RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
ILICITUDE
FINS DAS PENAS
LAPSO MANIFESTO
CORREÇÃO DE ERROS FORMAIS
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - Nas situações prevenidas como tráfico de menor gravidade estão contemplados quadros reveladores de diminuída ilicitude, decorrentes do tipo de meios utilizados, do tempo, da modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objeto do tráfico, de onde possa transparecer um retrato de mais pequena monta e/ou significado.
II - Ante imagem global com contornos relativos a significativo período temporal em que o arguido exerceu a atividade de tráfico de estupefacientes, ao espaço geográfico onde tudo ocorreu, às quantidades que foram sendo transacionadas/fornecidas e modo em que tal operou - regularidade, frequência, clientela mais ou menos estabilizada e fiel, tipo de produtos em causa - heroína e droga sintética, esta altamente viciante e perigosa, potenciadora de consumo de outras drogas, não se afigura ocorrer qualquer diminuição da ilicitude.
III - Em caso de fronteira entre o ilícito penal previsto no art. 21.º e o tratado no art. 25.º, ambos do DL n.º 15/93, de 22-01, o legislador aponta para que se aplique o crime regra - o do art. 21.º - permitindo que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do art. 25.º, reservando esta fattispecie, apenas e só, para outras situações em que a licitude se encara com muito menor acuidade/dimensão.
IV - Há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram firmadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei, sendo que observados os critérios globais insertos no art. 71.º do CP, a margem do julgador dificilmente pode ser sindicável.

Texto Integral


Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal

I – Relatório

1.No processo nº 2291/22.7... (comum coletivo) da Comarca dos Açores - Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz ..., figurando como arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascido a .../.../1989, solteiro, residente na Rua ..., realizado o julgamento, foi proferido Acórdão em 30 de outubro de 2024, tendo-se decidido condenar aquele, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, com referência às Tabelas I-A e I-C, anexas àquele diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.

2.Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que, por despacho proferido em 10 de março de 2025 – Referência Citius ......15 –, se considerou incompetente para pronunciamento e competente este STJ, nos termos do plasmado no 432º, nºs 1, alínea c) e 2 do CPPenal.

Da motivação apresentada, retiram-se as seguintes conclusões: (transcrição)

1- O presente recurso tem por objecto o douto acórdão que condenou o arguido na pena de cinco anos e dois meses de prisão.

2- A discordância com a decisão do Tribunal a quo acontece por este subsumir a atividade do arguido dada como provada em autoria material e na forma consumada, do crime de tráfico p.p. pelo artº.21º, nº.1 do DL 15/93, de 22.1 e tabelas I-A, II-A.

3- Atendendo que houve uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável, pois o crime que lhe deve ser imputado é o crime material e na forma consumada, na prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes de Menor gravidade, p. p. pelos artºs.13º, 14º, nº.1, 26º, 3ª parte do CP e artºs.21º, nº.1 e 25º do DL 15/93 de 22.1, por referência às Tabelas I-A e I C anexas àquele diploma legal.

4- O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 25ºal. a) do Decreto-Lei n.º15/93 de 22 de janeiro, já que, atenta a matéria de facto dada como provada era neste tipo que deveria ter enquadrado a atuação do arguido e não artigo 21º n.º 1 do citado diploma legal.

5- A ilicitude do facto releva-se consideravelmente diminuída atenta a própria condição de consumidor do arguido e as pequenas quantidades vendidas que foram dadas como provadas.

6- Por outro lado, as circunstâncias decisivas, os meios pouco desenvolvidos, utilizados pelo arguido, a modalidade da ação, a quantidade de produto que foi vendido, não ter sido encontrado e apreendido produto estupefaciente na casa do arguido e o tempo que durou a atividade realizada pelo arguido legitimam que a ilicitude seja consideravelmente diminuta, não se justificando, com o devido respeito, que o mesmo fosse condenado como autor do crime do artº.21 …antes sim, como já acima afirmado, como coautor do crime do artº.25º do citado diploma legal.

7- Além de que, o arguido não tem qualquer condenação anterior pela prática de crime de tráfico, nem da mesma natureza, mas sim de um crime de furto de veículo e dois crimes de roubo a residência (certificado de Registo Criminal junto aos autos a 11/09/2024, referência citius: .....65) e a pobreza em que vivia são indicadores de que o arguido não se dedicava à traficância, atividade bastante lucrativa.

8- O que nos indica que no caso em apreço atendendo à factualidade dada como provada incluindo a sua condição de consumidor, revela que a atuação do arguido só poderá ser subsumida no art.º 25º do citado diploma legal – no crime de Trafico de Menor Gravidade.

9- Desta forma, atendendo às razões explanadas deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, o arguido ser condenado pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes de Menor Gravidade, p. e p. pelo art.º 25º do DL 15/93 de 22 de janeiro, numa pena de prisão inferior a cinco anos, sendo esta suspensa na sua execução.

10- No que respeito diz à concreta medida da pena – cinco anos e dois meses de prisão – aplicada ao arguido considera-se desproporcional e injusta pois não levou em linha de conta um conjunto de circunstâncias atenuantes que ditavam decisão distinta.

11- Apontou a decisão recorrida como circunstâncias dessa pena, “o grau de ilicitude da conduta e da culpa é mediano atenta a sua concretização; a natureza dos produtos visados; quantidade; à persistência na atividade criminosa e aos meios usados”

12- Verdade é que cabia ao tribunal recorrido na ponderação das circunstâncias atenuantes da conduta do arguido levar em linha de conta outros parâmetros que os autos transmitem, como seja, o arguido não ter antecedentes criminais por este tipo de ilícito, nem da mesma natureza, ao contrário do referido na douta sentença, mas sim contra o património por um crime de furto de veículo e dois crimes de roubo a residência, conforme resulta do seu certificado do Registo Criminal, a sua situação de toxicodependência, o curto período de atividade ilícita do arguido e do seu estado de pobreza é notório que o arguido não vivia do comércio de estupefacientes mas sim e apenas da necessidade para o seu próprio consumo.

13-. Per si a conjugação de todos estes elementos deveriam focar o tribunal recorrido na sujeição do arguido a uma pena de prisão rondando os mínimos legais, ou seja, numa pena inferior a 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução.

14- Por outro lado, a decisão recorrida e a convicção nela aposta a priori encara como sinónimo de prisão efetiva a condenação por um crime de tráfico de estupefacientes;

15- A aplicabilidade de pena de prisão efetiva ao arguido mostra-se danosa quer no futuro profissional quer a nível pessoal e familiar do mesmo.

16- Em síntese, o tribunal recorrido executou uma interpretação restritiva da conduta do arguido – e respetivo enquadramento jurídico - ignorando um conjunto de atenuantes que justificavam a condenação numa pena de prisão de inferior a 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução – ainda que sujeita às injunções tidas por convenientes – por manifestamente desproporcional, substancialmente injusta e inadequada, deverá a decisão recorrida ser revogada por atentatória do disposto no art.º 70º, 71º, nº 1 e 2, alíneas c), d) e), todos do C. Penal.

3.O Digno Ministério Público, junto do Tribunal de 1ª Instância, respondendo e defendendo a improcedência do recurso conclui: (transcrição)

1. O Tribunal explicou como e porquê que entendeu que o autor dos factos dados como provados foi o recorrente e em que elementos de prova se baseou, designadamente, depoimentos da testemunhas, e da restante prova produzida durante o julgamento, em concreto explica com exatidão porque considerou provado que o recorrente foi o autor dos factos, designadamente o Tribunal refere que se baseou-se no depoimento das testemunhas que depuseram e que frequentavam a casa do recorrente, que localizaram no tempo e no espaço, tal como todas se referiram à toxicodependência do arguido que, de toda a forma, vem sinalizada no seu relatório social não impugnado.

2. Em concreto, resulta de forma clara e sem qualquer dúvida dos depoimentos:

- de DD e EE, de que o recorrente a estas testemunhas vendia e/ou cedia droga sintética e heroína.

- do depoimento escorreito e sem titubeações da FF, a qual, de forma imparcial, deu nota das razões que a levaram a frequentar a casa do recorrente, as compras que lhe fez e a disponibilidade que àquele manifestou de ter trato sexual com homens que frequentassem a casa dele no sentido de receber dinheiro para perpetuar o consumo, entregando desse pecúlio uma parte ao arguido em razão de tudo acontecer na sua casa e, também, porque o que todos visavam era a possibilidade de consumirem.

3. Na verdade, o recurso é uma amálgama de ideias numa tentativa de conseguir um enquadramento que o sujeite a uma pena mais baixa.

4. Quanto à errada qualificação jurídica, a nosso ver, as alegações do recorrente não podem colher aplauso quando diz que o Tribunal a quo fez errada qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes, pois no acórdão recorrido, o Tribunal a quo fundamentou nos seguintes moldes a sua convicção quanto à demonstração da factualidade dada como provada, o tribunal formou a sua convicção com base na prova documental junta aos autos, nomeadamente - c.r.c. e relatório social.- conjugados com depoimentos, permitem concluir o que levavam as testemunhas a frequentar a casa do recorrente, era as compras que lhe fizeram e a disponibilidade que àquele manifestou de ter trato sexual com homens que frequentassem a casa dele no sentido de receber dinheiro para perpetuar o consumo, entregando desse pecúlio uma parte ao arguido em razão de tudo acontecer na sua casa e, também, porque o que todos visavam era a possibilidade de consumirem.

5. Além disso, o recorrente previu, quis e conseguiu deter “droga sintética” e heroína, que destinava à venda e ao seu próprio consumo e conhecia as características e o carácter proibido dos produtos estupefacientes que comprava, vendia e cedia a consumidores finais, atuando sempre com o objetivo de auferir proventos económicos de tal atividade ilícita que lhe permitisse fazer face aos seus consumos daqueles produtos estupefacientes, sem recorrer aos proveitos advenientes do trabalho

6. Em conclusão, o comportamento retratado na matéria de facto não deixa dúvidas que o arguido praticou, em autoria material, na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro.

7. Concluindo, deve improceder, assim, a totalidade da pretensão do recorrente.

8. Quanto à medida da pena em causa e a ter-se como correta a subsunção jurídica efetuada -conforme se defende- importa salientar que a mesma se mostra justa e adequada em nada excessiva atentos os circunstancialismos apontados no douto Acórdão, a gravidade dos ilícitos da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial.

9. Por fim sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atinge, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pelo recorrente.

10.Na verdade, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto não existem elementos que nos permitam concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.

11.Bem se sabe que a suspensão da execução da pena não deve ser afastada por virtude da maior ou menor gravidade da culpa do arguido, mas o modo de atuação do arguido e as consequências da sua conduta não podem deixar de ser referidas na medida em que acentuam nitidamente as necessidades de prevenção geral, sendo esta “referida aos efeitos do delito, nas suas dimensões de exemplo negativo para o agente e para a coletividade e, sobretudo, de formulação positiva para integração no todo social…”, in Código Penal anotado Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayete, pág. 178.

12.Assim, entendemos que tal circunstância é também reveladora de que as necessidades de prevenção especial se evidenciam. Caso contrário o Tribunal a quo estava a “branquear” de forma desadequada um comportamento do arguido e com consequência trágicas e com isso se dar um sinal errado de benevolência desproporcionada.

13.Não merece, pois, censura o acórdão recorrido.

4. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer aderindo ao posicionamento tomado pelo Digno Ministério Público em 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, defendendo: (transcrição)1

(…)

é a qualificação jurídica dos factos provados operada pelo Tribunal a quo que o recorrente, desde logo, questiona, rejeitando que enquadrem a prática de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, como se decidiu, defendendo que em causa não está senão um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, e são, depois, a natureza e a medida da pena que lhe foi imposta que põe em causa, considerando a (…) injusta por desproporcional, requerendo a sua redução para uma pena de prisão inferior a cinco anos, suspensa na sua execução.

(…) Da qualificação jurídica dos factos provados.

Sobre a problemática suscitada pelo recorrente, de a sua conduta delituosa integrar tão só a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, desse diploma legal, há que dizer que a distinção entre o tipo fundamental “tráfico e outras atividades ilícitas” p. e p. no art. 21.º e o tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade” assenta na verificação, para o segundo, de uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, aferida em função de um conjunto de itens de natureza objetiva que se revelem no concreto. Nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade do produto, a quantidade detida ou cedida, o espaço temporal em que se levou a cabo a atividade, o espaço geográfico onde se desenrolou e o número de vendas2.

Devendo a avaliação da menor gravidade do tráfico resultar de um juízo global e abrangente sobre a conduta ilícita prosseguida pelo agente, em que o desvalor da acção é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental do tráfico de estupefacientes (o do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), importa atender ao circunstancialismo concreto do caso em presença para aquilatar se pode ser considerado como tráfico de menor gravidade o que se apurou ter sido a conduta prosseguida pelo arguido/recorrente.

Antecipando, não se vê como seja possível, in casu, ter por consideravelmente diminuída a ilicitude do facto, sem o que não se poderá ter por verificado o tipo privilegiado do tráfico de estupefacientes.

Considere-se, a propósito, no que destaca o Ministério Público na 1ª Instância na resposta que apresentou ao recurso:

(…) as drogas vendidas pelo recorrente- heroína e Apha PHP, sendo esta última uma droga psicoativa, assim como as drogas estimulantes, criam adição e, por isso, são especialmente daninhas para a saúde dos consumidores e, reflexamente, para a saúde pública.

É uma droga associada a graves problemas sociais e de saúde. O dependente desta droga acaba desligado da realidade social, com problemas familiares e profissionais e muitas vezes envereda pela criminalidade.

Esta droga constitui o eixo, em valor (não assim em quantidade), do narcotráfico nacional e internacional.

Ora no caso concreto:

- o recorrente traficava heroína e Apha PHP;

- O recorrente traficava como profissão, pois não se apurou que estivesse empregado ou tenha exercido qualquer atividade profissional lícita, com caráter permanente e remunerado;

- vendeu a número indeterminado de consumidores, não apenas os que foram identificados e inquiridos como testemunhas na audiência de julgamento;

Assim, ao contrário do que defende o recorrente não se poderá admitir-se que apenas praticou um tráfico rudimentar e de muito baixa escala para ser enquadro no crime de trafico de menor gravidade.

Em concreto, o conjunto das circunstâncias enunciadas impede de julgar que a ilicitude se apresenta degrada a um patamar tão inferior ao normal que possa qualificar-se de consideravelmente diminuída a conduta do recorrente. Acresce que os “traficantes de rua” não se limitam à mera intermediação na circulação do produto até ao consumidor final.

Por fim sempre se dirá que o dealer de rua não terá de ver sempre a sua responsabilidade enquadrada no dito art.º 25.º, dependendo, naturalmente, de todo os demais circunstancialismo.

Com efeito, numa imagem global dos factos, não se mostra, na verdade, nada evidente uma menor ilicitude da factualidade em questão. Pelo contrário, induz na direção do tráfico comum.

É assim que se apresenta a realidade histórica demonstrada pelos factos provados. O grau de ofensividade à lei e as circunstâncias da ação, estão longe de configurar ilicitude consideravelmente diminuta.

Bem andou o Tribunal recorrido em não considerar que o tráfico exercido pelo recorrente contém, sem dúvida, circunstancias que não permitam subsumi-lo à previsão do art.º 25º al.ª a) do decreto Lei n.º 15/93 de 22.01, mas sim crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

(…)

Ainda na mesma linha de compreensão, o parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa: a matéria de facto apurada (…) não revela que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime previsto no artigo 21º do Dec-lei 15/93 de 22 de janeiro.

E na concretização:

Pelo contrário, o que se constata é que o arguido, através da sua residência e nela, construiu um lugar referencial na ilha do faial, para aquisição e consumo de produto estupefaciente.

O produto que vende, Heroína é considerada uma droga dura, que causa enorme dependência, com efeitos nocivos para a saúde dos consumidores muito evidentes, por outro lado as drogas sintéticas igualmente transacionadas – neste caso referencia-se a PHP ( ou Cocaína Alpha), do grupo da catinona (por consulta em https://www.unodc.org/LSS/Substance/Details/dad53ec7- df 79-4139-bbe57680308db28), são de baixo custo de produção, e especialmente aditivas, o que ponderado acarreta um muito danoso custo social.

Ou seja, da actividade desenvolvida cuja duração apurada nos autos ocorreu durante o ano de 2022 não resulta uma diminuição da ilicitude da conduta, no sentido da diminuição do desvalor da acção , como prefigurado pelo tipo previsto no artigo 25 º da lei 15/93 de 22 de Janeiro. Antes pelo contrário, a actividade desenvolvida é construtora de um núcleo de compra e consumo de estupefaciente , um espaço de referência, e o arguido é o dinamizador do espaço, de que o próprio usufrui, o que revela uma ilicitude em tudo compaginável com aquela prevista no artigo 21º da lei 15/93 de 22 de Janeiro. (…)

E não se diga, como o recorrente, que foi dado como provado que (…) vendeu pouco e que simultaneamente escoava muito (estupefacientes), quando não foi isso aconteceu, já que o que o Tribunal a quo considerou, e bem, na motivação de decisão foi mais exactamente o seguinte: “… pegando nos factos provados vemos que a conduta do arguido…além de não se consubstanciar, na sua integralidade, num retalho, pois apesar de vender a poucos, mantinha um ambiente em que escoava muito produto (destaques meus).

Não há, assim, a menor dúvida sobre o sentido da constatação do julgador, na análise crítica a que procedeu, muito menos confusão ou incoerência.

Finalizando, não se alcança como pudesse ter sido outro o enquadramento jurídico dos factos provados, que não o seguido, da sua subsunção ao tipo legal do crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e I-C anexas, tal como o entendeu o Tribunal a quo.

(…) Da medida da pena aplicada.

Diz-se, na decisão recorrida, na fundamentação da medida da pena aplicada:

(…)

Resulta claro da decisão recorrida que o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que se deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal, social e profissional do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

Não é demais lembrar que nos crimes de tráfico de estupefacientes, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, consideradas a sua frequência e as suas nefastas consequências para a comunidade, pondo em causa uma pluralidade de bens jurídicos como a vida, a integridade física, a liberdade dos consumidores de estupefacientes e a saúde pública, para além de que este tipo de crime potencia outro tipo de ilícitos, como sejam crimes de furto e roubo, causando alarme social, ocorrendo uma efectiva necessidade de desincentivar de

forma eficaz estas condutas, de modo a consciencializar a comunidade em geral para o desvalor das mesmas.

Como se escreveu no acórdão de 05.02.2016, proferido no processo n.º 426/15.5JAPRT, da 3ª Secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos: “O Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade. De facto, estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo que põe em causa, como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991, uma pluralidade de bens jurídicos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública»”

E, no particularismo da Região Autónoma dos Açores, como se assinala na decisão recorrida, (…) as exigências de prevenção geral são bastante elevadas…com especial relevo nesta região tão flagelada pelas consequências associadas ao vício que a droga despoleta.

Com efeito, estamos perante delito que é alvo de grande censura comunitária, e que somos frequentemente confrontados na comarca (infelizmente cada vez mais como é noticiado amiúde) e cujos prejuízos são incalculáveis no que toca à saúde dos consumidos que, a final, é atingida.

Ademais, o forte sentimento de insegurança gerado por situações desta natureza denota a necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade da norma violada, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelo crime. (…)

Por outro lado, as necessidades de prevenção especial são assinaláveis em razão dos antecedentes criminais que já regista, precisamente por crimes de furto de uso e de roubo, determinando a necessidade de uma resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza por parte do arguido/recorrente.

Tudo visto e ponderado, não custa a perceber a fixação da medida da pena em 5 anos e 2 meses de prisão, quantum que, importa precisar, se situa assaz próximo do limite mínimo, abaixo até do primeiro sexto da penalidade abstracta aplicável (de 4 anos a 12 anos de prisão, recorde-se).

E o que se impõe concluir é que, contrariamente ao pretendido, a pena de 5 anos e 2 meses de prisão aplicada ao recorrente, se configura justa, por adequada e proporcional à gravidade dos factos e à personalidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura, pena cuja suspensão na sua execução resulta vedada por lei (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).

(…) emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

Não foi apresentada qualquer resposta.

5. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19953, bem como a doutrina dominante4, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir5.

Posto isto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente, entende-se serem as seguintes as questões suscitadas, ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas:

- integração jurídica dos factos provados;

- pena aplicada excessiva e desadequada – possibilidade de suspensão da execução da pena.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)

A - Factos provados.

(…)

Da acusação:

1.O arguido residiu, pelo menos desde 2020, na residência sita à Rua ...;

O arguido é consumidor de produto estupefaciente;

2.Durante o ano de 2022, o arguido, no interior da sua residência, cedeu, em número concretamente não apurado, a terceiros consumidores produto estupefaciente, mormente heroína e “droga sintética”, recebendo em troca quantias monetárias que variavam entre €10,00 a €20,00 cada panfleto, €30,00 o meio grama e €60,00 um grama;

3.Em datas concretamente não apuradas do ano de 2022, contudo durante cerca de 2 meses, o arguido manteve uma relação amorosa com EE, a qual permanecia na sua residência, sendo que nesse período de tempo o arguido entregou a EE pacotes de sintética e por vezes meios gramas e gramas desse produto e heroína;

4.Em datas concretamente não apuradas, mas durante o ano de 2022, no interior da residência do arguido acima apontada, este indagou junto de FF da disponibilidade de ela manter relações sexuais, mormente sexo vaginal, sexo anal e sexo oral, com GG, conhecido como “HH”, ao que aquela acedeu, tendo em troca FF recebido de GG uma porção de droga sintética que não logra concretizar e o arguido recebido de GG outra porção que não logra concretizar;

5.Durante o ano de 2022, em data concretamente não apurada, no interior da residência do arguido acima apontada, FF manteve relações sexuais, mormente sexo vaginal, sexo anal e sexo oral, com II, conhecido como “JJ”, em número concretamente não apurado de vezes, o qual em cada uma das ocasiões pagava um valor que não conseguiu concretizar do qual o arguido arrecadava uma parte que não se logrou concretizar;

6.Durante o ano de 2022, em datas concretamente não apuradas, no interior da residência do arguido acima apontada, em número de vezes concretamente não apurado, FF manteve relações sexuais, mormente sexo vaginal, sexo anal e sexo oral, com KK, LL, “MM”, “NN”, entre outros;

Em cada uma dessas ocasiões, FF recebeu como forma de pagamento pelos atos sexuais praticados a quantia monetária que não logrou quantificar ou o correspondente em produto estupefaciente e o arguido recebeu, em cada uma das ocasiões, quantia monetária que não soube quantificar ou o correspondente em produto estupefaciente;

7.Para as práticas apontadas em 4., 5. e 6., a FF tinha o acordo do arguido o qual tinha integral conhecimento disso e deu o seu consentimento;

O arguido previu, quis e conseguiu deter “droga sintética” e heroína, que destinava à venda e ao seu próprio consumo e conhecia as características e o carácter proibido dos produtos estupefacientes que comprava, vendia e cedia a consumidores finais, atuando sempre com o objetivo de auferir proventos económicos de tal atividade ilícita que lhe permitisse fazer face aos seus consumos daqueles produtos estupefacientes, sem recorrer aos proveitos advenientes do trabalho;

Em todas as ocasiões o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;

Resulta do relatório social e do CRC do arguido:

8.a).AA residiu com o irmão OO (então com 20 anos de idade, desempregado, habilitado com o 12º ano de escolaridade), em habitação pertença do progenitor, que dispõe de boas condições de habitabilidade. O relacionamento de então entre os irmãos era positivo e a satisfação das necessidades básicas era assegurada, de forma precária, através dos rendimentos que auferia no valor semanal que variava entre os €75,00/€100,00. As despesas correntes eram asseguradas pelo progenitor. Para além da alimentação, o arguido gastava diariamente €5,00 para adquirir Subutex - medicação sem prescrição médica. AA, atualmente com 34 anos de idade, é o mais velho de uma fratria de três elementos (um dos quais, o mais novo, consanguíneo), nascido no seio de um agregado familiar de humilde condição socioeconómica e cultural, aparentemente estruturado, cujo processo de crescimento e desenvolvimento, até aos 15 anos de idade, decorreu na presença de ambas as figuras parentais (o pai, então com 57 anos de idade, é carpinteiro/marceneiro e a mãe, falecida há cerca de nove anos, sempre foi doméstica). A fim de alcançar melhores condições de vida, o progenitor emigrou para as Bermudas, ficando o núcleo familiar em ..., vindo a encetar segundas núpcias quando a progenitora do arguido faleceu. Por questões relacionadas com a sua problemática aditiva e consequentes comportamentos desajustados, que o pai reprovava, este desvinculou-se afetivamente de AA, facultando apenas algum suporte económico. Ao nível escolar, AA integrou o sistema de ensino em idade própria, no entanto, a falta de motivação pelos conteúdos pedagógicos, falta de supervisão parental e a problemática aditiva, originaram um percurso escolar irregular, caraterizado por absentismo e falta de interesse. A agravar este contexto, quando estava a frequentar o 8º ano de escolaridade, encontrava-se numa relação afetiva problemática, contexto que o levou a abandonar o sistema de ensino, quando tinha cerca de 20 anos de idade, com o 7º ano de escolaridade concluído. No que concerne ao percurso profissional, começou por trabalhar na área da construção civil e há cerca de sete anos que trabalha na área piscatória, embora de forma precária, desconhecendo-se atualmente se mantém esta atividade laboral. Tem a ficha de inscrição inativa, desde 5.5.2022, no Centro para a Qualificação e Emprego de ..., por não ter respondido à remessa de um cartão de controlo remetido por aquela entidade. Relativamente à problemática aditiva, o arguido iniciou o consumo de heroína com cerca de 18 anos de idade e com 24 anos de idade o de Novas Substâncias Psicoativas. O arguido esteve internado uma única vez de 21.3.2017 a 1.6.2017, na secção de psiquiatria, vindo a beneficiar de alta por indicação médica. Junto da Associação ... apurou-se que o arguido reentrou para o programa da metadona em 30.3.2016, tendo desistido do mesmo em 9.3.2017. Para além da problemática aditiva (consumia diariamente Subutex sem prescrição médica), há cerca de sete anos que lhe foi diagnosticada doença mental, designadamente doença bipolar e esquizofrenia, pelo que, para manter a estabilidade mental, desloca-se mensalmente ao Centro de Saúde de ... para a toma de terapêutica injetável. Embora não seja regular/assíduo nas datas programadas, tem comparecido no referido centro de saúde para o efeito. Por diversas vezes, no âmbito da saúde mental, já recorreu ao serviço de urgências, por questões relacionadas com ansiedade, abandonando, aquele espaço antes de ser atendido e já foi sujeito a internamentos hospitalares. Relativamente à ocupação do seu quotidiano, AA não tinha uma ocupação estruturada dos seus tempos livres, ocupava-os em casa a assistir a programas televisivos (desportivos) e a jogar Playstation. Ao nível comunitário, pese embora a conotação negativa, associada ao consumo de substâncias psicoativas e associação a grupo de pares problemáticos, o arguido não é considerado conflituoso, nem violento. AA é um indivíduo que denota défice ao nível das competências pessoais, sociais e profissionais, associadas não só à problemática aditiva, como também à saúde mental. Revelava dificuldade ao nível da autocrítica e da capacidade de descentração e reduzida motivação para manter a abstinência ao nível da problemática aditiva. Apresentava, igualmente, dificuldades ao nível do autocontrolo e de resolução de problemas. De acordo com o apurado junto da Polícia de Segurança Pública, AA encontra-se indiciado em mais de 30 NUIPCs, pela alegada prática de crimes contra a propriedade, contra a liberdade pessoal, estupefacientes, contra a integridade física, contra a reserva da vida privada e contra o património em geral;

b).Este arguido já foi condenado:

. Por sentença de 7.12.2013 pelo crime de furto de uso praticado em 23.4.2022, na pena de multa;

. Por sentença de 21-12-2023 pelo crime de roubo praticados em 7.12.2022, na pena de prisão suspensa;

*

AB - Factos não provados:

Da acusação:

9.Entre o mês de maio e o mês de junho de 2022, em data concretamente não apurada, no interior da sua residência, o arguido entregou a PP produto estupefaciente, nomeadamente “droga sintética”, tendo em troca recebido deste a quantia monetária de €50,00;

No referido período temporal, o arguido acordou com PP que este passava a residir na morada do arguido acima descrita, assumindo PP o pagamento das despesas com a alimentação e em troca o arguido entregava àquele produto estupefaciente que PP consumia;

10.Que o arguido cedesse ou vendesse canábis;

11.Que a EE permanecesse 3 ou 4 dias em cada vez que se recolhia em casa do arguido;

12.Em datas concretamente não apuradas, mas entre 2020 e agosto de 2023, no interior da residência acima descrita, por duas vezes, o arguido pediu a QQ que mantivesse relações sexuais, mormente sexo vaginal, sexo anal e sexo oral, com indivíduos cuja identidade não se apurou, o que esta aceitou, tendo como contrapartida cada um desses indivíduos entregue doses de produto estupefaciente ou a quantia monetária de €50,00 ao arguido;

Em cada uma das situações, o arguido entregou a QQ a quantia monetária de €30,00 ou o valor correspondente em produto estupefaciente e reteve para si a quantia monetária de €20,00 ou o valor correspondente em produto estupefaciente;

13.Que as relações sexuais que FF manteve com outros homens na casa do arguido e que constam acima dos pontos 4., 5., e 6. foram a pedido deste;

14.Que na ocasião pontada em 4., o GG entregou ao arguido a quantia monetária de €50,00 ou o correspondente em produto estupefaciente, sendo o montante de €30,00 ou o correspondente em produto estupefaciente entregue pelo arguido a FF, e a quantia monetária de €20,00 ou o correspondente em produto estupefaciente entregue ao arguido;

15.Que na ocasião apontada em 5., o II entregou ao arguido a quantia monetária de €50,00 ou o correspondente em produto estupefaciente, sendo o montante de €30,00 ou o correspondente em produto estupefaciente entregue pelo arguido a FF e a quantia monetária de €20,00 ou o correspondente em produto estupefaciente entregue ao arguido;

16.Durante o ano de 2022, no interior da sua residência, o arguido convidou diversas mulheres consumidoras de produto estupefaciente a praticarem atos sexuais com indivíduos cuja identidade não se apurou, sendo que o arguido recebia destes, como contrapartida pela cedência do espaço, em cada uma das ocasiões €20,00 ou o valor correspondente em produto estupefaciente;

17.Os atos de sexo mediante remuneração eram levados a cabo por QQ e demais mulheres cuja identidade não se apurou na residência do arguido acima;

18.Que os atos sexuais praticados por FF, eram facilitados pelo arguido, disponibilizando-lhes para tanto o espaço da sua habitação, mediante a acordada contrapartida monetária ou o correspondente em produto estupefaciente;

19.Ao atuar na forma acima descrita, sabia e quis o arguido obter para si os referidos proveitos económicos da atividade de prostituição que aquelas ofendidas praticavam, a qual era do conhecimento do arguido, que as queria auxiliar no modo aludido.

2.2. Das questões a decidir

Em primeiro alinhamento vem o arguido recorrente, aceitando toda a vertente factual que se lhe aponta, sindicar a integração jurídica da mesma, opinando que ao invés do crime que se lhe atribui, está antes desenhada a previsão do artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro – tráfico de menor gravidade.

Suportando este seu entendimento exibe razões como (…) A ilicitude do facto releva-se consideravelmente diminuída atenta a própria condição de consumidor do arguido e as pequenas quantidades vendidas que foram dadas como provadas (…) os meios pouco desenvolvidos, utilizados pelo arguido, a modalidade da ação, a quantidade de produto que foi vendido, não ter sido encontrado e apreendido produto estupefaciente na casa do arguido e o tempo que durou a atividade realizada pelo arguido (…) não tem qualquer condenação anterior pela prática de crime de tráfico, nem da mesma natureza, mas sim de um crime de furto de veículo e dois crimes de roubo a residência (…) a pobreza em que vivia são indicadores de que o arguido não se dedicava à traficância, atividade bastante lucrativa.

De seu lado, o aresto em dissidência, posicionando-se sobre esta temática, enuncia (…) Não descuramos, que a conduta do arguido não é, entre as cogitáveis, das mais severas e que o espetro da sua atuação não é o mais abrangente…nem desconhecemos a doutrina e, especialmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que têm, gradualmente, rumado no sentido de reservar o artº.21º para os casos de grande tráfico de droga e o artº.25º para os casos do médio e pequeno tráfico (o chamado retalho) (…) Já não há lugar para se erigir como fator decisivo de qualificação (…) o da maior ou menor quantidade de droga, um fator um entre os mais a considerar, importando, isso sim, apurar, nessa análise, se de todo o conjunto da atividade do arguido emergem itens inculcadores de reiteração, habitualidade, intensidade, disseminação alargada ou sintomaticamente expressiva, ligações mais ou menos marcadas ao mundo dos estupefacientes ou ao seu mercado, carácter dos atos praticados e sua dimensão (…) pegando nos factos provados vemos que a conduta do arguido…além de não se consubstanciar, na sua integralidade, num retalho, pois apesar de vender a poucos, mantinha um ambiente em que escoava muito produto, sendo este dos mais nocivos, coisa que decorreu durante cerca de 1 ano, não pode preencher os elementos decisivos para a integração da sua conduta no tipo legal do artº.25º…pois não se descortina que a sua ilicitude se mostre consideravelmente diminuída…e muito menos se atentarmos na natureza da droga que transacionava.

Pensa-se, como pacífico, que nas situações prevenidas como tráfico de menor gravidade, estão contemplados quadros reveladores de diminuída ilicitude, decorrentes do tipo de meios utilizados, do tempo, da modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objeto do tráfico, de onde possa transparecer um retrato de mais pequena monta e / ou significado.

O preceito incriminador em causa privilegia o crime de tráfico de estupefacientes em função da menor gravidade (tráfico de menor gravidade), exigindo-se, para tanto, que a ilicitude se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da ação, a qualidade ou quantidade das substâncias ou preparados6.

No plano dogmático, discute-se se se trata dum tipo legal autónomo de crime privilegiado quanto ao tráfico, à semelhança de outros tipos legais previstos no mesmo diploma – artigos 26º e 28º -, com remissão para os tipos principais descritos nos artigos 21º e 22º, aos quais se acrescentam outros elementos que fazem corresponder uma punição autónoma, diferenciada, a tal não obstando o carácter exemplificativo da enunciação das circunstâncias privilegiadoras7 ou, pelo contrário, se de uma mera “circunstância atenuante de efeito especial”, por o legislador recorrer aqui à técnica dos “casos menos graves”, que representam regras da medida judicial da pena, envolvendo a modificação dos tipos em sede de pena8.

De qualquer modo, independentemente da configuração dogmática que se dê ao afirmado inciso legal, o que é inegável é que a atenuação da punição nele prevista pressupõe um menor desvalor da ação e perigosidade inerente, implicando uma valoração global dos factos.

A esta luz, não se mostra suficiente que um dos fatores interdependentes indicados na lei (meios, modalidade, circunstâncias da ação, qualidade e quantidade da substância) seja idóneo em abstrato para qualificar o facto como tráfico de menor gravidade pois, ao que se entende, cabe ao intérprete sopesar todos e cada um dos cânones a que o artigo 25º se refere, podendo juntar-lhe outros, visto que a enumeração dos tópicos a considerar contida naquele preceito se exibe como meramente exemplificativa9.

Sublinhe-se que, neste conspecto, há que proceder à valorização global do episódio / do palco factual existente, não se mostrando suficiente que um dos fatores interdependentes indicados na lei seja idóneo para, em abstrato e de per se qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias envolventes.

Com efeito, toda a terminologia usada no preceito em invocação tem bastante semelhança com a constante do artigo 72º, nº 1 do CPenal (…) circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, sendo que os elementos a ponderar, dada a expressa referência à ilicitude (e não à culpa), são os inerentes à própria atividade e já não os relativos à pessoa do agente10.

Anote-se que os meios utilizados reportam-se à organização e à logística de que o agente lançou mão, no objetivo de determinar se se está perante um pequeno ou um grande traficante, a modalidade ou circunstâncias da ação impõem a avaliação do grau de perigosidade revelado em termos de difusão das substâncias, sendo que em termos de qualidade das plantas, substâncias ou preparações, importa reter que a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade / risco intrínsecos e social11.

Dentro da panóplia de circunstâncias a atender, para se ajuizar da eventual diminuição considerável da ilicitude, o elemento “qualidade” assume uma manifesta importância na ilicitude da ação, relevando especialmente a natureza da droga, designada de “droga dura”, altamente tóxica, dotada duma maior perigosidade intrínseca e danosidade social, sendo que, o fator quantidade de estupefaciente detida pelo agente não é, nem pode ser, o elemento decisivo a atender para efeitos da caracterização do tipo privilegiado.

Em todo o caso, para o juízo valorativo sobre o grau de ilicitude, o elemento quantidade também é de considerar, figurando as notas conjugadas respeitantes ao período de tempo da atividade, ao número de pessoas adquirentes da droga, à repetição de vendas ou cedências, os montantes envolvidos no negócio de tráfico e a natureza dos produtos como indicadores da presença, ou não, do retrato do crime de tráfico de menor gravidade12.

Partindo de todos estes considerandos, atente-se a toda a factualidade apontada ao arguido recorrente.

Desponta com confortada clareza que o arguido recorrente (…) Durante o ano de 2022, o arguido, no interior da sua residência, cedeu, em número concretamente não apurado, a terceiros consumidores produto estupefaciente, mormente heroína e “droga sintética”, recebendo em troca quantias monetárias que variavam entre €10,00 a €20,00 cada panfleto, €30,00 o meio grama e €60,00 um grama (…) Em datas concretamente não apuradas do ano de 2022, contudo durante cerca de 2 meses, o arguido manteve uma relação amorosa com EE (…) sendo que nesse período de tempo o arguido entregou (…) pacotes de sintética e por vezes meios gramas e gramas desse produto e heroína (…) Em datas concretamente não apuradas, mas durante o ano de 2022, no interior da residência do arguido acima apontada, este indagou junto de FF da disponibilidade de ela manter relações sexuais (…) ao que aquela acedeu, tendo em troca FF recebido de GG uma porção de droga sintética que não logra concretizar e o arguido recebido de GG outra porção que não logra concretizar (…) Durante o ano de 2022, em datas concretamente não apuradas, no interior da residência do arguido acima apontada, em número de vezes concretamente não apurado, FF manteve relações sexuais (…) com KK, LL, “MM”, “NN”, entre outros (…) Em cada uma dessas ocasiões, FF recebeu como forma de pagamento pelos atos sexuais praticados a quantia monetária que não logrou quantificar ou o correspondente em produto estupefaciente e o arguido recebeu, em cada uma das ocasiões, quantia monetária que não soube quantificar ou o correspondente em produto estupefaciente (…).

Traçados os contornos da imagem global de todo o agir do arguido recorrente, mormente considerando o período temporal em que exerceu a atividade, o espaço geográfico onde tudo ocorreu, as quantidades que foram sendo transacionadas / fornecidas e modo em que tal operou – regularidade, frequência -, clientela mais ou menos estabilizada e fiel, tipo de produtos em causa – heroína e droga sintética13 -, esta altamente viciante e perigosa, potenciadora de consumo de outras drogas14 –, não se afigura ocorrer qualquer diminuição da ilicitude.

Na realidade, ante este concreto palco factual, e sendo certo que há a ter em conta que o que privilegia o crime é a diminuição sensível / ponderosa / visível da ilicitude, tal não transparece in casu.

A avaliação global da conduta olhada no contexto em que o recorrente operou, não revela uma projeção menor de ilicitude, tendo por referência os pressupostos que enquadram o tipo base, demonstrando antes a conduta apurada, pelo menos, um mediano grau de ilicitude, o que conduz a aceitar como boa a interpretação da primeira instância.

Diga-se, que ainda que se entenda que possa exultar, aqui, um caso de fronteira entre o ilícito penal previsto no artigo 21º e o tratado no artigo 25º, ambos do DL nº 15/93, de 22.01, ao que se cogita, em situação dessa veste, o legislador aponta para que se aplique o crime regra - o do artigo 21º - permitindo que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do artigo 25º, reservando esta fattispecie, apenas e só, para outras situações em que a licitude se encara com muito menor acuidade / dimensão15.

Em suma, enfrentando todo o expendido, improcede a pretensão de integração da conduta do arguido recorrente no tipo privilegiado do artigo 25º, alínea a), do diploma que se vem mencionando.

*

Outro vetor em discussão prende-se com a pena imposta – seu quantum e inerente justeza e adequação – e modalidade da mesma.

A discordância relativamente ao caminho seguido pelo Tribunal recorrido, assentando em muito na qualificação jurídica da materialidade em causa – aspeto que se considerou não assistir razão ao arguido recorrente -, reporta-se, também, a que a decisão se estribou em notas como (…) o grau de ilicitude da conduta e da culpa é mediano atenta a sua concretização; a natureza dos produtos visados; quantidade; à persistência na atividade criminosa e aos meios usados (…) sendo que o Tribunal recorrido ignorou (…) outros parâmetros que os autos transmitem, como seja, o arguido não ter antecedentes criminais por este tipo de ilícito, nem da mesma natureza, ao contrário do referido na douta sentença, mas sim contra o património por um crime de furto de veículo e dois crimes de roubo a residência (…) a sua situação de toxicodependência, o curto período de atividade ilícita do arguido e do seu estado de pobreza (…) o arguido não vivia do comércio de estupefacientes mas sim e apenas da necessidade para o seu próprio consumo.

Por seu turno, neste concreto vetor, a decisão revidenda assenta (…) No caso vertente as exigências de prevenção geral são bastante elevadas…com especial relevo nesta região tão flagelada pelas consequências associadas ao vício que a droga despoleta. Com efeito, estamos perante delito que é alvo de grande censura comunitária, e que somos frequentemente confrontados na comarca (infelizmente cada vez mais como é noticiado amiúde) e cujos prejuízos são incalculáveis no que toca à saúde dos consumidos que, a final, é atingida (…) o forte sentimento de insegurança gerado por situações desta natureza denota a necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade da norma violada, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelo crime (…) grau de ilicitude da conduta e da culpa é mediano atenta a sua concretização; a natureza dos produtos visados; quantidade; à persistência na atividade criminosa e aos meios usados (…) Os (…) antecedentes, ou a ausência deles à data dos factos, são-lhe favoráveis (…) A sua postura em audiência, sem qualquer manifestação de arrependimento ou de interiorização do desvalor da sua conduta, é-lhe, naturalmente, desfavorável (…) O dolo é intenso (…) A sua postura durante e após a prática dos factos que nos remete para a falta de consciencialização do desvalor das condutas que praticou (…) As suas condições pessoais, sociais e profissionais reveladas no respetivo relatório social…apontam para uma integração precária a todos os níveis (…) apresentam-se de monta considerável as necessidades de prevenção especial no sentido negativo…pois tem antecedentes criminais por crime da mesma natureza.

Cotejando estes posicionamentos, observe-se, então, o matiz de questionamento em causa.

Em pronto passo, retenha-se que vem sendo entendimento pacífico e sedimentado que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão em revista, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo Tribunal recorrido e que sobreleve de todo espetro decisório.

Por outro lado, ao que se pensa, exige-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso o que de errado ocorreu nesta vertente.

Verdadeiramente, tanto quanto se crê, há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram firmadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei, sendo que observados os critérios globais insertos no artigo 71º do CPenal, a margem do julgador dificilmente pode ser sindicável16.

Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida, suscitado pela via recursiva, não deve afastar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente, proporcional, justa e acertada17.

Há, também que atender que, ao que se vem defendendo, no exercício a realizar para se determinar a medida concreta da pena a fixar e, dando cumprimento ao disposto no artigo 70º do CPenal, como primeira operação que urge levar a cabo é, se aplicável, a de optar entre uma pena privativa da liberdade ou uma pena não detentiva - se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Mostra-se evidente que aqui essa alternatividade não desponta.

Por outro lado, do que plasma o artigo 40º, nº 1 do CPenal, os fins visados com a imposição de uma pena consistem na proteção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade sendo que, escolhido o tipo de penalidade adequado e apto ao alcance de tal, demanda-se a observância articulada do disposto nos 40º e 71º do CPenal.

Sublinhe-se, também, que o limite máximo da pena a impor está balizado pela culpa do agente pois, no sistema penal vigente impera o princípio basilar que assenta na compreensão de que toda a pena repousa no suporte axiológico–normativo de culpa concreta (artigo 13º do CPenal), o que sempre terá como consequência que se admita ainda a ausência de pena sem culpa, e se condicione os seus limites máximos à intensidade daquela18.

Quanto às finalidades das penas, colhe ainda fazer notar que o vetor da proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva), significando, também, essa proteção, a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente.19

Assim, para a aferição da medida concreta da pena haverá que considerar primeiro a delimitação rigorosa da moldura penal abstratamente aplicável ao caso concreto, determinando, nos limites mínimos e máximos daquela, a pena concretamente a aplicar, em consonância com o vetor axiológico-normativo que atrás se deixou exposto.

E, neste percurso, há que atender a todos os elementos que, não fazendo parte integrante do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, atendendo-se, de entre outras circunstâncias, às vertidas e anunciadas no nº 2 do artigo 71º do CPenal.

Isto posto, in casu, parece indubitável que são elevadas as exigências de prevenção geral, pois o tráfico de estupefacientes é um dos crimes que mais preocupa e alarma qualquer comunidade, ante os nefastos efeitos que desencadeia, questionando aspetos como a coesão familiar, a tranquilidade da vida em sociedade, potenciando a prática de outros ilícitos20, mais se evidenciando estas notas negativas, quando orientado e dirigido pelo anseio pela obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, utilizando drogas, como é aqui o caso, com alto perfil viciante e também rapidamente potenciador de graves danos aos seus utilizadores.

Com efeito, o tráfico de droga é um crime socialmente muito disruptivo, que destrói a saúde e o são equilíbrio das vítimas / consumidores, indutor da pática de outros crimes e sustentáculo económico de algumas das mais tenebrosas formas de crime organizado.

Está na verdade em causa, com este tipo de prática, uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores – bem como, a vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade, sendo que por via do combate ao tráfico de estupefacientes visa o legislador evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o tráfico indiscutivelmente potencia.

Enfrentando estes considerandos, parece claro que se reclama posicionamento de rigor e de severidade, no segmento, prevenção geral.

Debruçando, agora, a atenção à dimensão da prevenção especial, o retrato que emerge, tanto quanto se julga, demanda intervenção de mediana intensidade.

Previamente, uma pequena nota às referências, neste segmento, que o aresto em dissídio faz em matéria de antecedentes criminais do arguido recorrente e sua valoração.

Sendo claro que nos factos provados apenas se apontam condenações por crimes de furto de uso21 e de roubo e que na ponderação, se anuncia, primeiramente, que o arguido recorrente não tinha, ao tempo dos factos em causa, antecedentes criminais, a verdade é que em momento posterior se vem a escrever (…) apresentam-se de monta considerável as necessidades de prevenção especial no sentido negativo…pois tem antecedentes criminais por crime da mesma natureza.

Ao que se pensa, trata-se de um efetivo e claro lapso, esta última menção, possivelmente advinda do uso das ferramentas informáticas que importa corrigir, ao abrigo do plasmado no artigo 380º, nº 1, alínea b), ex vi do artigo 425º, nº 4, ambos do CPPenal, tendo tal período por não escrito.

O arguido recorrente, negociou produtos como heroína e droga sintética – drogas duras -, durante cerca de um ano, sendo que agiu com dolo direto, vertente mais intensa deste cânone ponderativo.

Não revelou qualquer arrependimento, nem posicionamento crítico quanto ao sucedido.

Todo o seu enquadramento familiar, laboral e pessoal é de lustre frágil e inconsistente, o que associado ao facto de também consumir drogas, como o próprio anuncia, o poderá levar a reiterar neste tipo de prática.

Exibindo condenações por crimes de natureza diferente, é possível retirar a ideia de alguma incapacidade / dificuldade em se pautar de acordo com o normativo vigente e, bem assim, ilustrar que perante obstáculos que a vida lhe apresente, aquele não hesita em entrar num caminho de fácil e imediata resposta aos mesmos.

Sopesando todos estes indicadores, sendo que a moldura em causa oscila entre os 4 e os 12 anos de prisão, a pena imposta – 5 anos e 2 meses de prisão -, algo acima do mínimo possível e longe da mediania possível (8 anos de prisão) parece não merecer qualquer censura e, por isso, não reclama qualquer intervenção deste STJ.

Sequentemente, desde logo por falhar o requisito objetivo expresso no artigo 50º, nº 1 do CPenal – pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos -, mostra-se despiciendo ponderar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão imposta.

Pelo expendido, igualmente sucumbe este mote revidendo.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, decidem.

a. Proceder, ao abrigo do plasmado nos artigos 380º, nº 1, alínea b) e 425º, nº 4, do CPPenal, à correção do lapso existente no Acórdão recorrido, por forma a que a menção (…) pois tem antecedentes criminais por crime da mesma natureza (…), se tenha por não escrita;

b. Manter todo o decidido em 1ª Instância.

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Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 5 (cinco) UC - artigo 513º do CPPenal e artigo 8º, por referência à Tabela III Anexa, do RCP.

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O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 30 de abril de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

Maria Margarida Ramos de Almeida (1ª Adjunta)

José Luís Lopes da Mota (2º Adjunto)

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1. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que não constituem a reprodução dos diversos articulados existentes e já referidos no Relatório e, bem assim, excertos do Acórdão propalado em 1ª instância e transcrição de jurisprudência que, em momento oportuno, e se necessário, se referirão.

2. Cfr. acórdão de 23-11-2022, do S.T.J., proferido no processo n.º 543/19.2PALGS.E1.S1, 3.ª Secção.

3. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

4. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p. 335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p. 113.

5. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

6. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 23/11/2023, proferido no Processo nº 42/20.0PESTB.S1 – (…) Já no que respeita ao art. 25.º, do mesmo diploma, o DL 15/03, referente ao tráfico de menor gravidade, importa ter presente que há que ter em conta que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, e de ter em consideração circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.(…) –, de 16/02/2023, proferido no Processo nº 1/20.2GABJA.S1 – (…) No que respeita ao art. 25.º do mesmo diploma DL n.º 15/03, referente ao tráfico de menor gravidade, há que ter em conta que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída e de se ter em consideração circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos (…) – e de 21/12/2022, proferido no Processo nº 77/20.2PEVIS.C1.S1 (…) Os pressupostos de aplicação da norma (art. 25.º) respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto, uns à própria ação típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da ação), outros ao objeto da ação típica (qualidade – percentagem de presença do princípio ativo – ou quantidade do estupefaciente), pelo que não relevam, como diminuindo a ilicitude, fatores atinentes ao juízo sobre a culpa, quer relativos ao desvalor da atitude interna do agente, ou à sua personalidade. Nas contas da correta ou incorreta subsunção jurídica da conduta apurada não entram os antecedentes criminais do arguido, os períodos de tempo de prisão que já cumpriu e as suas modestas condições de vida (…) -, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

7. Neste sentido, LOURENÇO MARTINS, A. G., Decisões dos Tribunais de 1ª Instância, Comentários, 1997, pp. 51-52 e o Acórdão do STJ, de 15/4/1998, BMJ nº 476, p. 76.

8. Neste sentido, MACHADO, Miguel Pedrosa e LOBO, Eduardo, Decisões de Tribunais de 1ª Instância 1993, Comentários, pp. 178 e 221).

9. Neste sentido o Acórdão do STJ de 7/12/1999, BMJ nº 492, pp. 149-158.

10. LOURENÇO MARTINS, A. G., Droga e Direito. Legislação. Jurisprudência. Direito Comparado. Comentários, 1994, Aequitas, p. 153.

Ainda, entre outros, o Acórdão do STJ, de 13/05/2020, proferido no Processo nº 168/17.7PAMDL.S1 – (…) Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta (…) Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de pouca importância do facto da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72.º do Código Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.

11. Neste sentido, LOURENÇO MARTINS, A. G, ibidem em 35, p. 153.

12. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 31/5/2000, BMJ nº 497, pp. 167-172.

13. A chamada Alpha – PHP.

14. PEREIRA, Mariana de Caires, Novas Substâncias Psicoativas: Aspetos toxicológicos do α-PVP e criação de uma biblioteca de espectros de massa, Dissertação de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, 2017, Universidade de Lisboa – Faculdade de Farmácia, pp. 28-31 – (…) “substâncias não especificamente enquadradas e controladas ao abrigo de legislação própria que, em estado puro ou numa preparação, podem constituir uma ameaça para a saúde pública comparável à das substâncias previstas naquela legislação, com perigo para a vida ou para a saúde e integridade física, devido aos efeitos no sistema nervoso central, podendo induzir alterações significativas a nível da função motora, bem como das funções mentais, designadamente do raciocínio, juízo crítico e comportamento, muitas vezes com estados de delírio, alucinações ou extrema euforia, podendo causar dependência e, em certos casos, danos duradouros ou mesmo permanentes sobre a saúde dos consumidores (…) O α-PVP, 1-fenil-2-(pirrolidin-1-il)pentan-1-ona, é uma catinona que foi sintetizada pela primeira vez pelos laboratórios Boehringer Ingelheim, nos anos 60, como estimulante do SNC e vasopressor (…) conhecida internacionalmente sob os nomes de rua “flakka”, termo coloquial Espanhol para mulher bonita e atraente, e “gravel”.(17) Em Portugal são-lhe, ainda, atribuídos outros nomes: “Sextacy”, “Bloom”, “Quick Silver”, “Formula 3”, “Ivory” e “Vanila Sky” (…) associado a vários casos de intoxicações e comportamentos bizarros. Foram reportados mais de uma centena de mortes em todo o mundo (…) encontrado sob a forma de pó ou cristais, ou de formas farmacêuticas, comprimidos ou cápsulas. As vias de administração vão desde as mais comuns, oral, inalatória e injeção intravenosa/ intramuscular à retal (…) O consumo de “flakka” é feito muitas vezes em associação com outras drogas sejam outras catinonas, drogas ditas tradicionais (canábis, cocaína) ou medicamentos (benzodiazepinas, morfinas, antipsicóticos): pentedrona, nordiazepam, oxazepam, tetrahidrocanabinol, etanol, buprenorfina, morfina, oxicodona, codeína, sertralina, quetiapina, citalopram, venlafaxina, lidocaína.

15. Neste sentido, entre outros o Acórdão do STJ, de 08/11/2023, proferido no Processo nº 563/20.4VNF.G1.S1 (…) A análise dos tipos legais de tráfico de estupefacientes não deve ser dicotómica, apenas entre o tipo fundamental de ilícito (art. 21.º/1, DL 15/93) e o tipo privilegiado em razão da menor gravidade do facto (art. 25.º DL 15/93), mas estender-se ao art. 24.º, que prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto. Mesmo o art. 21.º deve ser considerado na sua completude, pois tem um âmbito de aplicação alargada, com agravação (nºs 2 e 3) e atenuação (n.º 4) de penas. Só uma ponderação global fornece uma visão integrada da resposta legislativa ao fenómeno do tráfico de estupefacientes: o tipo fundamental de tráfico no art. 21.º/1, um tipo de crime privilegiado no art. 25.º, e um tipo de crime qualificado no art. 24.º - disponível em www.dgsi.pt.

16. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 11/04/2024, proferido no Processo nº 2/23.9GBTMR.S1 (…) em conformidade com a jurisprudência uniforme do STJ no sentido da abstenção de princípio do tribunal de recurso na definição do quantum concreto das penas fixadas em tais circunstâncias, por não se verificar qualquer desvio daqueles critérios e parâmetros de que resulte uma situação de injustiça das penas, por desproporcionalidade ou desnecessidade -, de 18/05/2022, proferido no Processo nº 1537/20.0GLSNT.L1.S1 – (…) A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” -, de 19/06/2019, proferido no Processo nº 763/17.4JALRA.C1.S1- (…) justifica-se uma intervenção correctiva quanto à pena aplicada ao arguido, reduzindo-se a pena de (…) para (…) que entendemos adequada e justa e proporcional e que satisfaz as exigências de prevenção, respeitando a medida da culpa - , disponíveis em www.dgsi.pt.

17. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 27/05/2009, proferido no Processo nº 09P0484, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler (…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.

18. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 15/04/99, proferido no Processo nº 243/99, disponível em www.dgsi.pt.

19. Neste sentido, PALMA, Maria Fernanda, in Casos e Materiais de Direito Penal, 2.ª edição, 2022, Almedina, p. 32.

20. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 18/11/2921, proferido no Processo nº 616/20.9JAFUN.S1 - (…) O tráfico de estupefacientes é dos crimes que mais preocupa e alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral (…).

21. Atente-se que aqui, claramente decorrente de um lapso de escrita se refere que o arguido foi condenado por (…) sentença de 7.12.2013 pelo crime de furto de uso praticado em 23.4.2022, na pena de multa (…), sendo que certamente se queria referir como data da sentença 7.12.2023.