AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
FALTA DE ACORDO DAS PARTES
REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário

I - Havendo acordo das partes, o pedido pode ser alterado ou ampliado em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, desde que a alteração ou ampliação não perturbe inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito; na ausência de acordo, a ampliação do pedido tem como limite temporal, para ser exercida, o encerramento da discussão em primeira instância, exigindo-se ainda que a ampliação seja “o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”.
II - A ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.
III - A circunstância do pedido objecto da ampliação poder ter sido formulado na petição inicial não constitui obstáculo à cumulação de pedidos desde que esta resulte da mesma causa de pedir.
IV - Com a ampliação do pedido inicial não se confunde a cumulação de pedidos, que ao contrário da primeira, se funda em acto ou facto diverso.

Texto Integral

Processo n.º 3164/22.9T8VLG-A.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

AA e BB propuseram acção declarativa com processo comum contra CC e DD pedindo, com base nos factos alegados na sua petição inicial:

“A. Ser judicialmente anulado o testamento outorgado por EE e junto como Doc. N.º 11, com todas as consequências legais, nos termos do disposto no Art. 2199.º do Código Civil;

Subsidiariamente,

B. Ser reconhecida a aquisição originária por usucapião pelos AA. do imóvel identificado no Art. 8.º da presente petição inicial;

C. [...];

Ainda mais subsidiariamente,

D. Condenar os RR. a pagar aos AA. o montante despendido na conservação, manutenção e frutificação do imóvel identificado no Art. 8.º da presente petição inicial, a aferir em sede de liquidação de sentença mas nunca em montante inferior a Eu. 5 500,00, acrescido de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento;

E. Deverá ser comunicada oficiosamente à Conservatória do Registo Predial de Valongo, o registo da presente acção, nos termos e para os efeitos do previsto na al. a) do n.º 1 do art. 3.º do Código de Registo Predial.

Em qualquer caso,

F. Condenar os RR. em todas as custas e encargos com o processo”.

Posteriormente, após terem os Réus contestado, em resposta a requerimento dos Réus, requereram os Autos que fosse admitida “a ampliação do pedido de modo que a peticionada anulação do testamento por incapacidade total da testadora abranja, também, o testamento outorgado a 24-09-1976”, alegando, que “os fundamentos são os mesmos já alegados para o testamento outorgado a 06-01-1977, assentes na incapacidade total da testadora, tudo nos termos do disposto no n.º 2 do art. 265.º do CPC.”

Sobre tal pretensão dos Autores, foi proferido o seguinte despacho:

Na sequência do requerimento dos réus de reclamação contra o despacho saneador, vieram os autores requerer a ampliação do pedido de anulação do testamento, de modo a que esse pedido abranja, também, o testamento outorgado a 24-09-1976, sustentando que os fundamentos são os mesmos já alegados para o testamento outorgado a 06-01-1977, assentes na incapacidade total da testadora, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 265º do CPC.

Os réus nada disseram.

Relativamente à ampliação do pedido, dispõe o artigo 265º, nº 2, do Código de Processo Civil que o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

Por desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo deve considerar-se um pedido que esteja contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, de molde a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos, quer dizer a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial, consubstanciando um acrescento/desenvolvimento do pedido inicial, mantendo com este total conexão (vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/09/2021, proc. nº 14456/18.1T8PRT.P2, disponível em www.dgsi.pt).

Ora, neste caso, os autores ampliam o pedido de anulação do testamento outorgado a 06-01-1977 de modo a pedirem também a nulidade do testamento outorgado a 24-09-1976.

Sucede que a anulação de um testamento anterior, ainda que a causa de pedir possa ser parcialmente idêntica, não é uma consequência nem um desenvolvimento do pedido de anulação do testamento posterior, sendo antes pedidos distintos, que podiam ter sido cumulados, mas não foram.

Nesta conformidade, indefere-se a requerida ampliação do pedido.

Notifique”.

Não se resignando os Autores com tal decisão, dela interpuseram recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“I. O douto despacho recorrido fez uma interpretação excessivamente literal e restritiva dos pressupostos da ampliação do pedido plasmados no artigo 265.º, n.º 2 do CPC, desconsiderando a ratio do preceito e a necessidade de o harmonizar com os princípios da economia e celeridade processuais.

II. Conforme decorre da melhor doutrina e jurisprudência, o requisito do “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo” não reclama uma dependência total entre os pedidos, bastando-se com uma subordinação lógica, em que o requerido a título de ampliação esteja virtualmente contido no pedido inicial”.

III. In casu, verifica-se uma clara relação de prejudicialidade e implicitude entre o pedido inicial de anulação do testamento posterior e o pedido ampliado de anulação do testamento anterior, porquanto, alegada e demonstrada a incapacidade da testadora, a consequência necessária é a invalidade de ambos os testamentos enquanto atos praticados por pessoa legalmente incapaz.

IV. Ainda que se trate de pedidos de anulação de testamentos distintos, a ampliação é admissível por identidade de pedir, reportada à incapacidade da testadora, formando o pedido inicial e o ampliado uma unidade de sentido e desígnio invalidante.

V. Conforme se decidiu no Acórdão do TRL de 12/3/2009 (proc. 427/07TCSNT.L1-1), a ampliação é processualmente legítima quando, dentro da mesma causa de pedir complexa, a pretensão se modifique para mais, o que manifestamente sucede no caso dos autos.

VI. De acordo com o Acórdão do TRL de 5/7/2018 (proc. 1175/13.4T2SNT.B.L1-2), se os factos invocados na ampliação se traduzirem em meros factos complementares de uma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial, é admissível a ampliação do pedido, tal como se verifica in casu.

VII. No mesmo sentido, o Acórdão do TRL de 10/10/2019 (proc. 38/18.1T8VRL-A.E1) admitiu a ampliação do pedido com causas de pedir senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo factual, como sucede nos presentes autos quanto à incapacidade jurídica da testadora.

VIII. Os Apelantes apenas tiveram conhecimento da existência do testamento anterior já com a acção pendente, pelo que não lhes era exigível que o impugnassem logo na petição inicial através da cumulação de pedidos prevista no artigo 555º do CPC.

IX. Não se verifica qualquer extemporaneidade censurável no exercício da faculdade prevista no artigo 265º, n.º 2 do CPC, nem a ampliação requerida configura um expediente para contornar um (inexistente) ónus de cumulação inicial de pedidos.

X. Conforme o douto ensinamento de ANTUNES VARELA, “não se pode censurar o autor por não ter incluído logo na petição inicial um pedido cujos fundamentos só posteriormente vieram ao seu conhecimento, ou cuja oportunidade processual só se tornou evidente em função do desenrolar da causa.”

XI. O princípio da adequação formal impõe que, quando a tramitação prevista na lei não se ajuste às especificidade da causa, o juiz determine oficiosamente a prática dos atos que melhor se adeqúem ao fim do processo (artigo 6º, n.º 2 do CPC).

XII. Em nome da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio, e à luz dos princípios da adequação formal e da economia processual, o tribunal a quo deveria ter admitido a ampliação do pedido, de modo a permitir o julgamento global da questão da validade dos sucessivos testamentos outorgados pela testadora alegadamente incapaz.

XIII. Na expressiva síntese de ALBERTO DOS REIS, “uma vez que a ampliação do pedido é admissível, é precisamente para as hipóteses em que não se verifica essa acumulação inicial que ela se justifica.”.

XIV. O Acórdão do STJ de 29-11-2016 (proc. 116312.9TVLSB.L1.S1) sustentou que, estando em causa a mesma relação jurídica, menos ainda pode obstar à ampliação a circunstância de estarmos perante dois testamentos e não apenas um.

XV. O despacho recorrido violou ostensivamente, entre outros, os artigos 6.º, n.º 2, 265.º, n.º 2 e 555º do CPC, pelo que deve ser revogado, julgando-se o presente recurso procedente e admitindo-se a ampliação do pedido tempestivamente requerida pelos Apelantes.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, sendo revogado o douto despacho recorrido e, em consequência, deverá ser admitida a ampliação do pedido para que o mesmo passe a incluir, também, o pedido de anulação do testamento outorgado a 24-09-1976”.

Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar se é ou não admissível a ampliação do pedido requerida pelos Autores.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Mostram-se relevante à apreciação do objecto do recurso os factos/incidências processuais narrados no relatório antecedente.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

A petição inicial é o instrumento processual próprio para o autor proceder à exposição dos factos essenciais que integram a causa de pedir e razões de direito que fundamentam a pretensão prosseguida com a acção por si proposta[1], constituindo, por sua vez, a contestação o meio de que o réu dispõe para deduzir a sua defesa, podendo fazê-lo por impugnação e/ou excepção, devendo nela “expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor” e “expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”[2].

O artigo 588.º do Código de Processo Civil consagra um desvio às regras mencionadas ao permitir às partes, a quem aproveitem, deduzir factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes, em articulado posterior ou em novo articulado, possibilitando, desta forma, que aqueles factos sejam atendidos na sentença, conforme previsto no artigo 611.º do mesmo diploma legal.

Por sua vez, o artigo 260.º do mesmo diploma legal, que consagra o princípio da estabilidade da instância, determina: “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.

Assim, após a citação do réu, a modificação dos elementos subjectivos ou objectivos da instância só pode operar nos estritos limites consentidos pelos artigos 261.º a 265.º do Código de Processo Civil.

No que concerne especificamente à modificação dos elementos objectivos (causa de pedir e pedido), havendo acordo das partes, os mesmos “podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito”[3].

Na falta de acordo, a modificação da causa de pedir só pode ocorrer verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 265.º, cujo n.º 1 determina: “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”.

Por sua vez, quanto à alteração do pedido, estabelece o n.º 2 do mesmo normativo: “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”.

Em termos substantivos, prevê, por sua vez, o artigo 569.º do Código Civil: “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”.

Havendo acordo das partes o pedido pode ser alterado ou ampliado em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, desde que a alteração ou ampliação não perturbe inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito; na ausência de acordo, a ampliação do pedido tem como limite temporal, para ser exercida, o encerramento da discussão em primeira instância, exigindo-se ainda que a ampliação seja “o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”.

Embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum.

Esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência[4], ao defenderem que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objecto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos[5]. Ou seja: a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.

Como Alberto dos Reis[6] explicava, o “limite de qualidade de nexo a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quer dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial.

Exemplo característico: pediu-se em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. (…)

Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento. Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento destes (…).

A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso”.

No mesmo sentido, referia Castro Mendes[7]: “Exemplo de ampliação, no sentido rigoroso do termo, haverá “verbi gratia” se se pedir 100 contos de indemnização por certo acto danoso, que posteriormente é causa de novo prejuízo no valor de 20: o pedido de indemnização pode ser ampliado para 120 contos.

O que é necessário é que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, e que por conseguinte tenham essencialmente origem comum – causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.”

Segundo Rui Pinto[8], “[p]ara que se possa dizer que o pedido é consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo ‘é necessário que o autor se mova ainda dentro da mesma causa de pedir (para o que não poderá acrescentar novos ‘factos essenciais stricto sensu’)“

O acórdão da Relação de Lisboa de 18.02.2018, depois de referência a jurisprudência vária a admitir a ampliação do pedido, sustenta: “Em todos estes exemplos estamos perante situações em que, na verdade, o A. poderia ter formulado a sua pretensão ampliada logo na petição inicial. Pelo que, o que relevou foi fundamentalmente o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se pusesse em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional.

Esse limite mínimo de estabilidade era tradicionalmente reportado pela doutrina à distinção entre “ampliação” e “cumulação” de pretensões.

A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma ação em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo ato ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos»”.

E, mais adiante, acrescenta o mesmo acórdão: “...como já tivemos oportunidade de realçar, todos os exemplos de ampliação do pedido, que não se sustentem na superveniência objetiva de factos novos em que assentam, traduzem-se em pretensões que poderiam ser formuladas logo na data da propositura da ação. Ora, nunca semelhante dúvida sobre a interpretação do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. assolou o espírito de ninguém, quando se admitia sem pestanejo a ampliação do pedido de pagamento em quantia certa, numa ação de dívida, por forma a passar a compreender também a condenação em juros de mora. É que, neste caso, como é evidente, o novo pedido só não foi formulado logo na petição inicial por “mero esquecimento” da parte peticionante.

Salvaguardadas eventuais situações manifestamente dolosas ou de negligência grave, não se justifica uma interpretação restritiva do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. apenas para sancionar uma parte, dado não existir nenhum princípio geral que justifique semelhante penalização em face do facto de o mencionado preceito fixar a preclusão do direito de ampliação do pedido no momento do «encerramento da discussão em 1.ª instância».

Como já referimos atrás, o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir”.

Segundo o acórdão da Relação de Évora de 10.10.2019[9], “A ampliação pode, por conseguinte, envolver a formulação de um pedido diverso. Ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.

Todavia, quando essa transformação importe a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se eles forem supervenientes, isto é, quando ocorram ou sejam conhecidos posteriormente aos articulados, nos termos e prazos previstos para o articulado superveniente[6] (art. 588.º do CPC)”.

No domínio do Código de Processo Civil actualmente em vigor, João de Castro Mendes e Teixeira de Sousa[10] esclarecem que a ampliação do pedido como desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo comporta as seguintes hipóteses: a) os casos em que o pedido primitivo se altera em termos quantitativos e que constitui um desenvolvimento do pedido inicial; b) os casos em que o novo pedido é qualitativamente distinto do pedido inicial, situação em que é uma consequência do primitivo pedido, precisando que o “que é necessário é que o pedido cumulado ou a ampliação sejam desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte, tenham essencialmente origem comum, ou seja, causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.”

Neste caso, admitem implicitamente os referidos autores que a ampliação possa respeitar a circunstâncias já existentes à data da propositura da acção.

Entre outras pretensões formuladas na petição inicial, pedem os Autores que seja “judicialmente anulado o testamento outorgado por EE e junto como Doc. N.º 11”, ou seja, o testamento de 6.07.1977.

Posteriormente, após requerimento de reclamação dos Réus contra o despacho saneador, os Autores apresentaram requerimento pedindo a ampliação do pedido, “de modo a que esse pedido abranja, também, o testamento outorgado a 24-09-1976, uma vez que os fundamentos são os mesmos já alegados para o testamento outorgado a 06-01-1977, assentes na incapacidade total da testadora, tudo nos termos do disposto no n.º 2 do art. 265.º do CPC”, pretensão que lhes foi negada através do despacho de que agora recorrem.

Não se discute que qualquer dos referidos pedidos – anulação dos dois testamentos -, podiam ter sido deduzidos na petição inicial.

Mas poderá aquela omissão constituir entrave a posterior ampliação do pedido quanto ao testamento de 24.09.1976?

Não nos parece, embora o testamento cuja anulação é também reclamada por via da ampliação deduzida seja anterior ao testamento sobre o qual recai pedido inicial, de idêntica natureza.

Se os Autores desconheciam, quando instauraram a acção, a existência do testamento outorgado a 24.09.1976 não podiam, naturalmente, formular na petição inicial pedido correspondente ao que formularam no referido articulado.

Se, como é o caso, a causa de pedir é, absolutamente, comum ao pedido de anulação dos dois testamentos – incapacidade da testadora para outorgar qualquer um dos testamentos, circunstancialismo alegadamente já existente aquando da outorga do primeiro testamento face à factualidade invocada nos artigos 60.º a 76.º da petição inicial -, não se vislumbra obstáculo legal para a ampliação pretendida como sustenta o despacho impugnado por via do presente recurso.

Pode-se, com efeito, admitir o preenchimento da previsão do n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, sendo que o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, constituem razões que autorizam a requerida ampliação do pedido.

Deve, assim, ser revogado o despacho recorrido que indeferiu a ampliação do pedido requerida pelos Autores, substituindo-se por decisão que admita a mesma.

Procede, como tal, o recurso dos apelantes.


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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam as juízes desta Relação, em julgar procedente o recurso, revogando o despacho recorrido.

Custas da apelação: as custas do recurso serão suportadas pelos recorrentes, por tirarem proveito da decisão, não havendo lugar à sua condenação em custas de parte ou procuradoria por não ter sido apresentada resposta às suas alegações: artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Notifique.


Porto, 22.05.2025

Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Francisca Mota Vieira
Isabel Peixoto Pereira
_________________
[1] Artigo 552º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
[2] Artigos 571.º, n.º 1, e 572º, b) e c) do Código de Processo Civil.
[3] Artigo 264.º do Código de Processo Civil.
[4] Cfr., LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil-Conceito e princípios gerais à luz do novo Código, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 29, ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, pág. 93 e CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, AAFDL, 1987, pág. 347; acórdãos da Relação de Évora de 10.10.2019, processo nº 38/18.1T8VRL-A.E1 e de 23.03.2017, processo nº 108/16.0T8FAR-A.E1, acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009, processo nº 427/07.7TCSNT.L1-1) e acórdão da Relação de Guimarães de 6.02.2020, processo nº 992/18.3T8GMR.G1), todos em www.dgsi.pt.
[5] Quando a ampliação derive da alegação de novos factos, a mesma só é processualmente admissível se tais factos forem supervenientes; nessa hipótese, o autor, ou o reconvinte, deve introduzir os novos factos, nos quais sustenta a ampliação do pedido, através de articulado superveniente, de acordo com o disposto no artigo 588.º do Código de Processo Civil, instrumento processual adequado, nestas circunstâncias, para requerer a ampliação do pedido: cfr. LEBRE DE FREITAS (Introdução ao Processo Civil, págs. 163-164.
[6] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 93-94.
[7] Direito Processual Civil, Vol. II, p. 347-348.
[8] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 394.
[9] Processo n.º 38/18.1T8VRL-A.E1, www.dgsi.pt.
[10] Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL, Lisboa 2022, páginas 462 e 463.