CÔNJUGES
PATRIMÓNIO COMUM
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
QUESTÃO PREJUDICIAL
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
Sumário


I - Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1721º e 1724º, al. a), do Código Civil, faz parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges.
II – A compensação pecuniária de natureza global, referente a indemnização por cessação da relação laboral, deve considerar-se bem que integra o património comum dos cônjuges, nos termos do disposto no artigo 1724.º, alínea a), do Código Civil, na medida em que tem em vista compensar o trabalhador da rutura da relação laboral e da perda de salários subsequente àquela rutura com os quais o primeiro contribuía para os encargos da vida familiar.
II - Discutindo-se a propriedade de veículos automóveis, registados em nome de terceiros, estranhos ao inventário e sem legitimidade para nele intervir, a decisão tomada no inventário não reveste a força do caso julgado sobre parte não interveniente.
III - Em face duma conta bancária colectiva solidária, titulada pelo pai do cabeça de casal e por este, e questionando-se se o saldo bancário é pertença do terceiro ou, ao invés, do casal, a propriedade dos fundos depositados só pode ser eficaz e definitivamente decidida se estiverem na acção todos os contitulares inscritos no contrato de abertura de conta, por se verificar uma situação de litisconsórcio necessário natural (art. 33º, n.º 2, do Cód. de Processo Civil).
IV - Em ambas as situações, envolvendo pretensões de terceiros, alheios ao inventário, deve o juiz remeter os interessados para os meios comuns – ao abrigo do disposto nos arts. 1105.º e 1093.º, do CPC –, que oferecem garantias processuais acrescidas, permitindo-se a todos os interessados, sem exclusão, de modo mais ativo e eficaz, influenciar a decisão nos moldes genericamente previstos para as ações declarativas comuns, não balizadas pelos termos processualmente simplificados do incidente, e, assim, ser alcançada uma solução mais justa e que a todos seja oponível.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA instaurou, em 6/06/2022, contra BB, processo especial de inventário para partilhas dos bens comuns do casal, após a dissolução do casamento por divórcio[1] (arts. 1133º n.º 1, e 1082º, alínea d), ambos do CPC) – (Ref.ª ...84).

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Foi designado como cabeça de casal o interessado BB (Ref.ª ...97).
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A 24/01/2023, o cabeça de casal juntou a relação de bens (ref.ª ...97).
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A 21/02/2023, a requerente apresentou reclamação à relação de bens (ref.ª ...21), aduzindo em síntese:

i) - Quanto à verba nº 1, relacionada pelo cabeça de casal, que se prende com um alegado crédito de compensação do cabeça de casal sobre uma verba de 24 285,80 Euros, recebida pela interessada, em sede de indemnização fixada pelo tribunal de trabalho, entende que não há lugar a essa relacionação, pois que tal verba foi recebida em Outubro de 2020, antes da entrada da P.I. da ação de divorcio, sendo que, de qualquer forma foi gasta em proveito comum do casal.
ii) - Quanto à verba nº 3, relacionada pelo cabeça de casal, que se prende com uma alegada divida de reparação do apartamento levada a cabo pela “EMP01... Unipessoal, Lda”, que o cabeça de casal teria pago, no valor de 9 198,00 euros, a Requerente esclarece que a dita empresa não procedeu a qualquer reparação, limitando-se a pintar e a colocar papel numa parede e a mobilar, divida essa que a Requerente entende ter pago a sua quota-parte, pelo que não deve ser relacionada.
iii) Acusa, ainda, a falta de relacionação de vários bens, concretamente:
- mobiliário de sala, hall, quarto do casal, quarto do CC, quarto do DD, WC, WC do casal, escritório, nos valores unitários que ali refere;
- três bicicletas no valor de 1000,00 euros;
- equipamento de mergulho, no valor de 2000,00 euros;
- um veículo automóvel da marca ... 5, com a matricula ..-RD-..;
- um veículo automóvel da marca ..., modelo ...;
- saldos existentes em três contas bancárias do Banco 1...;
- saldo de conta existente na Banco 2...;
- dívida de 30 000,00 euros, na qual figura como credor EE, pai da requerente, relativa a empréstimos particulares de diversas quantias que ao longo de vários anos foi fazendo ao casal.
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O cabeça-de-casal respondeu à reclamação (ref.ª ...96), impugnando a factualidade alegada.
Quanto à verba nº 1, entende o cabeça de casal que deve manter-se a sua relacionação.
Quanto aos bens cuja falta de relacionação a requerente acusa, sustenta o cabeça de casal que o mobiliário foi retirado pela mesma do apartamento, afirmando que o escritório não existe. Já quanto às bicicletas entende que só existe uma e que, tal como o equipamento de mergulho, mantém a natureza de bem próprio, não aceitando a sua inclusão nos bens comuns.
Já quanto aos veículos automóveis, sustenta que a carrinha ..., foi a mesma comprada pelo pai do cabeça de casal e sempre esteve em nome do mesmo, embora o mesmo estivesse emprestado ao casal, razão pela qual estes pagavam despesas correntes relativas à viatura em causa.
Já o ..., o mesmo também não deve ser incluído na relação de bens porque não está nem em nome do cabeça de casal nem na posse do mesmo.
Relativamente às contas bancárias, esclarece que, quanto às contas do Banco 1..., não sabe qual o saldo das mesmas, nem tem em sua posse quaisquer extratos; a conta da Banco 2... pertence exclusivamente ao cabeça de casal que a detém desde criança, desconhecendo qualquer conta existente no Banco 3....
Relativamente à obra de remodelação, refere que apesar das obras terem sido acordadas entre a Requerente e a responsável pela empresa EMP01... Unipessoal, Lda., foi o cabeça de casal quem até ao momento pagou a remodelação, não tendo a Requerente pago qualquer valor referente a esse crédito.
Por fim, não existe qualquer crédito do pai da Reclamante sobre os ex-cônjuges, devendo manter-se a relação de bens apresentada.
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Realizada audiência prévia, com vista a eventual acordo de partilha, a mesma veio a revelar-se infrutífera (ref.ª ...81).
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Posteriormente, realizou-se produção de prova (ref.ª ...46, ...48, ...75 e ...96).
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Datada de 28/10/2024, foi proferida decisão (ref.ª ...63) que decidiu «julgar parcialmente procedente a reclamação à relação de bens, nos seguintes termos:

a) deve ser expurgada da relação de bens a verba relacionada pelo cabeça de casal sob o nº1, relativa a uma indemnização recebida pela reclamante no valor de 24 285,80 euros;
b) deve ser expurgada da relação de bens a verba relacionada pelo cabeça de casal, sob o nº3, que se prende com uma alegada divida à empresa “EMP01... Unipessoal, Lda”;
b) deve ser relacionado o mobiliário de sala, hall, quarto do casal, quarto do CC, quarto do DD, WC, WC do casal, escritório cuja falta de relacionação a reclamante acusa sob o nº 5 da reclamação, com a menção de que tais bens estão na posse do cabeça de casal;
c) devem ser relacionadas três bicicletas cuja falta de reclamação a requerente acusa no ponto 7 da reclamação, na posse do cabeça de casal (com exceção da bicicleta do filho);
d) deve ser relacionado o equipamento de mergulho, cuja falta de relacionação a reclamante acusa sob o nº 8, na posse de terceiros (amigos do casal);
e) deve ser relacionado o veículo automóvel da marca ... 5, com a matricula ..-RD-.., cuja falta de relacionação a reclamante acusa sob o nº 9, apesar de registado em nome de terceiro;
f)  deve ser relacionado um veículo automóvel da marca ..., modelo ..., cuja falta de relacionação a reclamante acusa sob o nº 10, apesar de registado em nome de terceiro;
g) devem ser relacionados os saldos existentes em contas bancárias do Banco 1..., à data da entrada da P.I. de divórcio em juízo, concretamente os valores:
- conta nº ...82, saldo 402, 43 euros;
- conta nº ...44, saldo 1 128, 20 euros;
- associada a esta conta, existe a conta de depósito a prazo no montante de 25,00 euros;
- conta nº ...77, saldo 2, 60 euros;
h) deve ser relacionado o saldo existente na Banco 2..., na conta com o IBAN  ...88, à data de ../../2020, unicamente titulada pelo cabeça de casal, com o saldo de 27,13 euros;
i) devem ser relacionados os saldos que existiam no Banco 3... duas contas, uma “à ordem” e outra de “poupança”, que tinham dois titulares ( BB e FF), embora os fundos nela depositados pertençam ao casal:
- conta nº ...18, aberta em ../../2004, com o saldo de 94,64 euros;
- conta nº ...03, com o saldo de 0,00 euros;
- fundos de investimento no valor de 212, 66 euros;
- conta de valores mobiliários nº ...09, nos valores de 35 012,90 euros, 23 012,40 euros e 8 692,50 euros;
j) Julgar a reclamação improcedente, no segmento em que a reclamante pretende ver relacionada a putativa divida de 30 000,00 euros, na qual alegadamente figura como credor EE, pai da requerente, relativa a empréstimos particulares de diversas quantias que ao longo de vários anos foi fazendo ao casal, divida essa que não deve ser incluída na relação de bens.
(…)».
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Inconformado com esta decisão dela recorre o cabeça de casal, BB (ref.ª ...40), formulando, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I. A verba nº 1 da relação de bens, que consiste na indemnização no montante de €24.285,80 (vinte e quatro mil duzentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos) recebida pela interessada no âmbito do Processo nº 2148/20...., que correu termos pelo Juízo de Trabalho de Guimarães – Juiz ..., tem de ser relacionada como bem comum.
II. Não é verosímil que no hiato temporal compreendido entre o recebimento da indemnização pela Reclamante e a entrada da petição de divórcio - sensivelmente um mês – tal quantia tenha sido gasta em proveito comum do casal.
III. A indemnização por cessação da relação laboral integra o património comum dos cônjuges, na medida em que tem em vista compensar o trabalhador da ruptura da relação laboral e da perda de salários subsequente àquela com os quais o primeiro contribuía para os encargos da vida familiar.
IV. O mobiliário que compunha o recheio da casa de morada de família do extinto casal tem de ser excluído da relação de bens.
V. Não logrou, em momento algum, a Requerente demonstrar e provar que o mesmo se encontra na posse do cabeça de casal, dever que sobre a mesma impendia.
VI. A prova testemunhal produzida em sede de discussão e julgamento corroborou a versão do Recorrente, na medida em que demonstrou que a Reclamante por várias vezes entrou no imóvel sem autorização, retirando dele o que bem pretendia à sua revelia.
VII. Não podem os veículos automóveis da marca ... 5 e do e da marca ... serem relacionados como bens comuns, uma vez que pertencem a terceiros.
VIII. Não foi ilidida a presunção do registo das viaturas, uma vez que não foram provados quaisquer factos demonstrativos de que a titularidade da propriedade inscrita não corresponde à verdade.
IX. Não podem os saldos existentes na conta do Banco 3... serem relacionados como comuns.
X. A conta existente no Banco 3... pertence única e exclusivamente ao pai do cabeça de casal, aberta em ../../2004, data anterior ao casamento, figurando o Recorrente como segundo titular por razões de praticidade e segurança, nunca tendo realizado qualquer depósito ou transferência para a mesma.
XI. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 512º, 1721º e 1724º, a), por remissão do disposto no artigo 1734º, 1789º, nº 2, do CC todos do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando a decisão recorrida, substituindo-se por uma outra que:
a) Mantenha a verba nº 1 constante da relação apresentada pelo cabeça de casal;
b) Exclua da relação de bens o mobiliário, os veículos automóveis da marca ... 5 e do e da marca ... e os saldos da conta do Banco 3...».
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Contra-alegou a recorrida, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida (ref.ª ...09).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito suspensivo (ref.ª ...63).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:         

i) Da (alegada) impugnação da decisão da matéria de facto.
ii) Da inclusão, no acervo a partilhar, da importância da indemnização pela cessação do contrato de trabalho.
iii) Da exclusão, da relação de bens, do mobiliário que compunha o recheio da casa de morada de família.
iv) Da exclusão, da relação de bens, dos veículos automóveis da marca ... 5 e da marca ....
v) Da exclusão, da relação de bens, dos saldos da conta do Banco 3....
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
1) A requerente e o cabeça-de-casal contraíram matrimónio, sem convenção antenupcial, a ../../2009, cf. certidão do assento de casamento junta com a petição inicial da ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge que correu termos por este Juízo sob n.º 5774/20.....
2) No dia 19 de Novembro de 2020, o cabeça de casal propôs, neste Juízo, a referida ação, em que pediu a dissolução desse casamento, por divórcio, conforme resulta da petição inicial apresentada, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
3) Na tentativa de conciliação realizada no dia 05 de abril de 2022, requerente e cabeça-de-casal acordaram na dissolução do casamento, tendo apresentado a seguinte relação especificada de bens comuns:
ATIVO
Verba nº1
O recheio de casa, composto de cortinados, candeeiros, cama de solteiro, cama de casal, outras duas camas de casal, mobília de sala de jantar completa, mobília de sala de estar, seis ou sete tapetes, roupas de cama, loiças, serviços de loiça alegadamente adquiridos pela ré entre 2006 a 2020, pelo valor aproximado de 30 000,00 euros.
Verba nº 2
Três bicicletas e material de mergulho com o valor aproximado de 3000,00 euros;
Verba nº 3
Três veículos automóveis de marca, modelo e ano, respetivamente ... 5, XS e ..., de 2013, 2008 e 2001, com os valores aproximados de 17 500,00 euros, 20 000,00 euros e 1000,00 euros;
Verba nº 4
O saldo da conta no ActiveBank, no valor aproximado de 30 000,00 euros e o saldo da conta bancária no Banco 1..., no valor aproximado de 3 500,00 euros;
4) Na mesma diligência, declararam: “não há casa de morada de família”, tudo conforme ata da tentativa de conciliação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
5) O divórcio por mútuo consentimento foi decretado por sentença de 05 de Abril de 2022, transitada em julgado, não tendo sido fixada a data da separação de facto.
6) O casal separou-se de facto em agosto de 2020, data em que a Requerente ficou privada do acesso ao apartamento de Guimarães, dos seus pertences e dos pertences do filho de casal, bem assim como da viatura com que habitualmente circulava.
7) O requerido foi nomeado para exercer as funções de cabeça-de-casal por despacho de 15/06/2022 e, no exercício delas, apresentou, a 24.01.2023, a relação de bens, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
8) No âmbito do Processo nº 2 148/20...., do Juízo do Trabalho de Guimarães, J..., AA, aqui Requerente, lavrou transação judicial Com EMP02..., S.A., por via da qual acordaram na cessação do contrato de trabalho, acordando na quantia de 13 585,80 Euros a pagar pela ultima à primeira, a título de compensação pecuniária pela cessação do contrato de trabalho; acordando ainda no pagamento da ré á autora da quantia de 10 700,00 euros, a titulo de danos não patrimoniais, comprometendo-se a ré a pagar tais quantias, no valor de 24 285,80 euros, através de transferência para a conta com o IBAN:  ...63, transação esta homologada por despacho de 08/09/2020, tendo a referida quantia sido efetivamente transferida para a referida conta em 22 de setembro de 2020.
9) Para além da referida quantia, por conta da referida indemnização havia já sido transferida para uma conta titulada pelo cabeça de casal, em maio de 2020, a quantia aproximada de 11 000,00 euros e, mais tarde, a quantia de cerca de 8 000,00 euros, por conta de uma penhorada que tem na sua génese um crédito exequendo simulado pelo cabeça de casal, Advogado de profissão.
10) Em data não apurada, mas na pendência do casamento, a requerente e o cabeça de casal contrataram com a empresa “EMP01... Unipessoal, Lda”, da qual é legal representante um casal de amigos do extinto casal, com vista à compra de mobiliário para o apartamento de Guimarães, em substituição do mobiliário próprio que a Requerente trazia da sua casa de ..., mobília essa no valor aproximado de 20 000,00 euros, tendo sido efetuado vários pagamentos parcelares por conta do referido valor, a partir da conta titulada pelo cabeça de casal, que integrava fundos do casal e até maioritariamente da Requerente.
11) Foram juntos aos autos três distintas versões de três documentos denominados “Orçamento” todos sem data, emitidos em nome de AA e BB, onde constam manuscritas umas verbas relativas a mobiliário, com uns valores unitários, constando no final dos documentos umas operações aritméticas manuscritas, resultando do primeiro documento, que o valor total em divida era de 5 333,00 euros, do segundo, resultava que o valor total em divida seria 9 198,00 euros e, do ultimo documento, que o valor em divida ascende a 3 933,00 Euros.
12) A empresa “EMP01... Unipessoal, Lda” emitiu em nome do cabeça de casal as faturas: ...23, datada de 18/05/2022, no valor de 1000,00 euros; ...33, datada de 07/10/2022, no valor de 2 000,00 Euros; ...24 vencida a 26/05/2022, de 1000,00 euros; ...42, vencida em 03/01/2023, no valor de 1000,00 euros e ainda os recibos ...6, de 26/05/2022, de 1000,00 euros; REC 1/51, datado de 03/01/2023, de 1000,00 euros, REC 1/45 de 18/05/2022, no valor de 1000,00 euros e REC 1/50, de 07/10/2022, no valor de 2000,00 euros.
13) Tais faturas não representam a totalidade dos valores pagos pelo casal.
14) A referida mobília, que é composta por mobiliário de sala, hall, quarto do casal, quarto do CC, quarto do DD, WC, WC do casal, escritório, com as características descritas pela requerente no ponto 5), ficou na posse do cabeça de casal, pois desde agosto de 2020, a requerente ficou sem acesso ao apartamento de Guimarães onde a mesma se encontra;
15) Na constança do casamento, em data que não foi possível apurar, foi adquirido pelo casal à empresa “EMP03...”, sita na Rua ..., ..., ..., ..., equipamento de mergulho, que estará na casa e na posse dos amigos do extinto casal;
16) Na constança do casamento, foram compradas em segunda mão, duas bicicletas na ..., na loja “...”, sita na Travessa ..., ..., ..., que eram usadas por cada um dos membros do casal; tendo ainda sido comprada uma terceira bicicleta em ..., usada pelo filho do casal, não se tendo apurado os valores de aquisição, bicicletas essas que, com exceção da bicicleta do filho, ficaram na posse do cabeça de casal.
17) A carrinha ... 5, matrícula ..-RD-.., modelo ...25..., foi adquirida pelo casal, no stand LOWAGE, sito na Rua ..., no ..., em abril de 2016, agora sito na Rua ..., ..., Guimarães, tendo a fatura da venda, sido emitida em nome do cabeça de casal.
18) Em troca foi entregue um ..., do mês 4, do ano de 2010, pelo valor de 20 000,00 euros, entregue como pagamento parcial na aquisição do “...”.
19) A viatura ..-RD-.., foi paga pelo valor a retoma do ... (20 000,00 euros), e o valor em falta (15 000,00 euros), foi pago através de três transferências pelo cabeça de casal, sendo uma no valor de 500,00 euros, no dia 30/03/2016, outra no valor de 5 500,00 euros, no dia 07/04/2016 e a ultima no valor de 9 000,00 euros, no dia 07/04/2016.
20) A viatura de matricula ..-RD-.., marca ... mostra-se registada a favor de FF desde ../../2017;
21) Tal viatura pertence ao casal e era a requerente quem habitualmente circulava com a referida viatura.
22) Foi junta aos autos uma declaração amigável, datada de 3/04/2018, na qual a requerente participa um acidente relativo à viatura BMW-..-RD-.., bem como documentos dos quais resulta que figura como tomador do referido seguro FF, apesar das propostas serem negociadas com a requerente e os avisos de pagamento dos prémios serem dirigidos à requerente
23) A iniciativa de fazer o crédito em nome do pai do cabeça de casal, de registar a viatura em nome do pai do cabeça de casal, foi do próprio cabeça de casal, advogado de profissão, convencendo a requerente que o crédito automóvel seria mais benéfico, além de que seria uma forma de proteger o casal da ação de credores, tendo em conta que havia dividas decorrentes do primeiro divorcio da requerente e uma execução pendente.
24) Na constança do casamento, mais concretamente em ../../2018, o casal adquiriu o ... ..., de matricula ..-FE-.., no stand da ..., na Rua ..., ..., que pertencia à empresa EMP04..., S.A., pelo valor de 26 000,00 euros, dando à troca o Golf GT, matricula ..-DI-.., pelo valor de 10 500,00 euros, tendo pago o restante sem recurso a financiamento.
25) Tal veículo foi registado em 21/08/2020 em nome de GG, companheira do pai do cabeça de casal, embora pertença ao casal.
26) A iniciativa de registar a viatura em nome da companheira do pai do cabeça de casal, foi do próprio cabeça de casal, advogado de profissão, circunstancia que omitiu à requerente.
27) No período temporal coincidente com a aquisição das viaturas em causa, corria termos contra a Requerente e seu primeiro marido, uma execução intentada por um banco, cujo credito exequendo ascendia a 122 365,86 euros, razão pela qual, por sugestão do então marido da requerente, cabeça de casal, Advogado de profissão, tais viaturas foram registadas em nome de terceiros, para não poderem ser atingidas por essa ação executiva.
28) À data de ../../2020, existiam em nome do casal, no Banco 1..., as seguintes contas:
- conta nº ...82, saldo 402, 43 euros;
- conta nº ...44, saldo 1 128, 20 euros;
- associada a esta conta, existe a conta de depósito a prazo no montante de 25,00 euros;
- conta nº ...77, saldo 2, 60 euros;
24) À data de ../../2020, na Banco 2... existia uma conta com o IBAN  ...88, unicamente titulada pelo cabeça de casal, com o saldo de 27,13 euros;
25) À data de ../../2020, existiam no Banco 3... duas contas, uma “à ordem” e outra de “poupança”, que tinham dois titulares (BB e FF), embora os fundos nela depositados pertençam ao casal:
- conta nº ...18, aberta em ../../2004, com o saldo de 94,64 euros;
- conta nº ...03, com o saldo de 0,00 euros;
- fundos de investimento no valor de 212, 66 euros;
- conta de valores mobiliários nº ...09, nos valores de 35 012,90 euros, 23 012,40 euros e 8 692,50 euros;
26) Os títulos foram emitidos em nome de FF e HH;
27) Consta dos autos a cópia ilegível de um documento denominado “Declaração de divida”, datado de ../../2019, com duas assinaturas cuja autoria é atribuída a cada um dos membros do extinto casal, no qual a Requerente e o cabeça de casal alegadamente declaram que se confessam devedores da quantia de 28 000,00 euros, a EE, pai da Requerente, mais declarando que todas as quantias foram entregues de forma faseada mensalmente ao casal, em dinheiro, entre as datas de agosto de 2008 e ../../2019, mais referindo que essas entregas teriam visado fazer face a compromissos relacionados com empréstimo relacionado com a casa de ..., leasing de viatura, mudanças de escritório de advogado, quatro anos de situação de desemprego da requerente, entre outras despesas.

E deu como não provados os seguintes factos:
28) Não se provou que EE tivesse feito entregas mensais, entre agosto de 2008 e ../../2019, no montante global de 28 000,00 euros, que as partes tivessem convencionado qualquer obrigação de restituição e que o cabeça de casal tenha aposto a sua assinatura no documento em causa.
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V. Fundamentação de direito.                    
  
1. Da alegada impugnação da decisão da matéria de facto.
Em sede de apelação, o apelante não impugnou a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Admite-se, porém, que a sua intenção tenha sido outra.
A referida perceção – do eventual intuito de pretender impugnar o julgamento da matéria de facto – emerge, entre o mais, da alegação, no tocante à inclusão na relação de bens do mobiliário, de que, atendendo à prova produzida, impunha-se decisão diversa quanto à inserção do mobiliário na relação de bens.
Antecedentemente alegou que «pelo depoimento das testemunhas, verificamos que a Reclamante não só teve acesso ao imóvel, como acedeu ao mesmo mais do que uma vez», tendo de seguida procedido à transcrição do excerto da gravação dos depoimentos das testemunhas II e JJ.~

Ora, para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art. 640º do CPC, o qual dispõe que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)».
A exigência que o legislador consagrou no art. 607º, n.º 4, do CPC, quanto à decisão da matéria de facto, impondo ao Tribunal o dever de fundamentação e de análise crítica da prova, tem como contraponto a exigência imposta às partes, que pretendam impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, de cumprirem os ónus estabelecidos nos arts. 639º e 640º, ambos do CPC[2].
À luz do citado art. 640º, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes[3], sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
«a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…);
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
 (…)».
Esse ónus tripartido encontra a sua razão de ser nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, visando garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão[4].
Segundo a regra geral estabelecida no art. 635º do CPC, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, de modo que a exigência da especificação dos concretos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões[5].
Como se salienta no Ac. do STJ de 22/10/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt., no domínio do regime recursal cível importa ter presente, em primeiro lugar, que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida.
E, em segundo lugar, no que respeita à impugnação da decisão de facto, esta decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação.
Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
São, portanto, as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, a cargo da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal “ad quem”, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos: o mais simples, por referência ao ponto da sentença em que se encontram inseridos ou, então, pela transcrição do próprio enunciado.
Debruçando-se especificamente sobre o (in)cumprimento dos requisitos formais de impugnação da decisão da matéria de facto previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC, refere Abrantes Geraldes[6]:
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: (…)
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. b)); (…)
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a)); (…)
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; (…)
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
(…)
Recorrendo uma vez mais ao ensinamento do autor que vimos citando[7], dir-se-á que as “referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Não desconhecemos que a orientação predominante no Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a revelar-se mais flexível e mais maleável, no que respeita ao cumprimento dos mencionados ónus estabelecidos no art. 640º do CPC, principalmente em relação aos de natureza essencialmente formal ou secundária, devendo ser feita uma interpretação dessa norma mais consentânea com as exigências dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[8].
Sobre estes ónus e sobre as consequências do seu não cumprimento total ou parcial é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação – que consta atualmente do n.º 1 do art. 640º do CPC – e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (previsto presentemente no art. 640º, n.º 2, al. a), do CPC). Ora, sendo a inobservância do ónus primário sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afetada, dada a sua indispensabilidade, já em relação ao incumprimento do ónus secundário “justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão”, posto que “se a falta de indicação exata das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável[9].
Na mesma linha se entende que as conclusões não têm de reproduzir todos os elementos do corpo das alegações; mais concretamente, a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar, formalmente, das conclusões recursórias, bastando incluí-las no corpo alegatório, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e certeza, com os concretos pontos de facto impugnados[10] [11].
Em resumo, quando não for cumprido o ónus “primário” ou “fundamental” de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação constante nas alíneas do n.º 1 do art. 640º do CPC há lugar à rejeição do recurso, total ou parcial.

No caso concreto, lidas (e relidas) as conclusões do recurso de apelação verifica-se que o recorrente não deu cumprimento ao ónus (“primário”) impugnatório estabelecido na alínea a), do n.º 1, do art. 640º do CPC, pois omitiu por completo (i) que concreta factualidade considera incorrectamente julgada, omitindo os concretos pontos fácticos impugnados.
É, por conseguinte, manifesto que o recorrente incumpriu, relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto, o ónus primário de delimitação estabelecido no citado normativo.
Nessa medida, ao não cumprir esse ónus impugnatório, tem de se entender que o recorrente acabou por não circunscrever o objeto do recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
Donde, ao abrigo do proémio do n.º 1 do art. 640.º do CPC, sempre se imporia a rejeição do recurso atinente à (pretensa) impugnação da decisão da matéria de facto[12].
Acresce que, como vem entendendo a doutrina e a jurisprudência dominante do STJ, no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto não cabe despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento das respetivas alegações/conclusões, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito[13].
*
2. Da inclusão, no acervo a partilhar, da importância da indemnização pela cessação do contrato de trabalho.
Questiona o recorrente a bondade da decisão que expurgou «da relação de bens a verba relacionada pelo cabeça de casal sob o nº 1, relativa a uma indemnização recebida pela reclamante no valor de 24 285,80 euros», aduzindo para o efeito que a aludida verba tem de ser relacionada como bem comum, porquanto «a indemnização por cessação da relação laboral integra o património comum dos cônjuges, na medida em que tem em vista compensar o trabalhador da ruptura da relação laboral e da perda de salários subsequente àquela com os quais o primeiro contribuía para os encargos da vida familiar» e não «é verosímil que no hiato temporal compreendido entre o recebimento da indemnização pela Reclamante e a entrada da petição de divórcio -sensivelmente um mês – tal quantia tenha sido gasta em proveito comum do casal».
Vejamos se lhe assiste razão.
Em consequência da dissolução do casamento, cessam as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, salvo as decorrentes da obrigação de alimentos, conforme dispõe o art. 1688.º do Código Civil (CC); o divórcio dissolve o casamento, extingue a relação matrimonial e faz cessar, para o futuro, os efeitos da relação, mantendo-se, porém, os efeitos já produzidos (art. 1788º do CC); os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges (art. 1789º, n.º 1, do CC).
A retroatividade, à data da propositura da ação, da eficácia do decretamento do divórcio, aplicável apenas às relações de natureza patrimonial entre os cônjuges, opera automaticamente sem necessidade de formulação de pedido nesse sentido, nem de qualquer apreciação adicional[14].
Segue-se, em regra, a partilha do património comum de acordo com o regime de bens que vigorou entre os cônjuges. Não se verificando acordo para a partilha, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns (art. 1133º, n.º 1, do CPC).
Assim, o inventário regulado no art. 1133º do CPC pode ter por função obter a partilha dos bens comuns do casal, na sequência do trânsito em julgado de sentença de divórcio, da separação judicial de pessoas e bens ou de sentença de declaração de nulidade ou de anulação do casamento (art. 1082º, al. d), do CPC).
Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, e a respeito da partilha do casal, dispõe o art. 1689.º, n.º 1, do mesmo código, que estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.
Nos termos do art. 1698.º do CC, os “esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limites da lei”.
Porém, celebrado o casamento, ficam os cônjuges vinculados ao princípio da imutabilidade das convenções antenupciais ou dos regimes de bens que resultam automaticamente da lei, conforme disposto no art. 1714º, salvas as exceções constantes do art. 1715º.
Dispõe o n.º 1 do art. 1730.° do CC, que "[o]s cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso".
Tal significa que, relativamente aos bens integrados na comunhão, quaisquer que eles sejam no caso concreto, não poderão desviar-se da regra da metade, tendo-se especialmente em vista fixar a quota-parte a que cada um dos cônjuges tem direito no momento da partilha do património comum, subsequente à dissolução do casamento[15].
A norma em apreço atribui a cada cônjuge o direito à metade do valor do património comum, do activo e do passivo. Não é um direito à metade de cada bem em concreto do património comum, mas sim um direito ao valor de metade[16].
Encontra-se assente que, a ../../2009, o apelante/cabeça de casal e a requerente contraíram matrimónio, sem convenção antenupcial, pelo que vigorou o regime de bens da comunhão de adquiridos (arts. 1717º e 1721º do CC); o casamento foi dissolvido por divórcio, por sentença decretada em ../../2022 e transitada em julgado nessa mesma data.
Não se questiona que não foi fixada a data em que a falta de coabitação teve o seu início. 
Assim, no caso dos autos, a produção de efeitos do divórcio no tocante às relações patrimoniais entre os interessados retroagiu à data da proposição da ação de divórcio (../../2020) (arts. 1789º, n.º 1, do CC e 259º, n.º 1, do CPC).
O que significa que a composição do património comum do casal se considerou fixada no dia da proposição da ação de divórcio (e não em momento anterior, designadamente à data da separação de facto), e só os bens existentes nesse momento deveriam ser objeto de partilha, tendo sido esse o critério seguido nos autos de inventário em consequência do divórcio.
No regime de comunhão de adquiridos, existem fundamentalmente duas massas patrimoniais: a dos bens próprios de cada um dos cônjuges e a dos bens comuns (arts. 1722º, 1723º e 1726º do CC)[17].
O património comum dos cônjuges, também denominado património colectivo ou de mão comum, caracteriza-se por haver um único direito e um direito uno sobre ele com dois titulares, o qual não comporta divisão, mesmo ideal, não podendo os cônjuges, fora dos casos expressamente previstos na lei, dispor da sua meação no património comum, nem proceder à sua divisão ou partilha (cfr. arts. 1685.º, 1688.º, 1689.º, 1730.º, 1770.º, 1772.º, 1788.º e 1795.º-A do CC)[18].
Nos termos do art. 1724º do CC (sob a epígrafe “bens integrados na comunhão”), fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges [al. a)] e os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei [al. b)].
Preceitua o art. 1733º que são exceptuados da comunhão (bens incomunicáveis/bens próprios), nomeadamente, as indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios [n.º 1, alínea d)][19].
Como se assinala no Ac. da RE de 14/01/2021 (relatora Cristina Dá Mesquita), in www.dgsi.pt., «não é pacífico que as indemnizações decorrentes da cessação da relação laboral se integrem na alínea d) do art. 1733.º do CC.
As indemnizações ali previstas visam compensar danos decorrentes de lesões sofridas pela pessoa na respetiva integridade física/psicológica, ou no respetivo património, ao passo que na indemnização por cessação da relação laboral está em causa a compensação do trabalhador pela rutura da relação laboral e pela instabilidade que, em regra, e durante algum tempo acontecerá na vida quotidiana do trabalhador que poderá ficar, em consequência de tal cessação, sem meios de sustento próprios e, eventualmente, da sua família».
A doutrina vem afirmando como produto do trabalho todos os proventos auferidos por trabalho dependente ou independente, regular ou esporádico, pago em dinheiro ou géneros, e que devem considerar-se parte integrante do património comum os bens adquiridos em substituição de salários, como as pensões de reforma, os complementos de reforma resultantes de aforros de salários, por exemplo através de planos-poupança-reforma, e as indemnizações, por qualquer causa, que tenham na sua base uma intenção de compensar a diminuição da capacidade de ganho[20].
Também Maria João Vaz Tomé[21], em anotação ao art. 1724.º, entende que, “de acordo com a al. a), o “produto do trabalho dos cônjuges” faz parte da comunhão. Assim, todos os proventos – prestações patrimoniais, periódicas ou não, em dinheiro ou em espécie – recebidos por um dos cônjuges, por força de um contrato de trabalho, de prestação de serviço ou de qualquer outro contrato que enquadre a prestação efetuada ao cônjuge, são bens comuns do casal.
(…) De acordo com a doutrina, todas as prestações patrimoniais que representem a contrapartida da realização de uma prestação por um dos cônjuges, em que este aplique as suas aptidões físicas ou intelectuais, assim como aquelas que sejam auferidas como indemnização pela redução da capacidade de aquisitiva (art. 1733º/1, d), integram o património comum do casal”.
No mesmo sentido, acompanhando a posição de Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, pronuncia-se Hélder Roque, concluindo que, efetivamente, fazem parte da comunhão conjugal “as indemnizações, por qualquer causa, que tenham na sua base uma intenção de compensar a diminuição da capacidade de ganho»[22].
Por sua vez, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem-se pronunciado maioritariamente pela natureza comum da indemnização pela cessação da relação laboral, pelo menos quanto ao período de tempo de trabalho ocorrido durante a comunhão conjugal. Ou seja, em princípio e por regra, e até face à presunção de comunicabilidade contida no art. 1725º, desde que tal indemnização seja atribuída na constância do matrimónio, ingressará no património comum.
Exemplificando:
- O Ac. do STJ de 02.11.2010 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt., qualificou essa indemnização como bem comum, explicitando, no item V do respetivo sumário, que:
Encontrando-se os cônjuges ainda casados, por ocasião em que a compensação pecuniária, de natureza global, referente a indemnização em substituição de créditos laborais, foi recebida por um deles, o mesmo bem, ao entrar na esfera patrimonial deste, assumiu, imediatamente, a qualidade de bem comum do casal, passando a estar sujeito, desde a propositura da acção, ao regime da partilha dos bens comuns, em consequência de divórcio».
- O Ac. da RL de 25.10.2011 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt., sumariou:
«II - A indemnização por despedimento, porque destinada a substituir os “salários cessantes”, ingressará no património comum, desde que efectivamente adquirida na constância do matrimónio.
III - Não será bem comum, se adquirida já após a separação de facto dos cônjuges e se o divórcio vier a ser decretado com fundamento na separação de facto, fazendo retroagir os respectivos efeitos patrimoniais à data da separação».
- O Ac. da RE de 14/01/2021 (relatora Cristina Dá Mesquita), in www.dgsi.pt., decidiu que a «indemnização por cessação da relação laboral deve considerar-se bem que integra o património comum dos cônjuges, nos termos do disposto no artigo 1724.º, alínea a), do Código Civil, na medida em que tem em vista compensar o trabalhador da rutura da relação laboral e da perda de salários subsequente àquela rutura com os quais o primeiro contribuía para os encargos da vida familiar».
- O Ac. da RC de 02-07-2013 (relator Alberto Ruço), in www.dgsi.pt., concluiu que, «[t]endo A trabalhado numa empresa entre 1991 e 2011 e casado em 2004, sob o regime de comunhão de adquiridos, a quantia recebida por A, durante a vigência do casamento, a título de compensação por revogação consensual do seu contrato de trabalho, assume a qualidade de bem próprio, nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 1722.º do Código Civil, relativamente à fracção da compensação que é proporcional ao tempo correspondente ao período em que a relação laboral decorreu antes de A ter casado e comum na parte restante».
- O Ac. da RC de 6/02/2024 (relator José Avelino Gonçalves), in www.dgsi.pt., considerou que  «[e]ncontrando-se os cônjuges ainda casados, por ocasião em que a compensação pecuniária, de natureza global, referente a indemnização em substituição de créditos laborais, foi recebida por um deles, o mesmo bem, ao entrar na esfera patrimonial deste, assumiu, imediatamente, a qualidade de bem comum do casal, passando a estar sujeito, desde a propositura da acção, ao regime da partilha dos bens comuns, em consequência de divórcio».
- O Ac. da RC de 10.11.2015 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt., seguindo posição contraria explicitou que, numa situação em que o contrato de trabalho cessou, ao que tudo indica, na sequência da insolvência da entidade patronal e por esta haver encerrado o respectivo estabelecimento comercial ou industrial, o valor correspondente à compensação ou à indemnização por antiguidade (neste caso, em opção pela reintegração no posto de trabalho/art.º 391º, do Código do Trabalho), destinando-se a ressarcir as consequências inerentes à perca do direito ao trabalho, que é de índole pessoal (intuitu personae), é de qualificar como tratando-se de um bem pessoal (próprio) do cônjuge, em princípio/regra, excluído da comunhão conjugal[23].
- O Ac. da RG de 03.03.2022 (relatora Alexandra Viana Lopes), in www.dgsi.pt., decidiu que “as compensações por cessação de contrato de trabalho, por extinção do posto de trabalho ou por cessação de contrato no âmbito da insolvência da entidade empregadora, achadas com referência à remuneração do trabalhador antes da cessação e ao tempo de antiguidade na empresa, e que apoiam necessariamente a sua subsistência e a economia do casal, nos termos do art.1724º/a) do C. Civil, ex vi do art.1734º do C. Civil, não integram a previsão do art.1733º/1-d)-1ª parte do C. Civil».
Ficou provado, neste particular, que no âmbito do Processo n.º 2148/20...., do Juízo do Trabalho de Guimarães, J...,  foi lavrada transação, que veio a ser judicialmente homologada, nos termos da qual foi acordada e posteriormente paga à interessada AA pela EMP02..., S.A., a quantia global de € 24 285,80, recebida por aquela em 22 de setembro de 2020, sendo a importância de 13.585,80€ a título de compensação pecuniária pela cessação do contrato de trabalho e 10.700,00€  a título de danos não patrimoniais.
Dispõe o art. 349º, n.º 1, do Código do Trabalho que “o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo”.
E o n.º 5 do citado normativo estipula que “se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta”.
De assinalar que, embora a transação tenha sido celebrada no âmbito de um processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, previsto e regulado nos art. 98.º-B e ss. do Cód. do Processo do Trabalho, a verdade é que na referida transação as partes acordaram, de mútuo acordo, na cessação do contrato de trabalho, pelo que de revogação do contrato se trata.
Ora, a compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho, recebida pela interessada AA presume-se englobar os créditos já vencidos, à data da cessação do contrato, ou exigíveis, em virtude dessa cessação – veja-se a cláusula 6 da transação, que corporiza a renúncia abdicativa de créditos, pois que, com o pagamento da quantia antecedente, ambas as partes declaram nada mais ter a haver uma da outra, seja a que título for, por causa do contrato de trabalho e da sua cessação –, cuja quantia foi entregue em 22 de setembro de 2020, cerca de dois meses antes da data da propositura da acção de divórcio.
Donde, estando os cônjuges ainda casados, por ocasião em que a compensação pecuniária, de natureza global, referente a indemnização em substituição de créditos laborais, foi recebida por um deles, o mesmo bem, ao entrar na esfera patrimonial deste, assumiu, de imediato, a qualidade de bem comum do casal, passando a estar sujeito, desde a propositura da acção, ao regime da partilha dos bens comuns, em consequência de divórcio.
Seguindo de perto o decidido no Ac. do STJ de 02.11.2010 (relator Hélder Roque) e no Ac. da RC de 6/02/2024 (relator José Avelino Gonçalves), ambos disponíveis in www.dgsi.pt., diremos que, efectivamente, a interessada AA e a sua ex-entidade patronal, ao convencionarem a aludida compensação global, em substituição de todos os créditos já vencidos, à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação, mais não fizeram do que extinguir todos esses créditos, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar deles, nos termos do preceituado pelo art. 857º, do CC, cujo fundamento imediato deixa de ser o contrato de trabalho para passar a ser um outro contrato revogatório, que põe fim aquela relação, surgindo o novo crédito como consequência desta revogação .
Mas se, de facto, deve considerar-se que o fundamento imediato deste novo crédito não é o contrato de trabalho, o que se verifica, para todos os efeitos, através da novação objectiva, é a substituição da anterior obrigação decorrente do vínculo laboral, por uma nova obrigação que, tendo como fundamento imediato o acordo revogatório, não deixa de ter origem na anterior obrigação, decorrente da relação laboral.
Por isso que, na situação referida nos autos, não pode deixar de considerar-se, como bem comum a relacionar, o valor correspondente à quantia global de € 24.285,80, recebida pela interessada AA, a título de compensação pecuniária, de natureza global, alusiva a créditos laborais, e a título de danos não patrimoniais por força da  cessação do contrato de trabalho, «assim se acautelando, em situações em que a lei prevê a coexistência de um património comum ao lado de patrimónios próprios dos cônjuges, a consistência de cada um deles, face às possíveis vicissitudes de que possam ser objecto os bens e direitos que os integram, sendo, para tanto, necessário que sempre que se verifique a substituição de um bem por outro, ou, como no caso em análise, a substituição de um crédito por outro, o bem adquirido, ou o crédito resultante da novação, mantenha o carácter que tinha antes da substituição, ou, pelo menos, que aquele crédito seja substituído na massa patrimonial que dele ficou privada, por virtude da novação, por um direito de compensação sobre a massa ou património na qual ingressou.
Neste contexto, e sob pena de se dar cobertura a manobras ou actuações que se traduziriam no enriquecimento do património próprio de um dos ex-cônjuges à custa do empobrecimento do património comum, não pode deixar de concluir-se que, tendo o novo crédito origem em crédito nascido na constância do casamento, deve o valor correspondente integrar os bens comuns a partilhar».
Conclui-se, assim, que a dita compensação deve ser incluída na comunhão conjugal (do acervo patrimonial do dissolvido casal a partilhar), tendo em conta o exposto e o preceituado no art. 1724º, alínea a), do CC, com a consequente manutenção da verba n.º 1 constante da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, relativa a uma indemnização no valor de 24.285,80 euros recebida pela interessada AA.
Procede, por isso, este fundamento da apelação, sendo de revogar nesta parte a decisão recorrida.
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3. Da exclusão, da relação de bens, do mobiliário que compunha o recheio da casa de morada de família.
O recorrente defende que o mobiliário que compunha o recheio da casa de morada de família do extinto casal tem de ser excluído da relação de bens, porquanto a Requerente não logrou demonstrar e provar – como lhe competia – que o mesmo se encontra na posse do cabeça de casal, sendo que a prova testemunhal produzida em sede de discussão e julgamento corroborou a versão do Recorrente, na medida em que demonstrou que a Reclamante por várias vezes entrou no imóvel sem autorização, retirando dele o que bem pretendia à sua revelia.
Contudo, o êxito da referida pretensão estava intrinsecamente dependente da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto.
Pois bem, inverificando-se essa condição – e resultando provado que a mobília relacionada, que é composta por mobiliário de sala, hall, quarto do casal, quarto do CC, quarto do DD, WC, WC do casal, escritório, com as características descritas pela requerente no ponto 5), ficou na posse do cabeça de casal, pois desde agosto de 2020, a requerente ficou sem acesso ao apartamento de Guimarães onde a mesma se encontra (ponto 14 dos factos provados) –, resta concluir pela improcedência da referida pretensão recursória.
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4. Da exclusão, da relação de bens, dos veículos automóveis da marca ... 5 e do e da marca ....
Na decisão recorrida, a Mm.ª Juíza “a quo” decidiu que «deve ser relacionado o veículo automóvel da marca ... 5, com a matricula ..-RD-.., cuja falta de relacionação a reclamante acusa sob o nº 9, apesar de registado em nome de terceiro», assim como «um veículo automóvel da marca ..., modelo ..., cuja falta de relacionação a reclamante acusa sob o nº 10, apesar de registado em nome de terceiro».
Do assim decidido diverge o recorrente, aduzindo não poderem os mencionados veículos automóveis serem relacionados como bens comuns, visto pertencerem a terceiros, não tendo sido «ilidida a presunção do registo das viaturas, uma vez que não foram provados quaisquer factos demonstrativos de que a titularidade da propriedade inscrita não corresponde à verdade».
A decisão impugnada (na parte que ora releva) apresenta a seguinte fundamentação:
«Sobre as viaturas cuja falta e relacionação a requerente acusa, cumpre referir que as partes indicaram essas viaturas na verba nº3, da relação especificada dos bens comuns nos acordos de divorcio.
Por outro lado, compulsando o teor dos documentos 34, 37 a 44 e 98 verso a 102, constata-se que a carrinha ... 5, matrícula ..-RD-.., modelo ...25..., foi adquirida pelo casal, no stand LOWAGE, sito na Rua ..., no ..., em abril de 2016, agora sito na Rua ..., ..., Guimarães, tendo a fatura da venda, sido emitida em nome do cabeça de casal.
Resulta ainda dessa documentação que em troca foi entregue um ..., do mês 4, do ano de 2010, pelo valor de 20 000,00 euros, entregue como pagamento parcial na aquisição do “...”, que viatura ..-RD-.., foi paga pelo valor da retoma do ... (20 000,00 euros), e o valor em falta (15 000,00 euros), foi pago através de três transferências pelo cabeça de casal, sendo uma no valor de 500,00 euros, no dia 30/03/2016, outra no valor de 5 500,00 euros, no dia 07/04/2016 e a ultima no valor de 9 000,00 euros, no dia 07/04/2016. Por fim, resulta ainda dessa documentação que a viatura de matricula ..-RD-.., marca ... mostra-se registada a favor de FF desde ../../2017, pai do cabeça de casal.
Todavia, quer das declarações da Requerente, quer das declarações do pai e do irmão, que neste particular, se nos afiguraram convincentes, resultou que tal viatura pertence ao casal e era a requerente quem habitualmente circulava com a referida viatura, tal como avulta dos referidos documentos. Aliás, foi junta aos autos uma declaração amigável, datada de 3/04/2018, na qual a requerente participa um acidente relativo à viatura BMW-..-RD-.., bem como documentos dos quais resulta que figura como tomador do referido seguro FF, apesar das propostas serem negociadas com a requerente e os avisos de pagamento dos prémios serem dirigidos à requerente.
Segundo explicou a requerente, a iniciativa de fazer o crédito em nome do pai do cabeça de casal, de registar a viatura em nome do pai do cabeça de casal, foi do próprio cabeça de casal, advogado de profissão, que terá convencido a requerente que o crédito automóvel seria mais benéfico, além de que seria uma forma de proteger o casal da ação de credores, tendo em conta que havia dividas decorrentes do primeiro divorcio da requerente e uma execução pendente.
Quanto ao ... ..., de matricula ..-FE-.., resultou da documentação de fls. 161 a 163 dos autos que, na constança do casamento, mais concretamente em ../../2018, o casal adquiriu o ... ..., de matricula ..-FE-.., no stand da ..., na Rua ..., ..., que pertencia à empresa EMP04..., S.A., pelo valor de 26 000,00 euros, dando à troca o Golf GT, matricula ..-DI-.., pelo valor de 10 500,00 euros, tendo pago o restante sem recurso a financiamento.
Também resulta da prova documental que tal veículo foi registado em 21/08/2020 em nome de GG, companheira do pai do cabeça de casal.
Todavia, das declarações da requerente e depoimento do seu pai e irmão, resultou claramente que tal veiculo pertencia ao casal e que a iniciativa de registar a viatura em nome da companheira do pai do cabeça de casal, terá sido do próprio cabeça de casal, advogado de profissão, na economia dos “esquemas” a que, segundo a narrativa da requerente, está sempre envolvido, circunstancia que omitiu à requerente, tanto mais que esse registo terá ocorrido por ocasião da separação de facto que ocorreu em agosto de 2020, o que terá feito com o fito de subtrair a viatura ao património comum do casal.
A requerente também explicou e documentou nos autos ( cfr. fls.128 e ss) que, no período temporal coincidente com a aquisição das viaturas em causa, corria termos contra a Requerente e seu primeiro marido, uma execução intentada por um banco, cujo credito exequendo ascendia a 122 365,86 euros, razão pela qual, por sugestão do então marido da requerente, cabeça de casal, Advogado de profissão, tais viaturas foram registadas em nome de terceiros, para não poderem ser atingidas por essa ação executiva, o que explica esse registo a favor de terceiros.
Assim, consideramos elidida a presunção derivada do registo e convencemo-nos que as viaturas em causa pertencem ao casal, devendo ser relacionadas tanto mais que haviam sido indicadas como bens comuns na relação especificada de bens comuns nos autos de divorcio».
Pois bem, como resulta quer da relação e reclamação de bens apresentadas, como da decisão recorrida, a questão atinente ao relacionamento, ou não, dos aludidos veículos automóveis no âmbito dos bens a partilhar radica no facto de ser controvertida a propriedade dos mesmos.
A interessada AA propugna pela sua inclusão na relação de bens, alegando serem pertença do casal, pois era o casal que pagava os seguros, IUC, manutenções, pneus, etc.
Posição diversa tem o cabeça de casal, defendendo que a carrinha ... foi comprada pelo seu pai e sempre esteve em nome do mesmo, embora o mesmo estivesse emprestado ao casal, razão pela qual estes pagavam despesas correntes relativas à viatura em causa.
Já o ..., não está nem em nome do cabeça de casal, nem na posse do mesmo.

Vejamos, então, o quadro legal do processo de inventário.
«Artigo 1091.º
Incidentes
1 - Aos incidentes do processo aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos artigos 292.º a 295.º
2 - A dedução de um incidente implica a suspensão da instância sempre que o juiz assim o determinar, por considerá-la conveniente, e fixar o momento a partir do qual a mesma opera.
Artigo 1092.º
Suspensão da instância
1 - Sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância:
a) (…);
b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;
c) (…);
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens.
3 - O tribunal pode, a requerimento de qualquer interessado direto, autorizar o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração em conformidade com o que vier a ser decidido:
a) Quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória;
(…)».
«Artigo 1093.º
Outras questões prejudiciais
1 - Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns.
2 - A suspensão da instância no caso previsto no número anterior só ocorre se, a requerimento de qualquer interessado ou oficiosamente, o juiz entender que a questão a decidir afeta, de forma significativa, a utilidade prática da partilha».
Em anotação ao (novo) regime do processo de inventário, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres escrevem o seguinte[24]:
O novo modelo do processo de inventário continua a prever a remessa das partes para os meios comuns quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão prejudicial não se compatibilize com a sua apreciação incidental (arts. 1092º,1, al. b, 1093º,1 e 1095º,1), nomeadamente porque as limitações decorrentes do disposto nos arts. 292º a 295º (aplicáveis ex vi do art. 1091º) afectariam as garantias das partes.
A necessidade desta remessa para os meios comuns é consequência, sob um ponto de vista formal, da estrutura do processo de inventário, e da resolução de inúmeras questões controvertidas em incidentes nominados ou inominados e, sob uma perspectiva substancial, do tipo de questões prejudiciais que podem surgir no processo de inventário (como as respeitantes à interpretação ou validade de um testamento ou à indignidade sucessória de um herdeiro). Estas questões podem ser complexas em matéria de facto, mas o que realmente justifica a remessa dos interessados para os meios comuns não é tanto esta complexidade, mas muito mais a garantia de um processo equitativo a esses interessados”.
E, em nota prévia aos arts. 1092º e 1093º do CPC, os citados autores referem[25]:
 “Os arts. 1092º e 1093º contêm regras verdadeiramente nucleares do regime do inventário, pois que é do disposto neles que depende o que pode ser decidido e o que, apesar de ser relevante para a realização da partilha, não vai ser decidido no processo de inventário.
A diferença entre o art. 1092º e o art. 1093º é a seguinte:
- o art. 1092º refere-se às questões prejudiciais essenciais, que são aquelas que respeitam à admissibilidade do inventário e à definição dos direitos dos interessados na partilha (cf. art. 1092º,1, b);
- o art. 1093º respeita às questões prejudiciais não essenciais, isto é, àquelas que se referem à determinação do activo e do passivo do património a partilhar (cf. art. 1093º,1);
Em comentário ao art. 1092º, n.º 1, al. b),  do CPC acrescentam[26]:
Para efeito da aplicação do n.º 1, al. b), as questões prejudicais surgidas na pendência do inventario – (…) – só relevam se respeitarem à admissibilidade do próprio processo de inventário ou à definição dos direitos sucessórios ou quotas ideais dos interessados diretos na partilha.
Não relevam aqui as questões que apenas respeitem à determinação dos bens que integram o acervo hereditário (cf. →art. 1093.º)”.
E, em anotação ao art. 1093º do CPC, os citados autores consignam[27]:
“As questões prejudiciais abrangidas pelo nº 1 são, fundamentalmente, aquelas que, não dizendo respeito à definição dos direitos sucessórios das partes do processo, se repercutam na determinação quer dos bens que integram o acervo hereditário, quer do passivo pelo qual é responsável o património a partilhar. O nº 1 abrange, por exemplo, os casos em que certo bem foi relacionado pelo cabeça-de-casal como pertencendo à herança ou como tendo determinado conteúdo ou objecto material, mas contra essa relacionação foi deduzida reclamação ou impugnação por qualquer interessado (artº 1104º, nº 1, al. d))
(…)
Noutras hipóteses, a questão controvertida respeita a um litigio com terceiros que formulam no processo uma pretensão referente a um bem que foi relacionado (cf. Art. 11056, n.º 5). Por exemplo, a reivindicação por um terceiro do imóvel relacionado, nomeadamente com fundamento na aquisição originária por usucapião ou na acessão industrial imobiliária; a arguição por terceiro da invalidade do negócio translativo da propriedade de bens relacionados no inventário (…)
Sempre que a questão prejudicial respeite apenas a bens que integram o acervo hereditário ou o passivo que onera este acervo, a regra é a de que o juiz – como decorrência do principio segundo qual o Tribunal competente para a ação é também competente para conhecer os incidentes que nela se levantam (art. 91º, nº 1) – deve dirimir todas as questões suscitadas e convertidas que se revelem indispensáveis para alcançar o fim do processo, ou seja, uma partilha equitativa da comunhão hereditária.
No entanto, a apreciação incidental, no âmbito do processo de inventário, das questões atinentes à determinação dos bens que integram o património hereditário ou ao passivo deste património nem sempre será possível ou conveniente:
a) O n.º 1 admite que o juiz se possa abster de decidir incidentalmente a questão litigiosa e remeter as partes para os meios comuns, quando a complexidade da matérias de facto subjacente à questão tornar inconveniente, na óptica das garantias de que as partes beneficiam no processo declarativo comum, a sua apreciação e decisão no processo de inventário, atendendo à tramitação simplificadas e às limitações probatórias (que quase só não existem para a prova documental) que caracterizam as decisões tomadas ao abrigo do disposto nos – arts. 1105º, n.º 3, e 1110º, n.º 1, al. a).
Apenas tem justificação a remessa dos interessados para os meios comuns quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do processo de inventário se revele inadequada. Para que isso suceda é necessário que a tramitação do processo implique uma efetiva diminuição das normais garantias que estão asseguradas às partes no processo declarativo comum (n.º 1). A diminuição destas garantias reflete-se na impossibilidade de se alcançar uma apreciação e decisão ponderadas em questões que envolvam larga indagação factual ou probatória.
b) As limitações impostas pela tramitação do processo de inventário podem ser particularmente relevantes quando deva ser apreciada uma pretensão deduzida por um terceiro. Como se compreende, este não deve ficar sujeito a ver resolvida definitivamente no inventário, com a tramitação simplificada e as restrições probatórias que nele vigoram, questões que envolvam larga e complexa indagação factual e aprofundada análise de meios probatórios. Quanto a questões prejudiciais suscitadas por terceiros, o juízo de inconveniência do inventario para as resolver tem de se basear num critério menos exigente da complexidade da matéria de facto».  
Nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[28], em anotação ao art. 1092º do CPC, “este artigo (1092º) cura da interferência na marcha do inventário de acções pendentes e da necessidade de suspender a instância com fundamento na discussão externa de questões prejudiciais respeitantes à admissibilidade do inventário ou à definição de direitos de interessados directos na partilha. Fora deste círculo (e da eventualidade de haver nascituros interessados, nos termos do nº 1, alínea c)), em que se verifica uma prejudicialidade “forte”, tendo em conta o reflexo que a decisão a proferir noutra acção é susceptível de produzir no processo de inventário, é de aplicar o regime do art. 1093º.
A conexão com o art. 1093º permite concluir que qualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo, não podendo os interessados ser remetidos para os meios comuns. A lei apenas concede a possibilidade de suspensão da instância do inventário, aguardando o que, com reflexos na resolução de tais questões, esteja sob discussão noutra acção pendente ou não deva ser incidentalmente decidido no inventário”.
E, em anotação ao art. 1093º do CPC, explicitam[29]: “[q]ualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo. Embora deva ou possa ser determinada a suspensão da instância, nos termos do art. 1092º, os interessados não podem ser remetidos para os meios comuns quanto a tais questões, que são imanentes ao próprio processo de inventário”.
(…) Todavia, podem suscitar-se no âmbito do processo de inventário questões de outra natureza, designadamente conexas com os bens relacionados e/ou com direitos de terceiros para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário (cf. art. 1091º, n.º 1, quando remete para o regime dos incidentes da instância), cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum ou para outros processos especiais. Nestas situações, embora a apreciação de tais questões não seja excluída em absoluto do processo de inventário, segundo a regra geral do art. 91º, n.º 1, o litígio pode envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, podendo justificar a remessa dos interessados para os meios comuns.
(…) Destacam-se os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, tendo em conta designadamente as restrições probatórias ou a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental. Tal poderá ocorrer, por exemplo, quando esteja em discussão a área ou os limites de um imóvel envolvendo divergências com terceiros, a arguição da invalidade da venda de bens relacionados no processo de inventário, a invocação por parte de terceiro ou de um herdeiro, da aquisição por usucapião de um bem relacionado (cf. nº 5 do art. 1105º), a alegação da acessão industrial imobiliária sobre um imóvel relacionado (cf. art. 1339º CC) ou a dedução de um crédito ou de uma dívida da herança relacionada  com a realização de benfeitorias”.
A “resolução, no âmbito do processo de inventário, de questões de natureza incidental obedece a uma tramitação menos solene do que a consagrada para o processo comum e mesmo para certos processos especiais, designadamente no que concerne aos meios probatórios admissíveis (arts. 1091 e 1105º, n.º 3), o que poderá justificar que não sejam sacrificados os valores da segurança e da justiça em função da maior celeridade na conclusão do processo de inventário. Para o efeito, será importante apreciar as razões apresentadas, quer no sentido da resolução incidental das questões, quer dos benefícios da remessa para os meios comuns”.
E mais adiante: “a opção de remessa para os meios comuns não pode ser orientada por meras razões de comodidade ou de facilitismos, apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto (situação diversa daquela em que a complexidade respeite a questões de direito que devem ser apreciadas pelo juiz no próprio processo de inventário, nos termos do art. 91º, n.º 1), a tramitação do inventário se revele inadequada, por implicar, designadamente, uma efectiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns”.
No caso dos autos não oferece dúvidas estarmos perante situação que se subsume ao citado art. 1093º do CPC.
Na verdade, como se disse, o que está em discussão no caso sub júdice diz respeito à titularidade/propriedade dos mencionados veículos automóveis, visto mostrar-se controvertido se os mesmos são bens comuns do casal ou, ao invés, são pertença de terceiros, na titularidade de quem estão registados.
Estão, por conseguinte, em causa questões prejudiciais não essenciais, que têm por objeto a determinação dos bens que integram o património a partilhar (cf. art. 1093º, n.º 1).
A decisão recorrida conclui que os referidos bens são pertença do casal.
Certo é que a referida questão assume especial relevo na medida em que é suscetível de contender com direitos de terceiros, alheios ao presente processo de inventário.
Constata-se igualmente que tais terceiros não tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a titularidade de tais direitos. Não se verificou o seu chamamento e intervenção[30] para verem decididas questões em que tinham interesse.
Ou seja, atentas as razões invocadas na reclamação, não sofre qualquer dúvida que a decisão tomada no inventário poderá colidir com os direitos das pessoas que são indicadas, e que se assumem no registo como titulares do direito de propriedade sobre tais veículos automóveis; pessoas estranhas ao inventário e sem legitimidade para nele intervir – art. 1085º do CPC.
O que significa igualmente que a decisão proferida nos autos no tocante aos referidos bens vincula unicamente o recorrente e a recorrida e não os referidos terceiros não intervenientes.
Ou seja, a força do caso julgado da decisão proferida sobre a referida questão, restringindo-se aos interessados neste inventário, não se estende aos aludidos terceiros, pelo que a mesma não lhes é oponível. Com efeito, a decisão tomada não pode ter a veleidade de caso julgado sobre parte não interveniente.
Como se assinalou, as limitações impostas pela tramitação do processo de inventário podem ser particularmente relevantes quando deva ser apreciada uma pretensão que envolve um terceiro estranho ao inventário. Este não deve ficar sujeito a ver resolvida definitivamente no inventário, com a tramitação simplificada e as restrições probatórias que nele vigoram, questões que envolvam larga indagação factual e aprofundada análise de meios probatórios. E, no caso de questões prejudiciais atinentes com terceiros, o juízo de inconveniência do inventario para as resolver tem de se basear num critério menos exigente da complexidade da matéria de facto.  Deve, por isso, nessa situação o juiz remeter os interessados para os meios comuns – ao abrigo do disposto nos arts. 1105.º e 1093.º, do CPC – que oferecem garantias processuais acrescidas, permitindo-se às partes, de modo mais ativo e eficaz influenciar a decisão – quer ao nível da alegação fáctica e contradição, quer ao nível das provas, quer ao da influência jurídica – nos moldes consagrados para as ações declarativas comuns, não balizadas pelos termos processualmente simplificados do incidente, e, assim, ser alcançada uma solução mais justa, em resultado da comparticipação colaborante de todos os interessados.
Daí que, a fim de não reduzir as garantias das partes, se imponha a remessa das partes para os meios comuns para julgamento dessa questão, nos termos do disposto no art. 1093º, n.º 1, do CPC.
Termos em que é, nesta parte, de revogar a decisão recorrida.
*
5. Da exclusão, da relação de bens, dos saldos da conta do Banco 3....
Decidiu o Tribunal “a quo” que “devem ser relacionados os saldos que existiam no Banco 3... duas contas, uma “à ordem” e outra de “poupança”, que tinham dois titulares (BB e FF), embora os fundos nela depositados pertençam ao casal (…)”.
Acrescenta que, «(…) mais uma vez, consideramos que todas as importâncias existentes nas referidas contas à data da entrada da P.I., têm de ser relacionadas, por serem bens comuns, ainda que se trate de títulos emitidos em nome de terceiro, pai do cabeça de casal, pelas razões atrás descritas, quanto aos “esquemas” que estiveram subjacentes a essa titulação de bens em nome de terceiro».
Desse segmento decisório discorda o recorrente, contrapondo que «a conta existente no Banco 3... pertence única e exclusivamente ao pai do cabeça de casal, aberta em ../../2004, data anterior ao casamento, figurando o Recorrente como segundo titular por razões de praticidade e segurança, nunca tendo realizado qualquer depósito ou transferência para a mesma», pelo que «não podem os saldos existentes na conta do Banco 3... serem relacionados como comuns».
Estando perante uma conta colectiva, titulada pelo pai do cabeça de casal e por este, está em causa saber se o saldo bancário é pertença do terceiro estranho ao inventário ou, ao invés, se pertence ao casal, nessa medida sendo bem comum.
Importa ter presente que as contas à ordem podem ser singulares (as que só têm um titular) e colectivas (com mais do que um titular); estas, por sua vez, atendendo à distribuição dos poderes de gestão e movimentação entre os contitulares, podem ser solidárias, conjuntas[31] ou mistas[32].
Nas contas coletivas solidárias, qualquer um dos credores – depositantes ou titulares da conta – tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada (acrescida dos respetivos juros, se os houver), ficando o banco liberado para com todos eles, contanto que restitua a totalidade dos montantes a um deles (art. 512º do CC)[33].
A conta solidária tem, assim, um elemento fiduciário bastante vincado, posto que qualquer um dos titulares pode proceder ao levantamento da quantia por inteiro, mesmo quando nas relações internas só parte dela lhe pertencer.
O problema da titularidade do depósito ou conta aberta não se confunde, pois, com o da propriedade do dinheiro depositado, e que poderá ser levantado por qualquer dos meios contemplados na lei, por qualquer dos contitulares da conta à ordem. O direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários – que se traduz num poder de mobilização do saldo – não se confunde com o direito real que incide sobre o dinheiro depositado, que pode pertencer a um só ou apenas a alguns dos titulares da conta ou até a um terceiro[34].
Sucede que a característica de solidariedade da conta bancária, por força do recurso ao regime geral das obrigações solidárias previsto no art 512º e segs. do CC, remete, necessariamente, para a consideração do disposto no art. 516º do CC, nos termos do qual: «Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito».
Ora, a questão da propriedade ou compropriedade do dinheiro depositado numa dada conta bancária, portanto, em sede de acção de reivindicação, terá de ser esgrimida entre todos os contitulares dessa conta e só entre eles. É matéria das suas relações internas, enquanto contitulares da conta bancária. Com efeito, estando em causa uma conta coletiva (solidária), bem como saber-se a qual ou a quais dos titulares pertencia o dinheiro depositado, na acção devem estar todos os cotitulares da conta. Isto porque, segundo a natureza da relação jurídica em causa, será necessária a presença na lide de todos os interessados para que a decisão produza os efeitos erga omnes por ela exigidas. Dito de outro modo, para que a decisão a obter possa produzir o seu efeito útil normal será necessária a intervenção de todos os cotitulares da mencionada conta. De outro modo, a decisão proferida poderá ficar numa situação instável em face de outra eventual decisão que venha a ser proferida noutra acção com intervenção de outros interessados, designadamente com a participação da cotitular que não intervém na presente demanda.
É absolutamente indiscutível a necessidade do litisconsórcio natural, sob pena de a repartição dos vários interessados por acções distintas ser de molde a impedir uma composição definitiva mesmo entre as próprias partes na causa, ficando a própria afectação ou repartição dos bens (dinheiro depositado na referida conta bancária), operada no confronto entre os interessados deste inventário, sujeita a uma inevitável e incontornável precariedade, já que tal afectação ou repartição poderá ter necessariamente de ser rediscutida e reapreciada no âmbito de acção que viesse a ser ulteriormente movida pelo co-titular, terceiro e estranho ao inventario, além de que só assim se logrará uma solução uniforme entre todos os interessados sobre a propriedade das quantias depositadas na referida conta bancária (e a sua repartição ou a quota de cada um dos titulares). Discutindo-se a propriedade das quantias depositadas e a proporção ou a repartição dessas quantias pelos vários cotitulares da conta, tais questões só podem sedimentadas se todos eles estiverem, cumulativa e simultaneamente, em juízo, sob pena de a definição da propriedade e a quota de cada um dos titulares, operada apenas no confronto de alguns, poder ser posta em causa quando o restante co-titular pretender realizar, em acção por ela desencadeada, o direito de propriedade que se arroga sobre a referida quantia em dinheiro, afectando naturalmente a repartição fixada no presente inventário, no qual não teve intervenção um deles.
Ora, a prevalecer a tese acolhida na decisão recorrida – na parte em que decidiu deverem “ser relacionados os saldos que existiam no Banco 3... duas contas, uma “à ordem” e outra de “poupança”, que tinham dois titulares (BB e FF), embora os fundos nela depositados pertençam ao casal (…)” – ficaria naturalmente aberta a possibilidade de, em futura acção, o restante co-titular voltar a recolocar em juízo a questão da propriedade do dinheiro depositado – podendo perfeitamente ocorrer que o efeito jurídico material aqui decretado pudesse ser posto em crise, de modo a nessa futura acção poder vir a ser decidido de modo diferente quer sobre a propriedade do dinheiro depositado (sob a alegação de pertencer na totalidade a um dos co-titulares ou a ambos, mas em proporções diversas), como também sobre a ilisão da presunção constante do art. 516º do Cód. Civil[35].
E, como tem sido jurisprudencialmente entendido, em princípio, existe litisconsórcio necessário passivo quando se pretendem exercer direitos relativos a contas solidárias[36].
Afigura-se-nos assim que a decisão a proferir não poderá alcançar o seu efeito útil normal, isto é, declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material, sem estarem em juízo todos os contitulares inscritos no contrato de abertura de abertura de conta.
 Nessa medida, valem também aqui, com as devidas adaptações, as considerações supra explicitadas no ponto 4 do presente aresto, posto que a decisão tomada no inventário é suscetível de colidir com os direitos do co-titular da conta FF, pessoa estranha ao inventário e sem legitimidade para nele intervir.
Também nessa parte a decisão tomada não tem a virtualidade de caso julgado sobre parte não interveniente.
Por conseguinte, identicamente se impõe a remessa dos interessados para os meios comuns nos termos do art. 1093º, n.º 1, do CPC para julgamento dessa questão.
Da remessa para os meios comuns nenhum prejuízo advirá aos interessados, pois aí usufruirão dos mais amplos meios de prova, sem subordinação aos limites definidos nos arts. 294º, n.º 1, do CPC “ex vi” do art. 1091º, ambos do CPC
Com efeito, afigura-se que a opção de remessa destas matérias para os meios comuns é materialmente justificada e incontornável, sendo seguramente uma decisão prudente e avisada, quando o que está em causa contende com a pretensão de um terceiro alheio ao inventário e supõe naturalmente que lhe deva ser conferida uma necessária amplitude de garantias processuais, traduzidas na livre possibilidade de apresentação dos meios probatórios e da sua efetiva contradição, bem como na realização, judiciosa e pormenorizada, de audiência de julgamento, tudo nos moldes genericamente previstos para as ações declarativas comuns, que extravasa totalmente os termos processualmente confinados, simplificados e relativamente condicionados da resolução das referidas questões de facto e de direito em sede meramente incidental.
Assim, sendo de revogar o segmento decisório que determinou que deveriam “ser relacionados os saldos que existiam no Banco 3... duas contas, uma “à ordem” e outra de “poupança”, que tinham dois titulares (BB e FF), embora os fundos nela depositados pertençam ao casal (…)”, nessa parte é de remeter os interessados para os meios comuns, ao abrigo do estabelecido no art. 1093º, n.º 1, do CPC.
*
Das custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1, do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito, acrescentando o n.º 2 que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Como a apelação foi julgada parcialmente procedente, as custas (quer da apelação, como do incidente na 1ª instância) ficam a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
*
VI. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida no segmento em que decidiu:
- Expurgar «da relação de bens a verba relacionada pelo cabeça de casal sob o nº 1, relativa a uma indemnização recebida pela reclamante no valor de 24 285,80 euros», determinando a manutenção da verba n.º 1 constante da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, relativa a uma indemnização no valor de 24.285,80 euros recebida pela interessada AA.
- Relacionar o veículo automóvel da marca ... 5, com a matricula ..-RD-.., bem como um veículo automóvel da marca ..., modelo ..., e, em sua substituição, ao abrigo do disposto no art. 1093.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decidem remeter os interessados para os meios comuns quanto à propriedade desses bens.
- Relacionar “os saldos que existiam no Banco 3... duas contas, uma “à ordem” e outra de “poupança”, que tinham dois titulares (BB e FF)”, e, em sua substituição, ao abrigo do disposto no art. 1093.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decidem remeter os interessados para os meios comuns quanto à propriedade desse bem.
Quanto ao mais, confirmar a decisão recorrida.
Custas (quer da apelação, como do incidente na 1ª instância) a cargo do apelante e da apelada, na proporção do respetivo decaimento.
*
Guimarães, 15 de maio de 2025

Alcides Rodrigues (relator)
Afonso Cabral de Andrade (1º adjunto)
Raquel Tavares (2ª adjunta)


[1] Tribunal de origem: Juízo de Família e Menores de Guimarães - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 06/06/2018 (relator Ferreira Pinto), in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pp. 155/156.
[4] Cfr. Ac. do STJ de 3/03/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), in www.dgsi.pt. e Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 465.
[5] Cfr. Acs. do STJ de 19/02/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 3/03/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), ambos consultáveis in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Recursos (…), pp. 158/159.
[7] Cfr. Recursos (…), pp. 158/159.
[8] Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 12/09/2019 (relatora Rosa Ribeiro Coelho), de 06/06/2018 (relator Ferreira Pinto), de 8/02/2018 (relatora Maria da Graça Trigo) e de 28/04/2016 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt
[9] Cfr. Ac. do STJ de 29/10/2015 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt. e o Ac. do STJ de 22/09/2015, processo n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator Pinto de Almeida, Sumários de Acórdãos Cíveis, ano de 2015, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2015.pdf.
[10] Cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 31/05/2016 (relator Garcia Calejo), de 28/04/16 (relator Abrantes Geraldes), de 21/04/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 18/02/2016 (relator António Leones Dantas), de 1/10/2015 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 9/07/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 19/02/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), todos consultáveis in www.dgsi.pt.; em idêntico sentido, na doutrina, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 771.
[11] Segundo o acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 14/11 (com a Declaração de Retificação n.º 25/2023, Diário da República, 1.ª série, n.º 230/2023, Série I de 2023-11-28):
«Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações».
[12] Nos termos do Ac. do STJ de 26/03/2019, proc. n.º 659/11.3TVLSB.L1.S2, citado no Ac. do STJ 09/02/2021 (relator Fernando Jorge Dias), in www.dgsi.pt.:
“Muito embora se possa admitir a não exigência de reprodução nas conclusões dos demais elementos, referidos no n.º 1 do art. 640.º do CPC, o mesmo já não sucede em relação à indicação dos concretos pontos da matéria de facto sobre os quais incide a impugnação – os quais, sob pena de rejeição, deverão ser mencionados nas conclusões”.
[13] Cfr., na doutrina: Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 157; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, obra citada, p. 770, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina p. 462, Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, Dos Recursos (regime do Dec. Lei n.º 303/2007), Quid Iuris, 2009, p. 254; na jurisprudência: Acs. do STJ de 09/02/2021 (relator Fernando Jorge Dias), de 03/10/2019 (relatora Maria Rosa Tching), de 27/09/2018 (relator Sousa Lameira), de 24/05/2018 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 27/10/2016 (relator Ribeiro Cardoso) e de 14/07/2016 (relator António Piçarra) e Ac. RG de 19/10/2017 (relator Pedro Damião e Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Rute Teixeira Pedro, in Código Civil Anotado, (Ana Prata Coord.), volume II, 2017, Almedina, p. 692.
[15] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª ed., Coimbra Editora, 1992, p. 437.
[16] Cfr. Curso de Direito Família, volume I - Introdução Direito Matrimonial, (ebook), 5ª Ed, Imprensa da Universidade de Coimbra, p. 600.
[17] Cfr. Ac. da RC de 08-11-2001 (Relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
[18] Cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Vol. I, (…), pp. 596/597, e Antunes Varela, Direito de Família, 1º vol. 5ª ed., Livraria Petrony, Lda, 1999, p. 375.
[19] Pires de Lima e Antunes Varela afirmam ser “o carácter eminentemente pessoal das indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges (quer se trate de ressarcir danos patrimoniais, quer não patrimoniais), bem como dos seguros vencidos em favor da pessoa de cada um deles, que justifica a natureza incomunicável do direito a essas prestações, prescritas nas alíneas d) e e)” (cfr. Código Civil Anotado, Vol. IV, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1992, p. 442).
Sobre a aplicação desta norma do Código Civil às indemnizações atribuídas no domínio das relações laborais, afirmam Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira o seguinte:
Não é pacífico que mereça este regime as indemnizações que pretendam reparar uma incapacidade de ganho ou se meçam por uma perda de salários. Será o caso das indemnizações recebidas por acidentes de trabalho, doenças profissionais, reforma antecipada, despedimento, etc. Nestes casos, as somas recebidas vêm substituir os salários “cessantes”, que teriam a qualidade de bens comuns; as indemnizações deviam entrar para o património comum”. - Curso de Direito da Família (e-book), Vol. I - Introdução ao Direito Matrimonial, 5.ª ed., Imprensa da Universidade de 2016, pp. 631-632.
[20] Cfr. Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira - Curso de Direito da Família, Vol. I (…), pp. 638/639 e Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, 2020, Almedina, p. 241.
[21] Cfr. Código Civil Anotado, Livro IV - Direito da Família, coordenadora: Clara Sottomayor, Almedina, 2020, pp. 425-426 (em anotação ao art. 1724.º).
[22] Cfr. «Da partilha parcial em divórcio por mútuo consentimento convolado, da parcela respeitante à indemnização por cessação do contrato de trabalho de um dos ex-cônjuges vencida na constância do matrimónio», in Revista Julgar, n.º 40, 2020, p. 45.
[23] Para tanto, como se explicita na fundamentação do citado aresto, foi decisivo não só o facto de o cabeça-de-casal/recorrido não ter deduzido oposição a este entendimento, mas sobretudo a ponderação de todo o circunstancialismo fáctico associado à ruptura do vínculo laboral, nomeadamente, das consequências imediatas e futuras desse rompimento (especialmente para a pessoa do cônjuge trabalhador e sua família), do estado e do previsível desenvolvimento do relacionamento conjugal e, por último, do posicionamento dos cônjuges ou ex-cônjuges, sendo que, no caso, a cessação do vínculo laboral terá surgido num momento de acentuada desagregação da ligação matrimonial e o efeito da perda do emprego pouco ou nada teria a ver com o “futuro” do casal, mas, apenas, com a situação da recorrente, já “distanciada” da sua relação conjugal.
[24] Cfr. Obra citada, pp. 10/11.
[25] Cfr. Obra citada, p. 44.
[26] Cfr. Obra citada, p. 46
[27] Cfr. Obra citada, pp. 48/51.
[28] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, p. 543.
[29] Cfr. obra citada, pp. 547/548.
[30] E quando falamos em intervenção não nos reportamos, naturalmente, à mera participação do FF, na qualidade de testemunha ou interveniente acidental, na produção de prova atinente ao incidente da reclamação de bens.
[31] A conta conjunta só pode ser movimentada a débito por todos ou com a autorização de todos os seus titulares.
[32] Por exemplo, sendo solidária quanto a alguns dos titulares e conjunta quanto a outros.
[33] Cfr. Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, 1998, p.131.
[34] Citado no Ac. do STJ de 22/02/1981, BMJ, n.º 304, pp. 444/452.
[35] O STJ decidiu, nomeadamente no Ac. do STJ de 26/10/2004 (relator Afonso Correia), in www.dgsi.pt., que a presunção do art. 516º do CC pode ser ilidida quando se prove que o dinheiro depositado pertence por inteiro a um dos titulares da conta, pelo que só o proprietário poderia fazer sua a totalidade do depósito.
[36] Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2012 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.