VENDA EM PROCESSO EXECUTIVO
VENDA SEM EFEITO
INDEMNIZAÇÃO DO ADQUIRENTE
Sumário

I - O adquirente em processo executivo que veja a venda ficar sem efeito tem direito ver-se embolsado do preço por si suportado e das despesas da compra.
II - A apreciação da responsabilidade extracontratual dos intervenientes processuais, assinaladamente da executada, por não ter entregue o bem aos compradores, não é suscetível de ter lugar na execução.

Texto Integral

Processo: 329/21.4T8AGD.P1

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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Sena Fonseca
1.º adjunto: Miguel Baldaia de Morais
2.º adjunto: José Nuno Duarte

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
Em 2-2-2021, AA e BB propuseram a presente execução para pagamento de quantia certa contra CC e DD. Constitui título executivo sentença condenatória proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro.
Na sequência das diligências executivas foi penhorado (entre o mais) e vendido a EE, casada no regime de comunhão de adquiridos com FF, prédio urbano inscrito na matriz sob os n.ºs ... e ... e descrito sob o n.º ... da Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro, freguesia ..., registado a favor da executada, e sobre o qual incidia uma hipoteca voluntária a favor do “Banco 1..., S.A.”, pelo preço de € 110 490,00 (decisões de 3-1-2022 e 27-1-2022).
O credor hipotecário reclamou créditos que foram reconhecidos por sentença proferida em 7-7-2021, no apenso A.
Em 24-2-2022 veio a executada, entre o mais, dar a conhecer aos autos que no processo declarativo em que foi proferida a sentença dada à execução havia interposto recurso extraordinário de revisão por nunca ter intervindo naquele processo.
Em 8-4-2022, a adquirente requereu a entrega do prédio e solicitou o recurso ao auxílio da força pública.
Em 12-4-2022, a executada pugnou pelo indeferimento do requerido e requereu que fosse ordenada a suspensão da instância executiva até trânsito em julgado da decisão a proferir no recurso de revisão interposto.
Em 27-1-2022 e em 19-2-2022 o agente de execução levantou de honorários os montantes, respetivamente, de € 250,00 e € 3.822,90.
Outrossim, em 19-2-2022, entregou € 1.274,46 a título de juros compulsórios e em 9-5-2022 entregou ao credor € 76.575,64 e aos exequentes € 5.536,89.
Em 18-7-2022, entregou aos exequentes € 2.483,10, bem como anteriormente a 30-3-2022 € 23.277,95.
Em 8-9-2022 e em 9-9-2022, seguiram-se requerimentos da adquirente e da executada, tendo o tribunal, em 4-10-2022, recusado a aplicação, por inconstitucionalidade material, do art.º 6.º-E, n.º 7, al. b), da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redação dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º/2 e 62.º da Constituição da República Portuguesa.
Interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, este não conheceu do recurso com fundamento em inutilidade.
Seguiram-se requerimentos por parte da executada e da adquirente (a 1-11-2023, a 7-11-2023, a 10-11-2023, a 19-12-2023, a 14-2-2024, a 28-2-2024, a 29-2-2024, a 8-3-2024, a 9-3-2024, a 25-3-2024, a 26-3-2024, a 26-4-2024, a 6-6-2024, a 16-9-2024, a 17-9-2024, a 19-9-2024, a 20-9-2024), em que, em suma, aquela requereu a anulação da venda e o cancelamento do registo e entrega das quantias penhoradas e esta pugnou pelo indeferimento do requerido e requereu a entrega do imóvel.
Foi proferida decisão transitada em julgado que julgou procedente a revisão interposta pela aqui executada, revogando a sentença que dela foi objeto e anulando os termos do processo posteriores à citação da recorrente.
Em 20-12-2024, foi proferida decisão em que, além do mais, consta o seguinte: embora (…) a compradora tivesse direito a uma indemnização, o que é certo é que a mesma depende da alegação dos danos concretos originados pela invalidade da venda e de um pedido nesse sentido. Ora, no caso, a adquirente, pese embora tenha invocado em alguns dos seus requerimentos que estava a sofrer prejuízos com toda a situação, não requereu expressamente uma indemnização a quem quer que fosse pelos danos sofridos, pelo que nada será de lhe atribuir a esse título.
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Inconformados, os adquirentes interpuseram o presente recurso, que finalizaram com as conclusões que se reproduzem.
A. O presente recurso tem por objeto despacho proferido pelo Tribunal a quo em 20-12-2024, que, entre o mais, considerou que embora “… a compradora tivesse direito a uma indemnização, o que é certo é que a mesma depende da alegação dos danos concretos originados pela invalidade da venda e de um pedido nesse sentido. Ora, no caso, a adquirente, pese embora tenha invocado em alguns dos seus requerimentos que estava a sofrer prejuízos com toda a situação, não requereu expressamente uma indemnização a quem quer que fosse pelos danos sofridos, pelo que nada será de lhe atribuir a esse título”;
B. Todavia, face aos elementos constantes dos autos e respetivo direito aplicável, impunha-se decisão diversa da proferida quanto aos prejuízos invocados pelos Adquirentes nos autos e inerente decisão acerca da (não) atribuição de indemnização.
C. Primo, a decisão proferida pelo Tribunal a quo revela-se contraditada pelos sucessivos requerimentos juntos aos autos pelos Adquirentes – aqui Recorrentes –, nomeadamente em 07-11-2023 (Ref.ª 47044469), 28-02-2024 (Ref.ª 48114326), 06-06- 2024 (Ref.ª 49132448) e 16-09-2024 (Ref.ª 49848909).
D. A par dos pedidos de auxílio de força pública para efetivação da entrega do imóvel e por força da recusa reiterada dessa entrega por parte dos Executados, os Adquirentes arguiram expressamente acerca das dificuldades e dos avultados prejuízos que estavam a sofrer, demonstrando-os e atualizando-os documentalmente nos autos quanto a valores de rendas e de IMI despendidos pela aqui Recorrente;
E. E requerendo expressamente ao Tribunal a quo – pelo menos, em 06-06-2024 e caso não fosse ordenada a entrega do imóvel, mas sim a anulação da venda – que ordenasse a devolução do preço e impostos devidos pela aquisição, pela devolução do valor do IMI e pelo ressarcimento das rendas despendidas pela Recorrente, uma vez que, por força da atuação/recusa daqueles, continuava sem imóvel para habitação;
F. Pedidos aos quais a Executada – por corretamente percecionados – foi inclusivamente contraditando e declinando qualquer responsabilidade pelo ressarcimento requerido pelos Adquirentes, com exceção do valor do IMI que anuiu suportar;
G. Crê-se, salvo o devido respeito, que compete ao Tribunal a quo determinar a responsabilidade pelos danos causados aos Adquirentes e por eles demonstrados nos autos;
H. E se é certo que nenhuma das partes intervenientes no processo (executado, exequente ou credor) pode restituir ou embolsar mais do que aquilo que recebeu pelo produto da venda do imóvel aos Adquirentes, certo é que a concreta despesa das rendas apresentada pela aqui Recorrente resultou da recusa reiterada dos Executados na entrega do imóvel aquando da sua aquisição – mantendo-o na sua posse e impedindo os Recorrentes de nele habitarem –, bem como da morosidade da tramitação processual da presente questão.
I. Secundo, por meio do douto despacho de 09-10-2024, o Tribunal a quo ordenou a notificação dos Exequentes, do Executado, do Credor Reclamante e do MP, advertindo expressamente “…a executada e a adquirente que o contraditório é para os intervenientes supra citados, não havendo lugar a qualquer exercício do contraditório, que só protelará a decisão que tanto almejam…”, sem, contudo, notificar posteriormente os Recorrentes para atualização – ou, concretização – do valor dos danos por si sofridos e já alegados nos autos;
J. Desde logo, porque, até devolução efetiva do preço e impostos devidos pela aquisição do imóvel, os danos decorrentes do pagamento de rendas para habitação da Recorrente – mutatis mutandis, como sucede com o IMI –, não constituem um valor estanque;
K. Isto é, o valor de rendas – e, bem assim, do IMI – vencem-se periódica e sucessivamente, impondo-se atualização permanente da quantificação dos prejuízos daí decorrentes – ainda que temporalmente agrupada, por forma a evitar a junção de requerimentos mensais aos autos.
L. Ao considerar-se (por não desentranhados) os requerimentos subscritos a 07-11-2023, 28-02-2024, 06-06-2024 e 16-09-2024, melhor andaria o Tribunal a quo se, antes de proferido o despacho do qual ora se recorre, tivesse notificado os Adquirentes para concretizar/atualizar os prejuízos – já alegados e peticionados nos autos – decorrentes da anulação da decisão de venda.
Nestes termos e demais de direito, deve o presente recurso ser declarado procedente e, consequentemente, ser retificado o despacho do Tribunal a quo no sentido de reconhecer que os Adquirentes requereram expressamente uma indemnização pelos danos por si sofridos e que, nessa medida, esta lhe é devida e, que, em caso de dúvida quanto ao respetivo valor, estes sejam notificados para atualizar e/ou concretizar as ditas quantias, fazendo-se assim a Aclamada Justiça!
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A executada contra-alegou, terminando com as conclusões que se seguem.
1. Começamos por referir que os recorrentes não dão cumprimento à exigência prevista na al. a) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC.
2. O despacho recorrido ordena que, após trânsito em julgado, seja efetuado o embolso à compradora EE do preço e das despesas de compra, e do IMI;
3. O que no presente recurso está assim em causa é o valor das rendas alegadamente pagas, num total de 5.850,00 €, sendo este o valor a ter em conta.
4. Tendo o recurso sido interposto «nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 e da alínea c) do n.º 2 do artigo 853.º do Código de Processo Civil» e pretendendo os recorrentes a retificação do despacho do Tribunal a quo de 20.12.2024 no sentido de ser reconhecido que os adquirentes requereram expressamente uma indemnização pelos danos por si sofridos, não se alcançando das conclusões que os recorrentes sequer aflorem a parte do despacho recorrido que se pronuncia sobre a anulação da venda. Para além disso,
5. Embora o tribunal a quo refira no despacho recorrido que a compradora tinha direito a uma indemnização, não indefere no entanto qualquer pedido que nesse sentido tenha sido formulado pelos recorrentes, não proferindo por isso decisão que lhes seja desfavorável e por isso suscetível de impugnação pela via deste recurso.
6. Tanto, é o bastante para que o recurso não seja admitido. Sem conceder,
7. Nos requerimentos apresentados, os adquirentes EE e FF, agora recorrentes, embora aludindo à existência de alegados prejuízos com toda a situação, não identificam nenhum lesante passível de ser condenado no pagamento de uma qualquer indemnização;
8. Não se mostram por isso, e desde logo, preenchidos os pressupostos legais do facto, da ilicitude e da culpa (até porque inexiste lesante) que pressuponham a imposição da obrigação de indemnizar os recorrentes a título de responsabilidade civil.
9. Nas conclusões do recurso interposto, os recorrentes não requerem a alteração da matéria de facto, mormente pugnando pela inclusão nos factos provados, dos que contendem com o seu divórcio, com o arrendamento do imóvel e com o montante das rendas pagas, e bem assim dos objetivos danos por si alegadamente sofridos.
10. Improcedem assim as conclusões do recurso.
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II – Questão a dirimir: se se mostram verificados os pressupostos para atribuir indemnização aos adquirentes do imóvel penhorado cuja venda foi dada sem efeito por referência a rendas por estes suportadas em virtude de não terem podido usufruir daquele.
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III – Fundamentação de facto
Constante da decisão:
1. A presente execução para pagamento de quantia certa foi proposta a 02.02.2021 por AA e BB contra CC e DD, tendo por base uma sentença condenatória proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro, proferida a 28.10.2020 no âmbito do processo nº 410/20.7T8OBR.
2. Foi penhorado (entre o mais) e vendido à ordem destes autos a EE casada no regime de comunhão de adquiridos com FF o prédio urbano inscrito na matriz sob os n.ºs ... e ... e descrito sob o n.º ..., registado a favor da executada (AP. ... de 2011/08/04 11:04:00 UTC – aquisição registada no sistema em: 2011/08/04 11:04:00 UTC) e sobre o qual incidia uma hipoteca voluntária a favor do Banco 1..., S.A. (AVERB. - AP. ... de 2007/10/04 - conversão em definitiva DA APRESENT. 1 de 2007/09/12), pelo preço de € 110.490,00, que pagou, bem como liquidou a título de IMT € 1.104,90 e de IS €883,92;
3. O prédio referido em 2 constitui a casa de morada de família da executada DD.
4. O Banco 1..., S.A. reclamou créditos, que lhe foram reconhecidos por sentença proferida a 07.07.2021, no apenso A.
5. O título de transmissão a favor da adquirente referida em 2 foi emitido pelo AE a 27.01.2022, mas o prédio mantém-se até à atualidade na posse da executada.
6. Encontra-se registada a aquisição a favor da adquirente referida em 2 do prédio também identificado em 2, tendo como causa “compra em processo de execução” (AP. ... de 2022/01/27 20:09:43 UTC – Aquisição Registado no Sistema em: 2022/01/27 20:09:43 UTC).
7. A 01.02.2022, foi emitida nota discriminativa de honorários e despesas.
8. O AE procedeu ao levantamento de honorários e entregou resultados quer aos exequentes, quer ao credor reclamante, quer juros compulsórios ao Estado.
9. A 04.10.2022 foi proferido despacho onde, entre o mais, se refere:
“Pelo exposto, deve ser recusada a aplicação da norma em causa e, em consequência, nada obsta às diligências de entrega do imóvel vendido nesta execução, sendo certo que, em caso de dificuldades de realojamento, caberá sempre às entidades assistenciais desenvolver as diligências necessárias, nos termos do artigo 861/6 do Código de Processo Civil.
Deste modo, atendendo aos princípios e aos preceitos legais acima enunciados:
a) Recuso a aplicação, por inconstitucionalidade material, do art.º 6.º-E, n.º 7, al. b), da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redação dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18/2 e 62 da Constituição da República Portuguesa.
Notifique, incluindo o Ministério Público para efeitos de recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional.”
10. Do despacho referido em 9 foi interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, que decidiu, a 24.10.2023, não conhecer do recurso por inutilidade, tendo tal decisão transitado em julgado a 09.11.2023.
11. Do despacho referido em 9 foi interposto recurso pela executada sobre o qual não recaiu despacho de admissão/não admissão.
12. A 24.02.2022 a aqui executada, ré no processo cuja sentença foi dada à execução, interpôs por apenso ao processo n.º 410/20.7T8OBR recurso extraordinário de revisão, o qual foi admitido a 02.03.2022.
13. A 07.02.2023 foi proferida decisão que julgou procedente a revisão interposta pela ré e que, em consequência, revogou a sentença que dela (revisão) foi objeto e anulou «os termos do processo posteriores à citação da recorrente».
14. Inconformados com a decisão revogatória, os aqui exequentes/ali autores, dela interpuseram recurso, o qual foi decidido por acórdão datado de 19.12.2023, que, no essencial, julgou improcedente a apelação, tendo este acórdão transitado em julgado em 02.02.2024.
15. Por requerimento de 14.02.2024 apresentado pela executada nos presentes autos de execução, veio esta requerer que fosse “ordenada a anulação da venda realizada e consequente cancelamento do registo efetuado, e bem assim determinada a devolução à Executada de todas as quantias penhoradas.”
16. Por requerimento de 29.02.2024 apresentado pela executada nos presentes autos de execução, veio esta requerer que fosse determinado o seguinte: “a) a anulação da venda e o consequente cancelamento do registo efetuado; b) aos Exequentes e ao Credor, a reposição do que receberam, com vista ao embolso dos Compradores do preço e das despesas da compra, e bem assim à devolução à Executada de todas as quantias penhoradas; c) subsequentemente, aos Compradores, a restituição à Executada do imóvel a que se referem os autos.”.
17. No processo declarativo referido em 12, na sequência da anulação dos termos do processo posteriores à citação da recorrente, ocorrida a 08.07.2020, foram a 18.04.2024 e a 23.04.2024 apresentadas contestações pelos ali réus, aqui executados.
18 - Mais consta do processado o seguinte:
a - Requerimento de 6.06.2024 (Ref.ª 49132448):
«(...) rogando pela entrega do imóvel que adquiriram – de resto, em conformidade e no cumprimento do douto despacho de 04-10-2022 – ou pela devolução do preço pago pelo mesmo, dos impostos devidos pela respetiva “transmissão”, IMI (630,93€ relativo ao ano de 2022, conforme DOC. 6 do Requerimento de 07-11- 2023 + 233,63€ referente à 1.ª prestação relativa ao ano de 2023, conforme DOC. 1 que aqui se junta) que sobre os mesmos tem recaído desde então, bem como o valor das rendas que a Adquirente tem suportado por força de, até à data, não dispor da casa que comprou para sua habitação e dos seus filhos menores (3.900,00€, conforme DOCs. 1 a 5 do Requerimento de 07- 11-2023 + 1.950,00€, conforme DOCs. 2 a 4 que aqui se juntam).
Refira-se e reitere-se que, volvidos dois anos e meio desde que os aqui Requerentes adquiriram validamente o imóvel supra identificado, os mesmos continuam sem casa e sem dinheiro (tendo esgotado todas as suas poupanças e os meios de financiamento para a aquisição do imóvel), sendo totalmente alheios à contenda entre Exequente e Executados e às vicissitudes processuais da lide executiva e, por conseguinte, impondo-se com a máxima urgência a satisfação do acima requerido e/ou decisão para o efeito, porquanto a demora no acesso e na obtenção de direito e justiça contende com os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e protegidos dos Requerentes, estando a causar-lhes graves danos patrimoniais e não patrimoniais.»
b - Requerimento de 16.09.2024 (Ref.ª 49848909):
«(...) urge ordenar a entrega do imóvel aos mesmos, enquanto seus legítimos« proprietários. Volvidos mais de dois anos e meio desde a data da aquisição, os aqui Adquirentes continuam sem acesso e posse do imóvel adquirido, suportando despesas de IMI do mesmo e pagamento de renda para sua habitação.
Os valores a que os recorrentes se referem nos referidos requerimentos são os seguintes:
- devolução do preço e despesas pagas com a aquisição do imóvel;
- IMI pago;
- rendas de habitação no valor de 3.900,00 € + 1.950,00€.
19 – Em 20-12-2024, aquando da prolação do despacho recorrido, foi ainda decidido o seguinte:
Pelo exposto, decide-se:
i) Dar sem efeito a venda do prédio urbano composto por 2 casas de habitação, sendo uma de r/c, com anexos e quintal e outra de r/c, com águas furtadas e garagem, que confronta a NORTE e POENTE com caminho; a SUL com GG, e a NASCENTE com HH, com a área total de 1.100 m2, inscrito na matriz predial urbana sob os n.º ... e ..., da freguesia ..., concelho de Oliveira do Bairro, distrito de Aveiro, e inscrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Bairro sob a descrição n.º 2916, freguesia ...;
ii) Indeferir o pedido de entrega do prédio referido em i) feito pela adquirente;
iii) Determinar, após trânsito em julgado deste despacho, o cancelamento do registo (AP. ... de 2022/01/27 20:09:43 UTC) que haja sido feito a favor da adquirente EE;
iv) Ordenar, após trânsito em julgado deste despacho, que sejam repostos em vigor os registos a favor do Banco 1..., S.A. (AP. ... de 2007/09/12 - Hipoteca Voluntária – Provisório por natureza; e AVERB. - AP. ... de 2007/10/04 - Conversão em Definitiva DA APRESENT. 1 de 2007/09/12 - Hipoteca Voluntária);
v) Ordenar, após trânsito em julgado deste despacho, que sejam repostos em vigor os registos a favor da executada DD (AP. ... de 2011/08/04 11:04:00 UTC – Aquisição Registado no Sistema em: 2011/08/04 11:04:00 UTC);
vi) ordenar, após trânsito em julgado deste despacho, o embolso à compradora EE do preço da compra, no valor de € 110.490,00, e das despesas de compra, no valor de € 1988,82 (IS + IMT), para tal, determinando:
- que os exequentes restituam todos os resultados que lhe foram entregues pelo AE;
- que o credor reclamante restitua todos os resultados que lhe foram entregues pelo AE;
- que o AE restitua todos os levantamentos de honorários e despesas efetuados por conta do resultado da venda executiva ou do resultado de outras penhoras efetuadas aos executados;
- que o IGFIJ - Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP restitua a quantia de € 1.274,46, que lhe foi entregue a título de juros compulsórios;
- que a Administração Tributária restitua o montante suportado pela compradora EE a título de IMT (€ 1.104,90) e IS (€883,92);
vii) Ordenar que a executada DD restitua, após trânsito em julgado deste despacho, à compradora os valores pagos por esta a título de IMI desde a data da aquisição do imóvel, devendo, esta para o efeito, juntar aos autos, em 10 dias, os comprovativos dos valores pagos a este título;
viii) Ordenar que, após trânsito em julgado deste despacho, sejam levantadas todas as outras penhoras efetuadas nos autos (ex. saldos bancários e vencimento) aos executados, com a consequente restituição aos mesmos dos valores em causa;
ix) Ordenar que, após trânsito em julgado deste despacho, o agente de execução elabore nova nota discriminativa de honorários e despesas atualizada;
x) Ordenar que os honorários que sejam devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, sejam suportados pelos exequentes;
xi) Determinar que a adquirente indique, em 10 dias, o IBAN para o qual pretende que seja efetuada a transferência dos montantes que lhe são devidos;
xii) Ordenar que, após trânsito em julgado deste despacho, e cumprimento do anteriormente determinado, o AE extinga a execução, por inexistência de título que suporte a mesma.
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IV – Fundamentação de direito
O pedido dos recorrentes consiste no seguinte: que seja retificado o despacho do tribunal a quo no sentido de reconhecer que os adquirentes requereram expressamente uma indemnização pelos danos por si sofridos e que, nessa medida, esta lhes é devida e, que, em caso de dúvida quanto ao respetivo valor, estes sejam notificados para atualizar e/ou concretizar as ditas quantias.
A propósito da matéria em causa o despacho recorrido tem o seguinte teor: E, pese embora, a compradora tivesse direito a uma indemnização, o que é certo é que a mesma depende da alegação dos danos concretos originados pela invalidade da venda e de um pedido nesse sentido. Ora, no caso, a adquirente, pese embora tenha invocado em alguns dos seus requerimentos que estava a sofrer prejuízos com toda a situação, não requereu expressamente uma indemnização a quem quer que fosse pelos danos sofridos, pelo que nada será de lhe atribuir a esse título.
Embora a apelante refira estar em causa retificação do despacho, a sua pretensão consiste em verdadeira e própria alteração ou revogação do mesmo. O despacho decidiu expressamente que a compradora não tem direito à mesma. Invoca dois fundamentos. O primeiro, a ausência de alegação dos danos concretos originados pela invalidade da venda. O segundo, a ausência de um pedido nesse sentido. Ao cabo e ao resto, aduz-se que quanto ao pedido indemnizatório falham, quer o pedido, quer a causa de pedir.
Assim, ao contrário do sustentado pela exequente, no despacho recorrido há uma decisão que julga improcedente o pedido indemnizatório formulado pela apelante, já que expressamente se diz que nada será de lhe atribuir a este título. Por esse facto, existe fundamento para conhecer do recurso.
Apreciemos as questões suscitadas.
Os pedidos formulados por via de recurso são decomponíveis em três vertentes. A primeira, a de retificação de despacho no sentido de reconhecer que os adquirentes requereram expressamente uma indemnização pelos danos por si sofridos. A pretensão dos recorrentes não cabe, porém, na esfera da retificação de erros materiais prevista no art.º 614.º do C.P.C. Esta reporta-se especificamente a omissões e a erros de escrita ou de cálculo ou a quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto. Não está em causa omissão ou lapso.
Improcede, por isso, o pedido de retificação.
Analisado o segundo segmento do petitório, é notório que a recorrente pretende que a indemnização seja fixada (pede que se declare que esta lhe é devida).
Como terceiro momento, e apenas para a eventualidade de o tribunal vir a ter dúvidas quanto ao valor da indemnização que se quer fixada, é peticionada a respetiva notificação para atualizar e/ou concretizar as ditas quantias.
Cumpre, por isso, conhecer da pretensão recursória, na sua dimensão de pedido indemnizatório.
No essencial, o tribunal indeferiu o pedido indemnizatório formulado pelos adquirentes, dizendo que não foi formulado pedido concreto.
No requerimento de 7-11-2023 lê-se, assinaladamente, o seguinte:
se o Requerente FF manteve a sua residência na casa de seus pais, a Requerente EE viu-se forçada a procurar uma nova casa para si e para os seus filhos menores, despendendo atualmente uma renda mensal no valor de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) – cfr. DOCs. 1 a 5 (…).
No requerimento de 28-2-2024 lê-se, assinaladamente, o seguinte:
que até ao momento soma o total global de € 5.850,00 (cinco mil oitocentos e cinquenta euros) – quantia da qual deverá ser igualmente ressarcida, o que se requer.
No requerimento de 6-6-2024 lê-se, assinaladamente, o seguinte:
(…) rogando pela entrega do imóvel que adquiriram – de resto, em conformidade e no cumprimento do douto despacho de 4-10-2022 – ou pela devolução do preço pago pelo mesmo, dos impostos devidos pela respetiva “transmissão”, IMI (630,93€ relativo ao ano de 2022, conforme DOC. 6 do Requerimento de 07-11-2023 + 233,63€ referente à 1.ª prestação relativa ao ano de 2023, conforme DOC. 1 que aqui se junta) que sobre os mesmos tem recaído desde então, bem como o valor das rendas que a Adquirente tem suportado por força de, até à data, não dispor da casa que comprou para sua a habitação e dos seus filhos menores (3.900,00€, conforme DOCs. 1 a 5 do Requerimento de 07-11-2023 + 1.950,00€, conforme DOCs. 2 a 4 (…).
Os pressupostos em que o tribunal se fundou para decidir estão, bem entendido, equivocados. Os apelantes formularam pedido indemnizatório e liquidaram o mesmo. A base factual – processual - de que o tribunal de 1.ª instância parte para indeferir o pedido de indemnização não corresponde à efetivamente verificada nos autos.
Trata-se de base para apreciação processual, pelo que não colhe a tese da recorrida de que os apelantes teriam que ter formulado pedido de reapreciação da matéria de facto a fim de verem a questão conhecida.
Verificando-se, pelo exposto, que o processado reúne os elementos necessários ao conhecimento da matéria, passar-se-á a conhecer da mesma.
Vejamos, então, se assiste razão aos apelantes.
Está em causa o pedido dos apelantes de perceberem as quantias que suportaram a título de renda por não terem podido dispor do imóvel por si adquirido na execução. O valor das rendas cujo pagamento é peticionado é de € 5 850,00, reportando-se a período de nove meses.
O fundamento do pedido é a demora na entrega do imóvel adquirido, que impediu o uso e fruição dos adquirentes entre o momento em que a entrega foi determinada e o reembolso do preço e das despesas. Na ausência de meios e de capacidade de financiamento para a aquisição de outra habitação, a apelante ter-se-á visto constrangida a arrendar casa, pela qual vem suportando a contrapartida de € 650,00 mensais.
Dispõe o art.º 839.º do C.P.C.:
1 - Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851.º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.
3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vendedor só tem direito a receber o preço.
Os fundamentos das alíneas a) e b), visam tutelar o executado (José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, p. 401).
(…) compreende-se a razão da lei. A penhora, a venda e o pagamento foram praticados à sombra do título executivo (…) em que a execução se fundou. Mas esta sentença caiu (…). Desde que tal sucedeu têm, logicamente, de cair também os atos que à sombra dela se haviam praticado e tinham nela o seu apoio. Por outras palavras, (…) a execução foi injusta; o princípio de justiça exige, pois, que se apaguem as consequências produzidas pela execução (…) restituindo o executado ao estado anterior à penhora e portanto entregando-lhe, livres do vínculo jurídico que a penhora criara, os bens que haviam sido apreendidos e vendidos (in José Alberto dos Reis, Processo de Execução, volume 2.º, 1985, Coimbra Editora, p. 434).
Da disposição contida no art.º 839.º que se vem de reproduzir, mormente do seu 3, emerge que, tendo sido pedida a restituição da coisa, o comprador que veja a venda ficar sem efeito tem direito a ser previamente embolsado do preço e das despesas da compra.
A disposição legal faz supor que a coisa adquirida se mostre já na posse do adquirente. É o que decorre da expressão previamente. O adquirente, acaso o executado peça a restituição – conforme ocorreu no caso vertente -, tem direito a ver-se-ressarcido do preço por si suportado e das despesas da compra. Foi já ordenada a restituição das quantias atinentes, não sendo essa matéria controvertida. Controvertida é, isso sim, a condenação no âmbito executivo no pagamento de indemnização referente a outros prejuízos.
A este propósito cremos serem três as considerações relevantes.
Desde logo, se o legislador previu o ressarcimento de prejuízos para o adquirente advenientes da circunstância de a venda ficar sem efeito, para além da restituição do preço e dos montantes das despesas da compra.
Por outro lado, a determinação da origem do prejuízo exposto pela adquirente EE: se o pagamento de rendas advém do facto de a compra e venda ter ficado sem efeito e/ou da tramitação processual (mais ou menos demorada que esta seja), assinaladamente de não lhe ter chegado a ser entregue o imóvel.
Adicionalmente, dever-se-á refletir acerca da origem jurídica do pedido indemnizatório.
Relativamente à primeira questão, afigura-se-nos claro que a lei esclareceu devidamente as consequências para o adquirente que vê a venda ser revertida: deve ser ressarcido do preço por si suportado e das despesas da compra. É o que emerge do n.º 3 do art.º 839.º do C.P.C..
É certo que nos termos do art.º 9.º/1 do Código Civil a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Todavia, segundo o n.º 3 do mesmo art.º 9.º, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
O legislador ponderou e verteu explicitamente que há lugar a indemnização consistente na devolução do preço e no pagamento das despesas da compra.
Quanto à origem do prejuízo exposto, afigura-se-nos que o pagamento das rendas por parte da apelante e adquirente não emerge da anulação da venda. Ao invés, advém da circunstância de o imóvel não ter chegado a ser-lhe entregue. Se a entrega tivesse ocorrido, a devolução da casa teria que ser precedida do reembolso do preço da venda e das despesas. É, por isso, possível concluir que o pagamento das rendas não se deve à procedência do recurso extraordinário de revisão e subsequente anulação da venda, mas sim aos moldes da tramitação processual - os apelantes reconhecem esta asserção na alínea H das respetivas conclusões.
Por referência à origem do pedido indemnizatório, sabemos que a responsabilidade pela indemnização teria de ter fonte legal ou contratual. Relativamente ao fundamento legal, vimos não se encontrar previsto no art.º 839.º/3 do C.P.C.. No tocante à responsabilidade contratual, é manifesto que não foi celebrado contrato que obrigue ao reembolso das rendas.
Com relação à responsabilidade extracontratual, dispõe o art.º 483.º/1 do C.C. que quem com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Deste normativo emerge que constituem pressupostos da obrigação de indemnizar por factos ilícitos o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Nos termos do art.º 487.º/1 do C.C., impende sobre o lesado - aquele que se arroga o direito a indemnização - o ónus da alegação e da prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Veja-se que a devolução do montante entregue pelos adquirentes corresponde a um movimento monetário inverso àquele efetuado aquando do pagamento do preço. Trata-se de desfazer o negócio. O pagamento das despesas corresponde já a um acréscimo, não explicitando o legislador de onde esse montante deve ser retirado, acaso não exista à ordem do processo, mas, ainda assim, impondo-o.
Como se depreende da já assinalada alínea H) das conclusões dos adquirentes, estes defendem que foi a recusa da executada em entregar o imóvel que determinou o pagamento de rendas, isto é, que é causa do prejuízo a merecer reparação. A executada vai protelando a entrega no pressuposto da procedência do recurso extraordinário de revisão. Isto apesar de existir decisão que determina a entrega. E apesar de a restituição da coisa - que, em concreto, não chegou a ser entregue - só dever ter lugar depois de o adquirente ser embolsado do preço daquela e das despesas.
Entende-se, porém, que no âmbito da ação executiva não há lugar ao conhecimento da eventual responsabilidade das partes pelo prejuízo invocado. Nem sequer se mostram reunidas as garantias de defesa inerentes à apreciação e eventual condenação no pagamento de indemnização.
O regime previsto no n.º 3 vale somente no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda executiva entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória (in ac. do S.T.J. de 20-12-2017, proc. 3018/14, dgsi.pt, citado in António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, p. 260 e ss.).
Outras questões que envolvam outros interesses e direitos terão, sendo caso disso, de ser abordadas em ação própria, que não a executiva. Esta instância, não comportando uma fase declarativa, não integra a possibilidade de ressarcimento que os adquirentes pretendem ver exercida.
Em face do exposto, soçobra a pretensão substancialmente formulada pelos apelantes de verem fixada a seu favor indemnização atinente ao invocado pagamento das rendas.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, indeferindo-se o pedido indemnizatório dos apelantes e adquirentes no que se refere ao valor de rendas de habitação suportadas.
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Custas pelos apelantes, por terem visto indeferida a sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 12 de maio de 2025
Teresa Fonseca
Miguel Baldaia de Morais
José Nuno Duarte