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PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DA SENTENÇA
EMBARGOS DE EXECUTADO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário
1 - Quando há violação do princípio do contraditório, constituindo a sentença uma decisão surpresa, a nulidade processual decorrente dessa violação é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, dado que, sem a prévia audição das partes, o tribunal não podia conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão. 2 – O Tribunal de recurso pode suprir tal nulidade ao abrigo do disposto no art. 665º, nº 1 do C. P. Civil, uma vez que o Recorrente, no seu recurso, já se pronunciou sobre a matéria analisada na decisão surpresa e o Réu, ao serem-lhe notificadas as alegações do recurso interposto pelo Autor, teve igual oportunidade, estando cumprido o contraditório relativamente a tal matéria, não havendo nesta fase necessidade de fazer cumprir o preceituado nos arts. 3º, nº 3 ou no 665º, nº 3, ambos do C. P. Civil, estando o processo pronto para se conhecer do objeto da apelação.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Relatório:
AA, deduziu embargos à execução intentada por BB e CC visando a extinção da instância executiva.
Alega para o efeito ter já cumprido a prestação (retirado a corrente e aloquete) e, a final, exceciona o abuso de direito.
Os exequentes contestaram, impugnando o alegado pelo embargante, já que apesar de ter retirado – após a instauração da execução - uma corrente e cadeado que obstavam ao uso da servidão, colocou outros entraves a esse uso.
Pede a improcedência dos embargos.
Proferiu-se despacho saneador, julgando-se válida e regular a instância.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido, na parte com interesse para o caso em apreço, proferida decisão nos seguintes termos:
“(…) Através dos embargos de executado, o executado busca demonstrar que o título executivo é insubsistente. Como refere Lebre de Freitas (A Acção Executiva, Coimbra Editora, 2009, pág. 171), «A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva.».---- Na sua estrutura processual, os embargos constituem, então, uma verdadeira acção declarativa que é, simultaneamente, um meio de defesa do executado. Apesar de serem, aparentemente, extrínsecos à acção executiva, são, com efeito, uma “contra-acção”, destinada a impedir a produção dos efeitos do título executivo ou a demonstrar a falta de pressupostos da acção executiva.---- O título dado à execução é uma decisão judicial (composto de sentença e acórdão).— Estatui o art. 729º do Cód. Proc.Civil que são fundamentos para a oposição à execução mediante embargos, quando o título é uma sentença, os seguintes: (…) Nos termos do artigo 868º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, um dos fundamentos dos embargos à execução para prestação de facto pode ser, ainda que o título seja uma sentença, o cumprimento posterior da obrigação.--- No caso, alega o embargante que cumpriu as obrigações que lhes foram impostas judicialmente.---- O título baliza a execução, pelo que se impõe, antes do mais, apreciar do cumprimento da obrigação fixada na sentença/acórdão dados à execução.-- Nos termos do título executivo, foi o executado condenado a “C) Retirar a corrente e aloquete que colocou no portão de ferro e, bem assim, quaisquer outros obstáculos que, entretanto, venha a colocar no caminho de servidão referido em B), de modo que os AA. o possam utilizar, sem qualquer obstáculo, para acesso a pé, com animais e veículos de tração animal e mecânica para aceder ao logradouro do prédio identificado no artigo 1º desde o caminho público situado a poente e vice-versa, no prazo de 10 dias”--- Os exequentes requereram na execução a realização coactiva da prestação na parte que respeitava à retirada da corrente e aloquete.— Apurou-se que, posteriormente à instauração da execução o executado retirou aqueles objectos e, assim, verifica-se a inutilidade superveniente da lide exequenda e, consequentemente, destes embargos.— Os exequentes alegaram, na contestação, terem entretanto sido colocados outros obstáculos ao trânsito por aquele caminho, os quais resultaram parcialmente provados.— Contudo, o tribunal não pode basear a sua decisão nestes embargos em tal factualidade, pois que a mesma não é alegada no requerimento executivo. Os exequentes têm título para executarem a sentença nessa parte (como prestação de facto negativo), mas não podem introduzir esses factos na lide por via da contestação.— De toda a forma, sempre se dirá que, sendo intentada execução com esse objecto, além das consequências normais da verificação – nesse momento – do facto, sempre este tribunal entenderia actuar o executado de má fé por persistir nessa conduta.-- Resta, por último, apreciar do abuso de direito cuja alegação se afigura inusitada, pois que esta excepção pressupõe a declaração do direito. Ora, se o executado pugnava pela realização da prestação, ou seja, pela inexistência do direito na esfera jurídica dos exequentes, não se compreende como o tem pressuposto.— Inexiste, pois, qualquer abuso, até face ao que entretanto se apurou.--
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V. Decisão:--- Pelo exposto, decide-se julgar verificada a inutilidade superveniente da lide executiva face ao cumprimento da obrigação posteriormente à instauração da execução e, assim, determinar a extinção desta.— Custas pelo embargante – cfr. art. 536º, nºs 3 e 4, do Cód. Proc. Civil – fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia.-- Registe e notifique“
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Inconformados vieram os Embargados recorrer formulando as seguintes conclusões:
1. A prolação de decisão de extinção da instância executiva, por inutilidade superveniente da lide, sem que tenha sido dado conhecimento às partes da intenção de a proferir e sem lhes dar oportunidade de sobre ela se pronunciarem, constitui decisão-surpresa que gera nulidade processual nos termos dos art.os 3.º, n.º 3 e 195.º, n.º 1 do CPC;
2. No caso dos autos, tendo o embargante procedido à colocação de obstáculos (pedras e troncos) no leito do caminho de servidão em data posterior à instauração da execução, a contestação dos embargos de executado é o articulado próprio para a alegação, pelos embargados, de tais factos constitutivos do seu direito;
3. A condenação do embargante a retirar quaisquer outros obstáculos que, entretanto, venha a colocar no caminho de servidão, insere-se no âmbito de uma prestação de facto positivo (e não de uma prestação de facto negativo).;
4. Provado que o embargante, em data posterior à instauração da execução, colocou obstáculos (pedras e troncos) no caminho de servidão, não é possível concluir pela inutilidade superveniente, mas antes pela improcedência dos embargos;
5. A douta sentença recorrida viola os art.os 3.º, n.º 3 e art.º 277.º, alínea e) do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito, concedendo provimento à presente apelação, deverá proferir-se douto acórdão que, revogando a douta sentença recorrida, julgue os embargos de executado totalmente improcedentes, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, a habitual
JUSTIÇA.
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O Recorrido apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:
-Analisar se a decisão proferida foi uma decisão surpresa por violação do princípio do contraditório;
- Analisar se se verifica a inutilidade superveniente da lide executiva face ao cumprimento da obrigação posteriormente à instauração da execução.
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Factos considerados provados na decisão recorrida:
Do requerimento executivo:
a) Foi dada à execução a sentença proferida na ação comum nº 1298/21.... do Juízo Local Cível de Fafe confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que aqui se dão por integralmente reproduzido.
b) O executado foi condenado, no processo referido em a) a:
A) Reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio descrito no ponto 1.º dos factos provados;
B) Reconhecer o direito de servidão de passagem a pé, com animais e veículos de tração animal e mecânica sobre o caminho descrito nos pontos 11º a 15º dos factos provados, a onerar o prédio do réu identificado no ponto 8º a favor do prédio dos AA., identificado no ponto 1º, constituído por "destinação do pai de família";
C) Retirar a corrente e aloquete que colocou no portão de ferro e, bem assim, quaisquer outros obstáculos que, entretanto, venha a colocar no caminho de servidão referido em B), de modo que os AA. o possam utilizar, sem qualquer obstáculo, para acesso a pé, com animais e veículos de tração animal e mecânica para aceder ao logradouro do prédio identificado no artigo 1º desde o caminho público situado a poente e vice-versa, no prazo de 10 dias”.
Da petição de Embargos:
c) O embargante procedeu à retirada da corrente e do aloquete do portão de acesso à propriedade identificada na ação declarativa a que se alude nos presentes autos.
Da contestação:
d) A corrente e cadeado foram retirados após a instauração da execução que foi intentada em 4/6/2004;
e) Depois de ter retirado a corrente e o aloquete o executado colocou no leito do caminho pedras e troncos.
Considera-se ainda com interesse para a presente decisão o seguinte facto:
– No requerimento executivo, os Exequentes pedem o seguinte:
“Por douto acórdão de fls., já transitado em julgado, que julgou o recurso totalmente improcedente, confirmando a douta sentença de fls., foi o Executado condenado a:
A) Reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio descrito no ponto 1.º dos factos provados;
B) Reconhecer o direito de servidão de passagem a pé, com animais e veículos de tração animal e mecânica sobre o caminho descrito nos pontos 11º a 15º dos factos provados, a onerar o prédio do réu identificado no ponto 8º a favor do prédio dos AA., identificado no ponto 1º, constituído por "destinação do pai de família";
C) Retirar a corrente e aloquete que colocou no portão de ferro e, bem assim, quaisquer outros obstáculos que, entretanto, venha a colocar no caminho de servidão referido em B), de modo que os AA. o possam utilizar, sem qualquer obstáculo, para acesso a pé, com animais e veículos de tração animal e mecânica para aceder ao logradouro do prédio identificado no artigo 1º desde o caminho público situado a poente e vice-versa, no prazo de 10 dias.
Sucede que, já decorreu o prazo, sem que o Executado tenha prestado tal facto, nos termos em que foi condenado, designadamente, não retirou a corrente e o aloquete do portão de ferro para permitir a passagem dos AA. naquele caminho de servidão.
Razão pela qual o Exequente vem requerer a respetiva execução de sentença, sendo certo que tratando-se de facto fungível, opta pela prestação de facto por outrem.
Termos em que requer a V.ª Ex.ª se digne deferir a prestação por outrem e ordenar a citação dos Executado para, no prazo de 20 dias deduzir, querendo, oposição, seguindo-se os demais termos dos artigos 868.º e seguintes do CPC até final.
Factos não provados:
Da petição de Embargos:
1) A retirada da corrente e do aloquete ocorreu entre fins de novembro e princípios de dezembro de 2023 e sempre antes da instauração da execução;
2) Encontrando-se o caminho de servidão, desde então, livre, desocupado e sem qualquer obstáculo que impeça ou diminua a passagem e o acesso reconhecido nos referidos autos.
Da contestação:
3) Depois de ter retirado a corrente e o aloquete o executado colocou no leito do caminho uma cancela
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Cumpre apreciar e decidir:
Da nulidade da decisão por violação do contraditório:
Verifiquemos se, ao pronunciar-se no sentido da inutilidade superveniente da instância executiva, a Srª Juiz violou o disposto no art. 3º, nº 3 do C.P. Civil, com a prolação de uma decisão surpresa, violando o princípio do contraditório.
O princípio do contraditório, é um princípio fundamental do processo civil que reconhece às partes o direito a exporem as suas razões, o direito a serem ouvidas e a exercerem uma influência efetiva na marcha do processo, garantindo às partes uma efetiva participação no andamento do processo.
O princípio do contraditório emana de um outro princípio que se traduz na exigência constitucional do direito de ação ou direito de agir em juízo através de um processo equitativo (artigo 20.º da CRP).
Como acima se menciona, o referido princípio encontra-se legalmente consagrado, designadamente no art. 3º, nº 3 do C. P. Civil.
Diz-nos este preceito que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
A violação do contraditório consubstancia uma nulidade (v. art. 195º, nº 1 do C. P. Civil) quando a omissão do ato ou formalidade que a lei prescreve possa influenciar a decisão da causa, devendo ser invocada no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento da mesma, perante o tribunal onde foi cometida.
No entanto, conforme se decidiu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/1/11, da Relação de Coimbra de 13/11/12 e da Relação de Évora de 10/04/14 e no nosso Acórdão desta Relação, de 8/11/2018 (todos in www.dgsi.pt ), estando a nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório sancionada/coberta por uma decisão judicial, a respetiva arguição poderá ocorrer em sede de recurso interposto dessa mesma decisão.
Na verdade, conforme explica o Professor Miguel Teixeira de Sousa no blog do IPCC em comentário ao Acórdão da Relação de Évora de 30/06/2016, a nulidade processual decorrente da violação do princípio do contraditório é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.), dado que, sem a prévia audição das partes, o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão.
No caso em apreço, conforme se verifica da análise do processado, a Srª Juiz não notificou as partes para se pronunciarem sobre a eventual extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide, pelo que, violou o disposto no art. 3º, nº 3 do C. P. Civil.
A Srª Juiz, ao pronunciar-se sobre a nulidade invocada, refere que “se não fosse julgada extinta por inutilidade, a execução seria extinta pela procedência dos embargos, já que não podia a mesma prosseguir se a prestação invocada e sub judice se mostrava cumprida”, concluindo deste modo que não há decisão surpresa. No entanto, não podemos concordar com este entendimento, pois, manifestamente, é diverso julgar procedentes os embargos ou julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, sendo certo que, relativamente ao mérito do pedido formulado nos embargos puderam as partes pronunciar-se nos seus articulados e tal não ocorreu relativamente ao fundamento de extinção utilizado pela Srª Juiz a quo.
O Tribunal recorrido pronunciou-se, assim, sobre uma questão não arguida pelo Embargante ou pelos Embargados, pelo que deveria ter convidado as partes a pronunciarem-se sobre a mesma antes de emitir a sua decisão, sendo certo que, tratando-se de uma causa de extinção da instância, não é manifestamente um caso em que tal pronúncia fosse manifestamente desnecessária.
A sentença recorrida padece pois de nulidade por excesso de pronúncia, podendo este Tribunal supri-la ao abrigo do disposto no art. 665º, nº 1 do C. P. Civil.
No caso, os Recorrente, no seu recurso, já se pronunciaram sobre a questão em apreço assim como o Recorrido nas contra-alegações, estando cumprido o contraditório relativamente a tal matéria, pelo que, atualmente, não há qualquer necessidade de fazer cumprir o preceituado nos arts. 3º, nº 3 ou no 665º, nº 3, ambos do C. P. Civil, estando, pois, o presente processo pronto para se conhecer do objeto da apelação, o que se irá fazer de seguida.
Da inutilidade superveniente da lide executiva:
A instância extingue-se nas circunstâncias previstas no art. 277º do C. P. Civil, designadamente por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (al e) ).
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui por ele já ter sido atingido por outro meio.” (v. José Lebre de Freitas, e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, pág. 561).
No caso, ao contrário do que refere a Srª Juiz na decisão recorrida, os Exequentes, no requerimento executivo, não se limitaram a requerer “na execução a realização coactiva da prestação na parte que respeitava à retirada da corrente e aloquete”.
Com efeito, como se pode verificar da análise do pedido efetuado no requerimento executivo e acima transcrito, os Exequentes dizem, nomeadamente o seguinte:
“Sucede que, já decorreu o prazo, sem que o Executado tenha prestado tal facto, nos termos em que foi condenado, designadamente, não retirou a corrente e o aloquete do portão de ferro para permitir a passagem dos AA. naquele caminho de servidão.
Razão pela qual o Exequente vem requerer a respetiva execução de sentença. (sublinhados nossos).
Ora, como se explica no Acórdão do STA de 15/05/2003 (in www.dgsi.pt ) “Designadamente é sintagma adverbial que representa o modo de designar, de indicar, denominar. Inserido numa oração, o advérbio tem um sentido especificativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto”.
Assim, o pedido em causa não exclui, ou melhor, inclui “quaisquer outros obstáculos para acesso a pé, com animais e veículos de tração animal e mecânica para aceder ao logradouro do prédio aí identificado, desde o caminho público situado a poente e vice-versa”, de modo a que os Exequentes o possam utilizar, tal como foi determinado na sentença exequenda, sendo as referências à corrente e ao aloquete meramente exemplificativas.
Ora, tendo o Executado/Embargante retirado do caminho a corrente e o aloquete, mas estando provado que “Depois de ter retirado a corrente e o aloquete o executado colocou no leito do caminho pedras e troncos.”, é manifesto que a obrigação estipulada na sentença exequenda não se mostra cumprida, pelo que, não havia fundamento para extinguir a instância por recurso ao instituto da inutilidade superveniente da lide.
Assim, julga-se o recurso procedente e revoga-se a decisão recorrida.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrido.
Guimarães, 15 de maio de 2025
Alexandra Rolim Mendes António Beça Pereira (com declaração de voto) Paulo Reis
Declaração de voto:
Subscrevo o acórdão com exceção da afirmação de que "a nulidade processual decorrente da violação do princípio do contraditório é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.)".
A expressão "o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento", que se encontra no artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, refere-se às questões que estão, de todo, fora do conhecimento do juiz; que ele não pode conhecer em momento algum do processo.
Ela não se aplica às questões que o juiz tem de conhecer, mas que, nomeadamente em obediência ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, só o pode fazer depois de ser exercido o contraditório; ou seja, não abrange as questões subjacentes a "todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções que oficiosamente (…) [ao juiz] cabe conhecer."[1] Aqui o vício não está no seu conteúdo, isto é, no conhecimento da questão, pois o tribunal sempre teria de se pronunciar quanto a ela e pode vir a decidir nesses precisos termos; encontra-se, sim, no momento em que a questão é conhecida, visto que há uma inobservância da tramitação processual (error in procedendo) que antecede a decisão. No caso trata-se de um desrespeito pelo contraditório, dado que se omitiu um ato - a audição de um ou mais sujeitos processuais - que tinha de ser praticado previamente à apreciação da questão. E o vício em que se traduz a omissão desse ato que a lei prescreve, sendo suscetível "influir no exame ou na decisão da causa"[2], acaba por comprometer a validade dos atos posteriores, designadamente da decisão que é proferida em tais circunstâncias.[3]
Neste cenário, como se disse, o vício não está na decisão em si mesma, encontra-se, sim, no iter processual que a antecede; a sentença foi proferida sem previamente se observar uma exigência processual a que, a montante, havia que dar cumprimento, tal como sucede na hipótese de, "no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados"[4]. Não esqueçamos que "o direito processual constitui um encadeamento de atos com vista à consecução de um determinado objetivo".[5]
Deste modo, nos termos do disposto no artigo 195.º n.º 1 do Código de Processo Civil estamos na presença de uma nulidade processual e não de uma nulidade da sentença.[6]
António Beça Pereira
[1] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª Edição, pág. 704. [2] Cfr. artigo 195.º n.º 1. [3] Dentro desta linha de raciocínio veja-se Ac. STJ de 2-6-2020 no Proc. 496/13.0TVLSB.L1.S1, https:// jurisprudencia.csm.org.pt/ecli, Ac. Rel. Évora de 9-9-2021 no Proc. 1883/20.3T8STR-A.E1 e Ac. Rel. Porto de 10-11-2020 no Proc. 358/19.8T8VNG.P1, estes em www.gde.mj.pt. [4] Este é um exemplo dado pelo Prof. Teixeira de Sousa, no Comentário de 22-9-2020, em https://blogippc.blogspot.com, de "uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, porque foi praticado um ato que a lei, naquele momento, não permite" [5] Ac. Tribunal Constitucional 122/2002, www.tribunalconstitucional.pt [6] Neste sentido veja-se Nuno de Lemos Jorge e Paulo Ramos de Faria, Texto publicado a 22-10-2024 em https://blogippc.blogspot.com