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DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DE IMPULSO
Sumário
I- São requisitos/pressupostos legais da deserção da instância: i) que o processo aguarde impulso processual das partes; ii) que a falta de impulso decorra de negligência das partes; iii) que essa falta de impulso ocorra há mais de seis meses (art.281.º n.º 1 do CPC). II- A lei exige que o processo esteja a aguardar impulso processual das partes, o que se traduz na situação em que cabe à parte e não já ao juiz praticar o(s) acto(s) que permita(m) o prosseguimento do processo; o processo haverá de se encontrar em situação em que não pode prosseguir sem que a parte desenvolva a atividade processual necessária ao seu andamento. III -Por conseguinte, excluídas estão as situações em que, embora se verifique uma paragem do processo, a mesma não se fica a dever a qualquer inatividade processual da parte e, ainda, de fora estão, também, a nosso ver, situações em que a paragem do processo decorre formalmente do facto da parte nada ter requerido (podendo ou não ter sido notificada para o efeito), mas essa sua omissão não obsta, em substância, a que o processo possa prosseguir, ainda que a dita omissão acarrete (ou possa acarretar) consequências processuais. IV- A paragem do processo por mais de seis meses, só determina a deserção da instância quando recaia sobre a parte o ónus de agir processualmente com vista ao seu prosseguimento, e sabendo disso, omitiu injustificadamente o cumprimento daquele ónus, ciente das respetivas consequências. V- A falta de impulso processual é correspetiva do ónus de praticar certo acto ou desenvolver certa atividade processual, sem a qual a ação não pode prosseguir, consubstanciando-se num impedimento que não cabe ao tribunal arredar ao abrigo dos deveres de gestão processual. VI- Tendo o tribunal recorrido determinado que as partes viessem juntar documentos necessários à realização de perícia ordenada oficiosamente no decurso do julgamento, e não se logrando na sua totalidade a recolha de tais elementos por falta de diligência das partes, se concluir que sem tais elementos não é possível a realização da perícia, caber-lhe-á decidir em conformidade, ajuizando se deve ser mantida a realização dessa diligência e, na negativa, determinando a sua não realização, caso em que será retomado o julgamento. VII- É esta possibilidade de retoma da sequência processual que foi interrompida com a decisão que ordenou a realização da perícia que permite afirmar que as omissões das partes em trazerem aos autos os referidos elementos, não constituem um impedimento ao andamento do processo, que é coisa distinta do impedimento circunscrito à realização daquela concreta diligência, e, por isso, não se configura in casu uma verdadeira falta de impulso processual alicerçada no ónus imposto à parte de praticar certo acto processual sem o qual a ação não pode prosseguir. VIII-É que não resulta da lei um ónus imposto às partes relativamente ao meio de prova que o tribunal entendeu dever ser produzido, cuja não satisfação bloquei o andamento da ação. IX- Mesmo que se admitisse a possibilidade do ónus de impulsionar a ação decorrer de despacho judicial, para se extrair da inatividade/inércia das partes a consequência da deserção da instância, não devem subsistir dúvidas quer quanto à produção dessa consequência, quer quanto à conduta/ação concreta que se espera da parte, sem a qual se desencadeará aquele efeito, sobretudo da parte que verá frustrada a sua iniciativa consubstanciada na instauração da ação.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I- Relatório
1- A… e mulher B…, instauraram ação de condenação contra C… e mulher D…, E… e mulher F… e FF…, Agropecuária, Lda., formulando os seguintes pedidos: 1. Ser declarado que os AUTORES são os únicos sócios da 3.ª RÉ, por serem os donos e legítimos possuidores das participações sociais correspondentes a 100% do capital social, desde a data da constituição da 3.ª Ré. 2. Ser declarado que os prédios identificados supra, designadamente no artigo 65.º desta petição inicial, e todos os prédios rústicos ou urbanos que se encontram registados a favor da 3.ª RÉ, bem como os bens móveis e animais detidos pela 3.ª RÉ, integram o património dos ora AUTORES e fazem parte integrante da unidade de exploração agropecuária familiar propriedade dos AUTORES. 3. Serem os RÉUS condenados a reconhecer o declarado em 1 e 2 supra. 4. Ser determinado o cancelamento no registo comercial da titularidade das quotas pelos ora 1.º e 2.º RÉUS, relativas à 3.ª RÉ. 5. Ser determinado, para efeitos de registo comercial na Conservatória do Registo Comercial competente, se proceda à inscrição das duas quotas, correspondentes às participações sociais da 3.ª RÉ, em nome dos ora AUTORES, que passam a ser os seus únicos sócios, com efeitos à data da sua constituição.
2- Os réus contestaram e, após dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho que fixou o objeto do litígio e temas da prova, com agendamento do julgamento.
3- Em sede de julgamento foi ordenada, oficiosamente, a realização de uma perícia.
4- Nessa sequência, após diversos outros despachos, veio a ser proferido, em 21.1.2025, despacho com o seguinte teor:
“Na decorrência do despacho com a refª 57463161 as partes nada vieram dizer e nada promoveram, sendo certo que o tribunal de forma oficiosa nada pode avançar. Assim…porque decorreram mais de 6 meses desde tal despacho declaro aqui, nos termos do nºs.1 e 4 do artº.281º a deserção da instância. Notifique.”
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5- É deste despacho que vem interposto o presente recurso, pelos autores, que termina com as seguintes conclusões: i. No âmbito dos presentes autos, na quarta sessão da audiência de julgamento foi determinada oficiosamente pelo Tribunal a realização de uma perícia, que recaísse sobre a contabilidade das sociedades “FF…” e da sociedade “NS…”, como resulta do respetivo despacho lavrado em ata e supra transcrito. ii. Por despacho com a referência eletrónica 55308380, foram nomeados peritos, o perito indicado pelos Autores, pelos Réus e designado pelo Tribunal e alargado o objeto da perícia, bem como notificados os Réus para procederem, à junção de documentos e ordenada a prestação de informações pelas entidades aí enunciadas. iii. Na sequência de tal notificação vieram as entidades notificadas responder, juntando os documentos solicitados pelo Tribunal, mantendo-se os Réus sem proceder à junção das referenciadas contabilidades das empresas, o que determinou a sua reiterada notificação para procederem à respetiva junção aos autos: “Os RR., apesar de conhecerem o dever de responderem ao que lhes é solicitado pelo tribunal, têm ignorado essa obrigação, coisa que os faz violadores do dever de cooperação a que estão sujeitos, por via do qual incorrem em multa.”, vide, entre outros, o despacho com a referência eletrónica 56445018. iv. Mantendo-se a inação dos Réus vieram estes a ser sancionados processualmente, pelo Tribunal a quo, com a aplicação de multas, pela falta de junção dos documentos, que lhes haviam sido exigidos. v. Os Réus, entretanto, procederam à junção dos respetivos extratos bancários, não juntando as contabilidades das empresas, cuja análise constitui o objeto da perícia ordenada pelo Tribunal. vi. Por douto despacho foram Autores e Réus notificados para se pronunciarem sobre se se encontravam “reunidas as condições necessárias para se avançar na perícia”. vii. Os Autores vieram alegar que constituindo o objeto da perícia a contabilidade das empresas supra citadas, se deveria ordenar a notificação da Ré “FF…, Agropecuária, Lda.” e da “NS…, Lda.” para procederem à junção aos autos de todos os documentos que integram a sua contabilidade, conforme havia sido doutamente decidido em despacho proferido em sede de audiência de julgamento, na sessão de 17 de abril de 2023. viii. Os Autores não teceram qualquer outra consideração, designadamente que fosse dada sem efeito a perícia, atento a que a falta de junção da contabilidade indicada, tornava inútil a perícia já que a análise de tal contabilidade constituía o seu objeto, por mero respeito e deferência ao Tribunal e aos poderes de gestão processual que o Juiz do processo detém, uma vez que havia sido o Tribunal, e não os Autores, quem havia determinado oficiosamente a realização da perícia e que estava a importar no não prosseguimento da audiência de julgamento, pelo que tal impulso incumbia ao Tribunal a quo. ix. Sobre este requerimento não recaiu qualquer despacho, designadamente não se pronunciou o Tribunal sobre o prosseguimento dos autos para efetivação da perícia, nem a deu sem efeito, sem prejuízo de ter auscultado as partes para avaliar, após a respetiva audição, se “estavam reunidas as condições para se avançar com a perícia”, nos termos do despacho integralmente transcrito supra. x. Tendo-se o Tribunal limitado a referir, como se o impulso em falta fosse das partes e não do próprio Tribunal, que “É às partes que, dentro do seu dever de cooperação, cabe fazer chegar ao processo os elementos necessários à realização da perícia pela qual também pugnaram e nela viram grande utilidade. Assim…o prosseguimento dos autos, aportando aqui todos os elementos necessários e que são referidos pelas partes nas peças em epígrafe, corresponde a ato na disponibilidade das partes. Face ao exposto aguarde-se que as partes façam chegar ao processo todos os documentos que lhes foram exigidos pelo tribunal de forma a que a perícia posa ser levada por diante…sem prejuízo do que decorre da segunda parte do n.º1 do art.º 281º do CPC.” xi. Ora, ao falar “nas partes”, ter-se-á considerar “as partes” que foram expressamente notificadas para juntar documentos aos autos e as que têm na sua disponibilidade o poder de proceder à junção das contabilidades das empresas, ou seja os Réus, atento a que aos Autores nada foi exigido pelo Tribunal, nem nunca foram notificados para procederem à junção de qualquer documento. xii. Reitera-se, o que supra amplamente se demonstrou, que sem prejuízo de os Réus terem sido notificados, reiteradamente, para procederem à junção aos autos de documentos, sendo até sancionados, com a aplicação a cada um dos Réus individualmente de uma multa no valor cada uma de 2 UC´s, por essa omissão, os Autores nunca foram notificados para juntarem qualquer documento, nem sofreram qualquer advertência ou lhes foi aplicada qualquer sanção processual. xiii. Notificação para os Autores juntarem documentos que sempre se imporia, à luz do princípio da igualdade das partes, que impera no nosso processo civil, e que determina que o tribunal “deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.” xiv. Por outro lado, foi julgada deserta a instância, sem que o Tribunal se tenha pronunciado previamente sobre questões que estava obrigado a decidir e de cuja decisão dependia o andamento do processo, ou seja, o impulso em falta era o do próprio Tribunal a quo. xv. Omissão de pronúncia/decisão, designadamente quanto à efetivação da perícia oficiosamente determinada ou à sua não realização, tanto mais que auscultou as partes para tomar tal decisão. xvi. Incumbindo ao Tribunal, atento aos documentos juntos, ordenar o prosseguimento da perícia ou, caso a entendesse como supérflua ou inútil, dar sem efeito a perícia que oficiosamente havia determinado, designando data para a continuação da audiência de julgamento. xvii. Ora essa omissão de pronúncia e decisão fundamentada quanto à perícia, quando havia ouvido as partes para se pronunciarem sobre se havia condições para a sua efetivação, num ato que, como parece de mediana evidência, tem como corolário lógico uma decisão, configura uma nulidade, que, desde já, se invoca. xviii. Omissão de pronúncia do Tribunal a quo que, sob pena de ingerência dos Autores, ora RECORRENTES, nos poderes do Tribunal, não incumbia aos Autores suprir, atento a que não haviam sido estes a determinar a realização da perícia às contabilidades da empresa Ré e da empresa supra citada, da qual os Réus são sócios e gerentes. xix. Sendo flagrante que, in casu, não se verifica qualquer dos dois pressupostos legais da deserção da instância: - por não se verificar que o prosseguimento da instância dependia de impulso da parte decorrente de algum preceito legal, antes era o Tribunal que tinha que decidir sobre a efetivação ou não da perícia, que oficiosamente determinou, nas condições que os autos apresentavam até porque havia auscultado as partes para tomar a decisão omitida; - por não se ter verificado qualquer inércia ou negligência das partes, em concreto dos Autores, ora RECORRENTES, que, reitera-se, nunca foram notificados pelo Tribunal a quo para juntar qualquer documento em concreto. xx. A interpretação do artigo 282.º, n.º1, do Código de Processo Civil, no sentido de se poder considerar deserta a instância, por falta de junção de documentos pela parte, sem que esta fosse notificada, nos mesmos termos em que a outra parte, para proceder à junção de documentos, para além de traduzir um erro de julgamento, sempre se terá que ter como inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo e do direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrário, ínsitos no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos e nos mais de direito, devem ser declaradas as nulidades arguidas, determinando-se a anulação do despacho recorrido e a prolação de decisão pelo Tribunal a quo sobre a efetivação da perícia ordenada oficiosamente pelo mesmo Tribunal ou a continuação da audiência de julgamento. Assim se não entendendo deve ser revogado o despacho recorrido e proferida decisão que ordene o prosseguimento dos autos, por se não verificarem, in casu, os pressupostos da deserção da instância.”
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6- Contra-alegaram os réus formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto contra o Despacho de 21.01.2025, o qual tem o seguinte teor: “Na decorrência do despacho com a refª 57463161 as partes nada vieram dizer e nada promoveram, sendo certo que o tribunal de forma oficiosa nada pode avançar. Assim…porque decorreram mais de 6 meses desde tal despacho declaro aqui, nos termos do nºs.1 e 4 do art.º 281º a deserção da instância. Notifique”. É evidente que o despacho em crise não padece de qualquer irregularidade, nem está viciado, nos seus pressupostos, tanto mais que nem sequer consubstancia, verdadeiramente, qualquer ato decisório autónomo e recorrível. B. Na verdade, tal Despacho limitou-se a cumprir com o que já havia sido ordenado no Despacho pretérito de 20.06.2024, e tal Despacho, que não mereceu qualquer pronúncia pelos Autores, foi absolutamente claro e perifrástico quando mencionou que a perícia aguardava o impulso das partes. C. Em momento algum, e obviamente que o julgador soube exprimir-se cristalinamente, o Tribunal referiu que a perícia, por si ordenada, estava dependente do impulso dos Réus, antes se referindo, e sempre, às partes. D. Aliás, a cominação comunicada expressamente pelo Tribunal no sentido de ocorrer a eventual deserção da instância e sua consequente extinção, apenas pode ser interpretada como sanção processual para os Autores, pela sua inércia, já que a não colaboração dos Réus tem, como se sabe, outro efeito cominatório (bem distinto). E. Destarte, os Autores só de si se podem queixar, dado que tão pouco alguma reação esboçaram ao Despacho de 20.06.2024 (esse sim contendo teor decisório contra o qual ora se insurgem), pelo que tal decisão transitou em julgado – caso julgado formal, não sendo mais possível dela recorrer – donde, nem a mesma constitui qualquer decisão-surpresa. F. E ainda que assim não se entendesse, também o Despacho de 21.01.2025 seria irrecorrível ou não suscetível de recurso, pois como notam os próprios Autores, dele foi arguida nulidade – ou seja, apresentada reclamação. G. Donde, se foi cometida nulidade e alegada, em sede de reclamação, tal vício, não pode o mesmo Despacho ser simultânea e (ao menos) imediatamente, objeto de recurso – pelo que tal decisão é, também por esta via, irrecorrível – por falta de objeto. H. Por outro lado, ainda, os Autores procuram, falaciosamente, confundir os autos e a sua tramitação, insistindo que o Tribunal ordenou os Réus para juntar os documentos da sua contabilidade – tal não resulta expresso de nenhum Despacho, I. Além de que, tal como já antecipado no processo pelos Réus, as contabilidades das duas empresas (quanto ao hiato temporal que a lei manda guardar – 10 anos) estão inteiramente disponíveis para apreciação pelos peritos – nem tal nunca foi negado, além de depositadas e registadas as contas da empresa (informação é pública). J. Mas obviamente que a perícia apenas se podia iniciar se nos autos estiverem disponíveis e acessíveis os extratos bancários de todos os intervenientes (Réus, Autores e Cl.. e R…), e não apenas se estiverem os extratos bancários dos Réus, como é apodítico! K. Tal como está suficientemente documentado/provado no processo, os Réus, por várias vezes, e insistindo, solicitaram junto das entidades bancárias a disponibilização dos extratos, e só muito tardiamente obtiveram (parcial) resposta. L. E em abono da sua posição de lealdade processual, mais se diga que nestes autos os Réus já juntaram (em documentos) centenas e centenas de páginas – alguns milhares, e que dizer dos Autores (principais interessados no desfecho da ação) – praticamente documento algum juntaram nos autos (e isso está objetivamente verificado e é facilmente comprovável). M. Deste modo, não apenas o Despacho de 21.01.2025 não contém ato decisório, suscetível de recurso, como tal decisão anterior (a que corporiza verdadeiro carácter decisório/lesivo dos direitos processuais dos Autores) já transitou em julgado -caso julgado formal, como ainda não pode um recurso incidir sobre uma nulidade arguida/reclamada, ainda não decidida. N. Aliás, o que não tem constituído surpresa desde o início do processo tem sido a assumida inércia dos Autores, bem se sabendo que o processo civil se baseia num princípio de autorresponsabilização das partes, mais acentuado, inclusivamente, para quem se apresenta do lado ativo na lide. O. Inércia revelada nos quase 29 anos volvidos entre a data dos factos e a propositura da ação, inércia revelada entre o despacho de 30.05.2023 e a data presente (mais de 1 ano e meio volvido), sem que os Autores tenham junto nos autos os documentos a cuja junção estavam (pelos próprios) obrigados, e sem se dignarem a oferecer, sequer, qualquer explicação para o comportamento relapso e atitude silente. P. Com efeito, no seu requerimento de 03.05.2023, os Autores expressamente se obrigaram e auto-responsabilizaram a juntar os extratos bancários daqueles e dos terceiros diretamente implicados nestas relações financeiras estabelecidas. Q. Ou seja, nem os Autores requererem a junção de documentação da contabilidade dos Réus (note-se que a mesma até é pública – sujeita a depósito e registo de contas), como, também eles perceberam, que a antedita perícia só seria exequível e viável se fosse possível cruzar criticamente todos os movimentos de entradas e saídas de capitais entre todos os envolvidos – o que implicava, segundo a vontade dos próprios Autores, fazê-lo igualmente com o ingresso nos autos das informações bancárias deles mesmos, e também dos intervenientes (terceiros) Cl.. e R…. R. De forma errónea e indefensável os Autores vêm (agora) alegar que aparentemente os seus extratos bancários e daqueles terceiros não tinham que ser juntos, quando foram eles, e bem, que antes defenderam a necessidade do seu aporte aos autos, e obrigaram-se, segundo um princípio de autorresponsabilização das partes, à sua junção – em ordem a ser realizada convenientemente a referida prova pericial. S. Logo, facilmente se assimilando a razoabilidade, a utilidade prática e benefício probatório de tal raciocínio (junção de todos os extratos bancários de todos os intervenientes), mal se compreende que agora os Autores queiram responsabilizar o Tribunal porque aparentemente nunca caucionou, de forma expressa, tal obrigatoriedade. T. Ora, quer o Tribunal, quer os aqui Réus, confiaram, naturalmente, que a perícia se faria (como se afigura lógico) - também - com os documentos [necessários] traduzidos nos extratos bancários dos Autores, do Cl… e do R…, porque a tanto se auto impuseram aqueles. U. Que os Autores não querem juntar nos autos os seus extratos bancários e daqueles terceiros, parecer ser uma realidade irrefragável (percebe-se que não se queiram expor, mas então não tivessem intentado a presente ação), mas então sofrem as consequências de tal inércia e falta de ativismo processual. V. Mais, documentos esses, na sua disponibilidade, e cuja junção nos autos era absolutamente decisiva para a realização da dita perícia, pois que sem os extratos bancários das contas tituladas pelos Autores e pelos outros dois intervenientes, não há como prosseguir com a realização de tal meio probatório – sobre eles incide a análise a efetuar pelos peritos – pagamentos e recebimentos entre as partes. W. Destarte, os Autores apenas de si se podem queixar (sibi imputet), porquanto, pelo menos desde 30.05.2023 até ao presente não se dignaram colaborar com o Tribunal, designadamente mediante a junção aos autos da documentação necessária (do seu lado) para a concretização da referida perícia, nem nenhum fundamento, desde então, aventaram, para tal comprometedora inércia. X. Nesta conformidade não tem qualquer cabimento procurar «responsabilizar» o Tribunal ou os Réus, como se tivesse sido este a «recuar» na decisão pretérita de ordenar a perícia, quando foram os Autores, e depois de devidamente notificados de tal consequência processual cominatória da sua falta de colaboração, que impossibilitaram a sua realização, ao rejeitaram juntar nos autos os documentos absolutamente necessários para o efeito (os restantes extratos bancários). Y. E muito menos se entenda que houve violação de qualquer princípio do processo equitativo ou da tutela judicial efetiva, desde logo porque os Autores mantêm incólumes os seus pretensos direitos que pretenderam fazer valer nesta ação. Z. Por outro lado, ainda, é sabido que o efeito cominatório da falta de colaboração dos Réus e dos Autores, de ou forma mais lata, de quem ocupa o lado passivo ou o lado ativo, respetivamente, na instância, é totalmente díspar ou discrepante, AA. Pelo que nenhum sentido tem a argumentação estéril dos Autores, defendendo uma discriminação contra si, até porque a lei especificadamente distingue e diferencia a falta de colaboração de uns e outros – do lado dos Réus projeta-se tal inércia contra si (contra a sua pretensão/direitos), ao passo que do lado dos Autores – apenas por via da extinção da instância são «penalizados», i.e., ocorrendo o decesso deste concreto processo – que não invalidando, de todo, o exercício (futuro) dos respetivos direitos de que são titulares. BB. Neste sentido, e em função de todas as intercorrências processuais verificadas, facilmente se deduz que o Despacho em crise não padece das apontadas vicissitudes, sendo que os Autores apenas de si se podem queixar, dado que, pelo menos desde 03.05.2023, não aportaram aos autos os documentos (do seu lado) necessários para que a perícia ordenada pelo Tribunal pudesse legalmente se iniciar, CC. E para mais, quando foram aqueles que se obrigaram a abonar o processo com tal fundamental e decisivo acervo probatório; inércia prolongada e sistemática, provavelmente por eles querida, tanto assim que (absolutamente nenhuma) explicação deram ao Tribunal e à parte contrária para este alheamento do processo (por si intentado). DD. Razões de sobra que determinam a falta de provimento do presente recurso, que nenhuma norma violou ou ofendeu, e que, portanto, nenhuma censura merece do escrutínio deste douto Tribunal.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objecto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º 1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art.º 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso a seguinte questão a decidir:
- saber se estavam verificados os pressupostos legais que permitiam ao tribunal recorrido julgar deserta a instância.
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
Os factos que interessam à decisão são os que constam do relatório supra e, ainda, os seguintes, que resultam da tramitação da ação:
1- Em sede de julgamento, na 3.ª sessão do mesmo, em 27.3.2023, veio a ser proferido o seguinte despacho “Interrompe-se neste momento a presente audiência. Daquilo que já se ouviu das partes, nomeadamente dos depoimentos de parte dos Autores e declarações de parte do Réu C…, o Tribunal entende que haverá de se proceder a uma adequação formal da tramitação do processo, nomeadamente intercalar entre a possível inquirição das testemunhas que se vierem a apontar necessárias e, os depoimentos das partes que terminarão com as declarações do Réu E…, a levar por diante na próxima sessão, com uma perícia. Perícia essa, no sentido de fazer, em modos gerais, para já, uma avaliação das contas da FF…. Agro Pecuária, Lda e, através dessa avaliação apurar-se efetivamente que capitais é que entraram na sociedade provindos de quem e a que título e, se no lado da FF… também saíram valores, no sentido de devolver parte dessas verbas que terão sido alocadas por terceiras pessoas e, em que circunstâncias, sendo que na próxima sessão tomar-se-á uma decisão definitiva quanto à perícia. Desconvoquem-se todas as testemunhas, sendo que será apenas realizada a sessão do próximo dia 17 de abril de 2023, às 09:30 horas e 14:00 horas, para continuação das declarações de parte do Réu C… e tomada de declarações de parte do Réu E….” (conforme consta da ata respetiva)
2- Na sessão de julgamento de 17.4.2023 foi proferido o seguinte despacho: “Enquadrando aqui o objeto do processo, compaginando-o com os elementos da defesa e com o que já foi aqui relevado pelas partes, nomeadamente pelo depoimento de parte dos Autores, pelas suas declarações de parte e declarações de parte dos Réus C… e E.., o tribunal entende que é de extrema importância, quase imprescindível proceder-se a uma perícia, perícia essa que haverá de ser intercalar entre este momento de auscultação das partes e aquele que vier a ser necessário, se é que venha a ser necessário, de inquirição das testemunhas, podendo até a perícia levar a que a vasta prova testemunhal possa ser encurtada em razão dos resultados dessa prova que nos trará mais fiabilidade e que de alguma forma nos tira a responsabilidade de trazer ao processo pessoas que, poderiam, enfim, ter outros afazeres e sanar-se aquilo que se pretende acautelar através desta perícia. Nesta conjuntura entendo que é útil e imprescindível, como já disse, proceder-se a uma perícia, perícia essa que terá a abrangência que as partes entenderem e para a qual eu vou notificar para se pronunciarem, contudo na perspetiva do tribunal haverá ela passar imprescindivelmente pela análise das contas das sociedades FF… e porque está intrinsecamente ligada a ela da NS…, e essencialmente no sentido de se perceber de que forma foi pago o respetivo capital social, e por quem, se for possível aferir isso, e para lá disso para se perceber se as contabilidades de uma e de outra são estanques, independentes ou se existem permeabilidades que tenham existência física e formal na contabilidade de cada qual, apurando-se em concreto que verbas foram aportadas a cada uma delas exteriores aos rendimentos das próprias empresas, quem fez esses aportes financeiros e se esses aportes financeiros tiveram a correspetiva saída dos ativos das sociedades para efeitos de pagamento e devolução desses valores que os Réus dizem ser a título de empréstimo. Estas são indiscutivelmente partes da perícia que haverão de ser analisadas. Contudo o objeto dessa perícia será apurado em despacho final. Logo que as partes se pronunciem quanto a esta questão e para o qual concedo o prazo de 10 dias, que me parece suficiente. De qualquer forma tendo em conta que a perícia terá uma abrangência já considerada, sendo necessariamente muito trabalhosa, e aceitando que as partes têm todo o interesse em nela se fazer acompanhar por perito que queiram apontar, o tribunal deixa à consideração das partes ser ela uma perícia colegial, e apontando-se como necessária uma perícia colegial que com o requerimento em que vierem avançar o objeto dela que indiquem também o seu perito. Logo que a perícia esteja feita e analisada as partes serão notificadas no sentido de virem adequar a prova já apresentada, nomeadamente no sentido de poderem prescindir de algumas testemunhas que arrolaram e depois será marcada audiência de julgamento em conformidade.”
3- Por requerimento de 3.5.2023, os autores indicaram perito e requereram “com vista à posterior formulação dos respetivos quesitos, dos extratos bancários das contas bancárias tituladas pela “FF…, Lda.,” bem como os extratos bancários das contas tituladas pelos co-Réus (pessoas singulares), protestando os Autores juntar os extratos das suas contas bancárias, bem como os extratos das contas bancárias dos seus indicados filhos, Cl… e R….” e, “sejam junto aos autos, pela Secretaria Regional da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Serviço de Desenvolvimento Agrário de São Miguel, os movimentos relativos à titularidade de animais de raça bovina e respetivas crias dos ora Réus, da “NS…, Lda,”, dos Autores, dos filhos dos Autores Cl… e R…, bem como confirmar se as explorações de bovinos que estes titulam se integravam, até ao ano de 2020, na mesma unidade epidemiológica.” e, ainda, “a junção aos autos, pela “INSULAC – Produtos Lácteos Açoreanos, S.A.”, de todos os extratos referentes aos cálculos mensais de leite, faturas e recibos, relativos às explorações pertencentes aos Réus, à “NS…, Lda,”, aos Autores e aos filhos dos Autores Cl… e R…, bem como todas comunicações, via e-mail enviadas ou rececionados trocadas com a mulher do Réu, D…, com o e-mail …. @gmail.com, relativamente a esta matéria, designadamente os emails trocados entre esta última e o colaborador da referenciada “INSULAC”, NP….”
4- E os réus por requerimento da mesma data, vieram dizer que “a perícia deverá abranger a sociedade comercial FF…, AGROPECUÁRIA, LDA., a sociedade comercial NS… LDA., tal como sugerido pelo Tribunal, mormente todos os seus movimentos bancários (crédito e débito), como toda a documentação contabilística/financeira/fiscal/societária relevante para efeitos de demonstração dos seus direitos, obrigações, ativo, passivo, património, etc., em especial, todos os movimentos bancários relacionados com A…, e mulher, B…(nestes autos Autores), e bem assim todos os movimentos bancários cruzados direta e inversamente com CL… e R….. 3. Mas e também, deverá tal perícia, até em face do recorte factual da petição inicial, das razões motivadoras do pedido e, bem assim, da causa de pedir hasteada nestes autos, atenta a confluência e interpenetração de interesses, integrar igualmente o escrutínio e indagação crítica de todos os movimentos bancários de A…, e mulher, B… realizados reciproca e simetricamente com os seus filhos CL… e R…., e, como se disse antes, entre todos e cada um deles e as sociedades FF… e NS…. 4. Mais se requer que nessa perícia seja integrada, paralelamente, a análise de toda a pertinente documentação/dossier fiscal respeitante a cada um dos sujeitos a abranger pela referida inspeção, seja enquanto pessoas singulares, seja enquanto integrantes de quaisquer sociedades comerciais de que sejam sócios maioritários.”
5-Em 30.5.2023 foi proferido o seguinte despacho: “Como resulta dos autos, apontou-se como essencial a realização de uma perícia, colegial. Assim, para a realizarem nomeio: . pelo Tribunal e para a ela presidir, E. N. L. S. melhor identificado na refª 55308260: . por parte da A., DF… melhor identificado na peça com a refª 5161487; e . por parte dos RR., MM… melhor identificado na peça com a refª 5191476. * O objeto da perícia foi, sumariamente enunciado na ata com a refª 55073675, no entanto, os AA. através da peça com a refª 5161487, pediram, para que pudessem formular os quesitos que querem ver respondidos na perícia, que: i. os RR. viessem juntar ao processo os extratos bancários das contas bancárias tituladas pela “FF…, Lda.” bem como os extratos bancários das contas tituladas pelos co-Réus (pessoas singulares), protestando os Autores juntar os extratos das suas contas bancárias, bem como os extratos das contas bancárias dos seus indicados filhos, Cl… e R…; ii. que se solicite à Secretaria Regional da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Serviço de Desenvolvimento Agrário de São Miguel, os movimentos relativos à titularidade de animais de raça bovina e respetivas crias dos ora Réus, da “NS…, Lda.”, dos Autores, dos filhos dos Autores Cl… e R…, bem como confirmar se as explorações de bovinos que estes titulam se integravam, até ao ano de 2020, na mesma unidade epidemiológica; iii. que se solicite à INSULAC - Produtos Lácteos Açoreanos, SA., todos os extratos referentes aos cálculos mensais de leite, faturas e recibos, relativos às explorações pertencentes aos Réus, à “NS…, Lda,”, aos Autores e aos filhos dos Autores Cl… e R…, bem como todas comunicações, via e-mail enviadas ou rececionados trocadas com a mulher do Réu, D…, com o e-mail ....@gmail.com, relativamente a esta matéria, designadamente os emails trocados entre esta última e o colaborador da referenciada “INSULAC”, NP…. Por seu turno, os RR., na peça com a refª 5161505, dão uma nota geral sobre a abrangência que a perícia deve ter, contudo, não formula quesitos. Assim…para que as partes possam formular os seus quesitos e com isso conformar de forma efetiva o objeto da perícia. Notifiquem-se os RR. para juntarem ao processo os documentos acima apontados em i. e oficie-se às entidades acima apontadas em ii. e iii. para que remetam aos autos os elementos ali avançados, anunciando que os mesmos se destinam a processo onde intervêm os sujeitos que nesses elementos são visados, logo sem resguardo do sigilo profissional. Notifique.”
6- Notificados desse despacho os réus nada juntaram, e em 26.6.2023 foi proferido o seguinte despacho: “Refª 55483410: Como resulta do despacho com a refª 55308380…apontou-se como essencial a realização de uma perícia, para a qual se mostram relevantes os documentos referidos no ponto i., ii. e iii. do mesmo despacho, não estando na disponibilidade dos RR. fazerem-nos confluir nos autos por não corresponder a ónus que poderão ou não cumprir, antes se apontando como instrumentos essenciais para levar a bom porto diligência decidida pelo Tribunal. Do mesmo jeito…também não está na disponibilidade dos AA. não fornecerem os elementos que lhes foram solicitados e em razão dos mesmos argumentos. Assim…notifiquem-se AA. e RR. para os juntarem em 10 dias sob pena de não o fazendo, sem justificação, serem condenados em multa processual.”
7- Na sequência desse despacho os réus vieram aos autos dizer que “já solicitaram às várias entidades bancárias a informação em causa, aguardando-se a sua disponibilização, sendo que mais informam que uma das entidades bancárias é o BANIF, pelo que se adivinha mais demorada e difícil a prestação de tal informação (considerando também o muito significativo lapso temporal dos extratos bancários solicitados).”
8- E os autores vieram indicar as moradas de Cl… e R… e da sociedade NS… Lda..
9- A sociedade Insulac, S.A. remeteu aos autos os elementos solicitados pelo tribunal e a Secretaria Regional da Agricultura e Desenvolvimento Rural também remeteu elementos solicitados.
10- Em 9.11.2023 foi proferido o seguinte despacho “Refª 56147382: Vi. Notifique as partes…nomeadamente no sentido de fazerem chegar aos autos em 10 dias os elementos que falham…tudo sob pena de serem condenados em multa por violação grosseira dos seus deverem processuais.”
11- A esse despacho responderam os réus, dizendo, no que releva, que “(…) não tendo aquelas entidades bancárias respondido ao solicitado. Mais recentemente, fizeram-no através do aqui signatário, por via mais formal (cf. documentação junta) mas volvido todo este tempo algumas dessas entidades bancárias persistem em não colaborar, facto que motivou nova insistência formulada (cf. documentação junta). 3. E no que concerne às entidades bancárias que cumpriram com o solicitado, deve enfatizar-se que apenas foi facultado o extrato bancário geral dos movimentos, para alguns períodos temporais, e em todo o caso sem se conseguir discernir a concreta origem/destino desses movimentos bancários (a crédito e a débito), pelo que se requereu que fossem tais documentos de suporte/justificação de cada uma dessas operações disponibilizados, o que se aguarda, pois só assim será inteligível e assimilável a perceção rigorosa sobre as translações patrimoniais havidas.”
12-Em 29.11.2023 foi proferido o seguinte despacho: “Refª 5462876: Vi…contudo não descortino qualquer pedido…apenas se apontando que se aguarda por impetração feita. Assim…notifiquem-se os RR. para apontarem o tempo que levará a obterem os elementos que falham nos autos.”
13- Os réus nada disseram.
15-Em 8.1.2024 foi proferido o seguinte despacho: “Os RR., apesar de conhecerem o dever de responderem ao que lhes é solicitado pelo tribunal, têm ignorado essa obrigação, coisa que os faz violadores do dever de cooperação a que estão sujeitos, por via do qual incorrem em multa. Assim…notifiquem-se os RR. para responderem ao que lhes está determinado no prazo de 5 dias sob pena de não o fazendo sem justificação serem condenado em multa processual.”
16-Os réus nada responderam.
17- Em 29.1.2024 foi proferido o seguinte despacho: “Refª 56598349: Porque devidamente notificados para agirem nos termos que lhes está ordenado e não o fizeram sem qualquer justificação, o mesmo sucedendo com as insistências que lhes foram feitas com a cominação de que incorreriam em multa, cientes da cominação que lhes foi comunicada, condeno os RR. e cada qual na multa de 2 uc´s por conta da violação grosseira do seu dever de cooperação a que estão constitucional e legalmente vinculados – art.º 417º do CPC. Liquide e notifique para pagamento…e, também, para em 10 dias responderem ao que lhes está solicitado sob pena de não o fazendo serem condenados em multa de maior valor.
18- Os réus nada disseram.
19- Em 2.4.2024 foi proferido o seguinte despacho: “Informe a secretaria se os RR. efetuaram o pagamento das multas. * Porque devidamente notificados para agirem nos termos que lhes está ordenado e não o fizeram sem qualquer justificação, o mesmo sucedendo com as insistências que lhes foram feitas com a cominação de que incorreriam em multa, cientes da cominação que lhes foi comunicada, condeno os RR. e cada qual na multa de 4 uc´s por conta da violação grosseira do seu dever de cooperação a que estão constitucional e legalmente vinculados – art.º 417º do CPC. Liquide e notifique para pagamento…e, também, para em 10 dias responderem ao que lhes está solicitado sob pena de não o fazendo serem condenados em multa de maior valor. Notifique.”
20- Os réus, em 18.4.2024 foram aos autos dizer que as entidades bancárias ou não responderam ou responderam tardiamente, não tendo facultado a totalidade dos elementos solicitados, requerendo a junção dos elementos que já obtiveram.
21- Em 13.5.2024 foi proferido o seguinte despacho: “Refª 5687757 e 57120355: Vi. Do que logro alcançar das peças em epígrafe, depreendo que a documentação junta não represente toda a que se aponta como necessária para a realização da perícia que está determinada…contudo, porque esta conclusão não é líquida, notifique-se as partes para que se pronunciem…nomeadamente no sentido de se encontrarem ou não reunidas as condições necessárias para se avançar na perícia.”
22- Os autores responderam dizendo que “(…) ainda não foi dado cumprimento ao douto despacho de V.ª Ex.ª, proferido em sede de audiência de julgamento, em 17.04.2023, no sentido de os Réus procederem à junção da contabilidade da Ré, “FF…, Agro Pecuária, Lda.” e da empresa “NS…, Lda.”. (…) requer-se a V.ª Ex.ª se digne ordenar a notificação da Ré “FF…, Agropecuária, Lda.” e da “NS…, Lda.” para procederem à junção aos autos de todos os documentos que integram a sua contabilidade, conforme doutamente decidido em despacho proferido em sede de audiência de julgamento, na sessão de 17 de abril de 2023.”
23- Responderam, também, os réus dizendo, no que importa, “- Só muito recentemente o Novo Banco se dignou responder ao aqui signatário remetendo a informação sobre os saldos bancários, pelo que respeitosamente se requer a admissão da sua junção aos autos. - Quanto ao teor do despacho de 13.05.2024, os Réus pronunciaram desfavoravelmente, no que tange ao início da perícia porquanto manifesta e objetivamente não está ainda reunida toda a documentação necessária para o efeito – é que, além dos extratos, os Réus também solicitaram cópias dos documentos de suporte que titularam e justificaram todos os movimentos a débito e crédito (para todas as situações que envolvessem montante unitário superior a 5.000,00€), e tal pedido mostra-se por satisfazer desde há vários meses. - É que apenas o acesso aos extratos bancários, em si mesmo, sem a facultação dos documentos explicativos de tais movimentos – que lhes estão na origem, não permitirá, nem viabilizará, a formulação de um juízo pericial conclusivo – porque destituído da documentação pertinente e justificativa de tais translações financeiras (desconhecendo-se a origem e destino de tais importâncias, por exemplo). - Ademais, resultou cristalino do despacho de 30.05.2023, em termos de documentação de suporte à realização da perícia que: “os RR. viessem juntar ao processo os extratos bancários das contas bancárias tituladas pela “FF…, Lda.” bem como os extratos bancários das contas tituladas pelos co-Réus (pessoas singulares), protestando os Autores juntar os extratos das suas contas bancárias, bem como os extratos das contas bancárias dos seus indicados filhos, Cl… e R…;” (sublinhado nosso), - Ora, desde 30.05.2023 até ao presente os Autores não se dignaram colaborar com o Tribunal, designadamente mediante a junção aos autos da documentação necessária (do seu lado) para a concretização da referida perícia, nem nenhum fundamento, desde então, aventaram, para tal inércia.”
24- Em 20.6.2024 foi proferido o seguinte despacho: “Refªs 5752590 e 5752738: O tribunal já determinou que todos os elementos que estão apontados pelas partes viessem aos autos para que a perícia que se apresenta como essencial se faça. É às partes que, dentro do seu dever de cooperação, cabe fazer chegar ao processo os elementos necessários à realização da perícia pela qual também pugnaram e nela viram grande utilidade. Assim…o prosseguimento dos autos, aportando aqui todos os elementos necessários e que são referidos pelas partes nas peças em epígrafe, corresponde a ato na disponibilidade das partes. Face ao exposto aguarde-se que as partes façam chegar ao processo todos os documentos que lhes foram exigidos pelo tribunal de forma a que a perícia posa ser levada por diante…sem prejuízo do que decorre da segunda parte do nº.1 do art.º 281º do CPC. Notifique.”
25-Notificadas, por comunicação de 20.6.2024, do despacho referido no ponto anterior, nada foi requerido pelas partes até à data em que foi proferido o despacho objeto do presente recurso.
2.2-Fundamentação de direito:
Tal como já ficou equacionada, impõe-se decidir no recurso a questão de saber se estão reunidos os requisitos legais que permitiam ao tribunal a quo declarar extinta a instância por deserção.
Antes, porém, cumpre analisar o que vem dito nas conclusões xiv a xviii do recurso, em que os autores propugnam pela verificação de omissão de pronúncia, geradora de nulidade, por entenderem que foi julgada deserta a instância sem que o tribunal se tenha pronunciado sobre questões que estava obrigado a decidir, pretendendo no recurso que sejam declaradas as nulidades arguidas com anulação do despacho recorrido. Ora, além da omissão de pronúncia que vem referenciada, na conclusão xv, à necessidade de decisão quanto à efetivação da perícia ou à sua não realização, os recorrentes não identificam nenhuma outra questão concreta que exigisse decisão do tribunal recorrido. E quanto à dita questão de omissão de decisão quanto à realização ou não da perícia, essa questão, a nosso ver, não reveste autonomia relativamente à questão fulcral do recurso atinente à verificação dos pressupostos legais de deserção da instância, o que, aliás, os recorrentes parecem admitir quando, na sequência, defendem que não se verificam os pressupostos legais da deserção da instância. De todo o modo, quanto a eventuais nulidades, naquilo que pudesse ser configurado com autonomia relativamente à questão objeto do recurso e identificada supra, há que considerar que qualquer eventual omissão de pronuncia do tribunal a quo, a qual não vem assacada ao despacho recorrido, mas a momento processual prévio, reconduzir-se-ia a nulidade processual, não se aplicando a tal caso o art.615.º do CPC, e, enquanto nulidade processual, deve ser suscitada no processo e nos termos previstos na lei, não cabendo no recurso da decisão recorrida, posto que, se com autonomia relativamente ao mesmo, não integra nulidade desse despacho, donde não cabe aqui apreciar qualquer nulidade processual autónoma, que, aliás, não vem sequer cabalmente identificada no recurso.
Vejamos, então, se, como propugnado pelos recorrentes, não se verificam in casu os pressupostos legais da deserção da instância ou, se ao invés, o despacho recorrido que julgou deserta a instância deve ser mantido.
Estabelece-se no art.º 281º do CPC, sob a epígrafe “deserção da instância e dos recursos”: 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses; 2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses; 3 -Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses; 4- A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator; 5- No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Do citado artigo, concretamente do seu n.º 1, extrai-se que são requisitos/pressupostos legais da deserção:
- que o processo aguarde impulso processual das partes
- que a falta de impulso decorra de negligência das partes
- que essa falta de impulso ocorra há mais de seis meses
Em conformidade impõe-se aferir se estavam presentes tais pressupostos legais quando o tribunal a quo julgou deserta a instância.
Entendem os recorrentes, no essencial, i) que o impulso no que concerne à perícia, ordenada oficiosamente, cabia ao tribunal, tanto mais que aduzem que tendo requerido a notificação da sociedade ré e da sociedade NS…, Lda., para juntarem os documentos relativos às respetivas contabilidades, o tribunal não se pronunciou sobre o prosseguimento dos autos para a realização da perícia nem a deu sem efeito; ii) os autores não foram notificados para procederem à junção de documentos nem sofreram qualquer advertência, pois foram os réus que foram notificados para o efeito. Concluem que o prosseguimento da instância não dependia do impulso da parte decorrente de algum preceito legal.
Atentemos em cada um dos pressupostos acima identificados:
A lei exige que o processo esteja a aguardar impulso processual das partes, o que se traduz na situação em que cabe à parte e não já ao juiz praticar o(s) acto(s) que permita(m) o prosseguimento do processo; dito de outra forma, o processo haverá de se encontrar em situação em que não pode prosseguir sem que a parte desenvolva a atividade processual necessária ao seu andamento. Por conseguinte, excluídas estão as situações em que, embora se verifique uma paragem do processo, a mesma não se fica a dever a qualquer inatividade processual da parte e, ainda, de fora estão, também, a nosso ver, situações em que a paragem do processo decorre formalmente do facto da parte nada ter requerido (podendo ou não ter sido notificada para o efeito), mas essa sua omissão não obsta, em substância, a que o processo possa prosseguir, ainda que a dita omissão acarrete (ou possa acarretar) consequências processuais. Em síntese, a falta de impulso de que fala lei terá que constituir um impedimento ao andamento do processo, insuscetível de ser suprido através do cumprimento dos deveres que incumbem ao juiz - quer por via do poder de gestão processual, quer por via da própria direção do processo - de contribuir para o seu andamento célere e promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (cfr. art.º 6.º do CPC). Note-se que no n.º 1 do referido art.6.º se ressalva, justamente, o ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes. Ou seja, o tribunal não está adstrito a agir por forma a que a ação prossiga se a lei impõe, na concreta circunstância, um ónus a cargo da parte de a impulsionar. Estão nesta categoria, de forma evidente, os casos em que ocorre o falecimento de uma das partes, com a decorrente suspensão da instância (cfr. art.º 269.º n.º 1 a) do CPC), o que impõe à parte o ónus processual de habilitar os herdeiros da parte falecida, deduzindo o necessário incidente; ou, quando imposto ao autor o ónus de registo da ação, a suspensão da instância determinada pela necessidade de comprovar tal registo. Por conseguinte, nos casos em que resulta da lei a imposição à parte da necessidade de praticar determinado acto processual por forma a que processo prossiga, não se levantarão dificuldades em afirmar – desde que tal facto seja do conhecimento da parte - que o processo se encontra a aguardar impulso processual das partes. Nos demais casos, e são muitas as situações que se podem configurar, em abstrato, como suscetíveis de puderem determinar uma paragem do processo, haverá de ser em cada uma das situações concretas que se poderá aferir se há uma real falta de impulso da parte que impede o prosseguimento da ação. Ademais, não é despiciendo referir, que a parte haverá de saber que o processo se encontra parado e aguarda o seu impulso, sendo-lhe exigível, por isso, que atue processualmente tendo em vista o regular andamento da causa, ou porque tal ónus resulta claro da lei ou porque o próprio tribunal lho sinalizou, questão a que voltaremos infra.
De facto, tal como dão nota, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pag.348 “Atenta a diversidade dos factos que colidem com o regular andamento da causa, na apreciação do condicionalismo da deserção da instância é importante que se ponderem globalmente as diversas circunstâncias, quer as de ordem legal, quer as que se ligam ao comportamento da parte onerada com a iniciativa de dinamizar a instância.”.
O segundo requisito que identificámos supra respeita ao comportamento negligente da parte ao não impulsionar o processo, sendo certo que, naturalmente, a alusão separada aos dois requisitos não lhe retira a sua umbilical ligação. Verificada uma situação de paragem do processo devida à falta de impulso da parte, cumprirá avaliar se tal omissão radica no incumprimento censurável do ónus de o impulsionar. “A conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores. Como se escreve em STJ 14-5-19, 3422/15 “a deserção da instância radica no principio da autorresponsabilidade das partes, encontrando a sua razão de ser no facto de não ser desejável, numa justiça que se pretende célere e cooperada, que os processos se eternizem em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo.” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, ob cit. pag.348). E assim é porque, como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º2/2025 “Manifesta-se desta forma a especial preocupação com a salvaguarda do interesse, de natureza pública, do regular funcionamento dos serviços judiciais, com racionalização de meios e adequada gestão processual, eliminando-se delongas evitáveis, impertinentes e injustificadas, mormente as que resultam (causalmente) da violação pelas partes dos seus deveres de cooperação e diligência. Ou seja, visa-se agora a celeridade e agilização processual, sendo que a desejável dinâmica dos seus trâmites pressupõe a respectiva movimentação dentro dos ritmos processuais pré-estabelecidos, não se concebendo que, perante a inércia do interessado em promover o impulso que lhe cabe, os processos fiquem nas secretarias judiciais em estado de inútil latência por um período temporal tido por não razoável.”. Cumpre dizer que tal acórdão fixou a seguinte uniformização de jurisprudência: “I - A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal. II - Quando o juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de adequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”. Em conformidade, aí se diz, com relevo para o que nos ocupa, “Exige-se ainda, como conditio sine qua non, que esse imobilismo seja devido à injustificada inércia da parte a quem cabe o ónus de promover o prosseguimento dos autos, que dele estava ou deveria estar seguramente ciente, e que não o satisfez. Ou seja, é absolutamente essencial para a declaração de deserção da instância que, em virtude da existência de disposição legal donde resulta o ónus de impulso processual e pela forma como o tribunal lhe comunica, de forma clara, directa e inequívoca, essa necessidade processual de agir, a parte tivesse ou devesse ter o necessário conhecimento, nesse particular circunstancialismo, de que o processo só poderia prosseguir sob o seu impulso e que, se nada fizesse, a instância caminharia inexoravelmente, em morte lenta, para o seu fim. (…) Assim sendo, o tribunal apenas pode declarar a extinção da instância por deserção quando dispuser dos elementos que lhe permitam concluir, com inteira segurança, que deve fundar-se na rigorosa e atenta análise dos autos, que existiu de facto negligência em promover o seu impulso, exclusivamente imputável à parte interessada, a qual estava sujeita aos efeitos decorrentes dos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade que vigoram no direito processual civil. Logo, e como se disse, é absolutamente decisivo para que seja legalmente possível declarar a deserção da instância a prévia e detalhada análise do circunstancialismo próprio e singular de cada situação processual concreta.”. (sublinhados nossos)
Assentemos, então, que a paragem do processo por mais de seis meses, só determina a deserção da instância quando recaia sobre a parte o ónus de agir processualmente com vista ao seu prosseguimento, e sabendo disso, omitiu injustificadamente o cumprimento daquele ónus, ciente das respetivas consequências. “(…) a negligência processual relevante para que possa vir a ser declarada, pelo juiz da causa, a deserção da instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pressupõe sempre que, no caso concreto, compita exclusivamente à parte o ónus do impulso processual e que o não cumpra pelo período de mais de seis meses consecutivos, com a inerente e consequente paragem dos autos nessas circunstâncias temporais. Ou seja, é mister que o acto que importa praticar (e que terá sido omitido) não se situe na esfera de competência dos poderes/deveres oficiosos do juiz, designadamente por via do exercício do dever de gestão processual, integrando a obrigação de direcção e condução dos autos de que é o titular (cf. artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), que lhe estão legalmente cometidos, sendo certo que neste último caso a eventual inércia da parte quanto ao impulso processual não relevará para efeitos do funcionamento do instituto da deserção da instância.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º2/2025, acima referido).
Cumpre atentar no caso dos autos.
Como resulta da tramitação processual que se deixou traçada acima nos factos provados, onde se detalhou, por se entender pertinente à análise que cumpre efetuar, a sequência das determinações do tribunal a quo e sequentes requerimentos das partes ou sua omissão, o que tudo conduziu à decisão recorrida que julgou deserta a instância, a ação prosseguiu até julgamento no âmbito do qual o tribunal ordenou oficiosamente a realização de uma perícia. Esta, de natureza essencialmente contabilística, exigia, para atingir o seu propósito, a análise de elementos documentais de duas sociedades, uma dela a ré sociedade e outra, sociedade que não é parte na causa. Para além disso estava também em causa a necessidade de junção de extratos bancários das partes. É indubitável que a realização da perícia impunha às partes um dever de colaboração/cooperação com o tribunal que a havia ordenado, sobretudo canalizando para o processo os documentos que seriam objeto de análise técnica pelos peritos nomeados. E foi neste âmbito que se evidenciam dificuldades em trazer aos autos todos os elementos documentais necessários. Por isso se compreende os diversos despachos que foram proferidos solicitando às partes que viessem juntar os elementos. Extrai-se, ainda, da cadeia de despachos e requerimentos das partes, como elencados ficaram, que os réus foram sinalizando no processo dificuldades em obterem todos os documentos bancários e foram-nos juntando, alegadamente à medida que os iam obtendo, sem contudo, terem solicitado qualquer intervenção do tribunal para remover tais obstáculos. Evidencia-se, outrossim, desse rito processual que o acento tónico relativamente à junção da documentação foi posto do lado dos réus, sendo o grosso dos despachos a eles dirigido e os mesmos sancionados em multa por falta de colaboração. Mas, contrariamente ao que dizem os autores neste recurso, não é verdade que nunca tenham sido notificados para juntarem documentos, pois foram-no por via do despacho de 26.6.2023 e nada juntaram, sendo que haviam protestado juntar os extratos das suas contas e das contas dos filhos. Porém, posteriormente, a tónica continuou a ser colocada sobretudo na conduta omissiva dos réus relativamente à junção de documentos, o que, de alguma forma, se compreende por serem estes os sócios/gerentes das sociedades cujas contas haveriam de ser disponibilizadas aos autos.
A extinção da instância, embora deixe intocável o direito substantivo que os autores pretendiam fazer valer na ação, põe termo à mesma, pelo que, os seus efeitos processuais afetam essencialmente os interesses dos autores, parte ativa que, por via disso, não vê apreciada a sua pretensão naquele processo. Assim sendo, é aos autores que cabe, em primeira linha, nos termos dos ónus que para si decorram da lei, impulsionar a ação, embora não se possa descurar que o art.º 281.º n.º 1 se refere às partes. Contudo, implicando a deserção da instância a extinção do processo, a mesma não colhe em situação em que à parte ativa, naturalmente, não possa ser assacada inércia a si imputável, pelo lapso de tempo previsto na lei, quanto ao impulso processual que seria devido.
Retomando o caso concreto, os recorrentes vêm defender no recurso, como se viu, que não lhes cabia impulsionar a ação por tal caber nos poderes do tribunal e, por outro lado, a notificação para juntar os elementos necessários à perícia foi feita aos réus e não os autores que não foram notificados para esse efeito. A resposta à questão objeto do recurso passa por saber se a omissão ou inércia das partes relativamente à não junção dos elementos necessários à perícia, independentemente de tal omissão provir dos réus ou dos autores, impede o prosseguimento do processo em termos de levar à sua extinção por deserção. É que, como antes já se disse, a falta de impulso processual é correspetiva do ónus de praticar certo acto ou desenvolver qualquer atividade processual, sem a qual a ação não pode prosseguir, consubstanciando-se num impedimento que não cabe ao tribunal arredar ao abrigo dos deveres de gestão processual. E como, também, antes se deixou dito, pode haver omissões das partes que apesar de acarretarem consequências processuais não inviabilizam o seguimento da ação. Assim, embora determinada a perícia e não obstante o tribunal a quo a ter considerado “quase essencial”, o certo é que a ação pode prosseguir sem a realização dessa diligência, aliás, como prosseguiu até julgamento posto que a perícia foi ordenada já na 3.ª sessão do mesmo. Mesmo que se trate de meio de prova que foi reputado importante, a sua não produção em nada contende com o andamento do processo, visto este como a possibilidade de ser retomado o iter processual próprio e que conduzirá à prolação de uma decisão de mérito, se, obviamente, outras vicissitudes se não interpuserem. E neste enfoque assiste alguma razão aos autores/recorrentes quando defendem que cabia ao tribunal a quo decidir se a perícia devia ou não ser realizada, face aos constrangimentos (mesmo que imputáveis às partes) que se verificam no que concerne à recolha e vinda ao processo dos elementos documentais necessários, ainda que nos pareça que não se trata, no rigor, de impor ao tribunal a quo o dever de impulsionar o processo no sentido que já foi mencionado, mas tão só retirar as consequências da conduta das partes relativamente à viabilidade de ser ou não realizada a perícia. Ou seja, tendo o tribunal recorrido determinado que as partes viessem juntar os documentos e não se logrando na sua totalidade a recolha de tais elementos por efetiva falta de diligência das partes, há que afirmá-lo, conforme se espelha dos despachos proferidos e, bem assim, daqueles que sancionaram a omissão dos réus, caso conclua que sem tais elementos não é possível a realização da perícia, caber-lhe-á decidir em conformidade, ajuizando se deve ser mantida a realização dessa diligência, e na negativa determinando a sua não realização, caso em que será retomado o julgamento. Ora é esta possibilidade de retoma da sequência processual que foi interrompida com a decisão que ordenou a realização da perícia que permite afirmar que as omissões das partes em trazerem aos autos os referidos elementos, não constituem um impedimento ao andamento do processo, que é coisa distinta do impedimento circunscrito à realização daquela concreta diligência, e, por isso, não se configura in casu uma verdadeira falta de impulso processual no sentido acima traçado, alicerçado no ónus imposto à parte de praticar certo acto processual sem o qual a ação não pode prosseguir. É que não resulta da lei um ónus imposto às partes relativamente ao meio de prova que o tribunal entendeu dever ser produzido, cuja não satisfação bloquei o andamento da ação. Repare-se que a existência de um ónus processual não corresponde à presença de um dever de colaboração ou de cooperação; ao ónus processual está associada uma consequência processual vantajosa, do cumprimento do ónus decorre “o benefício que lhe está associado”, donde o seu incumprimento arreda a possibilidade de obter tal vantagem, pelo que, nessa perspetiva, a consequência do incumprimento do ónus processual corresponderá à perda da vantagem que lhe está associada. No caso e, nesse enfoque, e mesmo que se admitisse a existência de um ónus relativamente ao carreamento para os autos dos elementos documentais necessários, o seu incumprimento conduzir-nos-ia, afigura-se-nos, tão só à não obtenção da vantagem de ver produzido o meio de prova, ou seja, à não realização da perícia. Note-se, por exemplo, que à mesma conclusão se chegaria – a de prosseguimento da ação – se determinada a realização de uma perícia ou tendo a mesma sido requerida por alguma das partes, estas omitissem o pagamento do encargo necessário ao seu custeamento (cfr. art.º 19.º e 23.º n.º 1 do RCP). É certo que, neste caso, é a própria lei que estabelece que a consequência é a não realização da diligência, mas assim é porque, efetivamente, a não realização da diligência não contende com o prosseguimento do processo, tal como não contende, em geral, com esse prosseguimento a não produção de um concreto meio de prova, mesmo que oficiosamente ordenado e mesmo, também, que se afigure de relevante interesse para o processo. Em face do que se acaba de expor, concluímos que não deriva da lei, no caso concreto qualquer ónus processual imposto às partes, mormente aos autores, cujo incumprimento inviabilizasse o andamento do processo, caso em que, não satisfeitos os deveres de colaboração tendo em vista a realização da perícia, o que caberia seria a decisão sobre o prosseguimento da ação sem a realização da mesma, independentemente das consequências daí derivadas em termos probatórios, posto que inexiste verdadeiro impedimento a tal andamento do processo.
Mas ainda assim, impor-se-á, analisar se, apesar de se não detetar um ónus legal de impulsionar a ação no que à perícia diz respeito, no sentido acima circunscrito – com a inerente impossibilidade da ação prosseguir – se, no caso, tal ónus haverá de se ter por decorrente de despacho judicial, que não seria, naturalmente, o despacho recorrido, mas o despacho prévio, de 20.6.2024, sobretudo tendo em conta a sua parte final “Face ao exposto aguarde-se que as partes façam chegar ao processo todos os documentos que lhes foram exigidos pelo tribunal de forma a que a perícia posa ser levada por diante…sem prejuízo do que decorre da segunda parte do n.º1 do art.º281º do CPC.”. É o que os réus defendem nas contra-alegações de recurso, ao pugnarem que o despacho que declara a deserção apenas constitui a consequência dessa decisão prévia. Contudo, é impressivo constatar que lidas as alegações de recurso dos autores recorrentes e lidas as contra-alegações de recurso dos réus recorridos, os mesmos fazem atuar na parte contrária, como resultando daquele despacho, o dever de impulsionar o processo, ou seja, os autores entendem que foram os réus e não eles quem foi notificado para trazer ao processo os elementos necessários à perícia e os réus defendem que a perícia não estava dependente do seu impulso (vide conclusão c) das contra-alegações). É evidente, como já se disse anteriormente, que a iniciativa de dar impulso à ação se prefigura acutilante do lado dos autores, sobretudo de tivermos em mente a consequência que foi tirada no processo de deserção da instância. Mas, ao mesmo tempo, como evidencia quanto já ficou dito, os autores não tinham na sua disponibilidade carrear para o processo os elementos que estão em poder dos réus, pelo que, nesse particular não lhes pode ser assacada exclusivamente a falta de impulso. Resulta, aliás, o que, também, já se mencionou, que, sobretudo em face da extensão do objeto da perícia que foi proposto pelos réus conforme requerimento destes mencionado e transcrito nos factos, e, bem assim, se evidencia dos diversos despachos dirigidos aos réus e, ainda, das multas a estes aplicadas por falta de colaboração, que o grosso dos elementos em falta para a perícia estão em poder dos réus, nestes se incluindo a sociedade ré, e em poder da outra sociedade, não parte na ação, de que são sócios os réus pessoas singulares. Cremos, então, que em tal circunstancialismo, mesmo que se admitisse a possibilidade do ónus de impulsionar a ação decorrer do citado despacho, para se extrair da inatividade/inércia das partes a consequência da deserção da instância, não devem subsistir dúvidas quer quanto à produção dessa consequência, quer quanto à conduta/ação concreta que se espera da parte, sem a qual se desencadeará aquele efeito, sobretudo da parte que verá frustrada a sua iniciativa consubstanciada na instauração da ação. E o certo é que, em tal despacho se diz, “É às partes que, dentro do seu dever de cooperação, cabe fazer chegar ao processo os elementos necessários à realização da perícia pela qual também pugnaram e nela viram grande utilidade. Assim…o prosseguimento dos autos, aportando aqui todos os elementos necessários e que são referidos pelas partes nas peças em epígrafe, corresponde a ato na disponibilidade das partes.Face ao exposto aguarde-se que as partes façam chegar ao processo todos os documentos que lhes foram exigidos pelo tribunal de forma a que a perícia posa ser levada por diante…sem prejuízo do que decorre da segunda parte do n.º1 do art.º 281º do CPC.”, ou seja, é o próprio tribunal que evidencia que carrear para o processo tais elementos está na disponibilidade das partes, e estabelece a relação entre a referida disponibilidade e a realização da perícia, sem que daí se possa extrair qualquer inviabilidade dos autos prosseguirem, designadamente, enfatizando, deixando claro, o desinteresse no prosseguimento da ação, por via da inatividade aportada à realização da perícia. É certo que no despacho se alude, laconicamente, a “sem prejuízo do que decorre da segunda parte do n.º 1 do art.º 281º do CPC”, mas não se antevendo como já se afirmou, que a inércia das partes na junção de todos os elementos necessários à perícia impedisse a ação de prosseguir e vir a desencadear uma decisão de mérito, temos por necessário, por foram a que o tribunal a quo, transferisse eficazmente para as partes o ónus de impulsionarem a ação sob pena da mesma não poder prosseguir, ao invés de extrair, como se imporia, as consequências dessa inércia aportadas à realização da perícia, a expressa e clara advertência de que não prosseguindo os autos sem a realização da perícia e estando esta dependente do impulso das partes, a ação, decorrido o prazo, ficaria extinta por deserção. Ainda que relativo a questão que não se identifica com a que aqui se coloca, mas com pontos de contacto, dos quais se pode colher, no essencial, similitudes que vão ao encontro do posicionamento que se adotou acima, escreve-se no Ac. TRL de 19.12.2024 (rel. João Paulo Raposo): “Deve entender-se que o juiz tem essa faculdade de transferir para as partes o dever de impulsionarem os autos, ainda que esse impulso seja uma mera declaração genérica de intenção de prosseguimento da instância. O juiz, no âmbito dos seus poderes de gestão processual, perante um contexto de dificuldades e, consequente compressão geral de direito de acesso à justiça dos diversos destinatários, pode decidir adequar a tramitação processual, retirando da sua esfera decisória imediata a necessidade de agendar julgamento e remetendo-a para decisão das partes. O que é essencial é que o faça de forma absolutamente clara e expressa. Em termos simples, à luz dos referidos princípios ordenadores contidos no art.º 6.º e 547.º do CPC, entende-se que o juiz pode dizer às partes, de forma clara e objetiva, o que se pode assim resumir: - Foi agendado julgamento "um determinado número" de vezes; as audiências foram adiadas por causas imputáveis às partes ou aos seus mandatários; infere-se que não existe um interesse das partes no desenvolvimento da instância; existem limitações de agenda que são manifestas e, nesse contexto, informem as partes se têm interesse no seguimento da instância, sendo que, caso nada digam, não será agendada audiência final e os autos ficarão a aguardar que as partes venham manifestar vontade de seguimento de instância, sob advertência de, não o fazendo em seis meses, ser esta declarada extinta por deserção. Deve entender-se, no contexto dos autos, que lhe era lícito conferir às partes esse dever de impulsionar os autos. Tal dever não foi conferido, todavia, de forma clara e invocando o disposto no referido princípio de gestão processual (adjuvado pela adequação formal). Não sendo clara tal invocação, subsiste uma margem de dúvida, que ultrapassa o limiar do aceitável à luz do processo equitativo e da confiança, sobre se as partes, especialmente a parte ativa, entenderam efetivamente essa transmissão do dever de impulsionar os autos e as consequências daí advenientes ou se mantiveram inertes a aguardar novo agendamento. Ante essa dúvida, não se pode dizer que as partes incumpriram alguma obrigação de dar impulso aos autos que lhes tenha sido legitimamente atribuída pelo juiz do processo, com isso afastando a situação de uma deserção da instância legalmente sustentada (cf. art.º 281.º CPC).” (acessível em www.dgsi.pt). Em conclusão, no presente caso, não se tratando de situação em que a inércia das partes em imprimir celeridade ao carreamento para os autos dos elementos (parte deles) necessários à perícia, obstasse ao prosseguimento da ação, antes se repercutindo apenas na realização dessa perícia, pelas razões deixadas expostas, não temos por verificados os requisitos de que depende a extinção da instância por deserção, antes se perfilando situação em que ao tribunal recorrido cabia extrair da inércia das partes os efeitos processuais relativamente à produção daquele meio de prova, com o prosseguimento do processo. E em decorrência deve ser revogado o despacho recorrido.
III- Decisão:
Pelo exposto, acordam as juízas da 8.ª Secção Cível, em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pelos recorridos.
Lisboa, 15.5.2025
Fátima Viegas
Teresa Sandiães
Ana Paula Nunes Duarte Olivença