PROVIDÊNCIA CAUTELAR INFUNDADA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário


- O art. 374° n.°1 do CPC cria uma fonte de responsabilização do requerente de um procedimento cautelar, por danos que a sua conduta determine na esfera da parte contrária, quando não tenha agido com a prudência normal.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:
           
AA e mulher BB, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes no lugar ..., ..., freguesia ... e CC, instauraram a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum contra DD, solteira, maior, residente na rua ..., freguesia ... e CC, pedindo a condenação desta a:

a) abster-se de praticar atos que impeçam os AA de usar e fruir do perímetro do seu prédio, identificado em 1º, 2º e 3º da p.i., abstendo a Ré de praticar quaisquer atos no talude pertença ao prédio dos AA e que divide o seu prédio identificado em 38º do prédio destes.
b) pagar aos autores indemnização a liquidar em incidente de execução de sentença, pelos danos referidos nos artº 46º a 160º desta p.i., relegando-se a fixação do seu montante para posterior liquidação, nos termos e para os efeitos disposto no art. 661º, nº. 2 do C. P. Civil, por os mesmos serem indemnizáveis por determinação expressa dos arts. 562º, 563º e 564º, nº4 todos do C. Civil, em consequência do indeferimento do procedimento de embargo de obra nova intentado pela aqui ré contra os aqui AA que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Verde sob o nº proc. nº 757/15.... – Tribunal Judicial de Vila Verde.
c) pagar aos autores indemnização no valor de 57.570,00 € acrescido de IVA, pelos danos indicados nos artº 161º a 192º desta p.i. por os mesmos serem indemnizáveis por determinação expressa dos arts. 562º, 563º e 564º, nº4 todos do C. Civil, em consequência do indeferimento do procedimento de embargo de obra nova intentado pela aqui ré contra os aqui AA que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Verde sob o nº proc nº 757/15.... – Tribunal Judicial de Vila Verde, acrescidos dos juros calculados à taxa legal de 4% até efetivo e integral pagamento.
d) pagar aos autores indemnização no valor de 12.500,00 €, pelos danos morais, conforme indicado nos artº 193º a 246ºº desta p.i, em consequência da atuação da Ré, no seguimento do indeferimento do procedimento de embargo de obra nova intentado pela mesma contra os aqui AA que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Verde sob o nº proc. nº 757/15.... – Tribunal Judicial de Vila Verde, acrescidos dos juros calculados à taxa legal de 4% até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente,
e) pagar aos AA uma indemnização a fixar equitativamente por este douto Tribunal, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade da Ré responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização (art. 496º,n.º3 ), aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc..
f) nada fazerem que impeça, perturbe ou por qualquer modo dificulte o exercício aos AA do uso do talude.
g) pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada ato ou dia de incumprimento da douta decisão que vier a ser proferida e cujo montante não deverá ser fixado em valor inferior a € 1.000,00.

Alegam, para tanto, que são proprietários de uma parcela de terreno para construção, a confrontar de Norte e Poente com DD, de nascente com EE e de Sul com Caminho Publico, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...04 e inscrita na matriz urbana da agora União de freguesias ... e CC sob o art.º ...20º onde se encontram a construir uma habitação unifamiliar e que a Ré procedeu ao embargo extrajudicial da obra, invocando que a mesma se encontrava a ser realizada em parte em terreno seu, confinante com aquela parcela.

Invocaram, ainda, que este embargo lhes causou danos patrimoniais decorrentes da paralisação da obra entre ../../2015 e ../../2016, que se repercutiram na parte da obra que se encontrava já edificada e no aumento de encargos com a realização da empreitada, bem como danos de natureza não patrimonial.

*
Regularmente citada, a Ré não apresentou contestação no prazo que legalmente dispunha para o efeito.

Não tendo a Ré contestado, face ao disposto nos arts. 563º e 567º nº 1, ambos do C.P.C., consideraram-se assentes todos os factos alegados na petição inicial, dos quais se destacam os seguintes:
1. Os AA são presentemente donos e legítimos possuidores de uma unidade PREDIAL, designada de Parcela de terreno para construção, a confrontar de Norte e Poente com DD, de nascente com EE e de Sul com Caminho Publico, parcela essa descrita na competente Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...04.
2. A referida unidade predial encontra-se inscrita na matriz urbana da agora União de freguesias ... e CC sob o art.º ...20º.
3. Detém a referida unidade predial um perímetro de 750 m2 (setecentos e cinquenta metros quadrados) tudo como melhor resulta do levantamento topográfico que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
4. Nessa parcela de terreno estão os Autores presentemente a levar a cabo a construção de uma habitação familiar.
5. Porem, tal configuração da parcela nem sempre foi esta, dado que a referida unidade predial agora descrita na competente Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...04 teve origem na junção de dois artigos rústicos e de um urbano, em ruinas, que ali existia como se passa a descrever.

Com efeito,
6. Os aqui Autores, por escritura de compra e venda outorgada no cartório notarial ... em 6 de setembro de 2013, adquiriram a seus pais e sogros, respetivamente, FF e mulher, com autorização dos irmãos do autor marido, a unidade predial atrás referida, composta pelos artigos que a seguir se descrimina.
7. A agora única unidade predial composta por parcela de terreno para construção era composta pelos seguintes prédios:
a. Um prédio urbano inscrito na matriz da extinta freguesia ... sob o artº ...9º/U
b. Um prédio rústico inscrito na matriz da extinta freguesia ... sob o artº ...36....
c. Um prédio rústico inscrito na matriz da extinta freguesia ... sob o artº ...37º/R -
8. Os autores entretanto procederam à junção dos respetivos artigos, formando assim uma única unidade predial para efeitos de ali construírem uma habitação unifamiliar, agora descrita na competente Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...04.
9. A referida compra e venda englobou assim os artigos rústicos ...36... e ...37..., bem como o urbano ...9º/U, todos da extinta freguesia ..., ....
10. Os AA procederam ao pedido de averbamento em seu nome dos referidos prédios em 10 de setembro de 2013.
11. Tratava-se efetivamente de um Eido que pertenceu a duas irmãs, tias do pai do autor marido; EE.
12. O prédio que agora é dos Autores, e que fica numa cota superior ao terreno da Ré, em tempos, pertencia a duas irmãs de seu nome GG e HH.
13. Ali viviam naquele local as referidas duas irmãs em tempos, tendo herdado cada uma delas uma parte de terreno,
14. E viviam ambas numa casa em pedra,
15. paredes meeiras,
16. que ali existia e que agora foi destruída para dar lugar ao lote onde os AA estão a construir a sua habitação
17. Sendo que a HH era dona e legitima proprietária de uma parcela que aqui se identifica a verde na planta anexa e se dá por integralmente reproduzida, parcela essa que correspondia ao artigo rustico nº ...36 da extinta freguesia ...,
18. E a GG era dona e legitima proprietária de um terreno e casa antiga em pedra, identificado a vermelho na planta, planta essa que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido, terreno esse que estava inscrito na matriz urbana sob o nº ...9, e na rustica sob o nº 637, ambos da referida extinta freguesia .... -
19. As referidas irmãs, havia recebido tais prédios por partilha Judicial por óbito de seus pais, bisavós do autor marido e avós do pai do autor marido.
20. Após a GG ter falecido, sucedeu com herdeiro daquele terreno e casa – artº ...37/rustico e ...9º/Urbanoº - o seu filho, II, casado com JJ, residentes na ..., em ....
21. Ora esse II, por escritura de Compra e venda realizada no Cartório ..., em 25 de julho de 2005, vendeu ao pai do autor marido, o Sr. FF, o referido terreno e casa em ruinas.
22. Tendo o referido FF, para ajudar o filho aqui autor marido e nora que ali queriam construir uma casa, em 6 de setembro de 2013, vendido tal unidade posteriormente a estes - artº ..., ... /R e ...9º/U aos aqui autores.
23. Juntaram assim os Autores os art.º ... /R, em tempos pertencente à “ Tia DD” , e o artº .../R e o artº 59º/U, em tempos pertencente à “ Tia GG” ,
24. Fruto da extinção da freguesia ... ..., os referidos artigos rústicos e urbanos deram origem aos seguintes artigos como se passa a indicar: Antigos artigos (KK) Novos artigos (União Freguesias)
Artigo rústico ...36 Deu origem ao artº 1536/R
Artigo Rústico ...37 Deu origem ao artº 1538/R
Artigo Urbano ...9 Deu origem ao artº 220/U
25. Os AA uniram aquele Eido, dado origem assim ao prédio hoje descrito na competente Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...04.
26. Os AA, desde há mais de 20 e 50 anos que a A ., por si e ante possuidores, mormente o Bisavô do autor marido, as tias do seu avô, a dita GG e DD, depois o pai do autor marido e agora os AA, vêm zelando o referido eido, terreno e casa que ali existia, colhendo feijão e outros produtos hortícolas, podando, sulfatando as videiras, cortando erva inclusive no valado, vigiando-o, limpando-o e suportando os inerentes encargos fiscais,
27. O que sempre fizeram e têm feito à vista e com conhecimento de toda a gente.
28. Por forma contínua e ininterrupta.
29. Sem oposição de quem quer que seja.
30. Na convicção de quem exerce um direito próprio correspondente à titularidade plena e exclusiva do direito de propriedade.
31. Os AA, desde há mais de 20 e 50 anos que a A., por si e ante possuidores, mormente o Bisavô do autor marido, as tias do seu avô, a dita GG e DD, depois o pai do autor marido e agora os AA, vêm zelando o referido eido, terreno e casa que ali existia, colhendo feijão e outros produtos hortícolas, podando, sulfatando as videiras, cortando erva inclusive no valado, vigiando-o, limpando-o e suportando os inerentes encargos fiscais,
32. O que sempre fizeram e têm feito à vista e com conhecimento de toda a gente.
33. Por forma contínua e ininterrupta.
34. Sem oposição de quem quer que seja.
35. Na convicção de quem exerce um direito próprio correspondente à titularidade plena e exclusiva do direito de propriedade.
36. A Ré, solteira e maior, é dona e legitima proprietária de um Eido que confina com a unidade predial dos AA, a nascente e norte deste, sendo dela divida por um muro em pedra tosca do lado norte do prédio dos Autores, e, do lado nascente deste prédio, por um talude em terra que ali sempre existiu.
37. A unidade predial dos AA confina a Nascente com o prédio da Ré, numa cota superior ao prédio desta, dele se encontrando dividido por um talude em terra, sem prejuízo do que infra se explicará.
38. referida unidade predial proveio à aqui Ré por doação realizada em 1 de março de 1982, no Cartório Notarial ..., a fls. 21 a 22 do livro para escrituras diversas nº ...49, por suas tias rosa da LL e DD.
39. O prédio dos AA, a nascente, sempre confinou com parte do terreno rústico da Ré, estando dele dividido por um valado, vulgo talude, em terra.
40. O referido talude ou valado sempre fez parte do Eido pertencente à “Tia DD” e à “Tia GG”, ambas irmãs entre si, e, também irmãs do bisavô do autor marido.
41. Os AA, em meados de março de 2014 deram inicio a um projeto de construção de uma habitação unifamiliar, com vista a implantar a mesma na unidade predial referida em 1º da p.i.
42. Entregaram, por fases, a construção da habitação a um construtor civil, mormente à sociedade EMP01... Lda, com sede no lugar ..., ..., ..., ....
43. Acontece que no decurso da obra tornou-se necessário, por imposição técnica do coordenador da obra, de alicerçar o talude a nascente, que confina com o prédio da Ré, com vista a ali construir um muro por forma a sustentar o peso da moradia sobre o terreno, para evitar desabamentos da estrutura em construção.
44. O referido muro segundo orientações técnicas do coordenador da obra teria de ser construído antes do avanço dos restantes trabalhos de empreitada da habitação, sob pena de desmoronamento da mesma com a aproximação do inverno.
45. De imediato, no ultimo terço do ano de 2015, os AA apressaram-se a mandar construir o referido muro, imediatamente por baixo do local onde se encontra construído a estrutura da moradia familiar, com vista a evitar males maiores.
46. Para o efeito, os AA solicitaram um orçamento de construção do referido muro á empresa de construção EMP01... Lda, com sede no lugar ..., ..., ..., ..., o mesmo construtor da obra.
47. Os AA aceitaram o orçamento para construção do referido muro, que seria em betão armado e ferro, de acordo com as condições e orçamento entregue pelo referido empreiteiro aos AA.
48. O representante legal da empresa EMP01... Lda deu em inicio de novembro ao começo dos trabalhos, tendo a Ré assistido com aquele representante aos trabalhos preparatórios para iniciar o muro no talude, mormente a marcação do local da escavação dos alicerces.
49. A Ré inclusivamente louvou os trabalhos ao representante legal da sociedade construtora e a iniciativa da feitura do muro pelos AA, dado que, beneficiaria ambos os prédios.
50. Acontece que, entretanto, a Ré, em 18 de novembro de 2015, embargou o inicio dos trabalhos.
51. Com efeito, a Ré, depois de ter falado com a tal LL, a quem diz que vai deixar a sua herança por não ter filhos, entendeu que a obra de abertura de alicerces a levar a cabo pela sociedade EMP01... Lda invadia a sua propriedade.
52. E nesse seguimento, a Ré mandou parar os trabalhos de abertura dos alicerces para implementar o muro em betão armado e as suas sapatas, tendo embargado a obra com duas testemunhas.
53. E isso já depois de o maquinista e manobrador da retroescavadora que andava a abrir os alicerces já os terem aberto na totalidade.
54. A Ré, bem sabendo que os alicerces foram feitos em claro respeito pelos limites de ambos os prédios, bem sabendo que tal obra beneficiaria ambos os prédios, mandou embargar os trabalhos.
55. A Ré veio, em 23 de novembro de 2015, a intentar RATIFICAÇÃO DE EMBARGO DE OBRA NOVA neste tribunal, através do proc. nº 757/15.... – Tribunal Judicial de Vila Verde, embargos esses que vieram à final a ser julgados improcedentes.
56. Pode ler-se na decisão do referido processo que “não tendo a requerente logrado demonstrar ser proprietária da faixa de terreno onde está realizada a obra, e, consequentemente, que esta ofende o seu direito, indemonstrado está, de igual modo, o prejuízo indispensável ao decretamento da Providência“.
57. A ré não instaurou posteriormente ação Declarativa, tendo-se conformado com a douta Sentença proferida no âmbito daquele embargo.
58. Os AA viram-se na necessidade técnica de proceder á construção do muro em betão para sustentar a estrutura da casa que ali andam a construir.
59. O reforço do talude em betão é essencial para o suporte da estrutura da casa.
60. Sem esse muro em Betão feito, a estrutura da casa podia resvalar a qualquer instante, caso o muro em betão do talude não fosse executado.
61. Aliás, aproximava-se o Inverno de 2015/16 e os AA foram aconselhados a ter que necessariamente reforçar o talude para evitar deslises e abatimentos antes desse Inverno.
62. Trata-se de uma estrutura de uma casa em arquitetura moderna, com solidificada a poucos metros do talude,
63. O reforço do talude é essencial para o sustento das fundações da estrutura da casa.
64. A Ré não cuidou ao intentar a ratificação de embargo de obra nova em averiguar a essência da causa que carreou para tribunal.
65. Com a atitude que tomou, paralisou uma obra até ao desfecho do Embargo
66. Tiveram os AA que aguardar o desfecho /Sentença do embargo, período de tempo durante o qual não puderam construir o muro em Betão.
67. Nem tão pouco puderam os AA dar continuidade aos trabalhos na habitação.
68. A Obra da estrutura não podia continuar sem consolidar a estrutura do imóvel e reforçar os alicerces naquele local.
69. A estrutura da casa esteve assim parada durante pelo menos 23 de novembro de 2015 até 9 de maio de 2016, acrescido do período do transito em julgado, por culpa imputável á ré que deu causa a uma demanda que foi julgada improcedente.
70. Esteve assim a obra dos AA paralisada pelo menos oito meses.
71. A estrutura da habitação dos AA esteve sujeita ao inverno de 2015/2016 sem o talude construído e assim os alicerces consolidados.
72. Nesse Inverno de 2015/2016, vários foram os dias em que choveu e ocorreu forte precipitação na região norte.
73. Com efeito, logo no final de dezembro de 2015, nomeadamente na ultima semana do mês de dezembro, ocorreram fortes e intensas chuvas, com elevada precipitação, que causou enxurradas e acumulação de água junto á estrutura a nascente da habitação dos AA, na parte em que confina com o trato de terreno onde ia ser edificado o muro.
74. No período correspondente ao mês de janeiro de 2016, também ocorreu forte precipitação de chuva logo na primeira semana de janeiro, com acumulação de água e penetração na terra que ali existia a nascente da habitação dos AA.
75. A Terra do lado nascente na parte onde ia ser edificado o muro de suporte foi fortemente afetada com a precipitação, tendo aquela terra ficado encharcada de água da chuva, mole, deslizante e pesada.
76. Em virtude disso, a terra cedeu junto aos alicerces, tendo levado a que a tela que ali tinha sido aplicada fosse esticada, tendo vindo a rebentar, rasgando-se.
77. Com a movimentação da terra por falta da existência do muro de suporte conforme foi aconselhado fazer aos Aa, a terra, ficou mole, com pouca consistência com a precipitação da chuva, alagou, e, levou ao rasgo da tela e ao desmembramento da mesma das paredes dos alicerces da casa.
78. Acontece que se estava em época de inverno, as chuvas e a precipitação intensa ia e voltava constantemente.
79. De modo que, durante esse período, com o embargo feito pela Ré e em apreciação no Tribunal o seu levantamento com a oposição dos aqui AA ali requeridos, a estrutura da habitação dos AA ficou vulnerável, sobretudo na parte em que não foi efetuado o levantamento do muro em betão.
80. O ultimo mês do inverno de 2015/16, mormente março, nos primeiros quinze dias também foi achacado com forte chuvas e precipitação, levando ainda mais ao agravamento do ensopar da terra naquele local.
81. Por via desse ensopamento e amolecer das terras, não só ocorreram o rasgar das telas, como o ensopamento e penetração de água nos alicerces.
82 .Com efeito os alicerces da estrutura da casa dos AA foi afetada.
83. Viu-se o imóvel a contas com a acumulação da água nas entranhas dos alicerces, sobretudo na parte nascente onde ia ser feito o muro em betão para consolidar,
84. Levando a que a água subir por capilaridade pela estrutura da casa,
85. Afetando os pilares e os ferros,
86. Bem como a tijoleira e blocos que ficaram embrenhados em humidades e água.
87. Com essa precipitação as águas foram penetrando nas paredes dos alicerces que ficaram desprotegidos,
88. Ocorreram também aluimentos naquele local.
89. Com os aluimentos a terra abateu-se na parte nascente da casa, imediatamente antes do local onde ia ser levantado o muro em betão.
90. As paredes da cave e rés do chão foram sujeitas a penetração de humidades para o seu interior, sendo de momento impossível quantificar o prejuízo pelo facto e as humidades se irem espalhando aos poucos e poucos.
91. Os compartimentos da habitação dos Autores apresentam humidades a surgirem no seu interior, aumentando de dia para dia.
92. Tais humidades provêm da parte nascente e estão a subir as paredes.
93. Penetrando-se nos tijolos que já se encontram nas paredes divisórias.
94. A própria estrutura da casa foi abalada com a penetração de águas das chuvas pelas telas e pelo abatimento do solo.
95. A casa já apresenta certas rachadelas na parte da cave e primeiro andar.
96. Tais danos estruturais e entrada de humidades era perfeitamente evitável caso os AA tivessem construído o muro em betão que se preparavam para construir dentro da sua propriedade no verão de 2015.
97. Estas situações têm por causa a infiltração de água através do exterior, do lado onde se ia construir o muro de suporte.
98. Os alicerces da casa em virtude de se terem rasgado as telas contra os mesmos ficou sujeita à erosão e usura do tempo,
99. Ficou a estrutura da casa e os alicerces sujeitos ao efeito das chuvas, das diferenças de temperatura e das variações climatéricas.
100. Já se verificam fendas ou rachadelas horizontais no imóvel,
101. Rachadelas que têm por origem assentamentos diferenciais da estrutura resistente do edifício.
102. Tais danos foram provocados pela atitude precipitada da Ré em embargar a construção de um muro em betão no talude imediatamente a nascente da estrutura da casa, que era imprescindível para evitar males maiores como se veio a verificar naquele inverno.
103.Os danos até aqui enunciados porque ainda continuam, não é possível de momento quantifica-los,
104. Com o embargo a referida sociedade teve de interromper a continuidade dos trabalhos.
105. E isto porque não era possível continuar outros trabalhos sem que o muro de suporte à estrutura da habitação, que estava projetado e ordenado fazer pela direção de obra, estivesse feito, sendo condição sine qua non para a continuidade em obra.
106. Com o embargo, a sociedade EMP01... Lda teve       de retirar os homens da obra,
107. Bem como teve de retirar toda a logística que ali tinha instalado para outras obras.
108. Com efeito, não era possível continuar a obra dos AA sem que o muro de suporte estivesse feito, por imposição da direção da obra.
109. Os AA viram assim o seu contrato de empreitada com o empreiteiro, a sociedade EMP01... Lda, interrompido, por culpa da Ré.
110. A referida sociedade teve de aguardar o desfecho da decisão judicial, não tendo entrado em obra naquele período.
111. Por via disso, o contrato com a sociedade EMP01... Lda sofreu alterações de timings de conclusão da empreitada, em virtude da paralisação da obra.
112. Os AA viram a empresa EMP01... Lda a abandonar a obra,
113. A levar a sua logística toda e trabalhadores.
114. Teve de aguardar vários meses até contactar novamente a dita empresa para regressar com a continuidade do contrato de empreitada.
115. Acontece que a referida empresa não pode ficar á espera que o litigio em Tribunal findasse para continuar a sua atividade.
116. A empresa EMP01... Lda teve de voltar a trabalhar e a fazer outras com prazos de empreitada.
117. Quando solicitados para voltar, a referida empresa EMP01... Lda exigiu aos AA um acréscimo de custos de empreitada de 57.570,00 €, acrescido de IVA.
118. Isto resultado do facto de não ter podido acabar a obra no timing estipulado,
119. Bem como não ter sido possível fazer o muro naquele timing, cujo contrato tinha sido objeto de orçamentação distinta.
120. Com efeito, a sociedade EMP01... Lda tinha dado um orçamento para a construção do muro de suporte em Betão porque andava já em obra, porem, o orçamento para o muro agora já é outro, mais oneroso.
121. Do mesmo modo entendeu aquela sociedade ter de rever o custo da empreitada em virtude do atraso e paralisação registado por culpa da ré,
122. Tendo a referida sociedade revisto os preços por ter de refazer os estragos causados pela entrada de água e humidades na habitação,
123. E pelo acréscimo de custos para voltar a entrar em obra.
124. Tudo conforme missiva e estimativa de custos enviada aos RR em 31 de outubro de 2016 por carta registada com A/R e que se dá aqui por integralmente reproduzida, na qual exigiu aos AA um acréscimo de custos de empreitada de 57.570,00 € mais IVA para retomar a obra.
125. Os AA. ainda reuniram com o representante legal da sociedade empreiteira, porem, esta não cedeu com o acréscimo de custos exigidos aos AA para retomar a obra.
126. De tal forma que, em 18-11-2016, a sociedade EMP01... Lda endereçou nova missiva com A/R aos Autores, ameaçando desta feita que resolveria o contrato de empreitada e imputaria aos AA todos os custos e prejuízos caso não fosse atendível a continuidade da empreitada e o acréscimo de custos apresentado.
127. Os AA, não tendo outra alternativa, acederam a dar continuidade ao contrato de empreitada com o acréscimo de custos apresentado pela sociedade EMP01... Lda, tendo para o efeito desde logo contraído um empréstimo bancário para tal.
128. Se até à data do embargo, com recurso a capitais próprios fruto das suas economias e a empréstimos e doações dos pais e familiares os AA tinham a esperança de fazer a obra sem recurso a empréstimo, com este acréscimo de custos para reparação de estragos causados pelo embargo da ré e acréscimo de encargos com a mesma, os AA viram-se na necessidade de contrair um empréstimo,
191. Não teriam os AA recorrido a um mutuo hipotecário para fazer face ao acréscimo de custos apresentado pelo empreiteiro não fosse a atitude irrefletida da ré em embargar trabalhos de empreitada.       
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Foi proferida sentença, em cuja parte decisória pode ler-se o seguinte:
Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condenar a Ré a:
a) abster-se de praticar atos que impeçam os AA de usar e fruir do perímetro do seu prédio, identificado em 1º, 2º e 3º da p.i., abstendo-se a Ré de praticar quaisquer atos no talude pertença ao prédio dos AA e que divide o seu prédio identificado em 38º do prédio destes.
b) pagar aos autores uma indemnização a liquidar posteriormente, pelos danos referidos nos arts. 118º a 153º da p.i.;
c) pagar aos autores a quantia de € 57.570,00, acrescida dos juros desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor.
d) nada fazer que impeça, perturbe ou por qualquer modo dificulte o exercício aos AA do uso do talude.
e) pagar, em partes iguais para os Autores e o Estado, uma sanção pecuniária compulsória por cada acto ou dia de incumprimento no valor de € 50,00 diários, a contar do trânsito em julgado da presente decisão.”
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Inconformada, veio a R. recorrer formulando as seguintes Conclusões:
       
I – A ora recorrente pretende a revogação da Sentença proferida em 12.02.2020 pelo Tribunal recorrido, mediante o qual condenou a Ré a indemnizar os AA. por via do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, alegando que a instauração de uma providencia cautelar de Embargo de obra nova lhes causou prejuízos.
II - A ora Recorrente entende que a Sentença é nula, porquanto aproveita a considerada extemporaneidade da contestação, para assumir como provados todos os factos, mesmo aqueles que se apresentam sem qualquer suporte documental ou factual. A sentença proferida vai alicerçar a fundamentação (ou a falta dela) na contestação extemporânea, e Meritíssimo Juiz a quo faz um juízo opinativo, parecendo até num, primeiro momento, que para haver condenação seria sempre preciso verificarem-se os pressupostos da responsabilidade civil, o que não se verifica no caso concreto, para depois colar algumas considerações e factos provados, fazendo-os encaixar nos pressupostos da responsabilidade civil.
III - Na verdade, uma decisão, qualquer que seja, e mais ainda esta que foi proveniente de uma contestação extemporânea (que não significa falta de contestação!) deve conter os fundamentos de facto e de direito em que fundamenta a decisão, apreciar criticamente a prova documental carreada para o processo (Sentença da providencia cautelar e seus fundamentos) ou a falta dela (inexiste no processo qualquer referencia documental a valores da empreitada, bem como acréscimo dos mesmos e que esse acréscimo é consequência da paralisação provocada pela providencia cautelar!) A falta de fundamentação afigura-se inclusive insuficiente e impercetível para a compreensão da sentença, condenando nuns pedidos e absolvendo noutros, baseando-se nos mesmos factos provados da contestação extemporânea.
IV - Acresce que, in casu, nem sequer se verifica uma fundamentação de direito. Ora, verifica-se, antes, a existência de juízos que são mais opinativos do que concretamente fundamentação da sentença, não se pode aceitar a mesma, em virtude de configurar claramente uma falta de fundamentação ou se assim não se entender uma fundamentação insuficiente, que não permite à Recorrente perceber e compreender a decisão proferida.
V - Assim, a sentença proferida padece de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil a qual deve ser julgada provada e procedente e, consequentemente, ser substituída por outra que absolva a Recorrente/Ré dos pedidos peticionados nas alíneas B) e C) da Sentença em causa.
VI – Por outro lado é entendimento da Recorrente que a falta de contestação (contestação extemporânea) que redunda na confissão dos factos alegados, não implica imediata a exaustivamente a condenação nos pedidos apresentados, segundo a pretensão do AA, porque o Juiz deve sim julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos.
VII - “Pese embora os factos se terem por confessados, deve a presente causa ser julgada conforme for de direito.” Tal como referem o Prof. Lebre de Freitas e Drs. A. Montalvão Machado e Rui Pinto, no Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, págs. 266-267, na anotação 4.ª ao artigo 484.º (artº 567º do NCPC): “Considerarem-se os factos alegados pelo autor como confessados não implica que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o demandante pretende, porque o juiz deve, seguidamente, julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos.
VIII - Para designar esta circunscrição do efeito cominatório da revelia aos factos usa a doutrina a expressão efeito cominatório semi-pleno, em oposição ao efeito cominatório pleno. (….) Nos processos cominatórios semiplenos, apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem admitidos, o juiz fica liberto para julgar a ação materialmente procedente (como se admite que seja a hipótese mais vulgar), mas também para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (quando verifique a falta insanável de pressupostos processuais), para julgar a ação apenas parcialmente procedente (quando, por exemplo, o autor tiver formulado dois pedidos, sendo um deles manifestamente infundado), para a julgar totalmente improcedente (se dos factos admitidos não puder resultar o efeito jurídico pretendido) e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização peticionada (art. 566-2 CC)” – (cf. Ob. Cit., volume 2.º, págs. 268-269).
IX - A causa, não obstante se considerarem confessados os factos articulados pelos AA., tem de ser julgada conforme for de direito, permitindo ao juiz a análise das alegações formuladas pelas partes em confronto com todas as provas carreadas para os autos para formar o seu convencimento.
X – Ora, os AA fundamentam as suas pretensões no Instituto da Responsabilidade Civil por factos ilícitos. E tal como estabelece o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
XI - São cinco grandes pressupostos para o funcionamento da responsabilidade civil extracontratual e para a consequente constituição do vínculo nos termos do qual o lesante se constitui na obrigação de indemnizar o lesado, ou seja, de, através de reconstituição natural ou por semelhante, colocar o lesado na situação em que estaria, caso o dano não tivesse ocorrido.
XII - Tais pressupostos são: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano –Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, vol. I, pág. 471.
XIII - O embargo de obra nova foi apenas e só da escavação para muro de suporte de terras, já com o prédio erigido desde a cave, rés-do-chão e andar e telhado. Nunca os trabalhos na habitação foram postos em causa.
XIV - Tratou-se de mero exercício de um direito, pois a Ré, ainda que não tenha logrado provar que a parcela de terreno onde estavam a fazer a escavação lhe pertencia, ficou referido inclusive pela testemunha, pai do AA marido que o valado era mais aprumada e que agora (à data do embargo) se encontrava mais descaído.
XV - Não existe qualquer nexo de causalidade entre o embargo de obra nova e os mal alegados prejuízos e danos no imóvel, pelo atraso na obra e nos sentimentos dos AA.
XVI - Não se encontram reunidos os pressupostos de que depende a indemnização por responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo que os pedidos peticionados em B), C), D), E) e F) deviam improceder.
XVII - A responsabilidade civil extracontratual é uma fonte de obrigações, mais concretamente, da obrigação de indemnizar, o que, etimologicamente, significa tornar indemne, ou seja, sem dano. A não verificação dos seus pressupostos, redunda na não aplicação desta fonte das Obrigações.
XVIII - A sentença ao condenar a Ré, nos precisos termos em que o fez, especificamente nos pontos B), C) e E) violou o artigo 567º do C.P.C. e 483º e seguintes do C. Civil, devendo a Decisão em recurso ser substituída por outra que absolva nos seu  

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE E, EM CONSEQUENCIA, SER A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE A AÇÃO IMPROCEDENTE NOS PEDIDOS FORMULADOS EM B), C) e E), NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, ASSIM FARÃO V. EXCELENCIAS INTEIRA JUSTIÇA.
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Foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.           
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Questões a decidir:

- Verificar se a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação;
- Verificar se o Mmº Juiz a quo podia considerar provados os factos da p.i.;
- Analisar se, no caso, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
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Analisando:

Da nulidade da sentença por falta de fundamentação:

A nulidade decorrente da falta de fundamentação da decisão encontra-se prevista no art. 615º, al b) do C. P. Civil.
Os termos da motivação de uma decisão judicial estão definidos no art. 607º, nº 4 do C. P. Civil, sendo essencial a motivação para a legitimação da decisão judicial.
Assim, o tribunal deve explicar as razões pelas quais decidiu em determinado sentido e não noutro, permitindo aos intérpretes dessa sua decisão perceber em que meios de prova alicerçou a sua convicção e qual a razão por que o fez.

Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., 2º vol., págs 735 e 736) entendem que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação.

Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, tal vício só se verifica quando se verifica a total omissão dos fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão.
Por outro lado, o vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade (Neste sentido, cf, entre outros, o Ac. do STJ de 3/02/21 e Asc. desta Relação de 5/5/22 e de 22/02/24, ambos in www.dgsi.pt ).

No caso em apreço vemos que a decisão se encontra juridicamente fundamentada, tendo a Ré, ao contrário do que alega, compreendido a decisão recorrida, como se verifica da leitura das suas alegações.
O que se passa é que a Recorrente não concorda com o decido.

Ora, como se afirma no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2021 (Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.”

Só a absoluta falta de fundamentação integra a previsão da nulidade da al. b), do nº 1, do art. 615º, do C. P. Civil e não a fundamentação errada, incompleta ou insuficiente.
A sentença proferida nos autos não padece, pois, de nulidade por falta de fundamentação.
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Efeitos da falta de contestação:

A Ré insurge-se contra o facto de o Mmº Juiz ter considerado assentes todos os factos alegados na petição inicial, dizendo que uma contestação extemporânea não significa falta de contestação e que e que há factos que não têm suporte documental e, por isso, não deveriam ter sido julgados provados.

Ora, dispõe o art. 567º, do C. P. Civil que, se o Réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 630) “O efeito deste comportamento omissivo do réu é a chamada confissão tácita ou ficta, a qual se distingue da confissão judicial expressa traduzida numa declaração de ciência, em que o confitente reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 355º e ss. do CC). Já a confissão a que conduz a revelia operante não depende de qualquer declaração nesse sentido, bastando a própria inércia do demandado.

A apresentação extemporânea da contestação equivale à sua não apresentação. Com efeito, a lei estabelece o prazo dentro do qual a contestação deve ser apresentada e o não cumprimento injustificado desse prazo tem consequências, sendo uma delas a consideração do ato como não realizado.

No caso em apreço, não se verifica qualquer das exceções previstas no art. 568º, do C.P. Civil, designadamente a obrigação legal de apresentação de documento escrito (v. al. d)), pelo que a revelia do réu é operante mostrando-se assentes por confissão, todos os factos articulados pelos Autores, sem necessidade de provas adicionais.
                
Assim, assentes os factos, restava ao MMº Juiz julgar a causa “conforme for de direito” (nº 2 in fine), como fez, tendo até absolvido a Ré de um dos pedidos formulados pelos AA.
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Vejamos agora se foi correta a aplicação do direito aos factos, efetuada na decisão recorrida.
             
Da responsabilidade da Ré por dedução de providência infundada:
O art. 374° n.°1 do CPC, prevê: “Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.”.
A norma em causa cria uma fonte de responsabilização do requerente de um procedimento cautelar, por danos que a sua conduta determine na esfera da parte contrária.

A responsabilização do requerente de procedimento cautelar pelos danos que causar ao requerido da mesma, depende da alegação e prova por este, dos pressupostos integrantes da responsabilidade civil, indicados no art. 483º, nº 1 do C. Civil.

Assim, de acordo com o determinado em tal preceito “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no artigo 487º, nº1, do mesmo diploma legal.”

Não existindo no caso qualquer presunção legal de culpa, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão.

Em anotação ao art. 374º do C. P. Civil, dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 3ª ed., pág. 76) que “A atuação do requerente pode traduzir-se, como até 1967 era estabelecido, na ocultação intencional de factos ou na sua deturpação consciente, quer no plano da afirmação do direito de fundo, quer no da invocação do periculum in mora; mas pode igualmente consistir em imprudência ou erro grosseiro na alegação e na prova dos factos, de que o tribunal não se aperceba ao proferir a decisão cautelar, bem como em culpa leve: a prudência normal que lhe é exigida corresponde à diligência de um bom pai de família (art. 497-2 CC) e este é responsável pelas atuações danosas que tenha com “mera culpa” (art. 483-1 CC), abrangendo esta a culpa leve.”

Como se refere no Acórdão do STJ, de 10/03/22 (in www.dgsi.pt ) “É de entender assim que o critério a preencher se basta com a culpa leve, isto é, com uma conduta do requerente da providência que não tenha observado deveres de cuidado exigíveis e que seriam adoptados pelo bom pai de família, o homem normalmente (medianamente) prudente ou cuidadoso, frisando-se a nota ética da noção do bom cidadão, transcendendo uma ideia meramente estatística.”.

O caso concreto:
Na providência cautelar de Ratificação de Embargo Extrajudicial de Obra Nova (proc. nº 767/15...., que correu termos na Instância Local de Vila Verde, secção cível), intentada pela ora Ré contra os AA., veio aquela alegar que os AA. se encontravam a erigir um muro de suporte de terras em terreno daquela Ré.
Ou seja, a Ré fundava a sua pretensão no direito de propriedade, no entanto, como se pode ler na decisão proferida “não resultou demonstrado que o seu prédio inclua a parcela em litígio, já que, quanto a esta, não foi demonstrado qualquer facto tendente à sua aquisição”, não tendo, pois, demonstrado que o seu direito se encontrava a ser lesado, o que determinou a improcedência da providência cautelar.

Por outro lado, nesta ação, provou-se, nomeadamente, o seguinte:
54. A Ré, bem sabendo que os alicerces foram feitos em claro respeito pelos limites de ambos os prédios, bem sabendo que tal obra beneficiaria ambos os prédios, mandou embargar os trabalhos.
64. A Ré não cuidou ao intentar a ratificação de embargo de obra nova em averiguar a essência da causa que carreou para tribunal.
65. Com a atitude que tomou, paralisou uma obra até ao desfecho do Embargo
66. Tiveram os AA que aguardar o desfecho /Sentença do embargo, período de tempo durante o qual não puderam construir o muro em Betão.
67. Nem tão pouco puderam os AA dar continuidade aos trabalhos na habitação.
68. A Obra da estrutura não podia continuar sem consolidar a estrutura do imóvel e reforçar os alicerces naquele local.
69. A estrutura da casa esteve assim parada durante pelo menos 23 de novembro de 2015 até 9 de maio de 2016, acrescido do período do transito em julgado, por culpa imputável á ré que deu causa a uma demanda que foi julgada improcedente.
79. De modo que, durante esse período, com o embargo feito pela Ré e em apreciação no Tribunal o seu levantamento com a oposição dos aqui AA ali requeridos, a estrutura da habitação dos AA ficou vulnerável, sobretudo na parte em que não foi efetuado o levantamento do muro em betão.
102. Tais danos foram provocados pelo atitude precipitada da Ré em embargar a construção de um muro em betão no talude imediatamente a nascente da estrutura da casa, que era imprescindível para evitar males maiores como se veio a verificar naquele inverno.
104. Com o embargo a referida sociedade teve de interromper a continuidade dos trabalhos.
105. E isto porque não era possível continuar outros trabalhos sem que o muro de suporte à estrutura da habitação, que estava projetado e ordenado fazer pela direção de obra, estivesse feito, sendo condição sine qua non para a continuidade em obra.
106. Com o embargo, a sociedade EMP01... Lda teve       de retirar os homens da obra,
107. Bem como teve de retirar toda a logística que ali tinha instalado para outras obras.
108. Com efeito, não era possível continuar a obra dos AA sem que o muro de suporte estivesse feito, por imposição da direção da obra.
109. Os AA viram assim o seu contrato de empreitada com o empreiteiro, a sociedade EMP01... Lda, interrompido, por culpa da Ré.
110. A referida sociedade teve de aguardar o desfecho da decisão judicial, não tendo entrado em obra naquele período.
111. Por via disso, o contrato com a sociedade EMP01... Lda sofreu alterações de timings de conclusão da empreitada, em virtude da paralisação da obra.

Vemos, pois, da análise dos factos provados que a Ré, ao instaurar a providência em causa, atuou com dolo, pois instaurou a providência cautelar “sabendo que os alicerces foram feitos em claro respeito pelos limites de ambos os prédios”.
A Ré, ao instaurar a mencionada providência cautelar, praticou, assim, um ato ilícito e culposo, tendo a sua atuação causado danos aos ora AA,.
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Resta analisar a medida da sua responsabilidade na reparação dos danos, sendo certo que a Ré, no seu recurso, refere que, tendo o embargo sido apenas relativo à escavação e construção do muro de suporte de terras, não existe causalidade adequada relativamente aos danos provocados na habitação dos AA. e ao acréscimo do preço da obra decorrente do atraso dos trabalhos.  
Como decorre do disposto no art. 563º, do C. Civil, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Como refere o Professor Almeida Costa (in Direito das Obrigações, 4ª ed. remodelada, p. 397), o nexo de causalidade entre o facto e o dano, desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar.
Explica o Professor Inocêncio Galvão Telles (in Direito das Obrigações, 6ª ed. revista e atualizada, págs. 404-406), que “Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da ação. (…) Numa palavra, a ação que é condição ou pressuposto de um dano deixa de ser, e só deixa de ser, sua causa, sob o prisma do Direito, quando com ela concorra, para a produção desse dano, uma circunstância anómala ou extraordinária, sem a qual não haveria um risco, maior do que o comum, de o prejuízo se verificar. Mas circunstância anómala que o agente ignore e não tenha que conhecer, à data da ação. Porque, se a conhece ou ela é susceptível de ser conhecida a esse tempo, então existe a adequação que imprime relevância ao nexo entre o facto e o dano como um nexo de causalidade jurídica”.

No caso, o comportamento ilícito da Ré foi gerador dos danos na habitação dos AA. e também do acréscimo dos custos de construção.
Com efeito, resulta dos factos provados que não era possível continuar outros trabalhos sem que o muro de suporte à estrutura da habitação estivesse construído e que na falta dessa construção a estrutura da casa ficou vulnerável. Por falta da existência do muro de suporte a terra ficou mole, com pouca consistência e com chuva, alagou, e, levou ao rasgo da tela e ao desmembramento da mesma das paredes dos alicerces da casa, com o ensopamento e penetração de água nos alicerces, o que afetou os alicerces da estrutura da casa dos AA, sobretudo na parte nascente onde ia ser feito o muro em betão para consolidar, levando a água a subir por capilaridade pela estrutura da casa, tendo ainda afetado a tijoleira e blocos que ficaram embrenhados em humidades e água. Ocorreram também aluimentos naquele local, o que fez com que a terra tenha abatido na parte nascente da casa, imediatamente antes do local onde ia ser levantado o muro em betão. Os compartimentos da habitação dos Autores apresenta humidades a surgirem no seu interior, aumentando de dia para dia. Tais humidades provêm da parte nascente e estão a subir as paredes, penetrando-se nos tijolos que já se encontram nas paredes divisórias. A própria estrutura da casa foi abalada com a penetração de águas das chuvas pelas telas e pelo abatimento do solo. A casa já apresenta certas rachadelas na parte da cave e primeiro andar. Resulta ainda dos factos provados, que tais danos estruturais e entrada de humidades era perfeitamente evitável caso os AA tivessem construído o muro em betão que se preparavam para construir dentro da sua propriedade no verão de 2015. Estas situações têm por causa a infiltração de água através do exterior, do lado onde se ia construir o muro de suporte. Com o embargo a referida sociedade teve de interromper os trabalhos e quando retomou a obra, teve de reparar os danos acima aludidos no que esteva já construído, causados pela entrada de água e terra e, por outro lado, houve acréscimo no custo dos materiais, o que implicou a revisão/aumento do custo da empreitada que os AA. tiveram que pagar.
Em face disto, não houve qualquer circunstância anómala que tenha concorrido para a produção do dano, verificando-se existir nexo de causalidade entre o comportamento ilícito e culposo da Ré e os danos sofridos pelos AA., estando a Ré obrigada a ressarci-los, tal como se decidiu na primeira instância.
Com efeito, relativamente ao tempo que a providência demorou a ser decidida, designadamente por indisponibilidade de agenda do Tribunal, é circunstância que, quem instaura uma ação em tribunal tem de prever. De qualquer forma, sentindo-se lesada com as consequências de eventual demora, deverá a Ré instaurar ação contra o Estado, não podendo tal questão ser conhecida neste processo, designadamente por falta de competência material deste Tribunal.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
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Guimarães, 15 de maio de 2025

Alexandra Rolim Mendes
António Beça Pereira
José Cravo