RECURSO DE REVISÃO
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
PROVA DOCUMENTAL
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
LICENÇA DE CONDUÇÃO
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PROCEDÊNCIA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Sumário


I. Quanto ao carácter da novidade, factos ou meios de prova novos são aqueles que não eram conhecidos do Tribunal e eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento.
II. Se para o Ministério Público, requerente da revisão e para o Tribunal, o facto é novo tanto basta para considera-se verificado o pressuposto da novidade.
III. Representa um facto novo, quer para o MP, quer para o tribunal, à data do julgamento, que o arguido fosse titular de licença de condução emitida pela Câmara Municipal.
IV. A circunstância de o facto não ser novo para o condenado não releva em revisão, em que o mesmo não é requerente.
V. Mesmo que assim não se entendesse , sempre faltaria o conhecimento do arguido do facto de entretanto o ordenamento jurídico ter passado a descriminalizar a conduta de quem conduzisse veículo automóvel, sem estar para tal habilitado, desde que fosse titular de licença de condução emitida pela Câmara Municipal.
VI. Uma coisa é o arguido saber da titularidade do documento habilitante, ser detentor de licença de condução, outra, estar ciente das virtualidades de “expansão habilitante”, derivada da alteração legislativa entretanto ocorrida.
VII. Se não há dúvidas de que se o facto invocado tivesse sido conhecido em julgamento o arguido seria absolvido está justificada a autorização da revisão.
VIII. Não constitui óbice à autorização da revisão a circunstância de o facto novo ter a virtualidade de descriminalizar, transmutar, degradar, o crime em contra-ordenação.
IX. A verificação dos pressupostos de que depende a autorização da revisão vale independentemente do facto de o arguido estar condenado apenas por um crime – aquele a que se reporta a revisão - ou ter sido condenado, em sede de concurso real, com outro(s), cuja condenação se manterá, sempre, incólume.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O Ministério Público veio interpor, nos termos do artigo 449.º/1 alínea d) CPPenal, recurso Extraordinário de Revisão da Sentença proferida no processo 727/22.6..., Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Criminal de ..., Juiz ..., a 23.5.2024, transitada em julgado em 24/06/2024, que condenou o AA pela prática:

— em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

— como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 20 meses de prisão;

— em cúmulo jurídico das penas parcelares na pena única de 2 anos e 1 mês de prisão efectiva, concluindo pela seguinte forma:

1. Vem o presente recurso extraordinário de revisão, interposto pelo Ministério Público com fundamento na al. d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal.

2. A sentença proferida nestes autos, condenou o arguido na pena parcelar de 20 (vinte) meses de prisão efectiva, em meio prisional, dando-se como provado, em súmula e para além do mais, que o arguido AA, a 04.12.2022, conduziu um veículo automóvel sem que fosse titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir aquele veículo.

3. Porém, no processo comum singular n.º 461/22.7..., foi o arguido AA absolvido da prática do mesmo crime de condução sem habilitação legal, dando-se como provado que, a 07-11-2022, o arguido conduziu um veículo automóvel sendo possuidor da licença de condução n.º ....01 que lhe permitia a condução de ciclomotor e motociclos de cilindrada não superior a 50 centímetros cúbicos, válida até 12 de Novembro de 2044.

4. Tal licença de condução, conforme resulta agora documentalmente comprovado nestes autos, foi emitida pela Câmara Municipal de ..., após requerimento de troca apresentado pelo arguido no dia 18-06-1999, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 209/98, de 15 de Julho.

5. Assim, à data da prática dos factos julgados nestes autos, parece que o arguido era titular de uma licença de condução de ciclomotor e motociclo não superior a 50cm3 válida e, por isso, equiparada a carta de condução da categoria AM.

6. Com efeito, a conduta do arguido não preenche o ilícito criminal pelo qual foi condenado, mas sim a prática da contra-ordenação, prevista pelo artigo 123.º, n.º 3, al. a), do Código da Estrada que comina com uma contra-ordenação aquele que conduzir veículos de qualquer categoria ou tipo de veículo para os quais a respectiva carta de condução não confira habilitação.

7. Foram juntos aos autos novos meios de prova que inexistiam no processo aquando da sentença proferida (certidão junta aos autos principais a fls. 234 a 237) e, perante o exposto, existem sérias dúvidas sobre a justiça da condenação - a constatar-se que o condenado é titular daquela licença de condução válida tal justificará a sua absolvição, sendo a decisão proferida nos autos materialmente injusta, tanto mais, que implica a perda da liberdade do condenado.

2. Em 1ª Instância o recurso foi admitido e determinada a junção aos autos da prova documental constituída pela licença de condução de velocípedes com motor, emitida pela Câmara Municipal de ..., em 21.02.1997.

3. O arguido não respondeu ao recurso.

4. Neste Tribunal o Sr. Procurador Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso de revisão, alegando que,

- o Ministério Público recorre aqui por considerar “novo” o facto de o arguido ser titular de licença de condução de ciclomotor e motociclos de cilindrada não superior a 50 centímetros cúbicos à data em que conduziu o veículo automóvel que esteve na base da sua condenação nestes autos por crime de condução sem habilitação legal;

- no entanto, este facto existe desde 21.02.1997 e perdura desde então até hoje, conforme documentos juntos a estes autos em 14.02.2025;

- trata-se, assim, de um facto necessariamente conhecido da parte que dele beneficiaria à data da condenação e que nunca foi por ela usado por motivos que não trouxe aos autos, não obstante as sucessivas condenações por este crime, conforme resulta do ponto 7 dos factos provados fixados na sentença Juízo Local Criminal de ....

5. Colhidos dos vistos legais, realizada a Audiência, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

1. Em sede da decisão sobre a matéria de facto, com relevância para esta decisão, fez-se constar da sentença condenatória, transitada em julgado, o seguinte:

Factos Provados

“1. No período compreendido entre as 21h30m e as 23h00m do dia 04/12/2022, o arguido AA dirigiu-se à viatura automóvel com a matrícula ..-..-NI, da marca Opel, modelo Corsa, pertencente à empresa S..., Lda., de que BB na rua ..., em ....

2. Aí chegado, o arguido fez uma ligação direta para ligar o motor do veículo, utilizando para o efeito uma gazua que detinha consigo e conduziu-o até à cidade do ..., local onde a viatura foi apreendida pela PSP da Esquadra do ... e entregue ao representante legal da sociedade ofendida.

3. O arguido conduziu aquele veículo sem ser titular de carta de condução.

4. O arguido sabia que não possuía habilitação que lhe permitisse conduzir veículos automóveis na via pública, mas não se absteve de conduzir nas circunstâncias supra descritas.

5. O arguido sabia, igualmente, que se apoderava da viatura automóvel, que bem sabia não lhe pertencer, sem o consentimento e contra a vontade do seu dono, o que quis e conseguiu;

6. O arguido atuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Dos autos:

7. O arguido tem averbadas no seu certificado do registo criminal as seguintes condenações:

a) No âmbito do processo 70/2001, do ....º Juízo do Tribunal Judicial de ..., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 350$00, aplicada por sentença transitada em julgado em 01/10/2001, pela prática, em 09/08/2001, de um crime de condução sem habilitação legal; pena essa declarada extinta;

b) No âmbito do processo 164/02.9..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ... por sentença transitada em julgado em 11/02/2003, pela prática, em 14/04/2002, dos crimes de condução sem habilitação legal e desobediência; pena essa declarada extinta;

c) No âmbito do processo 368/01.1..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ..., na pena de 6 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa prática, em 05/11/2001, de um crime de condução sem habilitação legal; pena essa declarada extinta;

d) No âmbito do processo 92/03.0..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ..., na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, aplicada por sentença transitada em julgado em 13/10/2003, pela prática, em 26/08/2003, de um crime de condução sem habilitação legal; pena essa declarada extinta;

e) No âmbito do processo 348/05.8..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ..., na pena única de 10 meses de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 12/05/2008, pela prática, em 28/06/2005 e 28/07/2005, de dois crimes de condução sem habilitação legal;

f) No âmbito do processo 256/08.0..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ... transitada em julgado em 03/09/2012, pela prática, em 18/02/2008, de um crime de furto qualificado; pena essa declarada extinta;

g) Pelo Tribunal Correcional de ..., em França, em pena de multa substituída por vigilância judiciária, aplicada por decisão transitada em julgado em 24/06/2013, pela prática, em 27/01/2013, de um crime de furto após violação de propriedade privada; pena essa declarada extinta;

h) Pelo Tribunal Correcional de ..., em França, em pena de multa, aplicada por decisão de 18/03/2014, pela prática, em 27/11/2013, de um crime de dano;

i) Por Tribunal Francês, na pena de 3 meses de prisão, aplicada por sentença transitada em julgado em 02/04/2016, pela prática, em 22/11/2014, de um crime de dano por fogo; pena essa declarada extinta.

j) Por Tribunal Francês, na pena de 6 meses de prisão, aplicada por sentença transitada em julgado em 01/11/2015, pela prática, em 16/06/2015, de um crime de ofensa à integridade física; pena essa declarada extinta.

k) No âmbito do processo 178/22.2..., do Juízo Local Criminal de ..., na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, com regime de prova, aplicada por sentença transitada em julgado em 23/05/2022, pela prática, em 02/04/2022, de um crime de condução sem habilitação legal; suspensão essa que foi revogada e determinado o cumprimento da pena principal por decisão transitada em julgado em 02/06/2023.

l) No âmbito do processo 854/22.0..., do Juízo Local Criminal de ..., J..., na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, aplicada por sentença transitada em julgado em 17/04/2023, pela prática, em 10/10/2022, de um crime de desobediência.

m) No âmbito do processo 39/22.5..., do Juízo de Competência Genérica de ... J..., na pena de 12 meses de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 29/05/2023, pela prática, em 23/09/2022, de um crime de condução sem habilitação legal.

n) No âmbito do processo 348/05.8..., do Juízo Local Criminal de ..., J..., na pena única de 9 meses e 22 dias de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, aplicada por sentença transitada em julgado em 29/09/2022, pela prática, em 28/06/2005 e 28/07/2005, de dois crimes de condução sem habilitação legal; pena cujo cumprimento em meio prisional foi ordenado por despacho transitado em julgado em 16/01/2023.

o) No âmbito do processo 669/22.5..., deste Juízo Local Criminal J..., na pena de 17 meses e 29 dias de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 01/02/2023, pela prática, em 13/11/2022, de um crime de condução sem habilitação legal.

p) No âmbito do processo 659/22.8..., do Juízo Local Criminal de ... J..., no julgado em 27/03/2023, pela prática, em 31/10/2022, de um crime de desobediência.

q) No âmbito do processo 84/22.0..., do Juízo Local Criminal de ... J..., na pena de 1 ano de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 03/07/2023, pela prática, em 24/03/2022, de um crime de condução sem habilitação legal.

r) No âmbito do processo 462/22.5..., do Juízo Central Criminal de ... J..., na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão efetiva, aplicada por acórdão transitado em julgado em 17/11/2023, pela prática em 26/11/2022, de um crime de condução sem habilitação legal, em 26/11/2022, de um crime de furto simples, em 12/12/2022 de um crime de furto qualificado, em 12/12/2022 de um crime de condução sem habilitação legal e em 30/11/2022 de um crime de condução sem habilitação legal;

s) No âmbito do processo 413/22.7..., do Juízo Local de Pequena Criminalidade do ... J..., na pena única de 16 meses de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 29/11/2023, pela prática, em 05/10/2023 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência.

Das condições pessoais do arguido:

8. O processo de socialização de AA decorreu em contexto familiar disfuncional, exposto a situações de violência doméstica, protagonizadas pelo progenitor e dirigidas quer ao cônjuge, quer aos dois filhos do casal.

9. A separação dos pais terá ocorrido quando AA tinha entre os 10/11 anos, tendo a mãe assumido a guarda dos dois filhos menores, sendo o arguido o mais novo.

10. Apresenta habilitações literárias ao nível do 4º ano de escolaridade, com um percurso escolar marcado por várias retenções.

11. AA desde cedo evidenciou atitudes de rebeldia, sendo frequente sair de casa durante vários dias, permanecendo escondido e só regressando quando entendia.

12. Na escola tinha comportamento adequado com os professores, mas mantinha-se sempre envolvido em problemas com os colegas.

13. Apresenta um trajeto laboral diversificado e com grande mobilidade entre empregos, iniciado cerca dos 14 anos, tendo em 2007 emigrado para França onde se manteve até 2021.

14. Naquele país, trabalhou maioritariamente na área da construção civil, tendo o regresso a Portugal ocorrido na sequência de uma ordem judicial de um tribunal francês, contestada por AA.

15. Durante o período em que permaneceu em França, AA estabeleceu uma relação afetiva com uma cidadã francesa, existindo dois filhos gémeos desta relação que terão 10/11 anos.

16. Tem ainda dois filhos mais velhos (20 anos e 12/13 anos) de diferentes relacionamentos que manteve quando ainda se encontrava em Portugal.

17. Nos vários relacionamentos são referidos problemas de violência, abuso físico e emocional.

18. Com o regresso a Portugal em meados de 2021, AA reintegrou o agregado da mãe e padrasto, tendo iniciado atividade profissional numa empresa têxtil, a qual manteve apenas durante cerca de três meses.

19. Embora integrado num agregado estruturado, com a mãe e o padrasto a apresentar uma dinâmica relacional funcional, AA começou a evidenciar atitudes de oposição, criando instabilidade e focos de tensão, sobretudo com o padrasto.

20. Assim, este curto período de estabilidade foi sucedido de abandono da atividade laboral, deixando de pernoitar na habitação materna, utilizando este espaço apenas para fazer a sua higiene ou para fazer refeições.

21. AA passou a pernoitar habitualmente em casa de uma namorada ou no carro, acabando por abandonar definitivamente a residência, situação que vivenciava à data da atual reclusão.

22. AA revela tendência para a desvalorização da prática criminal, adotando um discurso assente em sentimentos de revolta e vitimização.

23. À data dos factos correspondentes ao presente processo, AA não apresentava residência fixa, pernoitando em casa de amigos.

24. Encontrava-se a cumprir a pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, subordinada a regime de prova, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo 178/22.2... do Juízo Local Criminal de ....

25. O processo de acompanhamento foi iniciado em junho de 2022, assumindo o arguido inicialmente uma postura de recetividade à intervenção da DGRSP, passando depois a não responder às tentativas de contacto, inviabilizando a intervenção da DGRSP.

26. Mantinha uma posição de recusa em fornecer a morada a estes serviços no âmbito do referido acompanhamento, bem como de solicitações efetuadas ao abrigo de outros processos judiciais, acedendo apenas ocasionalmente a tentativas de contacto telefónico e/ou por correio eletrónico.

27. Neste contexto e condições de vida, apresentava grande vulnerabilidade pessoal, pela ausência de um espaço habitacional e pela condição de desempregado, passando a evidenciar um quotidiano desorganizado e consumo de estupefacientes.

28. Subsistia com a atribuição de uma pensão vitalícia de invalidez, atribuída pelo governo assegurar as necessidades básicas, num quadro de desorganização pessoal.

29. Ainda chegou a regressar à habitação materna, quando, por decisão judicial, foi ponderada a possibilidade de cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, a qual não foi aplicada de imediato, agravando-se a instabilidade do arguido, com consequente determinação por parte do padrasto de abandonar definitivamente a residência.

30. Face a estes antecedentes comportamentais de AA, o padrasto recusa-se a receber novamente o arguido em casa, estando comprometida a relação entre ambos.

31. A mãe do arguido apoia a decisão do companheiro, suportada não só pela vivência conjugal de vários anos, uma vez que o casal vive em união de facto há mais de 34 anos, como pela dificuldade em acreditar numa mudança comportamental do filho/arguido, compatível com uma convivência familiar salutar e equilibrada.

32. O casal encontra-se a residir desde janeiro de 2022 na Travessa de ... em ..., não sendo apontadas alternativas habitacionais para AA aquando da sua restituição ao meio livre.

33. Apesar de estes familiares terem em tempo mencionado que, durante o atual período de prisão, AA adotaria um tom ameaçador nos contactos telefónicos que estabelecia com a mãe, esta visita-o em meio prisional, adotando uma postura ambivalente.

34. Assim, apesar de visitar o filho/arguido em meio prisional e lhe transmitir o seu apoio, refere que o faz para evitar uma postura mais agressiva e hostil da parte deste, uma vez que o consideram incapaz de inverter a sua conduta, o que reforça a decisão do casal em não receber novamente o arguido na sua residência.

35. Na GNR de ..., AA está conotado com comportamentos associados a consumos de substâncias ilícitas e suspeitas de comportamentos desviantes, sendo ainda referenciado como um indivíduo problemático, apresentando assim uma imagem social desfavorecida.

36. AA encontra-se preso no Estabelecimento Prisional ... desde 13/12/2022, por determinação da sua prisão preventiva à ordem do proc. 462/22.5....

37. No entanto, em 03/02/2023, foi colocado à ordem do proc. 348/05.8... do Juízo Local Criminal de ... Juiz ..., para cumprimento da pena de 9 meses e 22 dias de prisão.

38. AA beneficiou do perdão ao abrigo da Lei 38-A/2023, pelo que em 01/09/2023 foi colocado à ordem do proc. 178/22.2... do Juízo Local Criminal de ... Juiz ....

39. Durante a sua permanência em meio prisional, AA tem, num passado recente, revelado dificuldades em manter uma conduta ajustada às normas institucionais, uma vez que em 07/12/2023 foi punido com repreensão escrita por envolvimento em altercação na enfermaria.

40. Estas dificuldades refletiram-se na vertente ocupacional, uma vez que se encontrava colocado a trabalhar como faxina do pavilhão desde 03/02/2023, tendo transitado para faxina da enfermaria em 14/04/2023, na sequência de um problema de saúde (fratura de um membro superior), onde permaneceu até 26/09/2023, data em que foi retirado da colocação laboral.

41. Ao nível da problemática aditiva, AA afirma-se abstinente, não valorizando a necessidade de recorrer a acompanhamento clínico, entendendo que as substâncias que consumia (haxixe e cocaína), não se constituem como determinantes para gerar dependência”.

2. Apreciando

Dispõe o artigo 29.º/6 da CRP que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

“(…) Este normativo constitucional atribuiu um direito geral de revisão de sentenças em circunstâncias bem definidas, não uma porta escancarada a toda e qualquer revisão, em quaisquer situações. A CRP não deixa, aliás, quaisquer dúvidas: porquanto sublinha que o direito de revisão dos cidadãos “injustamente condenados” existe, muito concretamente: “nas condições que a lei prescrever” (…)”, estando vertidas no artigo 449.º/1 CPPenal as condições a que a Constituição explicitamente alude”, cfr. Ac. STJ de 20/05/2020, in Proc. nº 906/13.7GAVNF-A.S1, consultado in www.dgsi.pt, apud acórdão de 13.1.2022 do mesmo Tribunal, consultado no mesmo local.

A consagração constitucional, no n.º 6, do art. 29.º, no núcleo dos direitos, liberdades e garantias, do direito dos “cidadãos injustamente condenados” à revisão de sentença, “nas condições que a lei prescrever”, obriga a que atendamos à essencialidade da injustiça, patente no caso em apreço.

A norma visa uma decisão já transitada que atente flagrantemente contra a verdade e contra os direitos fundamentais dos cidadãos.

Também o artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), permite a quebra do caso julgado, a “reabertura do processo (…), se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), Protocolo 7, no artigo 3º (direito a indemnização em caso de erro judiciário) alude a “condenação penal definitiva” “ulteriormente anulada” “porque um facto novo ou recentemente revelado prova que se produziu um erro” de julgamento.

E no artigo 4º dispõe que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.

Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excepcionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário - é o que fora do comum, raro, que sucede em circunstâncias excepcionais, nas expressivas palavras do acórdão do STJ de 20.3.2019, consultado no site da dgsi - no regime, substantivo e procedimental, especial. Por isso, somente os fundamentos firmados pelo legislador podem legitimar a admissão da revisão da condenação transitada em julgado.

O Ac. do Tribunal Constitucional 376/2000, consultável in DRE II série, de 13.12.2000, refere que “(…) no novo processo não se procura a correção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou com a decisão revidenda, porque para a correção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário”, “os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são indício indispensável à admissibilidade de um erro judiciário carecido de correção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (…)”.

“(…) O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter um novo julgamento e, por essa via, rescindir una sentença condenatória firme (…)”, cfr. Ac. STJ de 15.9.2021, processo 699/20.1GAVNF-A.S1, consultado in www.dgsi.pt.

“Do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários (…)”, cfr. Ac. STJ de 26.9.2018, processo 219/14.7PFMTS.S1, consultado no mesmo local.

O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPPenal, constitui um meio processual que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo, artigo 449.º/1 e 2 CPPenal, naturalmente, também, transitados.

O recurso de revisão visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações, artigo 449.º/1 CPPenal.

Assim, se dando prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, Lisboa, 1994, 359, que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem”, acrescentando ainda que, “há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais”.

A importância do recurso de revisão – já que pode estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma a absolvição injusta” é de tal ordem que é admissível, ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida, artigo 449.º/4 CPPenal.

Têm legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no artigo 450.º CPPenal, entre eles, o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias, artigo 450.º/1 alínea c) CPPenal.

O recurso de revisão comporta duas fases (a fase do juízo rescindente decidida pelo STJ e a do juízo rescisório, começando esta última apenas quando é autorizado o pedido de revisão e, por isso, acontecendo quando o processo baixa à 1.ª instância para novo julgamento) e, sendo esta, a primeira fase (a do juízo rescindente), importa, então, analisar se, no caso, ocorrem os pressupostos para conceder a revisão.

Os casos de revisão de sentença e os seus fundamentos estão expressa e taxativamente previstos no citado artigo 449.º CPPenal.

Dispõe esta norma que:

"1. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n°s 1 a 3 do artigo 126°;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça (…)”.

A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos.

Em regra, a revisão funda-se em matéria de facto e só excepcionalmente algumas legislações a admitem com base em matéria de direito.

Será o caso da previsão das alíneas e), f) e g), aditadas pela Lei 48/2007, de 29/08, cfr. Pereira Madeira, CPPenal Comentado, Almedina 3.ª ed., 1436.

Para que o recurso extraordinário de revisão possa prosseguir, tal como resulta da lei e, da interpretação que lhe vem sendo dada, no que respeita ao fundamento legal enunciado no artigo 449.º/1 alínea d) CPPenal, exige-se, por um lado, que haja novos factos e/ou novos meios de prova, pressupondo-se que os mesmos foram conhecidos depois da prolação da sentença condenatória, e, simultaneamente, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação. Trata-se de dois requisitos cumulativos e convergentes no que respeita a uma intensidade elevada do grau de dúvida sobre a justiça da condenação.

Desta forma, os factos e/ou os meios de prova têm de ser novos, no sentido de serem desconhecidos do tribunal e do arguido aquando do seu julgamento, derivando a sua não apresentação oportuna desse desconhecimento ou, no limite, de uma real e efectiva impossibilidade de apresentação da prova em causa em julgamento. Por outro lado, a dúvida sobre a justiça da condenação terá de ser séria e consistente.

O fundamento previsto na mencionada alínea d) (único que aqui importa) exige desde logo a descoberta de novos factos ou meios de prova.

E exige ainda que os novos factos ou meios de prova, por si sós ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Norma cuja redacção provém e se mantém inalterada desde o texto original, inspirada no artigo 673.º/4 CPPenal de 1929, “se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado”.

Entendia-se então que “a suspeita grave de injustiça da decisão, no sentido da violação da lei substantiva, não podia fundamentar a revisão”.

Sustenta-se na doutrina e tem sido adotado na jurisprudência o entendimento de que a actual alínea d) “tem um campo de aplicação bastante divergente deste seu antecedente, muito mais amplo, pois enquanto aquele n.º 4 exigia que os novos factos ou elementos de prova constituíssem graves presunção de inocência do condenado, basta agora que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A disposição actual tem, é certo, a limitação do n.º 3, determinante da inadmissibilidade do pedido de revisão com o único fim de corrigir a medida da pena. Mesmo assim, ficam agora a caber no âmbito legal casos que a lei anterior não comportava, como o de posteriormente à condenação se descobrir que o arguido era inimputável ou tinha imputabilidade diminuída à data da condenação (…) e o de diferente enquadramento dos factos”, cfr. Maia Gonçalves, CPPenal, anotado e comentado, 12.ª ed., 845.

Mas há também quem entenda que, no essencial, o fundamento em apreço traduz a ideia ventilada pelos autores espanhóis Emílio Orbaneja e Vicente Quemada, citados por Simas Santos e Leal Henriques em “Recursos em Processo Penal”, 215, no sentido de que a revisão só deve caber quando esteja em causa a relação condenação‑absolvição.

Interpretação adoptada por este Supremo Tribunal, nomeadamente nos acórdãos de 13.3.2003, in CJ, S, I, 231 e de 20.11.2003, processo 03P3225-5.ª, consultado in www.dgsi.pt. Para ser admitida a revisão não é suficiente a descoberta de novos factos ou elementos de prova. Exige-se que, por si sós ou conjugados com os factos apurados no julgamento ou as provas aí apreciadas, demonstrem ou indiciem fortemente a inocência do condenado.

Jurisprudência que tem inflectido no sentido de que naquele fundamento não está apenas em causa a presunção de inocência do arguido, bastando que os novos factos ou documentos suscitem grave dúvida sobre a justiça da condenação.

Um dos fundamentos da revisão é, então, a descoberta de novos factos ou meios de prova e que estes evidenciem que o condenado devia ter sido absolvido.

Podem fundamentar a rescisão da sentença condenatória novos factos ou novas provas que, necessariamente, infirmem ou modifiquem os factos que suportam a condenação.

Não satisfaz aquele requisito a mera invocação de factos novos, nem tampouco basta a sua hipotética verosimilhança.

Aqui, a alegação de factos sem provas, diretas ou indirectas que os demonstrem, - por si sós (autonomamente) ou combinados com outros que hajam sido apreciados no processo - não tem a potencialidade de elevar ao nível da crise grave (qualificada) a força da res judicata.

Do mesmo modo, não basta a apresentação de quaisquer novas provas. Somente fundamentam a rescisão da sentença provas que aportem dados que infirmem os factos que nesta se julgaram provados e que suportaram a condenação.

Como consta do sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de 26.9.2018, processo 219/14.7PFMTS.S1-3.ª, consultado, também, no site da dgsi, “I - Quanto à novidade dos factos e/ou dos meios de prova, o STJ entendeu, durante anos e de forma pacífica que os factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado.

II - Porém, nos últimos tempos essa jurisprudência foi sendo abandonada e hoje em dia pode considerar-se solidificada ou, pelo menos, maioritária, uma interpretação mais restritiva do preceito, mais adequada, do nosso ponto de vista, à natureza extraordinária do recurso de revisão e, ao fim e ao cabo, à busca da verdade material e ao consequente dever de lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais. Assim, “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal”.

Em suma, terá que se tratar de novas provas ou novos factos que se revelem seguros e relevantes - desde logo, pela oportunidade e originalidade, como pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou, pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – de forma a que o juízo rescindente não corra, facilmente, o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.

3. Baixando ao caso concreto.

A situação aqui delineado traduz-se, quanto à sua essência, na seguinte materialidade:

- o arguido foi aqui condenado porque no dia 4.12.2022 foi surpreendido a conduzir um veículo automóvel sem que estivesse legalmente habilitado para tal;

- entretanto foi junta ao processo certidão extraída de um outro processo, Comum Singular 461/22.7..., do Juiz ..., do Juízo Local Criminal do ... que o absolveu da prática do mesmo crime, por se ter provado que, à data dos factos, ocorridos a 7.11.2022, era titular da licença de condução n.º ....01, emitida pela Câmara Municipal de ....

Diz o MP, requerente da revisão que,

- a licença de condução que fora requerida pelo arguido 18.6.1999, por troca da licença de condução de ciclomotores n.º ...16, ao abrigo do artigo 47.º/3 do Decreto Lei 209/98, de 15 de julho, sendo válida até 12 de Novembro de 2044;

- estando válida aquela licença de condução n.º ....01 titulada pelo arguido e sendo equiparada a carta de condução da categoria AM, conforme estabelecido pelos artigos 3.º/2 alínea a) e 62.º/2 do Decreto Lei 138/2012, de 5 de julho, a conduta do arguido não preenche o ilícito criminal pelo qual foi condenado, mas sim a prática da contra-ordenação, prevista pelo artigo 123.º/3 alínea a) do Código da Estrada que comina com uma contraordenação aquele que conduzir veículos de qualquer categoria ou tipo de veículo para os quais a respetiva carta de condução não confira habilitação.

Vejamos:

Não obstante se ter recentemente decidido negar a revisão, em ambas as situações reportadas ao aqui arguido, nos acórdãos deste Tribunal de 29.1.2025, processo 413/22.7PDPRT-A.S1 e de 5.3.2025, processo 669/22.5PAVNF-A.S1,ambos consultados no site da dgsi, cremos, ainda assim, ser caso de autorizar a requerida revisão.

Neste processo a sentença de condenação é de 23.5.2024 e transitou a 24.6.2024.

No processo 461/22, a sentença de absolvição – com base na qual foi instaurado o presente recurso de revisão - é de 3.7.2024.

Recorde-se, que foi no julgamento efectuado neste processo - no qual o arguido esteve presente por videoconferência, dado que estava no EP - que deu a conhecer ser possuidor de licença de condução emitida pela Câmara.

O recurso de revisão decidido a 29.1.2025, era referente a uma sentença de condenação de 30.10.2023 e transitada a 29.11.2023.

No recurso decidido em Março a sentença era de 15.12.2022 e transitada a 1.2.2023.

A situação deste recurso, quanto à anterioridade do julgamento em relação ao processo no qual o arguido prestou declarações, é idêntica em todos os recursos de revisão.

O julgamento em que diz que ter licença é posterior a todas estas sentenças condenatórias.

E a condenação do processo referente a este recurso é posterior a todas as outras, referenciadas.

É evidente que se o arguido no processo 461/22, onde foi absolvido disse ter licença da Câmara, na data do julgamento com sentença proferida a 3.7.2024, sabia desse facto.

Como tão certo é que sabia desse facto desde o ano 1999.

Sem margem para dúvida alguma.

Não está em causa. Em causa está a virtualidade de tal facto para, perante a alteração legislativa de 2012, se poder afirmar a sua falta de novidade “habilitante” para conduzir veículo automóveis, sem cometer o crime pelo qual foi condenado.

De salientar, ainda que, no recurso decidido em Março existe ainda uma particularidade, que no caso sub judice não se verifica.

Com efeito, ali o arguido veio, por missivas dirigidas ao processo, pedir que fosse formulado o pedido de revisão de sentença. E, ali se entendeu que, pese embora, via requerimento formalmente apresentado pelo MP, o requerente, apresentante da nova prova e peticionante do pedido de revisão, reconduz-se à pessoa do próprio arguido.

Manifestamente que o MP, remota e proximamente, actuou em benefício do arguido.

Quanto ao carácter da novidade.

Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento.

O recorrente aqui é o MP. E não releva, para o efeito, se o faz ao abrigo do artigo 53.º/1 ou se ao abrigo do artigo 53.º/2 alínea d) CPPenal.

E o facto de ser o MP faz aqui toda a diferença.

Desde logo, em termos imediatos e directos na apreciação do critério da novidade.

Se bem que não em termos decisivos.

Apenas dispensa recorrer ao entendimento sufragada no acórdão deste Supremo Tribunal de 29.9.2022, processo 503/11.1GAILH-A.S1, consultado no site da dgsi, onde se decidiu que, “existe um facto novo e um elemento de prova novo.

Ele sabia que tinha a licença, mas desconhecia o que no caso era essencial, desconhecimento, que não lhe pode ser censurado. E o que era essencial? Como disse o ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 20.05.2020, e se repetiu no ac. de 17.06.2020, uma coisa é a titularidade do documento habilitante, ser detentor de licença de condução, outra, estar ciente das virtualidades de “expansão habilitante”, ocorridas com a alteração preconizada com o Decreto-Lei de 2012. O facto não pode ser separado da sua relevância jurídica, o facto tem de ser visto na sua completude.

O arguido, aquando da prática dos factos em causa nos autos, era titular de licença de condução válida, licença essa equiparada à carta de condução da categoria AM, sendo certo que foi dado como provado que conduzia um veículo ligeiro de passageiros, sem que fosse titular de carta de condução. Perspetivado o facto – carta de condução AM – na sua nova dimensão jurídica, na sua expansão habilitante, de que fala o acórdão deste STJ, concluímos que era desconhecido do condenado. Assim, o facto alegado é novo também para o requerente”.

E, assim, se o recorrente - o arguido ou o MP, em seu benefício, cfr. Professor Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPPenal, 2.º edição, actualizada, anotação 12 ao artigo 449.º - conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia ter apresentado, não podem ser, agora, tidos como factos ou meios de prova novos, para sustentar o recurso de revisão.

A indicação de factos susceptíveis de demonstrar, seja de forma directa, seja de forma indirecta, que o arguido não praticou o crime por que foi condenado e, logo capaz de invalidar a prova da acusação determinante para a sua condenação é a hipótese mais frequente de revisão. É o que sucede se, depois de condenado pela prática do crime de condução sem habilitação legal, se demonstra que o arguido era afinal titular da respectiva licença de condução, cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 10.2.2021, Paulo Ferreira da Cunha, 18.2.2016, Raul Borges, 29.4.2015, Isabel Pais Martins, 12.11.2014, Sousa Fonte, 13.11.2013, Santos Cabral, CJ, S, III, 193, 8.5.2013, Souto Moura e 15.6.2011, Santos Cabral ou, na Doutrina, Henrique Salinas/Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPPenal, 2023, 5.ª edição, 7602, cfr. Comentário Judiciário do CPPenal, António Gama e outros.

É evidente que o arguido sabe ser titular de licença de condução.

E sabe que tal acontecia aquando da prática dos factos.

Não obstante não invocou tal facto nem neste, nem nos restantes 14 processo em que foi condenado pelo crime de condução sem habilitação legal, desde o ano de 2001.

Entretanto a partir do ano de 2012, com a apontada alteração legislativa, aquele facto ganhou uma relevância que até aí não tinha.

Que se traduziu no facto de que a sua conduta deixara de ser crime e passara a constituir mera-contra-ordenação.

Naturalmente – podemos, garantidamente, afirmar – atentas as regras da experiência comum e do próprio julgador, que o arguido não tomou, pelo menos no imediato, conhecimento de tal alteração legislativa e do seu efeito e virtualidade prática.

E não seria, seguramente, o seu contacto frequente com as autoridades policiais e judiciárias, que permite concluir ser mera especulação considerar-se que vivia numa ignorância total acerca da possibilidade de se defender com a posse de licença de condução de velocípedes, por isso nunca o tendo feito.

Não se vislumbra que outra explicação plausível, verosímil possa ocorrer para o facto de nunca ter dito, no momento da detenção, que não tinha carta de condução, mas que tinha licença de condução de ciclomotores.

Mormente a partir do ano de 2012.

Quando tal circunstância passou a assumir relevo decisivo para a sua autuação, desde logo.

E a prova que não disse nunca, é que nunca tal facto foi feito constar dos sucessivos auto de notícia, lavrados pelas autoridades policiais, ao longo dos anos.

Desprezando aqui, por absolutamente improvável, o masoquismo gratuito por parte do arguido, apenas resta, por mais desconcertante que se possa ter, o seu completo e total desconhecimento do efeito habilitante, que a licença de condução de ciclomotores passou a ter, a partir de determinado momento.

E, como vimos, estas considerações até só seriam pertinentes se o recurso de revisão fosse por si interposto.

Não só não foi, como nem sequer a ele respondeu.

O que atesta bem – se o seu certificado do registo criminal não fosse bastante - o seu estado de desinteresse, quase contumácia, com que encara o quer que seja relacionado com o cumprimento das regras que regulam a vida em sociedade.

Pouco, nada, mesmo consonante com o “bonus pater família”.

Facto “habilitante” e prova inequívoca, indesmentível e incontornavelmente novos.

Para o Tribunal, para o arguido e para o MP. Novidade é facto novo para o recorrente e para o Tribunal.

Se o arguido o invocasse não era cumulativamente novo para o sujeito processual que o invoca e para o Tribunal e por isso não podia ser fundamento do pedido de revisão. Descontando a apontada questão da “expansão habilitante” que a licença de condução passou a revestir, po rfeito de alteração legislativa, ao fim de 13 anos de o arguido ter a sua.

E, não se diga, que podendo o recurso ser interposto pelo MP, que tal facto, permite, por decorrência, afirmar que, então, o simples facto de o arguido – ele próprio – ter conhecimento do facto e da prova (o que aqui não acontece, de todo, como vimos já) então, o MP não pode interpor o recurso de revisão.

O que se traduziria na conclusão de que se o facto não é novo para o arguido, então, também, não é novo para o MP.

Entendimento diverso, implicaria, desde logo, o esvaziamento de sentido útil das diversas normas jurídicas que definem, as funções e as atribuições do MP.

A começar pela norma legal que concede ao MP legitimidade para interpor o recurso de revisão.

Recorde-se que, nos termos do artigo 219.º/1 da CRP, “ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”.

E, que nos termos do artigo 4.º do Estatuto do MP, aprovado pela Lei 68/2019 de 27.8,

“1. Compete, especialmente, ao Ministério Público:

a) Defender a legalidade democrática;

(…)

d) Exercer a ação penal orientado pelo princípio da legalidade;

(…)”.

Cremos bem que o texto legal não acolhe interpretação contrária.

Acarretaria, ainda, a não concretização do seu dever de no processo penal colaborar com o Tribunal na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectivdade, cfr. artigo 53.º/1 CPPenal.

E, finalmente a impossibilidade, consagrada na mesma norma, cfr. alínea d) do n.º 2, de interpor recursos, ainda, que no exclusivo interesse da defesa.

A novidade deve aqui ser aferida em função da pessoa do requerente – como afinal, a legitimidade e o interesse em agir – e, não da pessoa que, em última análise pode beneficiar dos ditos, novos, factos e provas.

E, assim, não se pode entender que os factos e as provas sendo novas para o MP, mas porque o não seriam, para o arguido, então tal implica, por decorrência imediata e necessária, que aquele não pode – desde logo, em defesa da legalidade a que está estatutária, legal e constitucionalmente obrigado – interpor recurso de revisão em vista da reposição da justiça material do caso concreto.

Por revelar absoluta pertinência para a discussão da questão aqui em apreciação, citamos o acórdão deste Supremo Tribunal de 11.7.2023, processo 5215/18.2T9CSC-A.S1, consultado no site da dgsi, onde foi negada a revisão, com voto de desempate por parte do Juiz Conselheiro Presidente, numa situação em que o arguido fora condenado pelo crime de desobediência, por não ter entregado a carta de condução a fim de cumprir a pena acessória, tendo vindo posteriormente a requerer que o MP intentasse recurso de revisão, informando que não lhe era possível entregar a carta de condução em virtude de a mesma ter sido apreendida e de, entretanto, ter caducado e não ter sido revalidada, tendo-se decidido que se o facto é “não novo” para o arguido recorrente será também “não novo” para o Ministério Público a quem o arguido o entregou para que o usasse em seu benefício.

Situação, ainda assim, substancialmente diversa da dos autos.

Aqui se entendeu, em sede de interpretação do texto constitucional que,

“o direito à revisão, como na generalidade dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, não se apresenta com natureza absoluta, convivendo sempre com preceitos que fazem depender a sua admissão e procedência de fundamentos expressamente vertidos na lei.

O que não se configura como inconstitucional quer perante a liberdade que a Constituição oferece ao legislador ordinário, “nas condições que lei prescrever”, quer perante o compromisso que a Lei Fundamental também prossegue entre a segurança resultante do caso julgado e o princípio da justiça ou verdade material. Compromisso esse que bem ressalta, por exemplo do artigo 282º, nº 3, da CRP.

Inconstitucional seria, sim, a exclusão arbitrária do direito de revisão em determinados processos ou a maximização das exigências dos fundamentos a tal ponto que vedasse a interposição de recurso de revisão relativamente à maior parte das sentenças, afrontando desde logo o princípio da proporcionalidade.

Sendo permitido afirmar que está vedado ao legislador suprimir em bloco a revisibilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade, tal não determina, porém, que toda e qualquer restrição em sede de recurso extraordinário de revisão traduza violação de regras ou de princípios constitucionais.

As restrições ou limitações derivarão, em última análise, da própria natureza das coisas, id est, da segurança jurídica, da própria natureza extraordinária do recurso, do seu caráter excepcional, da necessidade de preservação do caso julgado, do princípio da lealdade

Por isso é que, naquela liberdade de conformação do legislador ordinário e na base do compromisso entre o caso julgado e a justiça material, a latitude do recurso de revisão tem variado ao longo dos tempos e concretamente ao longo da vigência do actual CPP. E se tem aceitado a taxatividade dos fundamentos expressos no artigo 449º.

E se é verdade que não se identifica um critério formal delimitador dos poderes do legislador ordinário, pode concluir-se que, dentro daquela liberdade e tendo em conta o dito compromisso, o legislador poderá ampliar ou restringir os fundamentos de revisão admissíveis. O que interdito está ao legislador ordinário é não dar corpo à norma constitucional, seja por omissão, seja por inócuo ou deficiente texto legislativo que, na prática, acabe a dificultar o exercício do direito. Não pode o legislador consagrar o direito de revisão em termos tais que desvirtue o núcleo essencial do direito ou que o deixe sem densidade material.

Mas desde que o legislador ordinário o consagre com densidade material suficiente, id est, correspondente à intensidade da injunção constitucional, cumprida se mostrará a injunção constitucional”.

Na sua declaração de voto o Conselheiro Lopes da Mota defende que, “uma interpretação conforme à Constituição (artigo 29.º, n.º 6, que reconhece o direito fundamental à revisão de uma condenação “injusta”) confere importância decisiva à “injustiça” da condenação. Sem esquecer a discussão jurisprudencial, comprovada a “injustiça da condenação”, como sucede neste caso, não é importante saber quem é o responsável pela condenação injusta. O nosso processo penal não é um processo de partes, de verdade formal, que imponha ao arguido um ónus de prova. A negligência do arguido não pode, perante a demonstrada injustiça da condenação, justificar a manutenção de uma condenação injusta. E o Ministério Público deve, como fez neste caso, na promoção dos interesses que lhe estão confiados, contribuir para a realização da justiça.

Como se nota no “relatório explicativo” do Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não há direito a compensação por condenação injusta (artigo 3.º) se se demonstra que a não revelação do facto desconhecido é imputável ao condenado que viu a sentença condenatória anulada. Mas o seu comportamento processual não impede a revisão. As coisas situam-se em planos distintos.

Dizia o Professor Cavaleiro de Ferreira: “Nenhuma omissão processual pode ser punida com uma condenação injusta”. E o Professor Eduardo Correia: “não deixam de ser novos os factos ou elementos de prova pela circunstância de serem conhecidos ou poderem ter sido deduzidos pelo réu na altura própria do processo: ponto é, tão só, que tivessem sido ignorados pelos juízes”; “seria inadmissível fazer perder a honra ou a liberdade a um inocente só porque ele não contrariou por todos os meios ao seu alcance a injustiça da condenação de que foi alvo. A culpa ou responsabilidade do condenado na condução do processo e, portanto, no erro judiciário poderá, de facto, importar (…) consequências sobre a indemnização (…). Nunca, porém, transformar um inocente em criminoso” (apud Conde Correia, O «Mito» do Caso Julgado e Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 352-353)”.

E da declaração de voto da Conselheira Teresa Almeida, recolhem-se os seguintes excertos:

“para o Ministério Público, requerente da revisão, e para o Tribunal, o facto é novo e teria sido essencial para a valoração criminal da conduta do ora condenado, à data do julgamento.

Ministério Público que, agindo pro reo, com este se não confunde, por não agir em representação do condenado, mas na defesa da legalidade e no interesse da Justiça.

A Jurisprudência deste Tribunal tem exigido que o conhecimento do facto ou do meio de prova seja novo (ou que se mostre cabalmente justificada a sua apresentação após o julgamento) para o Tribunal e para o arguido requerente da revisão; ora, no caso, o condenado não é o recorrente.

A circunstância de o facto não ser novo para o condenado, no contexto vindo de descrever, não pode relevar em revisão, em que o mesmo não é requerente (…) em que a negação da revisão corresponderia, na prática, a uma punição pela sua desatenção.

(…)

A ponderação de tal facto novo para o recorrente e do correspondente meio de prova (certidão junta do Despacho proferido no processo que a este deu origem) corresponde à realização da Justiça, no caso.

Com efeito, o arguido foi condenado por crime que, com certeza, não cometeu, sendo o novo facto apto a gerar a sua absolvição em novo julgamento.

A aplicação da norma do artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, em interpretação conforme ao texto constitucional e ao artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à CEDH, demanda que a verdade material se substitua à realidade ficcionada, fundamento de facto da condenação, através de novo julgamento”.

E neste voto de vencido citam-se,

- o Acórdão deste Supremo Tribunal de 20.5.2020, processo 312/19.0GAVGS-A.S1-3.ª, onde se refere que “mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica. – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, 310”, concluindo-se que “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal”;

- o acórdão deste Supremo Tribunal de 17.03.2010, processo 706/04.5GNPRT-A.S1:

“IV. Representa um facto novo, quer para o MP, quer para o tribunal, à data do julgamento, que a arguida fosse titular de carta de condução na data dos factos que motivaram a sua condenação.

V. Tendo embora a arguida conhecimento desse facto à data do julgamento, tem o MP legitimidade e fundamento para invocar esse desconhecimento e para pedir a revisão da sentença, actuando em benefício da condenada e da sociedade, pois seria intolerável que ficasse estabilizada na ordem jurídica uma decisão baseada num facto falso que o tribunal declarara provado com base em informação transmitida pela entidade pública competente, existindo, nessa medida, fundamento para a revisão.”.

Este acórdão de 11.7.2023 foi comentado, criticamente pelo Sr. PGA João Conde Correia in RPCC, ano 34, n.º 2, Maio-Agosto 2024, que “considerou traduzir uma tese híper-restritiva das causas de revisão de sentença penal, pois que em vez de considerações de justiça material, à revelia do travejamento básico do ordenamento jurídico constitucional, cfr. artigo 29.º/6 CRP, a hipervalorização do caso julgado e da segurança jurídica, que pretensamente lhe está associada.

Onde apesar da certeza do erro, em prol da segurança jurídica, nada mais haverá a fazer, punindo-se quem manifestamente não praticou nenhum crime.

Quando num Estado de direito quem não praticou nenhum crime não pode ser punido, cfr. artigos 18.º/2 e 27.º/2 CRP.

Em absoluta contradição, mesmo para quem hoje possa defender as ultrapassadas teorias absolutistas dos fins das penas. Nada há para retribuir ou para expiar, se afinal não houver para punir.

Em absoluta contradição com os fins das penas, consagrado, hoje, no artigo 40.º/1 CPenal. Punir um inocente não contribui para a interiorização dos valores jurídicos - que é o principal esteio da prevenção geral positiva e, igualmente, da prevenção especial”.

Defende este autor que “apenas as sentenças justas merecem a tutela do trânsito em julgado. Se o caso julgado perpetuar uma decisão injusta não se poderá falar de segurança jurídica.

Não existe nenhum confronto entre a justiça e a segurança, a menos que se queira defender a segurança do injusto”.

Dizendo mesmo que executar uma pena por facto que sabemos que não ocorreu é um absurdo jurídico.

E, que diminui o Estatuto do MP, a pretensa equiparação da falta de novidade, traduzida no lema se não é novo para o arguido não é novo para o MP.

Aqui chegados, cremos justificar-se terminar como o Conselheiro Lopes da Mota, “parece que não há dúvidas de que se o facto invocado tivesse sido conhecido em julgamento o arguido seria absolvido. O que justifica a autorização da revisão”.

E, por outro lado, também não constitui óbice à autorização da revisão a circunstância de o facto novo ter a virtualidade de descriminalizar, transmutar, degradar, o crime em contra-ordenação será suficiente para se poder afirmar que está em causa a justiça da condenação, numa pena, pelo crime de condução sem habilitação legal – quando afinal, “prima facie”, deveria ser condenado numa coima.

A verificação dos pressupostos de que depende a autorização da revisão vale independentemente do facto de o arguido estar condenado apenas por um crime – aquele a que se reporta a revisão - ou ter sido condenado, em sede de concurso real, com outro(s), cuja condenação se manterá, sempre, incólume.

Independentemente de o crime de condução sem habilitação legal ser, ou não, instrumental do crime de furto.

Consideração que, ainda que se pudesse afirmar, aqui não teria qualquer relevo.

Atente-se, desde logo, que o arguido foi aqui condenado em 10 meses de prisão pelo crime de furto e, no dobro, 20 meses de prisão pelo crime de condução sem habilitação legal.

Donde o carácter meramente instrumental deste crime sempre ficaria, irremediavelmente, atenuado, esbatido e matizado, senão, indesmentivelmente infirmado.

É certo que sempre subsistiria a condenação pelo crime de furto.

E que a autorização da revisão implicaria a subsistência de uma condenação e não de uma sentença totalmente, absolutória.

O que aqui releva seria a injustiça da condenação prática do crime objecto imediato do recurso de revisão.

Tanto basta, para se autorizar a revisão.

Independentemente da sua repercussão em termos de medida da pena e da espécie, sendo certo que sempe se manteria a pena pelo crime de furto “qua tale”.

Cremos que entendimento contrário constitui uma interpretação restritiva, não consentida pelo legislador.

Onde este não distingue não deve o intérprete distinguir.

Entendimento contrário restringe a aplicação da norma à situação de o arguido estar punido apenas por um crime. Afastando a possibilidade de o ser em caso de concurso de crimes e a revisão versar apenas sobre um deles.

Sem justificação aparente e sem se atentar na razão de ser inerente ao recurso de revisão.

Em conformidade com tudo o que vem de expor, impõe-se, pois, concluir que no caso estão preenchidos ambos os pressupostos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º CPPenal e, consequentemente, verifica-se fundamento para que possa ser admitida a revisão da sentença condenatória proferida nos autos.

Deve, pois, ser autorizada a revisão.

III. Decisão

Termos em que acorda o Supremo Tribunal de Justiça, em audiência, da 5.ª Secção Criminal em autorizar a revisão, requerida pelo MP, da sentença que condenou o arguido.

Reenvia-se o processo ao Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Criminal de ..., Juiz ....

Sem tributação.

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator, artigo 94.º/2 CPPenal, sendo assinado pelo próprio, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pela Senhora Juíza Conselheira Presidente desta Secção Criminal.

Supremo Tribunal de Justiça, 2025.ABR.23

Ernesto Nascimento – Relator por vencimento.

José Piedade – Juiz Conselheiro Adjunto vencido, conforme declaração de voto junta.

Jorge Jacob – Juiz Conselheiro Adjunto vencido, conforme declaração de voto junta.

Helena Moniz - Juíza Conselheira Presidente da Secção, com voto de desempate

_____________________________________________

Declaração de voto

Como Relator inicial do presente Processo, junto declaração de voto que corresponde ao projecto que formulei:

O Ministério Público veio interpor, nos termos do art.º 449, n.º 1 ali.ª d), Recurso Extraordinário de Revisão da Sentença proferida no proc. n.º 727/22.6..., Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Criminal de ..., Juiz ..., transitada em julgado em 24/06/2024, que condenou o AA pela prática:

— Em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

— como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 20 meses de prisão;

— em cúmulo jurídico das penas parcelares na pena única de 2 anos e 1 mês de prisão efectiva.

*

O requerimento de recurso contém as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso extraordinário de revisão, interposto pelo Ministério Público com fundamento na al. d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal.

2. A sentença proferida nestes autos, condenou o arguido na pena parcelar de 20 (vinte) meses de prisão efectiva, em meio prisional, dando-se como provado, em súmula e para além do mais, que o arguido AA, a 04.12.2022, conduziu um veículo automóvel sem que fosse titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir aquele veículo.

3. Porém, no processo comum singular n.º 461/22.7..., foi o arguido AA absolvido da prática do mesmo crime de condução sem habilitação legal, dando-se como provado que, a 07-11-2022, o arguido conduziu um veículo automóvel sendo possuidor da licença de condução n.º ... que lhe permitia a condução de ciclomotor e motociclos de cilindrada não superior a 50 centímetros cúbicos, válida até 12 de Novembro de 2044.

4. Tal licença de condução, conforme resulta agora documentalmente comprovado nestes autos, foi emitida pela Câmara Municipal de ..., após requerimento de troca apresentado pelo arguido no dia 18-06-1999, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 209/98, de 15 de Julho.

5. Assim, à data da prática dos factos julgados nestes autos, parece que o arguido era titular de uma licença de condução de ciclomotor e motociclo não superior a 50cm3 válida e, por isso, equiparada a carta de condução da categoria AM.

6. Com efeito, a conduta do arguido não preenche o ilícito criminal pelo qual foi condenado, mas sim a prática da contra-ordenação, prevista pelo artigo 123.º, n.º 3, al. a), do Código da Estrada que comina com uma contra-ordenação aquele que conduzir veículos de qualquer categoria ou tipo de veículo para os quais a respectiva carta de condução não confira habilitação.

7. Foram juntos aos autos novos meios de prova que inexistiam no processo aquando da sentença proferida (certidão junta aos autos principais a fls. 234 a 237) e, perante o exposto, existem sérias dúvidas sobre a justiça da condenação - a constatar-se que o condenado é titular daquela licença de condução válida tal justificará a sua absolvição, sendo a decisão proferida nos autos materialmente injusta, tanto mais, que implica a perda da liberdade do condenado.

Termos em que se requer seja autorizada a revisão da sentença proferida nestes autos, transitada em julgado, seguindo os autos os demais termos, conforme previsto no artigo 547.º, n.º 1, do Código de Processo Penal”.

*

Em 1ª Instância o recurso foi admitido e determinada a junção aos autos da prova documental constituída pela licença de condução de velocípedes com motor, emitida pela Câmara Municipal de ..., em 21.02.1997.

*

O arguido não respondeu ao recurso.

*

Neste Tribunal o Sr.º Procurador Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso de revisão, escrevendo nomeadamente:

“Constitui jurisprudência constante deste tribunal a de que, para efeitos de admissibilidade da revisão com fundamento no n.º 1, al. d), deste preceito, são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; “novos” são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.

Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; a novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova.

(…)

Ora, o Ministério Público recorre aqui por considerar “novo” o facto de o arguido ser titular de licença de condução de ciclomotor e motociclos de cilindrada não superior a 50 centímetros cúbicos à data em que conduziu o veículo automóvel que esteve na base da sua condenação nestes autos por crime de condução sem habilitação legal.

No entanto, este facto existe desde 21.02.1997 e perdura desde então até hoje, conforme documentos juntos a estes autos em 14.02.2025.

Trata-se, assim, de um facto necessariamente conhecido da parte que dele beneficiaria à data da condenação e que nunca foi por ela usado por motivos que não trouxe aos autos, não obstante as sucessivas condenações por este crime, conforme resulta do ponto 7 dos factos provados fixados na sentença Juízo Local Criminal de ....

Assim sendo, não estamos aqui perante um facto novo, no sentido jurídico que lhe vem sendo dado pela jurisprudência do STJ. O que aconteceu aqui foi que, perante uma situação de facto semelhante – condução de veículo automóvel sem habilitação legal – dois tribunais aplicaram um conjunto diferente de normas legais, o que conduziu a dois desfechos também diferentes.”

*

Com interesse para a decisão a proferir são os seguintes os factos provados na Sentença cuja revisão se pede:

“1. No período compreendido entre as 21h30m e as 23h00m do dia 04/12/2022, o arguido AA dirigiu-se à viatura automóvel com a matrícula ..-..-NI, da marca Opel, modelo Corsa, pertencente à empresa S..., Lda., de que BB na rua ..., em ....

2. Aí chegado, o arguido fez uma ligação direta para ligar o motor do veículo, utilizando para o efeito uma gazua que detinha consigo e conduziu-o até à cidade do ..., local onde a viatura foi apreendida pela PSP da Esquadra do ... e entregue ao representante legal da sociedade ofendida.

3. O arguido conduziu aquele veículo sem ser titular de carta de condução.

4. O arguido sabia que não possuía habilitação que lhe permitisse conduzir veículos automóveis na via pública, mas não se absteve de conduzir nas circunstâncias supra descritas.

5. O arguido sabia, igualmente, que se apoderava da viatura automóvel, que bem sabia não lhe pertencer, sem o consentimento e contra a vontade do seu dono, o que quis e conseguiu;

6. O arguido atuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Dos autos:

7. O arguido tem averbadas no seu certificado do registo criminal as seguintes

condenações:

a) No âmbito do processo 70/2001, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de

Ferreira, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 350$00, aplicada por sentença transitada em julgado em 01/10/2001, pela prática, em 09/08/2001, de um crime de condução sem habilitação legal; pena essa declarada extinta;

b) No âmbito do processo 164/02.9..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ... por sentença transitada em julgado em 11/02/2003, pela prática, em 14/04/2002, dos crimes de condução sem habilitação legal e desobediência; pena essa declarada extinta;

c) No âmbito do processo 368/01.1..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ..., na pena de 6 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa prática, em 05/11/2001, de um crime de condução sem habilitação legal; pena essa declarada extinta;

d) No âmbito do processo 92/03.0..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ..., na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, aplicada por sentença transitada em julgado em 13/10/2003, pela prática, em 26/08/2003, de um crime de condução sem habilitação legal; pena essa declarada extinta;

e) No âmbito do processo 348/05.8..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ..., na pena única de 10 meses de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 12/05/2008, pela prática, em 28/06/2005 e 28/07/2005, de dois crimes de condução sem habilitação legal;

f) No âmbito do processo 256/08.0..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal de ... transitada em julgado em 03/09/2012, pela prática, em 18/02/2008, de um crime de furto qualificado; pena essa declarada extinta;

g) Pelo Tribunal Correcional de Clermont-Ferrand, em França, em pena de multa

substituída por vigilância judiciária, aplicada por decisão transitada em julgado em 24/06/2013, pela prática, em 27/01/2013, de um crime de furto após violação de propriedade privada; pena essa declarada extinta;

h) Pelo Tribunal Correcional de Clermont-Ferrand, em França, em pena de multa,

aplicada por decisão de 18/03/2014, pela prática, em 27/11/2013, de um crime de dano;

i) Por Tribunal Francês, na pena de 3 meses de prisão, aplicada por sentença transitada em julgado em 02/04/2016, pela prática, em 22/11/2014, de um crime de dano por fogo; pena essa declarada extinta.

j) Por Tribunal Francês, na pena de 6 meses de prisão, aplicada por sentença transitada em julgado em 01/11/2015, pela prática, em 16/06/2015, de um crime de ofensa à integridade física; pena essa declarada extinta.

k) No âmbito do processo 178/22.2..., do Juízo Local Criminal de ..., na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, com regime de prova, aplicada por sentença transitada em julgado em 23/05/2022, pela prática, em 02/04/2022, de um crime de condução sem habilitação legal; suspensão essa que foi revogada e determinado o cumprimento da pena principal por decisão transitada em julgado em 02/06/2023.

l) No âmbito do processo 854/22.0..., do Juízo Local Criminal de ..., J..., na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, aplicada por sentença transitada em julgado em 17/04/2023, pela prática, em 10/10/2022, de um crime de desobediência.

m) No âmbito do processo 39/22.5..., do Juízo de Competência Genérica de ... J..., na pena de 12 meses de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 29/05/2023, pela prática, em 23/09/2022, de um crime de condução sem habilitação legal.

n) No âmbito do processo 348/05.8..., do Juízo Local Criminal de ..., J..., na pena única de 9 meses e 22 dias de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, aplicada por sentença transitada em julgado em 29/09/2022, pela prática, em 28/06/2005 e 28/07/2005,

de dois crimes de condução sem habilitação legal; pena cujo cumprimento em meio prisional foi ordenado por despacho transitado em julgado em 16/01/2023.

o) No âmbito do processo 669/22.5..., deste Juízo Local Criminal J..., na pena de 17 meses e 29 dias de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 01/02/2023, pela prática, em 13/11/2022, de um crime de condução sem habilitação legal.

p) No âmbito do processo 659/22.8..., do Juízo Local Criminal de ... J..., no julgado em 27/03/2023, pela prática, em 31/10/2022, de um crime de desobediência.

q) No âmbito do processo 84/22.0..., do Juízo Local Criminal de ... J..., na pena de 1 ano de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 03/07/2023, pela prática, em 24/03/2022, de um crime de condução sem habilitação legal.

r) No âmbito do processo 462/22.5..., do Juízo Central Criminal de ... J..., na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão efetiva, aplicada por acórdão transitado em julgado em 17/11/2023, pela prática em 26/11/2022, de um crime de condução sem habilitação legal, em 26/11/2022, de um crime de furto simples, em 12/12/2022 de um crime de furto qualificado, em 12/12/2022 de um crime de condução sem habilitação legal e em 30/11/2022 de um crime de condução sem habilitação legal;

s) No âmbito do processo 413/22.7..., do Juízo Local de Pequena Criminalidade do ... J..., na pena única de 16 meses de prisão efetiva, aplicada por sentença transitada em julgado em 29/11/2023, pela prática, em 05/10/2023 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência.

Das condições pessoais do arguido:

8. O processo de socialização de AA decorreu em contexto familiar disfuncional, exposto a situações de violência doméstica, protagonizadas pelo progenitor e dirigidas quer ao cônjuge, quer aos dois filhos do casal.

9. A separação dos pais terá ocorrido quando AA tinha entre os 10/11 anos, tendo a mãe assumido a guarda dos dois filhos menores, sendo o arguido o mais novo.

10. Apresenta habilitações literárias ao nível do 4º ano de escolaridade, com um percurso escolar marcado por várias retenções.

11. AA desde cedo evidenciou atitudes de rebeldia, sendo frequente sair de casa durante vários dias, permanecendo escondido e só regressando quando entendia.

12. Na escola tinha comportamento adequado com os professores, mas mantinha-se sempre envolvido em problemas com os colegas.

13. Apresenta um trajeto laboral diversificado e com grande mobilidade entre empregos, iniciado cerca dos 14 anos, tendo em 2007 emigrado para França onde se manteve até 2021.

14. Naquele país, trabalhou maioritariamente na área da construção civil, tendo o regresso a Portugal ocorrido na sequência de uma ordem judicial de um tribunal francês, contestada por AA.

15. Durante o período em que permaneceu em França, AA estabeleceu uma relação afetiva com uma cidadã francesa, existindo dois filhos gémeos desta relação que terão 10/11 anos.

16. Tem ainda dois filhos mais velhos (20 aos e 12/13 anos) de diferentes relacionamentos que manteve quando ainda se encontrava em Portugal.

17. Nos vários relacionamentos são referidos problemas de violência, abuso físico e emocional.

18. Com o regresso a Portugal em meados de 2021, AA reintegrou o agregado da mãe e padrasto, tendo iniciado atividade profissional numa empresa têxtil, a qual manteve apenas durante cerca de três meses.

19. Embora integrado num agregado estruturado, com a mãe e o padrasto a apresentar uma dinâmica relacional funcional, AA começou a evidenciar atitudes de

oposição, criando instabilidade e focos de tensão, sobretudo com o padrasto.

20. Assim, este curto período de estabilidade foi sucedido de abandono da atividade laboral, deixando de pernoitar na habitação materna, utilizando este espaço apenas para fazer a sua higiene ou para fazer refeições.

21. AA passou a pernoitar habitualmente em casa de uma namorada ou no carro, acabando por abandonar definitivamente a residência, situação que vivenciava à data da atual reclusão.

22. AA revela tendência para a desvalorização da prática criminal, adotando um discurso assente em sentimentos de revolta e vitimização.

23. À data dos factos correspondentes ao presente processo, AA não apresentava residência fixa, pernoitando em casa de amigos.

24. Encontrava-se a cumprir a pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, subordinada a regime de prova, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo 178/22.2... do Juízo Local Criminal de ....

25. O processo de acompanhamento foi iniciado em junho de 2022, assumindo o arguido inicialmente uma postura de recetividade à intervenção da DGRSP, passando depois a não responder às tentativas de contacto, inviabilizando a intervenção da DGRSP.

26. Mantinha uma posição de recusa em fornecer a morada a estes serviços no âmbito do referido acompanhamento, bem como de solicitações efetuadas ao abrigo de outros processos judiciais, acedendo apenas ocasionalmente a tentativas de contacto telefónico e/ou por correio eletrónico.

27. Neste contexto e condições de vida, apresentava grande vulnerabilidade pessoal, pela ausência de um espaço habitacional e pela condição de desempregado, passando a evidenciar um quotidiano desorganizado e consumo de estupefacientes.

28. Subsistia com a atribuição de uma pensão vitalícia de invalidez, atribuída pelo governo assegurar as necessidades básicas, num quadro de desorganização pessoal.

29. Ainda chegou a regressar à habitação materna, quando, por decisão judicial, foi ponderada a possibilidade de cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, a qual não foi aplicada de imediato, agravando-se a instabilidade do arguido, com consequente determinação por parte do padrasto de abandonar definitivamente a residência.

30. Face a estes antecedentes comportamentais de AA, o padrasto recusa-se a receber novamente o arguido em casa, estando comprometida a relação entre ambos.

31. A mãe do arguido apoia a decisão do companheiro, suportada não só pela vivência conjugal de vários anos, uma vez que o casal vive em união de facto há mais de 34 anos, como pela dificuldade em acreditar numa mudança comportamental do filho/arguido, compatível com uma convivência familiar salutar e equilibrada.

32. O casal encontra-se a residir desde janeiro de 2022 na Travessa de ... em ..., não sendo apontadas alternativas habitacionais para AA aquando da sua restituição ao meio livre.

33. Apesar de estes familiares terem em tempo mencionado que, durante o atual período de prisão, AA adotaria um tom ameaçador nos contactos telefónicos que estabelecia com a mãe, esta visita-o em meio prisional, adotando uma postura ambivalente.

34. Assim, apesar de visitar o filho/arguido em meio prisional e lhe transmitir o seu apoio, refere que o faz para evitar uma postura mais agressiva e hostil da parte deste, uma vez que o consideram incapaz de inverter a sua conduta, o que reforça a decisão do casal em não receber novamente o arguido na sua residência.

35. Na GNR de ..., AA está conotado com comportamentos associados a consumos de substâncias ilícitas e suspeitas de comportamentos desviantes, sendo ainda referenciado como um indivíduo problemático, apresentando assim uma imagem social desfavorecida.

36. AA encontra-se preso no Estabelecimento Prisional do ... desde 13/12/2022, por determinação da sua prisão preventiva à ordem do proc. 462/22.5...

37. No entanto, em 03/02/2023, foi colocado à ordem do proc. 348/05.8... do Juízo Local Criminal de ... Juiz ..., para cumprimento da pena de 9 meses e 22 dias de prisão.

38. AA beneficiou do perdão ao abrigo da Lei 38-A/2023, pelo que em 01/09/2023 foi colocado à ordem do proc. 178/22.2... do Juízo Local Criminal de ... Juiz ....

39. Durante a sua permanência em meio prisional, AA tem, num passado recente, revelado dificuldades em manter uma conduta ajustada às normas institucionais, uma vez que em 07/12/2023 foi punido com repreensão escrita por envolvimento em altercação na enfermaria.

40. Estas dificuldades refletiram-se na vertente ocupacional, uma vez que se encontrava colocado a trabalhar como faxina do pavilhão desde 03/02/2023, tendo transitado para faxina da enfermaria em 14/04/2023, na sequência de um problema de saúde (fratura de um membro superior), onde permaneceu até 26/09/2023, data em que foi retirado da colocação laboral.

41. Ao nível da problemática aditiva, AA afirma-se abstinente, não valorizando a necessidade de recorrer a acompanhamento clínico, entendendo que as substâncias que consumia (haxixe e cocaína), não se constituem como determinantes para gerar dependência”.

*

*

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Colhidos os vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

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Conforme é sabido, os Recursos Extraordinários de Revisão, previstos nos art.ºs 449 a 466 CPP, constituem um meio processual destinado a reparar erros judiciários, que pela sua importância, se impõe serem reparados, e justifiquem a prevalência do princípio da Justiça material sobre o imperativo geral da segurança Jurídica e da regra do caso Julgado. Abrange as Sentenças transitadas em julgado, e os despachos, também transitados, que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP.

Em tais excepcionais casos, o princípio expresso no brocardo latino res judicata pro verirate habetur (a coisa julgada tem-se por verdade) tem de ceder se estivermos perante uma Sentença (ou decisão final) que contradiga ostensivamente a verdade histórica ou material, e por causa disso se mostre inaceitavelmente injusta.

Estes recursos, têm consagração Constitucional restrita às condenações, no art.º 29.º, n.º 6, da CRP: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

Comportam os recursos de revisão duas fases – a fase do juízo rescindente a ser decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça; a fase do juízo rescisório, que tem lugar apenas quando é autorizado o pedido de revisão e o processo baixa à 1ª instância para novo Julgamento.

Estando-se na faze do juízo rescindente, por este Tribunal, tem de se analisar se existe fundamento legal para conceder a pedida revisão.

*

No caso, o recurso é formulado pelo Ministério Público e fundamenta-se, em síntese, no seguinte:

Encontrando-se o AA condenado pela prática de um crime de furto e um crime de condução sem habilitação legal, impugna-se a decisão proferida no que respeita o crime de condução sem habilitação legal, porque “atentos os novos meios de prova juntos aos autos, se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Alega-se que posteriormente foi junta a certidão da Sentença no Processo Comum Singular n.º 461/22.7..., do Juiz ..., do Juízo Local Criminal do ... que absolveu o arguido da prática de um crime de condução sem habilitação legal “por ter sido dado como provado que, à data dos factos, ocorridos a 07 de novembro de 2022, o arguido era titular da licença de condução n.º ..., emitida pela Câmara Municipal de ..., configurando-se assim a sua conduta como uma contraordenação prevista pelo artigo 123.º, n.º 3, al. a), do Código da Estrada”.

“Aquela licença de condução foi pelo arguido requerida, a 18 de junho de 1999, por troca da licença de condução de ciclomotores n.º 23916, ao abrigo do artigo 47.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 209/98, de 15 de julho, sendo válida até 12 de Novembro de 2044”.

Afirma-se depois que “estando válida aquela licença de condução n.º ... titulada pelo arguido e sendo equiparada a carta de condução da categoria AM, conforme estabelecido pelos artigos 3.º, n.º 2, al. a) e 62.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho, a conduta do arguido não preenche o ilícito criminal pelo qual foi condenado, mas sim a prática da contra-ordenação, prevista pelo artigo 123.º, n.º 3, al. a), do Código da Estrada que comina com uma contraordenação aquele que conduzir veículos de qualquer categoria ou tipo de veículo para os quais a respetiva carta de condução não confira habilitação”.

Conclui-se que “existindo estes novos meios de prova invocados que inexistiam no processo aquando da sentença proferida (certidão junta aos autos principais a fls. 234 a 237) e existindo sérias dúvidas sobre a justiça da condenação - a constatar-se que o condenado é titular daquela licença de condução válida tal justificará a sua absolvição, sendo a decisão proferida nos autos materialmente injusta, tanto mais, que implica a perda da liberdade do condenado -, impõe-se a autorização de revisão da sentença, por força do disposto no artigo 449º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Penal”.

Acrescenta-se que “a constatar-se que o condenado é titular daquela licença de condução válida tal justificará a sua absolvição, sendo a decisão proferida nos autos materialmente injusta, tanto mais, que implica a perda da liberdade do condenado”.

*

Vejamos:

Os fundamentos, do supra-caracterizado, recurso de revisão encontram-se taxativamente fixados no art.º 449 do CPP (fundamentos e admissibilidade da revisão), sendo no caso indicado o do n.º 1, al.ª d) — “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando (…) se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Efectuando, a este respeito, uma breve resenha histórica refira-se que nos últimos anos da vigência do CPP de 1929 (que previa o recurso de revisão), e no início da vigência do actual Código de Processo Penal prevaleceu o entendimento de que factos ou meios de prova novos, seriam aqueles que não tivessem sido apresentados no Julgamento em causa, mesmo que não ignorados pelo arguido no momento em que o Julgamento teve lugar.

Porém, esse entendimento foi abandonado pelo Supremo Tribunal de Justiça, constituindo, actualmente, Jurisprudência sedimentada e uniforme que “factos ou meios de prova novos” — para os efeitos previstos no art.º 449, n.º 1, al.ª d) do CPP — não são aqueles que, simplesmente, não foram apresentados no Julgamento, mas aqueles que não poderiam ser apresentados porque eram ignorados, não eram do conhecimento do sujeito processual interessado.

Assim já se entendia no Acórdão deste Tribunal de 17/03/2010 (Santos Cabral), publicado no sítio www.dgsi.pt: “factos novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste”.

Continuou a entender-se, por exemplo, no Acórdão do STJ de 18.04.2012, (publicado no sítio www.dgsi.pt): “(…) apenas são novos os factos e meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão. Se, ao invés, o recorrente conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença”.

E continua a entender-se nos Acórdãos mais recentes, citados no parecer do Ministério Público neste Tribunal, entre eles o de 21.02.2024: “(…) factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados até ao fim do mesmo. Se o arguido conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova.”

No caso, o arguido/condenado teria — segundo foi considerado provado na Sentença posterior que o recorrente invoca — uma licença de condução de “ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50 cm cúbicos” (não de automóveis), emitida pela Câmara Municipal de ..., válida até 12/11/2044.

Mais se afirma no recurso — embora não conste da matéria provada invocada — que essa licença foi “requerida, a 18 de junho de 1999, por troca da licença de condução de ciclomotores n.º 23916, ao abrigo do artigo 47.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 209/98, de 15 de julho.

Ora, e como é evidente, o arguido já teria essa licença de condução de ciclomotores, quando teve lugar o Inquérito e posterior Julgamento nos presentes autos (segundo o próprio MP afirma: “este facto existe desde 21.02.1997 e perdura desde então até hoje, conforme documentos juntos a estes autos em 14.02.2025”.

No entanto, nunca invocou esse facto ou juntou esse meio de prova, atinente ao crime de condução sem habilitação legal, que aqui se mostra instrumental — sublinha-se, porque não é irrelevante — do crime de furto praticado; não o fez antes ou durante o Julgamento, e teve, como é evidente, a possibilidade processual de o fazer.

Verifica-se, aliás, que o AA averba, desde 2001, 14 condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal (para além de 4 pela prática do crime de Desobediência, e 3 por crimes de Furto), nunca tal facto parecendo ter sido invocado (ou se o foi, terá dado origem a decisão de Direito diversa).

Dado este contacto frequente com as Autoridades Policiais e Judiciárias, redundará em mera especulação considerar-se que vivia numa ignorância total acerca da possibilidade de se defender com a posse de licença de condução de velocípedes, por isso nunca o tendo feito.

Tendo presente todas estas circunstâncias — e independentemente da solução a que se chegou na Sentença posterior referida pelo recorrente, cujo mérito agora não está aqui em causa —, não estamos perante um facto ou meio de prova novo, no sentido em que estes conceitos são entendidos pela referenciada Jurisprudência deste Tribunal.

Aqui chegados, tem agora de se observar que toda a Jurisprudência referenciada parece ter sido formada com base em recursos de revisão interpostos pelo arguido/condenado.

No presente caso, o recurso foi interposto pelo Ministério Público.

Assiste-lhe essa legitimidade para requerer a revisão, relativamente a qualquer decisão (absolutória ou condenatória), nos termos art. 450.º do CPP, n.º 1, al. a, do CPP.

Neste caso, dado que se trata de uma Sentença condenatória, tem de se entender que aqui o faz, primacialmente, no interesse do arguido/condenado, e reflexamente em defesa da legalidade (que orienta, necessariamente, toda a actividade do Ministério Público como órgão de Justiça).

Essa faculdade de recorrer, “ainda que no exclusivo interesse da defesa” está expressamente prevista no art.º 53, al.ª d), e 401, n.1, al.ª a) do CPP.

O próprio Ministério Público neste Tribunal parece partir deste pressuposto, dado que nenhuma referência, ou ressalva, faz a esse respeito, ao defender a negação da revisão, porque se trata “de um facto necessariamente conhecido da parte que dele beneficiaria à data da condenação e que nunca foi por ela usado por motivos que não trouxe aos autos, não obstante as sucessivas condenações por este crime”.

Ora, considerando-se que o recurso de revisão, embora interposto pelo M.º P.º, o foi no interesse do arguido/condenado, único que dele poderia beneficiar, tem de se entender que a citada Jurisprudência abrange este caso.

Com efeito, a razão de ser, a “ratio” da hermenêutica veiculada nessa Jurisprudência, consiste em os factos ou meios de prova já serem conhecidos do sujeito processual que deles poderia beneficiar, e nessa medida não se tratar de “factos ou meios de prova novos”.

Repetindo, a posse de uma licença de condução de ciclomotores que — sem discutir, por não ser este o lugar, a razoabilidade da opção legislativa de retirar cariz criminal à conduta, conferindo-lhe apenas uma natureza contra-ordenacional (conduzir ciclomotores não é o mesmo que conduzir automóveis, e a concessão de uma licença em tais casos, assenta em pressupostos completamente diversos e de muito menor exigência) — era necessariamente do conhecimento do arguido, pelo que não pode ser havido como um “novo” elemento de prova.

Deste modo, onde permanece a mesma razão, deve permanecer a mesma interpretação e aplicação do Direito.

Regra da hermenêutica Jurídica que já nos vem do Direito Romano (no seu apego às fórmulas sintéticas e lapidares, sempre actuais): “ratio ubi eadem, ibi ius idem esse debet” — onde há a mesma razão, ali deve existir o mesmo Direito.

Por estas razões, no recurso de revisão de Sentença condenatória, interposto pelo M.º P.º no interesse do arguido/condenado, deve entender-se — à semelhança dos recursos interpostos pelo próprio arguido/condenado — que “factos ou meios de prova novos”, para os efeitos previstos no art.º 449, n.º 1, al.ª d) do CPP, são aqueles que não eram do conhecimento do sujeito processual que deles poderia beneficiar ao tempo do Julgamento, e por isso não puderam ser apresentados até ao fim do mesmo.

Em complemento, tem de se observar que a consideração do meio de prova oferecido no recurso, apenas poderia conduzir à absolvição da prática do crime de condução sem habilitação legal, que — tal como já referido — se constitui como instrumental do crime final que é o de furto do automóvel, permanecendo em qualquer caso, a condenação por este.

Ou seja, subsistiria uma Sentença condenatória, não implicando qualquer que fosse a solução de Direito, uma substituição por uma Sentença, totalmente, absolutória.

Neste enquadramento, para além de não se estar perante novos elementos de prova, não é certo e seguro que da apreciação dessa prova, resultasse uma alteração da espécie da pena (e não apenas da sua medida).

Tendo presente o sentido da Jurisprudência deste Tribunal que se tem vindo a referenciar, é também constante na mesma a exigência de não bastar “o surgimento de novos elementos de prova, é preciso que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, dúvidas essas que, além de graves, sejam também aptas a colocarem em causa, de forma séria, a condenação do recorrente” — cfr. o recente Acórdão deste Tribunal de 12/12/2024 (onde também se citam vários outros).

Não existem, no caso, razões suficientes para “ofender”, de forma tão flagrante, a regra — fundamental para o normal funcionamento de um Estado de Direito — do caso Julgado, e fomentar uma tal insegurança e incerteza jurídica.

Em conclusão, tem de se considerar que se não verifica o fundamento da revisão, previsto no art.º 449, n.º 1, al.ª d) do CPP, invocado pelo recorrente, pelo que o pedido de revisão da Sentença proferida nos presentes autos, deve ser negado.

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Nos termos relatados, decide-se negar a revisão da Sentença proferida nestes autos, pedida pelo Ministério Público.

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Sem custas, por não serem devidas pelo recorrente (art.º 522, n.º 1, CPP).

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Lisboa, 03/04/2024

José Piedade

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Declaração de voto

Vencido, em conformidade com a posição que sustentei relativamente ao projecto do relator inicial. Negaria a revisão por entender que não se verifica o fundamento previsto no art.º 449, n.º 1, al. d), do CPP, invocado pelo recorrente.

Jorge Miranda Jacob