou com um joelho, havendo um depoimento que refere que o arguido colocou, mais de uma vez, um dos seus joelhos sobre a cabeça da arguida, quando ambos estavam no chão.
Todavia, a maioria dessas testemunhas, também, esclareceram que quando foi conduzida do chão da paragem do autocarro para a viatura policial a fim de ser levada para a Esquadra ..., AA não tinha qualquer marca na cara (por exemplo, EE, GG, FF e KK).
E isso mesmo, também, pode ser verificado e confirmado através do visionamento do vídeo de 41 segundos junto pela arguida AA em 4 de dezembro de 2023, no qual, é possível, durante alguns segundos e com grande nitidez visionar a cara da arguida sem qualquer marca de agressão ou de lesão ou de ter raspado no asfalto, na calçada que reveste o passeio ou no lancil do mesmo.
Destarte, a grande questão é, pois, saber, como e por quem, foram causadas as lesões sofridas na cara pela arguida AA e descritas no facto provado 25º.
A única pessoa a quem foi colocada a questão de saber como é que a cara da arguida apareceu no estado visível nas fotografias de fls. 247 a 253, foi ao arguido BB, sendo que este explicou que aquelas lesões só podem ter resultado das quedas da arguida e da algemagem ocorrida enquanto ambos estiveram na paragem do autocarro, designadamente, da ação do arguido a tentar detê-la e a manietar e dos movimentos da arguida AA a tentar libertar-se do mesmo arguido.
No que concerne às quedas, mesmo que tivessem sido duas, como descrito nos factos provados 13º a 15º no acórdão recorrido, cumpre sublinhar que a existência de duas quedas só foi mencionada pelo arguido BB, sendo certo que da análise conjugada dos depoimentos das testemunhas presentes no local – RR, II, GG, EE, JJ, FF e KK - e dos vídeos juntos pela arguida AA em 4.12.2023 e dos que estão insertos no CD junto à contracapa do volume I do processo, resulta que a partir do momento em que se desequilibraram, em resultado do ato do arguido BB ter agarrado a ofendida por trás com o braço direito e pelo pescoço tendo ambos caído, nunca mais lograram sair do chão, durante os minutos, entre 5 e 10, em que andaram envolvidos naquele confronto físico (por exemplo, II e GG), até o arguido ter conseguido colocar um par de algemas num dos pulsos da arguida, segundos antes da chegada de outros agentes da PSP que consumaram a detenção e conduziram a arguida à Esquadra ....
Tal como resulta da audição da prova produzida em audiência e está, também, exarado na descrição feita no acórdão recorrido do conteúdo dos depoimentos prestados, no inquérito e no julgamento, pelas testemunhas que estavam presentes na paragem do autocarro, nenhuma das pessoas que se aproximou em algum momento do arguido e da arguida, enquanto estes se encontravam em confronto físico, no chão, agrediu algum deles.
Do mesmo modo, todos foram unânimes na afirmação de que o arguido BB nunca bateu na arguida, durante os acontecimentos na paragem do autocarro e isso é, também, o que se vê nas imagens em vídeo disponíveis no processo.
A esmagadora maioria destas testemunhas referiu que apesar de a arguida ter, em alguns momentos, ficado de bruços e com a cara voltada para baixo, nunca embateu com a cara no chão.
O próprio arguido BB quando descreveu toda a sequência factual relacionada com a abordagem à arguida AA, primeiro para a identificar e perante a sua recusa, para a deter, referiu que se limitou a usar um ponto de pressão, num único momento, com o dedo polegar da sua mão esquerda na maçã do rosto da arguida, contra o chão, tendo em vista algemá-la, o que, além de não corresponder com o que se vê no vídeo 20200120-WA0002 (constante do DVD junto à contracapa do volume I, extraído do telemóvel da testemunha FF, a que se refere o aditamento de fls. 47, datado de 21.01.2020, como já se referiu) jamais seria eficaz seja à luz das leis da física, seja dos conhecimentos elementares da medicina para produzir lesões com a gravidade fotografada a fls. 247 a 253 e documentada nos elementos clínicos de fls. 171 a 175 e no relatório pericial de avaliação de dano corporal de fls. 231 a 233 dos autos.
No tocante às quedas, também, é preciso ter em consideração que, em muitos momentos, a arguida não esteve com a cara no chão e, em face da dinâmica que o confronto físico com o arguido assumiu, em que tanto o arguido BB como a arguida AA se agarravam pelos braços e pelos pulsos, ora de costas ora de barriga para baixo, seria tão provável para um como para outro bater com a cara, por exemplo, no lancil do passeio. No entanto a verdade é que também o arguido não tinha qualquer marca de lesão na cara.
Acrescem as declarações prestadas pelo arguido CC na audiência de discussão e julgamento, segundo as quais era impossível que as lesões descritas no facto provado 25º tivessem sido causadas pela queda da arguida AA à saída da viatura policial quando chegaram à Esquadra ... porque foi ele próprio quem a tirou do veículo e amparou na queda, inclusive, segurando-lhe a cabeça.
Segundo II (cfr. súmula de páginas 69 e 70 e de páginas 76 e 77 do acórdão recorrido), o agente teve que agarrar a senhora para ela não se ir embora; pensa que a agarrou nos braços; a senhora tentava soltar-se do agente; não estava calada, dizia «largue-me»; ninguém se aproximou deles, ninguém lhes tocou; não viu agressão de parte a parte; AA e BB acabaram por cair para o chão, ele a tentar detê-la e ela a mexer-se para o evitar; o agente e a senhora estiveram agarrados no chão; mais ninguém tocou neles; em face das fotografias de fls. 250 a 253, referiu que não viu a arguida AA assim; nunca viu o agente junto daquela paragem dar murros ou pontapés à senhora, apenas queria dominá-la, o que sucedeu, mas com muita dificuldade. À pergunta se viu a senhora bater com a cara no chão, respondeu que andaram enrolados, ora a senhora com a cara no chão ora com a cara para cima.
Por seu turno, EE (cfr. páginas 78 a 83 do acórdão recorrido ) estava a 3 metros de AA e de BB, conseguiu ver o que se passava; não viu BB bater em AA, se o fez foi noutro local; ela estava com a cara normal; não tinha o olho como se vê de fls. 249 a 253; BB não fez a AA mais do que o necessário para a algemar, «era só para deter», «puxar o cabelo não foi bater, foi agarrar».
RR (cfr. páginas 84 a 87 do acórdão recorrido) referiu que AA estava magoada, porque estava com a cara para o chão e pelos movimentos que ela fez, pensa que tem que se ter magoado naquele contexto, mas não lhe viu a cara.
NN (cfr. páginas 90 e 91 do acórdão recorrido) bombeira que socorreu a arguida na entrada da Esquadra ... no dia 19 de Janeiro de 2020 que, em face das fotografias de fls. 247 a 252, referiu que viu AA com as feridas que aí se veem e que eram feridas de embate, embora não saiba o que as provocou em concreto.
QQ, é agente da PSP (cfr. páginas 91 e 92) e estava de sentinela, na Esquadra ... naquele dia 19 de Janeiro de 2020, sendo, também, bombeiro verificou que AA tinha sinais vitais, colocou-a em posição lateral de segurança; CC ligou ao 112; não ouviu o que ele disse ao 112; foram buscar um cobertor à esquadra e cobriram a senhora; AA não estava colaborante: apesar de pestanejar, não respondia; o 112 demorou 10/15 minutos a chegar;
GG (cfr. páginas 96 a 100 do acórdão recorrido) esclareceu que quando entrou no carro da polícia, a tia, ainda, tinha a peruca colocada e não tinha sinais de espancamento; enquanto esteve no chão, a tia estava com a barriga para baixo, com a cara no chão; quando se levantou o rosto estava normal e à pergunta se na altura em que foi conduzida à Esquadra ..., a tia apresentava hematomas na cara, respondeu que não e à pergunta se a tia naquela ocasião apresentava sangue ou arranhões nalguma parte do corpo, respondeu que não.
JJ (cfr. páginas 113 a 117 do acórdão recorrido), afirmou que BB nunca tocou na cara de AA, que BB em momento algum empurrou a cabeça de AA contra o chão; a cara dela ficava encostada ao chão quando ele a tentava imobilizar, nenhum dos presentes ameaçou ou bateu no agente, nem este bateu na senhora, apenas a imobilizou, agarrando os cabelos e fazendo o mata-leão; não tem noção de que a senhora tenha batido com a cara no passeio ou no chão; a senhora debatia-se sempre quando se sentia manietada pelo agente, quando este fez o mata-leão, ela caiu de costas, mas voltou a virá-la no chão; nunca a viu a bater com a cara no chão, mas viu-a a morder no agente.
O ficheiro de vídeo junto pela arguida AA, no dia 4.12.2023, com a duração de 41 segundos e com a referência Citius 24583692, em que se vê claramente a cara da arguida, é possível verificar que a mesma, ainda, não apresenta qualquer lesão na cara.
Nesse vídeo, a mesma encontra-se deitada de lado, no chão, estando o arguido sentado por cima dela, a segurar-lhe, num primeiro momento, os cabelos e levantando-lhe a cabeça, por isso é que se consegue ver com nitidez a cara da arguida e se consegue perceber que a mesma não tem lesão alguma.
Recorrendo às fitas do tempo (cfr. documentação junta de fls. 129 a 132, encontradas nos registos do sistema 112 respeitantes à ocorrência de 19.01.2020 e com o CD com os respetivos registos áudio das chamadas atendidas naquele serviço, identificadas pelo número chamador e grupo data/hora de cada uma, quanto à intervenção do 112) e às transcrições das gravações das chamadas telefónicas, feitas:
Pela testemunha II para o 112 do local da referida paragem de autocarro, gravada no CD junto na contracapa do volume I (no envelope azul, dentro do envelope branco), cuja transcrição está a páginas 71 e 72 do acórdão recorrido aquando da mesma ainda ninguém estava ferido;
Também aquando da chamada telefónica feita, no local da referida paragem de autocarro, para o 112, pela testemunha JJ gravada no CD junto na contracapa do volume I de cuja transcrição a páginas 114 e 115 do acórdão recorrido, deteta-se um aumento da hostilidade e do descontrole emocional dos dois arguidos, com ordens emitidas por BB aos cidadãos presentes para se afastarem ou disparava, etc., mas sem notícia de qualquer ferimento sofrido pela arguida AA; e
Por fim, as chamadas telefónicas feitas pelo arguido CC e por outro indivíduo para o 112, a partir da Esquadra ... pedindo, cada um, que viesse uma ambulância à referida esquadra, gravadas no CD junto na contracapa do volume I, reproduzidas na sessão do julgamento de 15 de Novembro de 2023, as quais, são bem elucidativas da intensidade das lesões infligidas à arguida AA e da gravidade do estado de saúde em que a mesma se encontrava.
Neste contexto probatório, o que se impõe concluir é que, quando foi detida e levada para a Esquadra ..., a arguida AA, ainda, não tinha qualquer das lesões na cara com que veio a aparecer à porta da esquadra, alguns minutos depois.
Ora, entre o momento em que esteve envolvida em confronto físico com o arguido BB, até ter saído da viatura policial com a cara no estado que se vê nas fotografias de fls. 247 a 253, a arguida esteve sempre detida e sob a guarda do arguido BB e dos arguidos DD e CC, sendo certo que o relatório pericial de avaliação do dano que consta de fls. 231 a 233 diz expressamente que as lesões sofridas pela arguida são compatíveis com a informação prestada pela própria acerca da forma como lhe foram causadas.
Essa informação veiculada aos peritos médicos que a examinaram e elaboraram esse relatório pericial foi a de que tais lesões lhe foram infligidas pelo arguido BB que a esmurrou durante o trajeto para a esquadra.
Do facto provado 20º, em sintonia com as declarações neste sentido, prestadas por todos os arguidos e com as fitas do tempo de fls. 129 a 131 (ofício de 04.02.2020, com a referência Citius 123661253) consta que, outros agentes da PSP chegaram ao local, onde chegou, também, o carro-patrulha CP.....60, da Esquadra ..., altura em que AA foi algemada e transportada para o veículo policial, de matrícula ..-CN- .., tendo então sido conduzida por BB e pelos agentes da PSP arguidos CC e DD à esquadra, tendo BB seguido no banco de trás, ao lado de AA, CC como arvorado, sentado à frente, do lado direito e DD como motorista.
Ora, a prova direta destes factos permite e até impõe, por regras de inferência e dedução lógica, a conclusão de que as lesões sofridas por AA descritas em 25º (com exceção das referentes ao arrancamento de cabelo que ocorreram previamente em resultado do ocorrido na paragem) só lhe podem ter sido aí causadas por ação do arguido BB e com a complacência e a inação dos arguidos DD e CC.
Com efeito, impõe-se, neste particular, afirmar o nosso dissenso relativamente à decisão recorrida por se considerar que as declarações prestadas pelos arguidos DD e CC não merecem, quanto ao ocorrido no interior da viatura policial, credibilidade, desde logo, pela forma evasiva e essa sim estudada, como responderam às perguntas que lhes foram feitas, na audiência de julgamento.
Concretizando:
No caso do arguido DD, entre outros aspetos, por referir que a viagem desde a paragem de autocarro até à Esquadra ... tinha sido calma e que tanto a arguida AA, como o arguido BB estavam calmos, o que não é minimamente consentâneo com a exaltação, a agressividade e os gritos de ambos que os vídeos mostram, poucos momentos antes de entrarem no veículo policial, como totalmente improvável se revela, também, que sendo o condutor da viatura, nunca tenha olhado através do espelho retrovisor e que nunca tenha visto a cara da arguida AA, no trajeto até à Esquadra ....
No caso do arguido CC, ainda é mais evidente, especialmente, quando foi confrontado com as chamadas para o 112 que efetuou, na noite de 19 de Janeiro de 2020, a pedir uma ambulância para acudir à arguida AA que estava caída no chão nas imediações da esquadra e nas quais se ouve nitidamente a sua ansiedade em saber como estava a arguida, perguntando sucessivas vezes a quem estava com ele na esquadra «ela já acordou ?», «ela está acordada?» e a sua inquietação com a queda das chamadas, associadas aos comentários de «este gajo ainda nos vai foder a todos» e «maldita a hora», expressões que só fazem sentido se interpretadas, como o «gajo» ser o arguido BB e as expressões «ainda nos vai foder a todos» e «maldita a hora» se referirem ao modo como foram infligidas as agressões que determinaram as lesões que a arguida AA, comprovadamente apresentava, fotografadas a fls. 247 a 253 e que determinaram a sua assistência hospitalar, como descrito na documentação clínica junta pelo Hospital ... (cfr. fls. 170) de fls. 171 a 175, respeitante à utente AA, contendo o diário clínico do episódio de urgência com início às 22h18 de 19.01.2020 e fim à 01h55 de 20.01.2020 e o relatório de radiologia/TAC, requisitado às 00h22 de 20.01.2020 e validado à 01h36 dessa data.
Porém, na audiência de discussão e julgamento, o arguido CC quis atribuir as referidas expressões à demora do INEM em atender e fazer deslocar uma ambulância para conduzir a arguida ao hospital.
Ora, ninguém se refere ao INEM ou à ambulância como «o gajo» e aquelas expressões «o gajo ainda nos vai foder a todos» e «maldita a hora» no contexto em que a arguida AA se encontrava batida, ferida e caída à porta da esquadra revelam, não só a gravidade do seu estado, de resto, como aqueles boletins clínicos e fotografias mostram, como, também, revelam a consciência do arguido CC de que aquelas lesões provinham de uma atuação policial que naquelas circunstâncias concretas (condução da arguida sob detenção até à esquadra) extrapolou manifestamente o que era devido.
Saliente-se que uma atuação agressiva e de desforço do arguido BB relativamente à arguida AA é a que de acordo, com as mais elementares regras da experiência comum, justifica que o mesmo arguido aquando da chegada à esquadra e no interior da mesma tenha mantido idêntica agressividade para com EE e FF.
Como anteriormente afirmado a motivação da decisão recorrida nem sempre objetiva as razões em que assenta o seu processo lógico cognitivo de exame crítico da prova, mormente como refere a recorrente AA na conclusão 24 do seu recurso, quais tenham sido as razões objetivas, concretas, em que o Tribunal recorrido sustentou as conclusões de que certas testemunhas apresentaram relatos não fidedignos por estarem condicionados por "idiossincrasias e mundividências, preconceitos e pretensões", ou "interesses”.
Ora, o princípio da livre apreciação da prova genericamente consagrado no artigo 127º do CPP, assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no art.º 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art.º 32º nº 8 da Constituição.
Este sistema de livre apreciação da prova tem várias implicações, desde logo, no que se refere ao processo de fixação da matéria de facto e da sua exposição, na decisão final, quanto à formação da convicção do Tribunal e às exigências de fundamentação da decisão de facto, nos termos previstos no art.º 374º nº 2 do CPP.
Outra dessas implicações, talvez a mais importante, é a de que o juiz não se encontra sujeito a regras, prévia e legalmente fixadas sobre o modo como deve valorar a prova, com exceção da prova por documentos autênticos e autenticados por perícias e resultante em certos casos da confissão integral e sem reservas (arts. 169º, 163º e 344º do CPP), não prevendo o CPP qualquer regra de corroboração necessária da convicção e, ainda, a de que, por força da ausência de eficácia jurídica do eficácia jurídica do aforismo “testis unus testis nullus”, um único depoimento, mesmo sendo o da própria vítima, pode ilidir a presunção de inocência e fundamentar uma condenação, do mesmo modo que as declarações do arguido por si só, isoladamente consideradas, podem justificar a sua absolvição. «É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjetiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objetivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições »[8].
A livre convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional «puramente assente num incondicional subjetivismo alheio à fundamentação e a comunicação»[9].
No processo de formação da convicção há que ter em conta, desde logo, a informação que resulte dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento ou já adquirida através de meios de prova pré constituída no processo (por exemplo, documentos, relatórios periciais, declarações para memória futura) e que revele objetivamente a existência ou inexistência dos factos relevantes para a decisão.
Será sobre estes dados objetivos que recai a livre apreciação do tribunal, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material.
Como a liberdade da convicção anda próxima da intimidade e na medida em que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, essa liberdade de convencimento sofre uma primeira limitação imposta pelas regras da experiência humana, de bom senso, de lógica, ou resultantes da aplicação de conhecimentos técnicos ou científicos a determinadas circunstâncias objetivas.
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a atividade cognitiva e, ainda, elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição. Acontece que esta é sempre uma operação intelectual. Não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, nem uma previsão com base em meras probabilidades, antes é o resultado da conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, ou da perceção da personalidade do depoente[10] ou ainda outras, como a sua ligação familiar ou existencial a algum dos sujeitos processuais, a forma como presta o seu depoimento ou declarações, desde o tom de voz, à linguagem corporal, à maior ou menor emotividade e até ao modo como a inquirição é feita, pelo Tribunal, pelo Ministério Público e pelos Advogados.
A propósito do depoimento prestado pela testemunha GG, o acórdão recorrido refere, a páginas 101 (transcrição parcial): « (…) a perspectiva enviesada, parcial, sugestionada, orquestrada, orientada para a desresponsabilização da sua tia, AA, e para a responsabilização do motorista e do agente da PSP que a abordaram, que esteve subjacente ao descrito por GG, claramente transmissor da narrativa criada pela tia e pela entourage que subsequentemente à sua detenção se formou, fortemente marcada pelo alarido gerado e por pessoas cujo interesse prevalente claramente nunca foi o do apuramento objectivo dos factos, mas o da apresentação daquela narrativa, como exposição não do seu objectivo conhecimento dos factos, mas sim da sua sensibilidade e/ou veículo dos seus interesses».
A propósito da testemunha FF, o acórdão diz, a páginas 108: «Na acareação entre o arguido CC e a testemunha FF, aquele reafirmou, de modo que se revelou seguro, sentido, isento, que a viatura de onde seguiu da referida paragem de autocarro para a esquadra foi a primeira viatura policial a abandonar o local e a chegar à esquadra e, como quem repete uma versão preparada, de modo despeitado, FF manteve o que a esse respeito afirmara».
E, a propósito dos depoimentos prestados pela mesma testemunha durante o inquérito e em audiência de julgamento, refere o mesmo acórdão recorrido, a páginas 108 e 109: «Resultou claro para o tribunal que o primeiro deles foi condicionado por medo, pese embora já com a perspectiva enviesada, parcial e sugestionada que tinha sobre perspectiva enviesada, parcial e sugestionada que tinha sobre aquilo a que numa parte assistira e que noutra se passara perto de si, e que o segundo e o terceiro foram já fortemente marcados pela orquestração de perspectivas orientada para a desresponsabilização de AA e para a responsabilização do motorista e do agente da PSP que a abordaram, tal como sucedeu com GG, nos termos supra expostos, e que tal foi intensificado quer pela sua pré-existente evidente animosidade relativamente ao exercício da actividade própria da polícia (não sendo despicienda a referência do próprio a que se encontrava em liberdade condicional), quer pela sua - aí sim -, justificada revolta pela injustificada - claramente inadmissível -, privação da liberdade e pelas agressões físicas de que, já na esquadra, foi vítima pelo polícia que determinou que para ali fosse: BB. Nesta parte - a referente ao comportamento de BB para consigo -, FF transpareceu, no que descreveu, aquilo que efectivamente vivenciou, contrariamente ao que essencialmente quanto ao mais narrou, em que deixou condicionar a sua percepção e descrição parcial dos factos pela sua impetuosidade, pela sua mundividência e pelos interesses dos que considera mais próximos desta».
A propósito do testemunho de KK, o acórdão referiu a páginas 110 e 111: «Também no que tange a KK, como sucedeu com GG e com FF, verificou o tribunal - quer pela conjugação do seu conteúdo com o modo como o prestou, quer pela sua análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com a restante prova produzida, supra e infra referida -, que o respectivo depoimento se baseou não no conhecimento e análise completos e objectivos das sucessivas situações que envolveram AA, o motorista e depois BB, mas sim numa perspectiva logo enviesada, parcial, sugestionada e depois progressivamente orquestrada, orientada para a apresentação de AA, que já só viu deitada (mas ainda não detida), como vítima, tudo enformado pela mundividência, pelos interesses e pelos relatos dos que lhe são e tornaram mais próximos».
Por fim, no que concerne aos relatos da testemunha JJ, feitos nas inquirições perante Magistrado do Ministério Público durante o inquérito e na audiência de discussão e julgamento, páginas 117 e 118 do acórdão recorrido contém a seguinte apreciação: «Os depoimentos de JJ não se basearam no conhecimento e análise completos das sucessivas situações que envolveram AA, o motorista e depois BB, mas sim na perspectiva sensibilizada de quem ouviu o choro de uma criança pela sua mãe, num contexto muito dinâmico, em que já se afastara do local dos factos sem lhes prestar grande atenção e a que a ele voltou por causa daquele choro, com momentos de distracção - por exemplo o telefonema da filha -, em que quando volta a pretender focá-la já perdeu parte da sequência e atribui ao que vê um significado distinto da realidade, porque incompleto e perturbado pela confusão de pessoas que se manifestava sobre o que via ou percepcionava, o que evidentemente se reflectiu em relatos que, embora desinteressados – não implicados num resultado -, não se revelaram expressão rigorosa dos factos, incluindo da respectiva sequência, sentido, do que exactamente foi feito e dito e exactamente por quem e como, tal como sucedeu com os do seu companheiro; importa ainda realçar que embora tenha referido que, no seu entender, havia excesso de força, a verdade é que o polícia - BB -, que era alto, forte, robusto e treinado, só a muito custo e ao fim de vários minutos conseguiu controlar AA e só com a colaboração de outro colega acabou por conseguir algemá-la tudo revelando aquele entender foi mais determinado pela emoção do que pela razão e que aquela se prendeu mais com o choro de uma criança - que evidentemente sensibiliza, como também sensibilizou o polícia -, do que com qualquer outra coisa, nomeadamente do que com a constatação de qualquer injustiça/actuação desnecessária do polícia/BB face ao comportamento da mãe da criança/AA».
No entanto, o Tribunal recorrido nunca concretizou os factos ou parâmetros de valoração de prova em que se estribou para chegar a este tipo de adjetivação que, assim, emerge no texto totalmente desligado do conteúdo dos depoimentos e das declarações, da relação destes com outros meios de prova, sendo certo, que apesar das limitações de imediação e de oralidade a que este Tribunal da Relação está exposto, uma vez que o contacto com a prova por declarações dos arguidos e por testemunhas foi feito apenas através da audição da gravação das várias sessões da audiência de discussão e julgamento, importa concluir que:
Não se vislumbra nenhum motivo resultante de aplicação de regras de experiência, de razoabilidade humana ou retirado de circunstâncias laterais quanto à forma como os depoimentos das testemunhas GG, FF, KK e JJ, foram produzidos, mormente, ponderando o conteúdo destes depoimentos e a razão de ciência apresentada por cada uma destas testemunhas que permita concluir que estas testemunhas tenham faltado à verdade, que tenham referido algo que não viram e ouviram, enquanto todos estiveram a assistir ao que os arguidos BB e AA faziam e diziam, uma ao outro, na paragem do autocarro do Bairro ..., no dia 19 de Janeiro de 2020 ou que tenham omitido algo que presenciaram, nem que tenham revelado ter qualquer interesse em favorecer ou prejudicar quem quer que fosse.
Com exceção, da testemunha GG que é sobrinho da arguida AA e que até relatou circunstâncias que são coincidentes com os relatos de outras testemunhas como EE, II e RR que o Tribunal recorrido considerou fidedignos e credíveis, desde logo, o facto de o arguido BB ter começado por perguntar à arguida AA o que é que se estava a passar e lhe ter exigido a identificação, não tendo qualquer dúvida em afirmar, que toda a gente compreendeu que BB é polícia e foi nessa qualidade que abordou a arguida AA, nenhuma das restantes testemunhas mencionadas conhecia qualquer dos arguidos e não manifestou qualquer animosidade direcionada a qualquer deles, nem os seus depoimentos aparentam, sequer remotamente, terem sido prestados para prosseguir algum interesse exterior ao processo.
Todas, sem exceção, procuraram afirmar apenas aquilo de que realmente tinham certezas e mesmo quando confrontadas com diferenças de relatos entre o que declararam quando inquiridas no decurso do inquérito e o que haviam relatado em audiência apresentaram explicações claras e plausíveis para tais divergências em alguns detalhes que, diga-se, são de somenos e perfeitamente compreensíveis, à luz daquilo que é consabido serem os limites da memória humana.
Foram invocados na decisão recorrida certos aspetos para descredibilizar alguns depoimentos como o facto de a testemunha JJ ter ficado sensibilizada pelo choro da filha da arguida AA, uma menina então com apenas sete ou oito anos ou de que recebeu uma chamada da filha ou, ainda, de que ligou para o 112 E no caso da testemunha FF a circunstância de se encontrar em liberdade condicional e, por isso, ter prestado um depoimento adverso ou mesmo hostil à polícia e à intervenção policial Todavia, não se entrevê qualquer relação de causa e efeito entre tais circunstâncias e a desconsideração dos referidos depoimentos em causa para fundamentarem a fixação da matéria de facto provada, de acordo com as versões por qualquer deles apresentadas, as quais até são coincidentes no conteúdo e na razão de ciência, com outros depoimentos escolhidos pelo Tribunal como verdadeiros e fidedignos, como foi o caso dos das testemunhas EE, II e RR.
No caso da testemunha JJ, porque a mesma nunca teve a pretensão de ter visto tudo. Pelo contrário, foi a própria que num exercício de rigor e de procura de dizer a verdade deu a conhecer ao Tribunal esses pormenores, os quais, aliás, não a impediam de ver o que se estava a passar no que diz respeito aos comportamentos dos dois arguidos BB e AA, na paragem do autocarro. E tanto viu, que o seu relato é perfeitamente coincidente quanto ao que relatou, quer com outros depoimentos, quer, especialmente, com as imagens de vídeo disponíveis no processo.
No caso da testemunha FF, inexiste razão objetiva para se afirmar tal depoimento como válido para dar como provados os factos descritos em 22º a 24º, mas já não para os restantes a que se referem os factos provados 6º a 18º e, desde logo, porque, à luz de regras de lógica e de senso comum haveria, ao invés, motivo para que a aversão ou a postura adversa desta testemunha à PSP como instituição e à ação policial do arguido BB fosse mais acentuada no que se refere aos factos que ele próprio protagonizou, naquele dia 19 de Janeiro de 2020, ao ser abusiva e ilegalmente detido e conduzido algemado à Esquadra ... e depois agredido na cara pelo arguido BB, como descrito naqueles factos provados 22º a 24º, do que em relação àqueles que presenciou quer dentro do autocarro, entre a arguida AA e o motorista II, quer no que concerne aos que, também, presenciou entre a mesma arguida e o arguido BB, momentos depois, já na paragem do autocarro.
As diferenças de relatos de certos pormenores nas versões apresentadas pelas diversas testemunhas não têm expressão, sendo em muito maior número e mais significativos e relevantes os aspetos em que existiu coincidência, do que aqueles em que divergiram.
Essas diferenças mais do que não permitirem considerar esses testemunhos inaptos para fundamentar a convicção, até reforçam a fidelidade das versões à verdade histórica dos factos, revelando que não foram preparados nem concertados entre as testemunhas, ao contrário do que vem referido em alguns trechos do acórdão recorrido.
A ilustrá-lo, os múltiplos aspetos em que todos os depoimentos são coincidentes – v.g., que o arguido BB interveio na situação, na qualidade de agente da PSP, a pedido de II, na sequência e em resultado de um incidente ocorrido dentro do autocarro com o n.º ...63, no qual a arguida AA se fazia transportar, acompanhada pela filha, que não tinha título válido de transporte e pelo sobrinho, a testemunha GG, tendo o incidente sido motivado precisamente pelo facto de a menina viajar sem esse título e de no decurso da altercação que se gerou dentro do autocarro, o motorista II convencido de que a arguida AA o tinha ameaçado de agressões contra a sua integridade física através da expressão «devia levar uma surra» ter pedido ajuda ao arguido BB que passava na rua, no momento em que o autocarro chegou à paragem junto ao nº ...09 da Av. ... na ..., contando-lhe o sucedido; que, nessa sequência, o arguido BB abordou a arguida AA apresentando-se como polícia, exigindo-lhe a identificação e dando-lhe a conhecer que não podia viajar no autocarro sem passe ou bilhete e que não podia ameaçar o motorista do autocarro; que a arguida AA recusou identificar-se por considerar que não tinha feito nada que o justificasse e porque achava que o arguido BB não estava de serviço e, por isso, não poderia agir de tal forma; que o que se seguiu foi o arguido BB pretender deter a arguida AA e que esta recusou ser agarrada e detida, empurrando e gesticulando com o agente para impedir que este se aproximasse dela, até ao momento em que o arguido BB agarrou a arguida AA pelo pescoço fazendo-lhe uma «chave» (cfr. versão da testemunha KK), ou um «mata leão» (versões das testemunhas FF, JJ e GG), ambos caindo para trás e tendo o arguido ficado por debaixo da arguida a que se seguiram tentativas do arguido de agarrar os braços da arguida para lhe colocar as algemas, os movimentos desta para repelir esses atos do arguido, mordendo-lhe nos braços, tentando escapar-se, umas vezes ficando a arguida de bruços para o chão outras deitada de lado, por debaixo do arguido, outras estando o arguido por debaixo da arguida, tentando agarrar-lhe os braços e colocando as suas pernas em volta da zona da cintura e das ancas da arguida, entre gritos de ambos que dirigiam ora um contra o outro, ora aos presentes que assistiam àqueles factos, situação que durou entre 5 e 10 minutos, até chegarem outros agentes da PSP que ajudaram o arguido BB a neutralizar os movimentos de reação e oposição da arguida à detenção e acabaram por conduzir a mesma à Esquadra ..., numa viatura policial.
E a revelá-lo, também, a coincidência destas descrições sobre o modo como os arguidos se envolveram em confronto físico com as filmagens feitas no local, pelas testemunhas FF e KK, de resto, conjugadas com as declarações tanto do arguido BB que até referiu que os vídeos mostram de forma real o que aconteceu entre ele e a arguida AA, como desta última, tendo sido ela, de resto, quem juntou os vídeos sob a referência Citius 24583692, de 04.12.2023, ao processo, a que acrescem os vídeos gravados no DVD junto à contracapa do volume I, extraídos do telemóvel da testemunha FF, a que se refere o aditamento de fls. 47, datado de 21.01.2020.
Por conseguinte, assiste, parcialmente, razão à recorrente sendo que, para além do já anteriormente referido quanto a manutenção ou alteração (ainda que por vezes só parcial) de factos em face de todo o exposto, impõe-se, ainda, referir que:
Relativamente ao facto 13º da matéria de facto provada das imagens recolhidas, bem como dos depoimentos das testemunhas inquiridas que se encontravam presentes o que resulta evidente é o que a seguir se transcreve e se considera ser o que se deve consignar sob o facto provado 13º:
Por ser conhecedor de técnicas policiais de imobilização de pessoas e também por ser praticante de artes marciais, a fim de a fazer parar e dando-lhe voz de detenção agarrou a ofendida por trás com o braço direito e pelo pescoço tendo ambos caído, mas ficando o arguido por cima da ofendida que ficou com as costas no chão, depois, o arguido conseguiu virar a ofendida, entrelaçou as suas pernas à volta do corpo da ofendida ao mesmo tempo que esta gritava para a largar.
Assim, altera-se a redação de tal facto em conformidade com o supra descrito sendo que, em consequência, transitam para a matéria de facto não provada os seguintes segmentos: tendo AA, ao tentar fugir ido contra a paragem de autocarro e mas BB teve o cuidado de colocar o seu corpo por baixo de AA.
Com efeito, não resulta evidente de tal prova testemunhal e imagética tais circunstâncias, designadamente, um embate na paragem por intenção de fuga ou um cuidado deliberado do arguido em evitar que a arguida se magoasse com a queda ao solo sendo, ao invés, a posição dos arguidos decorrente de desequilíbrio inerente à realização das manobras de imobilização.
No que respeita ao facto provado 14º o seu teor transita na íntegra para a matéria de facto não provada porquanto as testemunhas II, EE, FF, KK e JJ relataram com toda a firmeza e de forma unânime entre si e corroborada pelas imagens de vídeo que as pessoas que se aproximaram do arguido BB apenas o fizeram para falar com ele e apelar à calma não tendo existido qualquer agressão ao mesmo.
Ademais, não se vislumbra nas imagens qualquer multidão mas apenas pessoas que expressam a sua opinião e/ou apelam à calma sendo que o que se vislumbra é o arguido a verbalmente exigir que se afastem ou a vociferar “levas um balázio”.
No que se reporta aos factos provados 15º a 17º entende-se em conformidade com as razões já anteriormente aduzidas (contradição e erro notório) que a versão do acórdão não pode prevalecer sendo consentânea com a prova produzida a versão ínsita no despacho de pronúncia que remete para o despacho de acusação:
Assim, tais factos não se podem manter com a sua redação, mas apenas o seguinte:
O arguido, por cima da ofendida e ambos no chão, com a mão direita tentava algemar a ofendida, mas com a sua mão esquerda, puxava-lhe os cabelos com bastante força provocando-lhe o arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais, tendo a ofendida mordido o arguido para dele se libertar.
Com efeito e, embora a recorrente refute a existência de mais do que uma mordedura, apelando ao teor do facto provado 28º que não impugnou e ao processo clínico do serviço de urgência do Hospital ... a mesma desvaloriza a existência de outros meios de prova como as fotografias de fls. 9 dos autos que revelam as marcas daquelas mordidelas nos braços e nas mãos de BB.
Ademais não só tais mordidelas são consentâneas com a atuação da recorrente descrita pelas testemunhas que se encontravam na zona da paragem do autocarro como inexiste prova que lhes atribua outra origem posto que o arguido BB não foi agredido naquelas circunstâncias por mais nenhuma pessoa.
Por outro lado, sinais de mordedura não é equivalente a uma única mordedura e a recorrente não impugna sequer que tenha mordido BB.
No que se refere ao facto provado 19º este não se pode manter nessa qualidade tendo de transitar para a matéria de facto não provada.
De facto e, para além de tudo o que foi já aduzido, impõe-se salientar que o consignado em tal facto é contrariado pelo vídeo gravado no CD junto à contracapa do volume I dos autos e que foi extraído do telemóvel da testemunha FF, cujo número termina em 002, no qual se vê perfeitamente a arguida AA a ser algemada pelo arguido BB poucos segundos antes da chegada dos demais agentes da PSP e, nesse vídeo, a mesma não tem qualquer marca ou arranhão na cara. Por outro lado, a versão apresentada pelo arguido de que, no momento da algemagem realizou um ponto de pressão na cara da arguida contra o chão, não corresponde ao que se passou, pois que, segundo se vê no vídeo, nesse momento em que o arguido coloca as algemas num dos pulsos da arguida, esta está deitada de costas no chão com a cara voltada para cima.
No que se reporta aos factos provados 27º, 30º e 31º e não provados ii) e hh) cumpre dizer o seguinte:
No que tange ao facto não provado ii) considera-se, em face da prova testemunhal e dos vídeos que esclarecem e documentam o ocorrido na paragem nos termos sobreditos, que inexiste prova de que BB ao sentar-se em cima de AA na zona lombar e pressionando o corpo da mesma contra o chão a tenha asfixiado mas apenasque BB sentou-se em cima de AA, na zona lombar, pressionando o corpo da mesma contra o chão, não só a imobilizando, como também lhe puxando os cabelos pelo que o facto não provado ii) passa para facto provado com esta última redação permanecendo não provado no segmento supra referido.
No que se refere aos factos provados 27º, 30º, 31º e facto não provado hh) impõe-se salientar que a prova produzida traduzida nos vídeos recolhidos e nos depoimentos de quem se encontrava presentes na paragem e foram inquiridos em audiência evidencia uma atuação de BB que naquelas circunstâncias não extrapolou os limites dos seus deveres funcionais como agente da PSP sendo que a sua intervenção estava legitimada pelo artigo 250º do Código de Processo Penal.
De facto, de tais depoimentos e vídeos o que ressalta é um confronto entre os arguidos, nos termos já descritos anteriormente, em que o arguido efetua manobras tendentes à imobilização e detenção da arguida e esta se opõe a tal atuação debatendo-se física e verbalmente e, inclusivamente, empurrando e mordendo o arguido.
Nenhuma das testemunhas presentes no local referiu ter o arguido em tais circunstâncias agredido a ora recorrente e todos referem que, desde a primeira abordagem, a arguida e ora recorrente refutou a interpelação que lhe foi feita e qualquer colaboração com o arguido.
Acresce que a arguida não podia deixar de saber que o mesmo era polícia e se encontrava em exercício de funções, posto que a indagação que lhe foi feita foi por alguém que se encontrava fardado e que lhe transmitiu o porquê da sua indagação.
A recorrente podia e devia ter agido como um comum cidadão, respondendo à abordagem do agente BB, identificando-se e se necessário acompanhando-o à esquadra, mas não foi isso que fez e, para além disso, optou por empurrar e morder o mesmo estando bem ciente que era um polícia.
Não são as conjeturas da recorrente sobre a atuação daquele naquelas circunstâncias que reputa de ataque violento e injustificado que têm a idoneidade de alterar o que resulta da prova.
A atuação inicial de BB (até à sua entrada na viatura policial que a conduziu à esquadra) conteve-se dentro dos limites dos seus deveres funcionais e a sua intervenção tem respaldo no artigo 250º do Código de Processo Penal não consubstanciando qualquer agressão da arguida e ora recorrente idónea a espoletar uma legítima defesa como pela mesma pretendido.
Destarte improcede a impugnação quanto aos factos provados 27º, 30º, 31º e não provados hh) e ainda q), r) e jj).
No entanto e por uma questão de concordância com o anteriormente decidido substitui-se a redação do facto provado 27º deixando o mesmo de conter a referência ao atuar do modo descrito no ponto 17º e aí passando a constar AA sabia que ao empurrar e morder como descrito BB molestava o corpo e a saúde deste causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que pretendeu e alcançou.
Relativamente ao facto provado 52º considera-se que, em face das considerações anteriormente expendidas, deve ser eliminado de tal facto o segmento tendo então sido para que AA parasse de o morder que BB teve de segurar o cabelo dela, mas sem o arrancar. Com efeito, reitera-se aqui o anteriormente referido quanto às declarações do referido arguido relativamente a tal circunstância, nomeadamente e de modo mais evidente, a sua negação em audiência de ter agarrado a arguida pelos cabelos o teor do relatório pericial de avaliação de dano constante de fls. 231 a 233 dos autos.
No que se reporta ao facto provado 53º entende-se que do mesmo deve ser eliminado o segmento para ficarem mais largas para não a magoar,porquanto o que é evidente é que foram usados dois pares de algemas porque tal foi necessário para neutralizar as reações e os movimentos de oposição da arguida como, aliás, resulta das declarações prestadas pelos três arguidos agentes da PSP e das versões das testemunhas que se encontravam presentes no local, as quais revelam, conjuntamente com as imagens recolhidas, uma notória e veemente oposição da arguida e ora recorrente à atuação do arguido BB.
Em consequência de todo o já referido os factos que a seguir se indicam e que foram considerados como não provados na decisão recorrida têm de ser considerados como provados:
i) foi apenas com a mão direita que BB tentou algemar AA, enquanto que com a sua mão esquerda lhe puxava os cabelos, com bastante força, provocando-lhe o arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais, tendo então AA mordido BB para dele se libertar;
m) as lesões descritas no ponto 25.º dos factos provados foram consequência direta e necessária da atuação de BB;
n) o arrancamento do cabelo referido no ponto 25.º dos factos provados resultou de traumatismo de natureza contundente;
ii) BB sentou-se em cima de AA, na zona lombar, pressionando o corpo da mesma contra o chão, não só a imobilizando, como também lhe puxando os cabelos;
kk) BB provocou dores intensas a AA, tendo-lhe arrancado madeixas de cabelo;
Na sequência do determinado quanto ao transcrito facto n) determina-se a eliminação no facto provado 26º do segmento com exceção do arrancamento do cabelo (de molde a eliminar-se a contradição e a observar-se a congruência com a prova pericial traduzida no relatório do INML referente à recorrente).
Saliente-se que, não obstante tudo o que foi já referido, as declarações prestadas pela arguida e ora recorrente não podem ser credibilizadas na sua integralidade no que se refere às concretas circunstâncias ocorridas no interior da viatura policial no seu transporte para a esquadra bem como o ocorrido na saída da mesma.
Com efeito, tais declarações, também, revelam imprecisões e contradições que não podem deixar de ser consideradas bem como ausência de suporte em qualquer outro elemento de prova que as corrobore.
Senão vejamos:
De facto, no que se reporta às lesões na cara evidenciadas pela arguida AA já se afirmou, neste acórdão, que se entende que as mesmas resultam da ação do arguido BB ao desferir socos naquela no interior da viatura o que foi feito na presença e inação dos coarguidos agentes da PSP.
Reitera-se que a prova produzida revela que a recorrente não exibia lesões de tal natureza e extensão quando deu entrada na viatura policial e não esteve em contacto com outras pessoas até chegar à esquadra.
Ademais, não é crível que estando todos no interior de uma viatura policial, não fosse, claramente, percetível para quem seguia nos lugares da frente o que ocorria no banco traseiro de tal veículo sendo que foi confirmada, em uníssono, por todos os arguidos que aí seguiam as concretas posições em que o faziam.
Também não é credível, à luz das mais elementares regras da experiência comum, que atenta a reação prévia aquando do ocorrido na paragem, mormente os gritos aí proferidos que a mesma não reagisse no interior da viatura à atuação de BB de um modo idêntico e, por isso, incontornavelmente evidente para os demais aí presentes.
Todavia, as declarações prestadas pela recorrente AA revelam, também, contradições e imprecisões e uma ausência de corroboração por elementos de prova alheios às mesmas ou cuja evidência pericial não possa ser ignorada que conduzem a que este Tribunal de recurso não possa conceder integral procedência ao invocado pela mesma.
Saliente-se que a mesma declarou que os vidros da viatura policial foram, entretanto, fechados e a música foi colocada alta, para ocultar o barulho dos seus gritos decorrentes da atuação de que foi vítima por parte de BB.
Todavia, a recorrente não impugnou o facto provado 78º cujo teor ora se transcreve: Nessa noite, os vidros do carro nunca estiveram abertos; à hora dos factos estavam 10 ou 11 graus Celsius, sendo para além disso procedimento de segurança prescrito e habitual no transporte de detidos os vidros e as portas do lado em que seguem estarem fechados e trancados, assim se evitando tentativas de fuga e riscos de ferimentos acidentais ou auto-infligidos e a não impugnação de tal facto contende com a pretensão da recorrente.
Por outro lado, consta nos autos filmagem divulgada por comunicação social da condução da recorrente à viatura policial sendo na mesma visível que os vidros desta se encontram fechados.
Refira-se, ainda, que o que consta do facto não provado mm) e, que a recorrente pretende que seja revertido para provado, é penalmente irrelevante e contraria, aliás, os procedimentos habituais que se traduzem em ser a PSP a determinar em que concreta viatura e com quem é transportado o detido (neste caso a detida) não tendo o detido qualquer possibilidade de escolha sobre tal.
Acresce que o que resulta das declarações da arguida prestadas em audiência de julgamento é "não, uma pessoa que já me agrediu e ainda vai comigo no mesmo carro?". Ninguém me respondeu nada”.
Para além de tais declarações não confirmarem o teor do facto não provado mm), na verdade, o que é relevante é se AA foi transportada no mesmo carro em que seguiam os demais arguidos e tal circunstância nenhum arguido refuta.
Ademais e no que se refere às injúrias que a mesma refere terem-lhe sido dirigidas pela arguido BB inexiste qualquer outra prova que sustente tal declaração sendo que nem aquando do ocorrido na paragem quer aquando das agressões perpetradas a FF e EE aquele, não obstante, a sua exaltação dirigiu à recorrente ou àqueles diretamente qualquer expressão lesiva da respetiva honra e consideração pessoais.
Assim, entende-se que em face da negação de tal por parte dos demais arguidos e atento o exposto tal invocação não pode proceder.
Acresce que igualmente se considera não ser credível a versão da arguida e ora recorrente relativamente ao momento de saída da viatura policial e consequente alegada atuação dos arguidos.
E tal ausência de credibilidade decorre, desde logo, das suas declarações porquanto a mesma refere, por um lado, que o arguido BB é que a tirou da viatura, a agarrou-a na gola do casaco e a atirou ao chão, que caiu de costas e que aquele lhe deu um pontapé com muita força na cara e no meio da testa mas, por outro, também refere, que já não via porque tinha a cara toda arrebentada, não via e não conseguia falar e que lhe pediram para tirar as algemas e depois começaram a fazer-lhe respiração, mas com o pé, com a bota no peito, a pisarem-na com a bota no peito para ver se, ainda, tinha pulsação e depois chamaram o bombeiro e, também, que por ter caído de costas eles a viraram com o pé.
Ora, tal versão é, desde logo, contrariada pelo relatório pericial do INML referente à recorrente AA que não atesta qualquer lesão na testa, ou seja, na região frontal (parte do corpo humano localizada na parte anterior da cabeça, acima dos olhos e entre as orelhas).
Com efeito, o que aí se refere é hematoma periorbitrário que se prolonga até à região malar bilateralmente com edema acentuado subjacente, hemorragia subconjuntival dos quadrantes laterais bilateralmente, escoriações com crosta sanguínea em toda a extremidade do nariz, incluindo asas nasais, equimose fortemente arroxeada na face mucosa de todo o lábio superior com edema acentuado subjacente, ferimento aproximadamente linear longitudinal com crosta sanguínea na metade superior, no lábio inferior com edema acentuado subjacente.
Acresce que a informação clínica do Hospital ... referente à recorrente indica edema da face e traumatismo da pirâmide nasal não fazendo qualquer menção à testa da recorrente.
Por outro lado, as fotografias constantes de fls. 249 a 251 não permitem sustentar na zona da testa da recorrente lesão que seja compatível com o desferir de um pontapé com muita força no meio da testa, sobretudo por alguém com a compleição física do arguido e que estando fardado usava botas.
Refira-se, ainda, que a própria arguida refere que não conseguia ver bem o que é, aliás, compatível com o edema dos olhos e as queixas que verbalizou no Hospital ... que motivaram a sua avaliação em oftalmologia.
Não é, também, consentâneo com a lógica a versão da arguida que caindo de costas e ficando com as costas no chão e a face para cima lhe fosse desferido um pontapé que a atingisse na zona da testa e no meio da mesma, nem que lhe pedissem para tirar as algemas, porquanto não se trata de ato dependente de permissão do detido e, muito menos, que tendo caído de costas a virassem com o pé e mantivessem o pé (a bota) no seu peito enquanto começaram a dar-lhe respiração.
Refira-se, ainda, que a testemunha QQ referiu que viu a arguida deitada no chão de barriga para baixo (decúbito ventral) tendo sido ele que a colocou em posição lateral.
Acresce que, atento o que ocorreu quer na paragem de autocarro quer no interior da viatura policial e estando a recorrente algemada e, ainda, resultando da matéria de facto provada que a mesma, à data, se encontrava de baixa médica por padecer de patologia osteoarticular de um joelho, o que é mais consentâneo com as regras da lógica e da experiência comum é que a mesma estivesse combalida, exaurida, com dificuldade em ver e de locomoção, por isso, sem capacidade de se manter em pé ou de se equilibrar, pelo que se entende ser crível que a mesma tenha apenas caído ao chão à saída da viatura sendo mais consentâneo que tal queda se verificasse ficando a recorrente em decúbito ventral
Assim, considera-se que inexistem elementos de prova que com a certeza que se exige permitam dar como provado, neste particular, a versão, da recorrente.
De igual modo, não existe prova que sustente quer que os arguidos percorreram a distância até à esquadra no máximo em 5 minutos e pelo caminho mais curto e direto possível quer que o arguido que conduzia a viatura andou às voltas pelas ruas da ... para dar tempo a BB de satisfazer os seus instintos e esmurrar AA até lhe apetecer e que só depois se dirigiu à esquadra.
Com efeito, por um lado, nenhuma das versões dos arguidos agentes da PSP, neste particular, merece credibilidade, por outro lado, não é crível que AA estando a ser agredida sequer se apercebesse do tempo que durou o seu transporte ou de durante quanto tempo foi esmurrada e, desde logo, porque para quem está em sofrimento a noção temporal é distorcida da realidade.
Acresce que para desferir vários socos não é necessário mais do que uns escassos minutos e que nem sequer a recorrente logra esclarecer quantos lhe foram desferidos, sendo que as lesões pela mesma evidenciadas, pela sua natureza e extensão conjugadas com as suas declarações, apenas permitem concluir que terão sido vários.
Refira-se que não colhe a importância conferida quanto a tal pela recorrente ao depoimento de FF, porquanto o que se extrai de tal depoimento é que os carros policiais saíram ao mesmo tempo e que aquele mediu o tempo da chegada da arguida pelo contacto que veio a ter com o arguido BB no interior da esquadra.
Ora, de tal nada se pode extrair de concreto quanto ao tempo que demorou o trajeto desta à esquadra.
Refira-se, ainda, que parte do facto não provado j) retrata a mesma realidade de parte do facto não provado nn) (na parte referente ao desferir de murros) eliminando-se tal segmento, deste último, da decisão recorrida posto que irrelevante por repetição.
Em face de todo o exposto e tendo por base a audição e análise da prova produzida em audiência de julgamento considera-se que os seguintes factos dados como não provados terão de passar a ser considerados provados nestes termos:
j) no trajeto entre a R. ... e a Esquadra ..., BB, aproveitando-se do facto de a mesma se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha, desferiu vários socos na cara da arguida AA.
l) DD e CC nada fizeram que impedisse a continuação da agressão por parte do seu colega, BB, nem procederam à elaboração de qualquer expediente, designadamente auto de notícia, relatando os factos que presenciaram e levando ao conhecimento da autoridade judiciária competente a prática de crime público que tinham presenciado.
o) BB pretendeu molestar o corpo e a saúde de AA, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que alcançou.
s) DD e CC sabiam que a prática dos factos que presenciaram era crime e que violavam deveres inerentes às suas funções, com grave abuso de autoridade, estando obrigados a evitá-lo, bem sabendo serem essas suas condutas proibidas e punidas por lei.
t) quanto aos factos provados com referência a AA, as condutas de BB eram proibidas e punidas por lei e a respetiva censurabilidade era agravada pela função profissional que exercia, o que o mesmo bem sabia.
u) BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei e ser a respetiva censurabilidade agravada pela função profissional que exercia.
v) DD e CC agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e ser a respetiva censurabilidade agravada pela função profissional que exerciam.
oo) assim que começou a ser agredida, AA começou a gritar.
qq) até que AA deixou de gritar e já não tinha qualquer reacção ao continuar a ser esmurrada por BB.
tt) quando chegaram à Esquadra ... AA não tinha já qualquer reação e sangrava abundantemente da boca e nariz.
Para além disso relativamente ao facto provado 71º entende-se que do mesmo deve apenas constar:
71º A distância do local onde AA foi detida até à Esquadra da PSP ... é de 2,7 km e não havia trânsitopassando para a matéria de facto não provada o segmento pelo que a percorreram, no máximo, em 5 minutos; o caminho que percorreram foi o mais curto e direto possível.
No que se reporta aos factos provados 72º a 77º em face do que já se decidiu relativamente ao ocorrido no interior da viatura policial os mesmos transitam para a matéria de facto não provada.
Os factos provados 54º e 79º permanecem incólumes como selecionados na decisão recorrida.
Do facto provado 80º entende-se ser de eliminar apenas o segmento fez peso morto, pelas razões já aduzidas pois que se considera que o estado em que AA mesma se encontrava não era idóneo a que esta estivesse em condições de se equilibrar ou manter-se em pé.
Assim, mantém-se tal facto como provado com exceção de tal segmento que transita para a matéria de facto não provada.
No que se refere ao facto provado 81º entende-se que o mesmo deverá permanecer incólume e relativamente ao facto provado 82º determina-se que do mesmo seja retirado o segmento apercebeu-se de que AA tinha lesões na face o qual transita para a matéria de facto não provada.
Com efeito, pelos motivos já indicados CC estava ciente de que a recorrente teria lesões na face atento o que se verificou no interior do veículo pelo que a sua perceção é anterior a tal momento.
Assim, o facto provado 82º fica com a seguinte redacção:
Ao verificar os sinais vitais e pálpebras de AA, CC logo chamou o agente QQ, de sentinela à porta da esquadra, bombeiro voluntário melhor preparado para reagir naquelas circunstâncias e realizar as manobras de primeiros socorros aconselháveis, ajudou o agente QQ a colocar AA em posição lateral de segurança, contactou imediatamente, ou seja, pelas 21h19m25s, o 112 – Ocorrência ...80 na Cronologia desse serviço:
- esclareceu que “precisava de uma ambulância para a ... Esquadra, na ..., ...”, e, questionado se era mesmo a esquadra ..., respondeu: “É, é mesmo a Esquadra ..., Praceta ...”, garantindo-lhe o agente do outro lado da linha que iria contactar imediatamente o INEM;
- mas a passagem da chamada para o INEM não foi bem-sucedida, demorou muito tempo e acabou por cair;
- pelo que para o mesmo fim efectuou nova chamada pelas 21h22m57s.
Para além do já determinado entende-se que se deve manter como não provados os factos com a seguinte redação:
j) no trajecto entre a R. ... e a Esquadra ..., BB, aproveitando-se do facto de a mesma se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha disse-lhe “agora é que te vou mostrar, sua puta, sua preta do caralho, seu caralho, sua macaca”, estás a baixar a cara, caralho” e “ainda por cima esta puta é rija”;
k) à saída da viatura, junto à esquadra, BB desferiu um pontapé que atingiu AA na testa;
p) BB pretendeu dirigir as mencionadas expressões a AA, sabendo que ofendia a honra e consideração da mesma, o que alcançou; mm) AA disse-lhe que não queria ir no carro com BB e aquele agente respondeu que não era preciso ir no mesmo carro, uma vez que estavam ali dois carros;
nn) pouco depois de a viatura ter iniciado a marcha, BB dizia para AA repetidamente, “Puta do caralho” “Preta do caralho” “Pretos ilegais de merda” “A preta é rija”, esta última expressão, por ter roçado com a mão na ponta dos dentes de AA e se ter magoado;
oo) AA gritava por socorro numa tentativa desesperada de que alguém que circulasse na rua a pudesse ouvir;
pp) na sequência desse pedido desesperado de ajuda por parte de AA, os agentes da PSP fecharam os vidros do carro e colocaram música alta para que ninguém pudesse ouvir os gritos daquela,
rr) até AA deixar de ter reacção, o agente que conduzia a viatura andou às voltas pelas ruas da ... para dar tempo a BB de satisfazer os seus instintos e esmurrar AA até lhe apetecer, o que só então deixou de fazer, nessa sequência se tendo dirigido para a referida esquadra;
ss) ali chegados, BB puxou AA do carro para o chão e, estando a mesma caída no chão, na rua, BB não saciado ainda, desferiu-lhe um pontapé na testa;
tt) um dos agentes disse “Ainda a matas” e “vira-a de lado”, no seguimento de AA se estar a engasgar com o seu próprio sangue;
uu) então, um dos agentes, para perceber se AA ainda respirava, colocou-lhe a mão sobre o peito e disse: “ainda respira”;
vv) acharam então por bem virar AA e, como não o conseguiram fazer com ela algemada, retiraram-lhe as algemas e deixaram-na permanecer caída no chão como se de um animal se tratasse;
zz) as marcas que BB tinha nas mãos foram de murros que deu a AA dentro da viatura da PSP.
No que se reporta ao facto provado 55º que a recorrente ainda impugnou lembra-se que o mesmo tem o seguinte teor: 55º Subsequentemente ao acima descrito no ponto 20.º, AA foi levada, em ambulância chamada por agente da PSP, ao Hospital ..., onde a própria recusou tratamento médico e de enfermagem, e que, na medida em que AA ainda assim o veio a permitir, lhe prestou os serviços médicos adequados até a própria pedir alta médica.
A discordância da recorrente prende-se com a menção à recorrente ter recusado tratamento médico e de enfermagem.
Ora, antes de mais é de salientar que tal consta do processo clínico da recorrente e que é, também, corroborado pelo depoimento dos bombeiros que lhe prestaram assistência e a conduziram ao Hospital.
É uma menção objetiva que reflete uma constatação de quem prestou a assistência e da qual não tem nem deve ser retirada qualquer interpretação porque penalmente irrelevante.
Assim e porque o teor de tal facto provado (55º) resulta de prova documental e oral produzida em audiência de julgamento e atento o exposto mantém- se na íntegra o mesmo, improcedendo, assim, neste caso a sua impugnação.
A recorrente impugna, ainda, os factos provados 103º, 104º, 105º, 124º e 125º e os factos não provadosww), xx) yy) e aaa)que têm o seguinte teor: 103º A arguida revela impulsividade e uma atitude de autovitimização. 104º Carece de desenvolver as suas capacidades de responsabilização e crítica perante actos ilícitos e socialmente desajustados, de definir estratégias pessoais consistentes favorecedoras de um estilo de vida normativo e do reforço da sua consciência cívica e jurídica. 105º A arguida revela fraco juízo crítico e reduzida interiorização do desvalor dos factos por si praticados relativamente a BB, supra descritos, quanto aos quais não tem arrependimento. 124º A factualidade a que acima se referem os pontos 33.º e 34.º revestiu-se de carácter pontual na sua trajectória de vida. 125º O arguido BB, apesar de ter negado a respectiva prática, sente a gravidade daqueles factos que impetuosamente praticou contra EE e FF. ww) em resultado directo e necessário da conduta de BB, AA: - sofreu lesões físicas que lhe causaram dores intensas durante os primeiros 10 dias, que a impediram de comer, de dormir, de cuidar da sua higiene e de efectuar qualquer tarefa doméstica; - nas semanas seguintes às agressões e decorrido o período temporal acima mencionado, sentiu dores, ainda que com menor intensidade; - ainda nos dias de hoje tem zumbidos nos ouvidos e visão turva; - ficou com marcas no lábio e no couro cabeludo; - fiiou com falta de cabelo; - sofreu angústia severa, ansiedade, pânico, medo de sair à rua, de utilizar os transportes públicos e de frequentar locais públicos ou abertos ao público; - durante pelo menos 2 (dois) meses sofreu de forma acentuada de perda de apetite, insónias, mal estar geral, astenia, fadiga física e mental; - até aos dias de hoje padece de ansiedade, insónias, pesadelos, suores nocturnos, tendência para o isolamento, medo de sair à rua e de se deslocar e/ou frequentar quaisquer locais públicos e/ou abertos ao público; xx) por causa da conduta de BB, a referida filha de AA: - ficou em choque e traumatizada; - semanas após os factos e numa deslocação com familiares a um supermercado onde se encontrava um agente da PSP, fardado, de gratificado, ao vê-lo teve um ataque de pânico, necessitando de ajuda dos familiares, funcionários do supermercado, para parar de gritar e chorar e só a conseguiram acalmar quando o referido agente da PSP se afastou do local; - ainda no presente entra em pânico quando vê um agente de autoridade e recusa deslocar-se aos locais onde suspeite que possa encontrar algum; - ficou desde então afectada e a padecer de ansiedade e medos vários que lhe causam grande insegurança e perturbação ao seu desenvolvimento; - até aos dias de hoje tem interiorizado um sentimento de culpa por tudo o que veio a acontecer à mãe; yy) por causa da conduta de BB, AA: - nunca mais conseguiu ter paz, serenidade e alegria no seu agregado familiar; - evita sair de casa, tal como a referida filha, pelo que deixaram de se deslocar a parques infantis, supermercados, centros comerciais, restaurantes, concertos, cinemas ou a qualquer outro local onde habitualmente estejam agentes de autoridade ou os possam encontrar pelo caminho e deixaram de se deslocar de autocarro ou qualquer outro transporte público; - deixou de ter convívio social, com familiares e amigos; - perdeu o gosto pela vida, passou a viver isolada em casa, sem vontade de sair, de se divertir, de conviver; - era uma pessoa alegre, bem disposta e cheia de energia e passou a viver amargurada, triste, sem vontade e/ou capacidade de iniciativa seja para o que for; - foi no Correio da Manhã e nas redes sociais e no seguimento de várias publicações feitas pelo Sindicato Unificado da Polícia de Segurança, na página do Facebook do Sindicato, acusada de ter praticado um crime e por isso BB a ter detido, de ser pessoa violenta, de ter ameaçado o condutor do autocarro, de ser pessoa desordeira, de ter sido ela a arranjar o conflito, de ter agredido BB e como tal até ter sido constituída arguida; aaa) por causa da conduta de BB, AA: - ficou com a camisola e as calças que trazia vestidas, de valor não inferior a 50 €, estragadas; - teve que adquirir medicamentos, principalmente para as dores, de valor não inferior a 50 €; - teve que fazer várias deslocações, sendo o custo com transporte de valor não inferior a 200 €, nomeadamente ao Hospital ..., a exames médicos, a farmácias, ao tribunal, à PSP, ao escritório da sua mandatária; - ficou com o seu telemóvel, no valor de 150 €, destruído.
E, para tanto refere, que a forma, absolutamente desigual e injustificada, como o Tribunal entendeu retratar a Arguida/Assistente AA em contraste com o Arguido BB, ambospessoas em relação às quais não deveria ter qualquer pré-julgamento, preconceito ou ideia preconcebida, é patente no acórdão sob recurso. Nos termos da decisão recorrida, AA tem fraco juízo crítico, é impulsiva, autovitimiza-se, é uma oportunista, com um "discurso claramente preparado", que quer ganhar uma "choruda indemnização" e "ludibriar a justiça", fazendo-se passar por "vítima", já o Arguido BB é uma pessoa com boas competências comunicacionais, extrovertida e com comportamentos habitualmente adequados, cheio de orgulho na sua profissão, (cfr. facto provado 118), alguém que em regra age e decide bem, de forma ponderada, corajosa e controlada! (cfr. fls 134 do acórdão), arguido com uma postura, aberta espontânea e coerente! (fls. 62 do acórdão). Para o Tribunal a quo a situação de BB, no interior da esquadra onde exerce funções como agente da polícia, ter desferido um soco na cara de uma pessoa que ilegalmente transportou para a esquadra e outro soco numa outra pessoa que a atingiu no lado esquerdo da cara, sendo que quando essa pessoa baixou a cabeça para impedir que continuasse a levar socos na cara, decidiu dar-lhe mais dois socos na cabeça e um pontapé que o atingiu nas mãos que utilizava para tapar a cara, trata-se um situação de caráter pontual na sua vida: quando descomprimiu acabou por ser compulsivo. É inequivocamente mais condizente com as regras de experiência comum que alguém que tem aquelas atitudes é alguém que antes terá uma personalidade manifestamente agressiva e alguém absolutamente capaz de agredir, como agrediu, a Arguida/Assistente. Impondo-se, sem margem de dúvida, ser dados como não provados os artigos 124 e 125 dos factos dados como provados. O Tribunal não poderia dar como provado que a arguida revela "impulsividade e atitude de autovitimização" já que tal caracterização corresponde à tal ideia e retrato que o Tribunal decide construir de AA, isto é, a mais uma consideração subjetiva do Tribunal e não a factos, sem qualquer sustento na prova. Pelo que deverão V. Exas. eliminar dos factos provados o artigo 103º e em relação aos artigos 104º e 105º, verifica-se que os mesmos foram parcialmente decalcados do relatório social da arguida/Assistente embora num sentido que não era o constante de tal relatório, pelo que se impõe sejam tais factos sejam igualmente eliminados dos "factos provados".
Por último e no que respeita a impugnação da matéria de facto alega a recorrente que deduziu, em sede própria, pedido de indemnização civil contra os Arguidos BB, CC, DD e Estado Português. No Acórdão a quo, foi decidido que "Não tendo os arguidos BB, CC e DD sido responsáveis por qualquer conduta ilícita relativamente a AA, os mesmos, ou o Estado Português, também não são responsáveis pela reparação de nenhum prejuízo daquela, pelo que serão absolvidos totalmente do pedido de indemnização civil contra eles deduzido por AA." (cf. página 144 do Acórdão recorrido). Da impugnação da matéria de facto provada e não provada constante do capítulo anterior resulta que foi em consequência direta da ilícita atuação de BB queAA sofreu os danos corporais que apresentou, os danos morais relatados em audiência de julgamento e que ficou sem um telemóvel. Foi também em consequência da omissão de CC e DD, que nada fizeram para impedir as agressões de BB a AA dentro da viatura da PSP, que a Demandante sofreu aqueles mesmos danos corporais e os respetivos danos morais consequentes deste episódio. Não há dúvidas de que a atuação ilícita de BB, CC e DD contra AA produziu as consequências - físicas e psicológicas - indicadas no pedido de indemnização civil, devendo, por isso, gerar a obrigação solidária de indemnizar a Demandante ao Estado e aos três Demandados. Foi feita prova de que a Demandante sofreu lesões físicas que lhe causaram dores intensas durante os primeiros 10 dias, que a impediram de comer, de dormir, de cuidar da sua higiene e de efetuar qualquer tarefa doméstica; de nas semanas seguintes às agressões e decorrido o período temporal acima mencionado, sentiu dores, ainda que com menor intensidade; ainda nos dias de hoje tem zumbidos nos ouvidos e visão turva; ficou com marcas no lábio e no couro cabeludo; ficou com falta de cabelo; sofreu angústia severa, ansiedade, pânico, medo de sair à rua, de utilizar os transportes públicos e de frequentar locais públicos ou abertos ao público; durante pelo menos 2 (dois) meses sofreu de forma acentuada de perda de apetite, insónias, mal estar geral, astenia, fadiga física e mental; até aos dias de hoje padece de ansiedade, insónias, pesadelos, suores nocturnos, tendência para o isolamento, medo de sair à rua e de se deslocar e/ou frequentar quaisquer locais públicos e/ou abertos ao público. Foi ainda feita prova dos danos por si sofridos, em consequência dos danos causados à sua filha e de que nunca mais conseguiu ter paz, serenidade e alegria no seu agregado familiar; evita sair de casa, tal como a referida filha, pelo que deixaram de se deslocar a parques infantis, supermercados, centros comerciais, restaurantes, concertos, cinemas ou a qualquer outro local onde habitualmente estejam Agentes de autoridade ou os possam encontrar pelo caminho e deixaram de se deslocar de autocarro ou qualquer outro transporte público; deixou de ter convívio social, com familiares e amigos; perdeu o gosto pela vida, passou a viver isolada em casa, sem vontade de sair,de se divertir, de conviver; era uma pessoa alegre, bem disposta e cheia de energia e passou a viver amargurada, triste, sem vontade e/ou capacidade de iniciativa seja para o que for; foi no Correio da Manhã e nas redes sociais e no seguimento de várias publicações feitas pelo Sindicato Unificado da Polícia de Segurança, na página do Facebook do Sindicato, acusada de ter praticado um crime e por isso BB a ter detido, de ser pessoa violenta, de ter ameaçado o condutor do autocarro, de ser pessoa desordeira, de ter sido ela a arranjar o conflito, de ter agredido BB e como tal até ter sido constituída arguida. Ainda por causa da conduta de BB, AA ficou com a camisola e as calças que trazia vestidas, de valor não inferior a 50 EUR estragadas; teve que adquirir medicamentos, principalmente para as dores, de valor não inferior a 50 euros; teve que fazer várias deslocações, sendo o custo com transporte de valor não inferior a 200 euros, nomeadamente ao Hospital ..., a exames médicos, a farmácias, ao tribunal, à PSP, ao escritório da sua mandatária. A testemunha HH descreveu que, após o incidente, a sua mãe tinha dificuldade em falar e caminhar, sendo necessário segurá-la para ajudar na locomoção. Antes do ocorrido, a mãe realizava as tarefas domésticas, mas após o incidente, outros familiares ajudavam, e isso perdurou por vários meses. A filha da Arguida/Assistente mencionou que a vida da família mudou, pois antes faziam passeios e viagens, mas depois ficaram mais em casa, uma vez que a mãe não gostava de sair devido ao seu estado de saúde. A mãe queixava-se de dores, às vezes apontando com o dedo quando não conseguia falar, indicando as áreas doloridas. Também o companheiro da Recorrente, MM, descreveu os danos supra indicados com vivido detalhe, tendo referido que que, após os acontecimentos, AA passou a usar peruca, sentia dores de cabeça constantes e teve dificuldades para comer devido a lesões na boca e dentes, situação que durou cerca de dois meses, durante os quais precisou de alimentá-la. A testemunha MM descreveu igualmente que a companheira teve alterações emocionais significativas, ficando agitada, sem conseguir dormir e incapaz de lidar com a autoridade policial. Além disso, precisou de tomar medicação e ficou transtornada pela repercussão do caso na comunidade e na comunicação social. MM explicou ao Tribunal que AA perdeu o emprego após dois meses sem poder trabalhar devido a dores no corpo e hematomas e que a filha do casal, HH precisou de acompanhamento psicológico. Mais afirmou que a família ficou abalada, e ele próprio passou duas semanas sem conseguir trabalhar, tendo ainda confirmado que o telefone e as roupas de AA também foram danificados durante o incidente. GG relatou que sua tia, AA, sofreu grande impacto emocional e físico após o incidente, passou a evitar sair de casa por ser alvo de comentários racistas, e a filha, HH, desenvolveu um medo de policiais, chorando e ficando assustada ao ver pessoas fardadas. Mais referiu a testemunha GG que a tia também ficou traumatizada, com hematomas no rosto que levaram 7 a 8 meses para desaparecer. Além disso, ela perdeu parte do cabelo, precisando cortá-lo, o que a deixou desconfortável para sair de casa, deixou de trabalhar e, por três meses, não conseguiu cozinhar ou comer alimentos sólidos, sendo alimentada com sopas e sumos. O relacionamento com o marido e o ambiente familiar mudaram, e AA deixou de ser a pessoa alegre e ativa que era antes. Sofreu dores físicas e dificuldades para dormir e comer, o que prejudicou ainda mais sua rotina diária. A testemunha SS descreveu o impacto profundo que o episódio teve na vida familiar de AA, destacando um sentimento generalizado de medo e tristeza. Relembrou conversas que testemunhou, onde HH e a sua família demonstravam medo de que algo de mal pudesse acontecer novamente, especialmente à mãe de HH. Mais referiu a mesma testemunha que, além disso, o marido de AA sentia uma profunda sensação de injustiça por não ter conseguido protegê-la; que o episódio causou um impactosignificativo nas dinâmicas familiares, gerando um ambiente de luto contínuo na casa e que esse luto não foi superado e se intensificou com o processo judicial, causando profunda ansiedade e sofrimento diário. AA também descreveu ao Tribunal o impacto físico e emocional que sofreu após o incidente, explicando que que, devido aos ferimentos, precisou de ajuda do marido e da mãe para se alimentar e manter a higiene pessoal; que mãe trouxe remédios caseiros e chá para ajudar a remover o sangue coagulado no corpo. A Demandante AA também relatou ter desenvolvido um medo intenso de polícias, a ponto de evitar eventos ou locais onde eles estivessem presentes, mencionando que até o dia do julgamento sentia pânico, tendo dificuldades para comer e dormir devido à ansiedade.
Concluindo que devem, assim, os factos não provados ww), xx), yy) e aaa) serem julgados provados.
No que se reporta aos factos provados 103ºa 105º, ao contrário do invocado, não se considera que se imponha a sua modificação.
Com efeito, os mesmos decorrem quer da perceção direta do tribunal relativamente à personalidade da recorrente revelada nos factos praticados na pessoa do arguido BB quer da interpretação do relatório social elaborado relativamente à mesma.
Refira-se que não mereceu acolhimento a impugnação da matéria de facto empreendida pela recorrente relativamente ao ocorrido na paragem do autocarro e, assim, quanto aos factos de que foi alvo BB sendo que quanto a estes a arguida e ora recorrente nunca revelou efetivamente qualquer autocrítica ou arrependimento.
Assim, tais factos provados (103º a 105º) mantêm-se nos seus precisos termos.
No que se reporta aos factos provados 124º e 125º a seleção do primeiro tem respaldo quer no teor do relatório social referente ao arguido quer no teor do seu Certificado de Registo Criminal que atesta a ausência de averbamentos pelo que inexiste motivo para proceder à sua alteração.
No que se reporta ao segundo (facto provado 125º) nada consta do relatório social relativamente ao mesmo sendo que na perspetiva deste Tribunal a negação da prática dos factos por parte do arguido inviabiliza que se extraía o aí fixado.
Assim, entende-se que tal facto provado 125º deve ser eliminado da matéria de facto provada e inserido na matéria de facto não provada.
Por último e, no que se reporta aos factos não provados ww), xx), yy) e aaa), é preciso esclarecer que a impugnação da matéria de facto não foi procedente com a amplitude desejada pela recorrente mantendo-se, por isso, relativamente a alguns danos descritos em ww), xx), yy) e aaa) a impossibilidade de estabelecer um nexo de causalidade com uma atuação dolosa, ilícita e culposa do arguido BB.
Assim e relativamente ao consignado em xx) considera-se que tais danos decorrem dos factos ocorridos na paragem do autocarro e que a filha da recorrente presenciou diretamente. Porém, relativamente a tais factos a impugnação da matéria de facto não foi procedente de molde a considerar-se quer que a atuação de BB foi penalmente relevante quer que a da recorrente não o foi.
Por conseguinte e quanto a tal facto xx) entende-se que o mesmo deverá permanecer como não provado.
No que se reporta ao facto não provado aaa) entende-se que apenas parte do mesmo pode ser considerado como provado.
Com efeito, não resultou demonstrado que por ação do arguido BB a recorrente tenha ficado com o seu telemóvel no valor de 150€ destruído e os estragos na camisola e nas calças que trazia vestidas e de valor não inferior a 50€ também não lhe podem ser imputados. Ambos os estragos se referem ao ocorrido na paragem de autocarro sendo válidas as razões supra aduzidas quanto à ausência de um nexo de causalidade idóneo a sustentar responsabilidade por tais danos.
Assim, apenas pode ser dado como provado de tal facto os segmentos:
Por causa da conduta de BB AA:
- teve que adquirir medicamentos, principalmente para as dores, de valor não inferior a 50 €;
- teve que fazer várias deslocações, sendo o custo com transporte de valor não inferior a 200 €, nomeadamente ao Hospital ..., a exames médicos, a farmácias, ao tribunal, à PSP, ao escritório da sua mandatária;
Mantendo-se como não provado nos segmentos:
Por causa da conduta de BB, AA:
- ficou com a camisola e as calças que trazia vestidas, de valor não inferior a 50 €, estragadas;
- ficou com o seu telemóvel, no valor de 150 €, destruído.
Relativamente ao que consta no facto não provado ww) impõe-se referir que a recorrente foi sujeita a perícia pelo INML que fixou a data da cura das lesões apresentadas pela mesma em 9 de fevereiro de 2020 e consignou que as mesmas determinariam em condições normais 21 dias para cura com afetação da capacidade de trabalho geral por dez dias.
Tal relatório refere, também, a ausência de consequências permanentes.
Por outro lado, do relatório social da arguida elaborado em 1 de setembro de 2023 resulta que à data dos factos a mesma se encontrava de baixa médica devido a patologia osteoarticular de um joelho, pelo que cozinhava em casa por encomenda para venda, como forma de angariar algum rendimento para o sustento do agregado familiar e que na data em que tal relatório foi elaborado a mesma já trabalhava como empregada de limpeza e cuidadora de uma pessoa idosa bem como colaborava aos fins de semana com uma Associação com fins humanitários, para a qual confeciona refeições e salgados beneficiando de apoio jurídico da mesma.
Mais resulta de tal relatório que a mesma beneficiou de apoio psicológico pelo impacto emocional e psicológico do processo.
O descrito no facto não provado yy) pressupõe uma permanência de danos até ao presente que não é compatível com o que resulta, desde logo, do relatório do INML que atesta a ausência de quaisquer consequências permanentes.
Ademais, também, o relatório social afirma a retoma da vida profissional pela recorrente e ausência de apoio psicológico da mesma em tal data.
Por outro lado, inexiste também nexo de causalidade relativamente ao que foi publicado nas redes sociais ou no Correio da Manhã, posto, que tal não decorre de qualquer ação nesse sentido do arguido BB, pois, que o mesmo não pode ser responsabilizado por publicações e notícias relativamente às quais não tem qualquer domínio.
Assim, entende-se que tal facto yy) deve permanecer como não provado.
No que se reporta ao facto não provado ww), em face da prova produzida em audiência e do que consta do relatório do INML e do relatório social da arguida, entende-se que os segmentos:ainda nos dias de hoje tem zumbidos nos ouvidos e visão turva; até aos dias de hoje padece de ansiedade, insónias, pesadelos, suores nocturnos, tendência para o isolamento, medo de sair à rua e de se deslocar e/ou frequentar quaisquer locais públicos e/ou abertos ao público; nas semanas às agressões e decorrido o período temporal acima mencionado ainda que com menor intensidade; durante pelo menos 2 (dois) meses devem permanecer como não provados.
E no demais o facto não provado ww) transita para a matéria de facto provada, mas com a seguinte redação:
Em resultado direto e necessário da conduta de BB, AA:
- sofreu lesões físicas que lhe causaram dores intensas durante os primeiros 10 dias, que a impediram de comer, de dormir, de cuidar da sua higiene e de efetuar qualquer tarefa doméstica;
- pelo menos pelo período de 21 dias sentiu dores, ficou com marcas no lábio e no couro cabeludo; ficou com falta de cabelo; sofreu angústia severa, ansiedade, pânico, medo de sair à rua, de utilizar os transportes públicos e de frequentar locais públicos ou abertos ao público; sofreu de forma acentuada de perda de apetite, insónias, mal estar geral, astenia, fadiga física e mental.
Apreciada a impugnação da matéria de facto invocada no recurso de AA em face da improcedência da mesma relativamente aos factos ocorridos na paragem do autocarro perpetrados por AA relativamente a BB considera-se prejudicado o conhecimento da questão se em caso de procedência da impugnação da matéria de facto a conduta da recorrente configura direito de resistência à luz do consagrado no artigo 21º da Constituição da República Portuguesa ou legítima defesa à luz do artigo 32º do Código Penal.
No seu recurso a recorrente AA invoca, ainda, que foi violado o seu direito a um processo equitativo tal como previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
Para tanto alega que as audiências de julgamento foram um caso flagrante de hostilidade e imparcialidade apriorística, que o ambiente hostil e intimidante criou nos intervenientes processuais sentimentos de nervosismo, constrangimento, aflição ou medo, prejudicou a espontaneidade dos depoimentos, impede a lembrança de memórias relevantes, de modo geral impedindo que os depoentes-sejam arguidos, assistentes ou testemunhas falem livremente e mesmo que os advogados trabalhem sem estarem condicionados ou pressionados e que o Tribunal consiga chegar à verdade material.
Mais alega que a imparcialidade judicial requer que o Tribunal adote uma postura neutra em relação às partes sendo o respeito pelo dever de urbanidade o princípio desta obrigação de neutralidade- o que não foi cumprido pelo Tribunal a quo em relação à recorrente e às testemunhas que apresentaram em audiência uma versão dos factos condicente com a sua defesa.
E, ainda, que a Srª Drª Juiz Presidente por diversas vezes utilizou um tom manifestamente agressivo, interrompeu sucessivamente e pressionou a recorrente, sua mandatária e as testemunhas por si arroladas para que respondessem mais rápido ou para se expressarem de forma que agradasse à Srª Drª Juiz Presidente dando uma impressão de que já tomou uma decisão sobre o caso e que não estava disposta a ouvir todos os argumentos, perspetivas, nuances ou justificações do lado da recorrente.
Entende a recorrente que a postura do Tribunal e a forma como trata e se dirige (seja nas palavras seja no tom) à arguida e sua advogada são absolutamente inaceitáveis e tiveram um peso no sentido da errada e injusta decisão que ora se impugna.
Em suma, a recorrente faz subsumir a violação do direito a processo equitativo o modo como a Juíza Presidente do Coletivo dirigiu a audiência de julgamento.
Estabelece o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem sob a epígrafe Direito a um processo equitativo: 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça 2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada. 3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.
Por seu turno consagra o artigo 20º nº4 da Constituição da República Portuguesa: Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
O artigo 20.º da Lei Fundamental garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada;(c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94).
A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiado exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo; (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material[11].
A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não deixa de permitir uma ampla liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Contudo, impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Ora, os poderes de disciplina e de direção consagrados pelo legislador processual penal no artigo 323º do Código de Processo Penal não contendem com o direito a um processo equitativo, ao invés visam assegurá-lo como decorre do teor das diferentes alíneas do referido normativo.
As decisões tomadas no âmbito dos poderes de direção e disciplina quer relativamente aos sujeitos processuais quer relativamente às pessoas que assistem à audiência (artigo 324º do Código de Processo Penal), são decisões de atuação funcional necessariamente revestidas da autoridade e firmeza que inere à função judicial que visam assegurar o interesse da justiça prosseguido pelo tribunal.
Estão previstos no Código de Processo Penal os mecanismos processuais que podem ser suscitados em caso de intervenção suspeita de juiz por motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade e não se deteta que no caso tal tenha ocorrido.
À recorrente foram assegurados todos os direitos fundamentais e processualmente consagrados: foi constituída arguida, teve conhecimento dos factos concretos imputados e das provas que sustentavam tais factos e a possibilidade de sobre as mesmas se pronunciar adjetiva e substantivamente, teve a possibilidade de prestar declarações e oferecer provas, foi objeto de decisões relativamente às quais teve sempre a possibilidade de arguir irregularidades, nulidades e recorrer nos limites processualmente previstos, o seu julgamento foi coletivo e foi público e no decurso do mesmo a recorrente teve a possibilidade de amplamente intervir, estando sempre representada por advogado, a decisão do tribunal coletivo encontra-se fundamentada (o que a recorrente não contesta) e da mesma interpôs recurso.
A recorrente teve direito a um processo equitativo e sendo um processo penal o mesmo é delimitado pelas regras processuais penais que visam não só a recorrente, mas todos os sujeitos e intervenientes processuais e até o próprio tribunal recorrido na sua atuação funcional.
Não se vislumbra qualquer violação dos preceitos invocados pela recorrente ou dos princípios ínsitos aos mesmos, pelo que improcede também neste segmento a pretensão recursiva da recorrente.
Prosseguindo na apreciação das pretensões recursivas dos recorrentes invoca o recorrente BB no seu recurso que adecisão recorrida padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova previstos no artigo 410º nº2 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.
Neste particular refere o recorrente, em síntese, que se verifica erro notório na apreciação da prova por decorrer do texto do acórdão que foram valorados os depoimentos de EE e FF pese embora as reservas constantes dos mesmos e que se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada porque não foi feita prova dos constante nos factos provados 23º e 24º uma vez a verificação do tipo legal de crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº1, 145º, nºs 1, alínea a) e 2, com referência à alínea m) do nº 2 do artigo 132º, todos do CP, pressupõe a verificação de um dano que não há evidências de se terem verificado, já que não houve perícias, nem fotografias juntas aos autos, que fossem susceptíveis de verificação de um resultado: a lesão do corpo ou da saúde de outrem.
Para sustentar o alegado no que respeita ao erro notório na apreciação da prova o recorrente refere que da decisão recorrida consta relativamente a FF: "Em face desde logo dos depoimentos prestados por FF, do seu conteúdo e modo de exposição, mas também da sua análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com a restante prova produzida, resultou claro para o tribunal que o primeiro deles foi condicionado por medo, pese embora já com a perspectiva enviesada, parcial e sugestionada que tinha sobre aquilo a que numa parte assistira e que noutra se passara perto de si, e que o segundo e o terceiro foram já fortemente marcados pela orquestração de perspectivas orientada para a desresponsabilização de AA e para a responsabilização do motorista e do agente da PSP que a abordaram, tal como sucedeu com GG, nos termos supra expostos, e que tal foi intensificado quer pela sua pré-existente evidente animosidade relativamente ao exercício da actividade própria da polícia (não sendo despicienda a referência do próprio a que se encontravaem liberdade condicional), quer pela sua - aí sim -, justificada revolta pela injustificada - claramente inadmissível -, privação da liberdade e pelas agressões físicas de que, já na esquadra, foi vítima pelo polícia que determinou que para ali fosse: BB. Nesta parte - a referente ao comportamento de BB para consigo -, FF transpareceu, no que descreveu, aquilo que efectivamente vivenciou, contrariamente ao que essencialmente quanto ao mais narrou, em que deixou condicionar a sua percepção e descrição parcial dos factos pela sua impetuosidade, pela sua mundividência e pelos interesses dos que considera mais próximos desta”.
E que quanto a EE consta na decisão recorrida: "As imprecisões/incoerências nos descritos três depoimentos de EE foram reveladoras de que em audiência de julgamento relatou os factos como os recorda e de que os recorda com grau de precisão directamente proporcional à importância que naturalmente lhes atribuiu; daí que, por estar ainda mais focado na prévia questão entre o motorista e AA, tenha criado a memória de que estes não saíram do autocarro e de que BB aí entrou, quando resultou evidente, da análise crítica e global da prova produzida a tal respeito, que não foi isso que ocorreu, tendo a situação entre BB e AA decorrido na zona da paragem do autocarro. Em audiência de julgamento, EE não quis relatar mais ou menos ou algo diferente do que percepcionou, quis relatar aquilo de que se recorda como se recorda, sendo - como sucedeu com II -, claro o carácter espontâneo, não preparado, nem orquestrado, nem sugestionado do seu depoimento, sendo as verificadas imprecisões/incoerências naturalmente decorrentes de, no desenvolvimento dos factos, ter tido a sua atenção focada em aspectos diferentes, de efectivamente não ter estado sempre a olhar para e atento a AA e BB, e do efeito do decurso do tempo (e da percepção da existência de diversas narrativas, de diversas proveniências) na memória. Importa ainda referir que as percepções de II e de EE diferiram também naturalmente em função da sua relação com as situações que foram ocorrendo, com o que os preocupava, com os locais onde cada um deles se encontrava em cada momento e com a decorrente capacidade/possibilidade de entendimento do que se passava."
Por sua vez e no que se reporta à invocada insuficiência o recorrente apela ao teor que transcreve nas suas conclusões de excertos das declarações prestadas por si em audiência bem como ao teor de excertos de declarações prestadas pelos coarguidos CC e DD e ainda a extratos do depoimento prestado por EE perante magistrado do Ministério Público.
Prevê o artigo 410º nº2 que mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal a matéria de direito o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) o erro notório na apreciação da prova.
Importa sublinhar que em qualquer das hipóteses indicadas o vício tem de resultar da decisão recorrida por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum não sendo, assim, admissível apelar a elementos estranhos àquela para o sustentar.
Destarte, a apreciação da existência dos vícios elencados nas diferentes alíneas do referido normativo incide, apenas, sobre o texto da decisão recorrida, em sim mesma ou em conjugação com as regras da experiência comum e sem apelo a declarações, depoimentos, documentos do processo ou qualquer outro tipo de prova produzida no julgamento[12].
São, assim vícios intrínsecos, estruturais da decisão recorrida percetíveis numa mera leitura da mesma e apreensíveis pelo cidadão médio, pelo que evidentes e revelando juízos ilógicos, contraditórios, ao arrepio das regras e máximas da experiência comum, ou seja, ao normal vivenciar e conhecimentos adquiridos do homem médio.
No que respeita ao vício traduzido na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que se reporta a al. a) do nº2 do artigo 410º este verifica-se não só quando a matéria de facto provada seja exígua e, por isso, inidónea a fundamentar a decisão de direito, mas também quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para tal decisão[13].
Contudo este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para sustentar a matéria de facto provada uma vez que esta última respeita ao princípio da livre apreciação da prova.
Como se exara no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2011[14] “A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art.º 410.º, n.º2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados”.
Ora, no caso vertente o que o recorrente invoca é uma insuficiência de prova e não uma insuficiência de factos e para sustentar tal insuficiência de prova apela a declarações prestadas nos termos sobreditos.
Para além de tal apelo não ser possível como supra afirmado, também, o vício ocorre quando não há factos suficientes que sustentem a decisão e não em situações de omissão de prova que sustente tais factos.
Afigura-se-nos que o recorrente confundiu, nesta parte, a impugnação do 410º nº2 do Código de Processo Penal com a impugnação do artigo 412º nº3 do mesmo diploma legal que também suscitou e foi já considerada improcedente por falta de cumprimento pelo recorrente do ónus processual que sobre o mesmo impende.
Assim, não se verifica na decisão recorrida qualquer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como invocado.
No que respeita ao vício indicado na al. c) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal: o erro notório na apreciação da prova: este ocorre quando o homem médio em face do teor da decisão em si mesma ou conjugada com o senso comum facilmente se apercebe que o decisor levou a cabo em tal decisão uma apreciação desadequada, incorreta sustentada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Tal vício, também, se manifesta quando se infringem as regras da experiência, da prova vinculada ou das leges artis ou quando sem qualquer fundamento se diverge do juízo pericial
É, naturalmente, um vício patente na decisão aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente[15].
Redunda, pois, num vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido[16].
Tal entendimento é perfilhado por todos os Tribunais da Relação e, ainda, pelo Supremo Tribunal de Justiça de que se cita, deste último e a título meramente exemplificativo, o acórdão de 9 de março de 2023[17] em que se consigna “O erro notório na apreciação da prova é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, nomeadamente, através da leitura da matéria de facto e da fundamentação da matéria de facto, mas nem sempre detetável por um simples homem médio sem conhecimentos jurídicos. Na verdade, o erro pode não ser evidente aos olhos do leitor médio e, todavia, constituir um erro evidente para um jurista de modo que a manutenção da decisão com base naquele erro constitui uma decisão que fere o elementar sentido de justiça”.
Advertindo, também, o Supremo Tribunal de Justiça[18] através do seu acórdão de 23 de setembro de 2010: «O vício da al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova (…) tem também que ser um erro patente, evidente, percetível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida».
No caso vertente o recorrente suscita a existência de tal erro tendo por base o teor da decisão recorrida.
Ora, já anteriormente se manifestou a discordância deste Tribunal de recurso relativamente à motivação da matéria de facto constante da decisão recorrida, mormente relativamente a FF, mas tal discordância não tem a virtualidade que o recorrente lhe pretende atribuir, pois, que o se entendeu é que inexistia motivo para não lhe atribuir credibilidade para além do consignado na decisão recorrida.
A credibilidade da versão de FF relativamente aos factos de que foi alvo por parte do ora recorrente não foi questionada na decisão recorrida nem merece questionamento por este Tribunal.
Ademais e no que se refere a EE não se deteta no segmento da motivação assinalado qualquer erro notório na apreciação da prova porquanto o mesmo não se subsume à explicitação que foram detetadas imprecisões explicáveis pelo decurso do tempo e pelas vivências de uma testemunha.
Destarte improcede também quanto a esta questão o recurso do arguido BB.
Em face de todo o exposto a fim de conferir maior inteligibilidade a este acórdão procede-se à enunciação dos factos provados e não provados na sequência da análise das questões dos recursos com influência relativamente à matéria de facto, reiterando-se que o recurso de BB foi quanto a tal matéria improcedente e o recurso de AA parcialmente procedente.
Factos Provados:
1º No dia 19 de Janeiro de 2020, pelas 20h30, o arguido/assistente BB, agente principal da PSP, encontrava-se fora do seu horário de serviço, acompanhado por um amigo, RR, que lhe tinha dado boleia por causa da uma avaria do veículo automóvel e, ao passar pela Rua ..., junto a um café, nas imediações do prédio com o número de polícia ...09, na ..., pediu-lhe para parar, para tomar café (facto 1 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
2º Então, BB foi abordado pelo motorista da carreira n.º ...63 da EMP02..., II, que efetuava o trajeto ... – ..., que o identificou como elemento de uma força de segurança e lhe pediu auxílio para identificar uma passageira, a arguida/assistente AA, que o motorista alegava que tinha ameaçado a sua integridade física, usando expressões que lhe causaram medo, por a filha não ter um título de transporte válido (facto 3 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
3º BB foi abordado pelo motorista porque trajava uniforme policial, com um casaco civil por cima, sendo facilmente identificado como agente de autoridade (facto 4 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
4º O motorista perguntou-lhe se se encontrava de serviço, ao que BB respondeu prontamente que não mas se fosse necessário estaria, tendo tirado de imediato o seu casaco civil, exibindo uma camisa que o identificava como agente da PSP (facto 5 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
5º BB foi na direção de AA, que se encontrava na zona da paragem de autocarro, e perguntou-lhe “É a senhora que anda a fazer distúrbios na camioneta a mandar agredir o motorista?”, “O que é que se passa?”, “Por que é que a senhora está a prometer uma surra ao motorista?”, ao que AA retorquiu que não tinha feito nada e que apenas estava a falar com um familiar através do telemóvel, que não podia estar a falar com ela naqueles termos, porque ele não se encontrava de serviço e que não tinha feito nada que justificasse sequer a sua identificação (facto 6 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
6º AA continuava aos gritos, afirmando “Eu faço o que quero” (facto 7 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
7º Aquando do acima descrito BB perguntou a AA o que se passou e disse-lhe que, por causa das ameaças que o motorista disse que ela lhe tinha feito no exercício das suas funções, teria que a identificar, a fim de participar a situação (facto 8 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
8º AA afirmou "não tenho que falar consigo", "chamem a polícia", que ele que não estava de serviço e que ela não tinha feito nada (facto 9 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
9º Uma vez que AA não se mostrava colaborante e que existia um queixoso que desejava procedimento criminal, BB não permitiu que a mesma se ausentasse do local (facto 10 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
10º BB referiu que era polícia, que a partir daquele momento já se encontrava de serviço e que ela não sairia dali o que AA não acatou, tendo então BB tentado agarrá-la (facto 11 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
11º De imediato, AA começou a dar empurrões no peito de BB, dizendo que não se identificava (facto 12 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
12º Por ser conhecedor de técnicas policiais de imobilização de pessoas e também por ser praticante de artes marciais, a fim de a fazer parar e dando-lhe voz de detenção BB agarrou AA por trás com o braço direito e pelo pescoço tendo ambos caído, mas ficando o arguido por cima da ofendida que ficou com as costas no chão, depois, o arguido conseguiu virar a ofendida, entrelaçou as suas pernas à volta do corpo da ofendida ao mesmo tempo que esta gritava para a largar (facto em substituição do facto 13 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, agora com a redação que ficou decidida neste acórdão).
13º O arguido, por cima da ofendida e ambos no chão, com a mão direita tentava algemar a ofendida, mas com a sua mão esquerda, puxava-lhe os cabelos com bastante força provocando-lhe o arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais, tendo a ofendida mordido o arguido para dele se libertar (facto em substituição dos factos 15 a 17 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, agora com a redação que ficou decidida neste acórdão).
14º Após, BB conseguiu inverter a posição, colocando-se por cima de AA, tendo entrelaçado as pernas dele à volta do corpo dela, e tentou algemá-la com a mão direita, enquanto AA gritava para a largar (facto 18 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
15º Foi apenas com a mão direita que BB tentou algemar AA, enquanto que com a sua mão esquerda lhe puxava os cabelos, com bastante força, provocando-lhe o arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais, tendo então AA mordido BB para dele se libertar (facto não provado i) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
16º BB sentou-se em cima de AA, na zona lombar, pressionando o corpo da mesma contra o chão, não só a imobilizando, como também lhe puxando os cabelos (parte do facto não provado ii) no acórdão recorrido que passou para facto provado com esta última redação, conforme decidido no presente acórdão).
17º O arrancamento do cabelo referido resultou de traumatismo de natureza contundente (facto não provado n) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
18º BB provocou dores intensas a AA, tendo-lhe arrancado madeixas de cabelo (facto não provado kk) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
19º Quando outros agentes da PSP chegaram ao local, onde chegou também o carro-patrulha CP.....60, da Esquadra ..., AA foi algemada e transportada para o veículo policial, de matrícula ..-CN- .., tendo então sido conduzida por BB e pelos agentes da PSP arguidos CC e DD à esquadra, tendo BB seguido no banco de trás, ao lado de AA, CC como arvorado, sentado à frente, do lado direito, e DD como motorista (facto 20 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
20º No trajeto entre a R. ... e a Esquadra ..., BB, aproveitando-se do facto de a mesma se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha, desferiu vários socos na cara da arguida AA (parte do facto não provado j) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
21º Assim que começou a ser agredida, AA começou a gritar (parte do facto não provado oo) no acórdão recorrido, com a eliminação da expressão ali contida «numa tentativa desesperada de que alguém que circulasse na rua a pudesse ouvir» segundo a redação que ficou decidida neste acórdão).
22º Até que AA deixou de gritar e já não tinha qualquer reação ao continuar a ser esmurrada por BB (facto não provado qq) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
23º Quando chegaram à Esquadra ... AA não tinha já qualquer reação e sangrava abundantemente da boca e nariz (parte do facto não provado tt) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
24º AA sofreu as seguintes lesões:
- no crânio, arrancamento do cabelo na sua inserção anterior, quer na região frontal quer nas regiões temporais;
- na face, hematoma periorbitário prolongado até à região malar, bilateralmente, com edema acentuado subjacente, hemorragia subconjuntival dos quadrantes laterais bilateralmente, escoriações com crosta sanguínea em toda a extremidade do nariz, incluindo asas nasais; equimose fortemente arroxeada na face mucosa de todo o lábio superior, com edema acentuado subjacente, ferimento aproximadamente linear longitudinal, com crosta sanguínea na metade superior, no lábio inferior, com edema acentuado subjacente;
- no pescoço, equimose fortemente arroxeada em todas as faces do pescoço, dolorosa à palpação;
- no membro superior direito, peso sobre a extremidade do 5.º dedo da mão (associada a fratura da unha pelo sabugo), mobilidades do ombro, cotovelo e punho limitadas por dor, aparentemente sem deformidades ou outras alterações agudas;
- no membro inferior esquerdo, equimose arroxeada na face medial do terço médio da perna, com 6 cm por 2 cm de maiores dimensões (facto 25 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
25º Estas lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente e determinaram 21 dias para a cura, com 10 dias de afetação da capacidade de trabalho geral, sem consequências permanentes (facto 26 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, com a eliminação da expressão «com exceção do arrancamento do cabelo» decidida no presente acórdão).
26º As lesões descritas sofridas pela arguida AA foram consequência direta e necessária da atuação do arguido BB (facto não provado m) no acórdão recorrido que passou para facto provado com esta última redação, conforme decidido no presente acórdão).
27º BB pretendeu molestar o corpo e a saúde de AA, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que alcançou (facto não provado o) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
28º BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei e ser a respetiva censurabilidade agravada pela função profissional que exercia (facto não provado u) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
29º Quanto aos factos provados com referência a AA, as condutas de BB eram proibidas e punidas por lei e a respetiva censurabilidade era agravada pela função profissional que exercia, o que o mesmo bem sabia (facto não provado t) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
30º DD e CC nada fizeram que impedisse a continuação da agressão por parte do seu colega, BB, nem procederam à elaboração de qualquer expediente, designadamente auto de notícia, relatando os factos que presenciaram e levando ao conhecimento da autoridade judiciária competente a prática de crime público que tinham presenciado (facto não provado l) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
31º DD e CC sabiam que a prática dos factos que presenciaram era crime e que violavam deveres inerentes às suas funções, com grave abuso de autoridade, estando obrigados a evitá-lo, bem sabendo serem essas suas condutas proibidas e punidas por lei (facto não provado s) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão);
32º DD e CC agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e ser a respetiva censurabilidade agravada pela função profissional que exerciam (facto não provado v) no acórdão recorrido que passou para facto provado, conforme decidido no presente acórdão).
33º Ao chegar à esquadra, BB foi aconselhado por um dos colegas a desinfetar as mãos e o braço, uma vez que estavam feridos e com sangue, e aí permaneceu até a chegada de uma ambulância que o levou ao hospital (facto 21 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
34º BB deu entrada no Hospital ..., às 22h24, com múltiplos hematomas, escoriações no antebraço e mão direita, com traumatismo e sinais de mordedura humana (facto 28 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
35º BB sofreu dores durante 3 dias e esteve de baixa médica durante 10 dias, impedido de exercer a sua atividade profissional (facto 29 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
36º AA sabia que molestava o corpo e a saúde de BB, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que pretendeu e alcançou (facto 27 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, com a eliminação da expressão «ao atuar do modo acima descrito no ponto 17.º» decidida no presente acórdão).
37º AA sabia que BB era agente de autoridade e que estava no exercício das suas funções (facto 30 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
38º AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta punida por lei e conformou-se com tal resultado (facto 31 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
39º BB ordenou que o ofendido FF e o assistente/demandante EE fossem levados para a esquadra, algemados, sem que tivessem tido qualquer participação ou intervenção no desenrolar dos factos, nem contra eles foi elaborado qualquer auto de notícia, detenção ou denúncia EE e FF foram algemados desde a Rua ... até à Esquadra ... (facto 22 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
40º Depois disto, no interior da esquadra, BB dirigiu-se a EE e desferiu-lhe um soco na cara e dirigiu-se a FF, dizendo-lhe “tu é que és o herói da rua, não é? E agora fala lá outra vez” e, de imediato, desferiu-lhe um soco que o atingiu no lado esquerdo da cara (facto 23 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
41º FF baixou a cabeça para impedir outras agressões; ainda assim, BB desferiu-lhe mais dois socos, que o atingiram na cabeça, e um pontapé, que o atingiu nas mãos que aquele colocou à frente da cara para se proteger (facto 24 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
42º FF e EE sofreram dores decorrentes das agressões que contra eles foram praticadas por BB, acima descritas nos anteriores pontos 23.º e 24.º e atuais pontos 40º e 41º (facto 32 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
43º BB atuou ciente do descrito nos antigos pontos 22.º a 24.º, que são os atuais factos provados 39º a 41º sabia que o fazia enquanto agente da PSP no exercício de funções, que, porque não tinham cometido crime, nem havia suspeita de que o tivessem feito, nem existia outro fundamento legal para os deter, EE e FF não podiam ter sido detidos e conduzidos para o interior da esquadra da PSP, que, ao atuar do modo descrito nos pontos 23.º e 24.º, molestava o corpo e a saúde de EE e FF, causando-lhes lesões, dores e mal-estar físico, e quis atuar como atuou (facto 33 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
44º Tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas acima descritas nos antigos pontos 22.º a 24.º, que são os atuais factos provados 39º a 41º proibidas e punidas por lei e ser a respetiva censurabilidade agravada pela função profissional que exercia (facto 34 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido)
Do pedido de indemnização civil deduzido por AA:
45º Previamente ao acima referido no ponto 2.º, AA, a filha então com 8 anos de idade e um sobrinho apanharam o autocarro n.º ...63, tendo como destino a paragem do ..., sita na Rua ..., na ... (facto 35 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
46º Ao entrarem nesse autocarro, o motorista perguntou a AA pelo passe da filha, que respondeu que se tinha esquecido dele em casa (facto 36 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
47º AA disse ao motorista que morava perto da paragem do ... e que ia telefonar para o filho, que estava em casa (facto 37 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
48º Enquanto procurava deter AA, até à chegada de outros elementos da PSP, BB mandou afastar todas as pessoas que se tentaram aproximar (facto 38 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
49º Entretanto chegaram ao local uma carrinha e dois carros da PSP (facto 39 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
50º Com as algemas, AA não se conseguiu levantar sozinha, pelo que BB puxou-a (facto 40 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
51º De seguida, outro agente da PSP levou-a algemada para o carro acima referido no ponto 20.º, no qual, nessa sequência, entraram BB, DD e CC (facto 41 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
52º. A referida filha de AA assistiu a parte do que até então ocorreu (facto 42 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
53º Por causa da conduta de BB AA:
- teve que adquirir medicamentos, principalmente para as dores, de valor não inferior a 50 €;
- teve que fazer várias deslocações, sendo o custo com transporte de valor não inferior a 200 €, nomeadamente ao Hospital ..., a exames médicos, a farmácias, ao tribunal, à PSP, ao escritório da sua mandatária (parte do facto não provado aaa) no acórdão recorrido que, nos termos da decisão agora proferida neste acórdão passa para os factos provados);
54º Em resultado direto e necessário da conduta de BB, AA:
- sofreu lesões físicas que lhe causaram dores intensas durante os primeiros 10 dias, que a impediram de comer, de dormir, de cuidar da sua higiene e de efetuar qualquer tarefa doméstica;
- pelo menos pelo período de 21 dias sentiu dores, ficou com marcas no lábio e no couro cabeludo; ficou com falta de cabelo; sofreu angústia severa, ansiedade, pânico, medo de sair à rua, de utilizar os transportes públicos e de frequentar locais públicos ou abertos ao público; sofreu de forma acentuada de perda de apetite, insónias, mal estar geral, astenia, fadiga física e mental (excerto do facto não provado ww) no acórdão recorrido que transita para a matéria de facto provada, nos termos do presente acórdão).
Do pedido de indemnização civil deduzido por EE:
55º O soco que BB desferiu em EE, acima referido no antigo ponto 23.º e atual ponto 40º, foi de punho cerrado e deixou EE em pânico, temendo por si, deveras prostrado e sem reação durante algum tempo, tendo então visto a dobrar, sentido fortes dores no local atingido, que duraram dias, e ali ficado com um caroço que demorou semanas a sarar (facto 43 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
56º EE não tinha sequer percebido a motivação para estar detido, mas também nada disse ou perguntou, com medo do que lhe pudessem fazer (facto 44 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
57º EE é uma pessoa tranquila e pacata, séria, honrada e respeitada (facto 45 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
58º Em consequência do soco referido no antigo ponto 23.º e no atual facto provado 40.º, sente-se profundamente ofendido, indignado e injustiçado (facto 46 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
59º Ficou extremamente envergonhado perante as pessoas que assistiram à sua detenção, sentindo-se profundamente vulnerável, vexado e ferido na sua honra (facto 47 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
60º Em consequência, sente-se profundamente humilhado e entristecido, receando cruzar-se novamente com um agente da polícia (facto 48 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
Do pedido de indemnização civil deduzido pela pela EMP01..., S.A.:
61º No dia 21 de janeiro de 2020, AA sentia dores e a EMP01..., S.A. (“Hospital ...”), prestou-lhe assistência médica e hospitalar no valor de 99,75 € (noventa e nove euros e setenta e cinco cêntimos) (facto 49 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
Da contestação de BB à pronúncia e aos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos:
62º Previamente ao acima referido no ponto 2.º, no mencionado autocarro, tendo sido interpelada pelo motorista a tal respeito, AA disse-lhe que a filha não tinha com ela um título de transporte válido, não o quis adquirir e, depois, disse que “se deviam juntar todos e dar uma surra” (facto 50 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
63º Foi por se sentir ameaçado que o motorista atuou como descrito no ponto 3.º (facto 51 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
64º Devido à resistência e às agressões de AA, foi muito difícil BB conseguir algemá-la, tendo sido por força da estatura e do peso de AA, e com a rotação do corpo da mesma, que, aquando do acima descrito no ponto 15.º, ambos caíram ao chão, ficando o corpo de BB por debaixo do dela (facto 52 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, sem a expressão «tendo então sido para que AA parasse de o morder que BB teve de segurar o cabelo dela mas sem o arrancar» cuja eliminação foi decidida no presente acórdão).
65º Para algemar AA, BB utilizou 2 pares de algemas, para ficarem mais largas, para não a magoar (facto 53 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, agora sem a expressão «para ficarem mais largas para não a magoar» cuja eliminação foi decidida, neste acórdão).
66º Quando, na sequência do acima descrito no antigo ponto 20º e no atual facto provado 19º, AA, BB, CC e DD chegaram à esquadra, BB, porque estava a sangrar do braço, saiu de imediato do veículo, entrou na esquadra e dirigiu-se ao andar de cima desta, não tendo mais contactado com AA (facto 54 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
67º Subsequentemente ao acima descrito no antigo ponto 20º e no atual facto provado 19º, AA foi levada, em ambulância chamada por agente da PSP, ao Hospital ..., onde a própria recusou tratamento médico e de enfermagem, e que, na medida em que AA ainda assim o veio a permitir, lhe prestou os serviços médicos adequados até a própria pedir alta médica (facto 55 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
68º Os Bombeiros Voluntários ... foram buscar AA à porta da esquadra, pelas 21h27, e transportaram-na para aquele hospital, na ..., onde a mesma deu entrada às 22h18 de 19 de janeiro de 2020, foi socorrida em episódio de urgência e teve a referida alta às 03h13 de 20 de janeiro de 2020 (facto 56 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
Da contestação de CC e DD:
69º No dia 19.01.2020, CC e DD estavam em serviço de patrulha no veículo automóvel acima referido antigo ponto 20º e no atual facto provado 19º, adstrito à Esquadra ..., ... (facto 57 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
70º Por volta das 21h00 receberam uma comunicação da “Central Rádio” – linha interna de comunicação da PSP –, instando-os, na sequência de um pedido de ajuda dirigido ao 112, a que se deslocassem à Rua ..., junto a um prédio com o n.º de porta ...09, para prestação de auxílio a um agente da PSP (facto 58 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
71º Imediatamente após, receberam nova comunicação, segundo a qual o agente necessitado de ajuda estava a ser agredido no local por várias pessoas – ocorrência esta que, segundo a “Cronologia de Ocorrência” ...00 do 112:
- teve início às 20h52m50s com chamada telefónica de motorista de autocarro dando conta de desacato e do local em que estava a acontecer;
- prosseguiu com uma segunda chamada, pelas 20h58m18s, realçando que o desacato já envolvia outras pessoas e que um agente da PSP precisava de apoio (facto 59 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
72º Acorreram ao local em marcha de urgência, utilizando para o efeito os meios policiais correntes de sinalização audiovisual – resultando a propósito do Relatório de Incidente n.º ...83 da PSP que:
- aí chegaram às 21h03m;
- às 21h04m informaram da chegada e que a situação estava controlada;
- pelas 21h16m que uma detida iria ser transportada para a esquadra (facto 60 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
73º Chegados ao local pelas 21h03m, viram o seu colega agente da PSP BB junto a paragem de autocarro a realizar manobras de imobilização a AA – ambos rodeados por populares, que observavam, filmavam e comentavam o que estava a passar-se (facto 61 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
74º Instantes depois, chegou ao local um segundo carro-patrulha da Esquadra ... e uma carrinha das equipas de intervenção rápida da PSP, acima referidos no ponto 39.º (facto 62 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
75º DD saiu do carro que conduziu e foi imediatamente falar com o seu colega BB, que lhe pediu duas coisas: água, por estar com a boca seca, e a identificação do motorista do autocarro 163 (facto 63 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
76º DD identificou o motorista e perguntou-lhe o que se passara, sendo então informado por este de que tinha solicitado o auxílio de BB por se ter sentido ameaçado por AA na sequência de uma discussão travada no interior do autocarro (facto 64 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
77º Enquanto isso, CC afastou os transeuntes, solicitando a identificação de alguns, como testemunhas (facto 65 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
78º Minutos após, CC e DD auxiliaram BB a introduzir AA no carro-patrulha, CC abrindo-lhe a porta traseira do lado direito do veículo e DD nele entrando também, pelo lado esquerdo, para lhe colocar o cinto de segurança, pois fora algemada por BB (facto 66 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
79º CC e DD não estavam no local quando AA resistiu à detenção, nem presenciaram os factos que a determinaram; limitaram-se a auxiliar BB a concretizá-la, abrindo-lhe espaço, afastando pessoas, sem quaisquer informações concretas prévias a respeito do que anteriormente se passara - senão que um agente da PSP precisava de apoio -, e apenas com a preocupação de garantir a sua segurança, bem como a segurança da detida (facto 67 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
80º Foram imediatamente informados no local, por BB, de que este tentara insistentemente identificar AA, mas que a mesma sempre recusou, empurrando-o, razão pela qual ele lhe deu voz de detenção, a que ela resistiu com muita agressividade, tudo culminando nas circunstâncias que percecionaram ao chegar (facto 68 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
81º No local dos factos havia pouca iluminação, um grande número de pessoas e quando CC viu AA esta tinha os cabelos a tapar-lhe a cara, seja quando estava a ser algemada, no chão, seja já em pé, parada e curvada, nervosa e a vociferar (facto 69 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
82º Dentro do carro-patrulha, AA seguiu no lado direito do banco de trás e BB no seu lado esquerdo (facto 70 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
83º A distância do local onde AA foi detida até à Esquadra da PSP ... é de 2,7 km e não havia trânsito (facto 71 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, com a redação que exprime o que resultou provado e retirado o segmento «pelo que a percorreram, no máximo, em 5 minutos; o caminho que percorreram foi o mais curto e direto possível», nos termos decididos neste acórdão).
84º Nessa noite, os vidros do carro nunca estiveram abertos; à hora dos factos estavam 10 ou 11 graus Celsius, sendo para além disso procedimento de segurança prescrito e habitual no transporte de detidos os vidros e as portas do lado em que seguem estarem fechados e trancados, assim se evitando tentativas de fuga e riscos de ferimentos acidentais ou autoinfligidos (facto 78 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
85º Chegados a ... por volta das 21h18m, DD estacionou o carro em frente à porta da Esquadra, com o lado do condutor voltado para essa porta, BB saiu do carro e entrou na Esquadra, seguido por DD, e CC foi abrir a porta do carro-patrulha a AA, para a auxiliar a sair da viatura (facto 79 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
86º Quando a porta do carro foi aberta, AA colocou os pés fora da viatura, caiu ao chão (facto 80 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido. Sem a expressão fez «peso morto» que passou para a matéria de facto não provada, como decidido neste acórdão).
87º CC amparou-a, mas não conseguiu evitar-lhe totalmente a queda, acabando AA por ficar deitada no chão junto ao lado direito do carro-patrulha (facto 81 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
88º Ao verificar os sinais vitais e pálpebras de AA, CC logo chamou o agente QQ, de sentinela à porta da esquadra, bombeiro voluntário melhor preparado para reagir naquelas circunstâncias e realizar as manobras de primeiros socorros aconselháveis, ajudou o agente QQ a colocar AA em posição lateral de segurança, contactou imediatamente, ou seja, pelas 21h19m25s, o 112 – Ocorrência ...80 na Cronologia desse serviço:
- esclareceu que “precisava de uma ambulância para a ... Esquadra, na ..., ...”, e, questionado se era mesmo a esquadra ..., respondeu: “É, é mesmo a Esquadra ..., Praceta ...”, garantindo-lhe o agente do outro lado da linha que iria contactar imediatamente o INEM;
- mas a passagem da chamada para o INEM não foi bem-sucedida, demorou muito tempo e acabou por cair;
- pelo que para o mesmo fim efectuou nova chamada pelas 21h22m57s. (facto 82 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, mas com a redacção determinada no presente acórdão, em virtude da supressão da expressão «apercebeu-se de que AA tinha lesões na face», que passou para os factos não provados).
89º Nos períodos de espera, várias vezes perguntou ao agente QQ se AA estava bem, se estava acordada, se podia fazer alguma coisa, manifestou-lhe a sua preocupação e revolta pela demora do 112, pois temia pelo estado de saúde de AA, sobretudo, mas também por si mesmo (facto 83 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
90º O INEM demorou, chegando ao local cerca de 20 minutos depois, tendo AA, sempre velada, sido propositadamente mantida deitada no chão (facto 84 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
91º Para evitar que sentisse frio, CC solicitou duas mantas, uma para a tapar, outra para colocar debaixo da sua cabeça (facto 85 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
92º Chegado o INEM, AA foi transportada para o Hospital ... EPE, onde chegou pelas 22h18m (facto 86 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
93º DD acompanhou-a na ambulância até ao hospital (facto 87 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
*
94º A arguida AA já foi condenada:
- pela prática, em 29.09.2016, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença proferida em 17.01.2018, transitada em julgado em 16.02.2018; esta pena foi substituída por 50 horas de trabalho e extinguiu-se, pelo cumprimento, em 28.06.2019 (Proc. n.º 1299/16.... do Juízo Local Criminal ... – Juiz ...) (facto 88 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
*
95º Nada consta do CRC do arguido BB (facto 89 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
*
96º A arguida AA nasceu em ../../1977, em ..., onde se desenvolveu integrada na família constituída pelos pais e quatro irmãos, com uma dinâmica relacional gratificante, com sentimentos de entreajuda entre os elementos do agregado familiar, sem privações na satisfação das necessidades básicas, tendo a subsistência sido assegurada pelos pais com os rendimentos das atividades profissionais de ambos (facto 90 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
97º Efetuou o percurso escolar em idade normal, tendo-se habilitado com o 8.º ano de escolaridade (facto 91 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
98º Por opção, saiu da escola e passou a ocupar o tempo com a venda de bebidas numa banca à porta da casa que habitava; a sua mãe comprava diversificados produtos, nomeadamente roupa e ourivesaria, na ..., onde se deslocava regularmente, para revenda em ...; AA, com o rendimento obtido daquela sua venda, comprava, através da mãe, utensílios domésticos, que também revendia, sendo este o seu meio de subsistência (facto 92 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
99º Com 20 anos de idade contraiu matrimónio com o pai dos dois filhos mais velhos, que não exercia atividade laboral, pelo que era a arguida o único sustento da casa; a separação do casal ocorreu cerca de dois anos mais tarde (facto 93 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
100º Em 2001, perante as dificuldades económicas vivenciadas e no intuito de alcançar melhores condições de vida, AA veio para Portugal, onde se encontravam dois irmãos; a sua integração e a dos filhos foi apoiada pelos familiares, designadamente por uma irmã junto de quem fixou residência e que lhe angariou trabalho numa pizzaria, onde beneficiou de inserção profissional imediata, que passou a desenvolver de forma regular, durante quatro anos; devido à exiguidade do espaço habitacional da arguida, os filhos foram temporariamente acolhidos pelo pai, também a residir em Portugal; contudo, este revelou incapacidade para cuidar dos filhos, pelo que a arguida os acolheu, reorganizando as condições de habitabilidade junto de uma tia (facto 94 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
101º Em 2003 iniciou união de facto com outro companheiro, com o qual tem dois filhos; esse relacionamento terminou em 2021; o pai desses seus filhos apoia-os economicamente; a arguida desenvolveu regularmente atividade profissional nas áreas da restauração e limpezas (facto 95 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
102º À ordem do Proc. n.º 1299/16...., a arguida cumpriu adequadamente as 50 horas de trabalho a favor da comunidade, de 19 a 28 de junho de 2019 (facto 96 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
103º À data da instauração do presente processo, a arguida residia com a filha e o filho mais novos, sendo aquela menor de idade, enquadramento familiar que mantém; os dois filhos mais velhos têm vida autónoma, mantendo relação afetiva gratificante com a família de origem (facto 97 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
104º Em termos profissionais, encontrava-se de baixa médica devido a patologia osteoarticular de um joelho; cozinhava em casa, por encomenda, para venda, como forma de angariar algum rendimento para o sustento do agregado familiar (facto 98 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
105º Reside na Rua ..., ..., em casa arrendada pelo valor mensal de 612 €, despesa suportada pelo ex-companheiro; para além do apoio económico deste, a arguida beneficia ainda da ajuda dos seus irmãos, emigrantes em países europeus, pelo que vive num contexto económico sem privações relevantes (facto 99 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
106º Atualmente, trabalha como empregada de limpeza duas horas diárias, no período da manhã, por conta de uma empresa, auferindo mensalmente cerca de 180 €; posteriormente, das 9h às 13h, trabalha numa casa particular, onde cuida de uma pessoa idosa, pelo que recebe mais 450 € mensais (facto 100 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
107º Ao fim-de-semana colabora com uma associação, para a qual confeciona refeições e salgados, contribuindo para a angariação de fundos, associação essa que, por sua vez, a apoia (facto 101 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
108º Na sequência dos factos supra descritos a que se refere este processo, a filha menor da arguida teve apoio psicológico na escola (facto 102 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
109º A arguida revela impulsividade e uma atitude de autovitimização (facto 103 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
110º Carece de desenvolver as suas capacidades de responsabilização e crítica perante actos ilícitos e socialmente desajustados, de definir estratégias pessoais consistentes favorecedoras de um estilo de vida normativo e do reforço da sua consciência cívica e jurídica (facto 104 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
111º A arguida revela fraco juízo crítico e reduzida interiorização do desvalor dos factos por si praticados relativamente a BB, supra descritos, quanto aos quais não tem arrependimento (facto 105 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
*
112º O arguido BB nasceu em ../../1975, é o mais velho de uma fratria de três elementos e o seu processo de socialização decorreu no bairro da ..., ..., caracterizado pela pobreza e exclusão social, num contexto familiar e social organizado segundo um modelo convencional, com laços afetivos e imposição de regras, com supervisão e proteção parental (facto 106 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
113º O pai desenvolveu atividade laboral como estofador de automóveis por conta própria e a mãe como cozinheira num hospital em ..., o que permitiu à família alcançar alguma estabilidade ao nível das condições socioeconómicas (facto 107 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
114º BB teve um percurso escolar normativo, tendo concluído o 12.º ano de escolaridade e então, com 18 anos de idade, ingressado, como voluntário, na Marinha Portuguesa – Fuzileiro, onde permaneceu até 1999, altura em que ingressou na PSP através de concurso, em ../../1999 (facto 108 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
115º Efetuou um percurso empenhado e investido, tendo passado pela Equipa de Intervenção Rápida ... (...), seguindo-se a ... Esquadra ... (...), o Corpo de Segurança Pessoal, subunidade da Unidade Especial de Polícia, com a missão de segurança pessoal a membros dos órgãos de soberania e altas entidades, fazendo também várias missões em ...; em 2017, solicitou licença sem vencimento na PSP e esteve numa missão no ... associada à proteção de Direitos Humanos, regressou à PSP em ../../2019 e foi colocado na ... Esquadra – ..., ..., onde permanece; tem a categoria de Agente Principal e é o Graduado de Serviço; as suas avaliações de desempenho foram de bom e muito bom (facto 109 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
116º Praticou atividades desportivas desde a infância, nomeadamente futebol e ciclismo; aos 14 anos de idade dedicou-se à prática de artes marciais, participando paralelamente em ações de voluntariado nas coletividades desportivas da área residencial; por ter formação em artes marciais, deu formação em defesa pessoal a jovens e a mulheres vítimas de violência doméstica (facto 110 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
117º Durante a adolescência iniciou uma relação de namoro, na sequência da qual casou em 1998; dessa união nasceram duas filhas, em ../../1999 e em ../../2002; essa relação terminou em 2003 e BB passou a viver sozinho em ..., ...; nesse ano iniciou relação afetiva com uma colega do trabalho, mas a atividade laboral de ambos provocava grandes períodos de afastamento do casal, que optou por se separar (facto 111 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
118º À data dos factos supra descritos a que se refere o presente processo BB residia com os pais (facto 112 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
119º Desde ../../2020 mantém uma relação marital (facto 113 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
120º A situação económica do agregado familiar era, como atualmente, equilibrada, encontrando-se assente no vencimento de BB, no valor líquido de cerca de 1500 € mensais, acrescido do recebido em gratificados que efetua sempre que possível, e no vencimento da companheira, enquanto auxiliar de ação médica em unidade hospitalar, no valor líquido mensal de cerca de 900 € (facto 114 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
121º Vivem em ..., em casa arrendada, pela qual BB paga mensalmente cerca de 400 €, tendo ainda como despesas fixas as inerentes à habitação, com água, luz, gás e comunicações, e despesas com créditos, no valor de cerca de 419 €, referentes à aquisição de duas viaturas, e no valor de 144 €, para ajudar financeiramente as filhas (facto 115 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
122º A relação marital é coesa e com sentimentos de gratificação na dinâmica relacional estabelecida (facto 116 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
123º BB vive muito centrado na companheira e na filha mais nova, uma vez que a mais velha vive fora de Portugal; a mãe de BB faleceu há cerca de quatro anos e este mantém uma relação muito próxima com o pai, que se encontra doente, com cancro na bexiga, necessitando do seu apoio (facto 117 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
124º BB tem boas competências comunicacionais, é uma pessoa extrovertida e com comportamentos habitualmente adequados; revela muito orgulho na profissão e já recebeu louvores (facto 118 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
125º Não tem problemáticas de consumo/abuso de substâncias estupefacientes ou álcool (facto 119 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
126º A sua situação jurídico-penal no âmbito deste processo tem tido repercussões no seu quotidiano, principalmente em termos pessoais, vivenciando ansiedade e sentimentos de tristeza e de injustiça, situação agravada pela mediatização do processo, sendo por vezes ameaçado quando reconhecido na rua e intitulado de racista de forma provocatória, o que não é, nem corresponde à sua forma de pensar (facto 120 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
127º Relativamente à factualidade a que se refere a acusação deduzida nos presentes autos foi instaurado inquérito por parte da Inspeção-geral da Administração Interna (IGAI), sendo aguardado o desfecho do presente processo judicial para a avaliação da sua futura situação profissional (facto 121 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
128º Nas circunstâncias atuais, BB continua a dispor do apoio da companheira, que se tem revelado presente, e centra-se com empenho na sua vida profissional (facto 122 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
129º Em vários momentos da sua atividade profissional BB esteve sujeito a momentos de stress e provocação (facto 123 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
130º A factualidade a que acima se referem os pontos 33º e 34º revestiu-se de carácter pontual na sua trajetória de vida (facto 124 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido);
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131º CC nasceu no dia ../../1993, cresceu em ..., em 19.01.2020 tinha 3 anos e 10 meses de serviço como agente na PSP, exercendo então funções na ... Esquadra dessa força policial, no ..., ... (facto 126 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
132º Ingressou no curso de agentes da PSP em ../../2015 e na ... esquadra em que foi colocado em 21.03.2016 (facto 127 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
133º Presta serviço desde 06.10.2022 na ..., na Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial (facto 128 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
*
134º DD nasceu no dia ../../1991, cresceu no ..., em 19.01.2020 tinha 7 anos de serviço como agente da PSP, exercendo então funções na ... Esquadra dessa força policial, no ... (facto 129 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
135º Ingressou no curso de agentes da PSP em ../../2012 e na sua ... esquadra em ../../2013 (facto 130 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
136º Está colocado desde ../../2022 em ..., na Secção de ... (facto 131 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
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137º CC e DD têm orgulho em exercer as suas funções na PSP e fazem-no com brio e respeito pelas outras pessoas (facto 132 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
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Factos não provados:
a) foi entre as 20h37m e as 21 horas que se verificou o descrito no ponto 1.º dos factos provados (alínea a) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
a 1) Que ao sair do carro, BB tenha ouvido uma mulher a gritar, estando um autocarro parado junto à paragem (facto 2 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
b) aquando do descrito no ponto 6.º dos factos provados, AA encontrava-se no interior da paragem de autocarro (alínea b) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
c) foi na sequência do descrito no ponto 6.º dos factos provados que BB despiu o casaco (alínea c) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
c1) Que quando BB a abordou, nas circunstâncias descritas em 6 e 7 dos factos dados como provados no acórdão recorrido (atuais factos provados 5 e 6) AA também tenha dito «não sou obrigada a dar satisfações” (parte do facto 7 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
c 2) Que, nas circunstâncias descritas em 6 e 8 dos factos dados como provados no acórdão recorrido (atuais factos provados 5 e 7), BB tenha exibido a sua carteira profissional (parte do facto 8 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
d) aquando do descrito no ponto 10.º dos factos provados, BB afirmou que AA tinha de o acompanhar (alínea d) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
e) aquando do descrito no ponto 11.º dos factos provados, BB disse a AA que ela não sairia dali até ser levada à esquadra e para se encostar ao abrigo da paragem do autocarro (alínea e) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
f) na sequência do descrito no ponto 11.º dos factos provados, BB agarrou AA por trás com o braço direito e pelo pescoço, tendo ambos caído, ficando BB por cima de AA, que ficou com as costas no chão (alínea f) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
g) aquando do descrito no ponto 12.º dos factos provados, AA começou a dar murros com a mão fechada em BB (alínea g) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
h) de seguida, AA caiu em cima de BB (alínea h) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
h 1) Tendo AA, ao tentar fugir, ido contra a paragem de autocarro (parte do facto 13º dado como provado, no acórdão recorrido).
h 2) Mas BB teve o cuidado de colocar o seu corpo por baixo de AA (parte do facto 13º dado como provado, no acórdão recorrido).
h 3) Então, BB foi pontapeado nas costas e, pelo que sentiu e como já lhe acontecera ser esfaqueado, levou a mão às costas para verificar se tinha sangue, após o que, para se afastar da multidão, tentou sentar AA no banco da paragem de autocarro (facto 14 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
h 4) Que na altura descrita no atual facto 14 (anterior facto 18 da matéria de facto provada no acórdão recorrido), AA ficou com a cara no chão e, como tentava sair, feriu-se (facto 19 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido).
j) No trajeto entre a R. ... e a Esquadra ..., BB, aproveitando-se do facto de a mesma se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha disse-lhe “agora é que te vou mostrar, sua puta, sua preta do caralho, seu caralho, sua macaca”, estás a baixar a cara, caralho” e “ainda por cima esta puta é rija” (alínea j) dos factos não provados, no acórdão recorrido, com a redação que resulta por exclusão de partes da decisão deste acórdão considerar provado a parte desta alínea onde se refere «no trajeto entre a R. ... e a Esquadra ..., BB, aproveitando-se do facto de a mesma se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha, desferiu vários socos na cara da arguida AA» ).
j 1) que tenham percorrido a distância do local onde AA foi detida até à Esquadra da PSP ..., no máximo, em 5 minutos; o caminho que percorreram foi o mais curto e direto possível (parte do facto provado 71 no acórdão recorrido que passou para a matéria de facto não provada, como decidido, neste acórdão).
j 2) É frequente o transporte para a esquadra de detidos em estado de grande nervosismo e exaltação, por vezes alcoolizados, por vezes em “ressaca”, quase sempre socialmente revoltados, desde logo com as próprias condições de vida, mas também com as instituições e, em especial, as forças de segurança, e assim percecionaram CC e DD o comportamento de AA, que gritou, gemeu e insultou a PSP e os seus agentes durante toda curta a viagem, mas em nenhum momento presenciaram, ou lhes passou pela cabeça que pudesse ter ocorrido ou vir a ocorrer, alguma agressão ou qualquer insulto, impropério, expressão ou manifestação de desprezo ou ódio racial ou outra ofensa de BB a AA (facto 72 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, que como decidido neste acórdão passa a fazer parte dos factos não provados).
j 3) CC olhou para a parte traseira da viatura algumas vezes e em nenhuma se apercebeu de qualquer sinal de conduta ilícita ou imprópria por parte de BB (facto 73 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido que como decidido neste acórdão passa a fazer parte dos factos não provados).
j 4) DD, conduzindo a velocidade superior à comum, prestou atenção sobretudo à estrada e ao trajeto, mas também nada viu de relevante e errado dentro da viatura, pelo retrovisor (facto 74 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido que como decidido neste acórdão passa a fazer parte dos factos não provados).
j 5) Em momento algum CC e DD ouviram AA queixar-se de ter sido ou estar a ser agredida e em momento algum ouviram BB a insultá-la (facto 75 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido que como decidido neste acórdão passa a fazer parte dos factos não provados).
j 6) O que lhes pareceu nesse curto trajeto é que BB a ignorou e ao que dizia (facto 76 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido que como decidido neste acórdão passa a fazer parte dos factos não provados).
j 7) CC e DD presenciaram a exaltação de AA, os seus lamentos, as suas expressões de revolta e desconfiança para com as forças policiais, mas relacionaram tudo com o que se passara na calçada e no alcatrão da via quando foi detida, até entrar no carro-patrulha (facto 77 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido que como decidido neste acórdão passa a fazer parte dos factos não provados).
k) à saída da viatura, junto à esquadra, BB desferiu um pontapé que atingiu AA na testa (alínea k) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
k 1) que à saída da viatura policial, AA fez «peso morto» (excerto do facto provado 80º no acórdão recorrido que resulta não provado, como decidido no presente acórdão).
k 2) que tenha sido, ao verificar os sinais vitais e pálpebras de AA, à chegada à Esquadra ... e depois de a mesma estar caída no chão, que CC se apercebeu de que a mesma tinha lesões na face (parte do facto 82º do acórdão recorrido dada como não provada neste acórdão e cuja redação é o atual facto provado 88º).
p) BB pretendeu dirigir as mencionadas expressões a AA, sabendo que ofendia a honra e consideração da mesma, o que alcançou (alínea p) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
q) BB sabia que AA não podia ter sido detida, porquanto não tinha cometido crime nem havia suspeita de que o tivesse feito, que a sua detenção e condução para o interior da esquadra da PSP constituía um abuso de poder e a violação de deveres inerentes às suas funções e que, com a sua atuação, causava prejuízo a outras pessoas, o que quis e concretizou (alínea q) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
r) BB deteve, prendeu, manteve presa ou detida AA sem qualquer fundamento legal, designadamente pela inexistência da prática de crime, o que sabia (alínea r) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
r 1) O arguido BB, apesar de ter negado a respetiva prática, sente a gravidade daqueles factos que impetuosamente praticou contra EE e FF (facto 125 da matéria de facto provada, no acórdão recorrido, que passou a integrar o núcleo dos factos não provados, conforme decisão proferida neste acórdão).
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Do pedido de indemnização civil deduzido por AA:
w) aquando do descrito no ponto 37.º dos factos provados, AA disse que era para que o filho se deslocasse à paragem para exibir o passe da irmã que lhe ia telefonar (alínea w) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
x) nessa sequência, o motorista não respondeu, pelo que AA ficou convicta de que o mesmo tinha anuído ao seu pedido (alínea x) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
y) AA não voltou a falar com o motorista desde o momento em que lhe disse que iria telefonar para o filho, nem o mesmo lhe voltou a dizer nada (alínea y) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
z) aquando do descrito no ponto 3.º dos factos provados, AA tinha, entretanto, iniciado uma conversação através do telemóvel e a falar ao mesmo saiu do autocarro com a filha e o sobrinho (alínea z) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
aa) assim que desceu do autocarro, BB dirigiu-se a si e disse- lhe que se sentasse no chão (alínea aa) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
bb) AA, que inicialmente vinha a falar ao telemóvel, nem percebeu muito bem e disse: “Diga?” (alínea bb) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
cc) ao que BB lhe desferiu um safanão na mão arremessando o telemóvel para o chão, partindo-o (alínea cc) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
dd) BB voltou a dizer: sente-se no chão (alínea dd) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
ee) AA respondeu que se sentava no banco que se encontrava na paragem (alínea ee) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
ff) BB respondeu que não, que se sentasse no chão (alínea ff) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
gg) AA respondeu que, existindo um banco na paragem, não se sentava no chão em plena via pública (alínea gg) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
hh) em acto seguido, BB, com a aplicação de uma manobra designada por mata leão, deitou AA ao chão, ficando com o seu corpo em cima do dela (alínea hh) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
jj) foi para evitar sufocar e para que o mesmo parasse de a magoar, o que não conseguiu, e vendo-se a perder as forças, que AA mordeu um braço de BB (alínea jj) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
ll) AA perguntou ao agente que a levou para o carro a que se refere o ponto 41.º dos factos provados para onde ia e o mesmo respondeu-lhe que estava detida e por isso ia para a esquadra (alínea ll) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
mm) AA disse-lhe que não queria ir no carro com BB e aquele agente respondeu que não era preciso ir no mesmo carro, uma vez que estavam ali dois carros (alínea mm) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
nn) pouco depois de a viatura ter iniciado a marcha, BB dizia para AA repetidamente, “Puta do caralho” “Preta do caralho” “Pretos ilegais de merda” “A preta é rija”, esta última expressão, por ter roçado com a mão na ponta dos dentes de AA e se ter magoado (alínea nn) dos factos não provados, no acórdão recorrido, sem a expressão «começou a desferir murros no rosto de AA» conforme ficou decidido neste acórdão).
oo) AA gritava por socorro numa tentativa desesperada de que alguém que circulasse na rua a pudesse ouvir (alínea oo) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
pp) na sequência desse pedido desesperado de ajuda por parte de AA, os agentes da PSP fecharam os vidros do carro e colocaram música alta para que ninguém pudesse ouvir os gritos daquela (alínea pp) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
qq) até então, o agente que conduzia a viatura andou às voltas pelas ruas da ... para dar tempo a BB de satisfazer os seus instintos e esmurrar AA até lhe apetecer, o que só então deixou de fazer, nessa sequência se tendo dirigido para a referida esquadra (alínea rr) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
rr) ali chegados, BB puxou AA do carro para o chão e, estando a mesma caída no chão, na rua, BB não saciado ainda, desferiu-lhe um pontapé na testa (alínea ss) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
ss) um dos agentes disse “Ainda a matas” e “vira-a de lado”, no seguimento de AA se estar a engasgar com o seu próprio sangue (parte da alínea tt) dos factos não provados, no acórdão recorrido, que se mantém não provada, como decidido neste acórdão).
tt) então, um dos agentes, para perceber se AA ainda respirava, colocou-lhe a mão sobre o peito e disse: “ainda respira” (alínea uu) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
uu) acharam então por bem virar AA e, como não o conseguiram fazer com ela algemada, retiraram-lhe as algemas e deixaram-na permanecer caída no chão como se de um animal se tratasse (alínea vv) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
vv) em resultado directo e necessário da conduta de BB, AA:
ainda nos dias de hoje tem zumbidos nos ouvidos e visão turva; até aos dias de hoje padece de ansiedade, insónias, pesadelos, suores nocturnos, tendência para o isolamento, medo de sair à rua e de se deslocar e/ou frequentar quaisquer locais públicos e/ou abertos ao público; nas semanas às agressões e decorrido o período temporal acima mencionado ainda que com menor intensidade; durante pelo menos 2 (dois) meses (parte da alínea ww) dos factos não provados, no acórdão recorrido, que permanece não provada de acordo com a decisão proferida no presente acórdão).
ww) por causa da conduta de BB, a referida filha de AA:
- ficou em choque e traumatizada.
- semanas após os factos e numa deslocação com familiares a um supermercado onde se encontrava um agente da PSP, fardado, de gratificado, ao vê-lo teve um ataque de pânico, necessitando de ajuda dos familiares, funcionários do supermercado, para parar de gritar e chorar e só a conseguiram acalmar quando o referido agente da PSP se afastou do local.
- ainda no presente entra em pânico quando vê um agente de autoridade e recusa deslocar-se aos locais onde suspeite que possa encontrar algum.
- ficou desde então afetada e a padecer de ansiedade e medos vários que lhe causam grande insegurança e perturbação ao seu desenvolvimento.
- até aos dias de hoje tem interiorizado um sentimento de culpa por tudo o que veio a acontecer à mãe (alínea xx) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
ww) por causa da conduta de BB, AA:
- nunca mais conseguiu ter paz, serenidade e alegria no seu agregado familiar;
- evita sair de casa, tal como a referida filha, pelo que deixaram de se deslocar a parques infantis, supermercados, centros comerciais, restaurantes, concertos, cinemas ou a qualquer outro local onde habitualmente estejam agentes de autoridade ou os possam encontrar pelo caminho e deixaram de se deslocar de autocarro ou qualquer outro transporte público.
- deixou de ter convívio social, com familiares e amigos.
- perdeu o gosto pela vida, passou a viver isolada em casa, sem vontade de sair, de se divertir, de conviver;
- era uma pessoa alegre, bem disposta e cheia de energia e passou a viver amargurada, triste, sem vontade e/ou capacidade de iniciativa seja para o que for.
- foi no Correio da Manhã e nas redes sociais e no seguimento de várias publicações feitas pelo Sindicato Unificado da Polícia de Segurança, na página do Facebook do Sindicato, acusada de ter praticado um crime e por isso BB a ter detido, de ser pessoa violenta, de ter ameaçado o condutor do autocarro, de ser pessoa desordeira, de ter sido ela a arranjar o conflito, de ter agredido BB e como tal até ter sido constituída arguida (alínea yy) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
yy) as marcas que BB tinha nas mãos foram de murros que deu a AA dentro da viatura da PSP (alínea zz) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
zz) Por causa da conduta de BB, AA:
- ficou com a camisola e as calças que trazia vestidas, de valor não inferior a 50 €, estragadas.
- ficou com o seu telemóvel, no valor de 150 €, destruído (alínea aaa) dos factos não provados, no acórdão recorrido que se mantém não provada nos termos da decisão proferido no presente acórdão).
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Do pedido de indemnização civil deduzido por EE:
aaa) o soco referido nos pontos 23.º e 43.º dos factos provados foi desferido na testa e sobrolho esquerdos de EE, que permaneceu numa sala, enquanto os arguidos CC e DD assistiam (alínea bbb) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
bbb) EE ficou com a testa e sobrolho inchados (alínea ccc) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
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Do pedido de indemnização civil deduzido pela EMP01..., S.A.:
ccc) foi por causa da conduta de BB que foi prestada a assistência referida no ponto 49.º dos factos provados (alínea ddd) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
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Da contestação de BB:
ddd) o motorista a que se refere o ponto 3.º dos factos provados efetuava a carreira n.º ...37 (alínea eee) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
eee) BB, quando se dirigiu a AA, disse calmamente: “Oh minha senhora, o que é que lhe apoquenta?” (alínea fff) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
fff) durante o percurso de carro a que se refere o ponto 20.º dos factos provados, AA foi colocada entre dois agentes (alínea ggg) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
ggg) na sequência da entrada de BB na esquadra este não contactou com EE e FF (alínea hhh) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
hhh) EE e FF deram murros e pontapés nas costas de BB e, enquanto este tentava deter AA, estavam a instigar as pessoas para que estas investissem contra BB para a libertar (alínea iii) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
iii) Foi por causa do acima referido na al. iii) que EE e FF foram conduzidos à esquadra (alínea jjj) dos factos não provados, no acórdão recorrido);
jjj) BB nunca agiu contra terceiros (alínea kkk) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
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Da contestação de CC e DD:
kkk) Aquando do descrito no ponto 69.º dos factos provados, quando CC viu AA já em pé, esta estava a esbracejar (alínea lll) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
lll) AA desfaleceu (alínea mmm) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
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mmm) AA livre e conscientemente autoinfligiu-se ferimentos (alínea nnn) dos factos não provados, no acórdão recorrido).
Uma vez que a matéria de facto provada e não provada se mostra fixada nos termos acima descriminados impõe-se agora apreciar das questões atinentes à eventual condenação dos arguidos BB, CC (doravante CC) e DD (doravante DD) e determinação das respetivas penas principais, cúmulo ou acessória suscitadas no recurso da mesma o que se fará conjuntamente sem prejuízo das especificidades necessárias.
Recorda-se que tais questões são as seguintes:
- Se em caso de procedência da impugnação de facto o arguido BB deve ser condenado pela prática de um crime de injúria agravada previsto e punido pelos artigos 181º nº1 e 184º ambos do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º nº1 e 145.º, nºs 1, al. a) e 2, com referência à al. m) do n.º2 do artigo 132º todos do Código Penal, de um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158º, n.ºs 1 e 2 al. g) do Código Penal e de um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal e escolha e determinação das respetivas penas e seu cúmulo e, ainda, se deve o mesmo ser condenado na pena acessória de proibição de exercício de funções prevista no artigo 66º nº1 do Código Penal e determinação concreta da mesma. - se em caso de procedência da impugnação de facto o arguido CC deve ser condenado pela prática de um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal e determinação da respetiva pena.
- se em caso de procedência da impugnação de facto o arguido DD deve ser condenado pela prática de um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382ºdo Código Penal e determinação da respetiva pena.
Como já afirmado e evidenciado pela matéria de facto provada e não provada supra enunciada a impugnação da matéria de facto suscitada pela recorrente AA não foi integralmente procedente pelo que cumpre apenas apreciar se os arguidos BB, CC e DD devem ser condenados pela prática relativamente à recorrente cada um de um crime de abuso de poder e, ainda, no caso do primeiro de um crime de ofensa à integridade física previsto e punido pelos artigos 143º nº1 e 145º nºs 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º2 do artigo 132.º, todos do Código Penal e proceder, em caso afirmativo, à determinação das respetivas penas bem como relativamente ao arguido BB, ainda, de eventual aplicação de pena acessória.
Com efeito a alteração penalmente relevante refere-se ao ocorrido no interior da viatura policial no transporte de AA para a esquadra sendo que tais factos envolvem os três arguidos, ainda, que com distintos graus de intervenção.
Relativamente aos demais crimes propugnados pela recorrente (um crime de injúria agravada e um crime de sequestro agravado) a impugnação da matéria de facto não foi procedente pelo que a apreciação de tal questão quanto aos mesmos fica prejudicada.
Assim cabe apenas apreciar da condenação dos referidos arguidos por crime de abuso de poder e ainda no caso do arguido BB pelo crime de ofensa à integridade física qualificada nos termos previstos nas disposições supra indicadas.
O crime de abuso de poder, previsto e punível pelo artigo 382º, está sistematicamente inserido no Livro II (Parte Especial), Título V (Dos crimes contra o Estado), capítulo IV (Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas) Secção III (Do abuso de autoridade) do Código Penal.
O referido normativo sob a epígrafe "Abuso de poder", prescreve o seguinte: "O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal".
O bem jurídico tutelado por este tipo legal de crime é a autoridade e credibilidade da administração do Estado, ao ser afetada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços.
Estamos perante um crime próprio, em que o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede, sacrificando o interesse público para satisfação de finalidades ou interesses particulares que se venham a traduzir num benefício ilegítimo para si ou para terceiro ou num prejuízo para outra pessoa[19]. Trata-se uma instrumentalização de poderes inerentes à função para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito, ou seja, ilegítimas.
Para a verificação do tipo, quanto aos elementos objetivos, é necessário que: o agente do crime seja funcionário; a sua atuação se traduza em violar deveres que sejam inerentes às funções que, efetivamente, exerça enquanto funcionário; que essa violação tenha como fim a obtenção de benefício, este ilegítimo, para o agente ou para terceiro ou de causar prejuízo a terceiro.
O benefício traduz-se em toda a vantagem que o sujeito passivo pretende retirar da sua atuação e que em concreto poderá assumir natureza patrimonial ou não patrimonial.
Quanto à tipicidade subjetiva, este tipo legal de crime pressupõe o dolo, em qualquer uma das suas modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal, e um elemento subjetivo adicional que é a intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa[20].
Assim exige-se a consciência e vontade por parte do agente de exercer uma função pública abusando dos poderes ou violando os deveres a ela inerentes bem como o conhecimento do carácter ilegítimo da vantagem ou do prejuízo pretendidos.
Por seu turno o crime de ofensa à integridade física qualificada constitui um tipo agravado que tem por base o previsto no artigo 143º do Código Penal que prevê normativo “quem ofender o corpo ou saúde de outra pessoa é punido...
Da redação dada a tal preceito retira-se que o bem jurídico protegido pela incriminação é a integridade física da pessoa humana.
O tipo em questão distingue ofensa no corpo de ofensa na saúde sendo que vulgarmente existe coincidência entre estas duas formas de realização do tipo.
Por ofensa no corpo pode entender-se todo o maltrato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante.
Já lesão na saúde consistirá na intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima prejudicando-a.
O tipo em análise refere-se expressamente a “outra pessoa” o que significa que as lesões autoinfligidas não são puníveis como ofensas da integridade física.
O preenchimento deste crime faz-se por ação e por omissão quando sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado.
O crime em apreço é de forma livre e pode ser perpetrado por qualquer meio. Refira-se que embora não sejam determinantes para o seu preenchimento os meios concretamente empregues pelo agressor ou a duração da agressão tais circunstâncias relevam aquando da fixação da medida concreta da pena.
Quanto ao elemento subjetivo é exigido o dolo em qualquer das suas modalidades (art.º 14º do Código Penal).
Sem perder de vista o que acima se expôs, pois é ao tipo legal fundamental que se hão-de ir buscar os elementos típicos, estabelece o artigo 145º, nº 1 al. a), do Código Penal que “se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º” acrescentando o nº2 do mesmo normativo que “são susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º”.
Contudo, para fazer funcionar tal qualificação exige-se, a par da verificação de lesão da integridade física simples que, as ofensas sejam produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, esclarecendo a lei que, para este efeito, são suscetíveis de as revelar, entre outras, as previstas no nº2 do artigo 132º, designadamente a circunstância, ínsita na alínea m) em que se traduz em ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.
Vê-se do disposto no artigo 145º em análise que, também aqui e à semelhança do que sucede no crime de homicídio, se optou pela combinação de um critério generalizador com a técnica dos exemplos-padrão.
Ora, conforme vem sendo reconhecido pela esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência, as circunstâncias enumeradas no nº2 do artigo 132º do Código Penal não são taxativas, nem de aplicação automática, isto é, podem ocorrer sem que deva considerar-se qualificado o crime, podendo também operar a qualificação sem que nenhuma delas em concreto, se verifique, desde que se verifique a circunstância genérica prevista no nº1 da referida norma incriminadora.[21]
Na verdade, a qualificação deriva da verificação de um especial tipo de culpa agravada assente numa cláusula geral descrita com recurso a conceitos indeterminados – especial censurabilidade ou perversidade— constituindo os exemplos-padrão meros indícios de circunstâncias suscetíveis de os revelar, sendo certo que a agravação é justificada, não por razões de ilicitude, mas antes por razões de agravamento da culpa.[22]
Concretizando os mencionados conceitos indeterminados, dir-se-á – seguindo, neste ponto, os ensinamentos de Teresa Serra[23] – que a “especial censurabilidade” se refere às componentes da culpa relativas ao facto que sendo de tal forma graves refletem uma atitude do agente profundamente distanciada dos valores e das normas vigentes com os quais podia e devia ter conformado a sua conduta; enquanto a “especial perversidade” se reporta a atitudes do agente relacionadas com a sua personalidade, profundamente desvaliosas e, por isso, rejeitáveis pela sociedade.
No fundo, este tipo de culpa qualificado assenta, como diz Figueiredo Dias, numa “imagem global de facto agravada “.
No caso vertente resulta com maior relevo da matéria de facto provada (mercê também da procedência da impugnação da mesma) que: No dia 19.01.2020, CC e DD estavam em serviço de patrulha no veículo automóvel acima referido no ponto 20.º, adstrito à Esquadra ..., .... Por volta das 21h00 receberam uma comunicação da “Central Rádio” – linha interna de comunicação da PSP –, instando-os, na sequência de um pedido de ajuda dirigido ao 112, a que se deslocassem à Rua ..., junto a um prédio com o n.º de porta ...09, para prestação de auxílio a um agente da PSP. Quando outros agentes da PSP chegaram ao local, onde chegou também o carro-patrulha CP.....60, da Esquadra ..., AA foi algemada e transportada para o veículo policial, de matrícula ..-CN- .., tendo então sido conduzida por BB e pelos agentes da PSP arguidos CC e DD à esquadra, tendo BB seguido no banco de trás, ao lado de AA, CC como arvorado, sentado à frente, do lado direito, e DD como motorista. A distância do local onde AA foi detida até à Esquadra da PSP ... é de 2,7 km e não havia trânsito. No trajeto entre a R. ... e a Esquadra ..., BB, aproveitando-se do facto de a mesma se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha, desferiu vários socos na cara da arguida AA. Assim que começou a ser agredida, AA começou a gritar. Até que AA deixou de gritar e já não tinha qualquer reação ao continuar a ser esmurrada por BB. Quando chegaram à Esquadra ... AA não tinha já qualquer reação e sangrava abundantemente da boca e nariz. AA sofreu as seguintes lesões na face: hematoma periorbitário prolongado até à região malar, bilateralmente, com edema acentuado subjacente, hemorragia subconjuntival dos quadrantes laterais bilateralmente, escoriações com crosta sanguínea em toda a extremidade do nariz, incluindo asas nasais; equimose fortemente arroxeada na face mucosa de todo o lábio superior, com edema acentuado subjacente, ferimento aproximadamente linear longitudinal, com crosta sanguínea na metade superior, no lábio inferior, com edema acentuado subjacente. Em resultado direto e necessário da conduta de BB, AA: - sofreu lesões físicas que lhe causaram dores intensas durante os primeiros 10 dias, que a impediram de comer, de dormir, de cuidar da sua higiene e de efetuar qualquer tarefa doméstica; - pelo menos pelo período de 21 dias sentiu dores, ficou com marcas no lábio e no couro cabeludo; ficou com falta de cabelo sofreu angústia severa, ansiedade, pânico, medo de sair à rua, de utilizar os transportes públicos e de frequentar locais públicos ou abertos ao público; sofreu de forma acentuada de perda de apetite, insónias, mal estar geral, astenia, fadiga física e mental. DD e CC nada fizeram que impedisse a continuação da agressão por parte do seu colega, BB, nem procederam à elaboração de qualquer expediente, designadamente auto de notícia, relatando os factos que presenciaram e levando ao conhecimento da autoridade judiciária competente a prática de crime público que tinham presenciado. BB pretendeu molestar o corpo e a saúde de AA, causando-lhe lesões, dores e mal-estar físico, o que alcançou. DD e CC sabiam que a prática dos factos que presenciaram era crime e que violavam deveres inerentes às suas funções, com grave abuso de autoridade, estando obrigados a evitá-lo, bem sabendo serem essas suas condutas proibidas e punidas por lei. Quanto aos factos provados com referência a AA, as condutas de BB eram proibidas e punidas por lei e a respetiva censurabilidade era agravada pela função profissional que exercia, o que o mesmo bem sabia; BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei e ser a respetiva censurabilidade agravada pela função profissional que exercia. DD e CC agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e ser a respetiva censurabilidade agravada pela função profissional que exerciam.
Tal factualidade é evidentemente integradora do ponto de vista objetivo e subjetivo dos crimes imputados aos arguidos embora no caso do arguido BB se entenda que o crime de abuso de poder se encontra numa relação de concurso aparente com o crime de ofensa à integridade física qualificada, porquanto tal qualificação já ocorre mercê do mesmo ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade, vulgo, poder.
Todos os arguidos são agentes da PSP e, por isso, funcionários nos termos previstos no artigo 386º do Código Penal e se encontravam em exercício de funções e procediam ao transporte da recorrente detida (e algemada) no interior de um carro de patrulha para uma esquadra da PSP.
No decurso de tal transporte e estando a recorrente algemada e por isso impossibilitada de resistir o arguido BB desferiu diversos socos na cara da mesma, querendo e causando na mesma lesões, dores e mal-estar físico o que fez na presença dos arguidos DD e CC que nada fizeram que impedisse a continuação da agressão por parte do seu colega, BB, nem procederam à elaboração de qualquer expediente, designadamente auto de notícia, relatando os factos que presenciaram e levando ao conhecimento da autoridade judiciária competente a prática de crime público que tinham presenciado.
Os arguidos DD e CC sabiam que a prática dos factos que presenciaram era crime e que violavam deveres inerentes às suas funções, com grave abuso de autoridade, estando obrigados a evitá-lo, bem sabendo serem essas suas condutas proibidas e punidas por lei e agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e ser a respetiva censurabilidade agravada pela função profissional que exerciam.
O arguido BB sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e a respetiva censurabilidade era agravada pela função profissional que exercia, o que o mesmo bem sabia e agiu de forma livre, voluntária e consciente atuando para e querendo molestar AA o que conseguiu posto que lhe causou dores, mal estar físico e lesões.
Uma vez que estão em concreto preenchidos os elementos típicos objetivos e subjetivos e não se deteta a existência de causas que excluam a sua ilicitude ou culpa impõe-se a condenação de cada um dos referidos arguidos nos termos referidos, isto é, os arguidos CC e DD cada um por um crime de abuso de poder e o arguido BB por um crime de ofensa à integridade física qualificada em concurso aparente com um crime de abuso de poder.
No que se refere à determinação concreta das penas dos arguidos esclarece-se que estando os autos munidos dos elementos necessários a tal operação este Tribunal procederá à mesma relativamente a cada um dos arguidos.
Feito o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto relevante provada, cumpre agora determinar qual a natureza da pena a aplicar e fixar a respetiva medida concreta dentro da moldura abstratamente prevista para o crime de abuso de poder punido com pena de prisão cujos limites mínimo e máximo são respetivamente um mês e três anos ou em alternativa pena de multa de 10 a 360 dias (arts. 41º, 47º e 382º todos do Código Penal).
E no que respeita ao crime de ofensa à integridade física qualificada o mesmo é punido com pena de prisão cujo limite mínimo é um mês e o máximo quatro anos (artigo 41º e 145º nº1 al.a) ambos do Código Penal).
De acordo com o artigo 40º do Código Penal, as finalidades das penas são a proteção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.
Assim, subjazem à aplicação das penas fins de prevenção geral (prevenção positiva, com vista a dissuadir o agente da prática de futuros crimes) e fins de prevenção especial (vertente intimidativa da consciência da seriedade da ameaça penal no agente) sendo a culpa simultaneamente um pressuposto irrenunciável e um limite inultrapassável da aplicação de uma pena.
Como fatores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos artigos 70º e 71º do Código Penal.
O referido artigo 70º determina que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Consagra assim o supratranscrito artigo uma preferência de política criminal relativamente à pena não privativa da liberdade sempre que as exigências de prevenção geral e especial sejam através da mesma asseguradas.
No caso vertente estando em causa crime de abuso de poder no que se refere aos arguidos CC e DD que é punido em alternativa com pena de prisão ou pena de multa há que decidir se esta última realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso concreto resulta da matéria de facto provada e da consulta dos autos que nenhum dos referidos arguidos tem averbamentos nos respetivos certificados de registo criminal.
Por outro lado, exercem funções como agentes da PSP sendo que no caso de CC o mesmo ingressou no curso de agentes da PSP em ../../2015 e à data dos factos tinha 3 anos e 10 meses de serviço como agente na PSP e no caso de DD ingressou no curso de agentes da PSP em ../../2012 e à data dos factos tinha 7 anos de serviço como agente da PSP.
Ambos beneficiam de inserção familiar e os factos em apreço assumem natureza isolada nas respetivas vidas profissionais.
Se é certo que tais fatores não podem ser ignorados na vertente da prevenção especial é também certo que a intervenção dos arguidos CC e DD se subsume a violação grave dos seus deveres enquanto agentes da PSP relativamente a pessoa indefesa, detida e algemada sendo as condutas em causa geradoras de evidentes e inquestionáveis sentimentos de insegurança dos cidadãos e de degradação da confiança destes nas forças de segurança que igualmente não podem ser desconsiderados na vertente da prevenção geral.
Com efeito, quando tais infrações são praticadas por aqueles cuja função é precisamente prevenir e obstar às mesmas servindo-se para tanto da autoridade em que estão investidos e dos meios que o Estado coloca à sua disposição a consequência é inelutavelmente o descrédito e a insegurança comunitárias.
Assim, considera-se que relativamente ambos os arguidos as finalidades de punição não ficam realizadas de forma adequada e suficiente com a opção por penas de multas.
O artigo 71º do Código Penal estabelece que a determinação concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.
Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar.
Todavia, simultaneamente, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite máximo da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a proteção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares.
Ademais e entre tais parâmetros, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da reintegração do agente, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente.
Ora, nessa tarefa de individualização o tribunal dispõe dos critérios de vinculação na escolha da medida da pena constantes do já citado artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente, os suscetíveis de “contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar”[24]. No caso concreto há que ponderar relativamente a todos os arguidos o grau de ilicitude que se considera ser elevado bem como o modo de execução dos factos muito impressivo e intenso no caso da atuação de BB.
Com efeito os arguidos enquanto agentes da PSP procediam ao transporte de AA que estava sob detenção e algemada e assim sujeita, por um lado, à autoridade dos mesmos e por outro à sua guarda e segurança.
O transporte era efetuado em viatura policial e no interior da mesma foram desferidos diversos socos por BB na mesma como conhecimento dos demais arguidos e sem que estes que tinham a possibilidade de o fazer obstassem a que tal acontecesse apesar dos gritos da mesma.
É também elevado o grau de violação dos deveres impostos uma vez que os arguidos são agentes da PSP, circulavam em carro policial e a vítima que transportavam estava detida e à sua guarda impondo-se àqueles o seu transporte em segurança onde se inclui a integridade física da mesma.
Há ainda que ponderar a gravidade das consequências para vítima traduzidas nas lesões e seu sofrimento físico e psicológico gerados diretamente pela atuação de BB.
Por outro lado, os arguidos agiram com dolo direto e revelaram total indiferença pelos deveres que sobre os mesmos impendiam traduzindo-se a atuação de BB num exercício ilegítimo e fútil de “represália” perante a agressão que lhe anteriormente perpetrada pela recorrente.
Todos os arguidos exercem funções como agentes da PSP, têm inserção familiar e ausência de averbamentos nos seus certificados de registo criminal.
Ademais os seus percursos pessoais e profissionais foram normativos sendo esta uma situação, não obstante grave, isolada em tais percursos.
As exigências de prevenção geral são também elevadas estando em causa conduta que a sociedade censura veementemente, que lesa a confiança e segurança que os cidadãos depositam nas forças de autoridade cuja função é precisamente proteger, auxiliar e garantir a segurança comunitárias.
Tudo devidamente aquilatado, dentro das molduras legais aplicáveis e fazendo apelo aos critérios plasmados no artigo 71º do Código Penal, atenta a gravidade e conexa censurabilidade julga-se adequado aplicar a cada um dos arguidos CC e DD pela prática (cada um) do crime de abuso de poder uma pena de um ano e seis meses de prisão.
Relativamente ao arguido BB entende-se ser adequada uma pena de dois anos e seis meses de prisão pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada.
Refira-se que relativamente ao arguido e recorrente BB o mesmo foi condenado na decisão recorrida pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência à al. m) do n.º 2 do art.º 132.º, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um deles e pela prática de dois crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um deles e subsequentemente em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do disposto no art.º 77.º do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.
E no seu recurso o mesmo insurge-se relativamente à medida concreta das penas parcelares e pena de cúmulo aplicadas que reputa de excessivas.
Assim, antes de mais e por tal ser relevante para a determinação da pena de cúmulo em face da condenação ora determinada e das determinadas na decisão recorrida importa apreciar tal pretensão recursória.
Alega o recorrente que as penas aplicadas foram excessivas, atendendo às respectivas molduras penais, uma vez que este não tem antecedentes criminais. A finalidade das penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do CP, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; As exigências de prevenção geral, ao contrário do decidido não são elevadas, as condutas de agentes policiais são negativamente ampliadas pela comunicação social, por causa de determinados grupos que extrapolam os factos e as exigências de prevenção especial são mínimas, o Recorrente tem um historial de serviço com diversos louvores, com grande dedicação ao trabalho e aos cidadãos, encarando a força policial como uma missão e as consequências dos crimes em causa foram praticamente inexistentes. Por outro lado, não faz sentido ter sido aplicada à Arguida AA, com antecedentes criminais 8 meses de prisão e ao Recorrente 10 meses; Assim, caso se mantenha a condenação, que não se aceita, a pena a aplicar ao Recorrente deveria ser de 3 meses pelo crime de ofensa à integridade física qualificada e 2 anos quanto ao crime e, procedendo ao cúmulo das penas, nos termos dos artigos 71º e 77º do CP, a pena única adequada seria de 2 anos e 3 meses.
Repristinam-se aqui as considerações já expendidas a propósito dos critérios que presidem à escolha e determinação da medida concreta da pena sendo que é, também, relevante frisar que é entendimento pacífico jurisprudencial que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa apenas o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Destarte, a intervenção corretiva do Tribunal Superior no que respeita à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.
Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/10/2013[25] onde se escreve que «o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso» ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/05/2022[26] em que se consigna que “a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
No caso vertente o que o recorrente BB invoca é que não tem antecedentes criminais, tem um historial de serviço com louvores e com grande dedicação ao trabalho e aos cidadãos e as consequências dos crimes foram praticamente inexistentes.
Para além disso insurge-se relativamente à aplicação à coarguida AA de uma pena inferior relativamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada quando a mesma tem antecedentes criminais.
Da decisão recorrida no que à medida da pena respeita consta o seguinte: A prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), com referência à al. l) do n.º 2 do art.º 132.º, do Código Penal, é punida com pena de prisão de 1 mês até 4 anos (cfr. art.º 41.º, n.º 1, do Código Penal). A prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, al. g), do Código Penal, é punida com pena de prisão de 2 a 10 anos. Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo. Tal resulta igualmente do art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal, ao afirmar-se que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Assim, por referência àquele normativo, a determinação da medida da pena deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta oferece. Neste caso as exigências de prevenção geral revelam-se elevadas, atendendo à frequência da prática destes crimes – contra as forças policiais e por parte de forças policiais –, e ao alarme social que geram, em qualquer dos casos, o que implica uma particular necessidade de afirmação das normas violadas. As consequências dos crimes de ofensa à integridade física revelam-se de média intensidade em todos os casos em apreço, pelas consequências provocadas e pela violência usada. Já quanto aos crimes de sequestro as consequências são de baixa intensidade, considerando o tempo de privação da liberdade, no contexto da incriminação concretamente considerada. Relativamente às exigências de prevenção especial, constata-se que as mesmas se revelam medianas, tendo em conta o antecedente criminal que a arguida já regista e que não se mostrou arrependida, e tendo os arguidos, quanto aos crimes que cometeram, actuado de forma descontrolada e abusiva, quer o arguido BB, quer a arguida AA. Na determinação da medida da pena devem ser tidas em conta, de acordo com o disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a culpa do agente (art.º 40.º, n.º 2, do Código Penal). No presente caso, verifica-se que a culpa dos arguidos é mediana, pois o dolo foi directo, mas actuaram de modo nervoso, com descontrole pelo desenrolar da ocorrência. Assim, ponderando todos os aspectos, consideram-se adequadas as penas de: - 8 meses de prisão quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada praticado pela arguida AA; - 10 meses de prisão quanto a cada um dos crimes de ofensa à integridade física qualificada praticados pelo arguido BB; - 2 anos e 3 meses de prisão quanto a cada um dos crimes de sequestro agravado praticados pelo arguido BB.
Ora, no acórdão recorrido referem-se os elementos com relevo na determinação da medida concreta da pena e que não se considerem já valorados na tipificação dos crimes objeto da punição e o exercício valorativo aí expendido, não obstante a crítica do recorrente, não é desadequado revelando a necessidade de salvaguardar a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas e emanando um apropriado juízo na prevenção e na segurança dos bens jurídicos que tais normas penais visam proteger e que o arguido recorrente lesou com a sua atuação.
A comparação da sua situação com a da arguida AA carece de qualquer sentido, pois, tal comparação parte apenas do teor do Certificado de Registo Criminal e não do conjunto dos elementos a atender na determinação da medida concreta da pena.
Não se deteta qualquer desproporcionalidade na fixação da pena ou necessidade de correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso em apreço.
Assim, sendo e tudo ponderado não se consideram excessivas ou desajustadas as penas parcelares.
No que respeita à pena de cúmulo mercê da condenação de dois anos de prisão ora determinada relativamente ao crime de abuso de poder há que proceder a nova pena única de cúmulo pelo que fica prejudicada nesse segmento a apreciação da pretensão recursiva do arguido.
Assim, impõe-se proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas a BB.
Dispõe o artigo 77º nº1 do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados em conjunto os factos e personalidade do agente.
Aduz o nº 2 do referido preceito que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
A apreciação do conjunto dos factos fornecerá uma visão integrada de condutas praticadas pelo agente (imagem global do ilícito), permitindo verificar se entre os factos criminosos existe uma ligação ou conexão relevante. A ligação ou conexão relevante entre factos visa apurar se o agente pretendeu com determinado conjunto de factos executar um plano, ou se há uma gravidade na conduta, não detetável em cada crime individualmente, mas claramente percetível na sua globalidade.
Por seu turno a avaliação da personalidade do agente visa revelar se, da apreciação do conjunto dos factos praticados pelo agente, se extrai um figurino geral de personalidade do agente do crime, em termos de determinar a tendência ou a propensão para a prática de um determinado tipo de crime ou para a ofensa de determinados bens jurídicos. No âmbito da avaliação da personalidade, será ainda relevante, procurar compreender em que medida poderá a pena influenciar o arguido, em termos de dissuasão de uma delinquência futura.
Com a fixação da pena conjunta sanciona-se o agente nos limites da respetiva culpa (limite sempre inultrapassável) sendo esse o sentido e significado de encontrar uma punição assente na reavaliação dos factos (não dos factos individualmente considerados, mas especialmente do respetivo conjunto ; isto é, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente) em conjunto com a personalidade do arguido (impondo–se assim, e nomeadamente, verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime, ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa).
As penas conjuntas visam, pois, corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infrações, sendo que, como refere Cristina Líbano Monteiro[27] «o código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto, para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma “unidade relacional de ilícito”, portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares, à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes».
É prolífera a jurisprudência produzida a propósito deste exercício de determinação da pena única aplicável em caso de concurso de crimes
Assim, a título de mero exemplo exara-se no Acórdão de 31 de março de 2011 do Supremo Tribunal de Justiça[28] «I - Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto. II - Como esclareceu o autor do Projecto do CP, no seio da respectiva Comissão Revisora, a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck, que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. III - Posição também defendida por Figueiredo Dias, ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta».
No caso vertente num juízo de aferição global da conduta do arguido BB arreigado num grau de dolo e ilicitude elevado em todos os crimes, crimes esse que refletem gravidade objetiva e são pela sua natureza e bens jurídicos fundamentais que tutelam merecedores de acentuado juízo de censura penal.
Por outro lado, há a ponderar a cronologia dos mesmos pois que todos seencontram conexionados entre si, apresentando uma relação de continuidade temporalformando e constituindo, numa imagem global da conduta censurável do arguido, um complexo delituoso de elevada gravidade.
Ademais não se pode descurar a gravidade das consequências para as vítimas, na indiferença do mesmo perante as vítimas e perante os deveres funcionais que sobre o mesmo impendiam.
E também sopesar as concretas condições pessoais, sociais nestas se salientando a inserção social e percurso profissional, a ausência de averbamentos criminais e o tempo decorrido desde tais factos.
Em face do exposto e considerando que no caso a moldura legal de concurso tem como limite mínimo dois anos e seis meses (pena parcelar mais elevada) e máximo de oito anos e oito meses (soma das penas parcelares aplicadas) considera-se adequada uma pena única de cinco anos de prisão.
A recorrente AA também pretende a aplicação ao arguido BB da pena acessória de proibição do exercício de função prevista no artigo 66º nº1 do Código Penal.
Estabelece tal normativo:
«1 - O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto: a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes; b) Revelar indignidade no exercício do cargo ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.»
Resulta de tal normativo que a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função nela prevista exige dois pressupostos, sendo um formal e traduzido a condenação do arguido em pena de prisão superior a 3 anos e outro material, reportando às circunstâncias em que o facto/crime é praticado a que se reportam as diferentes alíneas e cuja verificação é feita pelo Tribunal e em face da factualidade que resultar provada.
No caso vertente embora a pena de cúmulo aplicada a BB seja superior a três anos constitui entendimento consolidado que em caso de concurso de crimes é necessário que, pelo menos, um dos crimes tenha sido punido com pena de prisão superior a três anos[29].
No caso vertente e mercê também do decidido por este Tribunal nenhuma das penas aplicadas ao arguido/recorrente, englobadas no cúmulo jurídico, é superior a três anos.
Destarte não se verifica o pressuposto formal exigido em tal preceito de que depende a aplicação da pena acessória em causa, ou seja, que o agente seja pelo crime cometido condenado em pena parcelar pena superior a três anos.
Por conseguinte improcede neste segmento o recurso de AA.
Uma vez que as penas aplicadas aos arguidos BB, CC e DD não ultrapassam os cinco anos importa agora averiguar da possibilidade de aplicação de uma pena substitutiva da pena de prisão efetiva.
No caso de BB tendoem conta as limitações decorrentes da medida da pena única aplicada (cinco anos) impõe-se apenas equacionar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
Relativamente aos arguidos CC e DD para além para suspensão da pena é, ainda, possível a substituição por pena de trabalho a favor da comunidade nos termos do artigo 58º do Código Penal. Prevê tal artigo no seu nº1: «se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir nomeadamente em razão da idade do condenado que se realizam por este meio de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Tal pena exige ainda a aceitação do condenado como decorre do nº 5 do referido artigo.
No caso concreto os arguidos CC e DD exercem funções que pela sua natureza se exercem e repercutem no seio comunitário o que dificultaria a destrinça comunitária entre o seu serviço normal e pena de trabalho a favor da comunidade. Ademais considera-se pelas razões já aduzidas que as exigências de prevenção geral são elevadas não se podendo descurar a proteção dos bens jurídicos e a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas que na nossa perspetiva inviabilizam a aplicação de tal pena de substituição.
Assim há que ponderar da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão relativamente a todos os arguidos.
De acordo com o disposto no artigo 50.º, n.º1 do Código Penal: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Aduz o nº 5 do mesmo preceitoque «o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos».
Como revela o nº 1 do citado artigo 50ºnão sãoconsiderações de culpa, mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial que presidem à suspensão da execução da pena de prisão sendo que, naturalmente, na ponderação das exigências de prevenção especial não pode descurar-se a salvaguarda das exigências de prevenção geral.
Como ensina Figueiredo Dias[30] «pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente ; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade», acrescentando «para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto».
E como se exara no Acórdão do STJ de 25 de junho de 2003[31] o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas».
Destarte para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes de molde a aferir da probabilidade de sucesso da socialização do agente o que naturalmente pressupõe que o tribunal esteja convicto que o crime cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas e ainda que a pena de substituição não coloque em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.
Em suma, como pressuposto material de aplicação da suspensão da pena é, que o Tribunal, em face dos factos provados, conclua, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do seu facto e do seu percurso de vida, por um prognóstico favorável com relação ao seu comportamento - mas deve ter-se em consideração sempre em última análise que a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção criminal, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa e garantia de eficácia do ordenamento jurídico-penal.
Assim apenas quando as exigências de prevenção geral fiquem também asseguradas é que a pena de prisão poderá ser suspensa na sua execução.
No caso vertente os arguidos BB, CC e DD estão inseridos social, familiar e profissionalmente (exercendo funções como agentes da PSP e em locais de trabalho distintos daquele em que os factos ocorreram. Nenhum tem averbamentos nos seus Certificados de Registo Criminal e os factos no caso do arguido BB apesar de vários foram praticados numa continuidade temporal e com conexão entre todos sendo, não obstante a sua gravidade, conduta global isolada no percurso profissional e de vida do arguido.
Tal natureza pontual no percurso de vida e profissional também ocorre relativamente aos arguidos CC e DD.
Sobre os factos mostram-se decorridos pelo menos cinco anos e estabilização das expectativas comunitárias e a ressocialização dos arguidos não demandam a aplicação de uma pena de prisão efetiva ao invés articulam-se com a concessão da uma oportunidade de ressocialização em liberdade
Assim, e em termos do exigido juízo de prognose sobre o comportamento futuro dos arguidos, o risco que, nesta perspetiva, sempre envolve a ponderação pelo tribunal da suspensão execução da pena de prisão, assume–se como um risco que se revela ainda prudente, e que permite sobrestar as exigências que se fazem sentir ao nível da prevenção especial positiva ou de socialização.
Mostram–se, pois, reunidos no caso vertente os necessários requisitos que possibilitam a suspensão da pena única de prisão do arguido BB bem como das penas de prisão dos arguidos CC e DD.
Pelo que se determina a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão fixada ao arguido ao arguido BB e a suspensão de cada uma das penas de 1 ano e 6 meses de prisão de prisão aplicadas aos arguidos CC e DD.
Tal suspensão, nos termos do disposto no nº5 do artigo 50º do Código Penal, será no caso do arguido BB pelo período de 5 anos e no caso dos arguidos CC e DD pelo período de 1 ano e 6 meses os quais se julgam ajustados às exigências do caso e, principalmente, à efetivação da devida avaliação sobre a adequação do juízo de prognose favorável que sustenta as suspensões de execução das penas em causa.
Estipula o artigo 51º do Código Penal na sua alínea a) que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento dos deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar dentro de certo prazo no todo ou na parte que o tribunal considerar possível a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea.
No caso vertente entende-se ser adequado subordinar a suspensão da execução dever por parte de cada um dos arguidos do pagamento parcial da indemnização que eventualmente vier a ser fixada e em termos que ulteriormente se irá apreciar e decidir.
Prosseguindo na análise do objeto dos recursos como última questão por apreciar do recurso de BB invoca tal recorrente que não se verificam os pressupostos para a condenação no pedido de indemnização civil deduzido por EE.
No que respeita do pedido de indemnização civil em causa pretende o recorrente a sua absolvição por no seu entender não estarem verificados os respetivos pressupostos.
No caso vertente o pedido de indemnização civil e em que o arguido recorrente foi condenado é no valor de €3.500,00, porquanto o mesmo foi condenado no valor peticionado pelo demandante que deduziu o referido pedido.
Ora, nos termos previstos no artigo 400º nº2 do Código de Processo Penal: sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativamente a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
No caso vertente o pedido de indemnização civil é inferior a €5000,00 (cinco mil euros) e, por isso, inferior à alçada do tribunal de 1ª instância pelo que em conformidade com o estatuído no referido artigo a sentença não é recorrível na parte respeitante ao pedido de indemnização civil.
Assim, em conformidade, não pode este Tribunal conhecer deste segmento de recurso da sentença uma vez que o mesmo é legalmente irrecorrível nos termos sobreditos.
Destarte o recurso da sentença interposto pelo arguido é neste segmento rejeitado por irrecorribilidade.
Suscita como, última questão, no seu recurso a recorrente AA a apreciação se em caso de procedência da impugnação de facto estão verificados os pressupostos de condenação solidária dos arguidos BB, CC e DD e do Estado Português no pedido de indemnização civil deduzido por AA e fixação do respetivo montante.
E, neste particular, impõe-se lembrar que a recorrente deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos BB, CC e DD e contra o Estado Português pretendendo, por um lado, a condenação solidária do Estado e do arguido BB no pagamento de 450 € (quatrocentos e cinquenta euros) pelos danos patrimoniais alegadamente por si sofridos e de 150.000 € (cento e cinquenta mil euros) pelos danos morais que alegadamente para si decorreram dos crimes de injúria agravada, ofensa à integridade física qualificada e sequestro agravado imputados e, por outro lado, a condenação solidária do Estado Português e dos arguidos BB, CC e DD no pagamento de 50.000 € (cinquenta mil euros) pelos danos morais que alegadamente para si decorreram dos crimes de abuso de poder.
Impõe-se lembrar que a impugnação da matéria de facto da recorrente AA foi parcialmente procedente estando arredados, consequentemente, desta apreciação danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes dos crimes de injúria e sequestro agravados.
Com efeito nessa parte, pese embora, se tenha determinado alteração da matéria de facto (designadamente e a título de mero exemplo quanto ao arrancamento do cabelo) a mesma não teve como efeito a reversão da absolvição decidida no tribunal recorrido.
Assim, cumpre apenas apreciar do pedido de condenação solidária do Estado e do arguido BB no pagamento de 450 € (quatrocentos e cinquenta euros) pelos danos patrimoniais alegadamente por si sofridos e de 150.000 € (cento e cinquenta mil euros) pelos danos morais que alegadamente para si decorreram do crime de ofensa à integridade física qualificada e do pedido de condenação solidária do Estado, de BB, CC e DD no pagamento de 50.000 € (cinquenta mil euros) pelos danos morais (estando assim excluída a apreciação de danos patrimoniais porque não peticionados nesta sede) que alegadamente para si decorreram dos crimes de abuso de poder.
Uma vez que se considerou existir concurso aparente entre o crime de abuso de poder e o crime de ofensa à integridade física qualificada entende-se que relativamente ao arguido e demandado BB não há que ponderar danos morais ou não patrimoniais decorrentes do crime de abuso de poder porque já compreendidos nos danos morais ou não patrimoniais decorrentes do crime de ofensa à integridade física qualificada praticada por este com abuso de autoridade ou poder.
Ensina Gomes da Silva que «elementos fundamentais da responsabilidade são o dano e a relação em que ele se encontra com o responsável. (...) A responsabilidade é, por conseguinte, a obrigação nascida de um prejuízo e tem por objeto a reparação deste. O intuito com que a lei o estabelece não é o de intimar os indivíduos nem o de reprimir os factos ilícitos: é apenas o de satisfazer a justiça comutativa, reparando danos causados. O prejuízo, por conseguinte, é o fulcro de toda a responsabilidade»[32].
Na lição de Pereira Coelho «por dano pode entender-se (...) o prejuízo real que o lesado sofreu in natura, em forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal»[33].
Assim, defende-se que dano é «todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causada nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem»[34].
No respeitante aos danos patrimoniais o princípio fundamental que tutela esta matéria, é o da reposição da coisa no estado anterior à lesão, exceto se a restauração não for exequível ou se se revelar excessivamente onerosa para o devedor, por ser a forma mais genuína de reparação.
Postula Almeida e Costa que a restauração natural ou indemnização em forma específica dos interesses dos lesados é a forma mais perfeita de reparação. Desta sorte, apenas se apresenta inviável quando «não haja possibilidade material de reconduzir as coisas à situação exata ou aproximada em que estariam se a lesão se não tivesse verificado; ou porque desse modo se não reparam integralmente os danos; ou ainda porque a ordem jurídica a não admite, designadamente por considerá-la demasiado onerosa para o devedor. Terá então de operar-se uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro que corresponda ao montante dos danos» [35][36].
No cumprimento do disposto no artigo 562º do Código Civil, será obrigação dos responsáveis indemnizar os lesados pelos prejuízos experimentados, de forma a reconstituir-lhes a situação que existiria se não houvesse ocorrido o evento danoso.
O artigo 563º do Código Civil determina que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão», pelo que, a obrigação de reparar o dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo.
A disposição desta norma legal, pondo a solução do problema na pprobabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, consagra a doutrina da causalidade adequada, mediante a qual determinada ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, atendendo às circunstâncias do caso concreto conhecidas pelo agente, essa ação ou omissão se mostrava adequada à produção do referido prejuízo, com fortes probabilidades de tal evento se verificar.
Vem-se entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito, seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a natureza geral e em face das regras de experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação dano. Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerado – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano[37].
O artigo 496º[38] do Código Civil impõe que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, compensá-los mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado «um preço de dor» ou «um preço de sangue», mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo esses interesses de ordem refinadamente ideal[39][40].
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (primeira parte do nº3 do artigo 496º do Código Civil).
Almeida e Costa entende «que os danos não patrimoniais, embora insuscetíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo»[41][42][43][44].
Conforme faz notar Pessoa Jorge «na generosa formulação do artigo 496º do Código Civil, que confia ao legislador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custas, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar ao lesado e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ele se viu afetado »[45].
O juízo de equidade a que lei faz menção determina que o julgador tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida»[46]. É ainda de alertar que, tal como atesta a jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a referida compensação tem natureza mista, pois visa simultaneamente reparar o prejuízo, mas também encerra um juízo reprovador da conduta lesiva.
O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assenta numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva atualística, generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
Em conformidade com princípios de razoabilidade e justiça do caso concreto[47], o bom senso determina que os danos morais ou não patrimoniais sofridos pela demandante/ofendida sejam dignos de proteção legal.
São atendidos para esta tarefa os défices funcionais permanentes ou temporários de integridade física, o grau de incapacidade, o tempo de internamento hospitalar, as dores experimentadas (quantum doloris) e a natureza das intervenções médicas a que foram submetidos, o prejuízo de afirmação pessoal, a ocorrência de outras limitações relevantes para a vida quotidiana normal e a esperança média de vida como na vertente da consolidação das expectativas pessoais de cada uma das vítimas.
Revertendo ao caso concreto e tendo por base a matéria de facto relevante, designadamente, a que revela danos decorrentes da atuação de BB no interior da viatura impõe-se referir que a assistente e demandante AA sofreu na face, hematoma periorbitário prolongado até à região malar, bilateralmente, com edema acentuado subjacente, hemorragia subconjuntival dos quadrantes laterais bilateralmente, escoriações com crosta sanguínea em toda a extremidade do nariz, incluindo asas nasais; equimose fortemente arroxeada na face mucosa de todo o lábio superior, com edema acentuado subjacente, ferimento aproximadamente linear longitudinal, com crosta sanguínea na metade superior, no lábio inferior, com edema acentuado subjacente, tais lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente (socos desferidos) demandaram assistência hospitalar e determinaram pelo menos 21 dias para a cura com 10 dias de afetação da capacidade de trabalho geral e dos mesmos não resultaram consequências permanentes para a mesma.
A mesma sofreu dores, mal-estar, sangrou da boca e do nariz, sofreu lesões físicas que lhe causaram dores intensas durante os primeiros 10 dias, que a impediram de comer, de dormir, de cuidar da sua higiene e de efetuar qualquer tarefa doméstica e pelo menos pelo período de 21 dias sentiu dores, ficou com marcas no lábio, sofreu angústia severa, ansiedade, pânico, medo de sair à rua, de utilizar os transportes públicos e de frequentar locais públicos ou abertos ao público sofreu de forma acentuada de perda de apetite, insónias, mal estar geral, astenia, fadiga física e mental.
Ademais teve de adquirir medicamentos, principalmente para as dores, de valor não inferior a 50 € e teve de fazer várias deslocações, sendo o custo com transporte de valor não inferior a 200 €, nomeadamente ao Hospital ..., a exames médicos, a farmácias, ao tribunal, à PSP, ao escritório da sua mandatária.
Tais danos patrimoniais e não patrimoniais ocorreram em virtude da atuação do arguido BB sendo a mesma voluntária, ilícita e culposa.
AA nasceu em ../../1977 e à data encontrava-se de baixa médica devido a patologia osteoarticular de um joelho cozinhava em casa, por encomenda, para venda, como forma de angariar algum rendimento para o sustento do agregado familiar composto por dois filhos sendo uma menor de idade. Apesar de ter dois filhos mais velhos os mesmos têm vida autónoma não integrando o seu agregado.
Tal como decorre dos factos provados e dos autos mormente dos respetivos relatórios sociais o arguido BB mantém uma relação marital e a situação económica do agregado familiar é equilibrada, encontrando-se assente no vencimento de BB, no valor líquido de cerca de 1500 € mensais, acrescido do recebido em gratificados que efetua sempre que possível e no vencimento da companheira, enquanto auxiliar de ação médica em unidade hospitalar, no valor líquido mensal de cerca de 900 €. Vive em ..., em casa arrendada, pela qual BB paga mensalmente cerca de 400 €, tendo ainda como despesas fixas as inerentes à habitação, com água, luz, gás e comunicações, e despesas com créditos, no valor de cerca de 419 €, referentes à aquisição de duas viaturas, e no valor de 144 €, para ajudar financeiramente as filhas.
Sopesados todos os fatores descritos considera-se adequada fixar a indemnização por danos patrimoniais em €250,00 (duzentos e cinquenta euros) e por danos não patrimoniais em €12,500 (doze mil e quinhentos euros) indemnização essa a ser assegurada solidariamente pelos demandados Estado Português e BB.
No que se refere aos demandados CC e DD impõe-se esclarecer que se os mesmos tivessem adotado condutas distintas das provadas e que refletem grave violação dos deveres que sobre os mesmos impendem e estando aqueles em exercício de funções, AA não teria sido sujeita a um sofrimento físico e psicológico com a extensão que resulta supra descrita, posto, que aqueles teriam obstado à continuação da atuação de BB, o que no caso concreto não se verificou.
No entanto importa salientar que os danos decorrem primacialmente da atuação de BB e que tal não poderá deixar de ser considerado por este Tribunal.
Repristinam-se as considerações já expendidas relativamente aos danos não patrimoniais sofridos por AA e no que respeita à concreta situação pessoal e patrimonial apurada dos demandados CC e DD importa referir que:
O arguido CC vive com uma companheira sendo a situação económica do agregado familiar assente no vencimento do arguido no valor líquido de 1222,40€ mensais e no vencimento da companheira, enquanto ..., no valor líquido mensal de 1350,16€. O agregado vive em casa arrendada pela qual pagam mensalmente cerca de 560,00€, referem ainda como despesas fixas as inerentes às despesas da habitação (água/luz/gás e comunicações), o crédito pessoal que arguido contraiu, enquanto estudante universitário, para custear as suas despesas nesse período no valor mensal de 220,00€ mensais e o crédito para aquisição de viatura própria, de 172,00€ mensais.
Por seu turno o arguido DD vive maritalmente em casa própria e isenta de custos com uma companheira que se encontrava à data da elaboração do relatório social de baixa médica por gravidez e recebia cerca do salário mínimo nacional.
A título de despesas com créditos, o arguido indicou em tal relatório o valor de 300 euros mensais referente à aquisição de uma viatura.
Sopesados os descritos fatores bem como o grau de intervenção nos factos voluntários ilícitos e culposos que originaram tais danos considera-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em €2,000 (dois mil) indemnização essa a ser assegurada pelos demandados CC e DD solidariamente com o Estado Português.
Tendo em conta que já se estabelecera ser devida a subordinação da suspensão da execução das penas aplicadas a um dever de pagamento de parte da indemnização fixada, atentos os valores fixados e as condições pessoais/patrimoniais dos condenados entende-se ser adequado:
- Subordinar a suspensão da execução da pena única de cinco anos de prisão aplicada ao arguido BB ao pagamento a AA no prazo de dois anos e seis meses do valor de €6.000,00 (seis mil euros).
- Subordinar a suspensão da execução da pena de 1 ano e seis meses de prisão aplicada ao arguido CC ao pagamento a AA no prazo de nove meses do valor de €1000,00 (mil euros).
- Subordinar a suspensão da execução da pena de 1 ano e seis meses de prisão aplicada ao arguido CC ao pagamento a AA no prazo de nove meses do valor de €1000,00 (mil euros) sendo em todas as situações tais prazos, naturalmente, dependentes do trânsito em julgado da presente decisão.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e em face do exposto acordam as Juízas Desembargadoras desta 3ª Secção em:
a) em rejeitar por irrecorribilidade o recurso interposto pelo arguido BB na parte respeitante ao pedido de indemnização civil e no demais não conceder provimento ao mesmo.
b) em conceder provimento parcial ao recurso de AA e, por conseguinte, revogar parcialmente a decisão recorrida e alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos enunciados neste acórdão determinando em consequência a:
- Condenação do arguido BB pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, com referência à al. m) do n.º 2 do artigo 132.º todos do Código Penal (em concurso aparente com o crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal) numa pena de dois anos e seis meses de prisão.
- Condenação do arguido BB em cúmulo jurídico de tal pena com as em que foi condenado na decisão recorrida numa pena única de cinco anos de prisão a qual nos termos dos artigos 50º e 51º nº1 al. a) ambos do Código Penal se suspende na sua execução por igual período de tempo e subordinada ao dever de pagamento a AA no prazo de dois anos e seis meses do valor de €6.000,00 (seis mil euros).
- Condenação do arguido CC pela prática de um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal numa pena de um ano e seis meses de prisão a qual nos termos dos artigos 50º e 51º nº1 al.a) ambos do Código Penal se suspende na sua execução por igual período de tempo e subordinada ao dever de pagamento a AA no prazo de nove meses do valor de €1000,00 (mil euros).
- Condenação do arguido DD pela prática de um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal numa pena de um ano e seis meses de prisão a qual nos termos dos artigos 50º e 51º nº1 al.a) ambos do Código Penal se suspende na sua execução por igual período de tempo e subordinada ao dever de pagamento a AA no prazo de nove meses do valor de €1000,00 (mil euros).
- Condenação solidária dos demandados BB e do Estado Português no pagamento à demandante AA da quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e da quantia de €12.500 (doze mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.
- Condenação solidária dos demandados CC, DD e do Estado Português no pagamento à demandante AA da quantia de €2.000 (dois mil) a título de indemnização por danos não patrimoniais.
No mais mantém-se o decidido no acórdão recorrido.
Custas da responsabilidade do recorrente arguido BB, fixando-se para cada em 4 UC a taxa de justiça (art.º 513º do Cód. de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último).
Custas da parte relativa a indemnização civil por demandante e demandados na proporção do respetivo decaimento e sem prejuízo de proteção jurídica ou isenção de que beneficiem.
Notifique.
*
Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
*
Tribunal da Relação de Lisboa, 30 de abril de 2025.
Ana Rita Loja
Ana Guerreiro da Silva
Cristina Almeida e Sousa _______________________________________________________ [1] vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995. [2] – Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1. [3] Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335 [4] Proferido no processo 131/11.1YFLSB e acessível em www.dgsi.pt [5] Vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art.º 412º., pág. 1144. [6] Vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art.º 412º., pág. 1144. [7]Vide Ac. da Relação de Lisboa de 02.11.2021, proc. 477/20.8PDAMD.L1-5. [8] Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187, Ac. da Relação de Guimarães de 07.12.2018, processo 40/17.0PBCHV.G1 e Ac. da Relação de Lisboa de 11.09.2019, processo 1365/12.7PBFUN.L3-3, in http://www.dgsi.pt. [9] Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43. [10] Vide Figueiredo Dias, Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss [11] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 415 e 416, do vol. I, da 4.ª edição, da Coimbra Editora. [12]Vide Maia Gonçalves, em Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 729, Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., pág. 339 e Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, em Recursos Penais 9.ª ed., pág. 73 e ss e, entre outros, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 11/07/2024 no processo nº489/21.4SXLSB1-5. [13] Vide Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, em Recursos em Processo Penal, 9.ª ed., pág. 73 e ss. [14] Proferido no processo 88/09.9PESNT.L1. S1 [15] Vide Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª Ed., pág. 341. [16] Vide Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, em Recursos Penais, 9.ª ed., pág. 73 e ss. [17] Proferido no processo 1368/20.8JABRG.G1. S1 [18] proferido no processo proc. 427/08.0TBSTB.E1. S2 [19]Vide neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/11/2013, processo n.º 98/07.0 JALRA.C3, in www.dgsi.pt. [20] Vide sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/09/2022, processo n.º 35/21.0YGLSB.S1, in www.dgsi.pt. [21] Vide, entre muitos outros, no sentido exposto, FIGUEIREDO DIAS, in CJ,XII,4,51, MARGARIDA DA SILVA PEREIRA, in Direito Penal II- Os homicídios, 40 e 41, LEAL HENRIQUES e SIMAS SANTOS, in Código Penal Anotado, 3ª edição, 2º vol., p. 58 e segs e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/06/2004 in www.dgsi.pt. [22] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2000 in CJ, Acs.do STJ, ano VII, Tomo I, p. 219. [23] in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Coimbra, 1995, p.63 e segs. [24] cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 242. [25] Proferido no processo 180/11.0GAVLP e acedido em www.dgsi.pt [26] Proferido no processo 1537/20.0GLSNT.L1.S1 e acedido em www.dgsi.pt [27] A Pena Unitária do Concurso de Crime”, RPCC, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) – citada no Acórdão do S.T.J. de 10/01/2013 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (proc. 218/06.2PEPDL.L3.S1 acessível no site do STJ [28] Proferido no processo 201/08.3JELSB.E1.S1 acessível no site do STJ. [29] Vide entre outros, na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., pág. 344 e, na jurisprudência, Ac. da RE de 19/12/2013, proc. 11/09.0TASLV.E1, in www.dgsi.pt. [30] Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, §518 [31] Proferido no processo 03P2131 disponível na Coletânea de Jurisprudência- STJ, 2003 Tomo II, pág.221 bem como no site do STJ. [32] Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar, vol. I, pág. 245 [33] Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, pág. 250. [34] Vaz Serra, Boletim do Mistério da Justiça, nº 84, pág. 8. [35] Direito das Obrigações, 5ª Ed., pág. 637 e seguintes. [36] No mesmo sentido: Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 404-405. [37] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2006, in CJ STJ XIV-II-120. [38] Artigo 496.º (Danos não patrimoniais):
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º;. [39] Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., pág. 115. [40] Sobre a vida, a morte e a sua indemnização, veja-se o estudo de Leite Campos, no BMJ 365, pág. 5 e seguintes. [41] Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª Ed., pág. 502. [42] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 374 e seguintes. [43] Pinto Monteiro, Sobre a reparação de danos morais, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano 1, nº1, Coimbra, 1992, pág. 17 e seguintes. [44] Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, Boletim do Ministério da justiça, nº83, pág. 69. [45] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 376. [46] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 605, nota 4. [47] Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, pág. 229.