AECOP
COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
Sumário


1 - À luz da atual lei processual civil, a compensação terá sempre que ser suscitada em sede de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis e quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.
2 – Daí que não seja possível operar a compensação de créditos, no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, no qual não é admissível reconvenção (não podendo admitir-se a sua invocação por via de exceção).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
           
AA – Construção Civil intentou procedimento de injunção contra BB, solicitando a atribuição de força executiva ao requerimento de injunção, no qual peticionou a quantia global de € 7.691,64, sendo € 6.701,94 a título de “capital”, € 387,70 de juros de mora vencidos, € 102,00 de taxa de justiça paga e € 500,00 a título de “outras quantias”, alegando, em síntese, que no exercício da sua atividade de construção civil e a pedido da Ré, executou, entre outubro de 2022 e março de 2023, obras de beneficiação na moradia desta, melhor discriminadas na fatura anexa, datada de 30.08.2023, com vencimento imediato, no valor de € 6.701,94, a qual não foi paga, apesar de a devedora ter sido interpelada mais de cinco vezes.
Citada, a Ré apresentou oposição, na qual invoca a exceção de não cumprimento do contrato de empreitada por o Autor ter cumprido defeituosamente a sua prestação e deduz reconvenção, pedindo a condenação do Autor a pagar-lhe o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros), «quantia necessária a custear todos os trabalhos necessários a debelar os defeitos da obra realizada pela Requerente». Para o efeito, alega que a obra realizada pelo Autor apresenta múltiplos defeitos que carecem de reparação urgente, sendo as patologias que enuncia derivadas de infiltrações e das correspondentes interações da água com os elementos construtivos afetados. Conclui no sentido de ser titular de um crédito sobre o Autor no valor de € 20.000,00, relativo ao custo de reparação dos defeitos resultantes da má execução da obra.
Foi, então, proferida a seguinte decisão:
«Na oposição apresentada nos presentes autos, a ré veio-se defender por exceção e reconvenção.
Tem sido controvertida a admissibilidade do articulado de reconvenção no âmbito da ação especial prevista pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 01 de setembro, posto que o diploma em causa visou prever uma forma processual simples e célere para a cobrança de créditos resultantes de contratos ou de transações comerciais.
O Tribunal alinha pelo entendimento de que apenas devem ser admitidos dois articulados (requerimento de injunção/petição inicial e resposta), na medida em que o diploma legal não prevê a introdução de qualquer outro – sem prejuízo de, no âmbito dos poderes de gestão processual, o juiz admitir um terceiro articulado para resposta a exceções dilatórias ou cuja prova dependa somente de documentos e que possam desde logo permitir a decisão nos autos sem necessidade de ulteriores diligências probatórias.
Contudo, a admitir a reconvenção no âmbito da presente forma processual, estar-se-ia no fundo a aproximar a mesma da ação declarativa comum, contrariando o propósito legislativo que presidiu à criação da ação declarativa especial.
Pelo exposto, não se admite a reconvenção apresentada pela ré.»

A ré interpôs recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
«A. A rejeição da reconvenção equivale à absolvição da Autora da instância reconvencional, com esta decisão, a Ré vê-lhe ser coartada a possibilidade de invocar um meio de defesa essencial à preservação dos seus direitos.
B. Direitos que poderão não ser efetivamente acautelados através de uma ação autónoma se, finda esta ação, a contraparte se conseguir furtar ao pagamento, nomeadamente por via de insolvência, dissolução ou inexistência de património exequível.
C. Tal restrição é inconstitucional por violação dos princípios da proibição de defesa e da tutela jurisdicional efetiva, plasmados no art.º 20.° da Constituição da República Portuguesa.
D. Bem como do princípio da igualdade das partes.
E. Acresce que, hoje, é claramente maioritária a jurisprudência que, ao abrigo dos seus poderes de adequação formal e gestão processual, permite a dedução do pedido reconvencional.
F. Princípios estes que o legislador, em 2013, com a alteração ao CPC, decidiu dar elevado realce e pugnou pela sua importância e aplicação – p. ex. os art.ºs 6.º e 547.º, ambos do CPC.
Vejamos,
G. É este o sentido, por exemplo, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º: 102792/21.8YIPRT-A.P1, de 13/07/22 do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo N.º117544/21.7YIPRT-B.G1, de 15/12/22 e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 77375/19.8YIPRT-A.L1-7, de 16-06-2020; já citados.
H. Tal jurisprudência é concordante com o defendido por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA: “Não se ignora que a orientação é controversa na jurisprudência e na doutrina. No entanto, indo à raiz do problema, a questão que há que resolver é se o processo civil deve ser perspetivado como um obstáculo à tutela de direitos ou como um meio de tutela de direitos. Supõe-se que do disposto no art. 2.º, n.º 2, CPC decorre claramente que o processo civil é um meio de tutela de direitos. Assente esta base, a solução do problema torna-se relativamente evidente, tanto mais que, quando tal se mostrar necessário, o CPC fornece, através do poder de gestão processual (art. 6.º), o instrumento adequado para ultrapassar quaisquer constrangimentos processuais à tutela de direitos.”
I. E ainda do mesmo Autor: “As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.°, n.° 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.° CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs. Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC”.
J. Por fim, e considerando concretamente o argumento utilizado pelo tribunal a quo de que o regime das AECOPs - nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere - não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional, partilhamos do entendimento de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA: “Se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções”.
Face ao exposto, deve o presente recurso ser dado como provado e procedente, assim se fazendo JUSTIÇA!»

O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo.
Por despacho proferido nesta Relação, baixaram os autos à 1.ª instância onde foi fixado o valor da ação em € 7.589,64.
Foram colhidos os vistos legais.
No primeiro projeto apresentado, o relator ficou vencido relativamente à decisão, pelo que o acórdão é agora lavrado pela 1.ª adjunta.

A única questão a resolver traduz-se em saber se é admissível a dedução de reconvenção na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, cujo valor processual é inferior a € 15.000,00.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Os factos a considerar são os descritos no relatório que antecede.

Por efeito da oposição deduzida, verificou-se a transmutação do processo injuntivo em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos dos artigos 16º, nº 1, e 17º, nº 1, do regime anexo ao Decreto-Lei (DL) nº 269/98, de 1 de setembro, pois, após a distribuição, seguem-se, com as necessárias adaptações, os trâmites processuais estabelecidos no nº 4 do artigo 1º e nos artigos 3º e 4º desse regime anexo.
Está em causa apurar se é admissível a invocação da compensação de créditos mediante dedução de reconvenção no âmbito da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas pelo acrónimo AECOP). Para o efeito da aludida questão, é indiferente que o procedimento seja desde o início uma AECOP ou que decorra, em face da oposição deduzida, da transmutação do processo injuntivo em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, como sucede no presente caso. Tanto num caso como no outro é aplicável o regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, conforme decorre dos seus artigos 1º, 16º, nº 1, e 17º, nº 1.

A questão que importa resolver tem merecido tratamento jurisprudencial e doutrinal divergente, de que já deram conta, aliás, não só a decisão recorrida, como a alegação da apelante.
Temos vindo a sustentar que a reconvenção é inadmissível neste tipo de ação especial, não podendo a compensação operar por via de exceção, conforme decorre (para além de outros) dos nossos Acórdãos n.º 69039/16.0YIPRT.G1, de 22/06/2017, e n.º 66852/23.6YIPRT.G1-A, de 09/05/2024, bem como, ainda, do Acórdão n.º 10412/16.2YIPRT.G1, de 27-04-2017, relatado pelo aqui 2.º adjunto e subscrito também pela ora relatora, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

No âmbito do Código de Processo Civil anterior ao aprovado pela Lei 41/2013 de 26/6 discutia-se na jurisprudência e doutrina, se a invocação da compensação de créditos pelo réu deveria fazer-se sempre em reconvenção ou se apenas quando o crédito do réu era superior ao do autor e na medida do excesso, devendo ser arguida a título de exceção perentória nos restantes casos (v. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anot., vol. 1º, pág. 489 e Ac. STJ de 24/5/06 in www.dgsi.pt).
Na altura, a norma que no Código de Processo Civil regulava a admissibilidade da reconvenção era o art. 274º, que, na parte com interesse para o caso em apreço, dizia o seguinte: A reconvenção é admissível quando o réu se propõe obter compensação.
Esta norma foi substituída pelo artigo 266º, que no seu nº 2 - c) diz que a reconvenção é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
Dada a alteração da redação, resulta que o legislador quis resolver a divergência acima mencionada, resultando deste novo preceito que a compensação de créditos deve ser sempre deduzida através de um pedido reconvencional, até porque se trata de uma pretensão autónoma que ultrapassa a mera defesa, mesmo quando não excede o montante do crédito peticionado pelo autor – cfr. Acórdão desta Relação de Guimarães de 23/03/2017, processo n.º 37447/15.0YIPRT.G1 (Alexandra Rolim Mendes).
No mesmo sentido, veja-se Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, pág. 259) “(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efetivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica. Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.”
Também no mesmo sentido se pronuncia Jorge Augusto Pais de Amaral (in “Direito Processual Civil”, 2015, 12ª ed., pág. 247) que escreve: “Atualmente, considerando o teor do preceito, sempre que o réu pretenda o reconhecimento do seu crédito, quer seja para obter a compensação, quer seja para obter o pagamento da parte em que o seu crédito excede o do autor, deve deduzir reconvenção.”
Tal como ainda no mesmo sentido se pronuncia Paulo Pimenta (in “Processo Civil Declarativo”, 2015, págs. 186/7): “(…) a alínea c) do nº 2 do art. 266º revela que o legislador quis tomar posição em termos de pôr fim à querela, tendo-o feito no sentido previsível face aos inúmeros sinais legislativos já existentes (…). Fica agora claro – mais claro, dir-se-á – que o réu, sempre que se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento de tal crédito na ação em que está sendo demandado, deverá formular pedido reconvencional nesse sentido e pedir a fixação das consequências possíveis em face desse reconhecimento.
(…) O regime em apreço não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de exceção perentória. Admitir essa opção seria reeditar a polémica do passado, bem assim desrespeitar o intuito legislativo.”
Assim, à luz da atual lei processual civil e confrontando-nos com aquela que foi a intenção do legislador, em consonância, também, com o entendimento doutrinariamente maioritário, a compensação terá sempre que ser suscitada em sede de reconvenção, mesmo quando o crédito invocado pelo réu não excede o do autor, ou seja, independentemente do valor dos créditos compensáveis e quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.
Veja-se, neste sentido, para além do Acórdão da Relação de Guimarães já referido, os Acórdãos da Relação do Porto de 12/05/2015 (Rodrigues Pires) e de 30/11/2015 (Correia Pinto), da Relação de Coimbra de 07/06/2016 (Fonte Ramos) e da Relação de Évora de 09/02/2017 (Paulo Amaral), todos em www.dgsi.pt.
Este entendimento é de adotar tanto no âmbito da ação declarativa comum como no âmbito da ação especial prevista no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9, como é o caso dos autos. Uma vez que esta forma de processo especial só comporta dois articulados, no seu âmbito, é de concluir não ser admissível resposta à contestação e, consequentemente, reconvenção, solução que, aliás, inteiramente se harmoniza com as ideias de simplificação e celeridade que presidiram ao seu aparecimento.
E isto porque “a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a injunção e subsequente ação especial, cuja especial especificidade se centra na celeridade derivada da reduzida importância dos interesses suscetíveis de a envolver, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional. Não se vê que esta solução legal afete o direito de defesa do réu, certo que este pode, se tiver para tal algum fundamento legal, fazer valer em ação própria a situação jurídica que eventualmente possa estar de algum modo conexionada com aquela que o autor faz valer na ação – cfr. Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 3ª edição, pág. 63. A corroborar esta posição e no que concerne a esta ação declarativa especial, a lei confina essa forma de processo especial unicamente dois articulados, a petição inicial e a contestação, e estabelece que este último instrumento só é notificado ao autor aquando da notificação do despacho designativo da data do julgamento – artigo 1º nº 4 do DL nº 269/98, de 1 de Setembro (Salvador da Costa, ob e loc cit). De outro modo, frustravam-se a desburocratização, simplicidade, singeleza e celeridade que estão associadas a este tipo de procedimentos, pensados tendo em vista o descongestionamento dos tribunais no que concerne à efetivação de pretensões pecuniárias de reduzido montante” – Acórdão da Relação de Lisboa de 21/10/2010, Processo n.º 186168/09.3YIPRT.L1-8, in www.dgsi.pt.
Ou seja, seguindo-se a tramitação da ação declarativa especial, não é admissível a reconvenção.
A circunstância de não ser admissível reconvenção não autoriza a que se possa concluir que neste tipo de ações, excecionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como exceção perentória.
Tal solução, a ser seguida, significaria um desvio dificilmente justificável àquela que foi a intenção do legislador expressa no atual Cód. do Proc. Civil com a redação conferida ao art. 266º, nº 2, al. c).
Veja-se, aliás, que a ré pediu que a autora fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00, o que sempre obrigaria a julgar, em sede de reconvenção, os factos atinentes a este pedido de reconhecimento de um crédito, o que conduziria ao julgamento de uma nova ação – e até de valor bastante superior – enxertada na ação especial.
Não se trata, apenas, do julgamento da compensação, de forma a poder a reconvinte livrar-se da obrigação perante a reconvinda. Trata-se de julgar reconhecido o eventual crédito da reconvinte, o que conduz, como já referimos, a enxertar-se nesta ação especial, o julgamento reconvencional de uma outra ação declarativa, o que, claramente “frustraria a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a injunção e subsequente ação especial, cuja especial especificidade se centra na celeridade derivada da reduzida importância dos interesses suscetíveis de a envolver, o que não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional”.
E isto porque, como já supra referimos, a obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efetivamente, a natureza de uma demanda judicial (ultrapassando o mero pedido de defesa), implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido, tendo a contraparte que dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.
O entendimento acabado de expor não conduz, nesta interpretação, à violação dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva plasmados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Neste preceito, sob a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, dispõe-se o seguinte no seu nº 1:
«A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.»
Ora, a norma em causa não impede a ré de arguir a compensação, apenas a impede de o fazer por via da exceção, obrigando ao uso da reconvenção. Ou seja, a ré tem direito à sua defesa mas esta tem de ser exercida da forma preceituada na lei. É uma regra processual como tantas outras que disciplinam a marcha do processo e isso não as torna inconstitucionais (p. ex. requisitos da p.i. (art. 552º) e da contestação (art. 569º e 571º), casos em que a réplica é admissível (584º), etc.).
A ré/recorrente, pese embora não possa operar a compensação de créditos no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, por nele não ser admissível reconvenção, não está impedida de fazer valer o seu crédito através da propositura de uma ação autónoma para esse efeito.
Significa isto que não lhe está vedada a possibilidade de recorrer aos tribunais para invocar o seu direito de crédito, só que, como se referiu, terá que o fazer no âmbito de uma outra ação – cfr. Ac. Relação de Guimarães de 23/03/2017 e da Relação do Porto de 12/05/2015, já citados.
Improcede, assim, a apelação deduzida, sendo de confirmar o despacho recorrido.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

***
Guimarães, 15 de maio de 2025

Ana Cristina Duarte
António Beça Pereira
Joaquim Boavida (primitivo relator, vencido, conforme voto que segue):

Vencido, pelos fundamentos que a seguir se expõem:
No recurso está apenas em causa apurar se é admissível a invocação da compensação de créditos mediante dedução de reconvenção no âmbito da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas pelo acrónimo AECOP).
É inequívoco que o regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, apenas prevê a possibilidade de apresentação de dois articulados – arts. 1º, nºs 1, 2 e 4, e 3º, nºs 1 e 2. Isso é bem patente na circunstância de o nº 4 do artigo 1º dispor que «o duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento.»
Como na tramitação das AECOPs não se prevê a réplica para o exercício do contraditório quanto à matéria da reconvenção (cf. art. 584º, nº 1, do CPC), daí decorreria a inadmissibilidade da dedução de reconvenção, designadamente para efeitos de obtenção da compensação, que é a situação mais comum.
No caso dos autos, a Ré invocou a compensação na sua oposição, pretendendo obter o reconhecimento do seu alegado crédito, o qual é de valor superior ao reclamado pelo Autor. A Ré alegou a compensação judicial (a que é requerida e obtida em juízo, diferente da que se operou antes da ação) por reconvenção.
De harmonia com o disposto no artigo 266º, nº 2, al. c), do CPC, a reconvenção é atualmente a única forma prevista naquele código para a alegação da compensação nas ações declarativas, seja o crédito de valor inferior, igual ou superior ao do autor. Não é admissível a invocação da compensação por via de exceção. Além de não ter qualquer apoio legal, a tese que admite a invocação da compensação por via de exceção enferma das desvantagens que se procuraram evitar com a aprovação do atual regime sobre a compensação judiciária, entre as quais figura a não formação de caso julgado material quanto às exceções perentórias (cf. art. 91°, n° 2, do CPC).
Portanto, estando em causa uma ação declarativa, a Ré não podia invocar a compensação do seu crédito por via de exceção.
Sendo assim, restavam à Ré duas possibilidades: invocar a compensação judicial na AECOP através de reconvenção ou propor ação declarativa destinada a obter o reconhecimento do seu crédito sobre o Autor.
Feito este enquadramento, a questão a decidir, subdivide-se em duas outras questões de apreciação sucessiva. Por um lado, se as normas ou princípios do CPC, enquanto lei ordinária, permitem a interpretação de que é admissível a dedução de reconvenção nas AECOPs. Por outro lado, caso se conclua negativamente, se essa interpretação da lei é compatível com a garantia do acesso à justiça imposta no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A AECOP é um processo especial e o respetivo regime, constante do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, é insuficiente para regular todos os aspetos referentes à tramitação, instrução e julgamento da causa. Por isso, enquanto processo especial, nos termos do artigo 549º, nº 1, do CPC, «regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns». Portanto, em tudo o que não esteja previsto no regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, é aplicável o CPC.
A admissibilidade da reconvenção mostra-se regulada no artigo 266º do CPC, inserido nas suas disposições gerais e comuns, pelo que é aplicável à AECOP.
Pode-se argumentar, como se faz na decisão recorrida, que aquele regime anexo consagra «uma forma processual simples e célere para a cobrança de créditos resultantes de contratos ou de transações comerciais», mas isso, ressalvada a devida consideração, não afasta a aplicabilidade das disposições gerais e comuns do CPC, pois nenhuma das suas disposições própria afasta a aplicação da norma que regula a admissibilidade da reconvenção. Dito de outra forma, a tese da inadmissibilidade da dedução de reconvenção não resulta de norma expressa prevista no regime anexo, mas apenas da interpretação daquela que era a intenção do legislador quando estabeleceu a tramitação dessa ação, a qual tem de ser conciliada com a evolução do ordenamento jurídico no sentido de dar primazia à efetiva tutela dos direitos subjetivos, perspetivando o processo civil como verdadeiramente instrumental daquela finalidade, em conformidade com o comando constitucional do artigo 20º, nº 1, da CRP, que garante o efetivo acesso à justiça.
Aliás, a celeridade da ação é compatível com o exercício pelas partes dos seus direitos processuais e pelo juiz dos poderes-deveres que a lei lhe impõe. É por isso, desde logo, que o artigo 17º, nº 3, do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98 confere ao juiz a possibilidade de convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. Mas a celeridade não é sequer um fator decisivo para se poder concluir sobre a inadmissibilidade de reconvenção, visto que «o eventual acréscimo da morosidade é compensado pelo afastamento de uma futura acção independente: o interesse público, fundado na economia processual, acaba por sair a perder» (Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção No Processo Civil, Almedina, págs. 172 e 173).
Acresce que a circunstância de o regime anexo apenas prever expressamente dois articulados também não pode ser interpretada no sentido de afastar a possibilidade de o demandado deduzir reconvenção para fazer valer a compensação judicial. Repare-se que a aludida forma processual especial não afasta a possibilidade de o juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal, conforme resulta dos artigos 6º e 547º CPC, também aplicáveis à AECOP.
Portanto, sendo invocada a compensação judiciária pelo demandado, cabe ao juiz diligenciar no sentido de ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
Em suma, a interpretação que recusa a admissibilidade de dedução de reconvenção por via da invocação da compensação judiciária não é a que melhor se compatibiliza com os princípios da economia processual, de garantia de acesso aos tribunais (art. 2º do CPC), da igualdade das partes (art. 4º) e até da celeridade.
Como salientou Miguel Teixeira de Sousa, num texto publicado no Blog do IPPC em 26.04.2017, intitulado «AECOPs e compensação», «se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções.» Em novo texto de 24.05.2017, intitulado «A problemática da dedução de compensação: breves notas», igualmente no Blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com/2017/05/a-problematica-da-deducao-da_24.html), destacou: «quanto à dedução da compensação nas AECOPs, é a tramitação destas que tem de se adaptar ao exercício dos direitos das partes em juízo, não este exercício que pode ser coarctado por aquela tramitação. Esta orientação -- que não é de agora -- impõe-se especialmente numa época de gestão processual e de adequação formal, que -- talvez convenha lembrar -- não podem estar ausentes dos processos especiais. O que releva deixou de ser o que legislador regulou de forma geral e abstracta, para passar a ser o que o caso concreto impõe: a uma tramitação definida de forma abstracta e geral sobrepõe-se a tramitação individualizada que o caso exige.» Ainda o mesmo autor, na mesma plataforma, em comentário ao acórdão da Relação do Porto de 04.06.2019 (proc. 58534/18.0YIPRT.P1), em texto de 17.12.2019: «Não se ignora que a orientação é controversa na jurisprudência e na doutrina. No entanto, indo à raiz do problema, a questão que há que resolver é se o processo civil deve ser perspectivado como um obstáculo à tutela de direitos ou como um meio de tutela de direitos. Supõe-se que do disposto no art. 2.º, n.º 2, CPC decorre claramente que o processo civil é um meio de tutela de direitos. Assente esta base, a solução do problema torna-se relativamente evidente, tanto mais que, quando tal se mostrar necessário, o CPC fornece, através do poder de gestão processual (art. 6.º), o instrumento adequado para ultrapassar quaisquer constrangimentos processuais à tutela de direitos.» Voltando ao tema em 15.05.2020, sob a epigrafe «AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples?» (https://blogippc.blogspot.com/2020/05/aecops-e-compensacao-que-tal.html), concluiu que «o que se propõe é que a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção e que o devido contraditório do autor pode ser feito em articulado próprio. Para se chegar a esta solução basta aplicar a lei (nomeadamente, os art. 266.º, n.º 2, al. c), e 584.º, n.º 1, CPC, ex vi do art. 549.º, n.º 1, CPC) e respeitar o princípio da igualdade das partes em processo civil (art. 4.º CPC). É simples por isto mesmo: resulta da lei. Não precisa de nenhuma argumentação destinada a demonstrar que afinal o que decorre do CPC não é aplicável.»
Por todo o exposto, consideramos admissível a invocação da compensação.
Joaquim Boavida