PROPRIEDADE HORIZONTAL
DEFEITOS NAS FRAÇÕES COMUNS
PRAZO DE GARANTIA
INÍCIO
DENÚNCIA
CADUCIDADE
Sumário

I - Relativamente ao condomínio, administrador das partes comuns dos imóveis com várias frações [art. 1430º nº 1 do CCiv.], quando o construtor do edifício é também o vendedor daquelas, o prazo de garantia dos defeitos [nas partes comuns] deve contar-se a partir da data da entrega que coincide com a data da constituição da administração do condomínio, por só então o construtor-vendedor deixar de ter poder para determinar ou influenciar as decisões dos condóminos.
II - A mera cognoscibilidade ou aparência do defeito não é suficiente para determinar o início da contagem do prazo de caducidade, assim como não basta a mera suspeita da sua existência, sendo necessário um conhecimento perfeito, efetivo e seguro da deficiência da obra por parte de quem pode denunciá-lo e exigir a sua eliminação/reparação. E quando a complexidade do defeito exija a necessidade de recurso a um técnico para determinar a sua existência e natureza do vício, só a partir do conhecimento do parecer deste técnico é que quem pode denunciá-lo está em condições de fazê-lo, começando só então a contagem do prazo de caducidade.
III - Estando em causa a existência de desconformidades/defeitos nas frações e nas partes comuns, competia aos autores [condomínio e adquirentes das frações] a prova da existência dessas desconformidades/defeitos e que procederam à respetiva denúncia à ré construtora-vendedora, ao passo que a esta cabia o ónus de provar que a denúncia foi feita depois de expirado o prazo legal [de um ano após o conhecimento dos defeitos pelos autores, conhecimento que ‘in casu’ ocorreu quando estes tiveram conhecimento dos relatórios técnicos que solicitaram] e/ou de que a presente ação não foi por aqueles instaurada no prazo legalmente estabelecido para o efeito [três anos após a data da denúncia].
IV - A instauração de uma ação pelo condomínio, representado pelo administrador, contra o construtor do edifício ou contra outros responsáveis, para eliminação ou reparação de defeitos em partes comuns, exige sempre autorização dos condóminos, por tal atividade não estar compreendida nos atos conservatórios referidos na al. g) do nº 1 do art. 1436º do CCiv.. Tendo a ação sido instaurada pelo condomínio [representado pelo administrador], relativamente aos defeitos nas partes comuns, e por todos os condóminos, no que diz respeito aos defeitos existentes nas frações autónomas e tendo todos, conjuntamente, passado procuração ao mandatário que os patrocina, deve considerar-se que esta atuação traduz uma verdadeira concessão, por parte da totalidade dos condóminos, de poderes de representação ao condomínio e seu administrador para a propositura da ação, não sendo, neste caso, de exigir que aquela autorização provenha da assembleia de condóminos, pois a vontade de todos eles mostra-se claramente manifestada.
V - Só a lesão de ‘interesses legítimos’ e não de ‘interesses reflexos’, pode dar origem a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos fundada em violação ilícita de «disposição legal destinada a proteger interesses alheios», da previsão do nº 1 do art. 483º do CCiv.. Tal significa que o lesado tem de se encontrar no círculo dos titulares do interesse cuja proteção a lei visou, não bastando a mera proteção reflexa.
VI - Do disposto no art. 25º nºs 5 e 6 da Lei nº 31/2009, de 03.07, resulta que foi intenção do legislador sujeitar os diretores de fiscalização de obra que, à data da sua entrada em vigor, estavam em funções em determinada obra licenciada às obrigações previstas nesta lei, daí decorrendo que a mesma é de aplicação imediata às situações já constituídas que subsistiam à data do início da sua vigência.
VII - Perante o estabelecido nos nºs 1 e 4 do art. 19º da Lei nº 31/2009, apresenta-se cristalino que esta Lei tutela diretamente os direitos dos terceiros adquirentes de imóveis por danos decorrentes da atividade levada a cabo, por ação ou por omissão, pelos diretores de fiscalização de obras.
VIII - A imputação causal dos danos [no caso, desconformidades/defeitos fixados na sentença] à ré diretora de fiscalização da obra, por inobservância dos deveres legais a seu cargo, dependia da prova, que competia aos autores, de que aqueles [os danos], além de imputáveis à ré construtora-vendedora [como ficou demonstrado], também foram devidos à conduta omissiva daquela ré ou que os mesmos não teriam ocorrido ou, pelo menos, não teriam acontecido com a extensão que se verificou, se tal ré, diretora de fiscalização da obra, tivesse cumprido os deveres prescritos na Lei nº 31/2009, prova que os autores não fizeram. Indemonstrado este pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos não podia a referida ré ter sido condenada, solidariamente com a ré construtora-vendedora, a reparar e eliminar os defeitos/desconformidades mencionados na sentença.

Texto Integral

Proc. 285/16.0T8PVZ.P1 – 2ª Secção (apelação)



Relator: Des. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Lina Baptista
Des. Raquel Lima




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Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório:


Condomínio sito na Travessa ..., ..., ..., ..., representado pelos seus administrador, AA e pelo tesoureiro, BB, CC e mulher DD (frações J e L), EE e FF (fração I), GG (fração H), AA e HH (fração G), BB e II (fração F), JJ (fração E), KK (fração D), LL (fração C), MM (fração B) e NN (fração A) [esta 11ª autora desistiu, posteriormente, dos pedidos, tendo a desistência sido homologada relativamente aos pedidos respeitantes à fração autónoma da desistente (fração “A” – habitação 110), e abrangendo ainda o pedido reconvencional da ré sociedade, deduzido para a hipótese da procedência da ação], instauraram a presente ação declarativa comum contra A..., Unipessoal, Lda. [doravante designada por 1ª ré] e OO [doravante designada 2ª ré], todos devidamente identificados nos autos, alegando a existência de defeitos/patologias de vária ordem nas frações e partes comuns do imóvel que integra o condomínio e imputando-os às demandadas, a primeira na qualidade de empreiteira-vendedora e a segunda na qualidade de projetista e técnica responsável da obra, pediram a condenação solidária destas a realizarem «sob sua responsabilidade e a suas expensas os trabalhos de reparação necessários a eliminar as deficiências supra assinaladas e tudo o mais que necessário se torne para que as habitações se mostrem de acordo com o projeto aprovado e mantenham a titularidade da competente licença de utilização ou, em alternativa, ao pagamento aos autores do montante de 400.809,70 (quatrocentos mil, oitocentos e nove euros e setenta cêntimos), acrescidos de juros legais a contar da citação.

As rés, citadas, contestaram separadamente a ação, por exceção e por impugnação.
A 1ª ré excecionou a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade do autor condomínio, a caducidade do direito de denúncia, impugnou a essencialidade do que os autores alegaram na p. i. e deduziu reconvenção, tendo concluído pela procedência das exceções ou, assim não acontecendo, pela improcedência da ação, com as legais consequências e pela procedência do pedido reconvencional, com condenação dos autores-reconvindos a pagarem-lhe uma compensação de 2.500,00€, correspondente aos painéis solares térmicos cuja instalação venha eventualmente a ser determinada pelo Tribunal em cada uma das frações e, ainda, pela condenação dos mesmos como litigantes de má fé.
A 2ª ré excecionou, igualmente, a nulidade do processo por ineptidão da p. i., a ilegitimidade do autor condomínio, a prescrição do direito dos autores, o abuso de direito por parte destes e, no mais, impugnou a factologia alegada no articulado inicial, pugnando pela procedência das exceções ou, pelo menos, pela improcedência da ação, em qualquer caso com as respetivas consequências legais.

Os autores responderam às exceções arguidas por ambas as rés e replicaram à reconvenção da 1ª ré.

Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor da ação, admitido o pedido reconvencional da 1ª ré, proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as exceções da nulidade do processo por ineptidão da p. i. e da ilegitimidade do autor condomínio e relegou para a sentença o conhecimento das demais exceções invocadas, tendo, ainda, sido indicado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Realizou-se a audiência final, no termo da qual, após produção da prova, foi proferida sentença que contém o seguinte dispositivo:
«I - Julga-se a ação parcialmente procedente e as rés são condenadas a realizar sob sua responsabilidade e a suas expensas os trabalhos de reparação necessários a eliminar as deficiências abaixo discriminadas e tudo o mais que necessário se torne para que as habitações se mostrem de acordo com o projeto aprovado e mantenham a titularidade da competente licença de utilização:
- a 1ª ré A..., Unipessoal, Lda é condenada a reparar as desconformidades referidas nos factos provados que têm referência aos artigos da petição inicial 23º (vigésimo terceiro), 26º (vigésimo sexto), 31º (trigésimo primeiro), 42º a 47º (quadragésimo segundo a quadragésimo sétimo), 49º (quadragésimo nono), 50º (quinquagésimo), 52º a 54º (quinquagésimo segundo a quinquagésimo quarto), 61º (sexagésimo primeiro), 68º a 77º (sexagésimo oitavo a septuagésimo sétimo), 82º a 86º (octogésimo segundo a octogésimo sexto), 89º (octogésimo nono), 92º a 98º (nonagésimo segundo a nonagésimo oitavo) e 103º (centésimo terceiro);
- a 2ª ré OO, solidariamente com a 1ª ré, as desconformidades referidas nos factos provados que têm referência aos artigos da petição inicial 44º a 47º (quadragésimo quarto a quadragésimo sétimo), 49º (quadragésimo nono), 52º a 54º (quinquagésimo segundo a quinquagésimo quarto), 61º (sexagésimo primeiro), 68º (sexagésimo oitavo), 70º (septuagésimo), 72º a 74º (septuagésimo segundo a septuagésimo quarto), 75º (septuagésimo quinto) quanto ao isolamento, 76º (septuagésimo sexto), 77º (septuagésimo sétimo), 83º (octogésimo terceiro) e 84º (octogésimo quarto).
II – Julga-se a reconvenção totalmente procedente e condenam-se os autores proprietários das frações autónomas onde a 1ª ré/reconvinte A..., Unipessoal, Lda, vier a instalar painéis solares a pagarem-lhe 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) por fração autónoma.
Improcede o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé.
Custas da ação pelos autores e rés na proporção do decaimento que se fixa em 20% para os autores, 50% para a 1ª ré e 30% para a 2ª ré.
Custas da reconvenção pelos autores.
Notifique.».

Inconformadas com o sentenciado, interpuseram as rés o presente recurso de apelação [admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminaram com as seguintes conclusões:
- Recurso da 1ª ré:
«A – DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
I - As frações objeto desta ação foram compradas, no estado de acabadas, pelos 2º a 11º Autores nas datas adiante indicadas (Cf. 2 a 11 dos Factos Provados na sentença relativamente ao petitório):
a) CC e mulher DD, desde 4/5/2012 (frações “J” e “L”).
b) EE e mulher FF, desde 26/8/2011 (fração “I”).
c) GG, desde 12/9/2011 (fração “H”).
d) AA e mulher HH, desde 25/7/2011 (fração “G”).
e) BB e mulher II, desde 16/6/2011 (fração “F”).
f) JJ, desde 4/4/2012 (fração “E”).
g) KK e mulher PP, desde 15/7/2011 (fração “D”).
h) LL, desde 22/7/2011 (fração “C”).
i) MM, desde 11/4/2012 (fração “B”).
j) NN, desde 3/5/2011 (fração “A”).
II – As respetivas fichas técnicas e os certificados energéticos foram entregues aos adquirentes na celebração dos inerentes contratos de compra e venda.
III – Na factualidade provada na sentença em análise consta que “Os AA. verificaram previamente cada uma das frações que receberam e nelas passaram a residir, com exceção do 2º autor que arrendou as suas frações e do 7º autor que emprestou a sua fração (art. 32º).
- Os 2ªs autores arrendaram uma das frações logo após a compra e a outra em data não apurada;
- Os 3º foram habitar a fração em Setembro de 2011;
- os 4ªs em Janeiro de 2012;
- os 5ºs em Agosto de 2011;
- os 6ºs em Junho de 2011;
- o 7º emprestou a terceiros que para lá foram residir em data não apurada;
- os 8ºs foram habitar a fração em Agosto de 2011;
- os 9ºs em 2012;
- os 10ºs foram residir para a sua fração em data não apurada”.
IV - No que diz respeito às partes comuns o Tribunal a quo referiu o seguinte:
“Além disso, ficou demonstrado que em 8 de Janeiro de 2013 o condómino JJ em seu nome e dos condóminos, contactou o empreiteiro/1ª Ré e o arquiteto QQ, autor do projeto de arquitetura, em Janeiro de 2013 (Doc. 3 da contestação da 1ª ré), por causa de acabamentos na sua fração (“E”) e também nas partes comuns do empreendimento.
Portanto, em 8 de Janeiro de 2013, quando as frações estavam todas vendidas, já alguém se apresentou em representação dos condóminos a reclamar acabamentos em partes comuns.
Assim, 8/1/2013 será considerada a data em que as partes comuns foram entregues ao condomínio. Aí se iniciou o prazo de 5 anos de garantia previsto no art. 5º, 1”.
V - O critério para a fixação da supramencionada data e os seus efeitos não observaram manifestamente as regras da lógica e do bom senso, bem como à própria prova documental e testemunhal produzida no decurso dos autos.
VI - O aludido condómino JJ demonstra inequivocamente ser conhecedor dos alegados vícios da obra antes de 8/1/2013 (Cf. o invocado doc. 3 da Contestação da 1ª Ré).
VII - Em 3/1/2012 já tinham sido vendidas metade das frações, pelo que a partir dessa data os condóminos reuniam todas as condições para procederem à denúncia dos alegados defeitos nas partes comuns, dado que a Apelante deixou desde então de ter o controlo maioritário do prédio.
VIII - A última fração foi vendida em 4/5/2012, sendo que nessa ocasião o empreiteiro, ora Recorrente, perdeu em absoluto o domínio patrimonial sobre qualquer parte do prédio.
IX - O prazo aplicável à situação em apreço é de um ano para a denúncia das desconformidades e de três anos para a interposição de ação judicial com vista ao conserto dos defeitos, a partir do seu conhecimento em ambos os casos (Arts. 5º e 5º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril).
X - É inaceitável que o prazo de garantia das partes comuns apenas se tenha iniciado após a denúncia das desconformidades comunicada pelo condómino JJ.
XI - O Tribunal a quo considerou que os alegados defeitos foram conhecidos pelos condóminos nas circunstâncias descritas (Ponto 87 dos factos provados quanto à Petição Inicial) na decisão em crise:
“87 - Os autores tomaram conhecimento dos factos enunciados nos seguintes artigos da p.i.
- 19º, 20º, 21º - logo que receberam as frações
- 23º - os 2º, 3º e 4º autores deram por isso nos 1ºs invernos e verões com as frações habitadas, os 6ºs autores nos 1º ou 2º invernos e 1º ou 2º verões que habitaram a sua fração, os demais em alturas não apuradas;
- 24º e 25º - desde que foram para lá residir ou, se as casas dos vizinhos não estavam habitadas, desde que o passaram a ser;
- 26º - quando passaram a habitar as respetivas frações
- 31º - em 4 de Março de 2013;
- 66º - desde o 1º inverno em que lá viveram;
- 68º - sabem com o relatório da Adene
- 69º - sabem com o relatório de engenharia civil junto à p.i., exceto o 8º A que sabe desde o início
- 70º com o recebimento do relatório da Adene
- 71º - com o relatório de engenharia civil junto à p.i.;
- 72º - souberam com o relatório da ADENE exceto o 4º A que deu por ela no inverno seguinte e o 8º que sabe desde que foi para lá morar;
- 73º com o recebimento do relatório da Adene;
- 83º - desde a compra (art. 33º)”.
XII - A maioria dos condóminos teve ciência dos supostos defeitos existentes nas partes comuns e/ou nas frações quando foram para ali viver ou até ao final do verão de 2012, sendo a partir de então que o prazo para a propositura da ação judicial com vista à reparação dos alegados defeitos se deve iniciar e não o indicado erradamente pelo Tribunal a quo na decisão em análise.
XIII - A presente ação é extemporânea, uma vez que quando foi intentada em 26/02/2016 já tinha, seguramente, decorrido mais de 3 anos relativamente ao final do verão de 2012 e da data de 8/1/2013.
XIV – Os 2º a 11º Autores optaram livremente realizar a primeira Assembleia de Condóminos em 29/10/2015.
XV - O Meritíssimo Juiz de 1ª instância na referida sentença entendeu que:
“No que respeita em particular ás questões relacionadas com a falta de isolamento térmico do edifício (muito frio de inverno e muito quente de verão), o tribunal considera que só existiu efetivo conhecimento da desconformidade quando os condóminos souberam das conclusões do relatório da ADENE. Só então ficaram cientes que as habitações não foram construídas de acordo com o projeto nem obedeceram aos ditames legais.
O mesmo se passa quanto a realidades que embora conhecidas pelos condóminos, não se provou que soubessem que iam contra as normas legais. Por exemplo, os autores condóminos sabiam desde a compra que as habitações não teriam painéis solares. Contudo, relevante é determinar o momento em que ficaram sabedores de que isso violava as normas legais e o projeto de térmica. Ora, na ausência de prova em contrário, tal só sucedeu com o conhecimento do relatório da ADEN”.
XVI – Os condóminos tiveram conhecimento dos alegados defeitos, apenas não dispunham dos fundamentos técnicos.
XVII - Os relatórios da ADENE e o de engenharia civil somente apoiaram tecnicamente as queixas dos condóminos, mas não são aqueles elementos de estudo que lhes concede a ciência das desconformidades/vícios da obra.
XVIII - Como é da experiência comum, quando um bem móvel ou imóvel é vendido, somente incumbe ao consumidor aferir se o mesmo se encontra apto para o fim a que se destina e, na hipótese de tal não suceder, denunciar o defeito ao vendedor.
XIX – Quando os condóminos adquiriram as frações em causa foram-lhes entregues pelo empreiteiro as respetivas fichas técnicas e o certificado energético, constando todas as suas especificidades, incluindo a qualificação quanto ao comportamento térmico, como aliás consta em 88 dos factos provados na sentença em questão.
XX - Se os condóminos não leram tais documentos, nem se inteiraram do seu teor, tal comportamento apenas responsabiliza os próprios, não podendo o desconhecimento da lei beneficiar quem a invoca, (Art. 6º do Código Civil).
XXI – É absolutamente inadmissível o critério definido pelo Tribunal a quo para o começo da contagem do prazo para o exercício do direito de ação.
XXII – A presente lide foi intempestivamente interposta pelos Autores, dado que quando a Petição Inicial foi apresentado já se tinha verificado a caducidade desse direito devendo, em consequência, a 1ª Ré ser absolvida do pedido, nos termos do art. 576º, nºs 1 e 3 do Cód. Proc. Civil.
B - DA RESPONSABILIDADE DA CO-RÉ
XXIII – A direção da empreitada foi assumida pela 2ª Demandada, a qual tinha o dever de garantir a correta realização da obra, tanto mais que foi aquela a autora de todos os projetos de especialidade, sendo o seu marido, Arq. QQ, o responsável pela arquitetura do edifício (Art. 14º da Lei nº 31/2009, de 3 de julho).
XXIV - A 2ª Ré não cumpriu as suas funções na obra, tendo mesmo confessado a sua injustificável negligência profissional em sede de audiência de julgamento realizada em 24/1/2024.
XXV - A Recorrente construiu as frações respeitando todos os requisitos legais e em observância das adequadas técnicas de construção civil, devidamente superintendidas por uma diretora técnica de fiscalização da obra (Cf. art. 3º, al. f) da Lei nº 31/2009, de 3 de Julho), Engenheira Civil, que reconheceu voluntária e espontaneamente no seu aludido depoimento não ter desempenhado com a atenção e diligencias devidas essas funções, sendo certo que do Livro de Obra não consta nenhuma menção, designadamente da mesma diretora técnica, sobre quaisquer defeitos construtivos ou alterações realizadas pela empresa construtora aos respetivos projetos (Art. 16º, nº 1 al. d) do antecedente diploma legal).
XXVI - Imputar in casu a responsabilidade de alegadas deficiências na obra à Apelante é totalmente inaceitável, uma vez que foi a 2ª Demandada contratada precisamente, com plena autonomia e qualificações técnicas, para a direção e fiscalização dos trabalhos, sem nunca ter detetado quaisquer anomalias na sua execução.
C – DA LEI APLICÁVEL AOS REQUISITOS ACÚSTICOS DOS EDIFÍCIOS
XXVII – Os projetos de acústica da empreitada em causa foram apresentados na Câmara Municipal ... em 13/5/2008 (Vide CD junto aos autos), tendo como legislação aplicável o Dec.-Lei nº 129/2002, de 12 de Maio, invocado pela 1ª Demandada no seu requerimento de 14/11/2018.
XVIII - Na informação de 23/10/2018 prestada pelo Exmo Sr. Perito RR, este declara que “A perícia deve realizar ensaios acústicos de acordo com a legislação e normas aplicáveis à data de submissão do projeto (13-05-2008) e que entretanto foram alteradas”.
XIX - O supra referenciado diploma legal é o que deverá ser aplicado no caso vertente e não o ulteriormente disposto no Dec.-Lei n.º 96/2008, de 9 de Junho, contrariamente ao descrito em 48 dos factos provados respeitantes à p.i, pelo que esta factualidade deverá ser incluída na matéria não provada.
XXX - A incorreta aplicação dessa norma legal prejudicou definitivamente a apreciação das circunstâncias em litígio nesta lide, bem como da correspondente prova.
D - DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
XXXI - Como expressamente se colhe da douta sentença “Os autores sabiam desde a compra que as habitações não teriam painéis solares. Logo, o preço não contemplou a sua instalação” tendo, por isso, sido julgada totalmente procedente a reconvenção apresentada pela 1ª Demandada/Recorrente.
XXXII - Os Autores, mesmo tendo ciência que a instalação de painéis solares não constava das obrigações do empreiteiro, deduziram pretensão nesse sentido, cuja falta de fundamento não podiam ignorar, utilizando este processo indevida e deliberadamente para se locupletarem à custa da 1ª Ré.
XXXIII - O Tribunal a quo não ajuizou também adequadamente a questão suscitada neste âmbito, pois concluiu pela inexistência de litigância de má-fé quando se impunha (e impõe) o inverso.
XXXIV - Os Autores ao peticionarem o que conscientemente sabiam não terem direito, incorreram inequivocamente numa situação de litigância de má-fé, pelo que deveriam aqueles ter sido condenados nos termos formulados em 64 a 66 da Contestação da 1ª Ré, com os efeitos legais aplicáveis, por violação do art. 542º, nº 1 e 2, als. a) e c) do Cód. Proc. Civil e atento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 13/7/2021, no proc. nº 1255/13.6TBCSC-A.L1-A.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
Termos em que, revogando V. Excias a douta sentença sub judice e substituindo-a por Acórdão em conformidade com os fundamentos ora expendidos pela Recorrente farão, ELEVADA JUSTIÇA.».

- Recurso da 2ª ré:
«A. A ora recorrente foi condenada, solidariamente, com a 1ª Ré a realizar, sob sua responsabilidade e a suas expensas, os trabalhos de reparação necessários a eliminar as deficiências discriminadas na douta sentença e tudo o mais que necessário se torne para que as habitações se mostrem de acordo com o projeto aprovado e mantenham a titularidade da competente licença.
B. Com o devido respeito, a recorrente não se conforma com a douta sentença, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito.
Impugnação a matéria de facto:
i) Quanto à tomada de conhecimento dos teores dos CE e das FTH:
C. No ponto 31 dos factos não provados, o Tribunal a quo deu como não provado que “os autores tomaram conhecimento dos teores dos certificados energéticos e das fichas técnicas quando lhes foram entregues” (artigo 34º da contestação)”, com a seguinte fundamentação: “o facto de lhes ter sido entregue aquando da celebração dos negócios não permite concluir que então tomaram conhecimento dos seus teores. Não é crível que num momento em que vão participar num ato destes se pusessem a ler esses documentos de forma detalhada para compreenderem o seu teor”.
D. A ora recorrente não aceita tal fundamentação, pois que é contrária à normalidade e, salvo o devido respeito, premeia a irresponsabilidade dos AA./ compradores, sendo que, a ora recorrente, no cumprimento das suas obrigações enquanto técnica, concluída a obra, procedeu ao preenchimento dos CE e das FTH de acordo com o efetivamente construído (facto provado 82), e, no ponto 84 foi dado como provado que os CE e as FT foram entregues aos AA. e o notário fez tal constar nos respetivos contratos.
E. À luz da experiência comum, da lógica corrente e por via da própria intuição humana, tal matéria assente faz presumir que os AA. leram os documentos (artigo 351º do CC), ou, pelo menos, tinham tal obrigação.
F. Em reforço de tal presunção foram ainda dados como provados os seguintes factos:
“todos os AA., com o tempo, foram encontrando outros problemas com a sua habitação” (facto 19);
“as casas são demasiado frias no inverno e excessivamente quentes no verão, tornando difícil aquecê-las ou arrefece-las, exigindo mais gastos de energia” (facto 20);
“para além disso ouviam-se as conversas nas casas contíguas” (facto 21);
“o andamento dos vizinhos e o ligar e desligar das tomadas” (facto 22);
“não lhe parecendo normais os desconfortos, os AA. por intermédio do que viria a ser o administrador do condomínio contactaram a ADENE (…)” (facto 26);
G. Não é crível que tendo sido entregues tais documentos aos AA., que tiveram a possibilidade de os ler, e, de modo consciente e voluntário, não o fizeram, não é admissível que, por via desse comportamento negligente e irresponsável, retardem o início do prazo prescricional do direito à indemnização / reparação, o qual, por razão de segurança jurídica é de apenas 3 anos.
H. Assim, a conduta omissiva dos AA. consubstancia uma fraude à lei, pelo que, impunha-se a inversão do ónus da prova, pois que, a leitura dos referidos documentos é, claramente, um ato pessoal, em que a única prova possível seria a confissão, pelo que, não tendo os AA. justificado a omissão de leitura, deveria o Tribunal ter aplicado o instituto da inversão do ónus da prova, previsto no artigo 344º do C.C. e, consequentemente, ter dado como provado que os AA. leram, quer os CE, quer as FTH, quando lhes foram entregues nos atos de celebração dos contratos de compra e venda.
I. Além disso, a fundamentação feita pelo Tribunal consubstancia uma proteção excessiva dos AA., desresponsabilizando-os em relação às suas condutas, violando um dos princípios fundamentais do estado de direito – o princípio da autorresponsabilização.
Assim sendo:
J. O Tribunal deveria ter dado como provado o seguinte: “os AA. leram os CE e FTH e dos seus teores tomaram conhecimento, aquando das suas entregas”. Ou, “os AA. não leram os CE e FTH, de forma voluntária e consciente.”
ii) Quanto à matéria dada como provada relativamente ao conhecimento dos defeitos:
K. No ponto 87 da douta sentença foi dado como provado, além do mais, que os AA. tomaram conhecimento dos factos enunciados nos artigos 68º, 70º, 72º e 73º, com o relatório da ADENE.
L. Em relação ao artigo 68º, que versa sobre o tipo de alumínio, o Tribunal, na douta fundamentação, considerou que “sobre aspetos mais técnicos – referidos nos artigos 68º a 72º - os Autores souberam com o relatório da ADENE (com exceção dos artigos 69º e 72º) como mencionado pelos Autores.”
M. Atenta a matéria dada como provada nos pontos 12 e 14, todas as compras e vendas tiveram por base um contrato promessa com mapa de acabamentos, sendo que, desse mapa, constava em “observações gerais”, que a caixilharia seria em alumínio lacado com vidro duplo, ou seja, as partes acordaram que o alumínio seria lacado, sem qualquer exigência/especificação relativamente à térmica, significa que as partes acordaram colocar alumínio simples, ou seja, sem corte térmico.
N. Por outro lado, foi dado como provado nos pontos 85 e 86 que as frações e as partes comuns foram entregues no estado de acabadas e que foram verificadas previamente pelos AA., que as receberam e nelas passaram a residir.
O. Tendo em consideração este conjunto de factos dados como provados, associado, ainda, aos factos de nas FTH constar expressamente a referência a alumínio sem corte térmico, é certo e seguro que, à luz das regras da experiência comum, qualquer declaratório médio, teria tido conhecimento das características do alumínio, em concreto, da existência ou não de corte térmico, na pior das hipóteses, no momento da entrega das frações,
P. Assim, por referência ao artigo 68 da PI, deve a matéria de facto dada como provada em 87 ser alterada no seguinte sentido: “os AA. tomaram conhecimento da colocação de caixilharia de alumínio sem corte térmico no momento da entrega do CE e da FTH ou no ato da entrega das frações”.
Q. Sendo que, em relação aos proprietários 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 11º, que celebraram contrato promessa com mapa de acabamentos, existiu um acordo de vontades no sentido da colocação de alumínio simples, ou seja, sem corte térmico, pelo que, em relação a estes, não se pode falar em desconformidade/defeito, pois que, existiu um acordo no sentido da colocação de alumínio simples.
R. Assim, deve ser aditada à matéria dada como provada o seguinte: “os 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 11º AA. acordaram com a 1ª Ré a colocação de alumínio lacado com vidro duplo, conforme respetivos mapas de acabamentos anexos aos contratos-promessa.
S. Em relação ao artigo 70 da PI (Vãos envidraçados situados entre águas de telhado, designados por “claraboias” possuem características inferiores ao licenciamento) foi dado como provado que os AA. tomaram conhecimento desse defeito com o relatório da ADENE, contudo, do documento junto pelos AA. aos autos, em 05/04/2016, ref: 9725752 e denominado por “documento vinculativo de compromisso”, assinado a 3 de janeiro de 2012, anexo ao contrato promessa celebrado entre o A. JJ e a 1ª Ré consta, no ponto 12, o seguinte:
“12- Substituir vidraças simples entre os telhados por vidros duplos (5x12x4)”, ou seja, já em 03 de janeiro de 2012, o A. JJ (o condómino que o Tribunal considerou como representante dos demais proprietários para efeitos de determinação da data da entrega das partes comuns – vide p. 25 da douta sentença) reclamava desse defeito, o que demonstra o seu conhecimento.
T. Assim, é seguro que os AA., pelo menos, desde 8 janeiro de 2013 tinham conhecimento do facto alegado em 70 da douta PI e nessa medida deve ser alterada a matéria dada como provada no ponto 87 da douta sentença no seguinte sentido: “os AA. tomaram conhecimento do alegado em 70 da PI, em 8 de janeiro de 2013”.
U. Quanto ao defeito alegado no artigo 72º da PI (As caixas de estores em vãos envidraçados não são isoladas nem vedadas pelo interior), os AA. tomaram conhecimento no momento da entrega dos CE, pois que, dos seus teores ficou a constar que “os vãos envidraçados não têm proteção”, pelo que, deve a matéria dada como provada em 87 ser alterada no seguinte sentido: “os AA. tomaram conhecimento do alegado em 72º da PI no momento da entrega dos CE”
V. Em relação ao artigo 73º da PI, os AA. tomaram conhecimento que o isolamento térmico de fachadas exteriores era de 4cm com a entrega das FTH (vide campo 12 “paredes envolventes”) e dos CE (campo 5), pelo que, deve ser alterada a matéria dada como provada em 87 dos factos provados no seguinte sentido: “os AA. tomaram conhecimento do alegado em 73º da PI, no momento da entrega do CE e da FTH ou no ato da entrega das frações”.
W. Deve, ainda, ser alterado o facto provado 55, eliminando-se a referência a “ficha técnica”, pois que, desta consta a espessura do isolamento de 4cm e não de 6cm.
Quanto à colocação de painéis solares:
X. Foi dado como não provado que “entre os AA. e a vendedora foi acordado a não colocação de painéis solares, nem das caldeiras (…)” – vide facto não provado 39 - sucede que, resultou dos depoimentos de parte, vertido nas respetivas assentadas, a confissão desse facto – vide assentadas de 24/01/2024, 25/01/2024 e 14/03/2024, em que os AA. confessam que sabiam que as frações não tinham painéis solares.
Y. Por outro lado, dos mapas de acabamento anexos aos contratos promessa, consta apenas o acordo em relação à pré-instalação para energia solar térmica.
Z. Assim sendo, deveria o tribunal dar como provado o seguinte: “entre os AA. e a vendedora foi acordada a não colocação de painéis solares”
Quanto à certificação energética:
AA. Em cumprimento dos objetivos inerentes aos CE, a ora recorrente procedeu ao seu preenchimento com verdade, fazendo constar que classe energética atribuída aos imóveis era D (factos provados 33 e 82), sendo que, dos mesmos CE consta que, para aquele tipo de edifícios, a classe energética mínima seria B-.
BB. Pelo que, deve ser dado como provado o seguinte: “Os AA. tomaram conhecimento que classificação energética atribuída foi D e que a classificação mínima legalmente exigida era B- aquando da entrega dos CE”
CC. Se assim não se entender, deve ser dado como provado que “Dos CE consta a informação de que a classificação mínima legalmente exigida para os imóveis dos AA. era B-.”
Quanto à matéria de direito:
Ilegitimidade do Autor Condomínio:
DD. Incumbia ao Autor Condomínio provar que a assembleia deliberou propor a ação judicial contra a ora recorrente (artigo 342º do C.C.) e, por conseguinte, que atribuiu mandato/poderes ao Administrador para intentar a ação contra esta.
EE. Não tendo feito tal prova, é seguro que o Administrador do Condomínio (órgão executivo), não tinha mandato ou poderes para intentar a presente ação contra a ora recorrente, em representação do Autor Condomínio, tendo extravasado o âmbito da deliberação – artigo1436º, alínea h) CC.
Acresce que,
FF. Resulta do disposto no artigo 1437º do C.C., na redação dada pela Lei 8/2022, sob a epígrafe “representação do condomínio em juízo” o seguinte: “1 - O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele. (…)”
GG. Tendo o Tribunal a quo dado como não provado, por referência à PI, que “os condóminos deliberaram propor esta ação contra a Segunda Ré.” – vide ponto 1 dos factos não provados - deveria ter aplicado o disposto no artigo 1437º C.C., com a nova redação dada pela Lei 8/2022, o que não fez, pelo que, fez errada aplicação do Direito.
HH. Por conseguinte, deve ser revogada a decisão proferida em sede de saneador e ser proferida decisão a declarar o condomínio como parte ilegítima na ação, quanto à demanda em relação à ora Recorrente, devendo esta ser absolvida da instância, quanto aos defeitos nas partes comuns, nomeadamente, cobertura, fachadas, etc..
Da (i)responsabilidade da Segunda Ré, enquanto Técnica:
II. Lendo a douta sentença, é imputado à recorrente o incumprimento dos seus deveres enquanto projetista, diretora de obra e diretora de fiscalização da obra, tendo o Tribunal concluído que a sua responsabilidade decorre do disposto no artigo 19º da Lei 31/2009,
JJ. Resultou provado no ponto 92 que o pedido de licenciamento foi apresentado em 13 de maio de 2008.
KK. A lei nº 31/2009 foi publicada no dia 03/07/2009, tendo entrado em vigor em 01 de novembro de 2009, e vigorando apenas para o futuro (art. 12º do CC), é seguro que não se aplica tal regime à ora recorrente e, nem sequer no regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE -DL 555/99) existia, à data, qualquer norma sobre a responsabilidade dos técnicos, pois que o artigo 100º-A, foi aditado pelo seguinte diploma: Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro,
LL. Fez, pois, o tribunal errada aplicação da lei nº 31/2009 (art. 19º) e, por conseguinte, a Recorrente não é responsável civilmente perante os AA.
V. Prescrição
MM. Entendeu o Tribunal a quo que a responsabilidade da ora recorrente decorre do incumprimento “dos seus deveres enquanto projetista, diretora de obra e diretora de fiscalização da obra. O conhecimento dos Autores sobre esses incumprimentos decorre da tomada de conhecimento dos relatórios da ADENE, de acústica e de engenharia civil. A Ré foi citada em 29.06.2016, muito antes do decurso do prazo de 3 anos sobre o conhecimento dos relatórios, que são de 2014 (acústica) e 2015 (os outros dois), portanto a sua responsabilidade não está prescrita.”
NN. O disposto no artigo 498º do CC, conjugado com o disposto no artigo 306º do CC, deve ser interpretado no sentido de que para o início da contagem do prazo prescricional apenas se exige do lesado o conhecimento do direito de indemnização, ou seja a perceção do direito a ser indemnizado pelos danos que sofreu, reportando esse conhecimento não tanto à consciência da possibilidade legal de formulação do pedido de condenação, nem à comprovação da ilicitude da atuação, mas ao conhecimento da generalidade dos pressupostos de facto do direito de indemnização, mesmo sem conhecer a pessoa responsável e a extensão dos danos.
OO. Com interesse para aferir a perceção dos AA. sobre os pressupostos de factos constitutivos do direito à reparação, o tribunal deu como provado, nos pontos 2 a 12 que as frações foram vendidas no período de 2011 a 2012, bem como com base no facto provado no ponto 94, considerou que as partes comuns foram entregues em 08/01/2013.
PP. O caminho intelectual percorrido pelo Tribunal a quo para fixar a data da entrega das partes comuns, em 08/01/2013, devia o ser mesmo para definir e assentar tal data para a perceção dos pressupostos de facto constitutivos do direito à reparação de defeitos, mesmo sem conhecer a pessoa responsável e a sua extensão, pois que, em 08 de janeiro de 2013, de acordo com o doc. 3, junto com a contestação da primeira Ré, o autor JJ, agindo por si e em representação dos demais condóminos, tinha a perceção do direito à reparação de defeitos na sua fração e nas partes comuns.
QQ. Aliás, em bom rigor, a perceção dos defeitos e do direito à reparação é anterior a tal data, pois que, tendo em consideração os factos dados como provados em 12, 13, 14, 15, 16, 17, 61, 85, 86, 87, a data da perceção do direito à reparação é 04/05/2012; e, se considerarmos o ponto 94 seria 4/03/2013.
RR. Assim, deve-se considerar a data de 08/01/2013 ou 04/03/2013 como a data para o início da contagem do prazo de prescrição e, desde então e até à citação da Recorrente, em 29/06/2016, decorreram mais de 3 anos, pelo que se conclui que o direito dos autores à indemnização / reparação /eliminação dos defeitos quer nas partes privativas (frações) quer nas partes comuns se encontra prescrito nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 498º do CC.
Inexistência de nexo causal:
SS. O nexo causal é um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, sendo que o ónus da sua alegação e prova compete aos AA. – artigo 342º, nº1 do Código Civil – e, a sua apreciação insere-se num plano puramente factual, incumbindo aos autores alegarem e provarem que entre a conduta da Recorrente e o dano existe uma relação de causa-efeito, ou seja, no percurso do “iter” causal-naturalístico importaria verificar se a conduta do lesante foi desencadeadora do resultado lesivo.
TT. Da matéria de facto dada como provada tem de resultar a demonstração fáctica do nexo causal entre a conduta da ora recorrente e o dano, o que não sucedeu no caso.
UU. Resulta da matéria dada como provada em 46 e 81 que foi a atuação da 1ª Ré a causa adequada à produção dos danos (defeitos), pelo que, atenta a teoria da causalidade adequada, os defeitos só poderão ser imputados ao empreiteiro (1ª Ré) e nunca à recorrente.
VV. Assim, por ausência de um dos pressupostos da responsabilidade civil, a recorrente nunca poderia ser condenada, devendo a ação improceder em relação a esta.
Da inexistência de defeito quanto às características do alumínio da caixilharia
WW. De todos os mapas de acabamentos juntos com os contratos promessa, constava a referência a alumínio, com vidro duplo, sem qualquer menção a corte térmico, o que significa que foi acordada colocação alumínio simples.
XX. O DL 80/2006 não impõe a obrigatoriedade do uso de perfis de alumínio com corte térmico e nem tal obrigação resulta de qualquer norma de natureza regulamentar.
YY. Conforme resulta dos teores dos CE, no caso, para obter a classificação mínima exigível (B-), deveriam ser adotadas ou executadas as seguintes melhorias: instalação de sistema solar térmico coletivo; e, instalação de esquentador de elevado rendimento (facto provado 88), não sendo necessário alterar o tipo de alumínio.
ZZ. Assim sendo, não se poderá considerar a existência de um defeito, pelo que, andou mal o Tribunal a quo a tal considerar.
Do abuso de direito – artigo 334º C.C.
AAA. Por força da lei, os vendedores de imóveis, nos atos de transmissão de propriedade, estão obrigados a entregar os certificados energéticos e FTH, os quais revestem um carácter informativo e revelam-se essenciais para que os consumidores possam tomar uma decisão esclarecida sobre a compra do imóvel.
BBB. Resultou da matéria dada como provada que os CE e as FTH foram entregues aos AA. nos atos de celebração dos contratos de compra e venda e que o teor de tais documentos corresponde ao efetivamente construído.
CCC. Resultou dos depoimentos de parte que, os AA. de forma consciente e voluntária, não leram tais documentos, pelo que, a falta de leitura desses documentos, ou seja, o não exercício do direito à informação e, consequentemente, o retardamento do início do prazo prescricional, não pode beneficiar o infrator (AA.) e prejudicar a recorrente colocando-a num estado insegurança ad eternum, quando foi intenção clara do legislador fixar um prazo curto, de 3 anos, por razão de segurança jurídica.
DDD. O não exercício do direito de informação consubstancia um claro abuso de direito nos termos do disposto no artigo 344º do C.C., que aqui expressamente se invoca, pois que, viola o princípio da boafé, confiança e os usos e costumes.
Da aplicabilidade do disposto no artigo 494º C.C.
EEE. A reparação dos defeitos em que a recorrente foi condenada, devido à sua extensão e quantidade, foi estimada pelos AA. em mais de 400.000,00 €, aquando da propositura da ação, em 2016,
FFF. Resultou dos depoimentos de parte dos autores que a Recorrente não teve qualquer intervenção nos negócios da venda das frações – vide assentadas, por referência ao artigo 11º da contestação - e que as alterações relativamente ao projeto aprovado foram introduzidas em obra pela Primeira Ré, Empreiteira/Vendedora, sem o conhecimento da ora recorrente.
GGG. A Recorrente, concluída a obra, declarou nas FTH e nos CE, as características e especificações técnicas do efetivamente construído.
– Matéria dada como provada em 82.
HHH. A ora recorrente, à data dos acontecimentos, não tinha seguro de responsabilidade civil, razão pela qual terá que suportar, totalmente, uma quantia exorbitante (mais de € 550.000,00), o que, significa na prática, significará a sua insolvência,
III. O preço das frações variou entre os €120.000,00 e os €135.0000,00, pelo que, o custo da reparação representa quase 50% do preço total das frações, o que é manifestamente desproporcional e consistirá no enriquecimento do património dos AA. na medida do aumento do valor das frações (+-50.000,00, por fração) e terão uma poupança decorrente da desnecessidade de executar obras de manutenção.
JJJ. Resultou claro e evidente que a responsabilidade da ora recorrente se funda na mera culpa, sendo o seu grau de culpabilidade reduzido, e, por isso, claramente inferior ao da 1ª Ré, que “poupou” nos materiais e recebeu os preços das vendas, pelo que, na situação presente, justifica-se a aplicação do disposto no artigo 494º do C.C., devendo a indemnização ser fixada em montante inferior.
KKK. A recorrente não deve ser condenada na reparação dos defeitos originados pelas alterações introduzidas ao projeto pela 1ª Ré, sem o conhecimento dela, mas apenas, no limite, ser responsabilizada pelas desconformidades decorrentes do incumprimento da classificação energética mínima (B-) exigida pelo DL 80/2006, na medida em que a sua conduta contribuiu para a emissão dos CE com uma classificação inferior ao legalmente permitido.
LLL. Ou seja, a recorrente deveria, no limite, ser condenada na instalação de sistema solar térmico coletivo e de esquentador de elevado rendimento, em cada uma das frações, por forma a que estas atingissem a classificação mínima de B-.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado por provado e procedente devendo a douta sentença da primeira instância ser revogada na parte em que condenou a ora recorrente.
Assim se fará a inteira e acostumada justiça!»

Os autores apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência dos recursos e manutenção in totum da sentença recorrida.

* * *


II. Questões a apreciar e decidir:

Em atenção às conclusões das alegações das partes, que, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC, fixam o thema decidendum deste recurso [salvo ocorrendo outras questões de conhecimento oficioso, nos termos previstos na parte final do nº 2 do art. 608º, ex vi do nº 2 do art. 663º, ambos do CPC], as questões a apreciar e decidir consistem em saber:

1. Recurso da 1ª ré:
a) Impugnação da matéria de facto [conclusões C- XXVII a XXX das alegações];
b) Caducidade do direito dos autores [conclusões A – I a XXII];
c) Responsabilidade exclusiva da 2ª ré pelas anomalias e deficiências da obra [conclusões B – XXIII a XXVI];
d) Litigância de má fé dos autores [conclusões D – XXXI a XXXIV].

2. Recurso da 2ª ré:
a) Impugnação da matéria de facto [conclusões i) C a J e ii) K a CC das alegações];
b) Ilegitimidade do autor condomínio [conclusões DD a HH];
c) Prescrição do direito dos autores [conclusões V. MM a RR];
d) Irresponsabilidade desta recorrente por inexistência de lei à data do pedido de licenciamento que a fixasse e/ou por inexistência de nexo causal [conclusões II a LL e SS a VV];
e) Inexistência de defeitos quanto às características do alumínio da caixilharia [conclusões WW a ZZ];
f) Abuso de direito por parte dos autores [conclusões AAA a DDD];
g) Aplicabilidade do disposto no art. 494º do CCiv. [conclusões EEE a LLL].

* * *


III. Factos provados e não provados:

i) A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
- Da petição inicial
1 - O 1º Autor, através da sua ata n.º 1, de 29 de Outubro de 2015, e quarto ponto da ordem de trabalhos “aprovação de ação judicial contra empreiteiro/promotor” deliberou aprovar a proposta do administrador para contratar advogado para “propor ação necessária para correção dos defeitos do prédio”. (art. 1º da p.i).
2 - Os 2ºs AA, por documento particular autenticado designado de “compra e venda” de 4 de Maio de 2012, adquiriram ao 1º RR as habitações 10 e 20 do prédio sito na Travessa ... em ..., ..., correspondentes às frações autónomas J e L (art. 2º).
3 - Os 3ºs AA., adquiriram a habitação 30 (fração autónoma I), por escritura realizada em 26 de Agosto de 2011 no Cartório Notarial sito na Avenida ..., em ..., em consonância com o contrato promessa celebrado em 27/08/2010 (art. 3º).
4 - O 4º A, adquiriu a habitação 40 (fração autónoma H), por título de compra e venda autenticado na 2ª Conservatória do Registo Predial da Maia realizada em 12 de Setembro de 2011 – (art. 4º).
5 - Os 5ºs AA, adquiriram a habitação 50 (fração autónoma G), por título de compra e venda outorgado em 25 de Julho de 2011 na Conservatória do Registo Predial de Valongo (art. 5º).
6 - Os 6ºs AA, adquiriram a habitação 60 (fração autónoma F), por título de compra e venda outorgado realizada em 16 de Junho de 2011, na Conservatória do Registo Predial ... (art. 6º).
7 - O 7º A, adquiriu a habitação 70 (fração autónoma E), por escritura realizada em 4 de Abril de 2012 no Cartório Notarial de SS em ... (art. 7º)
8 - Os 8ºs AA, adquiriram a habitação 80 (fração autónoma D), por escritura realizada em 15 de Julho de 2011 na Conservatória do Registo Predial ... (art. 8º).
9 - O 9º A, adquiriu a habitação 90 (fração autónoma C), por título de compra e venda outorgado em 22 de Julho de 2011 no escritório da Drª TT, no Porto (art. 9º).
10 - O 10º A, adquiriu a habitação 100 (fração autónoma B), por escritura realizada em 11/04/2012 no Cartório Notarial ... (art. 10º).
11 - O 11º A, adquiriu a habitação 110 (fração autónoma A), por escritura realizada em 3 de Maio de 2011 no Cartório Notarial sito na Avenida ..., em ... (art. 11º).
12 - Todas as compras e vendas acima descritas tiveram por base um contrato de promessa, no qual a 1ª RR. prometeu vender e cada um dos Autores comprar uma fração autónoma do prédio acima identificado (art. 12º).
13 - Os Autores são os proprietários das referidas frações (art. 13º).
14 - De alguns contratos promessa constava um Mapa de Acabamentos, o qual, nos elementos enumerados foi, em geral, cumprido pela 1ª R. (art. 18º)
15 - Os mapas de acabamentos dos contratos-promessa celebrados pelos 3º, 5º e 9ºs autores mencionam a colocação de pré-instalação de aquecimento central com caldeira que não foi colocada em nenhuma das habitações dos Autores, salvo quanto ao 6º autor (art. 19º)
16 - Os mapas de acabamentos dos contratos-promessa dos 3º, 4º, 5º, 8º e 9º autores previam que o revestimento da lavandaria seria em cerâmico mas em todas as habitações dos autores foi em simples cimento pintado (art. 20º).
17 - Os mapas de acabamentos dos contratos-promessa dos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º e 9º autores previam uma guarda da escada interior em inox, que não foi colocada em qualquer uma das habitações (art. 21º).
19 - Todos os AA., com o tempo, foram encontrando outros problemas com a sua habitação (art. 22º).
20 - As casas são demasiado frias no inverno e excessivamente quentes no verão, tornando difícil aquecê-las ou arrefecê-las, exigindo mais gastos de energia (art. 23º).
21 - Para além disso ouviam-se as conversas nas casas contíguas que estão separadas por paredes simples (não das separadas por paredes duplas) designadamente de quartos com quartos (art. 24º),
22 - O andamento dos vizinhos e o ligar e desligar de fichas das tomadas (art. 25º).
23 - Como se ouvem dentro de casa as conversas da rua (art. 26º).
24 - Nas traseiras das habitações existe um túnel técnico, elemento comum a todas as habitações (art. 29º).
25 - Esse túnel técnico não se encontra acabado, faltando-lhe limpeza e colocação de brita no chão depois de regularizado (art. 31º).
26 - Não lhe parecendo normais os desconfortos, os AA. por intermédio do que viria a ser o administrador do condomínio, contactaram a ADENE – Agência para a Energia, visando esclarecer-se (art. 33º).
27 - Após ter pedido esclarecimentos à 2ª ré, procedeu a uma inspeção à fração G (art. 35º).
28 - Tendo elaborado e entregue aos RR., Autores e Câmara Municipal o relatório junto à p.i. como documento n.º 12 (art. 36º).
29 - À construção das habitações em crise nos autos precedeu o respetivo projeto camarário (art. 38º).
30 - Projeto esse que veio a ser aprovado pela Câmara Municipal ... (art. 39º).
31 - O projeto de especialidade térmica foi elaborado pela 2ª RR, Engª OO (Perito Qualificado N.º ...18) – art. 40º
32 - Desse projeto constava que as habitações teriam uma classificação energética – Classe A (art. 41º).
33 - Todavia no final da obra as habitações apenas atingiram a classificação energética – Classe D, classificação atribuída pela mesma técnica (art. 42º).
34 - As habitações têm, em termos energéticos, várias inconformidades com a legislação vigente à data da construção e com o projeto camarário aprovado (art. 43º).
35 - Verificam-se como incumprimentos:
1. Incumprimento do valor do limite máximo do valor das necessidades globais anuais nominais de energia primária.
2. Incumprimento do limite máximo do valor das necessidades nominais de energia útil para aquecimento.
3. Incumprimento do limite máximo do valor das necessidades nominais de energia útil para preparação de águas quentes sanitárias.
4. Incumprimento do limite máximo admissível do valor do coeficiente de transmissão térmica superficial admissível para elemento opaco (art. 44º).
36 - Os incumprimentos resultam das seguintes diferenças entre o projeto aprovado e construído:
a) Em projeto previa-se a aplicação de 8 cm de espessura de material isolante térmico na cobertura, no entanto encontra-se aplicado apenas 3 cm;
b) Em projeto previa-se a aplicação de 6 cm de espessura de material isolante térmico nas paredes exteriores, no entanto encontra-se aplicado apenas 4 cm;
c) Em projeto previa-se a aplicação de 4 cm de espessura de material isolante térmico nos pavimentos em contacto com o exterior ou locais não aquecidos (garagem e o 'túnel" que atravessa as 11 frações autónomas do edifício), no entanto não se encontra aplicada a camada de isolamento no pavimento;
d) Em projeto previa-se a instalação de 4 m2 de coletores solares térmicos para produção de águas quentes sanitárias, no entanto os mesmos não foram instalados (art. 45º).
37 - Verificou-se ainda incumprimento do limite máximo admissível do valor do fator solar do vão envidraçado (art. 46º),
38 - O qual tem a ver, com o facto do vidro das claraboias não ser reflectante (art. 47º).
39 - Houve também incumprimento da instalação obrigatória do sistema de coletores solares térmicos para aquecimento (art. 49º).
40 - O imóvel, segundo o projeto aprovado, teria instalado um sistema de coletores solares térmicos do tipo Kit com 4m2 de área de coletores e deposito com 190 litros de volume (art. 50º).
41 - O Certificado Energético propõe como medida de melhoria a instalação de sistema solar térmico coletivo totalmente centralizado (art. 51º).
42 - Verifica-se ainda incumprimento do limite máximo admissível do valor do coeficiente de transmissão térmica superficial admissível na zona da ponte térmica plana das caixas de estores (art. 52º).
43 - Inexiste qualquer isolamento térmico em todas as caixas de estores das habitações, não se verificando os requisitos mínimos de qualidade térmica neste elemento construtivo (art. 53º).
44 - Há incumprimento do limite máximo admissível do valor do coeficiente de transmissão térmica superficial do elemento opaco exterior designadamente o pavimento exterior junto à entrada de cada fração autónoma (art. 54º).
45 - Estes incumprimentos conduziram o edifício à obtenção de classe energética D, incumprindo a verificação da classe energética mínima, B- para edifícios ao abrigo do RCCTE, nos termos da escala definida no artigo 30º do Despacho n.0 10250/2008 de 8 de Abril de 2008 (art. 56º).
46 - Tudo isto porque foram executadas alterações ao projeto apresentado a licenciamento, durante o decorrer da obra, que conduziram ao incumprimento regulamentar do DL 80/2006 de 4 de Abril (RCCTE) (art. 57º).
47 - Igualmente para se esclarecerem, os condóminos, representados pelo seu administrador, pediram um ensaio acústico a uma entidade certificada, a Versegura (art. 60º).
48 - Os edifícios não cumprem com o estabelecido na Lei (Dec.-Lei n.º 96/2008 de 9 de Junho) quanto ao isolamento sonoro de ruídos exteriores, mas cumprem quanto a ruídos entre as habitações (art. 61º).
49 - Os vitrais contíguos à porta principal são constituídos por vidro simples (art. 66º).
50 - Os vãos envidraçados ao nível do primeiro piso são constituídos por solução de vidro duplo comum aplicado em caixilharia de alumínio sem corte térmico (art. 68º).
51 – A chapa entre vãos envidraçados de piso elevado orientados a Sul encontra-se dessolidarizada (art. 69º).
52 – Os vãos envidraçados situados entre águas de telhado, designados por “claraboias” possuem características inferiores ao licenciamento (art. 70º).
53 – A chapa entre vãos com grelhas de ventilação também se encontra dessolidarizada (art. 71º).
54 - As caixas de estores em vãos envidraçados não são isoladas nem vedadas pelo interior (art. 72º).
55 - O isolamento térmico de fachadas exteriores é reduzido 4cm ao invés dos 6 cm do projeto e da ficha técnica e é ausente em faces expostas de lajes de cobertura (art. 73º)
56 - no bordo lateral das lajes de cobertura existe um perfil exposto, pintado, que contacta superior entre as paredes de fachada e de meação com as lajes (art. 74º).
57 - A cobertura tem isolamento térmico reduzido face ao projetado e sinais de infiltrações pontuais (art. 75º).
58 - O teto e padieiras exteriores, designadamente junto da porta principal e que são pavimento do andar superior são desprovidos de isolamento térmico e apresentam sinais de degradação (art. 76º).
59 - Existe insuficiente desempenho de condutibilidade térmica entre zonas úteis e não úteis (art. 77º).
60 - O espaço técnico “túnel” que confina com todas as habitações não foi finalizado (art. 82º).
61 - Não foram colocados painéis solares térmicos, conforme a legislação em vigor e o projeto aprovado (art. 83º).
62 - Os aparelhos instalados são insuficientes para produção de água quente sanitária em cada uma das habitações (art. 84º).
63 - Há tratamento desadequado das juntas de dilatação (art. 85º).
64 - Existe fissuração no contacto entre laje de cobertura e a fachada (art. 86º).
65 - O muro de contenção de terras foi construído em blocos de betão, quando no projeto se preconizava a construção em betão armado (art. 87º).
66 - Verifica-se o assentamento de solo nos logradouros das habitações compatível com a idade do edifício (art. 88º).
67 - Os muros de contenção de terras, de separação entre logradouros de uso exclusivo e de envolvente lateral apresentam um quadro de fissuração (art. 89º).
68 - Verificam-se danos por água em paredes do r/c, em consequência da desadequada vedação da base das fachadas (art. 92º).
69 - Bem como em paredes do piso elevado (art. 93º).
70 - E ainda nas paredes de face oposta às bases de chuveiro (art. 94º).
71 - Há igualmente manchas de humidade em topo de paredes do piso elevado confrontantes com fachada (art. 95º).
72 - E danos em revestimento de pavimentos (cerâmicas e madeiras) no piso elevado junto das fachadas(art. 96º).
73 - Existem fissurações interiores de abertura e traçado aparentemente aleatórios (art. 97º).
74 - Bem como fissuras de traçado regular (art. 98º).
75 - Algumas paredes não foram acabadas e rematadas acima dos tetos falsos, o que é normal (art. 101º).
76 - Não foi removida a totalidade do entulho existente (art. 103º).
77 - A 2ª ré foi a autora dos projetos das especialidades de estruturas, isolamento acústico e isolamento térmico e de distribuição e drenagem de águas e saneamento (art. 108º)
78 - A qual assinou todos os termos de responsabilidade necessários à execução de tal projeto (art. 109º).
79 - A 2ª R assumiu a direção da obra e a direção de fiscalização da obra, mas não a acompanhou devidamente, nunca relatou qualquer desconformidade com o projeto, qualquer vício de construção ou qualquer outro tipo de defeitos.
80 - A 2ª ré assinou os termos de responsabilidade de diretora da obra e diretora de fiscalização da obra.
- Contestação da 2ª ré
81 - A obra foi realizada pela 1ª ré com alterações relativamente aos projetos sem o conhecimento da 2ª ré (art. 15º),
82 - Concluída a obra, a aqui Ré fez a certificação energética (CE) e preencheu as fichas técnicas (FT) de acordo com o efetivamente construído (art. 16º).
83 - A espessura do isolamento e a falta de equipamentos (painéis solares) constam dos CE e das FT (art. 17º).
84 - Os CE e as FT foram entregues aos AA. e o notário fez tal constar nos respetivos contratos (art. 20º).
85 - Nas datas da outorga dos contratos de compra e venda foram entregues aos AA. (proprietários) as respetivas frações e as partes comuns, no estado de acabadas, com as exceções acima referidas (art. 31º).
86 - Os AA. verificaram previamente cada uma das frações que receberam e nelas passaram a residir, com exceção do 2º autor que arrendou as suas frações e do 7º autor que emprestou a sua fração (art. 32º).
- Os 2ªs autores arrendaram uma das frações logo após a compra e a outra em data não apurada;
- Os 3º foram habitar a fração em Setembro de 2011;
- os 4ªs em Janeiro de 2012;
- os 5ºs em Agosto de 2011;
- os 6ºs em Junho de 2011;
- o 7º emprestou a terceiros que para lá foram residir em data não apurada;
- os 8ºs foram habitar a fração em Agosto de 2011;
- os 9ºs em 2012;
- os 10ºs foram residir para a sua fração em data não apurada.
87 - Os autores tomaram conhecimento dos factos enunciados nos seguintes artigos da p.i.
- 19º, 20º, 21º - logo que receberam as frações;
- 23º - os 2º, 3º e 4º autores deram por isso nos 1ºs invernos e verões com as frações habitadas, os 6ºs autores nos 1º ou 2º invernos e 1º ou 2º verões que habitaram a sua fração, os demais em alturas não apuradas;
- 24º e 25º - desde que foram para lá residir ou, se as casas dos vizinhos não estavam habitadas, desde que o passaram a ser;
- 26º - quando passaram a habitar as respetivas frações;
- 31º - em 4 de Março de 2013;
- 66º - desde o 1º inverno em que lá viveram;
- 68º - sabem com o relatório da Adene;
- 69º - sabem com o relatório de engenharia civil junto à p.i., exceto o 8º A que sabe desde o início;
- 70º - com o recebimento do relatório da Adene;
- 71º - com o relatório de engenharia civil junto à p.i.;
- 72º - souberam com o relatório da ADENE exceto o 4º A que deu por ela no inverno seguinte e o 8º que sabe desde que foi para lá morar;
- 73º - com o recebimento do relatório da Adene;
- 83º - desde a compra (art. 33º).
88 - Constam do certificado energético (CE) e/ou das fichas técnicas (FT):
- que as frações têm a certificação energética de classe “D”.
- que o sistema de ventilação é natural, a porta está mal vedada, os envidraçados possuem caixa de estores, sendo as proteções dos envidraçados exteriores em estores. A caixilharia é em alumínio sem corte térmico, sendo simples com vidro duplo. (...) não possui sistema de climatização nem para a produção de AQS. A fração tem inércia térmica média.” – vide campo 3 do CE.
- que foram propostas as seguintes medidas de melhoria do desempenho energético e da qualidade do ar interior: vide campo 4 do CE:
1- Instalação de sistema solar térmico coletivo totalmente centralizado;
2- Substituição do equipamento atual e / ou instalação de esquentador de elevado rendimento.
- que, de acordo com o campo 11 da FT, as coberturas tinham isolamento térmico, XPS com 3 cm de espessura...”
- que, de acordo com o campo 12 da FT, as paredes (Fachada e empenas exteriores) tinham “... capoto com 4 cm de espessura”
- que, de acordo com o campo 28 da FT, no hall, tinha janelas simples e, sendo a caixilharia em alumínio, o envidraçado simples, sem corte térmico e na copa, cozinha e quartos tinha janelas simples, caixilharia em alumínio, envidraçado duplo, sem corte térmico (art. 34º).
89 - Os preços das frações autónomas dos autores, segundo os respetivos contratos de compra e venda, variaram entre € 120.000 e € 135.000 (art. 41º).
90 - Todas as frações têm a tipologia T3 e as mesmas áreas (art. 43º).
91 - Em 2/5/2006, os 2º AA. celebraram com A..., Unipessoal, Lda um designado “contrato-promessa de compra e venda” pelo qual prometeram vender um artigo urbano e um artigo rústico, a desanexar de um prédio, pelo preço de 135.000€ a pagar com a entrega de duas habitações (frações) a serem construídas no prédio rústico (casas 1 e 2) (art. 53º).
92 - O pedido de licenciamento da construção foi apresentado em 13/05/2008 (art. 88º).
93 - Entre os 7º AA e a vendedora foi acordada a não colocação de caldeira por forma a reduzir o preço da compra (art. 101º).
- Contestação/reconvenção sociedade-ré
94 - JJ, em seu nome e dos condóminos, contactou o empreiteiro/1ª Ré e o arquiteto QQ, autor do projeto de arquitetura, em 8 de Janeiro de 2013 (Doc. 3), por causa de acabamentos na sua fração (“E”) e também no que designou como partes comuns do empreendimento sem as especificar (art. 21º),
95 - Os quais foram atendidos em Fevereiro de 2013 com a “Colocação de vidro duplo nas janelas superiores”, “Colocação de bites nas mesmas janelas superiores” (art. 22º),
96 - Posteriormente, em 4/3/2013, o mesmo condómino JJ reportou-se a outras pretensas irregularidades nas frações e partes comuns do Condomínio, designadamente, fissuras no muro do quintal (art. 23º).
97 - O custo dos painéis solares para cada habitação é de 2.500,00€ (art. 72º).
- Réplica
98 - Três das habitações possuem painéis solares (art. 1º).
99 - Instalados a custas dos Autores (art. 2º).
100 - A primeira reunião da assembleia de condóminos ocorreu em 29 de Outubro de 2015 nela tendo sido eleita a administração do condomínio (art. 22º).
*
*

ii) … E não provados os seguintes factos:
- Da p.i.
1 - Os condóminos deliberaram propor esta ação contra a 2ª ré (art. 1º).
2 - Os mapas de acabamentos dos contratos-promessa celebrados pelos 2º, 4º, 6º a 8º e 10º autores mencionam a colocação da caldeira de aquecimento e águas sanitárias (art. 19º).
3 - Os mapas de acabamentos dos contratos-promessa dos 2º, 6º, 7º, e 10º autores previam que o revestimento da lavandaria seria em cerâmico (art. 20º).
4 - Os mapas de acabamentos dos contratos-promessa dos 2º, 6º, e 10º autores previam uma guarda da escada interior em inox (art. 21º).
5 - Ouvem-se com nitidez as conversas nas casas contíguas, de quartos com quartos (ou seja, percebe-se o que é dito) (art. 24º).
7 - No túnel técnico estão por realizar outros trabalhos para além dos dados como provados (art. 31º).
8 – O gerente da 1º R disse aos autores que nada mais tinha que fazer, uma vez que a obra tinha sido dada por concluída pela técnica da obra, Engª OO, 2ª R (art. 32º).
9 - O relatório da ADENE chegou ao correio do administrador em 3 de Março de 2015 e nos dias subsequentes aos restantes AA (art. 37º).
10 - O incumprimento do limite máximo admissível do valor do fator solar do vão envidraçado tem a ver com a diminuta espessura dos vidros (art. 47º).
11 - O pavimento de um dos quartos encontra-se em contacto direto com o exterior e não foi objeto de qualquer isolamento (art. 55º).
12 - Salvo quanto aos ruídos exteriores, os edifícios não cumprem com o estabelecido na Lei (Dec.-Lei n.º 96/2008 de 9 de Junho) quanto ao isolamento sonoro (art. 61º).
13 - A porta principal de cada uma das frações possui fraca vedação (art. 66º).
14 - Há insuficiente e ineficaz vedação de portões de garagem (art. 67º).
15 - Consta do projeto algo relacionado com perfil exposto, no bordo lateral das lajes de cobertura (art. 74º).
16 - Há um insuficiente isolamento acústico a sons aéreos entre habitações (art. 78º).
17 - E ainda a mesma insuficiência no isolamento acústico a sons de percussão entre habitações (art. 79º).
18 - Inexistem soluções de atenuação de ruídos de instalações de água e tubagens com dimensões inferiores à existente no projeto de construção (art. 80º).
19 - Os ruídos nos tetos falsos são derivados da sua má construção (art. 81º).
20 - A ficha técnica fala em caldeira mural (art. 84º).
21 - É extenso o quadro de fissuração dos muros de contenção de terras, de separação entre logradouros de uso exclusivo e de envolvente lateral (art 89º).
22 - E alguns muros não foram devidamente acabados ou rematados (art. 90º).
23 - Existem orifícios nos muros exteriores a permitir a circulação de águas pluviais para o interior dos logradouros (art. 91º).
24 - As fissuras de traçado regular são consistentes com a suspeita de desadequada transmissão de esforços horizontais entre lajes através dos elementos verticais de suporte (art. 98º).
25 - A altura livre na escada de ligação entre pisos é inferior ao projetado (art. 99º).
26 - A rede elétrica tem avarias recorrentes consistentes com a sua má execução, tal como a rede de gás (não tem redutor de pressão) (art. 100º).
27 - Existem ainda as faltas de acabamento constantes do ponto 0.37 do relatório de engenharia civil junto à p.i. (art. 102º).
- Contestação 2ª ré
28 - A falta de caldeira consta dos CE e das FT (art. 17º).
29 - Os AA. verificaram previamente as partes comuns (art. 32º).
30 - Os autores tomaram conhecimento no momento da compra ou da entrega da habitação ou nos primeiros dias após e que, por mera facilidade de raciocínio se fixa até ao final do ano de 2012, os AA. tomaram conhecimento da sua existência dos factos enunciados nos seguintes artigos da p.i: 74º a 82º, 84º a 103º (art. 33º).
31 - Os autores tomaram conhecimento dos teores dos certificados energéticos e das fichas técnicas quando lhes foram entregues (art. 34º).
32 - Estamos perante construções de baixo custo, hoje, vulgarmente denominados por “low cost” (art. 43º).
33 - Pelos preços das respetivas compras, os AA. sabiam que estavam a adquirir frações / habitações de baixo custo (art. 44º).
34 - Pelo que, os AA., quando tomaram a decisão de comprar, bem sabiam dos teores dos CE e das FT ou seja sabiam que iam comprar uma fração com as características aí descritas, nomeadamente, quanto ao isolamento térmico e acústico, inexistência de painéis solares e de caldeiras (art. 45º).
35 - Bem sabiam que, pelo preço que pagaram, não iam comprar uma vivenda com ótimos acabamentos e mesmo assim, tomaram a decisão de comprar (art. 46º).
36 - Os AA. pretendem que os RR. sejam forçados a fazer acabamentos de primeira qualidade, transformando uma fração “low cost” em de luxo (art. 47º),
37 - Com as “sugestões” de reparação apresentadas no relatório junto com a pi, as frações passariam a valer cerca de € 200.000 e os AA. bem sabem disso (art. 48º).
38 - Nunca os 2º AA quiseram comprar e nem a 1ª Ré quis vender (art. 54º),
39 - Entre os AA. e a vendedora foi acordado a não colocação de painéis solares, nem das caldeiras (com exceção do 7º autor), por forma a reduzir o preço de compra (art. 101º).
- Contestação sociedade/ré
40 - Os contactos de JJ de Janeiro de 2013 com o arquiteto QQ foram atendidos em Fevereiro de 2013 com a “Colocação de porta com grelha que oculte a visão sobre o corredor das áreas comuns”, “Reparação dos muros (corrigindo as fendas com rede, argamassa apropriada sobre todas as superfícies e pintura geral)” (art. 22º).
41 - As fissuras no muro do quintal foram consertadas (art. 24º).

* * *


IV. Apreciação do objeto do recurso:

1. Impugnação da matéria de facto por parte das 1ª e 2ª ré.
Ambas impugnam segmentos da matéria de facto, como assinalado no ponto 2 deste acórdão.
Mostram-se cumpridos os ónus da impugnação da matéria de facto estabelecidos no art. 640º nº 1 als. a) a c) [ónus primários] do CPC, não estando aqui em questão, em nenhuma das impugnações, a observância do ónus secundário consagrado na al. a) do nº 2 do mesmo preceito, uma vez que não se invocam depoimentos/declarações gravados [quanto aos depoimentos de parte a 2ª ré apenas invoca os segmentos confessórios constantes das assentadas constantes das atas da audiência final].
Há, por isso, sem necessidade de outros considerandos acerca de tais ónus de impugnação, que indagar, à luz do nº 1 do art. 662º do CPC, se a decisão de facto da 1ª instância deve ser alterada quanto aos concretos pontos impugnados.
Nos termos do nº 1 deste art. 662º, «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Antes de avançarmos importa relembrar o ensinamento de Abrantes Geraldes [in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. atualiz., 2022, Almedina, pg. 353] que refere que “[s]em embargo das circunstâncias que rodeiam o julgamento da matéria de facto, a Relação goza no exercício desta função dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal ‘a quo’, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 607º, nº 5, e a que especificamente se alude no art. 396º (prova testemunhal), 349º (presunções judiciais), 351º (reconhecimento não confessório), 376º, nº 3 (certos documentos), 391º (prova pericial), todos do CC, e arts. 466º, nº 3 (declarações de parte), e 494º, nº 2, do CPC (verificações não judiciais qualificadas)”, acrescentando que “[c]onsequentemente está afastada, em definitivo, a defesa de que a modificação na decisão da matéria de facto apenas deve operar em casos de «erros manifestos», assim como é insuficiente que na apreciação do recurso de apelação, na parte que envolva a decisão da matéria de facto, a Relação se limite a aludir a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas, sem efetiva ponderação dos meios de prova que foram produzidos e que se mostram acessíveis. Sem embargo dos naturais condicionalismos que rodeiam a tarefa de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, desde que a Relação, no quadro da aplicação do art. 662º, acabe por formar uma ‘diversa convicção’ sobre os pontos de facto impugnados, deve refletir em nova decisão esse resultado”, dando, assim, plena aplicação ao princípio do duplo grau de jurisdição atualmente consagrado no CPC em sede de reapreciação da matéria de facto.
*

Vejamos então à factualidade impugnada, começando pela da 1ª ré.
Esta recorrente, embora por forma algo dúbia [porque sujeita à epigrafe «C- Da Lei Aplicável aos Requisitos Acústicos dos Edifícios»], impugna o facto provado nº 48 defendendo que o mesmo deve passar a facto não provado.
Diz que os projetos de acústica em questão foram apresentados na Câmara Municipal ... em 13.05.2008 [como consta do facto provado nº 92] tendo em conta o DL 129/2002 então vigente e que na informação prestada pelo perito que identifica na conclusão XVIII [indicado pelas rés na perícia acústica realizada nos autos] o mesmo declarou expressamente que «A perícia deve realizar ensaios acústicos de acordo com a legislação e normas aplicáveis à data de submissão do projeto (13-05-2008) e que entretanto foram alteradas».
O facto em apreço – com o seguinte teor: «Os edifícios não cumprem com o estabelecido na Lei (Dec.-Lei nº 96/2008 de 9 de Junho) quanto ao isolamento sonoro de ruídos exteriores, mas cumprem quanto a ruídos entre as habitações.» - assentou, necessariamente, nos relatórios da perícia [colegial] acústica. Isso mesmo decorre do excerto da fundamentação/motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida, dizendo-se aí, a dado passo, a propósito do isolamento (ou falta dele) térmico e acústico, o seguinte: «(…) a falta de isolamento térmico e o incumprimento dos limites legais para o isolamento acústico de sons exteriores são atestados pelos relatórios da ADENE e pelas perícias de térmica e de acústica (neste último caso, da opinião maioritária que, por isso, foi a seguida).».
Ora, lendo os vários relatórios da especialidade de acústica e, principalmente, o relatório final [desta especialidade foram apresentados três relatórios: um primeiro, junto aos autos em 26.03.2020, que foi designado pelos peritos de «documento de trabalho», não conclusivo; um segundo, junto aos autos em 09.10.2020, subscrito/assinado pelos três peritos, já mais conclusivo; e um terceiro, o relatório final, junto aos autos em 22.04.2021, subscrito/assinado pelos peritos do tribunal e dos autores, e em 16.07.2021, subscrito/assinado pelo perito das rés], constata-se que não foi apenas o perito indicado na conclusão XVIII das alegações da 1ª ré a referir que a legislação então vigente, e a que o projeto desta especialidade estava sujeito, era o DL 129/2002, de 11.05 [Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios] e não o DL 96/2008, de 09.06, que alterou aquele diploma e entrou em vigor em 01.07.2008 [cfr. art. 5º deste DL]. E que foi em função das exigências técnicas daquele primeiro DL que os peritos levaram a cabo a sua análise técnica e elaboraram as respostas que constam do relatório final [cfr., no relatório maioritário, nomeadamente, as respostas constantes da respetiva pg. 12, pontos 13) 3.2.1. e 14) 3.2.2.]. Neste ponto houve unanimidade. Onde houve divergência entre o relatório maioritário [subscrito/assinado pelos peritos do tribunal e dos autores] e o relatório minoritário [do perito das rés] foi apenas na resposta a algumas das concretas questões analisadas, embora, em qualquer caso, tendo por base/referência as exigências do DL 129/2002 e não as do DL 96/2008.
Por isso, a menção ao DL 96/2008, de 09.06 no facto provado nº 48 só pode ter resultado de manifesto lapso do Mmo. Julgador a quo, tanto mais que, como atrás se deu nota, o mesmo remete para as «perícias de técnica e de acústica (neste último caso, da opinião maioritária que, por isso, foi seguida)», o que significa que seguiu os parecer e fundamentação dos relatórios periciais e, nos segmentos em que não coincidiram, seguiu o relatório maioritário.
No mais, o facto 48 está em consonância com o que os peritos exararam no relatório maioritário [diga-se que a 1ª ré não coloca em questão, nas referidas conclusões das suas alegações, este entendimento do tribunal a quo], designadamente, na resposta que consta da respetiva pg. 11, ponto 7) IV.
Deste modo, a impugnação da 1ª ré relativamente ao facto provado nº 48 só procede na parte relativa à eliminação da referência ao DL 96/2008, que é substituída pela menção ao DL 129/2002, na redação que vigorava à data da apresentação do projeto da especialidade na CM ..., mas improcede na parte em que pretende a eliminação de tal facto, tout court, do elenco dos factos provados e a sua inclusão nos não provados.
Assim, o facto provado nº 48 passa a ter a seguinte redação:
«Os edifícios não cumprem com o estabelecido na Lei (DL 129/2002, de 11.05, na redação que vigorava à data da apresentação do projeto de acústica na CM ...) quanto ao isolamento sonoro de ruídos exteriores, mas cumprem quanto a ruídos entre as habitações.”.
*

Passando à impugnação fáctica da 2ª ré.
Esta pretende a alteração dos seguintes factos [que se indicam pela ordem constante das conclusões das alegações]:
- do facto não provados nº 31;
- do facto provado nº 87, nos segmentos que remetem para os factos provados nºs 68º, 70º, 72º e 73º;
- do facto provado nº 55;
- do facto não provado nº 39;
- e que se aditem ao elenco dos factos provados mais dois factos com as seguintes redações:
. um deles: «Os 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 11º AA. acordaram com a 1ª Ré a colocação de alumínio lacado com vidro duplo, conforme respetivos mapas de acabamentos anexos aos contratos-promessa.»
. o outro: «Os AA. tomaram conhecimento que (a) classificação energética atribuída foi a D e que a classificação mínima legalmente exigida era B-, aquando da entrega dos CE.».

Começando pelo facto não provado nº 31.
A 1ª instância considerou não provado que «Os autores tomaram conhecimento dos teores dos certificados energéticos e das fichas técnicas quando lhes foram entregues».
A 2ª ré pretende que tal facto seja eliminado no elenco dos não provados e que, em sua substituição, seja considerado provado que «Os AA. leram os CE e FTH e dos seus teores tomaram conhecimento, aquando das suas entregas.» ou, em alternativa, que «Os AA. não leram os CE e FTH de forma voluntária e consciente.».
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação quanto aos motivos que levaram o tribunal a quo a considerar não provado o aludido facto:
«Os títulos de aquisição dos imóveis comprovam que os certificados energéticos e as fichas técnicas foram entregues no ato de aquisição dos imóveis. Os autores admitiram que sim.
O facto de lhes ter sido entregue aquando da celebração dos negócios não permite concluir que então tomaram conhecimento do seus teores. Não é crível que num momento em que vão participar num ato destes se pusessem a ler esses documentos de forma detalhada para compreenderem o seu teor.
Muito menos se podendo dar como provado que, conforme alegado pela 2ª ré, que os autores quando tomaram a decisão de adquirir os imóveis conheciam o teor dos certificados e fichas técnicas. A decisão de aquisição é prévia ao momento da outorga dos contratos e da entrega desses dois documentos.
Das regras da experiência comum decorre que quem adquire um imóvel visita-o previamente. Mais ainda quando nele irá residir.».
A recorrente ora em apreço contrapõe que:
«(…) tal fundamentação, (…) é contrária à normalidade e, salvo o devido respeito, premeia a irresponsabilidade dos AA./ compradores, sendo que, a ora recorrente, no cumprimento das suas obrigações enquanto técnica, concluída a obra, procedeu ao preenchimento dos CE e das FTH de acordo com o efetivamente construído (facto provado 82), e, no ponto 84 foi dado como provado que os CE e as FT foram entregues aos AA. e o notário fez tal constar nos respetivos contratos» e «[à] luz da experiência comum, da lógica corrente e por via da própria intuição humana, tal matéria assente faz presumir que os AA. leram os documentos (artigo 351º do CC), ou, pelo menos, tinham tal obrigação.». E acrescenta, em reforço da sua tese que «o foram ainda dados como provados os seguintes factos: “todos os AA., com o tempo, foram encontrando outros problemas com a sua habitação” (facto 19); “as casas são demasiado frias no inverno e excessivamente quentes no verão, tornando difícil aquecê-las ou arrefece-las, exigindo mais gastos de energia” (facto 20); “para além disso ouviam-se as conversas nas casas contíguas” (facto 21); “o andamento dos vizinhos e o ligar e desligar das tomadas” (facto 22) e “não lhe parecendo normais os desconfortos, os AA. por intermédio do que viria a ser o administrador do condomínio contactaram a ADENE (…)” (facto 26)».
E conclui:
«G. Não é crível que tendo sido entregues tais documentos aos AA., que tiveram a possibilidade de os ler, e, de modo consciente e voluntário, não o fizeram, não é admissível que, por via desse comportamento negligente e irresponsável, retardem o início do prazo prescricional do direito à indemnização / reparação, o qual, por razão de segurança jurídica é de apenas 3 anos.
H. Assim, a conduta omissiva dos AA. consubstancia uma fraude à lei, pelo que, impunha-se a inversão do ónus da prova, pois que, a leitura dos referidos documentos é, claramente, um ato pessoal, em que a única prova possível seria a confissão, pelo que, não tendo os AA. justificado a omissão de leitura, deveria o Tribunal ter aplicado o instituto da inversão do ónus da prova, previsto no artigo 344º do C.C. e, consequentemente, ter dado como provado que os AA. leram, quer os CE, quer as FTH, quando lhes foram entregues nos atos de celebração dos contratos de compra e venda.
I. Além disso, a fundamentação feita pelo Tribunal consubstancia uma proteção excessiva dos AA., desresponsabilizando-os em relação às suas condutas, violando um dos princípios fundamentais do estado de direito – o princípio da autorresponsabilização.».
O facto em apreço integra matéria de exceção alegada pela 2ª ré, ora recorrente, relevando para apreciação da exceção perentória da prescrição do direito dos autores, invocada na contestação que deduziu. Competia-lhe, por isso, a respetiva prova, de acordo com o prescrito no art. 342º nº 2 do CCiv., ou seja, cabia-lhe demonstrar que os autores tomaram conhecimento do teor dos certificados energéticos (CE) e das fichas técnicas (FT) em apreço e quando tal aconteceu.
É verdade que aquando da celebração dos contratos de compra e venda foram entregues aos autores os referidos CE e FT. Como se diz na fundamentação da decisão de facto, constante da sentença recorrida, os títulos de aquisição das frações comprovam isso mesmo e os autores também o admitiram nos seus articulados. Mas não consta de tais títulos [juntos aos autos em 05.04.2016] que os autores [nem estes o confessaram] tivessem procedido, naquele momento ou noutro posterior, à leitura daqueles CE e FT ou que alguém lhos tivesse lido ou dado conhecimento do seu teor e eles tivessem ficado cientes do seu conteúdo. Nem deles consta tão pouco que os autores tivessem sido alertados, pela recorrente, pela vendedora ou por outrem [nomeadamente pelo notário], da necessidade de tomarem efetivo conhecimento do teor de tais certificados e fichas técnicas. Nem a recorrente fez prova destes factos instrumentais por qualquer outro meio probatório, incluindo a prova testemunhal.
Além disso, aqueles CE e FT são documentos de cariz essencialmente técnico, com utilização de diversos termos ligados às áreas da engenharia relacionadas com a construção civil, cuja compreensão integral não está ao alcance do cidadão médio não familiarizado com que tais termos.
Não se acompanha, por isso, a recorrente quando diz que, tendo os autores recebido os referidos CE e FT, «à luz da experiência comum, da lógica corrente e por via da própria intuição humana», devia presumir-se que aqueles leram os documentos, ou, pelo menos, tinham tal obrigação. Nada faz presumir que o tenham feito, nem que estivessem cientes de que deveriam proceder à leitura dos mesmos, até porque, como já referido, não foram sequer alertados para tal, não podendo, consequentemente, ser-lhes assacada irresponsabilidade ou falta de diligência por não terem lido [e compreendido] o que constava daqueles documentos de cariz essencialmente técnico, repete-se.
Nem o que está dada como provado nos nºs 19, 20, 21, 22 e 26, 1ª parte, permite dar o salto para a presunção judicial que a recorrente pretende ver declarada. Aliás, a 2ª parte do facto provado nº 26 aponta até em sentido contrário, pois se os autores tivessem efetivo conhecimento do que constava dos ditos CE e FT [e, bem assim, dos projetos de construção e de especialidade aprovados pela edilidade competente, o que também não está demonstrado] certamente não teriam necessidade de se esclarecer junto da ADENE – Agência para a Energia [a que recorreram] das causas dos «desconfortos»/anomalias indicados naqueles números dos factos provados. Teriam, certamente, acionado de imediato os mecanismos legais à sua disposição para correção/eliminação desses «desconfortos»/anomalias.
Duas notas finais quanto a este ponto.
Uma para dizer que não se percebe o alcance do que a recorrente pretende na al. H das conclusões, pois estando em causa a formação da convicção por parte do julgador a quo [que por insuficiência de prova e, certamente, por falta de factos instrumentais adequados que permitissem o recurso a presunção judicial, nos termos dos arts. 349º e 351º do CCiv., não deu como provado o facto nº 31 do elenco dos factos não provados] não se vê como pode ser chamada à colação a figura da fraude à lei [na definição de Pedro Pais de Vasconcelos e outro, in Teoria Geral do Direito Civil, 9ª ed., Almedina, pg. 586, “A fraude à lei pode ser vista de um modo subjetivo ou de um modo objetivo. No modo subjetivo, o juízo da fraude não prescinde da imputação ao agente de uma intenção pessoal de iludir o mecanismo citado com a providência legislativa de modo a defraudar a lei. No modo objetivo, não é exigida a imputação subjetiva nem a prova da intenção, de tal modo que, para o juízo da fraude, é suficiente que a atuação do agente produza o resultado que a lei quer evitar ou evite o resultado que a lei produzir. A diferença está na necessidade da imputação da intenção subjetiva e da sua prova, no modo subjetivo; e na sua dispensa, no modo objetivo.”; já Carlos Ferreira de Almeida, in Contratos, V, Invalidade, 2017, Almedina, pg. 193, define fraude à lei como “manipulação da realidade fáctica ou jurídica, através da criação ou conjugação artificial de factos ou de situações jurídicas, designadamente: criação de aparência de facto ou de direito, através da referência a facto passado ou facto atual inexistente ou a facto futuro, cuja verificação não se pretende; promoção de um facto acessório a principal; cisão artificial de um facto efetivamente unitário; conjugação de uma série de factos jurídicos ou materiais, de tal modo que nenhum deles de per si corresponda à previsão da norma fraudada.”], nem se entende o que se visa com a pretendida inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º do CCiv., pois que a prova do dito facto já era, por lei [como dito atrás], da responsabilidade da recorrente, inexistindo presunção legal que sustente o que ora pretende ou norma que libere a recorrente do ónus da prova, tal como não existe convenção válida nesse sentido, nem lei que o determine [situações previstas no nº 1 daquele art. 344º], não estando também demonstrado que os autores tenham, culposamente, tornado impossível a prova daquele facto à recorrente [situação enquadrável no nº 2 do mesmo normativo]. Reconhecendo-se que a prova direta do referido facto não era fácil para a recorrente, a verdade é que podia ter recorrido [mas não o fez] a factos instrumentais [alegando-os e provando-os ou, sendo caso disso, aproveitando-se dos que resultassem da instrução da causa, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 5º do CPC], alguns deles atrás referenciados, que permitissem ao tribunal [à 1ª instância ou, agora, a este tribunal da Relação] lançar mão do instituto das presunções judiciais previsto nos citados arts. 349º e 351º.
A outra para rebater o alegado na conclusão I, pois, como resulta do que fica exposto, não houve, nem há, «proteção excessiva dos AA.», mas apenas o normal funcionamento das regras relativas ao ónus da prova, tal como não se vislumbra qualquer violação do «princípio da autorresponsabilização», na medida em que nem sequer está demonstrado que os autores tivessem sido alertados para a necessidade de procederem à leitura dos mencionados documentos de natureza técnica.
Não existe, assim, motivo para alterar a «resposta» da 1ª instância [em nenhum dos sentidos pretendidos pela recorrente na conclusão J], mantendo-se como não provado o facto nº 31 constante do ponto III. ii) deste acórdão.

Quanto ao facto provado nº 87.
Pretende a mesma recorrente que neste facto sejam feitas diversas alterações.
No segmento em que remete para o facto alegado no art. 68º da p. i., que: «os AA. tomaram conhecimento da colocação de caixilharia de alumínio sem corte térmico no momento da entrega do CE e da FTH ou no ato da entrega das frações».
E pretende que, quanto aos autores que se indicam, se adite à matéria provada um novo facto com o seguinte teor: «“os 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 11º AA. acordaram com a 1ª Ré a colocação de alumínio lacado com vidro duplo, conforme respetivos mapas de acabamentos anexos aos contratos-promessa».
Esgrime, para tal, a seguinte argumentação:
«M. Atenta a matéria dada como provada nos pontos 12 e 14, todas as compras e vendas tiveram por base um contrato promessa com mapa de acabamentos, sendo que, desse mapa, constava em “observações gerais”, que a caixilharia seria em alumínio lacado com vidro duplo, ou seja, as partes acordaram que o alumínio seria lacado, sem qualquer exigência/especificação relativamente à térmica, significa que as partes acordaram colocar alumínio simples, ou seja, sem corte térmico.
N. Por outro lado, foi dado como provado nos pontos 85 e 86 que as frações e as partes comuns foram entregues no estado de acabadas e que foram verificadas previamente pelos AA., que as receberam e nelas passaram a residir.
O. Tendo em consideração este conjunto de factos dados como provados, associado, ainda, aos factos de nas FTH constar expressamente a referência a alumínio sem corte térmico, é certo e seguro que, à luz das regras da experiência comum, qualquer declaratório médio, teria tido conhecimento das características do alumínio, em concreto, da existência ou não de corte térmico, na pior das hipóteses, no momento da entrega das frações.
(…)
Q. Sendo que, em relação aos proprietários 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 11º, que celebraram contrato promessa com mapa de acabamentos, existiu um acordo de vontades no sentido da colocação de alumínio simples, ou seja, sem corte térmico, pelo que, em relação a estes, não se pode falar em desconformidade/defeito, pois que, existiu um acordo no sentido da colocação de alumínio simples.».
Esta argumentação não colhe, valendo aqui, em grande parte, o que atrás se disse acerca do facto não provado nº 31.
Pelo que já se referiu, nenhuma prova se mostra feita no sentido de que os autores tivessem tido conhecimento de que a caixilharia de alumínio não apresenta corte térmico no momento em que os CE e as FT lhes foram entregues. Aliás, mesmo que tivessem lido estes documentos, nada garantiria que tivessem ficado a saber da inexistência de corte térmico, pois daqueles só consta que a caixilharia seria em alumínio lacado com vidro duplo e não é exigível que o cidadão comum, não familiarizado com a terminologia própria da área da construção civil, saiba o que é e em que consiste o dito corte térmico.
E este argumento – tratar-se de termo técnico que não é do conhecimento do cidadão comum – também inviabiliza que se admita como verosímil que os autores, mesmo os que celebraram contratos-promessa com mapa de acabamentos, tenham tido conhecimento daquela circunstância [inexistência de corte térmico] no ato da entrega das frações.
Significa isto que o facto provado nº 87, com referência ao art. 68º da p. i., deve ser mantido nos termos dados como provados na decisão recorrida, não havendo também lugar ao aditamento aludido na conclusão R.
Relativamente ao facto provado nº 87, com referência ao art. 70º da p. i., pretende a recorrente que se considere provado que «os AA. tomaram conhecimento do alegado em 70 da PI, em 8 de janeiro de 2013».
Argumenta que: «(…) do documento junto pelos AA. aos autos, em 05/04/2016, ref: 9725752 e denominado por “documento vinculativo de compromisso”, assinado a 3 de janeiro de 2012, anexo ao contrato promessa celebrado entre o A. JJ e a 1ª Ré consta, no ponto 12, o seguinte: “12- Substituir vidraças simples entre os telhados por vidros duplos (5x12x4)”, ou seja, já em 03 de janeiro de 2012, o A. JJ (o condómino que o Tribunal considerou como representante dos demais proprietários para efeitos de determinação da data da entrega das partes comuns – vide p.25 da douta sentença) reclamava desse defeito, o que demonstra o seu conhecimento», sendo, assim, «seguro que os AA., pelo menos, desde 8 janeiro de 2013 tinham conhecimento do facto alegado em 70 da douta PI (…)».
No art. 70º da petição inicial os autores alegaram que os «Vãos envidraçados situados entre águas de telhado, designados por “claraboias”, possuem características inferiores ao licenciamento».
Salvo o devido respeito, o que está aqui em causa não é se os autores [se todos ou se só o autor JJ] sabiam que os vãos envidraçados situados entre as águas de telhado eram «vidraças simples», nem quando disso tomaram conhecimento, mas sim quando souberam que tais envidraçados possuem características inferiores ao que o licenciamento estabelecia, sendo certo que do que constava do licenciamento nada é referido no documento junto pelos autores em 05.04.2016, denominado «documento vinculativo de compromisso».
Não constando dos factos provados que os autores tivessem tido conhecimento do que estava licenciado antes de receberem os relatórios da ADENE [a que recorreram], nem resultando dos CE e das FT que os envidraçados implantados no prédio estivessem em desconformidade com o que era exigido pelo licenciamento, é manifesto que também neste ponto não assiste razão à recorrente.
Mantém-se, por isso, inalterado o facto provado nº 87, com referência ao art. 70º da p. i..
Relativamente ao segmento do facto provado nº 87 que remete para o art. 72º da p. i..
Entende a recorrente que deve ser dado como provado que «os AA. tomaram conhecimento do alegado em 72º da PI no momento da entrega dos CE».
Sustenta, para o efeito, que «(…) os AA. tomaram conhecimento no momento da entrega dos CE, pois que, dos seus teores ficou a constar que “os vãos envidraçados não têm proteção” (…)».
No art. 72º da p. i. alegaram os autores que «As caixas de estore em vãos envidraçados não são isoladas nem vedadas pelo interior».
A decisão recorrida considerou provado que os autores souberam do que alegaram neste art. 72º «com o relatório da ADENE, exceto o 4º A. que deu por ela no inverno seguinte e o 8º que sabe desde que foi para lá morar».
Vale aqui, em grande parte, o que atrás se consignou relativamente ao facto não provado nº 31, ou seja, resumindo, que não se mostra provado que os autores tivessem tomado efetivo conhecimento do que consta dos CE e das FT quando estes documentos lhes foram entregues, nem que, em geral [embora com as exceções dadas como provadas], o tenham tido antes de saberem o resultado da perícia levada a cabo pela ADENE. Quanto ao que ora está em questão, a exceção, como se diz na sentença recorrida, foram os 4º e 8º autores que souberam daquele facto em datas anteriores.
A recorrente não contrapõe outros meios de prova além dos CE e das FT, sendo que quanto às características destes documentos e ao conhecimento do seu teor pelos autores se remete para o que já atrás se disse.
Não ocorrem, assim, motivos para se alterar o que o tribunal a quo deu como provado no ponto de facto em análise, impondo-se a sua manutenção.
A recorrente pretende, ainda, a alteração do facto provado nº 87, com referência ao que foi alegado no art. 73º da p. i..
Considera que deve ser dado como provado que «os AA. tomaram conhecimento do alegado em 73º da PI, no momento da entrega do CE e da FTH ou no ato da entrega das frações», porque, na sua ótica, «os AA. tomaram conhecimento que o isolamento térmico de fachadas exteriores era de 4cm com a entrega das FTH (vide campo 12 “paredes envolventes”) e dos CE (campo 5)».
Pelas razões já repetidas, não há motivo para alterarmos o facto em apreço, valendo, quanto ao conhecimento do teor dos CE e das FT pelos autores, o que já se disse e repetimos.
Mantém-se, deste modo, inalterado todo o facto provado nº 87, improcedente o recurso nos segmentos impugnados.

Quanto ao facto provado nº 55.
A 2ª ré pugna também pela eliminação da referência à ficha técnica, em virtude de, nesta, constar «a espessura do isolamento de 4cm e não de 6cm».
Tendo por base o alegado no art. 73º da petição inicial, o tribunal a quo deu como provado, sob o nº 55, que «O isolamento térmico de fachadas exteriores é reduzido (a) 4cm ao invés dos 6 cm do projeto e da ficha técnica e é ausente em faces expostas de lajes de cobertura».
Neste ponto assiste razão à recorrente.
Nas FT, sob o item 12, consta, quanto às paredes exteriores, têm acabamento em capoto com 4 cm de espessura. Em parte alguma delas se faz referência à espessura de 6 cm.
Por isso, a referência à «ficha técnica» que é feita no facto provado nº 55 não traduz a verdade objetiva daquelas FT.
Como tal, o facto provado nº 55 passa a ter a seguinte redação:
«O isolamento térmico de fachadas exteriores é reduzido a 4 cm ao invés dos 6 cm do projeto e é ausente em faces expostas de lajes de cobertura.».

No que concerne ao facto não provado nº 39.
Defende a mesma recorrente que tal facto deve ser eliminado do elenco dos não provados e passar a provado com a seguinte redação: «entre os AA. e a vendedora foi acordada a não colocação de painéis solares». Isto porque, em seu entender, os autores confessaram tal factualidade nos depoimentos de parte que prestaram na audiência final.
Naquele nº 39 está dado como não provado que «Entre os AA. e a vendedora foi acordado a não colocação de painéis solares, nem das caldeiras (com exceção do 7º autor), por forma a reduzir o preço de compra».
Lidas as assentadas dos segmentos confessórios dos depoimentos de parte dos autores [não foram tomados depoimentos às autoras mulheres, nem ao autor MM], constantes das atas da audiência final [relativas às 1ª, 2ª e 3ª sessões], constatámos que:
- O autor CC confessou que não contratou a colocação de painéis solares;
- O autor EE confessou que aceitou, aquando da negociação da compra da fração, que esta não teria painéis solares;
- O autor GG confessou que a sua fração não tem painéis solares, não os reclamou, nem isso foi falado na compra;
- O autor AA confessou que constava do contrato-promessa relativo à sua fração que nesta não seriam colocados painéis solares;
- O autor BB confessou que a sua fração não tem painéis solares e que sabia que não iriam ser colocados, logo aquando da escritura;
- O autor JJ confessou que falou com o Sr. UU [construtor] sobre a colocação de painéis solares e ele disse-lhe que não era(m) obrigatório(s) e que não ia colocá-lo(s);
- O autor KK confessou que deu pela falta dos painéis solares quando foi viver para a fração;
- E o autor LL confessou que quando comprou a sua fração sabia que não tinha painéis solares.
Deste excerto resulta, não apenas, que os autores sabiam da não colocação dos painéis solares desde que adquiriram e/ou foram habitar as suas frações, mas, principalmente, que a colocação daqueles não foi acordada entre eles e a construtora-vendedora.
Aliás, apesar de ter dado como não provado o que consta daquele nº 39, o Mmo. Julgador a quo não deixou de referir, algo contraditoriamente, diga-se, na apreciação do pedido reconvencional deduzido pela 1ª ré [no sentido de «saber se os autores devem suportar o custo de instalação de painéis solares se os réus a isso forem condenados»], que «Os autores sabiam desde a compra que as habitações não teriam painéis solares. Logo, o preço das frações não contemplou a sua instalação. Pelo que os autores proprietários das habitações onde vierem a ser instalados os painéis pela 1ª ré devem suportar o respetivo custo: 2.500,00€ por fração autónoma” [pg. 28 da sentença recorrida].
Por isso, o nº 39 deve, por um lado, ser eliminado dos factos não provados e, por outro, ser aditado aos factos provados, com o nº 101, embora com uma redação não inteiramente coincidente com a que ali possuía, mas antes com a seguinte redação:
«101 – Entre os autores e a vendedora não foi acordada a colocação de painéis solares.».

Quanto ao aditamento relativo à certificação energética.
Pretende, por fim, a referida recorrente que seja aditado ao elenco dos factos provados um novo facto com as seguintes redações, em alternativa: «Os AA. tomaram conhecimento que a classificação energética atribuída foi D e que a classificação mínima legalmente exigida era B, aquando da entrega dos CE», ou «Dos CE consta a informação de que a classificação mínima legalmente exigida para os imóveis dos AA. era B».
Radica esta pretensão no que consta dos certificados energéticos relativos ao imóvel em apreço e suas frações.
Quanto à primeira alternativa proposta continua a valer o que já atrás se disse acerca da impossibilidade de se considerar que os autores tomaram conhecimento do teor daqueles CE quando os mesmos lhes foram entregues.
No que tange à segunda alternativa, consta efetivamente dos CE [nas notas explicativas apostas no item 2, pg. 1], preenchidos pela ora recorrente, uma informação em que se dá conta que «Os edifícios com licença ou autorização de construção posterior a 4 de julho de 2006, apenas poderão ter classe energética igual ou superior a B-».
Não obstante, entendemos não ser de deferir a pretensão da recorrente já que não é em função da informação que a mesma apôs naqueles CE que o tribunal [quer o tribunal a quo, quer agora este tribunal da Relação] determinará qual a classificação energética mínima que era imposta pela legislação aplicável, mas sim em função do que está estabelecido nesta mesma legislação. Trata-se, por conseguinte, de questão de direito [que demanda a interpretação da legislação aplicável] que não pode nem deve ser incluída no elenco dos factos provados.
Desatende-se, assim, o pretendido aditamento.

Em conclusão, a impugnação da matéria de facto apresentada pela 2ª ré procede apenas na parte relativa ao facto provado nº 55 que passa a ter a seguinte redação:
«O isolamento térmico de fachadas exteriores é reduzido a 4cm ao invés dos 6 cm do projeto e é ausente em faces expostas de lajes de cobertura.»;
E, bem assim, na parte atinente ao facto não provado nº 39, que se elimina de tal elenco, aditando-se, outrossim, aos factos provados um novo facto, com o nº 101, com a seguinte redação:
«Entre os autores e a vendedora não foi acordada a colocação de painéis solares.».

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2. Caducidade do direito dos autores relativamente à 1ª ré.
Passando às questões de direito, comecemos pelo recurso da 1ª ré [sociedade].
Esta insurge-se, em primeiro lugar [conclusões I a XXII das alegações], contra o segmento da sentença recorrida que desatendeu a exceção perentória da caducidade do direito dos autores. Entende que «A presente lide foi intempestivamente interposta pelos Autores, dado que quando a Petição Inicial foi apresentada já se tinha verificado a caducidade desse direito devendo, em consequência, a 1ª Ré ser absolvida do pedido, nos termos do art. 576º, nºs 1 e 3 do Cód. Proc. Civil».
Radica esta pretensão recursória nos seguintes motivos:
- Quanto aos alegados defeitos nas frações, os autores tomaram conhecimento dos mesmos quando as adquiriram e lhes foram entregues os CR e FT e quando passaram a habitá-las, pelo que a partir de então começaram a correr os prazos legais para a denúncia daqueles e instauração desta ação;
- Quanto aos alegados defeitos nas partes comuns, os condóminos reuniam todas as condições para procederem à denúncia desses defeitos desde 04.05.2012, data em que foi vendida a última fração, ou, pelo menos, desde 08.01.2013, data em que o autor JJ, em representação dos demais condóminos, denunciou vários defeitos nas partes comuns à 1ª ré;
- Quando denunciaram os defeitos já havia decorrido o prazo de um ano de que dispunham para o efeito e quando intentaram esta ação já tinham decorrido mais de três anos desde o conhecimento daqueles;
- Que uma coisa é o conhecimento dos defeitos, que os autores tinham desde as referidas datas, e outra coisa é o conhecimento dos fundamentos técnicos, dos quais apenas souberam com o relatório da EDENE.
Vejamos então.
A sentença recorrida começou por fixar o regime jurídico aplicável ao litígio entre os autores e a 1ª ré nos seguintes termos:
«Os 2º a 10º autores (desconsideramos a 11ª autora que desistiu dos pedidos) compraram à sociedade ré várias habitações do prédio sito na Travessa ... em ..., .... Estes autores compraram frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal e destinaram-nas a sua habitação, ou arrendaram (2ºs autores) ou emprestaram (7º autores) também para habitação.
O que significa que estamos perante contratos de compra e venda. Em que o vendedor é uma sociedade comercial que realizou a construção.
Consequentemente, ao caso aplica-se o regime especial da compra e venda de bens de consumo estabelecido pelo DL 67/2003, de 8/4, (republicado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05) por força dos seus artigos art. 1º-A, 1, e 1º-B.
Sublinhe-se que este estatuto de consumidor aplica-se não só aos autores condóminos como também ao próprio condomínio – cf. Acórdão STJ de 14/9/2023, disponível in www.dgsi.pt.».
Este enquadramento legal não vem posto em causa pela 1ª ré.
Não há dúvida de que o regime jurídico aplicável ao litígio ora em apreço, na parte relativa aos autores e a esta ré, é o consagrado na Lei nº 24/96, de 31.07 [Lei de Defesa do Consumidor] e no DL 67/2003, de 08.04 [relativo à Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela Relativas] [o DL 84/2021, de 18.10, que revogou o DL 67/2003, não é aqui aplicável ex vi do que prescreve o seu art. 53º nº 1, segundo o qual «As disposições do presente decreto-lei em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis e de bens imóveis aplicam-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor», o que, manifestamente, não é o caso, ante as datas em que as frações do edifício dos autos foram vendidas].
Ante as definições de consumidor que constam do art. 2º da Lei 24/96 e 1º-B al. a) do DL 67/2003 [republicado pelo DL 84/2008, de 21.05] e o que dispõe o nº 6 do art. 4º deste último DL, não há qualquer dúvida de que os 2ºs a 10º autores [a 11ª autora já não está em questão] são considerados consumidores para efeito de aplicação de tais diplomas – de acordo com o primeiro destes artigos consumidor é «todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios», ao passo que no segundo se diz que «Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por ‘consumidor’, aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho», acrescentando, ainda, o nº 6 do art. 4º do DL 67/2003 que «Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem».
Quanto ao condomínio, a jurisprudência vem sustentando que, na maioria dos casos, também deve ser considerado como consumidor face à definição plasmada nos dois preceitos indicados no parágrafo anterior, na medida em que “a palavra ‘aquele’ ou as palavras ‘todo aquele’ devem interpretar-se em termos de abranger associações ou comissões sem personalidade jurídica, e em termos de abranger o condomínio, pelo que há tão-só que enunciar o critério da qualificação do condomínio como consumidor” [Acórdão do STJ de 20.01.2022, proc. 1451/16.4T8MTS.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj].
Dúvidas surgem apenas quando nem todas as frações do condomínio são destinadas a um uso privado, não profissional. O douto aresto do STJ acabado de citar dá também resposta a esta questão. Depois de questionar se “Será porventura necessário que todas as frações do condomínio sejam destinadas a um uso privado, não profissional”, se é, ainda assim, necessário «que a maioria das frações autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional”, ou se “será suficiente (…) que uma das frações autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional, para que todo o condomínio seja qualificado como consumidor”, responde que entre as hipóteses colocadas deve dar-se preferência à última, “pela razão seguinte: [o] art. 1420.º, n.º 1, do Código Civil, diz que ‘cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício’. Os negócios jurídicos - p. ex., os contratos de compra e venda ou os contratos de empreitada - relacionados com as partes comuns do edifício devem ser considerados como negócios jurídicos de consumo desde que o proprietário, ou desde que algum dos proprietários, das partes comuns devesse ser qualificado como consumidor. Em consequência, os negócios jurídicos relacionados com as partes comuns devem ser considerados como negócios jurídicos do consumo desde que um dos condóminos seja um consumidor” [cita em defesa desta tese Jorge Morais de Carvalho, in Manual de Direito do Consumo, Almedina, 2013, pgs. 13-14 e Nuno Pinto Oliveira, in Contrato de Compra e Venda, vol. I, Introdução e Formação do Contrato, Gestlegal, 2021, pgs. 162-165; no mesmo sentido decidiram, designadamente, o Acórdão do STJ de 01.10.2024, proc. 24620/15.0T8PRT.P1.S1, disponível no referido sítio da DGSI e o Acórdão da Relação do Porto de 02.12.2021, proc. 11255/19.7T8PRT.P2, disponível in www.dgsi.pt/jtrp; em sentido diferente, defendendo que o condomínio só pode ser considerado consumidor se a maioria das frações tiver um destino não profissional (por ex., se forem destinadas a habitação), veja-se João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª ed. rev. e atualiz., Almedina, 2011, pgs. 211-212].
Como todas as frações que constituem o edifício administrado [quanto às partes comuns] pelo condomínio 1ª autor se destinaram a habitação [factos provados nºs 2 a 11], não restam então dúvidas de que também o condomínio é considerado consumidor para efeitos de aplicação dos diplomas atrás referenciados.
Quanto à 1ª ré, aqui em questão, é inequívoca a verificação do que está previsto nos arts. 1º-A nºs 1 e 2, 1º-B als. c) e d), 2º nº 1 e 6º nº 1 do DL 67/2003, na redação dada pelo DL 84/2008, de 21.05, na medida em que foi a construtora do imóvel integrado pelas frações em apreço e a vendedora destas aos 2ºs e seguintes autores.
Sendo inquestionável que o regime legal aqui aplicável é o previsto nos diplomas que se deixam citados, é também à luz dos mesmos que há que apreciar a exceção perentória da caducidade do direito dos autores invocada pela recorrente.
A resolução desta questão demanda a consideração do que dispõem os arts. 3º, 4º, 5º e 5º-A do DL 67/2003, na redação dada a alguns deles pelo Decreto-Lei 84/2008, de 21.05.
O art. 3º dispõe que «1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue. 2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.».
In casu estão em questão coisas imóveis [o edifício e suas frações], valendo, portanto, o prazo de cinco anos.
No art. 4º, sob a epígrafe «Direitos do Consumidor», estabelece-se, no que para aqui interessa, que «1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. 2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito (…).».
O art. 5º, por sua vez, fixa o prazo da garantia, dispondo que «1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel. (…) 7 - O prazo referido no n.º 1 suspende-se, a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens.».
O prazo de garantia constante do nº 1 deste preceito para a falta de conformidade nas coisas imóveis [prazo máximo permitido para a denúncia de defeitos] é, portanto, de 5 anos a contar da entrega do imóvel.
Abrimos aqui um breve parêntesis para dizer que, relativamente ao condomínio, administrador das partes comuns dos imóveis com várias frações [art. 1430º nº 1 do CCiv.], quando o construtor do edifício é também o vendedor das frações, como acontece aqui com a 1ª ré, existe jurisprudência constante e firme do STJ no sentido de que “o prazo de garantia dos defeitos [nas partes comuns, como é evidente, já que só delas cabe a administração ao condomínio] deve contar-se a partir da data da entrega e de que a data da entrega coincide com a data da constituição da administração do condomínio” [Acórdão do STJ de 20.01.2022, já atrás citado], na medida em que [a] entrega considera-se feita no momento em que o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos, correspondendo, assim, o ‘dies a quo’ a partir do qual se conta o início do prazo dos cinco anos à transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra”; e isto porque “[o] conceito de entrega relevante para efeitos do art. 1225.º, n.º 1, do Código Civil e do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redação do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, exige que a assembleia de condóminos disponha de autonomia para, perante o construtor/vendedor, poder reclamar os defeitos, o que é incompatível com uma situação em que este tenha ainda poderes de administração relativamente ao prédio” [mesmo aresto e, ainda, os Acórdãos do STJ de 31.05.2016, atrás mencionado e de 17.11.2021, proc. 8344/17.6T8STB.E1.S1, disponível no mesmo sítio da DGSI; neste diz-se, a dado passo, citando João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª edição, Almedina, 2020, pg. 222, que “Competindo à assembleia de condóminos e não a estes, individualmente considerados, decidir sobre o exercício dos direitos previstos no artº 1221º e 1223º do C.C. (apenas quanto aos danos sofridos pelo condomínio), não releva, para o desfecho da questão colocada, o momento em que são entregues aos condóminos as diversas frações autónomas, mas sim o momento em que esses órgãos passam a estar em condições para poderem exercer os referidos direitos. Decisiva deve ser, pois, a data em que o construtor fez a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos, o que só pode ter sucedido quando estes construíram a sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador”].
Como se diz – e bem – na sentença recorrida, «Esta solução deve, no entanto, ser corrigida quando a nomeação da primeira administração ocorrer muito depois de todas as frações terem sido vendidas e nenhuma relação tiver com a administração».
In casu sabe-se que as frações foram adquiridas pelos 2ºs e seguintes autores em 2011 e 2012, a última delas em 04.05.2012 [cfr. factos provados nºs 2 a 11], que também durante estes anos os mesmos foram residir nas frações adquiridas, à exceção de dois deles de que se desconhece quando tal aconteceu [facto provado nº 86] e que a primeira reunião da assembleia de condóminos ocorreu em 29.10.2015, nela tendo sido eleita a administração do condomínio [facto provado nº 100].
Tendo em conta o hiato temporal entre a data da venda da última fração e a data da constituição da administração do condomínio, escreveu-se na decisão recorrida que «A última fração foi vendida em 4/5/2012 e a primeira administração foi nomeada em 29/10/2015 com a finalidade, entre outras, de propor a presente ação. Ora, já antes houve movimentações dos condóminos para detetar e reclamar a correção dos defeitos. Na verdade, o parecer de engenharia civil junto à p.i. que refere que as primeiras visitas do técnico foram em Janeiro de 2015. Além disso, ficou demonstrado que em 8 de Janeiro de 2013 o condómino JJ em seu nome e dos condóminos, contactou o empreiteiro/1ª Ré e o arquiteto QQ, autor do projeto de arquitetura, (…) (Doc. 3 da contestação da 1ª ré), por causa de acabamentos na sua fração (“E”) e também nas partes comuns do empreendimento. Portanto, em 8 de Janeiro de 2013, quando as frações estavam todas vendidas, já alguém se apresentou em representação dos condóminos a reclamar acabamentos em partes comuns. Assim, 8/1/2013 será considerada a data em que as partes comuns foram entregues ao condomínio. Aí se iniciou o prazo de 5 anos de garantia previsto no art. 5º, 1.».
Não relevando para este efeito [cfr. Acórdão do STJ de 17.11.2021, atrás citado] o momento em que as diversas frações autónomas foram entregues aos condóminos [no caso, a última foi vendida em 04.05.2012], mas sim a data em que o construtor fez a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos [data que se desconhece e que cabia à ré provar], não colhe o argumento da recorrente constante da conclusão VIII das suas alegações, pelo que não há motivos para desconsiderarmos a data fixada na sentença recorrida como data em que as partes comuns foram entregues ao condomínio.
Finalmente, o art. 5º-A do DL 67/2003, na referida redação, com a epígrafe «Prazo para exercício de direitos», estabelece, nomeadamente, que: «1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado. 3 - Caso o consumidor tenha efetuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data. 4 – O prazo referido no número anterior suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objetivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor, com exceção da arbitragem. 5 - (…)».
Deste artigo resulta, no que releva para a economia dos autos, que, estando em causa defeitos [falta de conformidade, nos dizeres do preceito] em bens imóveis:
- a denúncia dos mesmos, a cargo do condomínio ou do terceiro adquirente consumidor, deve ser efetuada no prazo de um ano a contar da data em que foram detetados ou, acrescentamos nós, em que podiam ser por eles detetados em função da diligência exigida a um bonus pater familias;
- a ação com vista à eliminação ou reparação dos defeitos denunciados deve ser instaurada no prazo de três anos a contar da data da denúncia, sem prejuízo do que dispõe o nº 4 deste preceito.
Além disso, há que ter em conta o prazo de garantia de cinco anos, atrás referenciado, previsto no art. 5º nº 1, que exige que as desconformidades têm que ser obrigatoriamente denunciadas dentro deste prazo, sob pena de caducidade dos direitos previstos no DL 67/2003, nomeadamente dos direitos à sua eliminação ou reparação.

Aqui chegados é tempo de aferirmos se assiste ou não razão à recorrente quando sustenta que os defeitos não lhe foram atempadamente denunciados e que, por isso, o direito à eliminação e/ou reparação dos mesmos, peticionado pelos autores, se mostra caducado.
Os defeitos devem ser denunciados – a denúncia é uma “declaração de vontade unilateral, válida independentemente da forma que revestir (art. 219º) e, para ser eficaz, basta que chegue ao poder da contraparte ou seja dela conhecida (art. 224º, nº 1)” – de forma inequívoca, precisa e circunstanciada, para que vendedor-construtor [tendo em conta o que aqui acontece] possa determinar a respetiva natureza e importância, não sendo admitidas formas vagas de denúncia. A mera cognoscibilidade ou aparência do defeito não é suficiente para determinar o início da contagem do prazo de caducidade, assim como não basta a mera suspeita da sua existência para se iniciar o decurso de tal prazo, sendo necessário um conhecimento perfeito, efetivo e seguro da deficiência da obra por parte de quem pode denunciá-lo e exigir a sua eliminação/reparação [assim, Cura Mariano, ob. cit., pg. 90]. E quando a complexidade do defeito exija a necessidade de recurso a um técnico para determinar a sua existência e natureza do vício, só a partir do conhecimento do parecer deste técnico é que quem pode denunciá-lo está em condições de fazê-lo, começando só então a contagem do prazo de caducidade [cfr. Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 2001, pgs. 330-332 e 186-188].
A denúncia não é, no entanto, exigida em duas situações: i) quando o empreiteiro ou o vendedor-construtor tiver ocultado dolosamente a existência do defeito; ii) quando o mesmo tiver, dentro do prazo legal, reconhecido o defeito, reconhecimento que é possível por se estar no âmbito de direitos disponíveis – art. 331º nº 2 do CCiv.. No entanto, in casu não está em questão nenhuma destas exceções.
Quanto à tempestividade [ou não] da denúncia e da propositura desta ação, escreveu-se na sentença recorrida que:
«Quer relativamente ao condomínio quer quanto aos condóminos, a ação entrou dentro do prazo de garantia de cinco anos.
Há que ver se foram cumpridos os prazos de um ano para denúncia das desconformidades desde o seu conhecimento e de três anos para propositura da ação.
Não foram cumpridos os prazos quanto às desconformidades referidas nos art.s da p.i. com os nºs 19º, 20º e 21º, 26º, 66º.
Quanto às restantes desconformidades, foram observados os prazos de denúncia e propositura da ação. No que respeita em particular ás questões relacionadas com a falta de isolamento térmico do edifício (muito frio de inverno e muito quente de verão), o tribunal considera que só existiu efetivo conhecimento da desconformidade quando os condóminos souberam das conclusões do relatório da ADENE. Só então ficaram cientes que as habitações não foram construídas de acordo com o projeto nem obedeceram aos ditames legais.
O mesmo se passa quanto a realidades que embora conhecidas pelos condóminos, não se provou que soubessem que iam contra as normas legais. Por exemplo, os autores condóminos sabiam desde a compra que as habitações não teriam painéis solares. Contudo, relevante é determinar o momento em que ficaram sabedores de que isso violava as normas legais e o projeto de térmica. Ora, na ausência de prova em contrário, tal só sucedeu com o conhecimento do relatório da ADENE.
Pelo que também aqui o prazo de caducidade não se completou.».
Concordamos com esta fundamentação.
Os defeitos/desconformidades em análise não podem ser todos vistos pelo mesmo prisma.
Uns eram perfeitamente percetíveis aos autores logo que tomaram posse das frações que adquiriram ou pouco tempo decorrido após terem ido habitá-las e, no que diz respeito ao 1º autor, desde o momento justificadamente fixado na sentença recorrida – 08.01.2013 –, podendo, a partir de então, sem mais, ser denunciados no prazo legalmente estabelecido. É o caso dos defeitos/desconformidades alegados nos arts. 19º, 20º, 21º, 26º e 66º, como ali se diz. Isto porque, quanto a estes, bastava aos autores confrontarem tais situações [ausência de caldeira de aquecimento e águas sanitárias, revestimento da lavandaria em cimento pintado em vez de em cerâmica, inexistência de guarda da escada interior em inox nas habitações, audição dentro das frações das conversas da rua, porta principal de cada uma das frações com fraca vedação e vitrais contíguos constituídos por vidro simples] com o que constava dos mapas de acabamentos que lhes foram entregues [pelo menos, a alguns] com os contratos-promessa de compra e venda que celebraram, tanto mais que estes mapas [de que é exemplo o doc. nº 3, junto pelos autores em 05.04.2016 (há, ainda, outros mapas de acabamentos juntos nesta data)] são perfeitamente percetíveis ao cidadão comum, diversamente do que acontece com os certificados energéticos (CE) e fichas técnicas (FT) que, como se disse atrás, têm natureza essencialmente técnica e linguagem própria de técnicos das áreas relacionadas com a construção civil, não acessível ao cidadão comum.
Quanto a estes defeitos, os autores não os denunciaram no prazo de um ano após o seu conhecimento, pelo que, como decorre da sentença, caducou o direito destes de os verem eliminados/reparados.
Mas quanto aos demais, as desconformidades só podiam ser aferidas em função de parecer técnico, já que a sua constatação demandava a comparação entre o que se mostrava construído/implantado na obra [no imóvel e suas frações] e o que estava previsto nos projetos das especialidades [designadamente, construção civil, térmica e acústica] e/ou o que impunha a legislação vigente ao tempo da entrada dos projetos na competente Câmara Municipal [para aprovação e licenciamento da obra]. Quanto a estes, só com a receção dos relatórios da ADENE, a que recorreram, é que os autores ficaram efetivamente a saber que havia desconformidades, nuns casos, relativamente ao que estava previsto nos aludidos projetos e, noutros, por inobservância das exigências construtivas legais. E isto apesar de alguns deles – de que é exemplo, a inexistência de painéis solares, como refere a sentença – até terem sido constatados [ou eram constatáveis] pelos autores desde que passaram a habitar as frações [ou pouco tempo depois disso], pois, mesmo nestas situações, os autores não sabiam que estavam em desconformidade com o que os projetos e/ou a legislação aplicável exigiam. Só ficaram a saber da sua desconformidade com o(s) referido(s) parecer(es) técnico(s).
Não tem, por isso, razão a recorrente no que alega nas conclusões XVI e XVII, pois os autores só tomaram efetivo conhecimento das desconformidades [exceto das atrás mencionadas em primeiro lugar] relativamente aos projetos e/ou à legislação que então vigorava com o recebimento do dito parecer/relatório. Só a partir daí é que, fundadamente, estavam em condições de denunciar tais desconformidades/defeitos e exigir judicialmente a sua eliminação ou reparação.
E também não colhe a argumentação expendida nas conclusões XIX, XX e XXI, não só, ou nem tanto, por não ter ficado provado que os autores [2ºs e seguintes] tenham lido ou tenham tomado conhecimento do teor dos certificados energéticos e das fichas técnicas emitidos pela 2ª ré depois da conclusão da obra [remete-se para o que atrás dissemos a este respeito no item relativo à apreciação da impugnação da matéria de facto], mas sim, e principalmente, porque mesmo que os tivessem lido ou tivessem tido conhecimento do seu conteúdo continuariam, ainda assim, sem saber que a obra [as frações e as partes comuns do edifício] comportava desconformidades [e quais] relativamente aos projetos apresentados na edilidade competente e/ou às exigências edificativas impostas pela legislação então vigente. Isto porque de tais CE e FT não consta qualquer referência expressa no sentido de que o que neles é mencionado [quanto às componentes que integram cada um dos pontos neles analisados] corresponde (a) ou integra desconformidades relativamente àqueles projetos e/ou legislação aplicável; apenas nas observações e notas apostas no final dos CE se faz uma breve e muito ambígua menção a «valores limites regulamentares», ainda assim insuficiente para que um cidadão médio pudesse ficar a saber que havia desconformidades [e quais] relativamente aos projetos e/ou às exigências legais [diz-se ali que «as melhorias propostas conduzem a uma melhoria bastante significativa do desempenho energético do edifício, conduzindo-o a uma classe B-, não sendo suficientes para que o edifício cumpra na totalidade os valores limites regulamentares, nomeadamente no que se refere às necessidades nominais de energia útil para aquecimento (…)»].
Deste modo, tendo os ditos relatórios da ADENE sido elaborados em novembro de 2014 [o de acústica] e em dezembro de 2015 [os dois restantes], a ação sido intentada em 27.02.2016 e a 1ª ré sido citada em 13.04.2016 [cfr. A/R junto aos autos], manifesto é que não existe fundamento para alterar o que a 1ª instância decidiu acerca da caducidade dos direitos de denúncia e de interposição da presente ação [procedente quanto às desconformidades referidas nos arts. 19º, 20º, 21º, 26º e 66º da p. i. e improcedente quanto às demais], sendo certo que competia aos autores [condomínio e adquirentes das frações] a prova da existência das desconformidades/defeitos e que procederam à respetiva denúncia à 1º ré – prova que fizeram –, ao passo que a esta última cabia o ónus da prova de que a denúncia foi feita depois de expirado o prazo legal [de um ano após o conhecimento dos defeitos pelos autores, conhecimento que in casu ocorreu, repete-se, apenas quando estes tiveram conhecimento dos relatórios elaborados pela ADENE] e/ou de que a presente ação não foi por aqueles instaurada no prazo legalmente estabelecido para o efeito [três anos após a data da denúncia] – prova que, claramente, não fez. Isto porque estando o exercício destes dois direitos sujeito a termo final [a denúncia só pode ser exercida e a ação tem de ser proposta nos prazos atrás assinalados], era ao vendedor-construtor [no caso a 1ª ré] que, de acordo com o estabelecido na parte final do nº 3 do art. 343º do CCiv., cabia provar o vencimento de tais prazos [cfr, i. a., João Cura Mariano, obr. cit., pgs. 91-92 e Acórdão do STJ de 26.10.2010, proc. 571/2002.P1.S1., disponível in www.dgsi.pt/jstj].
Improcede, assim, esta parte do recurso da 1ª ré.

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3. Responsabilidade exclusiva da 2ª ré pelas anomalias e deficiências da obra.
A 1ª ré defende, ainda, que a responsabilidade pela eliminação/reparação das desconformidades apuradas é exclusivamente da 2ª ré, por ter tido «a direção da empreitada» e ter sido «a autora de todos os projetos de especialidade» e, bem assim, porque a mesma «não cumpriu as suas funções na obra», ao passo que ela [1ª ré] «construiu as frações respeitando todos os requisitos legais e em observância das adequadas técnicas de construção civil» [conclusões B – XXIII a XXVI das alegações].
Neste ponto seremos muito breves, sintetizando a manifesta falta de razão da recorrente em quatro fundamentos.
Em primeiro lugar, porque a presente questão se apresenta como questão nova que só agora, em sede recursória, é, pela primeira vez, invocada pela 1ª ré, pois não a suscitou na contestação que deduziu. Como tal, e por não se tratar de questão de conhecimento oficioso, este tribunal da Relação não tem de se pronunciar sobre ela, em obediência ao que decorre da conjugação do disposto nos arts. 608 nº2 e 627º nº 1 do CPC [cfr., i. a., Acórdão do STJ de 08.10.2020, proc. 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, que decidiu que (sumário): “I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. II - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.”].
Em segundo lugar – caso não se tratasse de questão nova –, porque a responsabilidade do construtor-vendedor, no caso, a 1ª ré, resulta diretamente do que se encontra estatuído no DL nº 67/2003, na redação indicada, que disciplina a responsabilidade contratual daquele perante o(s) consumidor(es) que aqui são o condomínio e os condóminos autores.
Em terceiro lugar, porque o alegado pela 1ª ré nas aludidas conclusões poderia, eventualmente, relevar no âmbito das relações contratuais estabelecidas entre ela e a 2ª ré, que não estão em causa nos autos, mas sem contender com a responsabilidade, também de natureza contratual [como vimos no ponto anterior], daquela 1ª ré perante os autores pelas desconformidades verificadas nas frações e partes comuns do prédio que construiu e lhes vendeu [aos 2ºs e seguintes autores], por esta radicar diretamente no diploma legal referido no parágrafo anterior.
Por fim, em quarto lugar, porque o substrato fáctico que a recorrente alega em defesa da sua tese não encontra respaldo na factualidade que vem dada como provada, como claramente resulta dos factos provados nºs 31 a 33 [quanto à classificação energética: diferença sensível entre o que constava do projeto da especialidade elaborado pela 2ª ré e a obra executada pela 1ª ré], 34 a 44 [desconformidades entre o que foi executado em obra e o que estava estabelecido no projeto aprovado pela edilidade e/ou era exigido pela legislação então vigente], 46 [tratou-se de alterações ao projeto levadas a cabo durante o decorrer da obra que foi executada pela 1ª ré], 77, 78, 79 [a 2ª ré, apesar de ter assumido a direção e fiscalização da obra, não a acompanhou devidamente] e 81 [as alterações relativamente aos projetos foram executadas pela 1ª ré sem conhecimento da 2ª ré].
Improcede, por isso, também este segmento do recurso da 1ª ré.

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4. Litigância de má fé por parte dos autores.
A 1ª ré pugna, por fim, pela condenação dos autores como litigantes de má fé esgrimindo a seguinte argumentação:
«XXXI - Como expressamente se colhe da douta sentença “Os autores sabiam desde a compra que as habitações não teriam painéis solares. Logo, o preço não contemplou a sua instalação” tendo, por isso, sido julgada totalmente procedente a reconvenção apresentada pela 1ª Demandada/Recorrente.
XXXII - Os Autores, mesmo tendo ciência que a instalação de painéis solares não constava das obrigações do empreiteiro, deduziram pretensão nesse sentido, cuja falta de fundamento não podiam ignorar, utilizando este processo indevida e deliberadamente para se locupletarem à custa da 1ª Ré.
XXXIII - O Tribunal ‘a quo’ não ajuizou também adequadamente a questão suscitada neste âmbito, pois concluiu pela inexistência de litigância de má-fé quando se impunha (e impõe) o inverso.
XXXIV - Os Autores ao peticionarem o que conscientemente sabiam não terem direito, incorreram inequivocamente numa situação de litigância de má-fé, pelo que deveriam aqueles ter sido condenados nos termos formulados em 64 a 66 da Contestação da 1ª Ré, com os efeitos legais aplicáveis, por violação do art. 542º, nº 1 e 2, als. a) e c) do Cód. Proc. Civil e atento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 13/7/2021, no proc. nº 1255/13.6TBCSC-A.L1-A.S1 (disponível em www.dgsi.pt).».
Na sentença, esta pretensão foi julgada improcedente com a seguinte [muito] sucinta fundamentação:
«10ª questão – litigância de má-fé dos autores
Esta foi uma questão invocada pela 1ª ré. Obviamente, dando-se razão em parte substancial aos pedidos dos autores, inexiste qualquer litigância de má-fé.».
Vejamos.
Dispõe o art. 542º do CPC [que tem por epígrafe «Responsabilidade no caso de má-fé – noção de má fé»] que:
«1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 – (…).».
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa [in Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 3ª ediç., reimp., 2025, Almedina, pg. 641], “A lei não coloca entraves irrazoáveis à introdução em juízo de pretensões ou meios de defesa, nem consente que se faça do direito de ação uma interpretação correspondente a uma verdadeira petição de princípio, segundo a qual o acesso aos tribunais estaria reservado apenas aos que tivessem razão. Se um dos objetivos do exercício do direito de ação é o reconhecimento de uma situação jurídica tutelável, o recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado. Ao invés, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência, a não ser que alguma das partes aja violado as regras e princípios básicos por que devem pautar a sua atuação processual (…). Assim, não deve confundir-se litigância de má-fé com: a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo; b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (…)”.
No fundo, como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 05.04.2022 [proc. 550/20.2T8STS.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp], “[o] instituto da litigância de má fé acautela um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça (esse o seu fundamento ético), destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má fé processual: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial” [cfr. também, em sentido idêntico, o Acórdão da Relação do Porto de 28.04.2025, proc. 2331/21.7T8LOU.P1, disponível no mesmo sítio da dgsi].
No preceito atrás transcrito estão compreendidos duas formas deste tipo de litigância: uma de cariz substancial, que engloba as situações previstas nas als. a) e b), e outra de cariz instrumental, abarcando as situações enquadráveis nas als. c) e d), todas do nº 2. A primeira “relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual”. A segunda ”abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido por si mesmo”. Tal significa que “só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de mé fé” [Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2001, Coimbra Editora, pg. 196; cfr. também Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol. I, 2ª ed., Almedina, pgs. 163-164, que também refere que a má-fé processual “pode ser substancial ou instrumental: - substancial, se a conduta das partes se subsumir na previsão da al. a) ou da al. b); instrumental, se a conduta se conduzir a uma qualquer das situações configuradas nas alíneas c) e d), todas essas alíneas do citado nº 2 do art. 542º (…)“].
No caso está apenas em questão uma das muitas desconformidades/deficiências invocadas pelos autores na petição inicial cuja eliminação/reparação requereram: a relativa aos painéis solares. E a suscetibilidade de a conduta dos autores preencher a previsão das als. a) ou b) do nº 2 do referido art. 542º.
Ora, é verdade que, na decisão da 6ª questão [«se os autores devem suportar o custo de instalação de painéis solares se os réus a isso forem condenados»], se diz na sentença recorrida que «Os autores sabiam desde a compra que as habitações não teriam painéis solares. Logo, o preço das frações não contemplou a sua instalação.», circunstancialismo fáctico que assentou nas confissões espontâneas dos autores nos depoimentos de parte que prestaram na audiência final, como se afere da leitura das respetivas assentadas constantes das três primeiras atas desta.
Mas também está assente que o projeto que estava aprovado pela Câmara Municipal ... previa a instalação obrigatória de tais painéis solares térmicos e que esta instalação era, igualmente, imposta pela legislação que então vigorava, e que a 1ª ré não os colocou no prédio e frações em questão – cfr. factos provados nºs 36 – d), 39, 40 e 61. E tais exigências [do projeto e da legislação] também são mencionadas no relatório térmico da ADENE [um dos atrás referidos] que deu conta aos autores das efetivas desconformidades que as frações e as partes comuns apresentavam, relatório esse que esteve na origem da denúncia dessas desconformidades e na instauração desta ação.
Daqui decorre que embora os autores soubessem, desde a aquisição das frações, que estas não teriam tais painéis solares, a verdade é que eles estavam previstos no projeto aprovado e a sua instalação era imposta pela legislação então vigente e disso foram eles informados quando tomaram conhecimento do aludido relatório da ADENE.
Perante esta realidade fáctica não se apresenta inequívoco que os autores tenham agido com dolo ou negligência grave na pretensão que formularam na p. i. no que concerne à problemática dos painéis solares; fizeram-no, muito provavelmente [tudo o indica], por terem ficado sugestionados pelo resultado daquele relatório que lhes terá criado expetativas de, não obstante o que haviam acordado com a ré construtora [e vendedora], poderem obter, ainda assim, porque tal constava do projeto aprovado e era imposto pela legislação considerada naquele relatório, a instalação dos ditos painéis solares. E daí que, quando lhes foi perguntado, no âmbito dos seus depoimentos de parte, o que tinham acordado com a referida ré, espontaneamente disseram que a instalação dos painéis solares não tinha sido convencionada.
Podemos, assim, concluir que terá havido alguma negligência da parte dos autores ao peticionarem o que sabiam a que não tinham direito, mas tal negligência apresenta-se bastante esbatida face à expetativa que lhes foi criada pelo citado relatório, elaborado por entidade de credenciada competência técnica [conforme certificação que consta dos relatórios da ADENE]. Mas, perante tal quadro fáctico, não é lícito concluir-se que os demandantes tenham agido com negligência grave, nem, muito menos, com dolo. Houve apenas negligência leve, insuficiente para funcionamento do instituto da litigância de má-fé.
Como tal, entendemos que a atuação dos autores, no segmento questionado pela recorrente, não integra a previsão das alíneas do nº 2 do art. 542º do CPC, particularmente das als. a) ou b).
Improcede, por conseguinte, também esta parte do recurso da 1ª ré.

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5. Ilegitimidade do autor Condomínio.
Passando ao recurso da 2ª ré [do qual já analisámos atrás a impugnação da matéria de facto, que integra as conclusões i) C a CC das alegações desta recorrente], importa atentar, em primeira linha, na exceção dilatória ora em epígrafe.
Segundo alega, «Incumbia ao autor Condomínio provar que a assembleia deliberou propor a ação judicial contra a ora recorrente (artigo 342º do C.C.) e, por conseguinte, que atribuiu mandato/poderes ao Administrador para intentar a ação contra esta» e «Não tendo feito tal prova, é seguro que o Administrador do Condomínio (órgão executivo), não tinha mandato ou poderes para intentar a presente ação contra a ora recorrente, em representação do Autor Condomínio, tendo extravasado o âmbito da deliberação – artigo 1436º, alínea h) CC.». Além disso, entende que «Resulta do disposto no artigo 1437º do C.C., na redação dada pela Lei 8/2022, sob a epígrafe “representação do condomínio em juízo” o seguinte: “1 - O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele. (…)”» e que «Tendo o Tribunal a quo dado como não provado, por referência à PI, que “os condóminos deliberaram propor esta ação contra a Segunda Ré.” – vide ponto 1 dos factos não provados - deveria ter aplicado o disposto no artigo 1437º C.C., com a nova redação dada pela Lei 8/2022, o que não fez, pelo que, fez errada aplicação do Direito.». Pretende, por isso, a revogação da sentença recorrida nesta parte e que se declare o Condomínio como parte ilegítima na ação, quanto a ela, 2ª ré.
Sobre esta questão decidiu-se no despacho saneador:
«Da ilegitimidade do autor “Condomínio”:
A presente ação é intentada não só pelo autor “Condomínio” mas também pela totalidade dos próprios condóminos, proprietários das frações.
Nesse enquadramento, temos por seguro que da própria propositura, nesses termos, da presente ação, decorre que o autor “Condomínio” está autorizado a intentá-la, também, contra a 2ª ré.
Por outro lado, importa ter presente que de acordo com o disposto no art.º 30 do CPC, o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar e o réu também o será quando tenha interesse direto em contradizer. Este interesse em demandar e contradizer exprime-se pela utilidade e prejuízo que, respetivamente, possam advir da procedência da ação (n.º 2). O n.º 3 do normativo acima citado esclarece que, na ausência da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor. Este interesse – que redunda, afinal, nas vantagens e desvantagens que podem derivar da sorte da lide –, deve ser aferido pelo pedido e causa de pedir aduzida na petição inicial, ou seja, de acordo com a relação jurídica controvertida tal como desenhada pelo autor, independentemente do mérito da sua pretensão ou da prova que se logre produzir.
Ora, analisada a petição inicial, e conforme já acima referimos, os autores alegam, no artigo 29 desse articulado, que o túnel técnico existente nas traseiras das habitações é comum a todas elas, ou seja, constitui uma parte comum que legitima a intervenção do autor “Condomínio”.
Assim, de acordo com a relação material controvertida tal como delineada pelos autores, conclui-se pela existência de legitimidade processual do réu “Condomínio” (que não se confunde com a sua legitimidade substantiva, já que esta dependerá da prova a produzir), improcedendo, em consequência, a exceção invocada.
As partes são assim, todas elas, legítimas.».
Apreciemos a questão.
Embora a ação tenha sido instaurada em 27.02.2016 [como se afere do histórico do processo eletrónico], é aqui aplicável, quanto à questão em análise, a redação atual do art. 1437º do CCiv., na medida em que o art. 8º da Lei nº 8/2022, de 10.01, que o alterou, determina que «A alteração ao artigo 1437.º do Código Civil é imediatamente aplicável aos processos judiciais em que seja discutida a regularidade da representação do condomínio, devendo ser encetados os procedimentos necessários para que esta seja assegurada pelo respetivo administrador.».
Dispõe este normativo que:
«1 - O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
2 - O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
3 – (…)».
O que está em questão neste preceito não é, propriamente, a legitimidade processual [a legitimidade ad causam], mas sim a legitimatio ad processum, estabelecendo o mesmo que a representação do condomínio em juízo incumbe ao respetivo administrador [o condomínio possui personalidade judiciária, conferida pela al. e) do art. 12º do CPC, mas, carecendo de um suporte físico, a sua capacidade judiciária tem de ser assegurada por quem o representa, que, de acordo com este artigo, é o seu administrador, sendo certo que mesmo que não o dissesse expressamente, sempre tal representação encontraria respaldo no que dispõe o art. 26º do CPC].
O administrador pode agir por direito próprio, sem necessidade de mandato conferido pela assembleia de condóminos, quando estejam em causa atos para os quais a lei [o CCiv. ou legislação avulsa] lhe confere diretamente poderes. Entre estes conta-se o previsto na al. g) do nº 1 do art. 1436º do CCiv., que diz respeito à realização dos «atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns».
Há quem sustente que esta norma deve ser interpretada extensivamente, em função da posição do administrador na organização administrativa e do carácter autónomo da sua atividade, defendendo que tendo ele o poder-dever de realizar as medidas cautelares adequadas a evitar prejuízos na coisa comum e podendo, por via disso, propor ações para obter o ressarcimento dos danos causados nas partes comuns do edifício condominial, deve também reconhecer-se-lhe o direito de, designadamente, poder exigir a eliminação dos defeitos, nos termos dos arts. 1221º e 1225° do CCiv.. Entende-se, nesta orientação, que este poder se integra ainda no âmbito dos atos conservatórios atribuídos ao administrador de condomínio, estando compreendido na esfera da sua administração ordinária [assim, Sandra Passinhas, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª edição, pgs. 320 e segs.].
Apesar de acolhida em alguns acórdãos, este entendimento não é, no entanto, seguido pela maioria da doutrina e da jurisprudência nacional que consideram que os atos conservatórios previstos na al. g) do nº 1 do citado art. 1436º são os que nada resolvem em definitivo, que não comprometem o futuro e visam apenas manter uma coisa ou um direito numa determinada situação. Para esta corrente, a instauração de uma ação pelo condomínio, representado pelo administrador, contra o construtor do edifício ou contra outros responsáveis, para eliminação ou reparação de defeitos em partes comuns, exige sempre autorização dos condóminos ou disposição regulamentar que a autorize. Isto porque entende por atos conservatórios apenas os que são adequados a evitar a degradação ou destruição do conjunto de elementos que integram as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal [assim, por ex., Henrique Mesquita, in A Propriedade Horizontal, RDES, ano XXVI, pg. 132, nota 124 e Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, Almedina, pág. 199 e Acórdãos desta Relação do Porto de 24.10.2019, proc. 1406/18.4T8GDM.P1 (que, neste ponto, temos seguido de perto) e de 12.11.2012, proc. 1364/09.6TBPRD.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Coimbra de 01.02.2022, proc. 2281/20.4T8LRA-A.C1 e de 06.11.2012, proc. 2562/08.5TBLRA-C1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrc].
Por isso, considera-se que os atos conservatórios dos direitos dos condóminos que podem ser praticados em juízo pelo administrador são as ações possessórias [arts. 1276º a 1286º], ou seja as ações de prevenção, manutenção e restituição da posse, e as que se destinam a interromper os prazos de prescrição e de usucapião, mas não já as ações destinadas à reparação ou eliminação de defeitos de construção nas partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal, pois para a instauração destas o administrador tem de estar mandatado/autorizado pela assembleia de condóminos, na medida em que esta situação ultrapassa as funções que incumbem ao administrador, não se enquadrando na previsão da al. g) do nº 1 do citado art. 1436º [assim, também, Soraia Filipa Correia Alves Soares, in As funções (ilimitadas) e a responsabilidade civil do administrador de condomínios, dissertação de mestrado, FDUC, maio 2018, pgs. 39-40].
Consideramos esta corrente doutrinária e jurisprudencial mais consentânea com os dizeres da referida alínea do nº 1 do art. 1436º e com o conceito de «atos conservatórios». Por isso, também a perfilhamos.
Aqui chegados poderia pensar-se que não tendo havido deliberação dos condóminos a conceder poderes de representação ao administrador do condomínio, como decorre do facto não provado nº 1, se imporia a procedência desta questão do recurso da 2ª ré e que o autor condomínio teria de ser declarado parte ilegítima.
Temos como certo que esta seria a solução se a parte ativa da ação fosse ocupada apenas pelo condomínio, representado pelo seu administrador, por só estarem em causa defeitos nas partes comuns do prédio dos autos.
Mas não é isso que acontece. A ação foi intentada pelo condomínio, relativamente aos defeitos nas partes comuns, e por todos os condóminos, no que diz respeito aos defeitos existentes nas frações autónomas.
Ora, esta demanda conjunta por parte de todos os condóminos e do condomínio, representado pelo seu administrador e, bem assim, a passagem de procuração ao ilustre mandatário que os patrocina, também por todos assinada [procuração junta aos autos em 02.04.2016], traduzem uma verdadeira concessão, por parte da totalidade dos condóminos, de poderes de representação ao condomínio e seu administrador para a propositura da ação para os referidos efeitos, quer contra a construtora-vendedora, quer contra a 2ª ré, ora recorrente.
Neste concreto circunstancialismo é nosso entendimento que não é de exigir a dita deliberação da assembleia de condóminos, pois a vontade de todos eles está claramente manifestada com aquela demanda conjunta e a também conjunta passagem de procuração ao mandatário que patrocina todos os autores.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, impõe-se a improcedência deste segmento do recurso da 2ª ré.

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6. Prescrição do direito dos autores relativamente à 2ª ré.
Seguindo a ordem exigida pelo art. 608º, ex vi do art. 663º nº 2, ambos do CPC, há agora que apreciar a exceção perentória da prescrição do direito dos autores no que concerne ao que reclamam desta ré recorrente [conclusões V. MM a RR].
Esta entende que «deve-se considerar a data de 08/01/2013 ou 04/03/2013 como a data para o início da contagem do prazo de prescrição e, desde então e até à citação da Recorrente, em 29/06/2016, decorreram mais de 3 anos, pelo que se conclui que o direito dos autores à indemnização / reparação /eliminação dos defeitos quer nas partes privativas (frações) quer nas partes comuns se encontra prescrito nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 498º do CC.».
Não foi este o entendimento do tribunal a quo.
Este decidiu esta questão assim:
«8ª questão - se está prescrito o direito dos autores perante a 2ª ré
Dispõe o art. 498º CC que:
“1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.”
Pois bem, a responsabilidade da 2ª ré decorre do incumprimento dos seus deveres enquanto projetista, diretora de obra e diretora de fiscalização da obra. O conhecimento dos autores sobre esses incumprimentos decorre da tomada de conhecimento dos relatórios da ADENE, de acústica e de engenharia civil.
A 2ª ré foi citada em 29/6/2016. Muito antes do decurso do prazo de três anos sobre o conhecimento dos relatórios que são de 2014 (de acústica) e de 2015 (os outros dois).
Portanto, a sua responsabilidade não está prescrita.».
Face ao que se disse atrás, na apreciação da matéria de facto impugnada por esta recorrente [item 1 deste ponto IV do acórdão] e, sobretudo, na análise da exceção perentória da caducidade do direito de ação arguida pela 1ª ré [item 2 deste mesmo ponto IV], a solução desta questão apresenta-se linear.
Quanto a esta ré, como já assinalámos, está em causa a responsabilidade civil extracontratual, já que entre ela e os autores não se interpôs a celebração de qualquer contrato.
Vale, por isso, quanto à prescrição o que estabelece o art. 498º nº 1 do CCiv., que fixa em três anos o prazo de exercício do direito fundado nesta modalidade da responsabilidade civil [o nº 3 prevê prazo mais longo para os casos em que o facto ilícito constitui crime, não estando este prazo alargado aqui em questão].
Quanto ao início do prazo, diz-se ali que o mesmo se conta desde a data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, a tal não obstando o desconhecimento da pessoa do responsável nem o da extensão integral dos danos.
Reconhece-se que foi intenção do legislador “aproximar, tanto quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificaram” ao fixar aquele prazo de três anos e ao dispensar o lesado, no início da contagem do mesmo, de conhecer o responsável e a extensão integral dos danos [Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed. rev. e atualiz., Almedina, pg. 650]. O que é necessário, para começo da contagem do prazo, é que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete [Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. rev. e atualiz., Coimbra Editora, pg. 503].
Ora, como dissemos na apreciação do item 2, os autores só tiveram conhecimento da generalidade dos defeitos descritos nos factos provados quando receberam os relatórios da ADENE. A exceção foram os defeitos referidos nos arts. 19º, 20º, 21º, 26º e 66º da petição inicial, cujo conhecimento foi anterior, mas que não estão aqui em questão como decorre da parte decisória atinente à 2ª ré, que não contempla a condenação desta a repará-los [cfr. a 2ª parte do item I do dispositivo da sentença recorrida]. Só com o recebimento de tais relatórios é que os autores ficaram a saber que nas suas frações autónomas e nas partes comuns havia diversas desconformidades relativamente ao que estava previsto nos projetos aprovados e ao que a própria legislação impunha em termos de soluções construtivas. Os relatórios da ADENE não serviram, como parece sustentar a recorrente, para determinar os responsáveis pelos defeitos nem a extensão destes, mas sim para que os autores ficassem a saber da existência dos próprios defeitos.
Por isso, não obstante o tempo decorrido desde as datas de aquisição das frações e da entrega das partes comuns ao condomínio [esta nos termos atrás indicados], o prazo de prescrição previsto no aludido normativo só começou a contar a partir do momento em que os autores tiveram conhecimento do teor daqueles relatórios, valendo aqui também, mutatis mutandis, o que já se referiu acerca da irrelevância, para este efeito, dos CE e FT que foram entregues aos autores no momento em que celebraram os contratos de compra e venda. Entendendo que os autores poderiam ter recorrido ao apoio da dita ADENE antes do momento em que o fizeram e que o decurso do tempo que mediou até então se teria devido a falta de diligência daqueles, cabia à ré fazer essa prova através de pertinente factologia, o que, claramente, não aconteceu.
Como os autores tiveram conhecimento daqueles relatórios em 2014 (de acústica) e em 2015 (os outros dois) [um dos relatórios tem a data de 11.11.2014 e os outros dois datam de dezembro de 2015, datas que a recorrente não põe em causa] e a 2ª ré foi citada, no âmbito desta ação, em 29.06.2016, é manifesto que, nesta data ainda não havia decorrido o mencionado prazo de prescrição de três anos.
Deste modo, o recurso desta recorrente improcede também nesta parte, não se acompanhando as doutas considerações constantes de pgs. 18 a 22 [e da conclusão 6ª, a pgs. 31] do parecer que a recorrente juntou aos autos, da autoria do ilustre Professor José Carlos Brandão Proença.

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7. Irresponsabilidade da 2ª ré por inexistência de lei que a fixasse à data do pedido de licenciamento e/ou por inexistência de nexo causal.
Neste âmbito, a 2ª ré insurge-se contra o enquadramento, operado na sentença recorrida, da sua responsabilidade ao abrigo da Lei nº 31/2019, por tal diploma ter entrado em vigor depois da apresentação do pedido de licenciamento na CM ... e não ser, por isso, na sua ótica, aplicável ao caso, defendendo, outrossim, que à data vigorava o RJUE, aprovado pelo DL 555/99, que não continha qualquer norma sobre a responsabilidade dos técnicos [conclusões II a LL das suas alegações] e, ainda, por considerar que não ficou demonstrado o necessário nexo causal entre as omissões que lhe são imputadas e os danos [defeitos/desconformidades] invocados pelos autores [conclusões SS a VV das mesmas alegações].
Sobre esta questão, a pronúncia da sentença recorrida foi a seguinte:
«7ª questão - enquadramento jurídico da eventual responsabilidade da 2ª ré;
A 2ª ré elaborou os projetos das especialidades de estruturas, isolamento acústico e isolamento térmico e de distribuição e drenagem de águas e saneamento. E assinou os termos de responsabilidade necessários à execução desses projetos.
Para além disso, a 2ª ré assumiu, também, a direção da obra e a direção da fiscalização da obra, mas não a acompanhou devidamente, nunca relatou qualquer desconformidade com o projeto, qualquer vício de construção ou qualquer outro tipo de defeitos.
Dispõe o art. 14º, 1, da Lei nº 31/2009, de 3/7, que entrou em vigor em 1/11/2009, como deveres do diretor da obra:
“1 - Sem prejuízo do disposto na legislação vigente, o diretor de obra fica obrigado, com autonomia técnica, a:
a) Assumir a função técnica de dirigir a execução dos trabalhos e a coordenação de toda a atividade de produção, quando a empresa, cujo quadro de pessoal integra, tenha assumido a responsabilidade pela realização da obra;
b) Assegurar a correta realização da obra, no desempenho das tarefas de coordenação, direção e execução dos trabalhos, em conformidade com o projeto de execução e o cumprimento das condições da licença ou da admissão, em sede de procedimento administrativo ou contratual público;”
Quanto ao diretor de fiscalização da obra, o art. 16º, 1, da mesma Lei prevê:
“1 - O diretor de fiscalização de obra fica obrigado, com autonomia técnica, a:
a) Assegurar a verificação da execução da obra em conformidade com o projeto de execução, e o cumprimento das condições da licença ou admissão, em sede de procedimento administrativo ou contratual público, bem como o cumprimento das normas legais e regulamentares em vigor;
b) Acompanhar a realização da obra com a frequência adequada ao integral desempenho das suas funções e à fiscalização do decurso dos trabalhos e da atuação do diretor de obra no exercício das suas funções, emitindo as diretrizes necessárias ao cumprimento do disposto na alínea anterior;”
No art. 19º desse diploma está prevista a responsabilização dos técnicos pelo incumprimento dos seus deveres:
“1 - Os técnicos e pessoas a quem a presente lei seja aplicável são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros decorrentes da violação culposa, por ação ou omissão, de deveres no exercício da atividade a que estejam obrigados por contrato ou por norma legal ou regulamentar, sem prejuízo da responsabilidade criminal, contraordenacional, disciplinar ou outra que exista.
(…)
4 - A responsabilidade civil prevista na presente lei abrange os danos causados a terceiros adquirentes de direitos sobre projetos, construções ou imóveis, elaborados, construídos ou dirigidos tecnicamente pelos técnicos e pessoas indicados no n.º 1.”
Pelo que a 2ª ré é responsável perante os autores por força deste artigo 19º. A sua responsabilidade é extracontratual por factos ilícitos (art.s 483º e ss CC) - nesse sentido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/1/2020, in www.dgsi.pt.
Não é uma responsabilidade contratual, pois nenhum contrato firmou com os autores responsabilidade desta não é contratual.».
Apreciemos a questão.
Estamos de acordo com a modalidade da responsabilidade civil que ora pode estar em causa: a extracontratual por facto ilícito. Isto porque, como se diz na sentença, nenhum contrato foi celebrado entre os autores e a 2ª ré recorrente [sendo certo que os contratos são, em princípio, apenas eficazes entre os contraentes - nº 2 do art. 406º do CCiv.], além de que, acrescentamos nós, também não consta [nada está provado nesse sentido] que o(s) contrato(s) que a 2ª ré celebrou com a 1ª ré, assumindo a direção da obra e a direção de fiscalização da obra, tenha(m) eficácia de proteção de terceiros com fundamento na violação de deveres profissionais [quanto a esta figura contratual e sua distinção do verdadeiro contrato a favor de terceiro, previsto nos arts. 443º e segs. do CCiv., veja-se Carlos da Mota Pinto, in Cessão da Posição Contratual, coleção teses, Almedina, 1982, pgs. 419 e segs.].
Assente que está em causa a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, prevista nos arts. 483º e segs. do CCiv.., importa aferir se estão verificados os respetivos pressupostos.
Começando pelo primeiro pressuposto – o facto ilícito –, há que dizer, desde já, que não está aqui em causa a primeira modalidade indicada no nº 1 daquele art. 483º: a violação de direito de outrem. Isto porque nesta previsão estão compreendidos os direitos subjetivos que englobam, principalmente, os direitos absolutos - direitos de personalidade [direito à vida, à integridade física, à saúde, à honra e bom nome, etc.], direitos familiares, direitos sobre coisas/direitos reais, etc.. No caso, ao tempo em que terão ocorrido as omissões que são imputadas à ora recorrente, os autores não eram, ainda, titulares do direito de propriedade [nem de qualquer outro direito real] sobre cada uma das frações que adquiriram, nem do direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício, já que as aquisições só aconteceram depois de concluída a construção do imóvel [como se diz em Acórdão da Relação de Coimbra de 26.01.2010, proc. 1801/08.7TBCBR.C1, disponível no sítio da dgsi já indicado, “[o] instituto da responsabilidade civil, na tutela de posições jurídicas absolutas é um mecanismo de tutela estático, no sentido de visar a tutela de posições jurídicas já existentes: um imóvel com certa configuração, um certo direito de personalidade.”]. Por isso, não está aqui em questão a vertente da responsabilidade civil extracontratual reportada a direito de outrem.
Está sim em causa a segunda vertente: a violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Pessoa Jorge [in Ensaio sobre os pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pgs. 302 e segs.] depois de dizer que “[s]e tivesse sido intenção do artigo 483º cominar responsabilidade civil para a violação de ‘quaisquer normas jurídicas’, tinha de se concluir que a expressão usada naquele preceito era pleonástica, uma vez que todas as normas, por definição, protegem interesses que são alheios em relação ao destinatário do dever”. E acrescenta: “Ora, mandam as regras de interpretação que se presuma não ter o legislador usado expressões inúteis e haver consagrado as soluções mais acertadas (art. 9º, nº 3, do Cód. Civ.), pelo que nos parece que a intenção do artigo 483º, ao acrescentar as palavras ‘destinada a proteger interesse alheio’, foi restringir a menção feita a ‘qualquer disposição legal’».
E prossegue o mesmo Autor [transcrevem-se alguns excertos que relevam para o que aqui está em causa]: “Se as disposições legais a que o artigo 483º se refere não se destinam, portanto, a proteger os interesses ‘gerais’, isso significa que só visam tutelar os interesses de ‘algumas pessoas, embora delimitadas em termos abstratos, ou seja, por categorias’. (…) A disposição legal, cuja violação é contemplada no artigo 483º, tem de se reportar, pois, à proteção dos interesses de uma categoria de pessoas: o círculo dos interessados deve ser definido ‘em termos abstratos’. (…) Os interesses legalmente tutelados que, não constituindo direitos subjetivos, podem dar lugar a responsabilidade civil, são interesses comuns a um círculo limitado de pessoas e é à ‘proteção desses interesses que as normas em causa se destinam’. Esta ideia de a norma se ‘destinar’ a proteger os interesses permite-nos afirmar que o artigo 483º não quis reportar-se a lesão de interesses que só ‘reflexamente’ beneficiam da proteção legal. (…) Ora, só quando o fim da lei é proteger diretamente os interesses de certa categoria de cidadãos é que se integra a previsão do art. 483º, nº 1 (…). Deste modo, só a lesão de ‘interesses legítimos’ e não de ‘interesses reflexos’, pode dar origem a responsabilidade civil. (…) Se assim é, tem o lesado de se encontrar no círculo dos titulares do interesse cuja proteção a lei visou; fora desse círculo a proteção de eventuais interessados é também reflexa e como tal irrelevante.».
Concluindo então que: «Em face do exposto, podemos afirmar que o alcance real da inovação constante do artigo 483º é muito menor do que à primeira vista poderia parecer. Aliás, acresce que a responsabilidade civil só surgirá verificando-se todos os outros pressupostos que temos enunciado, o que na realidade diminui ainda mais o seu significado prático» [sobre esta problemática cfr., ainda, Mafalda Miranda Barbosa, in Lições de Responsabilidade Civil, Pincipia, 2017, pgs. 165 e segs. e Sinde Monteiro, in Responsabilidade por conselhos, pgs. 246 e segs., que consideram que os elementos essenciais para qualificação de uma norma como disposição legal de proteção de interesses alheios são os seguintes: i) tem de estar em causa uma norma legal, isto é, proveniente de um órgão estadual; ii) essa norma tem de proteger determinados interesses alheios, um especial círculo de pessoas, não bastando que vise a tutela de meros interesses gerais ou coletivos; iii) a norma deve proteger – proibindo ou impondo um comportamento – contra um especial risco (contra um determinado dano infligido de um certo modo). Com interesse, ainda, António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, tomo III, Almedina, 2010, pgs. 451 e segs.].
Delimitado o âmbito da segunda vertente/modalidade da ilicitude prevista no nº 1 do citado art. 483º, que releva para a economia dos autos, importa então determinar se existe norma que, por omissões dos diretores de obra ou dos diretores de fiscalização de obra, qualidades que a 2ª ré assumiu no âmbito das obras de construção do imóvel e frações dos autos [cfr. factos provados nºs 79 e 80], os responsabilize perante os terceiros adquirentes destes [e ao condomínio que administra as partes comuns] pelos danos neles causados.
A sentença recorrida considerou aplicável a Lei nº 31/2009, de 03.07, na sua versão original.
Este diploma, como ali se refere, entrou em vigor em 01.11.2009 [cfr. art. 29º nº 1 da Lei], ou seja, já depois do pedido de licenciamento de construção do imóvel dos autos ter sido apresentado na CM competente - 13.05.2008 [facto provado nº 92] -, sendo certo que no pedido de licenciamento de construção devem ser indicados aqueles diretores.
Suscita-se, por isso, a questão de saber se a mesma é aplicável ao caso sub judice.
É sabido que, em princípio, a lei só dispõe para o futuro – art. 12º nº 1 do CCiv.. Excetuam-se deste princípio geral, além da lei interpretativa de que dá conta o art. 13º, a lei que dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem. Neste caso, como fixa a parte final do nº 2 do mesmo preceito, a lei é de aplicação imediata às relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
A propósito dos dois segmentos do nº 2 do art. 12º do CCiv., ensina Baptista Machado [in Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, 1968, pgs. 356-357], que “a referência da 1ª parte do nº 2 à ‘validade’ de quaisquer factos tem de entender-se restrita aos verdadeiros ‘factos constitutivos’, designadamente aos atos jurídicos, uma vez que só destes se pode dizer que eles são válidos ou inválidos. Dos factos-pressupostos não pode predicar-se a noção de validade. Quanto aos ‘efeitos’ a que se refere esta 1ª parte, eles só podem ser o próprio efeito de constituição, modificação ou extinção duma SJ, ou os efeitos dos factos modeladores – isto é, os efeitos intrinsecamente modelados em função daqueles factos que são também factos constitutivos da SJ. Pois que, se se trata de consequências indiretas desses factos, dos direitos e deveres das partes ditados diretamente pela lei independentemente daqueles factos constitutivos – por outras palavras, de consequências referidas pela lei à ‘existência’ da SJ e não aos factos que lhe deram origem –, então estamos já em face daquelas normas a que se refere a 2ª parte do nº 2: de normas que dispõem ‘diretamente’ sobre o conteúdo das Ss Js.” [cfr., ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. rev. atualiz., pgs. 61-62, de cujo ensinamento decorre que estando em causa na lei nova as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc.), bem como os efeitos da respetiva invalidade, tem aplicação a 1ª parte do nº 2 do art. 12º; se, porém, a LN tratar do conteúdo de determinado direito já se mostra indiferente o facto que lhe deu origem, tendo aplicação o que dispõe a 2ª parte do mesmo nº 2].
A Lei nº 31/2009 reconduz-se à previsão da 2ª parte do nº 2 do citado art. 12º, pelo menos no que diz respeito aos efeitos do que nele se consagra às situações que estiverem pendentes à data da sua entrada em vigor. Isto em função do que se estabelece nos nºs 5 e 6 do seu art. 25º, que têm os seguintes dizeres: «5 - A entrada em vigor da presente lei não prejudica o exercício de funções como diretor de fiscalização de obra por pessoas que nessa data, não detendo as qualificações previstas na presente lei, tenham assumido essas funções e subscrito termo de responsabilidade, apresentado junto de entidade administrativa para a emissão de licença para a realização da operação urbanística ou para a admissão da comunicação prévia, até ao termo da execução dessas obras e à subscrição de termo de responsabilidade pela sua correta execução para a concessão da autorização de utilização. 6 - As pessoas mencionadas no número anterior ficam sujeitas às obrigações previstas na presente lei que sejam compatíveis com a função que desempenham, devendo comprovar no prazo de três meses contados da entrada em vigor da portaria prevista no artigo 24.º a contratação de seguro de responsabilidade civil adequado.».
Destes números resulta, sem margem para dúvidas, que foi intenção do legislador sujeitar os diretores de fiscalização de obra que já estavam em funções, em determinada obra já licenciada, às obrigações previstas nesta lei, o que significa que a mesma é de aplicação imediata às situações já constituídas que subsistiam à data da sua entrada em vigor.
Como in casu o alvará de licença de construção foi emitido em 07.10.2009 [como consta, designadamente, das fichas técnicas preenchidas pela 2ªa ré e juntas aos autos em 05.04.2016], ou seja, menos de um mês antes da entrada em vigor da Lei nº 31/2009, e as frações foram vendidas aos autores ao longo dos anos de 2011 e 2012 [factos provados nºs 2 a 11], não se suscita dúvida alguma de que quando esta Lei entrou em vigor os trabalhos de construção do prédio em apreço ainda estavam, por assim dizer, na sua fase inicial. Como tal, tendo em conta o que acima se exarou, tem aqui plena aplicação o que o regime previsto naquela Lei.
Nesta parte não assiste razão à recorrente, nem subscrevemos, por conseguinte, o que consta de pgs. 5 a 9 do douto parecer que juntou aos autos.
Já se disse atrás que a 2ª ré assumiu a direção de fiscalização da obra [também da direção da obra, mas esta não releva para aqui, por força do que atrás se disse a propósito da aplicação imediata dos nºs 5 e 6 do art. 25º da Lei nº 31/2009].
O art. 16º estabelece no nº 1, além de outros, os seguintes deveres a cargo do diretor de fiscalização da obra: «a) Assegurar a verificação da execução da obra em conformidade com o projeto de execução, e o cumprimento das condições da licença ou admissão, em sede de procedimento administrativo ou contratual público, bem como o cumprimento das normas legais e regulamentares em vigor; b) Acompanhar a realização da obra com a frequência adequada ao integral desempenho das suas funções e à fiscalização do decurso dos trabalhos e da atuação do diretor de obra no exercício das suas funções, emitindo as diretrizes necessárias ao cumprimento do disposto na alínea anterior».
E o art. 19º rege sobre a responsabilidade civil dos técnicos [abrangendo, necessariamente, o diretor de fiscalização de obra], dispondo:
«1 - Os técnicos e pessoas a quem a presente lei seja aplicável são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros decorrentes da violação culposa, por ação ou omissão, de deveres no exercício da atividade a que estejam obrigados por contrato ou por norma legal ou regulamentar, sem prejuízo da responsabilidade criminal, contraordenacional, disciplinar ou outra que exista.
2 - Os técnicos e pessoas referidos no número anterior respondem ainda, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos seus representantes, mandatários, agentes, funcionários ou por quaisquer pessoas que com eles colaborem na sua atuação.
3 - A responsabilidade dos técnicos e pessoas a quem esta lei seja aplicável não exclui a responsabilidade, civil ou outra, das pessoas, singulares ou coletivas, por conta ou no interesse das quais atuem, nem de quaisquer outras entidades que tenham violado deveres contratuais ou legais, nos termos gerais.
4 - A responsabilidade civil prevista na presente lei abrange os danos causados a terceiros adquirentes de direitos sobre projetos, construções ou imóveis, elaborados, construídos ou dirigidos tecnicamente pelos técnicos e pessoas indicados no n.º 1.».
Perante a estatuição do nº 4 deste último preceito apresenta-se cristalino que a Lei nº 31/2009 tutela diretamente os direitos dos terceiros adquirentes de imóveis por danos decorrentes da atividade levada a cabo, por ação ou por omissão, pelos diretores de fiscalização de obras.
Existe, assim, para os efeitos do nº 1 do art. 483º do CCiv., disposição legal destinada a proteger diretamente os interesses dos aqui autores.
Resta então aferir se ocorrem in casu os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: a ilicitude [facto ilícito]; a culpa; o dano e o nexo causal entre o facto e o dano. A prova dos factos integradores de cada um destes pressupostos cabe ao lesado, nos termos do nº 1 do art. 342º do CCiv., incluindo a da culpa, já que na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos esta, em princípio, não se presume [exceto havendo norma a consagrar a sua presunção], diversamente do que acontece na responsabilidade contratual em que a culpa se presume sempre, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 799º do mesmo corpo de normas.
Começando pela ilicitude, não há qualquer dúvida sobre a sua verificação, pois consistindo a mesma, nesta vertente, na violação ou inobservância dos deveres legais a cargo do diretor de fiscalização de obra, mostra-se provado que a 2ª ré não acompanhou devidamente a obra, nunca relatou qualquer desconformidade com o projeto, nem qualquer vício de construção ou qualquer outro tipo de defeitos [facto provado nº 79] – apesar da existência destes e da desconformidade do que foi edificado com o que constava do(s) projeto(s) –, em clara violação do que lhe era exigido pelo art. 16º nº 1 als. a) e b) da citada Lei nº 31/2019.
Estando em causa omissões da recorrente, dispõe o art. 486º do CCiv. que as mesmas «dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido». Como a recorrente tinha o dever de levar a cabo as condutas indicadas naquelas alíneas do apontado normativo, a respetiva omissão coloca-a na [potencial] obrigação de ter de reparar os danos sofridos pelos autores, desde que verificados os demais pressupostos que estamos a analisar.
Quanto à culpa e como dizem Mafalda Miranda Barbosa e Sinde Monteiro [obras atrás citadas], a mesma tem aqui “de se referir à própria violação da norma e já não à violação dos bens jurídicos”, por haver nestas situações “como que uma antecipação da tutela” equivalente “a uma antecipação do juízo de culpa” e, por conseguinte, uma espécie de presunção de culpa, divergindo a doutrina apenas quanto ao alcance de tal presunção, havendo autores que defendem ”a existência de uma verdadeira inversão do ónus ‘probandi’”, enquanto outros consideram que ocorre apenas “uma presunção simples” [citadas Lições de Responsabilidade Civil, pgs. 168-171 e nota 386]. Por conseguinte, feita prova da violação das ditas normas, mostra-se também feita prova da existência de culpa da 2ª ré.
Passando aos danos e depois de se referir que «nem todas as desconformidades [provadas] são imputáveis à omissão pela 2ª ré dos seus deveres profissionais enquanto projetista e diretora da obra e de fiscalização da obra», concluiu-se na sentença recorrida que «o tribunal considera que [a mesma] é responsável pelas desconformidades referidas nos factos provados com referência aos artigos da p. i. seguintes: 44º, 45º, 46º, 47º, 49º, 52º, 53º, 54º, 61º, 68º, 70º, 72º, 73º, 74º, 75º quanto ao isolamento, 76º, 77º, 83º e 84º» [cfr. 9ª questão ali apreciada].
É, pois, quanto a estes danos que há que, por fim, indagar sobre o último pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos: o nexo causal.
Este pressuposto está definido no art. 563º do CCiv. que estatui que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Sobre ele existem várias conceções, desde a mais antiga teoria da conditio sine qua non, passando pela tradicional teoria da causalidade adequada [nesta, “a questão que passa a orientar o jurista é – numa formulação positiva – a de saber se é normal e adequado (provável) que aquele tipo de comportamento gere aquele tipo de dano; ou – numa formulação negativa – a de saber se é de todo indiferente para a produção de um dano daquele tipo um comportamento como o do lesante”] e pela teoria do escopo da norma violada [nesta, com base numa interpretação teleológica da norma violada, “perscruta-se a resposta para três segmentos problemáticos: quais os sujeitos que a norma visava tutelar? Que tipo de interesses eram por ela protegidos? Qual a forma de surgimento dos danos que ela proscrevia?”], até à mais recente teoria do nexo de imputação [segundo os seus defensores, a causalidade ou melhor a imputação objetiva de um determinado dano ao agente assenta na “’assunção de uma esfera de risco’, donde a primeira tarefa do julgador será a de procurar o gérmen da sua emergência”, sendo imputáveis ao agente, em princípio, todos os danos que tenham a sua raiz naquela esfera, donde, ‘a priori’, podemos fixar dois polos de desvelação da imputação: um negativo, a excluir a responsabilidade nos casos em que o dano se mostra impossível (impossibilidade do dano), ou por falta de objeto, ou por inidoneidade do meio; outro positivo, a afirmá-la diante de situações de ‘aumento de risco’” – este e os antecedentes excertos definidores das teorias apontadas são da autoria de Mafalda Miranda Barbosa, obra citada, pgs. 255 a 274, para onde se remete para maiores desenvolvimentos].
Qualquer que seja a conceção adotada, in casu só existirá obrigação de indemnização [melhor, de reparação/eliminação dos defeitos] a cargo da 2ª ré se se concluir que os indicados danos [os defeitos/desconformidades que ficaram provados e apontados atrás], além de imputáveis à 1ª ré [construtora e vendedora] – como ficou demonstrado supra –, são também imputáveis à conduta omissiva da 2ª ré ou, dito de outro modo, se se concluir que os danos não teriam ocorrido ou, pelo menos, não teriam acontecido com a extensão que se verificou, se a 2ª ré tivesse cumprido os mencionados deveres prescritos nos preceitos da Lei nº 31/2009.
Esta constatação não pode, como é evidente, decorrer da mera violação ou não observância de tais deveres que, por si só, não fazem presumir a existência de nexo causal entre as omissões da recorrente e os referidos danos. E também não existe norma legal que, nestes casos, dispense o lesado da prova deste pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Competia, por isso, aos autores a alegação e prova de factualidade demonstrativa da verificação de tal nexo causal – art. 342º nº 1 do CCiv.. Prova que manifestamente não fizeram, como decorre da matéria de facto provada, na qual não existe nenhum facto sobre este assunto.
A falta de prova deste pressuposto passou, contudo, incólume ao Mmo. Julgador a quo [reconhece-se, assim, razão ao ilustre Autor do parecer junto pela recorrente quando, a pgs. 23, refere que: “O tribunal praticamente não analisou o pressuposto tradicionalmente denominado de nexo de causalidade e que tem (e teria) como finalidade dar por assente uma conexão fáctica e normativa entre o alegado incumprimento dos deveres funcionais da 2ª Ré e os danos causados, ‘rectius’, que foram consequência dessa alegada omissão. Neste e noutros casos de responsabilidade civil submetidos a juízo o tribunal deve determinar e delimitar os danos a reparar, tendo em conta o facto tido por lesivo e todo o circunstancialismo que o pode rodear. Acontece que o tribunal ‘a quo’ se limitou a transcrever o disposto no pouco claro art. 563º, na sua aparente função limitadora, partindo da sua fórmula probabilística mas sem, verdadeiramente, concluir por um juízo de causalidade, ou seja, e no fundo, responder às questões que MARIA DE LURDES PEREIRA (Direito da responsabilidade civil – a obrigação de indemnizar, AAFDL, 2022, pg. 259) formula nestes termos: «foi o facto, pelo qual determinada pessoa é responsável, causa desse dano?», «que qualidades tem de ter um facto de apresentar que nos permitam considerá-lo como causa de determinado efeito, para os fins da responsabilidade civil?»”].
Indemonstrado este pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos não podia a 2ª ré recorrente ter sido condenada, solidariamente com a 1ª ré, a reparar e eliminar as desconformidades indicadas na 2ª parte do item I do segmento decisório [dispositivo] da sentença recorrida.
Consequentemente, nesta parte, o recurso da 2ª ré merece provimento, o que determina, em consequência, a revogação da sentença recorrida no segmento em que a condenou nos termos nela declarados.

Em consequência desta procedência fica prejudicado o conhecimento das restantes questões enunciadas no ponto II deste acórdão, suscitadas por esta ré.

As custas deste recurso ficam, assim, a cargo da 1ª ré [no que concerne ao seu recurso, em que decaiu] e dos autores [no que diz respeito ao recurso interposto pela 2ª ré, em que decaíram], na proporção de metade para cada - arts. 527º nºs 1 e 2, 528º nº 1, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC. [esta condenação não abrange a 11ª autora, face à desistência do pedido que apresentou na 1ª instância e que foi homologada].

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Síntese conclusiva:
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V. Decisão:

Face ao exposto, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em:

1º) Julgar improcedente o recurso da ré A..., Unipessoal, Lda, com a consequente confirmação da sentença recorrida no que lhe diz respeito, eliminando-se, no entanto, do elenco das desconformidades que foi condenado a reparar a que se reporta ao art. 26º da petição inicial, na medida em que, quanto a esta, se considerou ali que havia caducado o direito de os autores obterem a sua reparação [remete-se para o que exarámos no item 2 do ponto IV deste acórdão, particularmente a pgs. 38 e 39].

2º) Julgar procedente o recurso da ré OO, com a consequente revogação da sentença recorrida na parte em que a condenou nos termos atrás apontados, ficando, assim, absolvida do pedido contra si deduzido pelos autores.

3º) Condenar a 1ª ré e os autores nas custas do recurso, pelo decaimento em que incorreram, na proporção de metade para cada.









Porto, 27 de maio de 2025

Pinto dos Santos
Lina Baptista
Raquel Correia de Lima