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VIOLAÇÃO
Sumário
I. Estando indiciada a pática pelo arguido de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº2, al. a), do C.Penal e, atento o circunstancialismo factico em que o mesmo terá sido cometido, verificado concreto perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da tranquilidade públicas, uma medida não privativa da liberdade não acautelaria, de forma eficaz, tais perigos. II. Sendo o arguido jovem e estando integrado no agregado familiar dos progenitores, a medida de coação aplicada, obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, mostra-se adequada às exigências cautelares e proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente lhe serão aplicadas, respeitando a decisão do Tribunal a quo o estatuído nos artigos 191º, 193º, 201º e 204º, nº 1, al. c), todos do CPP.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I Relatório
1.
Em 15.1.2025, na sequência do primeiro interrogatório judicial a que foi submetido, foi imposta ao arguido AA, com os demais sinais dos autos, a medida de coacção de prisão preventiva.
Por despacho proferido em 05.02.2025, foi determinada a substituição da medida aplicada pela medida de Obrigação de Permanência da Habitação, sujeita a vigilância electrónica.
2.
Em 17.2.2025, o arguido interpôs recurso.de tais despachos.
Transcrevem-se as conclusões de tal resposta:
“I
Entendeu o Ministério Público e o Tribunal a quo que o Arguido se mostrava indiciado da prática de um crime de violação p. e p. pelo artigo 164º, n.º 2, alínea a) do C.P.
II
Das declarações das testemunhas ouvidas, nomeadamente, da Ofendida BB, fls. 77 e seguintes, CC, fls. 81 e seguintes, não resultam indícios de qualquer abuso de natureza sexual por parte cio Arguido.
III
Elaborado o Relatório Pericial de Natureza Sexual em Direito Penal, de 13/05/2024, constante de fls. 38 e seguintes resulta o seguinte:
2.3 A nível da região anal e peri-anal
Foi efectuado exame na posição ginecológica e a examinada estava relaxada. Não se observaram lesões traumáticas.
2.4 A nível da região genital e peri-genital
A examinada é púbere e apresenta um desenvolvimento físico e sexual compatível com a idade real, Foi efectuado exame na posição ginecológica e a examinada estava relaxada
- Região vulvar: de configuração anatómica, sem lesões traumáticas recentes
- Hímen: anular, franjeado, rosado, membrana livre sem soluções de continuidade e presença de petéquias, ás 9h na membrana himenial. Vagina e colo do útero: não observados. Não foi introduzido espéculo por antecedentes ginecológicos e ausência de vestígios hemáticos nas zaragatoas colhidas."
Assim, do relatório da Perícia de Natureza Sexual em Direito Penal, não existem quaisquer vestígios de penetração vaginal como se refere na matéria indiciária.
IV
Do relatório Pericial de fls. 58 dos autos resulta que nas cuecas da Ofendida apenas se observa "... um perfil de ADN idêntico ao perfil de BB",
V
Do relatório Pericial do Serviço de Química e Toxicologia Forenses, de fls. 195. e seguintes resulta, ainda que na zaragatoa vulvar (C 1) e Zaragatoa vaginal (C1) "Não foi identificado qualquer haplótipo do cromossoma Y"
VI
Assim, em face do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de inquérito e dos Exames periciais nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como indiciado que:
10. De imediato, o arguido puxou os calções e as cuecas de BB para baixo, até à zona dos tornozelos, e colocou-a deitada no chão, apoiada sobre os joelhos e com o quadril levantado.
11. De imediato, o arguido baixou também as suas calças, colocou-se por trás de BB e introduziu o seu pénis erecto na vagina de BB, fazendo movimentos de vaivém, durante alguns minutos.
VII
Entendeu o Tribunal a quo que o facto do Tribunal a quo ter detetado "petéquias na membrana himenial às 9h." era a prova provada de que exista violação!!!!
VIII
Como resulta da consulta em fontes abertas petéquias: são pequenos pontos vermelhos, roxos ou marrom que normalmente surgem agrupados, como resultado de um pequeno sangramento sob a pele ou mucosas https://www.tuasaude.com/petequias/
IX
As petéquias podem ser causadas por traumas, doenças infecciosas distúrbios dos vasos sanguíneos, reações alérgicas, doenças auto-imunes ou como efeito colateral de certos medicamentos, por exemplo.
X
Consta do relatório pericial, página 4, fls. 39: "Não se apurou pelo testemunho qual a origem da mesma."
XI
Assim, é manifesto que afirmar-se, como fez o Tribunal a quo que: "lesões estas que, pela sua natureza e localização, tudo indica terem decorrido diretamente da agressão sexual cuja prática pelo arguido se encontra fortemente indiciada..."é no mínimo temerário...
XII
Com o devido respeito, não existe uma única prova de que a Ofendida tenha sido abusada sexualmente. Não existe um único indício de que o Arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina de BB.
XIII
A prova pericial contraria as conclusões retiradas pelo Ministério público e pelo Tribunal a quo.
Mas mais,
XIV
No ponto 15 da matéria indiciaria:
"Nessa ocasião, CC deparou-se com o arguido despido da cintura para baixo, posicionado por trás de BB, agarrando-a na zona da cintura, ficando o mesmo atrapalhado e, de imediato, subiu as suas calças."
XV
Nunca o Ministério Público poderia retirar das declarações da testemunha CC que:
"... CC deparou-se com o arguido despido da cintura para baixo..."
XVI
Aquilo que se mostra escrito, e que a referida testemunha terá declarado, fls. 82, linhas 17 a 24 foi que:
"Nesse momento, deparou-se com uma rapariga de joelhos, com o quadril e a saia levantados, com as cuecas vestidas. Com a cabeça praticamente dentro da sanita, inanimada e com um individuo, atrás delas, com as mãos na zona da cintura das calças.
Questionado o indivíduo sobre o motivo pelo qual estariam ambos. no interior do compartimento, tendo este respondido que "estava a ajudar a amiga, porque ela estava maldisposta e a vomitar e que ela estava a fazer chichi" (sic)
XVII
Em momento algum a testemunha refere que visualizou "... o arguido despido da cintura para baixo..."
XVIII
O amigo da ofendida que alertou o Segurança, não referiu que a amiga estivesse a ser abusada, mas sim que "... estava já há muito tempo caída no chão da casa de banho."
XIX
Foi, pois, perante este cenário que o Arguido agarrou na Ofendida colocou junto à sanita para que a mesma pudesse vomitar.
XX
Como acima tivemos oportunidade de referir não existe um único indício de que o Arguido tivesse violado a Ofendida.
XXI
No caso sub judice, por tudo o que acima se encontra exposto, não existindo qualquer prova, ainda que indiciária, de que o Arguido penetrou, a vagina da Ofendida com o seu pénis, atente-se que na recolha de elementos em zaragatoa na vagina não foram encontrados quaisquer elementos, não poderia o Tribunal a quo ter considerado indiciado a prática do referido crime.
XXII
O Tribunal a quo considerou indiciado que:
O arguido tem a ocupação de estudante, frequentando o 30 e último ano da licenciatura em engenharia informática e multimédia no ...);
Não tem antecedentes criminais.
XXIII
Com o devido respeito, o Tribunal a quo não teve em atenção a fragilidade dos indícios recolhidos, nem o facto de que o Arguido foi detido no dia 14 de janeiro de 2025 por factos praticados em 13/05/2024.
XXIV
Se o Tribunal a quo entendia que ao Arguido era de aplicar uma medida de coação deveria ter optado por uma medida não privativa da liberdade, nomeadamente, uma apresentação semanal junto do órgão de Polícia Criminal ou até, eventualmente, a proibição de frequentar casas de diversão noturnas como discotecas.
XXV
Aplicar ao Arguido, nesta fase da sua vida, quando se encontra a terminar o seu curso superior de Engenharia no ..., uma medida de coação que o impede de acompanhar as aulas e frequentar o curso é condicionar irremediavelmente a sua vida e o seu futuro.
XXVI
A presunção de inocência de uma pessoa não se admite exige-se aos Tribunais têm a obrigação de a respeitar.
XXVII
Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 1640, do Código penal, 1920, 1930, 2010, 2020, 2040 do Código de Processo penal e bem assim os artigos 280 e 320 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve o presente Recurso obter provimento.
Assim decidindo farão V. Exas. JUSTIÇA
3.
O recurso foi admitido, por despacho proferido em 27.02.2025,. a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
4.
Na primeira instância, na sua resposta, apresentada em 31.03.2025, o pugnou o Digno Magistrado do Ministério Público pelo não provimento do recurso.
Transcrevem-se as conclusões da resposta apresentada:
“a) Não assiste razão ao recorrente, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente e confirmada a decisão recorrida.
b) O arguido AA foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido por resultar fortemente indiciada a prática de um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.2, n.2 2, al. a) do Código Penal, a que corresponde a moldura abstracta de 3 a 10 anos.
c) O juízo de forte indiciação sobre a prática da totalidade dos factos constantes da apresentação a 1.2 interrogatório judicial de arguido detido foi formulado de acordo com os elementos probatórios em que os presentes autos se mostram instruídos.
d) O arguido optou por se remeter ao silêncio, não tendo apresentado o seu contributo com a sua eventual versão distinta.
e) Não obstante, serviram de elementos de prova, através de apreciação crítica e conjugada, os autos de inquirição da vítima BB, bem como das demais testemunhas inquiridas, a saber: DD, EE e CC.
f) Em complemento, o Auto de Apreensão e o auto de visionamento das imagens de videovigilância, e que permitem visualizar a dinâmica da conduta do arguido, corroboram a forte indiciação.
g) De maior importância resulta, ainda, o resultado do relatório pericial, de fls. 37 a 39, donde resultam observadas lesões traumáticas a nível da superfície corporal, na zona genital, pois "designadamente petéquias na membrana imenial, ás 9h, lesões estas que, pela sua natureza e localização, tudo indicia terem decorrido directamente da agressão sexual cuja prática pelo arguido se encontra fortemente indiciada, a qual, segundo as regras da experiência comum, constitui causa adequada para produzir tais resultados."
h) Acresce que, ao contrário do que alega o recorrente, não só foram identificados cromossomas Y na zaragatoa perianal, como os mesmos foram coincidentes com o haplótipo do arguido AA, conforme resulta do relatório pericial junto a fls. 219, requerendo-se a junção do mesmo à certidão a remeter ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
i) Assim, entendemos que os despachos proferidos pelo Tribunal a quo não merecem as críticas referidas no Recurso apresentado pelo recorrente.
j) A medida de coacção aplicada foi a correcta, proporcional e adequada, em face dos perigos verificados.
k) Verifica-se um concreto e fundado perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, bem como um perigo de continuação da actividade criminosa.
I) A única medida de coacção que se mostra adequada e proporcional aos factos em causa e à personalidade do arguido, bem como à pena de prisão efectiva que, previsivelmente, lhe virá a ser aplicada em julgamento, fazendo um juízo de prognose, é a medida de coacção de prisão preventiva, a qual se substituiu para OPHVE, fundamentadamente.
m) Assim, nenhuma censura merecem os despachos recorridos, devendo o recurso improceder e a decisão recorrida ser integralmente confirmada.
Termos em que, decidindo pela manutenção do douto despacho recorrido, nos seus exactos termos e fundamentos, farão V. Exas., como sempre,
JUSTIÇA!
5.
Remetidos os autos a este Tribunal, nos termos e para os efeitos no art.º 416º do C.P.P. foram os autos com vista à Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta que emitiu o Parecer que se transcreve:
“
Visto do Ministério Público
[art.º 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal]
1. O Recurso.
O recurso foi interposto pelo arguido AA do despacho judicial, de 15.012025, proferido pelo Meritíssimo Juíz de Instrução Criminal, do Tribunal Central de Instrução Criminal que, após o 1.º interrogatório judicial, considerou que a prova reunida indicia fortemente que o, agora, recorrente incorreu na prática, em autoria material, de um crime de violação, p.p. pelo art.º 164.º, n.º 2, al. a) do Código Penal, a que corresponde a moldura abstrata de 3 a 10 anos de prisão e decretou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, por se verificarem os perigos de continuação da atividade criminosa e de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas, tudo ao abrigo do disposto dos arts. 191.º, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 202.º, n.º 1, al. a) e 204.º, n.º 1, al. c), todos do Cód. Processo Penal.
O recorrente fundamenta o recurso na insuficiência de indícios, desproporcionalidade da medida, na inexistência de perigo da perturbação, ordem e da tranquilidade pública e bem assim da inexistência de perigo de continuação da atividade criminosa e pretende a revogação do despacho sindicado com a restituição à liberdade, sujeito a uma apresentação semanal junto do órgão de Polícia Criminal ou até, eventualmente, a proibição de frequentar casas de diversão noturnas como discotecas.
2. Posição do Ministério Público na 1.ª instância
O Ministério Público apresentou Resposta defendendo a confirmação do decidido, entendendo que a única medida de coação idónea a cumprir as funcionalidades e as necessidades processuais atuais respeitantes ao inquérito é a que se encontra em vigor – a de Prisão Preventiva, pois as medidas coativas não privativas da liberdade não são idóneas a satisfazer as necessidades cautelares, tendo em conta a liberdade de ação, de movimentos e de contactos que proporcionam, já que, se não restringido na sua liberdade pessoal e de movimentos, o arguido não deixará de atuar, considerando o seu modus operandi, o que leva a crer que poderia fazer o mesmo com outras jovens raparigas/mulheres.
3. Posição do Ministério Público no TRL
Analisados os elementos de prova certificados, o despacho recorrido e os fundamentos do recurso, aderimos inteiramente à resposta ao recurso apresentada pela nossa Colega na 1.ª instância, por se apresentar fundamentada, crítica, clara e adequada.
Sempre se dirá que os factos que se encontram fortemente indiciados (além das demais, v.g. da prova pericial resulta que, e ao contrário do que alega o recorrente, não só foram identificados cromossomas Y na zaragatoa perianal, como os mesmos foram coincidentes com o haplótipo do arguido AA cfr. relatório pericial junto a fls. 219) , a sua natureza e gravidade não permitem concluir por uma mitigação das exigências cautelares quanto ao arguido.
Ora, o crime de violação é dos mais graves dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual por ser dos que mais intensamente lesa a liberdade e a autenticidade da expressão da vida sexual das pessoas. Trata-se de crimes que revelam elevado grau de ilicitude e de culpa, indiciadores de instintos primários mal dominados, insensibilidade moral e baixeza de carácter. Numa estrutura social como a nossa, assente em determinados valores de defesa e proteção da comunidade e da pessoa, não podemos deixar de concluir que a descrita conduta do arguido é muito grave, pois que os referidos valores foram grosseiramente violados.
A conduta do arguido é merecedora da mais acentuada censurabilidade pelo cidadão comum, atentos os bens jurídicos afetados.
Por outro lado, estamos perante crimes que, pelo especial bem jurídico protegido, levam o cidadão comum a um descrédito nas instâncias formais de controlo, caso estas não respondam eficaz e convenientemente, possibilitando, na ausência de tal resposta, reações emotivas e de choque e estamos, sem dúvida, perante atos de violência que não só assumem contornos de intensa desumanidade, como revelam pela sua natureza e personalidade do seu agente, um forte perigo de continuação da atividade criminosa.
Frise-se ainda que em 1º interrogatório de arguido detido, este remeteu-se ao silêncio. Este silêncio, ainda que seja um direito que ao arguido assiste, manifesta (pelo menos até ao momento em que é decidida a aplicação da medida de coação) uma indisponibilidade pessoal do arguido para o esclarecimento dos factos ilícitos indiciados no inquérito e por maioria de razão o grau da sua participação na prática dos mesmos. Não assumir, não esclarecer, perante a evidência probatória, faz deduzir a ausência de insight crítico do arguido relativamente à sua conduta. Nada resulta dos autos que o arguido tenha interiorizado o desvalor da sua conduta, receando-se que situações como a dos autos, face à ausência de consciência valorativa e da dimensão traumática desta forma de violência, que coloca gravemente em perigo a saúde psicológica da vítima, se voltem a repetir.
Termos em que entendemos que o arguido se deve manter sujeito à medida de coação que lhe foi aplicada, por se configurar como a única apta a prevenir os perigos de continuação da atividade delituosa e perturbação grave da ordem e tranquilidade e públicas, adequada às exigências cautelares que o caso requer, proporcional à gravidade do crime e à pena que previsivelmente virá a ser aplicada, sendo de negar provimento ao recurso.
Mas a final, não obstante, melhor se dirá.
*
Lisboa, ds”
Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, o arguido veio responder nos seguintes termos:
“AA, Recorrente, nos autos acima melhor identificados, notificado do parecer do Ministério Público, vem, muito respeitosamente, nos termos do artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, em resposta, dizer o seguinte:
Refere a Digníssima Senhora Procuradora Geral Adjunta no seu parecer:
“(…)
Analisados os elementos de prova certificados, o despacho recorrido e os fundamentos do recurso, aderimos inteiramente à resposta ao recurso apresentada pela nossa Colega na 1.ª instância, por se apresentar fundamentada, crítica, clara e adequada. Sempre se dirá que os factos que se encontram fortemente indiciados (além das demais, v.g. da prova pericial resulta que, e ao contrário do que alega o recorrente, não só foram identificados cromossomas Y na zaragatoa perianal, como os mesmos foram coincidentes com o haplótipo do arguido AA cfr. relatório pericial junto a fls. 219), a sua natureza e gravidade não permitem concluir por uma mitigação das exigências cautelares quanto ao arguido.
Ora, o crime de violação é dos mais graves dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual por ser dos que mais intensamente lesa a liberdade e a autenticidade da expressão da vida sexual das pessoas. Trata-se de crimes que revelam elevado grau de ilicitude e de culpa, indiciadores de instintos primários mal dominados, insensibilidade moral e baixeza de carácter. Numa estrutura social como a nossa, assente em determinados valores de defesa e proteção da comunidade e da pessoa, não podemos deixar de concluir que a descrita conduta do arguido é muito grave, pois que os referidos valores foram grosseiramente violados.
A conduta do arguido é merecedora da mais acentuada censurabilidade pelo cidadão comum, atentos os bens jurídicos afetados.
Por outro lado, estamos perante crimes que, pelo especial bem jurídico protegido, levam o cidadão comum a um descrédito nas instâncias formais de controlo, caso estas não respondam eficaz e convenientemente, possibilitando, na ausência de tal resposta, reações emotivas e de choque e estamos, sem dúvida, perante atos de violência que não só assumem contornos de intensa desumanidade, como revelam pela sua natureza e personalidade do seu agente, um forte perigo de continuação da atividade criminosa. Frise-se ainda que em 1º interrogatório de arguido detido, este remeteu-se ao silêncio. Este silêncio, ainda que seja um direito que ao arguido assiste, manifesta (pelo menos até ao momento em que é decidida a aplicação da medida de coação) uma indisponibilidade pessoal do arguido para o esclarecimento dos factos ilícitos indiciados no inquérito e por maioria de razão o grau da sua participação na prática dos mesmos. Não assumir, não esclarecer, perante a evidência probatória, faz deduzir a ausência de insight critico do arguido relativamente à sua conduta. Nada resulta dos autos que o arguido tenha interiorizado o desvalor da sua conduta, receando-se que situações como a dos autos, face à ausência de consciência valorativa e da dimensão traumática desta forma de violência, que coloca gravemente em perigo a saúde psicológica da vítima, se voltem a repetir.
Termos em que entendemos que o arguido se deve manter sujeito à medida de coação que lhe foi aplicada, por se configurar como a única apta a prevenir os perigos de continuação da atividade delituosa e perturbação grave da ordem e tranquilidade e públicas, adequada às exigências cautelares que o caso requer, proporcional à gravidade do crime e à pena que previsivelmente virá a ser aplicada, sendo de negar provimento ao recurso.”
Não iremos obviamente aduzir, por maçador que seriam, os argumentos já amplamente expandidos no modesto recurso apresentado.
Com o devido respeito,
Das declarações das testemunhas ouvidas, nomeadamente, da Ofendia BB, fls. 77 e seguintes, CC, fls. 81 e seguintes, não resultam indícios de qualquer abuso de natureza sexual por parte do Arguido.
Elaborado o Relatório Pericial de Natureza Sexual em Direito Penal, de 13/05/2024, constante de fls. 38 e seguintes resulta o seguinte:
“2.3 A nível da região anal e peri-anal
Foi efectuado exame na posição ginecológica e a examinada estava relaxada. Não se observaram lesões traumáticas.
2.4 A nível da região genital e peri-genital
A examinada é púbere e apresenta um desenvolvimento físico e sexual compatível com a idade real. Foi efectuado exame na posição ginecológica e a examinada estava relaxada
- Região vulvar: de configuração anatómica, sem lesões traumáticas recentes
- Hímen: anular, franjeado, rosado, membrana livre sem soluções de continuidade e presença de petéquias, às 9h na membrana himenial.
Vagina e colo do útero: não observados. Não foi introduzido espéculo por antecedentes ginecológicos e ausência de vestígios hemáticos nas zaragatoas colhidas.”
Resultando também do relatório da Perícia de Natureza Sexual em Direito Penal, não existem quaisquer vestígios de penetração vaginal como se refere na matéria indiciária.
Do relatório Pericial de fls. 58 dos autos resulta que nas cuecas da Ofendida apenas se observa “… um perfil de ADN idêntico ao perfil de BB”.
Do relatório Pericial do Serviço de Química e Toxicologia Forenses, de fls. 195 e seguintes resulta, ainda que na zaragatoa vulvar (C 1) e Zaragatoa vaginal (C1)
“Não foi identificado qualquer haplótipo do cromossoma Y”
Do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de inquérito e dos Exames periciais nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como indiciado que:
“10. De imediato, o arguido puxou os calções e as cuecas de BB para baixo, até à zona dos tornozelos, e colocou-a deitada no chão, apoiada sobre os joelhos e com o quadril levantado.
11. De imediato, o arguido baixou também as suas calças, colocou-se por trás de BB e introduziu o seu pénis erecto na vagina de BB, fazendo movimentos de vaivém, durante alguns minutos.”
Não existe uma única prova de que a Ofendida tenha sido abusada sexualmente.
Não existe um único indício de que o Arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina de BB.
A prova pericial contraria as conclusões retiradas pelo Ministério público e pelo Tribunal a quo.
Mas mais,
No ponto 15 da matéria indiciária:
“Nessa ocasião, CC deparou-se com o arguido despido da cintura para baixo, posicionado por trás de BB, agarrando-a na zona da cintura, ficando o mesmo atrapalhado e, de imediato, subiu as suas calças.”
Nunca o Ministério Público poderia retirar das declarações da testemunha CC que:
“… CC deparou-se com o arguido despido da cintura para baixo…”
Aquilo que se mostra escrito, e que a referida testemunha terá declarado, fls. 82, linhas 17 a 24 foi que:
“Nesse momento, deparou-se com uma rapariga de joelhos, com o quadril e a saia levantados, com as cuecas vestidas. Com a cabeça praticamente dentro da sanita, inanimada e com um indivíduo, atrás delas, com as mãos na zona da cintura das calças.
Questionado o indivíduo sobre o motivo pelo qual estariam ambos no interior do compartimento, tendo este respondido que “estava a ajudar a amiga, porque ela estava maldisposta e a vomitar e que ela estava a fazer chichi” (sic)
Em momento algum a testemunha refere que visualizou “… o arguido despido da cintura para baixo…”
O amigo da ofendida que alertou o Segurança, não referiu que a amiga estivesse a ser abusada, mas sim que “… estava já há muito tempo caída no chão da casa de banho.”
Foi, pois, perante este cenário que o Arguido agarrou na Ofendida e a colocou junto à sanita para que a mesma pudesse vomitar.
Por tudo o que acima se encontra exposto, não existindo qualquer prova, ainda que indiciária, de que o Arguido penetrou a vagina da Ofendida com o seu pénis, atente-se que na recolha de elementos em zaragatoa na vagina não foram encontrados quaisquer elementos, não poderia o Tribunal a quo ter considerado indiciado a prática do referido crime.
O Tribunal a quo considerou indiciado que:
• O arguido tem a ocupação de estudante, frequentando o 3º e último ano da licenciatura em engenharia informática e multimédia no ...);
• Não tem antecedentes criminais.
O Tribunal a quo não teve em atenção a fragilidade dos indícios recolhidos, nem o facto de que o Arguido foi detido no dia 14 de janeiro de 2025 por factos praticados em 13/05/2024.
Se o Tribunal a quo entendia que ao Arguido era de aplicar uma medida de coação deveria ter optado por uma medida não privativa da liberdade, nomeadamente, uma apresentação semanal junto do órgão de Polícia Criminal ou até, eventualmente, a proibição de frequentar casas de diversão noturnas como discotecas.
Aplicar ao Arguido, nesta fase da sua vida, quando se encontra a terminar o seu curso superior de Engenharia no ..., uma medida de coação que o impede de acompanhar as aulas e frequentar o curso é condicionar irremediavelmente a sua vida e o seu futuro.
A presunção de inocência de uma pessoa não se admite exige-se e os Tribunais têm a obrigação de a respeitar.
Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 164º, do Código penal, 192º, 193º, 201º, 202º, 204º do Código de Processo penal e bem assim os artigos 28º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
Assim decidindo farão V. Exas. a esperada,
Justiça!
Após exame preliminar, foram colhidos os vistos legais.
Foram os autos à conferência.
II Fundamentação
1.
Conforme jurisprudência pacífica o Supremo Tribunal de Justiça – vide, por todos e dada a demais jurisprudência nele referida, Ac. de 28.4.99, CJ/STJ, 1999, tomo 2, página 196 -, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, isto sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões elencadas no art.º 410º, nº 2, do C.P.P..
Assim, face às conclusões apresentadas são as seguintes as questões que constituem o objecto do recurso:
A- Da ausência de indícios bastantes do cometimento por parte do Recorrente do crime que, indiciariamente, lhe é imputado.
B- Da inadequação de medida aplicada e da adequação da medida prevista no artigo 198º do CPP ou, se assim não se entender, se deve “ser dada prioridade a outras menos gravosas por ordem crescente”.
2. A decisão recorrida (transcrição na parte relevante):
Referência: 9178128 Inquérito (Atos Jurisdicionais) 802/24.2PCLSB
AUTO DE INTERROGATÓRIO
(COM GRAVAÇÃO)
(1º Interrogatório Judicial de arguido detido - Art.º 141º C. P. Penal)
Aos 14 dias do mês de janeiro de 2025, pelas 18:08 horas, neste Tribunal Central
de Instrução Criminal, Juiz 1, onde se encontravam presentes os Exmos.: --
Mm.º Juiz de Direito: Dr. FF
Procuradora da República: Dra. GG
Oficial de Justiça: HH
Tendo o arguido declarado previamente nos presentes autos, a intenção de não constituir advogado e dada a obrigatoriedade imposta pelo art.º 64º, nº 1, al. a) e 141º, nº 2, ambos do C. P. Penal, ao abrigo do disposto no art.º 3º, nº 1, da Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro, foi-lhe nomeado defensora oficiosa, a Sra. Dra. II, com cédula profissional n.º 18507L a qual se encontrava presente e aceitou o cargo.
Iniciado o presente ato, o Mm.º Juiz de Direito advertiu o arguido de que a falta de resposta às perguntas que lhe vão ser feitas sobre a sua identidade, ou a falsidade da mesma, o pode fazer incorrer em responsabilidade penal, tendo respondido da seguinte forma:
Nome: AA. —
Filiação: JJ e KK. —
Data de nascimento: .../.../1999. —
Natural de: .... —
Nacionalidade: Portuguesa. —
Naturalidade: ...
Estado civil: Solteiro. —
Profissão: Estudante. —
Domicílio: Rua ...
Em seguida, nos termos do disposto no art.º 141º, nº 4, al. a), do C. P. Penal, o Mm.º Juiz de Direito informou o arguido dos direitos referidos no art.º 61.º, n.º 1, do referido diploma legal, explicando-lhe os mesmos.
Informou-o ainda, nos termos da al. b) do nº 4 do citado art.º 141º do C. P. Penal de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova.
Informou-o por fim, nos termos das al. c), d) e e) do nº 4 do citado Art.º 141º do C. P. Penal, dos motivos da detenção, designadamente dos factos que lhe são concretamente imputados, nos exatos termos da douta promoção que antecede, através da entrega de cópia, sendo que os factos também lhe foram lidos porquanto o arguido declarou que tem conhecimento dos mesmos, os quais são os seguintes:
1. No dia 13/05/2024,, pelas 06:00 horas, o arguido AA encontrava-se no estabelecimento de diversão nocturna ..., sito no ....
2. Previamente, o arguido muniu-se de vários frascos contendo GAMABUTIROLACTONA (GBL), os quais havia adquirido anteriormente, em circunstancialismo não apurado, e transportou-os para aquele estabelecimento, com o fim de os ceder ou vender a terceiros.
3. Assim, nessa ocasião, o arguido apercebeu-se da presença de BB, de 19 anos, a qual se encontrava naquele local a celebrar o seu aniversário, acompanhada de cerca de 10 pessoas, e tendo a mesma ingerido algumas bebidas alcoólicas.
4. Por volta das 06:10 horas, o arguido aproximou-se BB, sem que antes a mesma lhe fosse apresentada, e disse-lhe: "posso beijar-te? Posso beijar-te?". De seguida, perguntou a BB e aos amigos desta se queriam "ecstasy", tendo todos anuído, pelo que experimentaram o produto que o arguido lhes entregou, bebendo cerca de 2 a 4 gotas de um líquido que se encontrava num frasco contendo GAMABUTIROLACTONA (GBL).
5. De seguida, o arguido chamou BB, e outras amigas desta, à parte, junto à casa de banho feminina daquele estabelecimento de diversão nocturno, e perguntou-lhes se queriam experimentar mais produto idêntico ao que já lhes tinha oferecido, tendo repetido várias vezes a pergunta.
6. Ao mesmo tempo, dirigiu-se a BB e perguntou-lhe se a podia beijar, repetindo que queria muito beijá-la, tendo a mesma respondido que não queria.
7. A dada altura, EE, uma das amigas que acompanhava o grupo de BB, — e que havia consumido GAMABUTIROLACTONA (GBL) que o arguido lhe facultou momentos antes — perdeu os sentidos na pista de dança, sendo levada para o exterior, e transportada numa ambulância que lhe prestou assistência médica.
8. Nessa ocasião, também BB se apercebeu que, após ter consumido GAMABUTIROLACTONA (GBL) que o arguido lhe facultou momentos antes, começou a sentir tonturas e falta de percepção da realidade e memória do que estava a acontecer naquele momento, tendo-se deslocado várias vezes à casa de banho feminina.
9. Apercebendo-se que BB se encontrava sem percepção da realidade, num estado de desorientação decorrente do consumo de GAMABUTIROLACTONA (GBL) que o arguido lhe facultou momentos antes, este seguiu-a para o interior da casa de banho feminina, levando-a para o interior de um dos cubículos individuais e trancando-se de seguida, juntamente com BB.
10. De imediato, o arguido puxou os calções e as cuecas de BB para baixo, até à zona dos tornozelos, e colocou-a deitada no chão, apoiada sobre os joelhos e com o quadril levantado.
11. De imediato, o arguido baixou também as suas calças, colocou-se por trás de BB e introduziu o seu pénis erecto na vagina de BB, fazendo movimentos de vaivém, durante alguns minutos.
12. Nessa ocasião, CC, vigilante daquele estabelecimento, foi alertado por um cliente para se dirigir à casa de banho feminina.
13. De imediato, CC deslocou-se à casa de banho feminina, tendo-se deparado com a porta de um cubículo fechada, encontrando-se no interior o arguido e BB, batendo para que abrissem.
14. Como ninguém respondeu, nem abriram a porta, CC forçou a porta, abrindo-a.
15. Nessa ocasião, CC deparou-se com o arguido despido da cintura para baixo, posicionado por trás de BB, agarrando-a na zona da cintura, ficando o mesmo atrapalhado, e, de imediato, subiu as suas calças.
16. Por seu turno, verificou que BB se encontrava deitada no chão, com a cabeça quase no interior da sanita, em estado inconsciente, sem verbalizar qualquer palavra, estando apoiada sobre os joelhos e com o quadril levantado, tendo as suas cuecas e calções puxados até à zona dos tornozelos.
17. De imediato, o arguido ausentou-se do local, dirigindo-se à casa de banho masculina e, de seguida, deslocou-se para a pista de dança, onde foi abordado por Agentes da PSP que foram chamados ao local, tendo encontrado na posse do arguido uma embalagem contendo 6,400 ml de GBL (GAMABUTIROLACTONA).
18. Naquela ocasião, BB não verbalizava qualquer palavra, encontrando-se inanimada, durante vários minutos, tendo sido transportada da casa de banho feminina para um local reservado, ao colo, por dois vigilantes daquele estabelecimento, necessitando de ser transportada para assistência hospitalar pelos Bombeiros Voluntários de Lisboa.
19. BB nunca tinha tido, anteriormente, relações sexuais com qualquer pessoa.
20. No exame pericial realizado a BB foram detectadas três escoriações avermelhadas, grosseiramente verticais, na região axilar direita, a maior, linear com 2 cm de comprimento e a menor infracentimétrica, bem com a presença de petéquias, às 9h na membrana himenial.
21. Ao agir da forma acima descrita, quis o arguido aproveitar-se da falta de capacitação motora e percepção da realidade e memória em que BB se encontrava, decorrente do consumo de GAMABUTIROLACTONA (GBL) que o arguido previamente lhe facultou, sabendo este que aquela não estava em condições físicas e psicológicas para decidir ou para se opor à prática de actos sexuais, sendo incapaz de formular a sua vontade para a prática de tais actos, ou para sequer repelir a conduta do arguido.
22. Não obstante, quis o arguido aproveitar-se de tal estado de incapacidade e vulnerabilidade por si promovido, para conduzir BB até ao cubículo da casa de banho feminina, trancando-se com esta no seu interior, a fim de manter com a mesma os descritos actos sexuais, de cópula vaginal, contra a vontade desta, e mediante o uso de força física.
23. O arguido sabia que, ao manter o referido acto sexual com BB, afectava a integridade psicológica e emocional da mesma e a impedia de se autodeterminar na sua liberdade sexual.
24. Agiu, todavia, com propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos, aproveitando-se da circunstância de aquela se encontrar sob o efeito de GAMABUTIROLACTONA (GBL), que o arguido previamente lhe facultou, e incapaz de oferecer qualquer resistência à sua vontade, querendo obter satisfação sexual através daquela, o que conseguiu.
25. O arguido agiu, ainda, movido por excitação, e pelo estado de incapacidade cognitivo que provocou a BB, mediante a entrega e consumo de GAMABUTIROLACTONA (GBL), que a tornava incapaz de lhe resistir, com o propósito de manter com ela coito vaginal satisfazendo os seus instintos libidinosos, o que conseguiu.
26. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.
*
Pelo exposto, mostra-se fortemente indiciada a prática pelo arguido AA, em autoria material, sob a forma consumada, de 1 crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 2, al. a) do Código Penal (punível com pena de prisão de três a dez anos).
Prova que fundamenta a indiciação:
Ø Documental:
A constante dos autos, designadamente:• Auto de apreensão, a fls. 32;• Auto de denúncia, a fls. 36;• Relatório pericial, a fls. 37-39;• Relatório pericial, a fls. 58-59;• Ficha de urgência clínica, a fls. 63-67;• Relatório pericial, a fls. 71;• Análises clínicas, a fls. 72-76;• Auto de visionamento das imagens de videovigilância, a fls. 85 a 94;• Suporte digital, a fls. 104 e 115;• Auto de Notícia, a fls. 106;• Auto de apreensão, a fls. 111;• Teste rápido, a fls. 113.
Ø Testemunhal:
1. BB, melhor id. a fls. 77; 2. LL, melhor id. a fls. 81; 3. MM, melhor id. a fls. 96; 4. EE, melhor id. a fls. 100.
***
Pelo arguido foi dito não pretender prestar declarações quanto aos factos, apenas prestou declarações quanto à sua situação pessoal e profissional, tendo as mesmas sido gravadas com início pelas 18:27:34 horas e o seu termo pelas 18:30:09 horas.
Lidas as declarações quanto aos seus elementos de identificação e achando tudo o que do auto consta conforme, o arguido assina com a sua defensora.
(Arguido: AA)
(Defensora oficiosa: Dr. II)
— Seque Promoção, Requerimento e Despacho: -
SEGUIDAMENTE FOI DADA A PALAVRA À DIGNA MAGISTRADA DO MINISTÉRIO PÚBLICO que promoveu, em síntese o seguinte:
TIPO DE CRIME:
Ø 1 crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 2, al. a) do Código Penal (punível com
pena de prisão de três a dez anos).
PERIGOS:
Ø Perigo de continuação da atividade criminosa;
Ø Perigo de perturbação e da tranquilidade da ordem públicas.
MEDIDA DE COAÇÃO:
Ø Termo de identidade e residência que já prestou e;
Ø Prisão Preventiva
Tudo conforme registado no sistema de gravação áudio em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu inicio ocorreu pelas 18:30:10 horas e o seu termo pelas 18:38:51 horas. --
DADA A PALAVRA À ILUSTRE DEFENSORA OFICIOSA DO ARGUIDO: "No seu uso declarou discordar da posição assumida pelo MP, requerendo a aplicação de uma medida de coacção não privativa da liberdade", consignando-se que o seu início ocorreu pelas 18:38:52 horas e o seu termo pelas 18:42:00 horas.
SEGUIDAMENTE PELO MMO. JUIZ FOI PROFERIDO O SEGUINTE DESPACHO:
"Uma vez que necessito de ponderar relativamente à concreta medida de coação a aplicar ao arguido, não irei proceder de imediato à leitura do despacho a que alude o artigo 194º nº1 do C.P.P., interrompendo a presente diligência, a qual será retomada no dia 15-01-2025, pelas 9:30 horas.
Passe os correspondentes mandados de condução do arguido."
Seguidamente, foi dada a palavra à defesa do arguido que referiu:
"A defesa aqui nomeada encontra-se, na data designada para continuação da prolação do despacho, com julgamento já agendado também para as 09:30, pelo que se requer a alteração da hora.", o que não mereceu oposição por parte da Digna Magistrada do Ministério Público.
SEGUIDAMENTE PELO MMO. JUIZ FOI PROFERIDO O SEGUINTE DESPACHO:
"Atentos os fundamentos invocados pela Ilustre Defensora, defiro o requerido, designando para continuação da presente diligência, o dia de amanhã, pelas 12:00 horas, dando-se sem efeito a hora anteriormente designada.
Passe os correspondentes mandados de condução do arguido."
***
Do despacho que antecede foram os presentes notificados.
Para constar se lavrou o presente auto que vai ser assinado, quando são 19:00 horas.—
Referência: 9178498 Inquérito (Atos Jurisdicionais) 802/24.2PCLSB
AUTO DE INTERROGATÓRIO
(Continuação)
(COM GRAVAÇÃO)
(1º Interrogatório Judicial de arguido detido - Art.º 141º C. P. Penal)
Ao 15 de janeiro de 2025, pelas 12:08 horas, neste Tribunal Central de Instrução
Criminal, Juiz 1, onde se encontravam presentes os Exmos.: --
Mm.º Juiz de Direito: Dr. FF
Procuradora da República: Dra. GG
Oficial de Justiça: NN
Ilustre Defensora Oficiosa do arguido: Dra. II, com a cédula profissional n.º 18507L
SEGUIDAMENTE PELO MM.º JUIZ FOI PROFERIDO O SEGUINTE:
DESPACHO
A detenção do arguido AA foi legal, porquanto efectuada fora de flagrante delito, ao abrigo de mandados de detenção emitidos pelo Ministério Público, nos termos dos arts. 257.º e 258.º, ambos do Cód. Processo Penal.
Foi respeitado o prazo de apresentação a que se referem os artigos 141.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma.
Tendo em conta a análise crítica e conjugada da globalidade dos elementos probatórios elencados na promoção do Ministério Público de apresentação do arguido, a fls. 163 dos autos, considero encontrar-se fortemente indiciada toda a factualidade a que é feita referência no requerimento do Ministério Público de apresentação do arguido.
Mais ficou indiciado, relativamente à condição pessoal do arguido AA, o seguinte:
- o arguido tem a ocupação de estudante, frequentando o 3.º e último ano da licenciatura em engenharia informática e multimédia no ...);
- vive numa casa arrendada, que partilha com outros três colegas, também estes naturais dos ..., pagando os pais do arguido a quantia mensal de € 340,00, relativamente à parcela da renda que incumbe ao arguido suportar;
- não tem filhos;
- não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
**
O arguido AA remeteu-se ao silêncio, relativamente ao objecto do requerimento do Ministério Público de apresentação de arguido, direito que processualmente lhe é conferido, de maneira que não contribuiu, em nada, para o apuramento dos factos.
Os factos indiciados resultam, assim, da apreciação crítica e conjugada de todos os elementos probatórios carreados para os autos, elencados na promoção do Ministério Público de apresentação do arguido, a fls. 163 dos autos, com especial enfoque para o depoimento da vítima BB.
Inquirida na qualidade de testemunha, BB referiu que na data dos factos, ou seja, na noite 12 para 13 de Maio de 2024, numa altura em que se encontrava a passar férias em Portugal, dirigiu-se, na companhia de outras pessoas que conheceu no nosso país, para uma discoteca, cuja denominação desconhece. Referiu que, no interior da discoteca, um indivíduo desconhecido, que, através da fotografia constante em ficha de identificação civil que lhe foi exibida, reconheceu como tratando-se do ora arguido, se dirigiu a si, e às pessoas de que se fazia acompanhar (EE, OO e DD), tendo-lhes oferecido ecstasy, dando indicações para se encontrarem com ele junto à casa de banho feminina, o que sucedeu, tendo todos aceitado consumir. Acrescentou que, a dado momento, o arguido focou-se em si e noutra rapariga do grupo, tendo-se apercebido que o estupefaciente ingerido estaria a fazer-lhe efeito, tendo-lhe pedido várias vezes para a beijar, o que a depoente sempre recusou. Esclareceu que o indivíduo possuía um frasco com um líquido que, da primeira vez, foi dividido entre si e as pessoas que estavam consigo, e que, da segunda e última vez, o indivíduo ofereceu apenas a si, sendo que consumiu mais quantidade que da primeira vez. Esclareceu que em ambas as situações aceitou a oferta, pelo que consumiu o referido estupefaciente por vontade própria, se bem que no momento em que o indivíduo lhe ofereceu o referido estupefaciente, não lhe pareceu tratar-se de ecstasy, mas não perguntou para confirmar Após ter ingerido tal estupefaciente, sentiu-se demasiado tonta e entorpecida, percebendo que não era apenas derivado ao efeito do álcool que havia consumido nessa noite. Referiu, ainda, que a última recordação que teve daquela noite, foi pelas 05H00, quando se encontrava a dançar, tendo a percepção que estavam menos pessoas no interior da discoteca. Após, já só tem memória de acordar no interior da ambulância. Acrescentou que, antes dessa data, nunca havia mantido relações sexuais consentidas, pelo que era virgem. Reiterou nunca ter manifestado querer manter intimidade com o indivíduo, tendo recusado sempre os pedidos de troca de beijos com o mesmo (auto de inquirição de fls. 77 a 80).
O depoimento prestado pela vítima encontra suporte de prova no depoimento das demais testemunhas inquiridas, a saber, DD, EE (auto de inquirição de fls. 100 a 102) e CC.
A testemunha DD referiu que, na data dos factos, se dirigiu a uma discoteca, integrando um grupo de quatro a cinco pessoas, em que se incluíam, ainda, a BB e a EE. Após entrarem no referido estabelecimento, foram abordados por um indivíduo desconhecido, que lhes deu indicações para se encontrarem como ele junto à casa de banho, onde ofereceu à BB e á EE uma coisa que ele chamou de "ecstasy líquido negro". Presenciou tanto a BB, como a EE, a ingerirem o conteúdo de um frasco, que o depoente afirmou serem de 02/04 gotas, ao passo que o depoente apenas ingeriu meio frasco, ou seja, uma gota. Foram depois para a pista de dança, onde o referido indivíduo dançava com a BB, e o depoente dançava com a EE, encontrando-se todos juntos. Cerca de vinte minutos depois, pelas 06H00, a EE perdeu os sentidos, pelo que decidiram tirá-la da pista de dança, sendo que, quando se encontravam a descer as escadas com a EE, aperceberam-se que a BB não estava com eles, pelo que tentaram procura-la, sem sucesso. Por terem chamado uma ambulância para a EE, acabaram por abandonar o referido estabelecimento, tendo o depoente acompanhado a EE ao hospital. O depoente continuou a tentar encetar contacto telefónico com a BB, sendo que, a um dado momento, um segurança da discoteca atendeu, dizendo que esta estava inconsciente e que tinha sido encontrada na casa de banho com um indivíduo, que lhe disse que o melhor seria o depoente regressar à discoteca. Quando chegou à discoteca reparou que a BB estava num local reservado, acordada e assustada, mas ainda pouco consciente, tendo-a ajudado a entrar na ambulância. Acrescentou, ainda, que antes desse dia, nunca tinha consumido produto estupefaciente da natureza daquele que lhes foi oferecido pelo referido indivíduo, sendo que, na altura, acreditou tratar-se de "ecstasy líquido". No entanto, segundo o que outra rapariga do grupo, de nome PP, lhe disse, tal estupefaciente correspondia a GHB. Disse, ainda, que o estado em que a BB se encontrava se devia exclusivamente ao consumo de tal estupefaciente, uma vez que o tempo de transição da diversão ao estado de inconsciência foi repentino e o que diferiu do estado dela e de EE, em relação a si e a PP (auto de inquirição de fls. 96 a 99).
A testemunha CC, por seu turno, deu conta de, à data dos factos, exercer as funções de segurança-porteiro no estabelecimento de diversão nocturna ..., e de ter sido alertado por um cliente para se dirigir à casa de banho do estabelecimento, por uma sua amiga se encontrar há já muito tempo caída no chão da casa de banho. Disse-lhe, ainda, que ao espreitar, viu a amiga dentro do cubículo, de joelhos e alguém atrás dela, não tendo conseguido diferenciar se era um homem ou uma mulher. Face ao exposto, decidiu ir ao local, tendo percecionado que, no interior da casa de banho feminina, um dos compartimentos se encontrava fechado. Decidiu bater à porta, informando quem se encontrasse no interior do compartimento, que era da segurança do estabelecimento. Por ninguém ter respondido, acabou por forçar a abertura da porta, tendo-se, nesse momento deparado com uma rapariga de joelhos, com o quadril e a saia levantados, com as cuecas vestidas, com a cabeça praticamente dentro da sanita, inanimada e com um indivíduo, atrás dela, com as mãos na zona da cintura das calças, aparentando estar a subir as calças ou a ajeitá-las. Questionou, então, o indivíduo, sobre o motivo de estarem ambos no interior do compartimento, tendo este respondido que estava a ajudar a amiga, por ela estar maldisposta e a vomitar e que ela estava a fazer chichi. Referiu, ainda, que, na ocasião, ficou convicto que a situação descrita pelo indivíduo não correspondia ao que estava a visualizar, uma vez que a rapariga não estava sentada na sanita e que o chão não estava molhado. Decidiu chamar uma senhora da limpeza para compor a roupa da rapariga e pediu auxílio a um colega para a retirar do interior da casa de banho. Solicitou a um outro colega que ficasse a aguardar a chegada da polícia ao local, junto do indivíduo, tendo o depoente, de seguida, transportado a rapariga, a braços, com o colega que tinha chamado para o auxiliar, para uma zona mais recatada, exclusivamente para funcionários. Tentaram falar com ela, o que não foi possível, por a mesma se manter completamente inanimada e não responder. Acrescentou que os agentes da PSP, chamados ao local, falaram com o indivíduo, e que, ao efectuarem uma revista sumária ao mesmo, encontraram um frasco, contendo uma substância desconhecida. Ao ver o conteúdo do frasco, percepcionou que se tratava de uma droga usada pelos violadores, para ter actos sexuais, que, se tomada em grandes quantidades, deixa uma pessoa inanimada, do que tem conhecimento por trabalhar na noite, onde é habitual o consumo dessas substâncias. Posteriormente, os Bombeiros Voluntários de Lisboa chegaram ao local, tendo confirmado a inconsciência da rapariga, pelo que a conduziram ao Hospital (auto de inquirição de fls. 81 a 83).
Refira-se que, o relato dos factos efectuado pela testemunha CC, encontra suporte de prova no auto de notícia de fls. 106 e 107, de onde resulta que, na sequência da revista efectuada ao arguido, foi encontrado e apreendido, um frasco de cor castanha, contendo no seu interior produto suspeito de ser estupefaciente, nomeadamente GHB, no auto de apreensão de fls. 111 e 111v. e no relatório pericial de fls. 69, comprovativo da qualidade do produto apreendido, GAMABUTIROLACTONA, e onde se refere que a ingestão deste produto tem efeitos semelhantes aos provocados pela ingestão de gama-ácido hidroxibutírico (GHB).
E encontra, igualmente, suporte de prova no auto de visionamento das imagens de videovigilância, de fls. 85 a 94, onde é visível o arguido a dirigir-se sozinho à casa de banho feminina da discoteca e a introduzir-se no seu interior, bem como, cerca de doze minutos depois do arguido se ter introduzido na casa de banho, um rapaz não identificado a dirigir-se ao local, a ajoelhar-se no chão, por forma a espreitar para baixo de uma das cabines existentes no interior da casa de banho feminina, a sair do corredor e a regressar à casa de banho feminina, cerca de um minuto depois, agora acompanhado de um segurança do estabelecimento.
O tribunal valorou, igualmente, o relatório pericial que integra fls. 37 a 39 dos autos, de onde resulta que na sequência do exame efectuado à vítima BB, foram observadas lesões traumáticas a nível da superfície corporal, nomeadamente uma lesão traumática na região genital, designadamente petéquias na membrana imenial, ás 9h, lesões estas que, pela sua natureza e localização, tudo indicia terem decorrido directamente da agressão sexual cuja prática pelo arguido se encontra fortemente indiciada, a qual, segundo as regras da experiência comum, constitui causa adequada para produzir tais resultados.
Em suma, em face da análise crítica e conjugada de todos os elementos probatórios, de natureza pericial, documental e testemunhal existentes nos autos, é nosso entendimento encontrar-se fortemente indiciada nos autos toda a factualidade a que é feita referência no requerimento do Ministério Público de apresentação de arguido, designadamente que, nas circunstâncias de tempo e de lugar aí referidas, o arguido, o arguido facultou GAMABUTIROLACTONA à vítima, BB, para que esta a consumisse, e, por via de tal consumo, ficasse numa situação de falta de capacitação motora e percepção da realidade e memória, num estado de total ausência de condições físicas e psicológicas, que a impossibilitava de um qualquer poder de decisão ou de manifestar oposição à prática dos actos sexuais que o arguido visava perpetrar, tendo-se o arguido aproveitado de tal estado de incapacidade e vulnerabilidade por si promovido, para, após se introduzir no interior da casa de banho feminina do estabelecimento ..., manter com esta actos sexuais de cópula vaginal, bem sabendo que a mesma se encontrava inconsciente, e, por esse motivo, numa situação de total impossibilidade de resistir aos desígnios do arguido.
No que respeita às condições pessoais do arguido, consideradas como indiciadas, atendeu-se às declarações do próprio, não lhe sendo conhecidos antecedentes criminais, uma vez que o Ministério Público não indicou o CRC do arguido no requerimento.
Atenta a matéria de facto supra referida, é nosso entendimento indiciarem fortemente os autos a prática, pelo arguido AA, em autoria material, de um crime de violação, p.p. pelo art.º 164.º, n.º 2, al. a) do Código Penal, a que corresponde a moldura abstacta de 3 a 10 anos de prisão.
Pese embora não seja conhecido ao arguido, que conta 25 anos de idade, passado criminal, atentas as circunstâncias e o à vontade com que o arguido cometeu o ilícito criminal indiciado, o tipo de actos/acções que levou a cabo com vista à satisfação dos seus instintos libidinosos, nem sequer a circunstância de se encontrar num espaço público o tendo demovido de concretizar os seus desígnios, bem como a premeditação espelhada na actividade criminosa, consideramos existir um manifesto perigo de continuação da actividade criminosa, em face da personalidade do arguido espelhada nos factos, denotando o mesmo falta de controlo dos seus impulsos sexuais, pelo que, caso permanecesse em liberdade, existiria um concreto e fundado perigo de, com vista à satisfação dos seus desejos sexuais, o arguido voltar a incorrer na prática de factos da mesma natureza, devendo-se a este propósito salientar que, atenta a prova produzida nos autos, tudo permite inferir que, na data dos factos, o arguido apenas não submeteu EE, que acompanhava a ofendida, a actos sexuais da mesma natureza, em virtude de esta, na sequência do consumo do produto facultado pelo arguido, ter desmaiado na pista de dança, e, por esse motivo, ter sido conduzida ao hospital.
No caso vertente, consideramos fazer-se sentir, igualmente, um concreto e fundado perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas relacionado com as consequências que decorrem para as vítimas dos actos de violação. A colocação num ambiente livre de quem tem sobre si a suspeita, fortemente indiciada, da comissão de um crime de violação, gera, em concreto, alarme social.
Nestes termos, consideramos que, por ora, a única medida de coacção que se mostra adequada e proporcional aos factos em causa e à personalidade do arguido, bem como à pena de prisão efectiva que, previsivelmente, lhe virá a ser aplicada em julgamento, fazendo um juízo de prognose, é a medida de coacção de prisão preventiva, mostrando-se inadequadas todas as outras, o que se determina em conformidade com os princípios constantes dos arts. 191.º, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 202.º, n.º 1, al. a) e 204.º, n.º 1, al. c), todos do Cód. Processo Penal.
No entanto, no caso vertente, consideramos que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com recurso a dispositivos de vigilância electrónica, especialmente se executada na residência dos progenitores do arguido, poderá revelar-se adequada e suficiente para obstar aos perigos referidos e á gravidade do crime indiciado. Claro que esta decisão é condicionada à existência de condições para a execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica.
Nenhuma outra medida de coacção tem a virtualidade de obstar aos perigos referidos.
Pelo que, pese embora se determine que, por ora, que o arguido deva aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, determina-se, igualmente, que se solicite à DGRSP a informação prévia a que alude o art.º 7.º, n.º 2 da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro.
Notifique.
Cumpra o art.º 194.º, n.º 10 do Cód. Processo Penal. /
Passe mandados de condução do arguido ao Estabelecimento Prisional.
Comunique ao TEP.
Organize translado.
Devolva ao DIAP.
Logo após, pelo Mm.a Juiz questionou o arguido se o mesmo expressa o seu consentimento relativamente à medida de coação de OPHVE, a cumprir na residência dos seus pais, sita na Rua ..., ..., tendo no uso da mesma dito que concordava.
Tudo conforme registado no sistema de gravação áudio em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12:08:47 horas e o seu termo pelas 12:29:13 horas.-
Do despacho que antecede foram os presentes notificados, bem como o arguido o qual entrou na sala. --
Para constar se lavrou o presente auto que vai ser assinado, quando são 12:31 horas.—
3. Decidindo
A - Da alegada inexistência de indícios fortes do cometimento por parte do arguido do crime que, indiciariamente, lhe é imputado:
A doutrina e a jurisprudência têm-se debruçado sobre o conceito de fortes indícios.
“Quando a lei fala em fortes indícios há que ter em conta a compreensão ou abrangência exacta dessa realidade, pois o legislador se limitou a falar em indícios, mas em fortes indícios, o que inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura. Isto é: não basta que essa suspeita assente num qualquer estrato factual, mas antes em factos de relevo que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade, sob pena de se arriscar uma medida tão gravosa como esta em relação a alguém que pode estar inocente ou sobre o qual não haja indícios seguros de que com toda a probabilidade vem há a ser condenado pelo crime imputado.”1
Existirão fortes indícios quando existir “Uma suspeita veemente em relação ao cometimento do facto punível, isto é, deve existir um grau elevado de probabilidade.”2
“…serão fortes indícios aqueles que, no contexto de um particular estado de desenvolvimento da investigação se apresentam particularmente claros, inequívocos e fiáveis.”3
A análise da existência de fortes indícios da prática pelo recorrente do crime em causa tem que ser efectuada analisando as provas de forma global e à luz das regras gerais da experiência comum.
Analisando a decisão recorrida, constata-se que a mesma analisou os diversos meios de prova de forma conjugada e concluiu pela forte indiciação dos factos que sustentaram a imputação ao arguido do crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº 2, al. a), do C.Penal.:
Analisando os meios de prova tidos em conta na decisão e atenta a linha do tempo, decorre indiciado o seguinte circunstancialismo fáctico:
- Na noite de 12 para 13 de Maio do ano de 2024, a ofendida BB encontrava-se no estabelecimento denominado ... na companhia de outros jovens, designadamente DD e EE. O arguido aproximou-se do grupo e referiu que tinha “ecstasy líquido negro” e estes aceitaram consumir o produto, o que fizeram junto ao corredor das casas de banho.
Tais factos resultam indiciados dos depoimentos da ofendida, BB, constante a fls 77 e 78 dos autos, e de DD, constante de fls 96 a 99.
- De seguida, o arguido perguntou várias vezes à ofendida se podia beijá-la, tendo esta respondido que não. De seguida, o arguido ofereceu apenas à depoente o mencionado produto, que esta consumiu, embora desconfiando de que não se trataria de ecstasy.
Sentiu-se entorpecida, foi dançar. Depois só se lembra de ter acordado a ambulância.
Afirmou nunca ter tido relações sexuais.
Tais factos resultam indiciados dos depoimentos da ofendida, constante a fls 77 e 78 dos autos.
- Das imagens de videovigilância do mencionado estabelecimento, constantes de fls 85 a 94, decorre que:
O arguido entrou na casa de banho feminina às 06.15.21, cfr fotogramas 6 e 7 juntos aos autos.
Ás 06.27.36, um individuo espreitou por baixo das cabines existentes no interior da casa de banho feminina, saiu e regressou, às 06.28.37, acompanhado de um segurança cfr Fotogramas 8 e 9.
O Segurança entrou na referida casa de banho, forçando a porta, às 06.28.42 fotograma 10.
- Do depoimento do segurança, de nome CC (vide fls 81 a 83) resulta que o mesmo afirmou que:
Um cliente dirigiu-se a si dizendo que uma amiga estava na casa de banho há muito tempo e, por isso, tinha espreitado por baixo da porta da casa de banho tendo verificado que a amiga ali se encontrava e que havia alguém atrás dela de joelhos.
Por isso, dirigiu-se à casa de banho e bateu à porta dizendo que era segurança e, como ninguém respondeu, forçou a porta e entrou.
No interior da casa de banho, encontravam-se uma rapariga de joelhos, com o quadril e saia levantados, com cuecas vestidas, com a cabeça praticamente dentro da sanita, inanimada e com um indivíduo atrás dela, com as mãos na cintura das calças, aparentando estar a subir as calças ou a ajeitá-las.
A rapariga estava inconsciente.
Solicitou a um colega que ficasse, junto do indivíduo, a aguardar a chegada a chegada da polícia. Quando os agentes da PSP chegaram fizeram uma revista ao arguido e apreenderam um frasco
Quando os bombeiros chegaram a rapariga ainda estava inanimada.
- A fls 69/70 consta o exame realizado ao líquido contido no frasco apreendido ao arguido que concluiu pela presença de substancia activa de Gamabutirolactona.
- A fls 37 a 40 consta o Relatório de Perícia de Natureza Sexual realizado a BB pelo INML em 13.5.2025.
De tal relatório destaca-se o ponto 4 que se transcreve:
Foi também observada lesão traumática na região genital designadamente petéquias na membrana himenal, às 9 horas. Não se pelo testemunho qual a origem da mesma. Sobre essa lesão, acrescenta-se que: - É compatível com traumatismo de natureza contundente.
Mais resulta e tal relatório que foram efectuadas colheitas, designadamente zaragatoa perianal.
- A fls 194/195 consta o Relatório Pericial Criminalística – Biológica – do qual consta que na zaragatoa perianal referida “Foi identificada a presença d um haplotipo do cromossoma y.
Com base na análise da prova, concluiu o Senhor Juiz de Instrução que se encontram fortemente indiciados todos os factos constantes do requerimento apresentado pelo Ministério Público.
Dissecados estes meios de prova, com base nas regras da experiência, corrobora-se a análise feita pela primeira instância, excepção feita aos pontos 11, 15 e 16 do requerimento.
Na verdade, entende este Tribunal ad quem que se apura indiciariamente que:
11 – De imediato, o arguido baixou também as suas calças, colocou-se por trás de BB e introduziu, pelo menos parcialmente, o seu pénis erecto na vagina de BB, causando sangramento da membrana himenal.
15 – Nessa ocasião, CC deparou-se com a ofendida BB de joelhos, com o quadril e a saia levantados, com as cuecas vestidas, com a cabeça praticamente dentro da sanita, inanimada.
16- Mais verificou que o arguido estava posicionado atrás de BB, com as mãos na zona da cintura das calças, aparentando estar a subir as calças ou a ajeitá-las.
Ora, esta alteração quanto à matéria entendida como fortemente indiciada não contende com o enquadramento jurídico-penal plasmado na decisão recorrida.
Em conclusão, mostra-se suficientemente indiciada a prática pelo arguido de factos que integram o crime p. e p. pelo artigo 164º, nº2, al. a), do C.Penal.
B- Da inadequação da medida aplicada e da adequação da medida prevista nº artigo 198º do CPP – ou de proibição de frequentar casas de diversão noturnas como discotecas.
Impõe-se agora analisar se se verificam os requisitos para aplicação de medida de coação.
Ora, o princípio da inocência e o direito à liberdade, consagrados constitucionalmente, têm que ser compaginados com a necessidade de, de forma eficaz, acautelar os perigos a que alude o artigo 204º do C.P.P..
Excepção feita ao T.I.R., nenhuma medida de coacção pode ser aplicada sem que se verifique, em concreto e no momento, qualquer dos perigos referidos no art.º 204º do C.P.P.: a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou c) perigo, em razão da natureza ou das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Ora, concretizam-se na decisão recorrida as razões pelas quais foi entendido estarem verificadas as circunstâncias previstas na alínea c) do nº 1 do artigo 204º do CPP, razões que este Tribunal corrobora.
Mostram-se, pois preenchidos os requisitos legais para aplicação de medida de coacção, para além do TIR.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 193º do C.P.P., as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Como determina no nº 2 do aludido preceito, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação apenas deverão ser decretadas quando outra medida de coacção não seja adequada às exigências cautelares do caso e quando seja proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. Tal norma decorre do disposto no nº 2 do artigo 28º da C.R.P., consagrando-se o carácter excepcional da prisão preventiva.
Mesmo entendendo-se que existem fortes indícios da prática pelo arguido do crime de violação, cumpre verificar se as exigências cautelares poderiam ser salvaguardadas com a aplicação de medidas menos gravosas.
É consabido que o crime de violação gera grande intranquilidade social. Por pertinente, transcreve-se a seguinte análise: “O perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública decorre directamente dos termos em que são perpetrados certos crimes, pela revolta e insegurança que geram nas pessoas, sobretudo quando não se lhes segue uma imediata reação reasseguradora por parte do aparelho repressivo em que repousa a crença da ordem e segurança comunitárias.”4
Conclui-se na decisão recorrida que as necessidades cautelares que se fazem sentir não se compadecem com a aplicação de outras medidas de coação que não as aplicadas e, na verdade, atenta a natureza do crime e o circunstancialismo em que o mesmo terá sido praticado, as medidas propugnadas pelo recorrente bem como quaisquer outras não privativas da liberdade seriam, assim se entende, manifestamente inadequadas, por ineficazes, para acautelar os mencionados perigos. In casu estavam verificados os pressupostos da aplicação a medida prevista no artigo 202º do CPP que, adequadamente o por tal se ter mostrado viável, o Tribunal a quo substituiu pela medida prevista no artigo 201º, nº1, do CPP.
Em face de todo o exposto, conclui-se que o Tribunal a quo, após uma serena e adequada ponderação, aplicou as únicas medidas adequadas e suficientes para prevenir os perigos que se impunha acautelar.
Improcede, pois, o recurso por se considerar que o despacho recorrido não merece reparo.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram este Colectivo em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa e justiça em 3 UCs.
Lisboa, 22 de Maio de 2025
Consigna-se que a presente decisão foi processada e revista pela relatora e a primeira signatária.
Cristina Santana
Ana Paula Guedes
Maria de Fátima R. Marques Bessa
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1. Vide Simas Santos e Leal Henriques, in CPP Anotado, vol I, p. 995
2. Vide Claux Roxin, in Derecho Processual Penal, p. 259, Editores Del Puerto, 2000, 25ª Ed.
3. Ac TRE de 22.1.2019, Proc. 2/17.8GBFAR-C.L1
4. Ac TRP de 8.2.2012, relatado por Ricardo Costa Silva in http://www.dgsi.pt