MEDIDA DE COACÇÃO
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
EXECUÇÃO EM CENTRO TUTELAR EDUCATIVO
Sumário


1. Os Centros Tutelares Educativos destinam-se exclusivamente, nos termos do art. 145º da Lei Tutelar Educativa, ao cumprimento de medidas de internamento ou cautelares de guarda, bem como ao cumprimento de detenção, quando aplicadas em sede de Processo Tutelar Educativo, não podendo, por isso, enquadrar-se como prestadores de apoio social e de cuidados de saúde.
2. Os Centros Tutelares Educativos não se enquadram na previsão do art. 201º nº 1 CPP, excepto no casos em que o jovem já se encontrava a cumprir medida tutelar de internamento nos termos do art. 27.º, n.º 5, da LTE.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - RELATÓRIO

No âmbito dos autos de inquérito -  proc. nº 735/24...., a correr termos na Procuradoria do Juízo Criminal de Chaves, em que é arguida AA, com sinais identificadores nos autos, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a 26.12.2024, foi proferido despacho no sentido de, além do TIR, aplicar à arguida a medida de coação de obrigação de permanência prevista no art. 201º, n.º1, do Cód. Penal, a ser executada em Centro Tutelar Educativo em moldes idênticos ao regime fechado previsto na Lei 408/82 de 23/01.

*
Inconformado com tal despacho, veio o Ministério Público junto daquele tribunal dele  interpor recurso, alinhando, para o efeito, as conclusões que ora transcrevemos:

“III. Conclusões
1. A decisão de que ora se recorre, aplicou à arguida AA a medida de coação de obrigação de permanência prevista no artigo 201.º, n.º 1 do Código Processo Penal a ser executada em Centro Tutelar Educativo em moldes idênticos regime fechado previsto na Lei 408/82 de 23 de janeiro.
2. Em nosso entender, o Tribunal a quo incorreu em errada integração normativa, ao considerar que a medida de obrigação de permanência na habitação pode ser cumprida em Centro Tutelar Educativo.
3. É nosso entendimento que a medida de coação aplicada não pode ser cumprida em Centro Educativo, porque a lei não o consente.
4. A arguida AA tinha mais de 16 anos aquando da prática dos factos fortemente indiciados e estamos no âmbito de um inquérito criminal.
5. De facto, os Centros Educativos destinam-se aos efeitos previstos no artigo 145.º da Lei Tutelar Educativa, que define em concreto a sua competência exclusiva.
6. O Tribunal a quo, ao aplicar a referida medida de coação de obrigação de permanência em Centro Educativo, violou a norma contida no artigo 201.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, bem como, a norma contida no artigo 145.º da Lei Tutelar Educativa.
7. Com efeito, a conjugação destes normativos não consente que se equiparem Centros Educativos a instituições adequadas a prestar à arguida apoio social e de saúde.
8. De facto, não podem os Centros Educativos ser designados como instituição para os fins da referida norma da lei processual penal, na medida em que, conforme se retira da mera leitura da Lei Tutelar Educativa, nomeadamente do já mencionado artigo 145.º, os fins a que se destinam os centros educativos encontram-se aí consagrados de forma taxativa, exaustiva e exclusiva.
9. Por outro lado, não concedemos a aplicação subsidiária ao caso concreto do Regime Penal aplicável a Jovens Delinquentes (até aos 21 anos), designadamente, o seu artigo 5.º, porque legalmente inadmissível, dado que esta norma dispõe sobre penas, e não medidas de coação.
10. Os Centros de detenção previstos naquele Regime Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 2 de Setembro, cuja criação, prevista no artigo 13.º, não se concretizou, têm natureza e competências completamente distintas dos Centros Educativos previstos na Lei Tutelar Educativa.
11. A execução da medida de coação nos termos determinados pelo Tribunal a quo não encontra acolhimento legal e viola o espírito da lei, dado tratar indiferentemente uma instituição adequada a prestar à arguida apoio social e de saúde com um Centro Educativo, que apenas pode dar resposta nas específicas circunstâncias que o artigo 145.º da Lei Tutelar Educativa contempla.
12. A previsão expressa do art.º 201.º, n.º 1, do C.P.P. “(…) instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde (…)” não consente que se interprete a possibilidade de execução desta medida em Centro Educativo, de modo semelhante ao regime fechado do Decreto-Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro.
13. As medidas de coação são limitativas da liberdade pessoal e patrimonial dos arguidos, estando por isso sujeitas ao princípio da legalidade (artigo 191.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
14. Tratam-se de medidas que têm uma função cautelar, ou seja, visam assegurar os fins do processo, quer para garantir a execução da decisão final, quer para assegurar o regular desenvolvimento do procedimento.
15. Segundo o artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal “as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas”.
16. Nos termos do disposto no artigo 204.º do Código de Processo Penal (requisitos gerais) nenhuma medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência, pode ser aplicada se, em concreto, não se verificar “fuga ou perigo de fuga” (alínea a), “perigo de perturbação do decurso inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova” (alínea b), ou “perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas” (alínea c).
17. É nosso entendimento que, no presente caso, existe perigo sério e concreto de continuação da atividade criminosa.
18. De facto, a arguida AA demonstra uma personalidade impulsiva, agressiva e violenta, desrespeitando as mais elementares regras de conduta e convivência em sociedade, demonstrando uma personalidade avessa ao dever ser jurídico-penal, com a violação de bens jurídicos eminentemente pessoais.
19. A arguida perpetrou os referidos crimes num curto espaço temporal, inferior a um mês, tendo-se verificado uma escalada da violência praticada pela arguida, sendo que, no dia 8 de dezembro de 2024, praticou dois crimes de roubo, tendo por ofendidas funcionárias da instituição, onde se encontrava acolhida, e muniu-se de um pau com pregos salientes para coagir outros jovens e crianças dessa mesma instituição.
20. A arguida em tal período de tempo perpetrou ofensas à integridade física qualificada, na presença de funcionários da instituição na qual se encontrava acolhida, tendo havido necessidade de esconder as vítimas em divisões da instituição para evitar continuarem a ser agredidas pela arguida.
21. A arguida praticou o crime de coação contra outros jovens e crianças da instituição na qual encontra-se acolhida, entre as quais uma criança com apenas 3 anos de idade.
22. Acresce que a circunstância de a arguida se encontrar acolhida no âmbito de processo de promoção e proteção, que não obteve efeito prático, estando a mesma constantemente fugida e com paradeiro desconhecido, faz recear pelo cometimento de outros factos qualificados pela lei como crime em contexto de acolhimento residencial e em contexto fora de acolhimento residencial.
23. Por outro lado, entendemos que existe perigo de fuga, uma vez que a arguida se encontrava ausente da instituição na qual estava acolhida, o BB, em ..., pelo menos desde o dia ../../2024 e até ao dia da sua detenção, nomeadamente 26 de dezembro de 2024.
24. Nesta parte, atente-se que o Tribunal a quo concorda com o Ministério Público: “(…) A arguida AA não pode, pelo menos por agora, estar isenta de uma medida de privação da liberdade, tendo em conta a gravidade dos factos cometidos e a falta de soluções que se apresentam. (…)”.
25. Assim, atenta a natureza e gravidade dos dois crimes de roubo fortemente indiciados, punidos com pena de prisão de 1 a 8 anos,  e dos dois crimes de ofensa à integridade física qualificada fortemente indiciados, punidos com pena de prisão de 1 a 4 anos, a personalidade revelada pela arguida e a verificação, em concreto, do perigo de continuação da atividade criminosa e do perigo de fuga, concluímos que apenas a prisão preventiva se revelará suficiente, necessária e adequada para satisfazer as exigências cautelares do presente caso.
26. Relativamente ao critério da proporcionalidade a que deve obedecer a aplicação das medidas de coação (artigo 193.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), é nosso entendimento que atendendo à gravidade objetiva dos crimes de roubo e de ofensa à integridade física qualificada fortemente indiciados é previsível que será aplicada à arguida uma pena de prisão efetiva, pelo que também nesta parte se discorda da Meritíssima Juiz a quo.
27. Não estão em causa crimes puníveis com penas de prisão até 2 anos, mas antes crimes a que correspondem penas superiores a 5 anos, e que atentam contra bens jurídicos eminentemente pessoais.
28. O Tribunal a quo, ao não aplicar à arguida a medida de coação de prisão preventiva, violou o disposto nos artigos 193.º e 202.º, ambos do Código de Processo Penal.
29. O Tribunal a quo, ao aplicar a medida de coação de obrigação de permanência prevista no artigo 201º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a ser executada em Centro Educativo, em moldes idênticos regime fechado previsto na Lei Tutelar Educativa, violou a referida norma contida no artigo 201º, n.º 1 do Código de Processo Penal, bem como a norma contida no artigo 145.º da Lei Tutelar Educativa.
30. Caso não se entenda ser de aplicar a medida de coação de prisão preventiva e se considere que a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, necessariamente mediante fiscalização eletrónica, satisfaz as exigências cautelares sentidas, nomeadamente o perigo de continuação da atividade criminosa e o perigo de fuga, o Ministério Público o Ministério Público, desde já salienta os seguintes factos circunstanciais da vida da arguida:
a. inexistência de retaguarda familiar capaz de acolher a arguida em habitação, dada a medida de acolhimento residencial que a mesma beneficia no âmbito do Processo de Promoção e Proteção n.º 910/21....;
b. impossibilidade de a arguida cumprir tal medida no Centro de Acolhimento onde se encontrava anteriormente integrada, a saber o BB, em ..., uma vez que é lá que residem e trabalham os ofendidos dos crimes cuja prática a arguida se encontra fortemente indiciada, no âmbito do presente Inquérito, o que potenciaria o perigo de continuação da atividade criminosa e ainda faria espoletar o perigo de perturbação do inquérito, na vertente de aquisição, conservação ou veracidade para prova, sendo expetável que a arguida tentasse influenciar os depoimentos das testemunhas, bem como acarretaria a revitimização das ofendidas, nomeadamente das que são jovens e crianças também acolhidas em tal centro, ao abrigo de processos de promoção e proteção, pelo que, sempre teria que ser designada outra instituição adequada a prestar à arguida apoio social e de saúde.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra decisão que aplique à arguida a medida de coação de prisão preventiva, por ser a única medida de coação adequada, necessária e proporcional às fortes exigências cautelares que o caso reclama e a obviar aos perigos verificados, ou, caso assim Vossas Excelências não entendam, se aplique a medida de coação de permanência na habitação, mediante fiscalização eletrónica, com execução em instituição adequada a prestar à arguida apoio social e de saúde, que não em Centro Educativo                   
Assim fazendo, Vossas Excelências,
JUSTIÇA!”
*
O recurso foi admitido a subir em separado, imediatamente e com efeito meramente devolutivo.
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A arguida apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo (transcrição):
“(…)
Conclusões:
1- A arguida foi sujeita a primeiro interrogatório de arguida detida onde lhe foi aplicada a medida de coação, para além do TIR, de obrigação de permanência na habitação a executar em Centro Educativo.
2- Esta medida de obrigação de permanência na habitação aplicada à arguida, se, por motivos legais, não puder ser executada em Centro Tutelar Educativo, deverá sê-lo em instituição adequada a prestar à arguida apoio social e de saúde.
3- A Aplicação da medida de coação de prisão preventiva é injusta, desadequada e desproporcional.
4- Ao pugnar pela sua aplicação o Ministério Público viola o artigo 193º n.º 1 do C. P. Penal.
5- A arguida, à data dos factos tinha acabado de completar 16 anos, o que lhe confere responsabilidade criminal, mas não lhe retira imaturidade.
6- Tinha a seu favor aplicada a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, o que demonstra a fragilidade da sua vida.
7- Não lhe era prestado o apoio psicológico de que carecia, clinicamente comprovado, por falta de meios.
8- Há, assim, uma diminuição da ilicitude e da culpa no comportamento da arguida.
9- Não há qualquer violação por parte do Tribunal a quo dos artigos 145º da LTE e 201º do C. P. Penal.
10- A Lei Tutelar Educativa permite o uso dos centros educativos para, entre outros, o cumprimento da detenção. Ora tal função conjugada com o prescrito no artigo 27º da mesma Lei, nomeadamente no seu n.º 5 respalda a decisão ora tomada pelo Tribunal de primeira instância.
11- Ao pugnar pela aplicação da medida de coação de prisão preventiva para a arguida AA o Ministério Público viola o artigo 202º do C. P. Penal.
12- O regime penal aplicável a jovens delinquentes terá sempre de ser tido em conta na medida em que o Tribunal é obrigado a fazer uma ponderação sobre a pena a aplicar em julgamento.
13- O perigo de continuação da atividade criminosa é diminuto, uma vez que todos os crimes foram perpetrados no âmbito da institucionalização da arguida.
14- A personalidade da arguida, na forma como o Ministério Público a configura, terá de ser determinada por entidade com competência científica para o efeito.
15- Não se percebe como se poderá praticar um crime de coação numa criança de 3 anos, como vem alegado em recurso.
16- A arguida não estava em paradeiro desconhecido, todas as vezes em que fugia procurava refúgio junto da mãe que mora a mais de 400 km da instituição onde se encontrava acolhida.
17- O Tribunal de primeira instância pretende que a CC, embora acolhida em Centro Tutelar Educativo, possa continuar a estudar para no futuro ter ao dispor mecanismos que lhe permitam ter um emprego e ser autónoma.
18- Não lhe permitir a frequência escolar seria hipotecar para sempre a sua vida, e aí sim, potenciar para que um dia mais tarde venha a enveredar pelo crime para poder sobreviver.
19- A presente decisão não merece qualquer censura.
20- A Lei Penal mais de que um papel punitivo terá sempre uma vertente ressocializadora, mormente quanto aos jovens delinquentes
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso interposto pelo Ministério Público improceder, e em consequência manter-se a douta sentença recorrida nos precisos termos em que foi proferida. Caso assim não se entenda à arguida deverá ser aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação a cumprir em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, permitindo-lhe frequentar a escola.
Assim decidindo, V.Exas., farão,
Aliás, como sempre JUSTIÇA!!”
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Neste Tribunal da Relação de Guimarães, por seu turno, a Exmª Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer, no sentido da procedência do recurso.
*
Notificado nos termos do disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, nada mais se acrescentou.
*
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso interposto.
***
FUNDAMENTAÇÃO

I - Questões a decidir

Como é consabido, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas.
Isto, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.

Assim delimitado o objeto do recurso, as questões que se colocam são as seguintes:

a) Saber se a medida de coação aplicada à arguida deverá ser a de prisão preventiva, ao invés da Obrigação de Permanência na Habitação a que se encontra sujeita;
b) Na negativa, se a medida de OPH poderá/deverá ser executada em centro tutelar educativo

II – Apreciação das questões acima enunciadas

a) Com vista à apreciação das questões acima enunciadas, importa ter presente o seguinte, tal como decorre dos autos:
1. Na sequência da sua sujeição a 1º interrogatório judicial, no dia 26 dezembro 2024, foi determinado que a arguida aguardasse os ulteriores termos processuais sujeita à medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação prevista no art. 201º, nº 1, do Cód. Penal, a ser executada em Centro Tutelar Educativo em moldes idênticos regime fechado previsto na Lei 408/82 de 23/01, tendo sido proferido o despacho ora transcrito, na parte relevante:
“(…)

DECISÃO
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Encontra-se indiciada a prática pela arguida AA dos seguintes factos:
- Desde o ano de 2022 que se encontra no BB em ... por aplicação de medida de acolhimento residencial no âmbito de um processo de promoção e proteção;
- Nessa mesma instituição também se encontram acolhidas as jovens DD, EE e FF;
- No dia 17 de novembro de 2024, pelas 19h00, no interior das instalações do BB a arguida AA depois de discutir com a FF aproximou-se desta, empurrando-a, tendo sido agarrada pela técnica GG;
- Após se ter conseguido libertas da GG a arguida, juntamente com as jovens EE e DD, encontrando-se a FF prostrada no chão deferiram-lhe pontapés na cabeça e na barriga bem como lhe puxaram os cabelos, causando-lhe dores;
- A arguida, a DD, a EE, agiram em conjugação de esforços, de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de causar dor na FF;
- No dia 30 de novembro de 2024 pelas 20h00, no interior das instalações do BB em ... a arguida AA e a FF entraram no quarto da menor HH, tendo a arguida deferido várias pancadas na cara desta e puxado os cabelos, o que lhe provocou dores;
- Também a jovem FF deferiu pancadas no corpo da HH bem como lhe puxou o cabelo;
- A funcionária da instituição II colocou-se à frente da menor HH de modo a evitar que continuasse a ser agredida.
- A DD e a EE entraram no quarto tendo a arguida AA e a Lei desferido um empurrão na II, e de seguida a arguida, a DD, a EE e a FF deferiram vários pontapés nas pernas, nos braços e no tronco da HH, provocando-lhe dores.
- A funcionária II retirou a HH do quarto e deslocaram-se para a sala do pessoal, ficando a HH dentro da sala e a II fechou a porta.
- A arguida AA e as DD, EE e FF desferiram murros e pontapés na porta, a FF pegou num extintor que se encontrava numa parede e com ele desferiu uma pancada na porta da sala onde se encontrava a HH, não a conseguindo arrombar.
- Uma vez que não conseguiram arrombar a porta e entrar na sala em que se encontrava a HH a AA disse à II que ia levar com o pó do extintor, acionando-o na sua direção e atingindo-a na cara, o que lhe causou dores.
- A arguida AA, a DD, a EE e a FF agiram em conjugação de esforços, de modo livre voluntário e consciente com a intenção de molestar a HH na sua integridade física.

Mais sabiam que em face da sua superioridade numérica a HH não tinha possibilidade de se defender.
A arguida AA agiu ainda com o propósito concretizado de atingir a II na sua saúde e integridade física.
- No dia 3 de dezembro de 2024 pelas 20h30m nas instalações do BB, designadamente na sala de estar a arguida AA, a FF, a JJ e a DD estavam a ver televisão, sendo que a FF pegou no comando e pôs o som muito alto.
Gerada uma situação de conflito a FF acabou por atingir a II com o pó do extintor numa perna, sendo que, quando surgiu o educador KK, a mesma FF acionou o extintor na sua direção atingindo-o na face.
- De seguida a arguida AA, a DD, e EE e a FF dirigiram-se ao quarto da LL tendo arrombado a porta, destruindo a fechadura e partindo a porta e retiraram do seu interior:
- um envelope com o escrito II contendo no seu interior a quantia de 300,00 €;
- 165 € que pertencia a II.
Depois, na posse dessas quantias, saíram do quarto fazendo-as suas.
- Nesse dia, e de forma não concretamente apurada a arguida AA, a DD, a EE e a FF, arrombaram a porta do salão de festas da instituição, destruíram a fechadura e partiram a porta também da sala de visitas e munidas da quantia de 465,00 € abandonaram a instituição.
- A reparação das portas ascende a 602,70 €.
- A arguida AA e as demais jovens agiram de forma concertada de modo a fezerem seu o dinheiro que se encontrava nos envelopes que estavam no quarto de LL, sabendo que entravam no quarto contra a vontade de quem dele dispunha e que se aporpraram de quantias que sabiam não serem suas.

Mais agiram em comunhão de esforços e intento e de acordo com um plano previamente traçado com o propósito de causarem estragos às portas da instituição, sabendo que as mesmas lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade do proprietário.
- no dia 8 de dezembro de 2024, no interior das instalações do BB, a EE munida de um obejeto contruído de forma artesanal composto por um cabo em madeira de 21 cm e uma lâmina com 13,5 cm de comprimento, juntamente com a AA e a FF, ambas munidas de paus com parafusos salientes e com a DD abriram a porta do gabinete onde se encontrava a técnica da instituição MM e outras três crianças acolhidas na instituição, uma delas com menos de 3 anos.
- A arguida e as outras três jovens ordenaram aos menores que saíssem do espaço, sendo que, as crianças, com medo obedeceram à ordem deixando a técnica MM sozinha com a FF que fechou a porta do gabinete às chaves.
- a MM retirou as chaves à FF tendo aberto a porta. De seguida a arguida e as três jovens disseram à MM que queriam conversar justificando a faca e os paus para o caso de fazerem falta conforme a repostada que viesse a ser dada.
A arguida e as jovens pediram para ir dar um passeio levando as bicicletas da instituição, ao que a MM respondeu que podiam ir passear mas não podiam levar as bicicletas.
De seguida a arguida AA e as outras jovens dirigiram-se à sala onde se encontravam as bicicletas que se encontrava fechada batendo na mesma com os paus.
A arguida AA e as jovens deslocaram-se ao quarto da funcionária NN entrando no mesmo e remexendo nos móveis, aporpeiando-se de uma chave de um veículo que fizeram sua.
A arguida AA empurrou a MM que a tinha seguido até ao quarto provocando-lhe dores. A MM entrou no quarto da funcionária NN para forçar a arguida e as menores a saírem do mesmo, sendo que estas a empurrara, causando-lhes dores.
No interior do quarto retiraram tintas de grafite, um ovo de chocolate grande e uma almofada nova, fazendo-os seus.
Sendo chamados os agentes da PSP ao local e após a sua saída a arguida e as restantes jovens aproximaram-se de MM ameaçando-a, dizendo que ia pagar por ter chamado a PSP.
Com a sua conduta a arguida causou lesões no corpo de MM ao nível do membro inferior esquerdo, equimose oval arroxeada com cerca de 6,3 por 1,8 cm, que demandaram para a sua cura 12 dias com afetação parcial da sua capacidade de trabalho.
Cerca de meia hora depois a arguida e as jovens identificadas dirigiram-se ao gabinete da MM dizendo que se iam vingar por ter chamado a PSP.
A arguida AA e as três jovens, arrombaram com pontapés a porta do gabinete de MM, entraram no mesmo e remexeram nas gavetas tendo-se apropriado de dois cartões bancários com sistema conctaless e de vários documentos, fazendo-os seus.
Seguidamente a arguida AA, a DD, a EE e FF com o suso de grafites escreveram nas paredes da instituição: “... é uma merda”, “pau no cú do OO”, “filhos da puta”.
A arguida estava ciente que com os seus comportamentos intimidatórios e ameaçadores, designadamente munida com um pau com pregos, limitava a liberdade de ação das três crianças que se encontravam no gabinete de MM, que se apropriava de bens que sabia que não lhe pertenciam contra a vontade dos seus titulares, que, ofendia a integridade física de várias pessoas ao atingi-las no compor e face, que danificava bens que sabia não lhe pertencerem.
Agiu sempre de modo livre, voluntario e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Encontra-se assim indicada a prática pela arguida:
- dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 143º, n.º1 145º, n.º1, al. s) e 2 ambos do Cód. Penal, por referência ao art. 132º, n.º2, al. h), do mesmo diploma;
- um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º, nº1, do Cód. Penal;
- um crime de furto qualificado p. e p.  pelo art. 203º, n.º1, e 204º, do Cód. Penal;
- quatro crimes de dano p. e p., pelo art. 212º, n.º1, do Cód. Penal;
- um crime de detenção de arma proibida, p. e p., pelo art. 86º, n.º1, al. d), da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro;
- três crimes de coação p. e p. pelo art. 154º, n.º1, do Cód. Penal;
- dois crimes de roubo, p. e p., pelos art. 210º, n.º1 do Cód. Penal.
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Nos termos do art. 204º, do Cód. Proc. Penal a aplicação de uma qualquer medida de coação, à exceção do TIR, está dependente no momento da sua aplicação de se verificar:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo ou perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem ou a tranquilidade públicas.
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Na situação em apreço a arguida admitiu a generalidade dos factos que lhe são imputados, justificando os mesmos com zangas, intrigas e desejos de vingança.
Os factos praticados, tal como a arguida reconhece, são graves, consubstanciando a prática de crimes com molduras penais elevadas, que no seu conjunto excedem em muito os 5 anos de prisão.
Dos demais elementos cotejados nos autos, resulta uma atuação em grupo, violenta, sem qualquer juízo de censura nem resistência à natureza das pessoas ofendidas – funcionários da instituição em que se encontrava acolhida – nem ao local, em especial pelo facto de ali se encontrarem acolhidas diversas crianças algumas de tenra idade.
A arguida e as outras três jovens foram criando uma cultura de terror e intimidação com ofensa físicas, verbais, apropriação de bens e dinheiros que lhe não pertenciam, destruição de bens e do património da instituição.
Acresce que a arguida se ausentou da instituição, estando em parte incerta, até ser encontrada e detida.
Entende-se, assim que se verifica perigo de fuga bem como perigo de perturbação do inquérito, da ordem e da tranquilidade pública.
A prova testemunhal e documental existente nos autos e fortemente indiciadora da prática pela arguida dos factos descritos.
Porem:
A arguida conta com 16 anos feitos no passado mês de agosto.
Encontrava-se acolhida no BB ao abrigo de uma medida de acolhimento residencial, sendo desconhecido, pelo menos por agora, que tenha algum apoio ou enquadramento familiar.
O sistema penal português, tal como resulta do regime contido no Decreto Lei 408/82 de 23 de setembro estabelece o regime penal aplicável a jovens delinquentes (até aos 21 anos), dá prevalência a medidas reeducadoras e de reintegração do jovem na sociedade.
O Ministério Público promoveu a aplicação da medida de prisão preventiva à arguida prevista no art. 202º, do Cód. Penal.
Como é sabido, a prisão preventiva é a última das medidas a aplicar, sendo apenas adequada quando as outras não se mostrem suficientes para satisfazer as medidas cautelares do caso.
A arguida AA não pode, pelo menos por agora, estar isenta de uma medida de privação da liberdade, tendo em conta a gravidade dos factos cometidos e a falta de soluções que se apresentam.
O art. 201º, n.º1, do Cód. Penal determina que se considerar inadequadas ou insuficientes no caso as medidas referidas nos artigos anteriores o juiz pode impor ao arguido a obrigação de não se ausentar, ou de não se ausentar sem autorização da habitação própria ou de outrem em que de momento resida ou, nomeadamente, quando tal se justifique em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.
Tendo em conta a idade da arguida (16 anos), o seu percurso de vida, o contexto em que os factos foram praticados, apresenta-se que a aplicação da medida de prisão preventiva seria excessiva.
A jovem AA tem uma vivência conturbada, disfuncional, não tem retaguarda familiar conhecida, pelo que, se afigura que a sua integração numa instituição que lhe preste o apoio social que necessita e ao mesmo tempo satisfaça as exigências cautelares será mais adequada ao caso.
De entre as instituições que se conhece, a sua integração em Centro Tutelar Educativo, de modo semelhante ao regime fechado contido no DL 166/99 de 14 de setembro será a que melhor acautela os interesses em causa.
Deste modo, decide-se aplicar à arguida AA, além do TIR, a medida de coação de obrigação de permanência prevista no art. 201º, n.º1, do Cód. Penal, a ser executada em Centro Tutelar Educativo em moldes idênticos regime fechado previsto na Lei 408/82 de 23/01.
Notifique.
Emitam-se os competentes mandados de condução.
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De modo a ponderar uma eventual alteração da medida designadamente para obrigação de permanência na habitação sujeita, ou não, ao regime de vigilância eletrónica solicite-se à DGRS a elaboração de relatório com vista a aferir a existência da possibilidade do seu cumprimento junto da progenitora da arguida.”
*
b) Da alteração da medida de coação – da aplicação da prisão preventiva:
Entende o recorrente que à arguida deverá ser aplicada a medida de coação de prisão preventiva, ao invés da medida de obrigação de permanência na habitação em Centro Tutelar Educativo, nos moldes determinados no despacho ora recorrido.
Isto porque, no seu entendimento, existe perigo sério e concreto de continuação da atividade criminosa, em virtude da personalidade impulsiva, agressiva e violenta da arguida, do desrespeito pelas mais elementares regras de conduta e convivência em sociedade, demonstrando uma personalidade avessa ao dever ser jurídico-penal, com a violação de bens jurídicos eminentemente pessoais.
Mais se aponta o curto período de tempo durante os quais os crimes foram praticados - menos de um mês -, com a verificação de uma escalada de violência, que culminou com a prática, no dia 8 de dezembro de 2024, de dois crimes de roubo, fazendo temer pela prática de novos factos, quer em contexto de acolhimento residencial, quer fora dele.
Entende ainda o recorrente estar verificado o perigo de fuga, uma vez que a arguida está constantemente em fuga da instituição onde se encontrava acolhida e com paradeiro desconhecido.
Mais se entende ser previsível que será aplicada à arguida uma pena de prisão efetiva, face à natureza e gravidade dos crimes.

Vejamos:
No dizer de Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 231/2, as medidas de coação e de garantia patrimoniais configuram “meios processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros eventuais responsáveis por prestações patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias”,
A aplicação das medidas de coação, no nosso ordenamento processual, está sujeita às condições gerais contidas nos artigos 191.º a 195.º, do CPP.
O artigo 191.º/1 dispõe que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei, enformando assim o princípio da legalidade ou da tipicidade das medidas de coação,
As medidas de coação estão ainda subordinadas aos princípios da adequação e da proporcionalidade, nos termos do artigo 193.º/1.
Por outro lado, nenhuma medida de coação deve ser aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção de responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal, conforme estatuído no art. 192º, nº 6.
Nos termos do artigo 204.º alíneas a), b) e c) do CPP as medidas de coação, com exceção do termo de identidade e residência, por sua vez, não podem ser aplicadas se em concreto se não verificar:
- fuga ou perigo de fuga;
- perigo de perturbação do decurso do inquérito e nomeadamente, perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova;
- perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
O que nada contende com o princípio da presunção da inocência, em detrimento de necessidades de prevenção geral.
Tal princípio, plasmado no artigo 32.º nº 2 da CRP consubstancia-se no facto de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.”
Consubstancia reconhecidamente de um direito fundamental, conforme artigos 11.º/1 da DUDH, 6.º/2 da CEDH e 48.º/1 da Carta dos Direitos Fundamentais da EU e assenta no pressuposto basilar do respeito pela dignidade da pessoa humana, enformador de todo o processo penal.
Não obstante, o seu sentido não deverá ser literalmente interpretado, sob pena de nunca ser possível efetuar-se qualquer juízo indiciador ou de culpabilidade da prática de um crime e muito menos decretar-se uma medida de coação.
A afastar tal interpretação literal, o artigo 28.º CRP, que admite prisão preventiva, conferindo-lhe caráter excecional, assim como o artigo 18.º nº 2 CRP, que permite a restrição dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos nos casos expressamente previstos na Constituição, mas sempre mediante um “princípio de intervenção mínima”.
Do que se trata, perante o caso concreto, é de levar a efeito uma ponderação dos diversos interesses em causa.
Por um lado, a proteção de direitos fundamentais à liberdade e à segurança ínsitos no art. 27º nº 1 da CRP e por outro, a eficácia da investigação criminal, prevista no artigo 32.º nº 5 da CRP) de estrutura acusatória, ainda que mitigada pelo princípio da investigação, sendo, então, necessário, em cada caso concreto, fazer uma ponderação dos interesses em conflito para determinar a respetiva prevalência e grau e medida de restrição.
Os princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade, da subsidiariedade e da precariedade, mais não são, então, do que corolários do princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória.

O art. 193º CPP condensa estes princípios, ao estatuir que:
“Princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade
1 - As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
2 - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.
3 - Quando couber ao caso medida de coação privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.”

Os casos de admissibilidade da prisão preventiva encontram-se estabelecidos no art. 202.º do Código de Processo Penal, constituindo a sua aplicação a última ratio, estando a sua aplicação dependente da constatação da inadequação e da insuficiência das demais medidas de coação previstas na lei.
E, sempre que se venha a verificar da necessidade de aplicação de uma medida não privativa da liberdade, haverá que dar-se preferência à obrigação da medida de obrigação de permanência na habitação, em obediência ao disposto no art. 193º nº 3 CPP.
Ainda, de acordo com o disposto no art. 202º nº 1 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva só será aplicada verificada que esteja a existência de fortes indícios da prática do crime imputado e que este se enquadre no elenco daqueles aí previstos.
Assim, cumpre sublinhar que, no que respeita à aplicação da medida de coação da prisão preventiva, os seus pressupostos fáticos bastam-se com uma indiciação forte, considerados os elementos de prova reunidos até então, como resulta do artº 202º do CPP.
Chama-se a este propósito à colação o referido por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª ed. atualizada, Lisboa 2008, Católica Editora, pág. 330:
indícios fortes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória. A diferença entre um e outro reside apenas na variação da base dos elementos conhecidos no momento da decisão interlocutória e no momento da sentença. Por esta razão, o legislador só consagra o crivo dos indícios fortes para a aplicação das medidas cautelares mais graves, que implicam uma limitação de tal maneira intensa da liberdade que constituem, no plano fáctico, uma antecipação dos efeitos negativos da condenação pelos factos (artigo 193.º, n.º 1).»
Nesta conformidade, haverá que partir do conjunto de factos dados como indiciados no despacho de 26/12/2024 e respetiva qualificação jurídica, que, uns e outro, não são postos em causa pelo recorrente.
Assim, e no que respeita aos factos considerados indiciados no despacho recorrido, são os seguintes:
“(…)
- Desde o ano de 2022 que se encontra no BB em ... por aplicação de medida de acolhimento residencial no âmbito de um processo de promoção e proteção;
- Nessa mesma instituição também se encontram acolhidas as jovens DD, EE e FF;
- No dia 17 de novembro de 2024, pelas 19h00, no interior das instalações do BB a arguida AA depois de discutir com a FF aproximou-se desta, empurrando-a, tendo sido agarrada pela técnica GG;
- Após se ter conseguido libertar da GG a arguida, juntamente com as jovens EE e DD, encontrando-se a FF prostrada no chão deferiram-lhe pontapés na cabeça e na barriga bem como lhe puxaram os cabelos, causando-lhe dores;
- A arguida, a DD, a EE, agiram em conjugação de esforços, de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de causar dor na FF;
- No dia 30 de novembro de 2024 pelas 20h00, no interior das instalações do BB em ... a arguida AA e a FF entraram no quarto da menor HH, tendo a arguida deferido várias pancadas na cara desta e puxado os cabelos, o que lhe provocou dores;
- Também a jovem FF deferiu pancadas no corpo da HH bem como lhe puxou o cabelo;
- A funcionária da instituição II colocou-se à frente da menor HH de modo a evitar que continuasse a ser agredida.
- A DD e a EE entraram no quarto tendo a arguida AA e a Lei desferido um empurrão na II, e de seguida a arguida, a DD, a EE e a FF deferiram vários pontapés nas pernas, nos braços e no tronco da HH, provocando-lhe dores.
- A funcionária II retirou a HH do quarto e deslocaram-se para a sala do pessoal, ficando a HH dentro da sala e a II fechou a porta.
- A arguida AA e as DD, EE e FF desferiram murros e pontapés na porta, a FF pegou num extintor que se encontrava numa parede e com ele desferiu uma pancada na porta da sala onde se encontrava a HH, não a conseguindo arrombar.
- Uma vez que não conseguiram arrombar a porta e entrar na sala em que se encontrava a HH a AA disse à II que ia levar com o pó do extintor, acionando-o na sua direção e atingindo-a na cara, o que lhe causou dores.
- A arguida AA, a DD, a EE e a FF agiram em conjugação de esforços, de modo livre voluntário e consciente com a intenção de molestar a HH na sua integridade física.

Mais sabiam que em face da sua superioridade numérica a HH não tinha possibilidade de se defender.
A arguida AA agiu ainda com o propósito concretizado de atingir a II na sua saúde e integridade física.
- No dia 3 de dezembro de 2024 pelas 20h30m nas instalações do BB, designadamente na sala de estar a arguida AA, a FF, a JJ e a DD estavam a ver televisão, sendo que a FF pegou no comando e pôs o som muito alto.
Gerada uma situação de conflito a FF acabou por atingir a II com o pó do extintor numa perna, sendo que, quando surgiu o educador KK, a mesma FF acionou o extintor na sua direção atingindo-o na face.
- De seguida a arguida AA, a DD, e EE e a FF dirigiram-se ao quarto da LL tendo arrombado a porta, destruindo a fechadura e partindo a porta e retiraram do seu interior:
- um envelope com o escrito II contendo no seu interior a quantia de 300,00 €;
- 165 € que pertencia a II.
Depois, na posse dessas quantias, saíram do quarto fazendo-as suas.
- Nesse dia, e de forma não concretamente apurada a arguida AA, a DD, a EE e a FF, arrombaram a porta do salão de festas da instituição, destruíram a fechadura e partiram a porta também da sala de visitas e munidas da quantia de 465,00 € abandonaram a instituição.
- A reparação das portas ascende a 602,70 €.
- A arguida AA e as demais jovens agiram de forma concertada de modo a fezerem seu o dinheiro que se encontrava nos envelopes que estavam no quarto de LL, sabendo que entravam no quarto contra a vontade de quem dele dispnha e que se aporpraram de quanias que sabiam não serem suas.
Mais agiram em comunhão de esforços e intento e de acordo com um plano previamente traçado com o propósito de causarem estragos às portas da instituição, sabendo que as mesmas lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade do proprietário.
- no dia 8 de dezembro de 2024, no interior das instalações do BB, a EE munida de um objeto contruído de forma artesanal composto por um cabo em madeira de 21 cm e uma lâmina com 13,5 cm de comprimento, juntamente com a AA e a FF, ambas munidas de paus com parafusos salientes e com a DD abriram a porta do gabinete onde se encontrava a técnica da instituição MM e outras três crianças acolhidas na instituição, uma delas com menos de 3 anos.
- A arguida e as outras três jovens ordenaram aos menores que saíssem do espaço, sendo que, as crianças, com medo obedeceram à ordem deixando a técnica MM sozinha com a FF que fechou a porta do gabinete às chaves.
- a MM retirou as chaves à FF tendo aberto a porta. De seguida a arguida e as três jovens disseram à MM que queriam conversar justificando a faca e os paus para o caso de fazerem falta conforme a repostada que viesse a ser dada.
A arguida e as jovens pediram para ir dar um passeio levando as bicicletas da instituição, ao que a MM respondeu que podiam ir passear mas não podiam levar as bicicletas.
De seguida a arguida AA e as outras jovens dirigiram-se à sala onde se encontravam as bicicletas que se encontrava fechada batendo na mesma com os paus.
A arguida AA e as jovens deslocaram-se ao quarto da funcionária NN entrando no mesmo e remexendo nos móveis, aporpeiando-se de uma chave de um veículo que fizeram sua.
A arguida AA empurrou a MM que a tinha seguido até ao quarto provocando-lhe dores. A MM entrou no quarto da funcionária NN para forçar a arguida e as menores a saírem do mesmo, sendo que estas a empurrara, causando-lhes dores.
No interior do quarto retiraram tintas de grafite, um ovo de chocolate grande e uma almofada nova, fazendo-os seus.
Sendo chamados os agentes da PSP ao local e após a sua saída a arguida e as restantes jovens aproximaram-se de MM ameaçando-a, dizendo que ia pagar por ter chamado a PSP.
Com a sua conduta a arguida causou lesões no corpo de MM ao nível do membro inferior esquerdo, equimose oval arroxeada com cerca de 6,3 por 1,8 cm, que demandaram para a sua cura 12 dias com afetação parcial da sua capacidade de trabalho.
Cerca de meia hora depois a arguida e as jovens identificadas dirigiram-se ao gabinete da MM dizendo que se iam vingar por ter chamado a PSP.
A arguida AA e as três jovens, arrombaram com pontapés a porta do gabinete de MM, entraram no mesmo e remexeram nas gavetas tendo-se apropriado de dois cartões bancários com sistema contacless e de vários documentos, fazendo-os seus.
Seguidamente a arguida AA, a DD, a EE e FF com o suso de grafites escreveram nas paredes da instituição: “... é uma merda”, “pau no cú do OO”, “filhos da puta”.
A arguida estava ciente que com os seus comportamentos intimidatórios e ameaçadores, designadamente munida com um pau com pregos, limitava a liberdade de ação das três crianças que se encontravam no gabinete de MM, que se apropriava d e bens que sabia que não lhe pertenciam contra a vontade dos seus titulares, que, ofendia a integridade física de várias pessoas ao atingi-las no compor e face, que danificava bens que sabia não lhe pertencerem.
Agiu sempre de modo livre, voluntario e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.(…)”
E, por via dos aludidos factos, entendeu o despacho recorrido estar indiciada a prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 143º, n.º1 145º, n.º1, al. s) e 2 ambos do Cód. Penal, por referência ao art. 132º, n.º2, al. h), do mesmo diploma; um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º, nº1, do Cód. Penal; um crime de furto qualificado p. e p.  pelo art. 203º, n.º1, e 204º, do Cód. Penal; quatro crimes de dano p. e p., pelo art. 212º, n.º1, do Cód. Penal; um crime de detenção de arma proibida, p. e p., pelo art. 86º, n.º1, al. d), da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro; três crimes de coação p. e p. pelo art. 154º, n.º1, do Cód. Penal e dois crimes de roubo, p. e p., pelos art. 210º, n.º1 do Cód. Penal.
A aludida qualificação jurídica também se não mostra controvertida no âmbito do presente recurso.
E cumpre fazer notar que os perigos convocados no recurso ora em apreço são precisamente os mesmos que se dão por verificados no despacho recorrido, pelo que, em bom rigor, tal questão não é objeto de divergência por parte do recorrente.
 Até porque, como é consabido a medida de obrigação de permanência na habitação prevista no art. 201º CPP, assenta nos mesmos pressupostos de base da prisão preventiva, prosseguindo um fim concorrente com aquela.
Mas não pode escamotear-se o facto de existirem diferenças significativas entre aquelas duas medidas de coação, no que toca à respetiva eficácia.
Em síntese, o que cumpre averiguar é da suficiência da medida de obrigação de permanência na habitação, convocando-se outrossim os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
E não se discorda do despacho recorrido, nem o recorrente o faz, no que respeita à gravidade dos crimes cuja prática, por banda da arguida, se indicia.
Nem que os factos indiciados, dada a sua natureza e o concreto modo como foram levados a cabo, indiciam uma desconformidade com o direito, um descaso para com aqueles que foram alvo das condutas da arguida (funcionárias da instituição onde a mesma se encontrava acolhida e, com particular gravidade, crianças acolhidas naquela instituição, uma delas com idade inferior a 3 anos).
Estes aspetos apontam claramente no sentido de que à arguida deverá ser aplicada medida de coação privativa da liberdade.
Aqui chegados, e como resulta dos autos, importa destacar o facto de que a arguida é muito jovem, tendo completado 16 anos em agosto 2024. É crível que lhe venha a ser aplicado a atenuação especial da pena decorrente do DL n.º 401/82, de 23 de setembro (cfr, art. 4º), não sendo, porém, expetável a aplicação de pena inferior a 2 anos de prisão, para efeitos do disposto no art. 6º do aludido diploma.
Em qualquer caso, e como se fez exarar no Acórdão TRL de 19-06- 2019, consultável em www.dgsi.pt, “Respeitar o princípio da adequação significa escolher a medida que poderá constituir o melhor instrumento para garantir as exigências cautelares do caso, ou seja, para alcançar o fim visado. Para respeitar o princípio da proporcionalidade, a medida de coacção escolhida deverá manter uma relação directa com a gravidade dos crimes e da sanção previsível, cabendo ponderar elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, a importância dos bens jurídicos atingidos. O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excepcional que só pode ser aplicada como extrema ratio, quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente. Na falta de condições técnicas ou de algum dos consentimentos necessários e enquanto não for exequível a medida de obrigação e permanência na habitação mediante vigilância electrónica e o controlo à distância da proibição de contactos, a determinar e a realizar na primeira instância, o arguido aguardará os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.”
Para concluir que, tudo sopesado, se nos ainda afigura suficiente e adequada a aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação como forma de garantir as necessidades de natureza cautelar que evolam dos factos em apreço, nos termos que abaixo melhor se abordarão, e caso se venham a mostrar reunidas as condições necessárias.
Improcede, assim este argumento recursório.

b) Da execução da medida de OPH em centro tutelar educativo

Decerto sensível à vivência conturbada e disfuncional, sem retaguarda familiar conhecida da arguida, o despacho recorrido entendeu que a sua integração numa instituição que lhe preste o apoio social que necessita e ao mesmo tempo satisfaça as exigências cautelares será a mais adequada ao caso.
Ali se entendeu, pois, que “De entre as instituições que se conhece, a sua integração em Centro Tutelar Educativo, de modo semelhante ao regime fechado contido no DL 166/99 de 14 de setembro será a que melhor acautela os interesses em causa.”
Deste modo, decidiu-se aplicar à arguida AA, além do TIR, a medida de coação de obrigação de permanência prevista no art. 201º, nº 1, do Cód. Penal, a ser executada em Centro Tutelar Educativo em moldes idênticos a regime fechado previsto na Lei 408/82 de 23/01.
Nos termos do já mencionado art. 201º nº 1 CPP, Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de não se ausentar, ou de não se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida ou, nomeadamente, quando tal se justifique, em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.”
E a questão está, agora, precisamente em saber se o Centro Tutelar Educativo se qualifica como instituição apta à prestação de apoio social e de saúde.
Estamos, com o recorrente, em crer que não.

Para tal basta atentar na finalidade daqueles estabelecimentos, nos termos previstos no artigo 145.º da Lei Tutelar Educativa:
 “Os centros educativos destinam-se exclusivamente, consoante a sua classificação e âmbito:
a) À execução da medida tutelar de internamento;
b) À execução da medida cautelar de guarda em centro educativo;
c) Ao internamento para a realização de perícia sobre a personalidade quando incumba aos serviços de reinserção social;
d) Ao cumprimento da detenção”.

A detenção a que alude a alínea d) respeita à possibilidade a que alude o art. 52º do supra referido diploma.
É ainda possível, nos termos do artigo 27º, n.º 5 da Lei Tutelar Educativa, o cumprimento da medida de coação de prisão preventiva em Centro Educativo, nos casos em que o jovem já se encontrava a cumprir medida tutelar de internamento.
Assim, e ressalvada a aludida exceção, que não é aplicável à jovem AA, os Centros Tutelares Educativos, destinam-se ao cumprimento de medidas de internamento ou cautelares de guarda ou ainda à detenção aplicadas em sede de Processo Tutelar Educativo, não podendo, de todo, enquadrar-se como prestadores de apoio Social e (muito menos) de cuidados de saúde, para efeitos do supra mencionado diploma legal.
Ainda assim, coloca-se a questão de saber se a situação da jovem AA é “elegível” para aplicação da medida de OPH nos moldes determinados, ainda que noutra instituição que se mostre adequada.
A resposta seria afirmativa e claramente encontrada no caso da instituição onde a mesma se encontrava acolhida, não fosse esta, precisamente o local onde se mostra totalmente desaconselhável (em qualquer circunstância, acrescentaríamos nós) o regresso da arguida – pois que foi ali, precisamente que foram praticados os factos (graves) cuja prática se indicia e onde trabalham e se mostram acolhidos os ofendidos dos crimes em causa.
Também se não mostra adequado o cumprimento da medida em qualquer outra instituição de acolhimento, considerada a natureza dos mesmos, os fins a que se destinam e o indiciado comportamento disruptivo da arguida – correndo-se o forte risco de a mesma, se ali colocada em cumprimento da medida de OPH fosse perturbar o dia a dia das crianças ali acolhidas e das pessoas que ali exercem as suas funções – à semelhança do que ocorreu na instituição onde se encontrava acolhida.
E, uma vez que a arguida se não mostrava acolhida em instituição apta a prestar-lhe cuidados de saúde (nem se alcança que deles necessite), afastada está igualmente a possibilidade de cumprimento da medida em instituição daquela natureza.
Não obstante, essa porta deverá ser deixada em aberto, para o caso de vir a ser encontrada instituição adequada a prestar apoio social à arguida, sendo certo que a mesma dele carece, informação que deverá ser procurada e prestada pelos serviços de Reinserção social.
Para o caso de tal se não mostrar possível, deverá ser ponderada a hipótese de a medida vir a ser executada na habitação da progenitora, nos moldes já determinados no despacho recorrido.
Enquanto se aguarda a prestação de tais informações e a elaboração do competente relatório, deverá a arguida aguardar os ulteriores trâmites processuais sujeita à medida de prisão preventiva.
*
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público em consequência:
1) Manter a medida de obrigação de permanência na habitação em instituição adequada a prestar-lhe apoio social aplicada à arguida AA, a ser encontrada pela DGRS;
2) Determinar que a instituição Centro Tutelar Educativo não se enquadra na previsão do art. 201º nº 1 CPP;
3) Determinar que a arguida aguarde os ulteriores termos processuais sujeita à medida de prisão preventiva enquanto decorrem as diligências referidas em 1).
4) Determinar a passagem de mandados para condução imediata da arguida ao EP.
*
Sem custas.
*
Registe e notifique (artº 425º, nºs 3 e 6, do CPP).
*
Guimarães, 02 abril 2025.

(Texto processado por computador, composto e revisto pela relatora e assinado digitalmente pelos seus subscritores)

Anabela Rocha (relatora)
Carlos da Cunha Coutinho (1ª adjunto)
Armando da Rocha Azevedo (2º Adjunto)