RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
PENHORA
INADMISSIBILIDADE
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Sumário


I – Em conformidade com o disposto no artigo 854.º, CPC, em processo de execução, só é admissível recurso nas três situações ali referidas: procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.
II – Visando-se a admissibilidade de recurso de uma decisão que apreciou a oposição à penhora, o recurso não é admissível.
III – Relativamente às invocadas nulidades do Acórdão da Relação, as mesmas só podem ser objecto de recurso, desde que da decisão em crise caiba também recurso ordinário e, não sendo esse o caso, devem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença, cf. artigos 615.º, n.º 4 e 617.º, n.º 4, ambos do CPC.
IV - Pelo que o seu conhecimento perante o Supremo Tribunal de Justiça ficará dependente da admissão da revista excepcional ou normal, caso em que passam a fazer parte do objecto de um destes recursos (cf. artigos 674.º, n.º 1, al. c); 672.º, n.º 3 e 672.º, n.º 5, do CPC).

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move a CCAM do Sotavento Algarvio C.R.L., vieram os executados/opoentes I..., Lda; AA e BB, já todos identificados nos autos, deduzir à oposição à penhora efectuada naqueles autos, com o fundamento, em que, em resumo, os valores dos bens (todos imóveis) penhorados serem manifestamente superiores ao da execução, devendo a mesma limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e despesas previsíveis da execução.

Face ao que peticionaram o levantamento da penhora efectuada.

Contestando a exequente/oponida CCAM do Sotavento Algarvio, arguiu a excepção de ilegitimidade da executada/oponente BB, com o fundamento em a mesma não ser proprietária dos bens penhorados e impugna a factualidade em que assenta a deduzida oposição, designadamente que os valores dos bens penhorados sejam superiores à quantia exequenda.

Findos os articulados e por entender que os autos dispunham de todos os elementos para ser apreciado o pedido formulado, no Juízo de Execução de Loulé, foi julgado totalmente improcedente o incidente de oposição à penhora, ficando as custas a cargo dos executados/opoentes.

Inconformados com tal decisão, recorreram os mesmos para o Tribunal da Relação de Évora, que, por unanimidade e semelhante fundamentação jurídica, julgou improcedente a apelação deduzida e, consequentemente, confirmou a decisão recorrida.

De novo, inconformados, os mesmos, interpuseram recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, finalizando as respectivas alegações, com as seguintes conclusões:

1. Por despacho saneador-sentença datado de 06-05-2024 o tribunal “a quo” julgou o presente incidente de oposição à penhora totalmente improcedente, por não provada, mantendo-se na íntegra, as penhoras efetuadas nos autos de execução e condenou os oponentes/executados no pagamento das custas e dos demais encargos com o processo.

2. Inconformados com o despacho saneador-sentença os Executados ora Recorrentes apresentaram recurso de apelação.

3. Por acórdão datado de 21-11-2024 o Venerando Tribunal da Relação de Évora decidiu julgar improcedente o recurso de apelação.

4. Os ora recorrentes não se conformam com o acórdão de que ora se recorre.

5. O tribunal “a quo” na esteira do tribunal de 1.ª instância considerou que na situação judicanda, a dispensa da realização da audiência prévia não consubstancia uma nulidade processual inominada suscetível de influenciar o exame e a decisão da causa, não existindo assim um cenário de omissão de pronúncia ao abrigo da disciplina da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

6. No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artigo 591.º do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (n.º1 b) Quando o Juiz tencionar conhecer, de imediato, do mérito da causa, a audiência prévia não pode ser dispensada (arts. 593/1, a contrario, e 591/1-b, ambos do CPC), sob pena de nulidade (art. 195/1 do CPC).

7. Motivos pelos quais deveria ter sido realizada audiência prévia, sendo certo que os presentes autos não se encontravam devidamente debatidos nos articulados e a matéria de facto é indubitavelmente controvertida e impunha a produção de prova.

8. Ao que acresce que a sentença proferida em 1.ª instância apenas julgou como provados 61 dos factos alegados e é totalmente omissa quanto aos demais factos, tendo julgado que inexistem factos dados como não provados.

9. O que faz com que estejamos perante uma omissão de pronúncia.

10. Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento, que in casu não se realizou.

11. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

12. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

13. O acórdão recorrido viola ainda o disposto no artigo alínea b), do nº 1, do artigo 1722º, do Código Civil, pois não se pode considerar que estamos perante a penhora de bens próprios.

14. Ao que acresce que a Oponente ora Recorrente é parte legítima nos presentes autos e como tal tem legitimidade para deduzir o presente incidente de oposição à penhora.

15. Os Executados ora Recorrentes não se conformam com o acórdão de que ora se recorre desde logo porquanto não se pode considerar que a penhora dos bens imóveis é proporcional.

16. O douto tribunal “a quo” deveria ter interpretado o artigo 751.º n.º 1 do Código de Processo Civil no sentido de que a penhora se devia abster apenas ao montante da dívida exequenda, o que não se verificou porquanto o valor do bem penhorado é manifestamente superior ao da dívida exequenda.

17. O tribunal “a quo” andou mal por não ter cumprido, interpretado e aplicado o artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa no sentido que não é admissível que a penhora de um bem imóvel restrinja de forma irreparável o direito à propriedade privada constitucionalmente consagrado.

18. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 18-01-2022, processo n.º 1219/16.8T8GRD-E.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04-11-2003, processo n.º 03A3129, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

19. Termos em que e em face ao supra exposto deverá a o acórdão recorrido ser revogado e ser ordenado o cancelamento da penhora.

20. Por outro lado, o artigo 737.º n.º 3 do Código de Processo Civil no sentido de é inconstitucional a sua penhora e consequente venda porquanto resulta da necessidade e do princípio constitucional relativos à violação do referido artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa assegurar a todos habitação condigna carreando um esforço coletivo garantir uma habitação social.

21. Deve assim o artigo 737.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa ser interpretado no sentido de, e só se proceder à penhora do bem imóvel na medida que a dívida exequenda tenha advindo do incumprimento dum contrato de mútuo para a aquisição do mesmo, não advindo de tal incumprimento não poderá o mesmo ser penhorado.

22. Termos em que o acórdão recorrido pelo tribunal “a quo” deverá ser revogado por ser inconstitucional, e deverá ser dado provimento ao presente recurso.

23. Inconstitucionalidade, essa, que se invoca desde já para efeitos de eventual e futuro recurso a apresentar para o Tribunal Constitucional.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o acórdão recorrido, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos, assim se fazendo

Justiça!

Por se entender que o recurso interposto não era admissível, pelo Relator, foi proferido despacho, nos termos do disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, alertando as partes para a inadmissibilidade do recurso, nos termos que aí melhor constam e que adiante se reproduzirão.

Na sequência do que os recorrentes I..., Lda, AA e BB, vieram requerer a Conferência, reiterando a mesmíssima argumentação já exposta nas alegações de recurso, sem nada acrescentar de novo.

Notificada, a recorrida H..., S.A., não apresentou resposta.

Obtidos os vistos, cumpre decidir.

Face ao teor das alegações apresentadas pelos recorrentes, a questão a decidir é a de averiguar da admissibilidade do recurso.

A factualidade a ter em consideração é a que consta do relatório que antecede.

Impõe-se, como referido, averiguar da admissibilidade do presente recurso de revista excepcional, que, desde já se adianta, não é admissível, no que se passa a reproduzir o já expendido no despacho em que se deu cumprimento ao disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC.

Efectivamente, estamos em face de um processo executivo, no âmbito do qual se procedeu à penhora de bens e perante a qual foi deduzida a referida oposição à penhora, por parte dos ora recorrentes.

Em matéria do recurso de revista em processo de execução, rege o disposto nos artigos 852.º e 854.º, ambos do CPC.

Dispõe o primeiro destes preceitos que:

“Aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes”.

Estabelecendo-se no citado artigo 854.º que:

“Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Ora, os casos em que é sempre admissível recurso para o STJ, são os previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC, que os recorrentes não alegaram que se verifique qualquer deles, pelo que está arredada a admissibilidade do presente recurso, com fundamento no disposto neste preceito.

A admissibilidade em “termos gerais”, prevista no citado artigo 854.º, refere-se aos casos previstos nos artigos 671.º e 672.º, do CPC.

A admissibilidade da revista normal, ao abrigo do disposto no referido artigo 671.º, está afastada, dada a existência de “dupla conforme”, o que os recorrentes não contestam.

Igualmente afastada está a admissibilidade do recurso de revista excepcional, uma vez que, cf. Artigo 854.º, CPC, em processo de execução, só é admissível recurso nas três situações ali referidas: procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.

Como facilmente se conclui, não está ali incluída a admissibilidade de recurso de uma decisão que apreciou a oposição à penhora, pelo que se impõe concluir pela inadmissibilidade do recurso.

Como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 8.ª Edição Atualizada, Almedina, 2024, a pág. 709, “Por opção do legislador, ficam excluídos do recurso de revista, em regra (com ressalva, pois, das situações previstas no n.º 2 do art. 629.º), os Acórdãos da Relação proferidos no âmbito do incidente de oposição deduzida contra a penhora, de comunicabilidade das dívidas de cônjuges, de remição e demais incidentes ou procedimentos declarativos não enunciados no preceito”.

Reitera-se que não estamos perante nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 629.º, do CPC, pelo que se impõe concluir pela inadmissibilidade do recurso aqui interposto.

Neste sentido e por último, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Maio de 2023, Processo n.º 2422/04.9TBSTR-I.E1.S1 e de 8 de Abril de 2021, Processo n.º 427/12.5YYLSB-B.L1.S1 (e os demais nos mesmos citados), ambos disponíveis no respectivo sítio do ITIJ.

No que se refere às invocadas nulidades do Acórdão da Relação, cumpre realçar que as mesmas só podem ser objecto de recurso, desde que da decisão em crise caiba também recurso ordinário e, não sendo esse o caso, devem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença, cf. artigos 615.º, n.º 4 e 617.º, n.º 4, ambos do CPC.

Pelo que o seu conhecimento perante o Supremo Tribunal de Justiça ficará dependente da admissão da revista excepcional ou normal, caso em que passam a fazer parte do objecto de um destes recursos (cf. artigos 674.º, n.º 1, al. c); 672.º, n.º 3 e 672.º, n.º 5, do CPC).

Concluindo, é inadmissível o presente recurso de revista excepcional.

Não sendo possível conhecer do objeto do recurso, como nota final, cumpre referir que as nulidades imputadas ao acórdão recorrido devem ser analisadas pelo Tribunal da Relação, em conformidade com o disposto nos arts. 617.º, n.ºs 1 e 5, 2.ª parte, ex vi arts. 666.º, n.º 1, 679.º e 666º, n.º 2, do CPC.

Nestes termos se decide:

Não admitir o recurso, mantendo-se a decisão reclamada.

Custas pelos requerentes.

Lisboa, 15 de Maio de 2025

Arlindo Oliveira (relator)

Fátima Gomes

Rui Machado e Moura