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CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
TAXA DE ÁLCOOL NO SANGUE
PESQUISA NO AR EXPIRADO
ANÁLISE SANGUÍNEA
Sumário
I - A determinação da taxa de álcool no sangue (TAS) não pode ser provada por confissão, porquanto está sujeita a prova legal tabelada, apenas podendo ser apurada por pesquisa no ar expirado através aparelhos analisadores oficialmente aprovados e anualmente verificados, mediante análise ao sangue ou por via de outros exames médicos que tenham essa capacidade analítica. II – Encontrando-se comprovado, por prova idónea para o efeito, que, às 22h20, ou seja, duas horas e vinte minutos após a eclosão do acidente de viação, aquando da sua sujeição a análise sanguínea em estabelecimento hospitalar, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,60 g/l, é possível afirmar de modo sobejamente seguro, apelando a regras de conhecimento técnico-científico respeitadoras do atual estado da ciência e comumente aceites, que, à data do sinistro, ele conduziu o veículo automóvel na via pública ostentando uma TAS de, pelo menos, 1,60 g/l. III - O álcool produz efeito no organismo poucos minutos após a sua ingestão, ainda que seja absorvido gradualmente e com intensidade máxima durante o subsequente hiato temporal de 1/2 hora a hora e meia (em regra, ou, no máximo, 2 horas), período em que se verifica o auge de concentração da substância no sangue. O tempo que o álcool se mantém no corpo do indivíduo após a ingestão varia consoante a quantidade de bebida e o período de consumo, podendo permanecer entre 6 e 72 horas no organismo. IV – Se o arguido era portador de uma taxa de alcoolémia de 1,60 g/l duas horas e 20 minutos após as 20 horas, ou seja, mesmo após o decurso integral do dito intervalo de valor máximo da taxa de álcool no sangue e, portanto, numa ocasião em que essa taxa estaria a decrescer, tal circunstância significa que quando foi submetido a análise clínica para pesquisa de álcool no sangue já havia decorrido o lapso temporal de intensificação da absorção do álcool pelo organismo e correlativa acentuação da TAS, pelo que uma hora e meia ou mais antes desse momento, incluindo às 20 horas, momento em que o teste qualitativo que realizou acusou a presença de álcool no seu organismo, a taxa de alcoolémia, que entretanto cresceu, não seria inferior ao resultado demonstrado pelo exame médico-legal (1,60 g/l). V - Confere suporte a tal conclusão o facto cientificamente verificado de que o processo de elisão do álcool no organismo humano é lento, à média de 0,1 g/l por hora, pelo que mesmo que o arguido tivesse ingerido bebidas alcoólicas pouco antes das 20 horas e descontado o período máximo de duas horas posteriores a tal ingestão, em que o nível de absorção do álcool no sangue é intensificado até atingir o seu pico, só então o processo de eliminação do álcool se iniciaria de modo moroso e em momento já assaz próximo da realização em instituição hospitalar da análise ao sangue, logo, com nenhuma ou mínima influência no resultado apurado, de todo o modo, incapaz pela míngua de tempo de retirar sequer uma décima ao resultado verificado. VI - Nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 6º da Lei nº 18/2007, de 17.05, sempre que o resultado do exame toxicológico de sangue para quantificação da taxa de álcool seja positivo, a entidade fiscalizadora procede ao levantamento de auto de notícia correspondente, a que junta o relatório, sendo que o respetivo resultado (valor apurado de TAS) prevalece sobre o resultado do teste no ar expirado realizado em analisador quantitativo. Foi intenção do legislador que, em casos como o dos autos, para efeitos de fiscalização da condução sobre a influência de álcool, valesse para determinação do quantum da taxa de alcoolémia, sem restrições, o resultado (TAS) obtido por via da realização pelo condutor do exame toxicológico de sangue.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 691/23...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz ..., por sentença proferida e depositada no dia 30/09/2024(referências ...60 e ...06, respetivamente), foi decidido:
“Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência: A) Condeno o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo art.º 292.º n.º 1 do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à razão diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos) o que perfaz a quantia de € 520,00 (quinhentos euros). B) Condeno o arguido AA, nos termos do art.º 69.º n.º 1 alínea a), do CP, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de período de 5 (cinco) meses. C) Condeno o arguido AA nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC.”
I.2 Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido AA interpor o presente recurso, que, contendo motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório(referência ...51) - transcrição:
“I - O presente recurso é interposto da Douta Decisão que condenou o arguido pelo crime de condução em estado de embriaguez, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motores pelo período de cinco meses.
II – O arguido considera que o Tribunal “a quo” não valorou o facto do acidente ter ocorrido às 20 horas, e o teste de álcool no sangue só ter sido feito às 22.20, pois
III –Assim, não foi possível aferir se na hora do acidente o arguido conduzia com uma taxa de álcool igual ou superior a 1.20 g/l.
IV – Com efeito, a decisão de que se recorre deu como provados todos os factos da acusação, com excepção da hora do acidente, que ficou demonstrado ter sido às 20 horas, e não às 22, conforme estava plasmado na acusação.
V – O Tribunal formou a sua convicção:
“(…) na análise crítica da prova produzida em julgamento conjugada com os documentos juntos aos autos, nomeadamente, auto de notícia de fls. 4, participação de acidente de fls. 6 a 9 e documentos de fls. 10 e 11 e, bem assim, o relatório final de toxicologia de fls. 5.
VI – E concluiu que:
“a conduta do arguido integra, indubitavelmente, os elementos objectivos e subjectivos do crime (…)”
VII - Sendo certo que, por mera cautela de patrocínio, deve clarificar-se que, apesar da Douta Sentença recorrida ter referido que:
“O arguido começou por afirmar que os factos descritos no libelo acusatório eram verdadeiros (…)” e só a “instâncias da Ilustre Defensora, o arguido acabou por referir não pretender continuar com as suas declarações”
No início da audiência, o arguido disse que não queria falar.
Só a instâncias da Meritíssima Juiz, ao minuto 0:00 – 0.06, de 15.35 -15-40:
“Olhe, mas não quer dizer nada porque tudo isto é verdade ou porque não quer falar sobre o assunto?”,
É que o arguido prestou declarações. E depois, a instâncias da defensora oficiosa, repetiu, ao minuto 5:07, de 15.35 – 15.40: “Não digo mais nada”;
Ao que o Tribunal voltou a insistir, ao minuto 5:10-5:15, de 15.35 – 15.40:
“Mas isto é verdade ou não? É isto que eu quero saber, a sua última posição Sr. AA”;
E perante a intervenção da defensora oficiosa, ao minuto 5:21-5:30, de 15.35 –15.40, “Pois, eu acho que o senhor não percebeu que o direito dele é de não falar. Creio que ele não percebeu isso”;
É que ficou assente que o arguido não queria assumir os factos, e assim prosseguiu o Tribunal, com a inquirição da testemunha, a militar da GNR.
VIII – No entanto, a questão fulcral não está nas declarações do arguido, mas antes na taxa de alcoolémia à hora do acidente, às 20 horas.
IX - O teste qualitativo que o arguido fez indiciou álcool, mas não se sabe, e jamais se saberá, qual a respectiva quantidade.
X - E se é um facto assente pela ciência, que o álcool leva cerca de uma hora a produzir efeito no organismo, quando acompanhado de alimentos, e tendo o acidente ocorrido à hora de jantar, poder-se-á concluir que às 20 horas o álcool ainda não tinha produzido o seu efeito. (in Avaliação dos Tempos do Álcool no Tempo de Reacção, Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre Engenharia de Segurança e Higiene Ocupacionais Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Sónia Maria Marques Teixeira Mendonça Gouveia, FEUP 2010, pg. 37)
XI - E, após essa hora, o efeito do álcool no sangue tem um resultado ascendente, tal como a Douta Sentença refere, durante cerca de hora e meia;
XII – Que no caso terá sido até às 22.30.
XIII - O que leva a concluir que quando o arguido fez o exame ao sangue, às 22.20, estaria ainda no processo ascendente, de absorção de álcool no sangue.
XIV - Objectivamente e de facto, não foi feita prova de que o arguido conduzia às 20 horas, com taxa de álcool igual ou superior a 1,2 g/l;
XV – Assim, a Douta Decisão recorrida deverá ser revogada, nos termos e com as consequências legais.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs, como sempre, a melhor JUSTIÇA”
Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que defende seja negado provimento ao recurso (referência ...08).
I.3 Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que pugna pela improcedência do recurso (referência ...21).
Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir. II – Âmbito objetivo do recurso (questão a decidir):
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)[1].
Assim sendo, no caso vertente, a questão que importa decidir é a de saber se ocorreu erro de julgamento quanto à taxa de álcool no sangue ostentada pelo arguido no momento da ocorrência do acidente de viação, que, por não se ter apurado, deve ser considerada como não provada.
III – Apreciação:
III.1 – Factualidade dada por provada na sentença recorrida (na parte aqui pertinente):
“a) No dia 22.10.2023, pelas 20h00m, na Rua ..., em ..., o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula RL-..-.., sendo portador de uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,60g/l, envolvendo-se em despiste.
b) No mesmo veículo seguia, como passageira, BB, sendo que ambos sofreram ferimentos ligeiros.
c) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo as condições do veículo e da via em que conduzia, que a quantidade de álcool que havia ingerido lhe determinaria necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, bem como sabia que essa quantidade lhe reduzia consideravelmente as faculdades necessárias à condução automóvel, designadamente no que respeita à coordenação das funções de percepção e de coordenação motora, o que quis e conseguiu.
d) Igualmente sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O Tribunal fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos (parte relevante): «O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos provados constantes das alíneas a) a d), na análise crítica da prova produzida em julgamento conjugada com os documentos juntos aos autos, nomeadamente, auto de notícia de fls. 4, participação de acidente de fls. 6 a 9 e documentos de fls. 10 e 11 e, bem assim, o relatório final de toxicologia de fls. 5. O arguido começou por afirmar que os factos descritos no libelo acusatório eram verdadeiros, muito embora também tenha adiantado que o despiste sucedeu pelas, cerca, das 20h00 e que embora as consequências do despiste não tenham sido gravosas, segundo o próprio, ainda se sente abalado pelo sucedido. A instâncias da Ilustre Defensora, o arguido acabou por referir não pretender continuar com as suas declarações. Sem prejuízo, a par destas declarações do arguido, sempre nos mereceu atenção, em conjugação, o depoimento prestado pela testemunha CC, militar da GNR, a qual referiu, sucintamente, se ter deslocado ao local, na sequência de uma comunicação de um despiste. Confirmou o conteúdo do auto de noticia e a participação de acidente por si elaborados, sendo que ainda referiu que, quando chegou ao local, o aqui arguido se encontrava a ser assistido na ambulância. Tomou declarações ao arguido e acompanhou-o até ao Hospital ... em ..., em face da necessidade de ser assistido. Mais confirmou ainda tal testemunha que, no local do acidente, realizou um teste de pesquisa de álcool, mas apenas qualitativo, sendo que, pelo facto de o arguido ter de ser transportado para o hospital, foi depois neste recolhido sangue para concretização do teste de pesquisa de álcool no sangue, perante a presença da apontada testemunha. Destarte, perante tal prova assim produzida, cremos ser possível dar como provados os factos constantes da acusação deduzida. Com respeito à hora indicada no ponto a) dos Factos Provados, a mesma assim resultou, como se disse, desde logo das declarações prestadas pelo arguido, em conjugação com a prova documental e testemunhal produzida, não suscitando dúvidas quanto à concreta localização temporal. No que concerne ao aspecto subjectivo, ponderou-se o iter criminis do arguido, ou seja, a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência da qual se extrai a sua intenção, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento.»
III.2 – Impugnação da matéria de facto – erro de julgamento quanto ao facto provado na alínea a), no que tange à taxa de álcool no sangue:
Estatui o art. 292º, nº1 do Código Penal (CP): “quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
Primeiramente, cumpre referir que, não obstante a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo não ser unívoca quanto ao valor probatório atribuído a uma suposta confissão do arguido a propósito de toda a factualidade descrita na acusação, incluindo, pois, a taxa de álcool no sangue que possuía às 20 horas, quando, conduzindo o veículo automóvel de matrícula RL-..-.. na via pública, entrou em despiste, é de considerar que, nesse conspecto, a confissão não produz efeito, por se tratar de prova tarifada, para a qual a lei impõe o recurso a prova pericial – cf. arts. 127º, 151º e 163º, todos do CPP.
Com efeito, a determinação da taxa de álcool no sangue (TAS) está sujeita a prova legal tabelada pois que apenas pode ser apurada por pesquisa no ar expirado através aparelhos analisadores oficialmente aprovados e anualmente verificados, mediante análise ao sangue ou por via de outros exames médicos que tenham essa capacidade analítica – cf. art. 153º, nºs 1 e 8, do Código da Estrada (CE) aprovado pelo DL 114/94, de 03.05, na redação introduzida pela Leiº nº 72/2013, de 03.09.
Por conseguinte, a TAS não pode ser provada por confissão.
Posto isto, urge aferir se a prova produzida nos autos, designadamente a de cariz pericial e documental, permite determinar que o arguido/recorrente AA, no momento do acidente, conduzia a viatura automóvel em causa com uma TAS de, pelo menos, 1,60 g/l.
Prescreve art. 156º do CE:
“1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153.º
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas.”
Sabemos, por força do teor do auto de notícia junto aos autos [referência citius 15400108] e depoimento prestado pelo agente de autoridade autuante, CC, não colocados em crise pelo sindicante, que o arguido, no momento do acidente, conduzia na via pública o veículo automóvel em questão sob o efeito de álcool que ingeriu, porquanto tal foi demonstrado pelo resultado do exame qualitativo a que para o efeito se submeteu, ainda que tal meio de prova não permita estabelecer a concreta TAS apresentada pelo arguido.
Isto porque, como decorre do preceituado nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 18/2007, de 17.05, o aparelho qualitativo tem por função sinalizar a presença de álcool no sangue, prescindindo-se da emissão qualquer talão com valência de registo documental da taxa medida, uma vez que aquele teste visa apenas uma primeira despistagem e a consequente seleção dos condutores a submeter a teste quantitativo. Ou seja, o teste qualitativo faz parte do sistema legal de provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, determinante da sujeição ou não ao teste quantitativo, consoante o resultado indiciado pelo primeiro analisador for positivo ou negativo relativamente à presença de álcool. Decisivo para apuramento da concreta TAS é o teste quantitativo efetuado segundo os moldes legalmente estabelecidos.
Por outro lado, está indubitavelmente comprovado, por prova idónea para o efeito, que, às 22h20, ou seja, duas horas e vinte minutos após a eclosão do acidente de viação, aquando da sua sujeição a análise sanguínea em estabelecimento hospitalar[2], o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,60 g/l – cf. relatório final de exame pericial efetuado pelo INML [referência ...08].
Perante tais factos é possível afirmar, indubitavelmente, que o arguido, às 20 horas, conduziu o veículo automóvel ostentando uma TAS de, pelo menos, 1,60 g/l, como conclui o Tribunal recorrido?
Julgamos que sim, apelando a regras de conhecimento técnico-científico respeitadoras do atual estado da ciência e comumente aceites.
A propósito da forma como o consumo de álcool atua no organismo, está cientificamente comprovado que poucos minutos depois da ingestão o álcool introduz-se na corrente sanguínea, onde pode manter-se durante horas, e exerce a sua ação sobre diversos órgãos, afetando indubitavelmente, de modo negativo, o exercício da condução automóvel.
O tempo que o álcool se mantém no corpo do indivíduo varia conforme a quantidade de bebida e o período de consumo. Especialistas afirmam que o pico de concentração da substância no sangue acontece entre 30 e 90 minutos após a primeira dose e pode permanecer entre 6 e 72 horas no organismo – cfr. https://www.sns24.gov.pt/tema/dependencias/alcoolismo/.
Tal informação é também veiculada pela Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma da Madeira, inhttps://www.iasaude.pt/UCAD/index.php/substancias-psicoactivas/alcool, nos seguintes termos: «Após a sua ingestão, o álcool é inteiramente absorvido pelo tubo digestivo sem sofrer prévia digestão, entra diretamente no sistema circulatório, atingindo valores máximos até cerca de uma hora e meia, difundindo-se a todo o organismo.»
Atente-se ainda no explanado pela Autoridade Regional de Saúde do Norte, I.P. - http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/Informacao/Documents/Documentos/O%20%C3%81LCOOL%20E%20A%20CONDU%C3%87%C3%83O.pdf: «Só cerca de 5% do álcool ingerido é eliminado diretamente através da expiração, saliva, transpiração e urina. O restante passa rapidamente para a corrente sanguínea através das paredes do estômago e da parte superior do intestino delgado sem sofrer qualquer transformação química. Uma vez no sangue, o álcool é transportado pelos vasos sanguíneos para os diversos órgãos, passando pelo grande purificador que é o fígado que só lentamente procede à sua decomposição,a uma média de 0,1 g/l por hora. Quando o álcool atinge o cérebro, órgão abundantemente irrigado de sangue, afeta, progressivamente, as capacidades sensoriais, percetivas, cognitivas e motoras, incluindo o controlo muscular e o equilíbrio do corpo. O álcool interfere, assim, negativamente em todas as fases em que, academicamente, se divide a tarefa da condução. A alcoolemia afeta as capacidades físicas e psíquicas do condutor quase logo a seguir à ingestão da bebida alcoólica, levando o processo de absorção de 60 a 70 minutos a completar-se, atingindo um valor máximo no intervalo de 1/2 a 2 horas conforme as circunstâncias do momento. (…) O processo de eliminação do álcool é lento. Refere-se, como exemplo, que num indivíduo que tenha atingido uma taxa de alcoolemia no sangue (TAS) de 2,00g/l à meia-noite, só às 20 horas do dia seguinte o organismo eliminou completamente o álcool no sangue, apresentando, ainda, às 12horas uma taxa de 0,80g/l, em circunstâncias médias e normais. Este processo não pode ser apressado por nenhum meio, assim como não é possível eliminar os efeitos do álcool. Existem, contudo, substâncias e fatores que perturbam essa eliminação, nomeadamente atrasando as funções normais do fígado, ou potenciando o seu efeito nocivo como, por exemplo, o café, o chá, o tabaco, certos medicamentos e a fadiga.» Formas de Absorção A mesma quantidade de álcool pode originar valores de TAS muito diversos, na mesma pessoa ou em pessoas diferentes, conforme seja ingerido em jejum ou às refeições, rapidamente ou com grandes intervalos. A ingestão de álcool com o estômago vazio acelera a sua absorção o que leva a um aumento imediato de cerca de 1/3 do valor da taxa. Contudo, a presença de alimentos no estômago apenas retarda este processo, mantendo inalteráveis os seus efeitos. A taxa decorrente da ingestão de uma bebida alcoólica de uma forma rápida é mais elevada do que a decorrente da ingestão da mesma quantidade dessa mesma bebida feita de forma repartida, com intervalos. Também o momento do dia em que a bebida é ingerida pode trazer alterações (por exemplo, durante a noite o processo de metabolização é diferente do que o que se processa durante o dia). A TAS é, portanto, mais elevada com um consumo de álcool maciço, rápido e em jejum. Características da Bebida A Taxa de alcoolemia depende não só da quantidade de bebida ingerida como, também, do seu maior ou menor grau alcoólico, bem como se a bebida é gaseificada ou aquecida – nestas duas últimas situações a absorção do álcool é mais rápida.» [negrito nosso]
Destarte, é inverídica a asserção feita pelo recorrente de que “é um facto assente pela ciência, que o álcool leva cerca de uma hora a produzir efeito no organismo, quando acompanhado de alimentos” [cf. conclusão X]. Pelo contrário, o álcool produz efeito no organismo rapidamente, pouco minutos após a sua ingestão, ainda que seja absorvido gradualmente e com intensidade máxima durante o predito subsequente hiato temporal de ½ hora a hora e meia (em regra, ou, no máximo, 2 horas).
Neste enquadramento, legitima-se o juízo valorativo emitido pelo Tribunal a quo vertido na alínea a) dos factos provados de que “No dia 22.10.2023, pelas 20h00m, na Rua ..., em ..., o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula RL-..-.., sendo portador de uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,60g/l, envolvendo-se em despiste.” [sublinhado nosso]
Tomando-se em consideração a sobredita observação científica de que o processo de absorção do álcool no corpo através da corrente sanguínea atinge o auge, i. e., um valor máximo no intervalo de 30 minutos a 1 hora e 30 minutos (ou mesmo 2 horas) após a ingestão das bebidas alcoólicas, conforme as circunstâncias do momento, e recorrendo à lógica, é forçoso concluir que se o recorrente, como aventa a título de possibilidade, tivesse acabado de proceder à ingestão do álcool minutos antes do momento em que conduziu a viatura na via pública, independentemente de a ter ou não acompanhado com alimentos, sempre seria portador naquele momento de taxa concretamente desconhecida mas nunca inferior a 1,60 g/l.
Repare-se em que o arguido era portador de uma taxa de alcoolémia de 1,60 g/l duas horas e 20 minutos após as 20 horas, ou seja, mesmo após o decurso integral do dito intervalo de valor máximo da taxa de álcool no sangue e, portanto, numa ocasião em que essa taxa estaria a decrescer. Isso significa que quando o arguido foi submetido a análise clínica para pesquisa de álcool no sangue já havia decorrido o lapso temporal de intensificação da absorção do álcool pelo organismo e correlativa acentuação da TAS, pelo que uma hora e meia ou mais antes desse momento, incluindo às 20 horas, momento em que o teste qualitativo que realizou acusou a presença de álcool no seu organismo, a taxa de alcoolémia, que entretanto cresceu, não seria inferior ao resultado demonstrado pelo exame médico-legal (1,60 g/l).
Ademais, confere significativo suporte a tal conclusão a circunstância cientificamente verificada de que o processo de elisão do álcool no organismo humano é lento, à media de 0,1 g/l por hora, pelo que, mesmo que o arguido tivesse ingerido bebidas alcoólicas pouco antes das 20 horas e descontado o período máximo de duas horas subsequentes a tal ingestão, em que, frisa-se, o nível de absorção do álcool no sangue é intensificado até atingir o seu pico, só então o processo de eliminação do álcool se iniciaria de modo moroso e em momento já assaz próximo da realização em instituição hospitalar da análise ao sangue, logo, com nenhuma ou mínima influência no resultado apurado, de todo o modo, incapaz pela míngua de tempo de retirar sequer uma décima ao resultado verificado.
Note-se que, nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 6º da citada Lei nº 18/2007, sempre que o resultado do exame toxicológico de sangue para quantificação da taxa de álcool seja positivo, a entidade fiscalizadora procede ao levantamento de auto de notícia correspondente, a que junta o relatório, sendo que o respetivo resultado (valor apurado de TAS) prevalece sobre o resultado do teste no ar expirado realizado em analisador quantitativo. Daí que, em casos como o dos autos, a intenção do legislador foi que, para efeitos de fiscalização da condução sobre a influência de álcool valesse para efeitos de determinação do quantum da taxa de alcoolémia, sem restrições, o resultado (TAS) obtido por via da realização pelo condutor do exame toxicológico de sangue.
Pelo exposto, sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que é válido e de manter o juízo valorativo da prova efetuado pela Mma. Julgadora referente à TAS (1,60 g/l) de que o arguido, ora recorrente, era portador no momento do acidente de viação que causou enquanto condutor na via pública do veículo automóvel com a matrícula RL-..-.., na medida em que o mesmo é consentâneo com a globalidade da prova produzida, não violou frontalmente regras de experiência comum e/ou conhecimentos técnico-científicos, outrossim não desconsiderou o princípio in dubio pro reo, inaplicável face às circunstâncias do caso.
Consequentemente, perante a factualidade provada e nos moldes considerados na decisão recorrida, encontram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo do imputado crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 292º, nº1 e 69º, nº1, al. a), do CP, bem assim a necessária consciência da ilicitude da conduta. Não se vislumbra qualquer causa de exclusão da ilicitude ou de exculpação.
Desse modo, soçobra o douto recurso, sendo de confirmar a sindicada douta sentença condenatória.
IV - Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em conformidade, manter a sentença recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (arts. 513º, nº1 e 514º, ambos do CPP, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, todos do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo), sem prejuízo da proteção jurídica (apoio judiciário) na respetiva modalidade de que eventualmente beneficie.
*
Guimarães, 2 de abril de 2025,
Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
Pedro Freitas Pinto (1º Adjunto)
[assinatura eletrónica]
Fátima Furtado (2ª Adjunta)
[assinatura eletrónica]
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator, com recurso a meios informáticos, encontrando-se assinado eletronicamente pelos Desembargadores subscritores – cfr. art. 94º, nºs 2 e 3, do CPP)
[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade. [2] Nada permite afirmar que a colheita de sangue não foi efectuada no mais curto prazo possível após a ocorrência do acidente, como prevê, a título meramente ordenador, o art. 5º, nº1 da Lei nº 18/2007, de 17.05, que regulamenta a fiscalização da condução sob o efeito de álcool (cfr. ainda art. 158º, nº1, do CE).