REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS
CARREIRA DOCENTE
ESCOLA PROFISSIONAL
REMUNERAÇÃO
PERÍODO LETIVO E NÃO LETIVO /VARIAÇÃO DA REMUNERAÇÃO EM FACE DO NÚMERO DE HORAS LETIVAS
Sumário

I - A propósito das regras da interpretação do conteúdo dos contratos, tratando-se de um negócio jurídico formal, haverá que atender-se, nomeadamente, às regras gerais dos negócios jurídicos, estabelecidas artigos 236.º e 238.º do Código Civil (CC).
II - Resulta da regra básica da interpretação das declarações de vontade, ínsita no referido n.º 1 do artigo 236º do CC, que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”, excetuando-se apenas “os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1) ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2), sendo que, nos casos em que estejam em causa negócios formais, a declaração, como resulta do n.º 1 do artigo 238.º, não pode então valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se, como se prevê no seu n.º 2, esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade, caso em que será esta que vale.
III - Em face do CCT entre CNEF e FNEF, publicada no BTE n.º 31 de 22/08/2017 e sucessivas revisões, alterando-se o número de horas da componente letiva, assim na parte que ultrapasse as 22 horas, mesmo que se mantenha a carga horária global (referente às duas componentes, assim letiva e não letiva, num total de 35 horas), a retribuição altera-se, precisamente por decorrência do número de horas em que a componente letiva ultrapasse aquelas 22 horas, precisamente pelo acréscimo remuneratório previsto no CCT para essas horas.

Texto Integral

Apelação / processo n.º 3183/22.5T8AVR.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho ...

Autora: AA

Ré: Escola Profissional ... (EP...)


_______


Nélson Fernandes (relator)

Germana Ferreira Lopes

Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. AA intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Escola Profissional ... (EP...), peticionando a condenação a Ré no pagamento da quantia de €9.963,70, a título de créditos laborais vencidos e não pagos (incluindo diferenças salariais, restituição de parte do pré-aviso retido indevidamente pela Ré e o pagamento das compensações por caducidade dos contratos a termo entre ambas celebrados).

Alega, para o efeito, em síntese, que: entre ambas existiu um contrato de trabalho, com início em 04 de setembro de 2017, ao qual se aplica a convenção coletiva de trabalho celebrada entre a Confederação Nacional da Educação e Formação e a Federação Nacional de Educação e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 31, de 22/08/2017, atualmente com a redação publicada no BTE n.º 37, de 08/10/2021, o qual veio a ser denunciado pela própria com efeitos imediatos; a partir de 01 de setembro de 2018, a Ré reduziu unilateral e infundadamente a sua remuneração mensal ilíquida, com as inerentes consequências na redução dos subsídios e do valor/hora do trabalho suplementar, redução essa que, diz, não lhe foi comunicada e que as suas funções não se alteraram; a Ré descontou-lhe 60 dias pelo incumprimento do pré-aviso da denúncia que fez, quando apenas devia ter descontado o valor equivalente a 30 dia, conforme consta do contrato, e que o faz com o fundamento de que o contrato de trabalho a termo incerto se converteu em contrato de trabalho sem termo por ultrapassagem da duração máxima daquele período de tempo, do que não a informou; a ter havido conversão do contrato de trabalho em contrato sem termo, tal teria ocorrido há muito tempo, em virtude de contratos anteriores, que desde 2014, foram sendo celebrados entre ambas; peticiona o pagamento das compensações pela caducidade de cada um dos contratos que haviam celebrado antes de 2017.

Frustrada a conciliação das partes, em sede de audiência de partes, notificada a Ré, a mesma apresentou contestação

Mais uma vez em síntese: confessa-se devedora à Autora da quantia de €1.510,00, atinente aos 30 dias de pré-aviso não cumprido e cobrados em excesso, por afirmar que, ao contrato de trabalho a termo incerto celebrado antes da entrada em vigor da Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, se aplicará o pré-aviso de 30 e não de 60 dias; invoca a exceção de prescrição dos créditos nos termos do disposto no artigo 337.º do Código do Trabalho, porquanto os contratos a termo foram cessando e voltando a celebrar-se; a indemnização pela cessação apenas seria devida se não se tivesse estipulado o termo de cessação automática do Código do Trabalho, o que não é o caso; o vencimento base celebrado era de €1.510,00, o qual é superior ao fixado na convenção coletiva de trabalho, e não houve redução da sua remuneração, tendo havido, isso sim, uma alteração do número de horas de componente letiva, dentro do permitido pela convenção coletiva de trabalho (22horas), assim se refletindo no valor que lhe foi pago no período reclamado, já que, até então, a Autora vinha recebendo 2 horas de componente letiva a mais do que as incluídas no salario base; invoca a cláusula 39.º da convenção coletiva de trabalho que sustenta a possibilidade de oscilação da remuneração em função da componente letiva efetivamente ministrada, a qual nunca foi ultrapassada, não havendo direito a reclamar qualquer quantia; explica, ainda, que os recibos de vencimento espelhavam um valor hora diferente por erro contabilístico.

A Autora respondeu: pugnando pela improcedência da exceção de prescrição, ancorando-se na jurisprudência que dita que os créditos não prescrevem enquanto houver relação de trabalho entre as partes (devido à submissão do trabalhador), sendo que entre cada um dos contratos existiu apenas um mês sem relação laboral; quanto aos pagamentos, reitera que nunca prestou menos do que as 35 horas semanais e nunca menos do que as 22 horas letivas, insistindo na alteração unilateral da remuneração por o contrato não pressupor quaisquer prestações retributivas complementares.

A Ré voltou a pronunciar-se: referindo que alguns dos créditos poderiam constituir obrigação natural, insistiu na força probatória dos recibos e na possibilidade de os interpretar por recurso ao contexto laboral em que surgiram; acrescenta que impugnou o contexto e a interpretação feita pela Autora dos recibos de vencimento que esta juntou, e que a mesma não impugnou os documentos onde constava a carga horária anual, juntos na contestação; insiste que sempre lhe foram imputados os complementos retributivos, incluindo os subsídios de férias e de natal; peticiona a condenação da Autora por litigância de má fé, no mínimo por negligência grave, com uma condenação em quantia nunca inferior a €1.500,00 de honorários.

A Autora respondeu ao pedido de condenação por litigância de má fé, pugnando pelo seu indeferimento e afirmando-se de boa fé.

Fixado o valor da ação em €9.963,70, foi proferido despacho saneador, relegando-se para final, por ser necessária a produção de prova, o conhecimento das exceções “peremptórias- prescrição e pagamento- invocadas pela ré”.

Foi ainda dispensada a audiência prévia, invocando-se que não ocorre complexidade e o disposto nos artigos 49.º, n.º 3, e 62.º, n.º 1, do CPT, abstendo-se também o Tribunal “de proferir o despacho previsto no artigo 596º do Código de Processo Civil (de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas de prova).”

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio por fim a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“Em face exposto, julga-se a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condena-se ré a pagar à autora o valor de € 6.129,27 (seis mil cento e vinte e nove euros e vinte e sete cêntimos), a título de diferenças salariais e em férias e subsídios de férias e de natal, acrescido dos juros de mora, vencidos desde a citação, e vincendos, à taxa supletiva legal em vigor em cada momento do tempo para as transações civis, atualmente de 4% ao ano, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, até efetivo e integral pagamento.

Mais se decide:

a) absolver a ré do demais peticionado;

b) absolver a autora do pedido de condenação por litigância de má fé.

Custas processuais a cargo de autora e ré, na proporção dos respetivos decaimentos, que se cifram em 38,48% e 61,52%, respetivamente.

Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, formulando no final das suas alegações as conclusões seguintes:

“1. Não poderia ter sido dado como provado nos moldes como o foi a al. b) do n.º 5 da matéria de facto dada como provada na medida em que, pelo confronto do referido teor da cláusula constante no CIT sob n.º 4.º n.º 3, com o doc. 2 junto à contestação, o período médio letivo apurado para o referido ano de 2017/2018 foi-o apenas e só tendo em conta o horário que a A. e ora Recorrida iria ter nesse ano, e não nos que se seguiam, onde o período médio letivo podia variar consoante o horário e turmas atribuídos à Recorrida.

2. Somando 1.510,00 € a 137,28 € de acréscimo remuneratório por duas horas extra de componente letiva às 22 previstas na CCTV como dando origem ao salário base, chegamos ao valor de 1637,28 €, que por erro de cálculo ou de escrita aparecem no CIT como 1.647,28 € e acabou por ser processado dessa maneira, como é completamente visível a olho nu.

3. Se atentarmos ao documento 7 junto com a PI a fls…, um contrato de trabalho de 2016, assinado pela mesma A., o mesmo chega ao vencimento de 1.578,72 € (mil quinhentos e setenta e oito euros e setenta e dois cêntimos) utilizando precisamente a mesma fórmula: nos termos da cláusula 2.º a docente sabia que a componente não letiva do horário de trabalho corresponde à diferença entre o período normal de trabalho (35 horas) e a componente letiva média para o ano em questão e que por nesse ano ter tido mais uma hora em termos médios, utilizando a seguinte fórmula ganhava 1510,00 € (que foi o primeiro ano onde subiu para essa remuneração base) acrescido dos cerca de 68,64 € (sessenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos).

4. São referidas por diversas vezes “horas suplementares”, ideia que não se confunde com o conceito jurídico trabalho suplementar. Ou seja, por “horas suplementares” querer-se-á dizer as horas de trabalho que excediam o quantitativo de referência de horas letivas de 22 horas – e que davam origem à componente remuneratória especial prevista no art. 39.º da CCTV -, e não o período normal de trabalho da A.

5. Das declarações do legal representante da R. BB, gravadas das 09:46 às 10:32 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 0:07:38 ao minuto 0:08:17 e do minuto 0:07:38 ao minuto 0:08:17, da testemunha CC, em depoimento gravado das 11:11 às 11:32 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 0:05:40 ao minuto 0:05:43, bem como entre os minutos 00:10:35 e 00:10:46, e, depois, em 00:12:42 a 00:12:44, e da testemunha DD, em depoimento gravado das 11:33 às 11:42 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 00:03:39 ao minuto 00:03:49 e entre os minutos 00:03:59 e 00:04:32, conjugadas com a leitura do doc. 1 junto à contestação (CIT da trabalhadora assinado para o ano de 2017/2018, a termo incerto), do Doc. 2, que corresponde ao período médio letivo apurado para o ano de 2017/2018, bem como dos recibos de vencimento sob doc. 7. Juntos à P.I., a fls…, com os próprios pontos 12 e 13 da matéria de facto dada como provada, nunca poderia ter sido dado a al. b) provada nos moldes em que o foi, devendo, ao invés, passar a ter a seguinte redação: “ A componente média letiva do período normal de trabalho é de 24 horas semanais, tendo esta como base o somatório da carga horária anual das disciplinas de Contabilidade e Fiscalidade, Direito das Organizações da Turma do 1.º G (175+70 horas), Cálculo Financeiro da turma do 2.º V/G (80 horas), Gestão e Controlo de turmas do 2.º R/B (50 horas), 2.º C/P (125 horas) e 3.º R/B (50 horas), Gestão de Marketing da turma do 3.º V/E (70 horas), Organização Industrial da turma do 3.º DCM (112 horas), 1 hora semanal pela compensação do acompanhamento da formação em contexto de trabalho e 2 pelo cargo de Diretora de Turma”.

6. O ponto 9 da matéria de facto dada como provada incorre numa falácia, na medida em que, como é possível constatar nos recibos de vencimento de 1/12/2018, no recibo de vencimento de 01/06/2019, recibo de vencimento de 01/12/2019, recibo de vencimento de 01/06/2020, recibo de vencimento de 01/12/2020, recibo de vencimento de 01-06/2021 e no próprio recibo de 01/09/2021, os subsídios de natal e de férias correspondiam sempre ao somatório do complemento retributivo calculado nos termos do 39 n.º 4 da CCTV aplicável que era considerado remuneração, com o salário base de 1.510,00 €.

7. Ademais, como também se afigura óbvio, e basta olhar para qualquer um dos recibos que compõem o doc. 7.º, nos termos dos artigos 44.º a 48.º do Código Contributivo e 2.º e 2.º A do CIRS, os descontos da A. foram sempre feitos pelo valor total do somatório entre complemento retributivo e salário base.

8. Quanto à questão do valor hora, é absolutamente do conhecimento comum e resulta das regras da experiência que se a R. passou a especificar os montantes auferidos pela A. a título do complemento retributivo em parcela autónoma, designada por “trabalho suplementar” (cfr. ponto 4. das presentes conclusões), por defeito, os programas de faturação calculam o mesmo em função da remuneração base inserida nas rúbricas.

9. De notar que em todos estes anos, com exceção do ano 2018/2019, a R. sempre pagou a mais à A. do que o que lhe devia pela componente letiva lecionada. E isto resulta, como é óbvio, dos Docs. 2, 3, 4, 5 juntos à contestação em confronto com os recibos juntos sob doc. 7 na mesma peça processual a fls….

10. Nos referidos termos, atendendo aos seguintes elementos de prova:

Os recibos de vencimento de 1/12/2018 (doc. 7 a fls. 19), no recibo de vencimento de 01/06/2019 (doc. 7 a fls. 26), recibo de vencimento de 01/12/2019 (doc. n.º 7 a fls. 33), recibo de vencimento de 01/06/2020 (doc. 7 a fls. 40), recibo de vencimento de 01/12/2020 (cfr. doc. 7 a fls. 47), recibo de vencimento de 01-06/2021 (doc. 7 a fls. 54) e no próprio recibo de 01/09/2021 (doc. 7 a fls. 57), docs. 2, 3, 4 e 5 juntos à contestação, com reflexo no ponto 12 dos factos dados como provados bem como às declarações das testemunhas: DD, responsável pela faturação, em depoimento gravado das 11:33 às 11:42 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 00:03:39 ao minuto 00:03:49, do minuto 00:03:59 e 00:04:32, do minuto 00:05:26 ao minuto 00:05:35, do minuto 00:05:51 a 00:05:53, do minuto 00:05:59 a 00:06:04 e do minuto 00:06:11 a 00:06:15; CC, assessora financeira, em declarações gravadas das 11:11 às 11:32 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 0:05:40 ao minuto 0:05:43, do minuto 00:10:35 a 00:10:46, e do minuto 00:12:42 a 00:12:44; E do legal representante da R.: BB, em declarações de parte gravadas das 09:46 às 10:32 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 0:07:38 ao minuto 0:08:17, do minuto 0:07:38 ao minuto 0:08:17, do minuto 00:09:26 a 00:09:32, do minuto 00:19:00 e 00:19:29 e 00:19:44 e 00:19:52;

11. Nunca poderia ter sido dado como provado o que consta na alínea do ponto 9. da matéria de facto dada como provada, devendo, ao invés, ser a mesma alterada para a seguinte redação:

Desde 4 de setembro de 2017, e até terminar a relação entre autora e ré, a autora recebia, a título de remuneração base em sentido estrito, a quantia mensal ilíquida, €1.510,00, à qual acrescia a verba correspondente ao complemento especial remuneratório calculado em função do número de horas de componente letiva que excedessem as 22 horas semanais.

12. Quanto ao ponto 10 da matéria de facto dada como provada, estando os montantes pagos neste âmbito adstritos às componentes letivas e não letivas, bem como à componente, que no caso se tem reportado a “horas suplementares” – que, mais não é, do que o número de horas letivas para além das 22 horas base e que equivalem a 1.510,00€ – é de estranhar a conclusão vertida na sentença de que a Ré não comunicou à Autora sobre a alteração dos valores pagos.

13. A Autora estava ciente disso mesmo, no depoimento por si prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 07 de setembro de 2023, gravado entre as 10:33 e as 11:08, entre os minutos 00:12:06 e 00:12:29, no qual reconhece que o valor pago para além das 22 horas semanais era referente a estas “horas suplementares”.

14. O mesmo já resultava do disposto no n.º 4 da Cláusula Quarta do Contrato individual de Trabalho junto pela Autora na Petição Inicial, sob Documento 1, nos termos do qual “Caso a média anual ultrapasse as 22 horas, haverá lugar ao pagamento do acréscimo remuneratório calculado nos termos do artigo 39,° n°. 4 do CCT, isto é, na proporção de 1/22 da retribuição mensal por cada hora acrescida”.

15. Facilmente se depreende pelo elemento literal do clausulado do Contrato Individual de Trabalho que por “horas suplementares” se entende, não um trabalho suplementar no seu sentido técnico-jurídico, mas sim aquele acréscimo motivado pela média anual de horas letivas, para além das basilares 22 horas.

16. A Autora deu o seu consentimento para que a Ré pudesse determinar a componente letiva de acordo com o trabalho em termos médios anualmente.

17. A conjugação da prova documental (Contrato Individual de Trabalho, junto à PI sob Documento 1, designadamente o citado n.º 4 da Cláusula Quarta), do depoimento da Autora prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 07 de setembro de 2023, gravado entre as 10:33 e as 11:08, nomeadamente os minutos 00:12:06 a 00:12:29, do depoimento do Legal Representante da Ré, gravado no mesmo dia, entre as 09:46 às 10:32, nomeadamente os minutos 00:10:08 e 00:10:54, bem como dos pontos 12 e 13 da matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, nunca poderia resultar a conclusão de que “A ré não fez qualquer comunicação à autora sobre a alteração dos valores pagos”.

18. Na sequência do que expusemos, e já adiantamos parte do raciocínio que leva também à impugnação do presente ponto da matéria de facto dada como provada, não poderia ser dado como provado o seguinte ponto nos moldes em que o foi.

19. Isto porque, para o que interessa ao objeto dos autos, era inultrapassável apurar e referir no ponto em causa a componente média letiva, que essa sim, se alterou, conforme ponto n.º 12 da matéria de facto dada como provada.

20. Nos referidos termos, não devia o ponto em causa ter sido dado provado só de per si, mas sim com a seguinte redação:

“A atividade prestada pela autora não se alterou no decurso da execução do contrato, mantendo sempre a mesma categoria de professor do ensino tecnológico, artístico e profissional, a mesma função de docente nível II.1, sempre com horário de 35 horas por semana, apenas variando a componente média letiva em função do concreto horário que lhe era atribuído, conforme ponto 12 da matéria de facto infra dada como provada”

21. A componente especial de retribuição do caso que ora se traz a juízo – tão referida no decorrer dos autos, em termos pouco técnicos, como “horas suplementares”, que mais não são do que o acréscimo de horas para além das 22 horas base, resultante de um cálculo da média anual de horas – está direta e umbilicalmente dependente do concreto número de horas que acrescerão, em cada ano letivo, às 22 horas de componente letiva. Às 22 horas da componente letiva + o diferencial de componente não letiva, apurada nos termos da CCTV mas nunca excedendo as 35 horas semanais, corresponderá uma retribuição base de 1510,00€.

22. Isto resulta expressamente da CCTV aplicável aos autos, mormente no disposto nos arts. 19.º, 20.º e 34.º da CCT entre CNEF e FNEF publicada no BTE n.º 31 de 22/08/2017 e sucessivas revisões em confronto com o teor do CIT, à luz da teoria do declaratário normal.

23. Essa prestação complementar (retribuição especial do acréscimo à componente letiva), enquanto tiver fundamento que a justifique, integra o conceito amplo de retribuição, integrando, por isso, os subsídios dependentes deste valor, nomeadamente os subsídios de natal e de férias.

24. Sendo essa uma componente variável anualmente, de acordo com as exigências concretamente verificadas em cada ano letivo, e conforme o clausulado no Contrato Individual de Trabalho e no Instrumento de Regulação Coletiva do Trabalho aplicável, é óbvio que os montantes pagos oscilarão.

25. O declaratário padrão para a análise do clausulado contratual, que aqui se tem como declaratário normal, no caso que se traz a análise, é um cidadão cujo mínimo de instrução é o ensino superior, nomeadamente em áreas de Economia, Gestão, Contabilidade, com conhecimento nestas matérias suficiente para o poder repassar aos seus alunos no âmbito da sua profissão, que, inclusive, já tinha celebrado vários contratos de trabalho com a R. em que o clausulado sempre evidenciou que a componente remuneratória global era influenciada pela média de horas letivas lecionadas ao longo do ano letivo.

26. Ora, se as alterações salariais que existiram resultaram da aplicação do disposto no art. 39.º n.º 3 e 4.º da CCTV aplicável, em conjugação com o art. 19.º da referida convenção, não poderemos concluir, como o faz sem mais a douta sentença recorrida, que houve redução da remuneração base.

27. A remuneração em sentido estrito, como matematicamente se pode comprovar através da utilização das referidas fórmulas, em conjugação com a leitura do contrato da A., eram 1.510,00 €, e variava sim, de acordo com a componente letiva adicional às 22 horas, que era subtraída, quando existia, à componente não letiva nos termos do art. 19.º da CCTV aplicável, nunca passando as 35 horas semanais o período normal de trabalho.

28. Nos referidos termos, ainda que não houvesse qualquer alteração a matéria de facto dada como provada, atenta a concreta redação do ponto 5. da mesma, em que as partes convencionam a possibilidade de alteração da remuneração - e como calcular o acréscimo às 22 horas letivas, que para o ano em causa (não para o contrato), foi apurada uma média de 23, daí a ressalva na cláusula 6.º do CIT, que diz sem prejuízo do disposto na cláusula 4.º - de acordo com o 39.º da CCTV, i.e., quando não houve qualquer violação do princípio da irredutibilidade, devendo a sentença em causa ser revogada nesta parte, fazendo-se a costumada Justiça.

Normatividade violada:

- art.º 129.º do Código de Trabalho;

- art. 19.º, 20.º e 39.º n.º 3 e 4 da CCT entre CNEF e FNEF publicada no BTE n.º 31 de 22/08/2017 e sucessivas revisões;

- n.º 1 do art. 236.º do Código Civil.”

Conclui pela procedência do recurso.

2.1, Contra-alegou a Autora, pugnando pela improcedência do recurso.

Afirmou, ainda, dizendo que “subsidiariamente”, “ao abrigo do disposto no artigo 636.º do Código de Processo Civil”, pretender ampliar “o objecto do Recurso”, apresentando, a final, para o efeito, as conclusões seguintes:

“A – Determina o n.º 2 do artigo 608.º do CPC que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.»

B – Igualmente a parte final do n.º 4 do artigo 607.º do mesmo diploma legal estatui que «o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.»

C – Finalmente, o n.º 2 do artigo 574.º do CPC estabelece, relativamente à contestação, que se consideram «admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (…)»

D – Na sua contestação a Ré confessa-se devedora à Autora da quantia de € 1.510,00 (vide artigo 4.º de tal articulado), por considerar que o pré-aviso aplicável ao contrato de trabalho entre Autora e Ré era de 30 dias, e não de 60 (artigo 5.º da mesma contestação).

E – Razão pela qual a questão de saber qual o pré-aviso devido deixou de ser controvertida e, nesse sentido, deixou de necessitar de uma decisão de mérito por parte do Tribunal.

F – Com efeito, em face da confissão da Ré, de que aceitava dever os 30 dias pré-aviso indevidamente retidos no pagamento a efectuar à Autora, ao Tribunal apenas competiria, s.m.o., condenar a Ré nesses precisos termos.

G – A douta decisão proferida, na parte em que absolveu a Ré do pagamento destes 30 dias de pré-aviso não valorou a confissão da Ré conforme devia, incorrendo assim em erro de julgamento.

H – Cabendo o objecto da confissão na disponibilidade das partes e não sendo uma questão de conhecimento oficioso por parte do Tribunal, a decisão de mérito proferida viola o disposto nos artigos supra identificados em A, B e C.

I – Razão pela qual deve ser substituída por outra que condene a Ré a restituir à Autora o valor de € 1.510,00 (na medida em que foi este o valor peticionado).

J – Mantendo-se na íntegra o demais decidido!”

2.2. O recurso veio a ser admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, admitindo-se, ainda, a ampliação requerida pela Autora.

2.3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto concluiu o parecer que emitiu nos termos seguintes:

“ (…) Daí que seja notório que a argumentação da alegação da recorrente não possa subsistir em confronto com a ponderada argumentação doutamente expendida na decisão sob recurso.

Contudo, afigura-se-nos ser procedente o pedido de ampliação do objecto do recurso, face aos artº.s 21º. e 33º. do petitório e 4º. da contestação, este assumidamente confessado.

Improcedem as conclusões formuladas no recurso principal e procedem as do recurso subordinado.

A sentença recorrida merece ser mantida, parcialmente, na ordem jurídica.

Em suma, salvo melhor opinião, emite-se parecer no sentido de o recurso principal não obter provimento e de proceder o recurso subordinado.”

3. Por despacho do aqui relator não foi admitida a ampliação do objeto do recurso requerida pela Autora.


***


Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II- Questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639., n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso sobre a matéria de facto; (2) dizendo de direito: saber se a sentença errou na aplicação da lei e do direito a respeito.

III- Fundamentação

A. De facto

Na sentença fez-se constar, na pronúncia sobre a matéria de facto, o seguinte (transcrição):

a) Factos provados

Dão-se como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

1. Em 01 de outubro de 2014, entre autora e ré foi celebrado um documento intitulado «contrato de trabalho a termo resolutivo», nos termos do qual a ré se obrigou a pagar à autora, enquanto professora do ensino secundário profissionalizado, por sua conta e sob as suas ordens, direção e fiscalização, o salário ilíquido mensal de € 1.145,12, e com termo a 31 de julho de 2015.

2. Em 08 de setembro de 2015, entre autora e ré foi celebrado um documento intitulado «contrato de trabalho a termo resolutivo», nos termos do qual a ré se obrigou a pagar à autora, enquanto professora do ensino secundário profissionalizado, por sua conta e sob as suas ordens, direção e fiscalização, o salário ilíquido mensal de € 1.395,00, com termo em 31 de julho de 2016.

3. Em 05 de setembro de 2016, entre autora e ré foi celebrado um documento intitulado «contrato de trabalho a termo resolutivo», nos termos do qual a ré se obrigou a pagar à autora, enquanto professora do ensino secundário profissionalizado, por sua conta e sob as suas ordens, direção e fiscalização, o salário ilíquido mensal de € 1.578,72, com termo em 31 de julho de 2017.

4. Em 30 de novembro de 2017, entre autora e ré foi celebrado um documento intitulado «contrato de trabalho a termo incerto», com início no dia 4 de setembro de 2017, esta enquanto professora do ensino secundário profissionalizado, por conta e sob as suas ordens, direção e fiscalização da segunda.

5. Na cláusula 4.ª do documento identificado no facto precedente, foi estipulado que:

a. o período normal de trabalho da autora é de 35 horas semanais, o qual integra uma componente letiva e uma não letiva,

b. que a componente média letiva do período normal de trabalho é de 24 horas semanais,

c. «a trabalhadora desde já dá o seu acordo a que a primeira outorgante possa determinar a componente letiva do período normal de trabalho em termos médios anuais, que todavia não poderá exceder as 30 horas semanais. Caso a média anual ultrapasse as 22 horas, haverá lugar ao pagamento do acréscimo remuneratório calculado nos termos do artigo 39.º, n.º 4 do convenção coletiva de trabalho, isto é, na proporção de 1/22 da retribuição mensal por cada hora acrescida.»

d. «Para efeitos do disposto no número anterior, as partes acordam, a título transitório, unicamente para vigorar no ano lectivo 2017/2018, que o cálculo da componente média semanal será contabilizado com base na carga horária total lecionada e a respectiva média será o quociente desta dividida por 35 semanas, compensando assim os intervalos das aulas, isto é: n = N/35, sendo n a componente média lectiva semanal e N a carga lectiva total do ano lectivo.».

6. Na cláusula 6.ª do documento identificado no facto provado n.º 4, estipularam que «sem prejuízo do disposto na cláusula quarta, como contrapartida do trabalho prestado, a trabalhadora terá direito à remuneração mensal ilíquida de € 1.647,27 (mil seiscentos e quarenta e sete euros e vinte e sete cêntimos), correspondente à categoria profissional e nível em que se insere, previstos na cláusula segunda e de acordo com a tabela aplicável aí referenciada, a que acrescerá, a título de subsídio de refeição, o montante de € 4,77 por cada dia de trabalho efetivo […]».

7. Na cláusula oitava, n.º 1 do documento identificado em 4., estipularam que «Se a trabalhadora se pretender desvincular do contrato de trabalho deve avisar a EP... com a antecedência mínima de 30 dias, para salvaguarda dos interesses dos formandos na substituição criteriosa e atempada da docente.».

8. No documento identificado em 4. estipulou-se que a autora teria funções inerentes à categoria de Docente posicionada no nível II.1, da tabela II, com o mais amplo conteúdo permitido pela lei e pelo convenção coletiva de trabalho e que este seria o Contrato Coletivo de Trabalho outorgado entre a Confederação Nacional da Educação e Formação e a Federação Nacional de Educação e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 31, de 22/08/2017, atualmente com a redação publicada no BTE n.º 37, de 08/10/2021.

9. A partir de 01 de setembro de 2018, e até terminar a relação entre autora e ré, a autora passou a receber, como remuneração mensal ilíquida, €1.510,00, valor sobre o qual foram calculados os subsídios de natal e de férias daí por diante, passando os descontos para a Segurança Social a ser feitos sobre esta quantia e os recibos de vencimento a refletir um valor/hora de € 7,19, ao invés de € 7,84, como até então.

10. A ré não fez qualquer comunicação à autora sobre a alteração dos valores pagos.

11. A atividade prestada pela autora não se alterou no decurso da execução do contrato, mantendo sempre a mesma categoria de professor do ensino tecnológico, artístico e profissional, a mesma função de docente nível II.1, e sempre com horário de 35 horas por semana.

12. A autora teve as seguintes componentes letivas, usando como parâmetro base para apurar a média de horas semanais 35 semanas:

a. No ano 2017/2018, a trabalhadora teve uma carga total de 802 horas de componente letiva, composta por 732 horas de tempos letivos, 35 de componente letiva por exercício de funções de direção de turma, e 35 horas de comissão de acompanhamento e avaliação da formação em contexto de trabalho, o que corresponde a uma carga semanal letiva de 22,91 horas (arredondada para 23).

b. No ano letivo de 2018/2019 a trabalhadora teve uma carga total de 797 horas, composta por 727 horas de tempos letivos, 35 de componente letiva por exercício de funções de direção de turma, e 35 horas de comissão de acompanhamento e avaliação da formação em contexto de trabalho, o que corresponde a uma carga semanal letiva de 22,77 (arredondado para 23).

c. No ano letivo de 2019/2020 a trabalhadora teve uma carga total de 768 horas, composta por 698 horas de tempos letivos, 35 de componente letiva por exercício de funções de direção de turma e 35 horas de comissão de acompanhamento e avaliação da formação em contexto de trabalho, o que corresponde a uma carga semanal letiva de 21,94 (arredondado para 22).

d. No ano letivo de 2020/2021, a trabalhadora teve uma carga total de 832 horas de tempos letivos, composta por 35 de componente letiva por exercício de funções de direção de turma, 35 horas de comissão de acompanhamento e avaliação da formação em contexto de trabalho, o que corresponde a uma carga semanal letiva de 23,77 (arredondado para 24).

e. No ano letivo de 2021/2022, a trabalhadora teve uma carga semanal de 23,428 horas (arredondado para 24).

13. Os horários em causa e os referidos planos foram comunicados à docente e estavam afixados na escola.

14. Em 28 de setembro de 2021, a autora comunicou à ré a denúncia do contrato identificado em 4., com efeitos imediatos.

15. A ré descontou à autora a quantia de € 3.020,00 devido à cessação do contrato, alegando inobservância do aviso prévio.


*


b) Factos não provados

Não foram provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:

a) O pagamento das cessações dos contratos a termo.

b) A autora sabia que o valor do seu salário base indicado na cláusula sexta do contrato identificado no facto provado 4. abrangia uma parte suscetível de alteração.

c) A ré informou a autora de que o contrato de trabalho já vigorava há mais tempo do que o permitido para contratos de trabalho a termo incerto e que isso aumentava o prazo de pré-aviso.

d) A autora alega contra lei expressa e alterou a verdade dos factos, omitindo intencionalmente ou por descuido que os complementos retributivos lhe eram pagos conforme o horário letivo praticado. *

Consigna-se que, na matéria de facto provada e não provada, não se incluíram factos irrelevantes para a causa, matéria conclusiva ou de Direito.”

B. Discussão

1. Recurso sobre a matéria de facto

Dirigindo a Recorrente o recurso à impugnação da matéria de facto, entendemos que não se colocam questões a respeito do cumprimento dos ónus legais previstos no artigo 640.º do CPC.

1.1. Apreciação

Alínea b) do ponto 5.º, provado:

“b. que a componente média letiva do período normal de trabalho é de 24 horas semanais,”

Sustenta a Recorrente que a referida alínea deve passar a ter a seguinte redação:

A componente média letiva do período normal de trabalho é de 24 horas semanais, tendo esta como base o somatório da carga horária anual das disciplinas de Contabilidade e Fiscalidade, Direito das Organizações da Turma do 1.º G (175+70 horas), Cálculo Financeiro da turma do 2.º V/G (80 horas), Gestão e Controlo de turmas do 2.º R/B (50 horas), 2.º C/P (125 horas) e 3.º R/B (50 horas), Gestão de Marketing da turma do 3.º V/E (70 horas), Organização Industrial da turma do 3.º DCM (112 horas), 1 hora semanal pela compensação do acompanhamento da formação em contexto de trabalho e 2 pelo cargo de Diretora de Turma”.

Indica os argumentos que entende que sustentam a sua posição, bem como prova produzida, documental e por declarações / testemunhal.

Defendendo a Apelada o julgado, importa desde já ter presente que o ponto 5.º, provado, em que se insere a referida alínea, se refere, apenas, ao que se fez constar do contrato aí referenciado (“Na cláusula 4.ª do documento identificado no facto precedente, foi estipulado que (…), e, sendo assim, no âmbito da pronúncia em sede de matéria de facto, em que se insere, e que aqui reapreciamos, não relevam propriamente argumentos relacionados com o que as partes processuais, assim as aqui Autora e Ré, defendem como devendo ser a interpretação que daquele fazem, sendo que, salvo o devido respeito, é apenas disso que se trata, quanto àqueles argumentos.

Na verdade, sendo a questão da interpretação tarefa a que o Tribunal haverá de proceder no momento da aplicação do direito, no âmbito da pronúncia em sede de matéria de facto, única que neste momento reapreciamos, o que deve constar é o teor do contrato que está em causa no reanalisado ponto, que se encontra junto aos autos, e, sendo assim, resultando desse, é certo, efetivamente a redação que a Recorrente pretende oferecer para a alínea que aqui está em causa, no entanto, porém, entendemos que o ponto 5.º, constante da factualidade provada, deverá ter a sua redação em conformidade com o documento em que se suporta.

Em face do exposto, o ponto 5.º da factualidade provada passa a ter a seguinte redação:

“5. Na cláusula 4.ª do documento identificado no facto precedente, foi estipulado que:

1- O período normal de trabalhio da trabalhadora é o definido para os docentes, incluindo formadores, ou seja, é de 35 horas semanais, o qual integra uma componente letiva e uma componente não letiva.

2- O horário de trabalho semanal é definido pela entidade patronal tendo por base o mapa de horário de trabalho afixado anualmente, podendo ser ajustado semanalmente em função do horário letivo das turmas atribuído à trabalhadora e das atividades não letivas previstas na cláusula seguinte.

3- A componente média letiva do período normal de trabalho é de 24 horas semanais, tendo esta como base o somatório da carga horária anual das disciplinas de Contabilidade e Fiscalidade e Direito das Organizações da turma do 1º G (175+70 horas), Cálculo Financeiro da turma do 2º V/G (80 horas), Gestão e Controlo das turmas do 2º R/B (50 horas), 2º C/P (125 horas) e 3º R/B (50 horas), Gestão e Marketing da turma do 3º V/E (70 horas), Organização Industrial da turma do 3º DCM (112 horas), 1 hora semanal pela compensação do acompanhamento e avaliação da Formação em Contexto de Trabalho e 2 pelo cargo de Diretora de Turma.

4- A trabalhadora desde já dá o seu acordo a que a primeira outorgante possa determinar a componente letiva do período normal de trabalho em termos médios anuais, que todavia não poderá exceder as 30 horas semanais. Caso a média anual ultrapasse as 22 horas, haverá lugar ao pagamento do acréscimo remuneratório calculado nos termos do artigo 39.º, n.º 4 do convenção coletiva de trabalho, isto é, na proporção de 1/22 da retribuição mensal por cada hora acrescida.

5- A trabalhadora desde já dá o seu acordo a que a primeira outorgante possa alargar, episodicamente, a componente letiva do período normal de trabalho até às 33 horas semanais.

6- Para efeitos do disposto no número anterior, as partes acordam, a título transitório, unicamente para vigorar no ano lectivo 2017/2018, que o cálculo da componente média semanal será contabilizado com base na carga horária total lecionada e a respectiva média será o quociente desta dividida por 35 semanas, compensando assim os intervalos das aulas, isto é: n = N/35, sendo n a componente média lectiva semanal e N a carga lectiva total do ano lectivo.

7- Quando não for possível assegurar o período normal de trabalho letivo semanal referido no número dois, devido a alterações de currículo, diminuição do tempo de docência das disciplinas lecionadas ou do número de alunos ou de turmas, a trabalhadora desde já dá o seu acordo para prestar o seu trabalho a tempo parcial, pelo tempo que perdurar tal situação, mediante comunicação escrita da entidade com pelo menos 30 dias de antecedência, reduzindo-se o horário e a remuneração em conformidade.

8- Mediante a comunicação referida no número anterior, a trabalhadora dispõe do prazo de 10 dias para manifestar por escrito a sua oposição, caso em que poderá a entidade patronal proceder à extinção do posto de trabalho nos termos legais e da CCT aplicável.”

Pontos 9.º e 10.º, provados

“9. A partir de 01 de setembro de 2018, e até terminar a relação entre autora e ré, a autora passou a receber, como remuneração mensal ilíquida, € 1.510,00, valor sobre o qual foram calculados os subsídios de natal e de férias daí por diante, passando os descontos para a Segurança Social a ser feitos sobre esta quantia e os recibos de vencimento a refletir um valor/hora de € 7,19, ao invés de € 7,84, como até então.

10. A ré não fez qualquer comunicação à autora sobre a alteração dos valores pagos.”

Porque relacionados, procederemos a uma análise conjunta destes piontos.

Defende a Recorrente que o ponto 9.º deve passar a ter a seguinte redação: “Desde 4 de setembro de 2017, e até terminar a relação entre autora e ré, a autora recebia, a título de remuneração base em sentido estrito, a quantia mensal ilíquida, €1.510,00, à qual acrescia a verba correspondente ao complemento especial remuneratório calculado em função do número de horas de componente letiva que excedessem as 22 horas semanais.” Por sua vez, quanto ao ponto 10.º, sustenta que o mesmo não deveria ter sido dado como provado.

Para o efeito, quanto ao ponto 9.º, invoca: como é possível constatar nos recibos de vencimento de 1/12/2018, no recibo de vencimento de 01/06/2019, recibo de vencimento de 01/12/2019, recibo de vencimento de 01/06/2020, recibo de vencimento de 01/12/2020, recibo de vencimento de 01-06/2021 e no próprio recibo de 01/09/2021, os subsídios de natal e de férias correspondiam sempre ao somatório do complemento retributivo calculado nos termos do 39 n.º 4 da CCTV aplicável que era considerado remuneração, com o salário base de 1.510,00 €; basta olhar para qualquer um dos recibos que compõem o doc. 7.º, os descontos da Autora foram sempre feitos pelo valor total do somatório entre complemento retributivo e salário base; quanto à questão do valor hora, é do conhecimento comum e resulta das regras da experiência que se passou ela a especificar os montantes auferidos pela Autora a título do complemento retributivo em parcela autónoma, designada por “trabalho suplementar”, por defeito, os programas de faturação calculam o mesmo em função da remuneração base inserida nas rúbricas; em todos estes anos, com exceção do ano 2018/2019, sempre pagou a mais à Autora do que o que lhe devia pela componente letiva lecionada (resulta óbvio dos Docs. 2, 3, 4, 5 juntos à contestação em confronto com os recibos juntos sob doc. 7). Indica por sua vez como prova: “Os recibos de vencimento de 1/12/2018 (doc. 7 a fls. 19), no recibo de vencimento de 01/06/2019 (doc. 7 a fls. 26), recibo de vencimento de 01/12/2019 (doc. n.º 7 a fls. 33), recibo de vencimento de 01/06/2020 (doc. 7 a fls. 40), recibo de vencimento de 01/12/2020 (cfr. doc. 7 a fls. 47), recibo de vencimento de 01-06/2021 (doc. 7 a fls. 54) e no próprio recibo de 01/09/2021 (doc. 7 a fls. 57), docs. 2, 3, 4 e 5 juntos à contestação, com reflexo no ponto 12 dos factos dados como provados bem como às declarações das testemunhas: DD, responsável pela faturação, em depoimento gravado das 11:33 às 11:42 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 00:03:39 ao minuto 00:03:49, do minuto 00:03:59 e 00:04:32, do minuto 00:05:26 ao minuto 00:05:35, do minuto 00:05:51 a 00:05:53, do minuto 00:05:59 a 00:06:04 e do minuto 00:06:11 a 00:06:15; CC, assessora financeira, em declarações gravadas das 11:11 às 11:32 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 0:05:40 ao minuto 0:05:43, do minuto 00:10:35 a 00:10:46, e do minuto 00:12:42 a 00:12:44; E do legal representante da R.: BB, em declarações de parte gravadas das 09:46 às 10:32 e prestado na audiência de discussão e julgamento de 07 de setembro de 2023, do minuto 0:07:38 ao minuto 0:08:17, do minuto 0:07:38 ao minuto 0:08:17, do minuto 00:09:26 a 00:09:32, do minuto 00:19:00 e 00:19:29 e 00:19:44 e 00:19:52”.

Já sobre o ponto 10.º refere: estando os montantes pagos neste âmbito adstritos às componentes letivas e não letivas, bem como à componente, que no caso se tem reportado a “horas suplementares” – que, mais não é, do que o número de horas letivas para além das 22 horas base e que equivalem a 1.510,00€ – a Autora estava ciente disso mesmo, no depoimento por si prestado em sede de audiência de discussão e julgamento (entre os minutos 00:12:06 e 00:12:29, no qual reconhece que o valor pago para além das 22 horas semanais era referente a estas “horas suplementares”), sendo que o mesmo já resultava do disposto no n.º 4 da Cláusula Quarta do Contrato individual de Trabalho (nos termos do qual “Caso a média anual ultrapasse as 22 horas, haverá lugar ao pagamento do acréscimo remuneratório calculado nos termos do artigo 39,° n°. 4 do CCT, isto é, na proporção de 1/22 da retribuição mensal por cada hora acrescida”), pelo que, diz, a Autora deu o seu consentimento para que a Ré pudesse determinar a componente letiva de acordo com o trabalho em termos médios anualmente. Quanto a prova, devendo ainda atender-se ao que se deu como provado nos pontos 12.º e 13.º da matéria de facto dada como provada pelo tribunal, indica: teor do contrato junto à PI sob Documento 1, o depoimento da Autora (nomeadamente os minutos 00:12:06 a 00:12:29) e o depoimento do Legal Representante da Ré (nomeadamente os minutos 00:10:08 e 00:10:54).

Pronunciando a Apelada, mais uma vez, pela adequação do julgado, resulta da motivação constante da sentença o seguinte:

“(…) O facto provado n.º 9 emerge desde logo da apreciação, pelo Tribunal, dos recibos juntos aos autos por autora e ré, concatenados com a análise do contrato junto como documento n.º 1 da petição inicial, com o depoimento de parte da autora e, em certa medida também com as declarações de parte da ré e com o depoimento da testemunha DD, estes últimos dois no sentido de não terem logrado convencer o Tribunal de que a alteração não se deveu a mera mudança na forma de cálculo, nem que não se tenha verificado uma redução salarial. Note-se que, aqui, o Tribunal teve, ainda, de recorrer às regras da interpretação dos negócios jurídicos, conforme infra se escalpelizará melhor no segmento de fundamentação de Direito.

A motivação do Tribunal quanto ao mais sustentou-se essencialmente na prova documental junta aos autos, tendo contribuído também para a sua formação alguma da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mas de forma muito residual porquanto, em bom rigor, as questões que se levantam nos autos são essencialmente questões de interpretação do contrato e questões de Direito.

Em termos de prova documental, foram essenciais os contratos juntos aos autos na petição inicial e, bem assim, os recibos de vencimento ali juntos e também os que a ré carreou na sua contestação. Aqueles por evidenciarem, enquanto formalidade ad substantiam a celebração dos contratos em análise, e estes por espelharem as diferenças remuneratórias verificadas. (…)”

Cumprindo-nos apreciar, parecendo evidenciar-se da redação dada ao ponto 9.º que o Tribunal teria chegado à conclusão, em face também da prova que refere na motivação antes citada, de que teria ocorrido uma redução da remuneração mensal ilíquida para €1.510,00 – valor sobre o qual teriam sido, como o diz, “calculados os subsídios de natal e de férias daí por diante, passando os descontos para a Segurança Social a ser feitos sobre esta quantia e os recibos de vencimento a refletir um valor/hora de € 7,19, ao invés de € 7,84, como até então” –, importa então desde já esclarecer, salvo o devido respeito, que o juízo realizado parte de um pressuposto que, assim o entendemos, não seria de aplicar, precisamente por estarmos ainda no âmbito da pronúncia em sede de matéria de facto, mais precisamente o de que a remuneração ilíquida de €1.647,27, a que se alude na cláusula 6.ª do contrato celebrado em 30 de novembro de 2017 (referenciado no pontos 4.º e seguintes dos factos provado), se refere ao horário de trabalho a que se alude na cláusula 4.ª do mesmo contrato, mas já após um juízo interpretativo que terá subjacente que assistirá razão à Autora quando defende que essa remuneração se referirá a um horário em que a componente letiva fosse de 22 horas (e a que deveriam assim acrescer os valores derivados das horas da componente letiva que excedessem essas 22 horas), quando, afinal, essa é precisamente uma questão, a envolver também necessariamente a aplicação do direito (desde logo as regras interpretativas previstas na lei), que é objeto da presente ação, tanto mais que a Ré, diversamente, defende que não é assim, dizendo que aquela remuneração diz respeito às ao número total de horas letivas previstas no n.º 3 da cláusula 4.ª do contrato (de 24 horas semanais).

O que antes referimos visa salientar, mais uma vez, que, estando-se agora, apenas, no âmbito da pronúncia em sede de matéria de facto, esta pronúncia deve cingir-se aos factos, razão pela qual, os pontos em reanálise, devem apenas traduzir o que, nesse âmbito, resulta da prova produzida e, sendo deste modo, extrai-se com relativa facilidade, em particular quando analisados devidamente os recibos de vencimento juntos aos autos, que, se até então apenas figurava nesses, no que aqui importa, a rubrica “vencimento” seguida do valor de €1647,27, já a partir do mês de setembro de 2018, inclusive, os recibos passaram a apresentar diferente configuração, pois que, mantendo-se a rubrica “vencimento”, em que o valor que passou a constar foi o de €1510,00, no entanto, passou a figurar uma nova rubrica, que antes não existia, assim de “trabalho suplementar”, em que se fez constar, respetivamente, o valor de €68,64 até agosto de 2020 e a partir do mês seguinte o valor de €205,91 (até agosto de 2021). Ora, da análise desses elementos, na consideração, ainda, da demais prova, assim a indicada na citada motivação e no presente recurso, resulta para nós evidente que, referente ao valor salarial que foi sendo pago à Autora ao longo do tempo, os recibos de vencimento evidenciam que, de facto, ocorreu uma alteração do modo como nesses recibos passou a figurar, pois que, se até então apenas se incluía uma rubrica, com a indicação do valor de €1647,27 (sendo o valor hora que se fez constar por referência a esse), a partir do mês de setembro de 2018, inclusive, passou a constar dos recibos, mantendo-se a rubrica “vencimento” com a indicação do valor de €1510,00 (sendo o valor hora que se fez constar por referência a esse), incluiu-se uma nova rubrica (que antes não existia), assim de “trabalho suplementar”, em que se passou a fazer constar valores a esse título e que, mais uma vez com base na prova, se extrai que se tratava do complemento remuneratório que era calculado em função do número de horas de componente letiva que excedessem as 22 horas semanais.

Por decorrência do exposto, na procedência parcial do recurso, a resposta a dar ao ponto 9.º, que aqui se reanalisa, deve traduzir precisamente essa realidade, assim, nomeadamente, que, a partir de 01 de setembro de 2018, a Autora passou a receber, com a designação de remuneração mensal ilíquida, o valor de €1.510,00 (passando a figurar dos recibos o valor/hora de € 7,19 ao invés de € 7,84), acrescido, em rúbrica própria, de valores que lhe foram pagos a título de trabalho suplementar, calculado em função do número de horas de componente letiva que excedessem as 22 horas semanais, valores esse, respetivamente, de €68,64 até agosto de 2020 e de €205,91 a partir do mês seguinte, resultando também evidente, assim dos recibos, por recurso a mera operação matemática, que os descontos para a Segurança Social tiveram em conta a soma desses dois valores.

Por sua vez, sobre o ponto 10.º, constando desse que “a ré não fez qualquer comunicação à autora sobre a alteração dos valores pagos”, por um lado, e desde logo, quanto a esta apelidada alteração, a verdade é que essa pressupõe um juízo sobre se a mesma ocorreu, o que, salvo o devido respeito, sequer se pode afirmar neste momento, desde logo em face do que resultou provado sobre a matéria do ponto 9.º e alteração que antes mencionámos na resposta. Por outro lado, aqui também com base na prova produzida, quanto ao que ocorreu em termos de realidade factual, a que antes se aludiu quando ao modo de processamento dos salários nos recibos, dos quais naturalmente a mesma teve de ter conhecimento, justifica-se então, tal como sustentado pela Recorrente, que este deva ser eliminado.

Por decorrência do exposto, na procedência parcial do recurso, elimina-se o ponto 10.º da factualidade provada e alteração o seu ponto 9.º, passando este a ter a redação seguinte:

9. A partir de 01 de setembro de 2018, a Autora passou a receber, com a designação de remuneração mensal ilíquida, o valor de €1.510,00 (passando a figurar dos recibos o valor/hora de € 7,19 ao invés de € 7,84), acrescido, em rúbrica própria designada “trabalho suplementar”, de valores, referentes ao número de horas de componente letiva que excedessem as 22 horas semanais, de, respetivamente, €68,64 até agosto de 2020 e de €205,91 a partir do mês seguinte, sendo os descontos para a Segurança Social efetuados tendo em conta a soma desses dois valores.

Ponto 11.º, provado:

Sustenta a Recorrente que, desde logo em face do que resulta provado no ponto 12.º, o ponto 11.º deve passar a ter a seguinte redação: “A atividade prestada pela autora não se alterou no decurso da execução do contrato, mantendo sempre a mesma categoria de professor do ensino tecnológico, artístico e profissional, a mesma função de docente nível II.1, sempre com horário de 35 horas por semana, apenas variando a componente média letiva em função do concreto horário que lhe era atribuído, conforme ponto 12 da matéria de facto infra dada como provada.”

Assiste razão à Recorrente, adiante-se desde já, pois que o ponto 11.º não poderá deixar de ter em consideração o que se fez constar no ponto seguinte, assim que:

“12. A autora teve as seguintes componentes letivas, usando como parâmetro base para apurar a média de horas semanais 35 semanas:

a. No ano 2017/2018, a trabalhadora teve uma carga total de 802 horas de componente letiva, composta por 732 horas de tempos letivos, 35 de componente letiva por exercício de funções de direção de turma, e 35 horas de comissão de acompanhamento e avaliação da formação em contexto de trabalho, o que corresponde a uma carga semanal letiva de 22,91 horas (arredondada para 23).

b. No ano letivo de 2018/2019 a trabalhadora teve uma carga total de 797 horas, composta por 727 horas de tempos letivos, 35 de componente letiva por exercício de funções de direção de turma, e 35 horas de comissão de acompanhamento e avaliação da formação em contexto de trabalho, o que corresponde a uma carga semanal letiva de 22,77 (arredondado para 23).

c. No ano letivo de 2019/2020 a trabalhadora teve uma carga total de 768 horas, composta por 698 horas de tempos letivos, 35 de componente letiva por exercício de funções de direção de turma e 35 horas de comissão de acompanhamento e avaliação da formação em contexto de trabalho, o que corresponde a uma carga semanal letiva de 21,94 (arredondado para 22).

d. No ano letivo de 2020/2021, a trabalhadora teve uma carga total de 832 horas de tempos letivos, composta por 35 de componente letiva por exercício de funções de direção de turma, 35 horas de comissão de acompanhamento e avaliação da formação em contexto de trabalho, o que corresponde a uma carga semanal letiva de 23,77 (arredondado para 24).

e. No ano letivo de 2021/2022, a trabalhadora teve uma carga semanal de 23,428 horas (arredondado para 24).”

Em conformidade, o ponto analisado passa a ter a redação seguinte:

“12. A atividade prestada pela autora não se alterou no decurso da execução do contrato, mantendo sempre a mesma categoria de professor do ensino tecnológico, artístico e profissional, a mesma função de docente nível II.1, sempre com horário de 35 horas por semana, apenas variando a componente média letiva em função do concreto horário que lhe era atribuído, conforme ponto 12 da matéria de facto provada.”

1.2. Por decorrência do antes decidido, a base factual a atender, para aplicação do direito, é a que foi considerada pelo Tribunal recorrido, mas com as alterações antes determinadas.

2. O Direito do caso:

Em face do que resulta das conclusões, que delimitam o objeto do recurso (salvo questões oficiosas), apresenta a Recorrente os argumentos seguintes:

- a componente especial de retribuição do caso, referida em termos pouco técnicos como “horas suplementares”, mais não é do que o acréscimo de horas para além das 22 horas base, resultante de um cálculo da média anual de horas, que está direta e umbilicalmente dependente do concreto número de horas que acrescerão, em cada ano letivo, às 22 horas de componente letiva (22 horas da componente letiva + o diferencial de componente não letiva, apurada nos termos da CCTV mas nunca excedendo as 35 horas semanais, corresponderá uma retribuição base de 1510,00€, o que resulta expressamente da CCTV aplicável aos autos, mormente no disposto nos artigos 19.º, 20.º e 34.º da CCT entre CNEF e FNEF publicada no BTE n.º 31 de 22/08/2017 e sucessivas revisões em confronto com o teor do CIT, à luz da teoria do declaratário normal), sendo que tal prestação complementar (retribuição especial do acréscimo à componente letiva), enquanto tiver fundamento que a justifique, integra o conceito amplo de retribuição, integrando, por isso, os subsídios dependentes deste valor, nomeadamente os subsídios de natal e de férias, sendo que, porém, tratando-se de uma componente é variável anualmente, de acordo com as exigências concretamente verificadas em cada ano letivo, conforme o clausulado no Contrato Individual de Trabalho e no Instrumento de Regulação Coletiva do Trabalho aplicável, os montantes pagos também oscilarão;

- A Autora percebeu o teor do contrato celebrado, em face da sua formação e tendo já celebrado vários contratos de trabalho com a Ré em que o clausulado sempre evidenciou que a componente remuneratória global era influenciada pela média de horas letivas lecionadas ao longo do ano letivo;

- se as alterações salariais que existiram resultaram da aplicação do disposto no artigo 39.º n.º 3 e 4.º da CCTV aplicável, em conjugação com o artigo 19.º da referida convenção, não se pode concluir, como o faz a sentença recorrida, que houve redução da remuneração base, pois que, diz, a remuneração em sentido estrito, como matematicamente se pode comprovar através da utilização das referidas fórmulas, em conjugação com a leitura do contrato da Autora, era de €1.510,00, e variava sim, de acordo com a componente letiva adicional às 22 horas, que era subtraída, quando existia, à componente não letiva nos termos do artigo 19.º da CCTV aplicável, nunca passando as 35 horas semanais o período normal de trabalho, para concluir que, ainda que não houvesse qualquer alteração a matéria de facto dada como provada, atenta a concreta redação do ponto 5. da mesma, em que as partes convencionam a possibilidade de alteração da remuneração e como calcular o acréscimo às 22 horas letivas, que para o ano em causa (não para o contrato), foi apurada uma média de 23 (daí a ressalva na cláusula 6.º do CIT, que diz sem prejuízo do disposto na cláusula 4.º), de acordo com o 39.º da CCTV, não houve então qualquer violação do princípio da irredutibilidade, devendo a sentença ser revogada nesta parte.

Pronunciando-se a Apelada pela improcedência do recurso, no que é acompanhada pelo Ministério Público, no parecer emitido, resulta da sentença recorrida o seguinte:
“(…)Alega a autora que o seu vencimento foi reduzido unilateralmente e sem qualquer justificação ou aviso, pela ré, já que desde o início do contrato que com ela celebrou em 2017, até 31 de agosto de 2018 auferia a quantia ilíquida de € 1.647,27 – a qual afirma ter sido a acordada contratualmente com a ré – e a partir de 01 de setembro de 2018, passou a auferir a quantia de € 1.510,00, passando o seu valor/hora de € 7,84 para € 7,19, com os reflexos que tal alteração veio a sofrer nos subsídios de férias e de natal, e que permaneceu até 2021.
A ré contraria, afirmando que aquele montante foi contratualmente estipulado para o período em que a autora cumprisse 24 horas de componente letiva (dentro das 35 horas de trabalho contratadas), ou seja, que esse valor incluía já duas horas de trabalho suplementar de componente letiva.
O princípio da irredutibilidade da retribuição é uma emanação do princípio constitucional da segurança no emprego (artigo 59.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa), e configura uma garantia do trabalhador plasmada no artigo 129.º, n.º 1, al. d), podendo a sua violação configurar, até, justa causa de resolução contratual pelo trabalhador – artigo 394.º do Código do Trabalho.
Nos presentes autos, a questão da apreciação da existência ou não de efetiva redução salarial – com violação do princípio da irredutibilidade da retribuição – trata-se, em nosso entender, de uma questão de interpretação contratual, por um lado, e de prova do cumprimento dos deveres de informação que competem à entidade empregadora.
Vejamos.
No caso, estamos perante um debate entre as partes sobre qual o valor do salário base da autora, informação que é das mais elementares de uma relação contratual e que, habitualmente, vem expresso no contrato de forma perfeitamente clara e autonomizada de todos os demais direitos atribuídos ao trabalhador.
Contudo, lidas as cláusulas contratuais em análise, o seu teor é, no mínimo, confuso e dúbio, podendo espoletar diversas interpretações (inclusive, acrescentamos, pelo menos uma distinta das que vêm debatidas nos autos), todas elas com correspondência mínima no texto contratual. O próprio Tribunal teve dificuldades na respetiva interpretação, reconhecendo que a interpretação mais natural é a que a autora delas faz.
Como é sabido, os negócios jurídicos – incluindo o contrato de trabalho – devem sujeitar-se à teoria da impressão do destinatário, consagrada no artigo 236.º do Código Civil, onde se consagra que «1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.», sendo que, «em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.» (artigo 237.º do Código Civil).
Lidas as cláusulas contratuais de forma integrada e com os óculos de um destinatário normal – numa bitola do bonus pater familias, medianamente informado, portanto –, conclui-se que a perceção com que este ficaria é a de que o valor do salário mensal – fixo, portanto – é de € 1.647,27 (mil seiscentos e quarenta e sete euros e vinte e sete cêntimos), por uma carga horária de 35 horas, das quais 24 poderão ser – serão no ano letivo de 2017/2018 – de componente letiva.
Com efeito, a cláusula sexta, que se refere à retribuição, estipula aquela quantia e, se é certo que ressalva o disposto na cláusula quarta, não é menos certo que, nesta cláusula, não fica claro que as 2 horas de componente não letiva além das 22, estipuladas para aquele ano, serão equivalentes a trabalho suplementar.
À mesma conclusão se chega se esse cidadão medianamente informado analisar a convenção coletiva de trabalho aplicável à relação entre as partes – o Contrato Coletivo de Trabalho outorgado entre a Confederação Nacional da Educação e Formação e a Federação Nacional de Educação e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 31, de 22/08/2017, atualmente com a redação publicada no BTE n.º 37, de 08/10/2021. É que no artigo 17.º é bem claro que «o período normal de trabalho semanal é de 35 horas semanais para os docentes», integrado pelas diferentes componentes.
E, não obstante ali se fixe, como norma, a prestação de 22 horas de componente letiva semanal, sem prejuízo de um acordo de um número superior (ainda que limitado a 30 horas) – artigo 18.º, n.os 1 e 6, o que é um facto é que, também ali, se indica, no n.º 11 que determinados cargos – como as direções de turma ou coordenações – serão repartidos entre os dois tipos de componentes. Acresce que o n.º 3 plasma que «3- O horário lectivo dos docentes com componente lectiva de vinte e duas horas não pode ser organizado em mais de vinte e quatro aulas semanais, salvo nos casos do ensino artístico especializado e no ensino profissional artístico.», sendo que, ao exercer, a autora, funções de ensino profissional artístico, o trabalho suplementar se supõe aquele que extravase aquelas 24 horas semanais.
Por fim, diga-se, no n.º 6 do artigo 18.º da convenção coletiva aplicável, ali estipula-se que «A componente letiva do período normal de trabalho dos docentes poderá corresponder a uma média anual, caso em que não poderá exceder as 30 horas letivas numa mesma semana, e desde que seja assegurada a retribuição mensal fixa correspondente à componente letiva contratada».
Ou seja, tendo sido contratada uma componente letiva média de 24 horas (n.º 3 da cláusula 4.ª), a remuneração respetiva terá de ser assegurada daí por diante, ainda que aquela componente da carga horária sofra alteração (e sem prejuízo dos seus direitos a título de trabalho suplementar), já que a carga horária global se mantém.
Ainda que se admita não ser essa a conclusão do cidadão médio, e que a dúvida permaneça após uma leitura atenta do documento, sempre se teria de aplicar o disposto no artigo 247.º do Código Civil, que, em nosso entender, redundaria na mesma ilação, por ser a que maior equilíbrio traz à relação contratual, respeitando quer o princípio da segurança no emprego, quer ainda a proteção de legítimas expectativas. Afinal, o tempo de trabalho da autora era, e manteve-se, de 35 horas/semanais; o que oscila é (foi) a respetiva distribuição. Mais: como se disse, o contrato de trabalho deve usar linguagem simples e clara e sê-lo no mínimo no que concerne ao valor do salário base.
Sem prejuízo do exposto, o Tribunal poderia admitir que o que as partes pretenderam plasmar foi, não esta conclusão, mas a que a ré vem defendendo. Mas para tanto, teria de ter sido demonstrada essa intenção e que a ré o explicou à autora.
Com efeito, e precisamente em virtude do desequilíbrio que assumidamente existe numa relação laboral, dita o artigo 106.º, n.º 1 do Código do Trabalho que «O empregador deve informar o trabalhador sobre aspectos relevantes do contrato de trabalho», sendo que o seu n.º 3 especifica que «O empregador deve prestar ao trabalhador, pelo menos, as seguintes informações: […] h) O valor, a periodicidade e o método de pagamento da retribuição, incluindo a discriminação dos seus elementos constitutivos; i) O período normal de trabalho diário e semanal, especificando os casos em que é definido em termos médios, bem como o regime aplicável em caso de trabalho suplementar e de organização por turnos;», sendo que, destas, apenas as informações indicadas em i) podem ser substituídas pela remissão para a lei ou o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável (n.º 4 do mencionado artigo), configurando atualmente contraordenação grave a violação de tais deveres pelo empregador.
O n.º 1 desta norma é uma decorrência do disposto no artigo 102.º do Código do Trabalho, onde se plasma que «Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato de trabalho deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos culposamente causados.», situando-se no plano pré-contratual, e o disposto no n.º 3 já no plano dos deveres contratuais.
Nada disto ficou provado, sendo que o ónus da prova competia ao empregador, donde se conclui que o valor plasmado na cláusula 6.ª do contrato é o salário base para 35 horas semanais, sem prejuízo de diferentes distribuições horárias entre as diferentes componentes letivas e do pagamento de horas suplementares quando assim se justifique, e, consequentemente, pela efetiva redução da retribuição da autora a partir de 1 de setembro de 2018.
E não colhe o argumento da alteração da forma de cálculo das horas médias semanais – nem mesmo por recurso ao que transitoriamente ficou estipulado naquele contrato – pois que ainda que a forma de cálculo do número de horas da componente letiva se altere, sempre a carga horária global se mantém (e manteve) estanque, devendo a retribuição igualmente manter-se estável.
E tendo-se alterado a carga horária da componente letiva, a retribuição ter-se-ia de manter, por força do disposto na 18.º, n.º 6 da convenção coletiva de trabalho aplicável.
A redução salarial ilíquida verificada foi de € 137,27 (= 1.647,27 – 1.510,00). Assim sendo, assistirão à autora os seguintes direitos:
a) às diferenças salariais de 01 de setembro de 2018 a 28 de setembro de 2021 (36 meses + proporcional do mês de setembro de 2021, por referência a 22 dias úteis): (€ 137,27 x 36 meses = € 4.941,72) + [(1.647,27 x 20 / 22 = € 1.497,52) – (€ 1.510,00 x 20 / 22 = € 1372,73) = € 124,79] = € 5.066,51
b) às diferenças dos valores do subsídio de natal de 2018: € 137,27 c) às diferenças dos valores dos subsídios de férias e de natal de 2019, 2020 e no subsídio de férias de 2021: € 137,27 x 5 = € 686,35
d) às diferenças dos valores dos proporcionais dos subsídios de férias e de natal do ano da cessação:
Tinha direito: € 1.647,27 / 365 = € 4,51 x 270 dias = € 1.217,70 x 3 = 3.653,10
Recebeu: € 1.510 / 365 = € 4,14 x 270 dias = € 1.116,99 x 3 = €3.350,96 Tem a haver: € 302,14
Num total de € 6.129,27.
Em jeito de finalização, acrescenta-se que o facto de a autora estar a receber acima do valor da convenção coletiva de trabalho em nada contende com o supra, já que aquela configura uma garantia mínima dos trabalhadores, nada impedindo que a liberdade contratual seja exercida e o salário extravase a tabela ali plasmada. (…)”

Em face da citada fundamentação, desde já diremos que não acompanhamos o entendimento do Tribunal recorrido a respeito da interpretação que extrai nas cláusulas do contrato celebrado, como melhor explicaremos de seguida.

A propósito das regras da interpretação, tratando-se de um negócio jurídico formal, haverá que atender-se, sem prejuízo de outras que possam ser-lhe também aplicáveis, às regras gerais dos negócios jurídicos, estabelecidas artigos 236.º e 238.º do Código Civil (CC).

Sendo deste modo, resulta em geral do n.º 1 do artigo 236.º do CC, em que se consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, que declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem prejuízo, como resulta do seu n.º 2, para os acasos em que o declaratário conheça a vontade real do declarante, de aí valer o sentido dessa vontade. Ou seja, resulta assim da regra básica da interpretação das declarações de vontade, ínsita no referido n.º 1 do artigo 236º do CC, que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”, excetuando-se apenas “os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1) ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).”[1] Isso sem esquecermos, nos casos em que estejam em causa negócios formais, de que a declaração, como resulta do 1 do artigo 238.º, não pode então valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se, como se prevê no seu n.º 2, esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade, caso em que será esta que vale.

No caso, estando em causa a interpretação a extrair, nomeadamente, da conjugação do teor das cláusulas 4.ª e 6.ª do contrato, dessas consta:

- Na 6.ª, que sem prejuízo do disposto na cláusula quarta, como contrapartida do trabalho prestado, a trabalhadora terá direito à remuneração mensal ilíquida de € 1.647,27 (mil seiscentos e quarenta e sete euros e vinte e sete cêntimos), correspondente à categoria profissional e nível em que se insere, previstos na cláusula segunda e de acordo com a tabela aplicável aí referenciada, a que acrescerá, a título de subsídio de refeição, o montante de € 4,77 por cada dia de trabalho efetivo (…);

- Na 4.ª: 1- O período normal de trabalho da trabalhadora é o definido para os docentes, incluindo formadores, ou seja, é de 35 horas semanais, o qual integra uma componente letiva e uma componente não letiva. 2- O horário de trabalho semanal é definido pela entidade patronal tendo por base o mapa de horário de trabalho afixado anualmente, podendo ser ajustado semanalmente em função do horário letivo das turmas atribuído à trabalhadora e das atividades não letivas previstas na cláusula seguinte. 3- A componente média letiva do período normal de trabalho é de 24 horas semanais, tendo esta como base o somatório da carga horária anual das disciplinas de Contabilidade e Fiscalidade e Direito das Organizações da turma do 1º G (175+70 horas), Cálculo Financeiro da turma do 2º V/G (80 horas), Gestão e Controlo das turmas do 2º R/B (50 horas), 2º C/P (125 horas) e 3º R/B (50 horas), Gestão e Marketing da turma do 3º V/E (70 horas), Organização Industrial da turma do 3º DCM (112 horas), 1 hora semanal pela compensação do acompanhamento e avaliação da Formação em Contexto de Trabalho e 2 pelo cargo de Diretora de Turma. 4- A trabalhadora desde já dá o seu acordo a que a primeira outorgante possa determinar a componente letiva do período normal de trabalho em termos médios anuais, que todavia não poderá exceder as 30 horas semanais. Caso a média anual ultrapasse as 22 horas, haverá lugar ao pagamento do acréscimo remuneratório calculado nos termos do artigo 39.º, n.º 4 do convenção coletiva de trabalho, isto é, na proporção de 1/22 da retribuição mensal por cada hora acrescida. 5- A trabalhadora desde já dá o seu acordo a que a primeira outorgante possa alargar, episodicamente, a componente letiva do período normal de trabalho até às 33 horas semanais. 6- Para efeitos do disposto no número anterior, as partes acordam, a título transitório, unicamente para vigorar no ano lectivo 2017/2018, que o cálculo da componente média semanal será contabilizado com base na carga horária total lecionada e a respectiva média será o quociente desta dividida por 35 semanas, compensando assim os intervalos das aulas, isto é: n = N/35, sendo n a componente média lectiva semanal e N a carga lectiva total do ano lectivo. 7- Quando não for possível assegurar o período normal de trabalho letivo semanal referido no número dois, devido a alterações de currículo, diminuição do tempo de docência das disciplinas lecionadas ou do número de alunos ou de turmas, a trabalhadora desde já dá o seu acordo para prestar o seu trabalho a tempo parcial, pelo tempo que perdurar tal situação, mediante comunicação escrita da entidade com pelo menos 30 dias de antecedência, reduzindo-se o horário e a remuneração em conformidade. 8- Mediante a comunicação referida no número anterior, a trabalhadora dispõe do prazo de 10 dias para manifestar por escrito a sua oposição, caso em que poderá a entidade patronal proceder à extinção do posto de trabalho nos termos legais e da CCT aplicável.

Ora, salvo o devido respeito, tanto mais que se faz expressa referência ao CCT aplicável, afastando quer a solução a que se chegou na sentença e ainda, aliás, as demais hipóteses / possibilidades a que nessa se alude, extrai-se claramente, assim da conjugação do teor das referidas cláusulas, em termos interpretativos, que o valor salarial de 1.647,27 que se fez constar da 6.ª tem por direta referência o horário normal de trabalho que foi então estipulado, na 4.ª, sempre necessariamente com as particularidades aí previstas, ou seja, sendo esse o definido para os docentes, incluindo formadores, ou seja, o de 35 horas semanais, mas integrando uma componente letiva e uma componente não letiva (n.º 1), a componente média letiva do período normal de trabalho seria, no caso, o de 24 horas semanais (n.º 3)[2], e, sendo assim, ao fazer-se também constar que se a média anual ultrapassasse as 22 horas havia lugar ao pagamento do acréscimo remuneratório calculado nos termos do artigo 39.º, n.º 4 do convenção coletiva de trabalho, isto é, na proporção de 1/22 da retribuição mensal por cada hora acrescida (n.º 4), o sentido a retirar por declaratário normal, mas colocado nas condições em que estava a aqui Autora (assim com a sua formação e que já havia celebrado outros contratos para o exercício da atividade docente que estava em causa, não se tratando, pois, de regulação que se possa ter como para si estranha), seria o de que aquela remuneração acordada, de €1.647,27, contemplava já, devido à circunstância de serem ultrapassadas as 22 horas estabelecidas para a componente letiva, o pagamento do acréscimo remuneratório, referente às duas horas letivas que excediam essas 22 horas, ou seja no caso, em 2 horas, calculadas nos termos do artigo 39.º, n.º 4, da convenção coletiva de trabalho (na proporção de 1/22 da retribuição mensal por cada hora acrescida), tanto mais que, acrescente-se, na consideração do valor salarial de €1510,00, a que alude a Ré / recorrente (de resto até superior ao que se encontra previso no CCT aplicável na tabela II), efetuados os cálculos que resultam dessas duas horas, somados os valores, chega-se precisamente aos €1.647,27, previstos na cláusula 6.ª. De resto, todo o conteúdo do contrato, incluindo os seus considerandos iniciais, evidenciam claramente quer a sujeição da relação ao regime previsto no CCT que aí se tem como aplicável, quer ainda, por referência a esse, as regras a que estaria sujeita a relação no que diz respeito ao horário, em particular sobre a componente letiva e não letiva e, ainda, quanto à primeira, o poder variar, como também, caso ultrapassasse as 22 horas, o acréscimo remuneratório que decorria dessa circunstância, incluindo sobre cálculo.

Ainda, por último, visto o conteúdo do CCT aplicável, não se acompanha nesta parte o fundamento para as dúvidas que foram referidas na sentença, assim a respeito das cláusulas que aí se referem, seja sobre horários e seus limites, seja sobre componentes letiva e não letiva, que aí se mencionam, incluindo o que decorre, em termos salariais, da circunstância de a primeira dessas componentes ultrapassar as 22 horas, extraindo-se, diversamente, na nossa ótica com suficiente clareza, visto o conteúdo do contrato, qual o sentido que deve ser dado, em face também do que se encontra estabelecido naquele CCT – relembrando-se que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei, por apelo ao regime que resulta do artigo 9.º do Código Civil (CC), do qual se retira que, não obstante resultar do seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, no entanto, como se afirma de seguida, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) / a letra da lei, aqui a letra da cláusula da convenção, é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede, já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações –, à referência que desse consta sobre remuneração acordada, ou seja, para aquele ano letivo e em função do horário que a Autora iria cumprir, com 24 horas de componente letiva e, como antes dito, já considerando o acréscimo que decorria em termos remuneratórios das duas horas que excediam as 22 horas.

Ou seja, em contrário do que se afirma na sentença, assume efetivamente relevância o argumento da alteração da forma de cálculo das horas médias semanais – incluindo por recurso ao que ficou estipulado no contrato –, pois que, alterando-se o número de horas da componente letiva, assim na parte de ultrapasse as 22 horas, mesmo que se mantenha a carga horária global (referente às duas componentes, assim letiva e não letiva, num total de 35 horas), a retribuição altera-se, precisamente por decorrência do número de horas em que a componente letiva ultrapasse aquelas 22 horas, precisamente pelo acréscimo remuneratório previsto (no CCT e também no próprio contrato) para essas horas.

Aliás, tratando-se afinal de uma relação que já era exercida anteriormente pela Autora, sem prejuízo também de não resultar da factualidade provada fundamento para o efeito, extraindo-se, diversamente do que é dito na sentença, do documento, por aplicação das regras da interpretação, precisamente o sentido que é defendido pela Ré / aqui recorrente, não se considera, mais uma vez diversamente do que naquela é dito, salvo o devido respeito, que se justifique chamar aqui à aplicação um qualquer incumprimento de deveres de informação, assim, designadamente, a propósito do que resulta do n.º 1 do artigo 106.º, do Código do Trabalho.

Por decorrência de todo o exposto, não se pode falar aqui de qualquer redução salarial, injustificada, do que seria devido à Autora / aqui apelada e consequente condenação da Ré, assim dos montantes a que se chegou na sentença, procedendo, em conformidade, o presente recurso nesta parte, com a consequente revogação da sentença.

Em face da procedência do recurso, a Autora / recorrida, por decaimento, responde pelas respetivas custas (artigo 527.º do CPC)


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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

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IV – DECISÃO

Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo parcialmente na parte dirigida à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no presente acórdão, em julgar procedendo o recurso no âmbito da aplicação do direito, com a consequente revogação da sentença recorrida, assim a condenação nessa afirmada da Ré, no valor de € 6.129,27 (seis mil cento e vinte e nove euros e vinte e sete cêntimos), sendo, no presente acórdão, a Ré absolvida de todo o peticionado.

Custas da ação e do recurso pela Autora.


Porto, 28 de abril de 2025

(acórdão assinado digitalmente)

Nélson Fernandes

Germana Ferreira Lopes

Teresa Sá Lopes


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[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição revista e atualizada, volume I, pág. 223. Vejam-se ainda, entre outros, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2005, pág. 444, e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2007, 4.ª edição, págs. 545 a 554.[2] tendo esta como base o somatório da carga horária anual das disciplinas de Contabilidade e Fiscalidade e Direito das Organizações da turma do 1º G (175+70 horas), Cálculo Financeiro  da turma do 2º V/G (80 horas), Gestão e Controlo das turmas do 2º R/B (50 horas), 2º C/P (125 horas) e 3º R/B (50 horas), Gestão e Marketing da turma do 3º V/E (70 horas), Organização Industrial da turma do 3º DCM (112 horas), 1 hora semanal pela compensação do acompanhamento e avaliação da Formação em Contexto de Trabalho e 2 pelo cargo de Diretora de Turma.