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RECTIFICAÇÃO DE LAPSO DE ESCRITA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
PODERES DA RELAÇÃO
Sumário
I – No caso vertente, o suposto lapso de escrita relativamente à data de ocorrência do crime de injúrias imputado pelo assistente ao arguido na acusação particular não surge como evidente face ao próprio contexto da peça processual em que se insere, nem do cotejo com o teor do pedido de indemnização civil anexo a essa acusação ou do auto de notícia constante do Apenso, não permitindo, por via do disposto no art. 249º do Código Civil, a sua correção. II – O princípio do esgotamento do poder jurisdicional vigente no processo penal e exceções ao mesmo oponíveis (cf. art. 380º do Código de Processo Penal), obsta a que se acolha a pretensão recursória de modificação da data dos factos ao abrigo de uma mera retificação de erro de escrita, porquanto a mesma contenderia com o próprio objeto do processo, consubstanciando uma modificação essencial da acusação e, correlativamente, da fundamentação de facto da decisão final. III – Não podia ter sido cumprido pelo Tribunal recorrido o disposto no artigo 358º, nº1, do CPP, mediante comunicação à defesa de que a prova produzida inculcava que os factos invocados na acusação particular, alegadamente perpetrados pelo arguido, ocorreram também no dia 15 de junho de 2022, conjuntamente com os factos descritos na acusação pública, e não no dia 17 de junho desse ano, às 22h30, como se menciona naquela primeira peça processual, porquanto exsuda da motivação da decisão de facto que o Mmo. Julgador não ficou convencido sequer da ocorrência dos impropérios. IV - O assistente, ora recorrente, podia ter requerido até ao final da audiência de julgamento, a alteração não substancial da acusação particular no que respeita à data de ocorrência dos respetivos factos, mas não o fez, omissão que não pode ser suprida nesta fase processual por este Tribunal ad quem. V – O cumprimento do estatuído no art. 424º, nº3, do CPP - que constitui em sede de recurso norma similar à prevista no art. 358º, nº1 -, implica que se vise uma modificação de factualidade apurada descrita na decisão recorrida, o que não se compagina com a circunstância de este Tribunal da Relação entender agora, na sequência da impugnação da matéria de facto deduzida, dar como provado, como almeja o recorrente, que os factos que constituem o objeto do processo, descritos em ambas as acusações, ocorreram em data não concretamente apurada, mas seguramente em meados de junho de 2022, pois que, nesse caso, não se podia falar, quanto à acusação particular, em alteração não substancial de facto descrito na sentença recorrida, uma vez que aí a respetiva factualidade foi, pura e simplesmente, dada como não provada.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 200/22...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz ..., por sentença proferida e depositada a 01.10.2024 (referências ...41 e ...73, respetivamente), foi decidido:
“7.1.- Absolver o arguido AA da prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, do C.P..
7.2.- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do C.P., na pena de cento e dez dias de multa, à taxa diária de cinco euros.
7.3.- Condenar o arguido no pagamento de 5 UC`s de taxa de justiça, acrescida das custas do processo.
7.4.- Julgar improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante BB contra o demandado e, em consequência, absolver o demandado BB do pedido.
7.5.- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela CC contra AA e, em consequência, condenar o demandado a pagar à demandante a quantia total de novecentos setenta e um euros e vinte cêntimos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
7.6.- Custas do pedido de indemnização civil deduzido pelo BB, a cargo deste, sem prejuízo da isenção.
7.7.- Custas do pedido de indemnização civil deduzido pela CC, a cargo do demandado e da demandante, sem prejuízo da isenção.”
I.2 Inconformado com tal decisão, dela veio o assistente BB interpor o presente recurso, que, na motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório(referência ...10):
“I- O presente recurso tem como objeto toda matéria de fato da sentença proferida nos presentes autos, a qual absolveu o Arguido/Demandado, agora Recorrido da prática do crime de injúrias, previsto e punido pelo Artigo 181.º do Código Penal, bem como, do pedido de indemnização civil.
II- O Arguido vinha acusado de:
“I - DA ACUSAÇÃO PARTICULAR
1.º
No dia 17/06/2022, cerca das 22h30, o Assistente encontrando-se no interior da sua casa sita na Rua ..., da freguesia ..., do concelho ..., quando ouviu o Arguido a injuriar em alto e bom som o seu filho DD com os seguintes impropérios: “filho da puta”; “és um camelo”, “um gordo”, “sai debaixo da saia da tua mãe”, “não és homem nenhum”.
Porquanto,
2.º
O Assistente acedeu à parte exterior da sua habitação apelando à calma ao Arguido e sem que nada o justificasse, este proferiu contra o primeiro as palavras: “filho da puta, boi, corno, cabrão, paneleiro”.
E ainda,
3.º
Disse o Arguido ao Assistente em alto e bom som as seguintes expressões: “és um filho da puta, vai para a puta que te pariu”.
4.º
Com o referido comportamento, o Arguido ofendeu o Assistente ao proferir aquelas palavras e atentou contra a sua honra e consideração.
Com efeito,
5.º
O Assistente sempre foi uma pessoa respeitada no meio social onde se insere, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral e profunda honestidade.
Por outro lado,
6.º
O Arguido sabia que estava a imputar factos ao Assistente que não correspondiam à verdade.
7.º
O Arguido agiu livre e conscientemente, com o claro propósito, de ofender gravemente a honra e consideração devida ao Assistente, como ofendeu.
8.º
Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
9.º
Pelo exposto, cometeu o Arguido, em autoria material e na forma consumada, um crime de injúria previsto e punido respetivamente pelo Artigo 181.º, do Código Penal.
II - DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
10.º
O Assistente, ora Demandante, dá como integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, a acusação particular consubstanciada nos artigos anteriores, onde consta que o Arguido, ora Demandado, o injuriou.
11.º
O Demandante sentiu-se profundamente ofendido com as expressões e imputação que o Demandado lhe dirigiu, ficando, inclusive, dominado por um sentimento de enorme injustiça.
Por outro lado,
12.º
E, conforme já referido, o Demandante sempre foi uma pessoa respeitada no meio, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral, profunda honestidade e educação.
Além disso,
13.º
Ao proferirem as supra referidas expressões injuriosas, ao levantar suspeições sobre a honra do Assistente, o Arguido bem sabia tais imputações eram totalmente falsas, já que tinha, e têm, pleno conhecimento que o Assistente é pessoa séria e considerada por todos quanto o conhecem, respeitado e respeitável no seu meio familiar e social.
E,
14.º
Perante aqueles impropérios proferidos pelo Demandado, ficou o Demandante extremamente envergonhado, deprimido e entristecido.
15.º
Todas estas circunstâncias criaram no Demandante uma forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio social, psíquico e emocional, constituindo um grave atentado à sua personalidade moral, legalmente tutelado pelo artigo 70.º do Código Civil.
Neste sentido,
16.º
Os fatos descritos consubstanciam danos morais que, pela sua gravidade merecem a tutela do direito e são suscetíveis de serem indemnizados, indemnização essa que deve ser fixada em dinheiro.
17.º
Assim, deve o Assistente ora Demandante ser compensado pelo Arguido ora Demandado, respetivamente a título de danos não patrimoniais sofridos, como consequência direta e necessária da injúria, em quantia nunca inferior a €1.500,00 (mil e quinhentos euros).
Aliás,
18.º
Como ensina Adriano de Cupis in Os Direitos de Personalidade, Lisboa, 1961, pág.118, não se pode esquecer: “que a honra, a par da integridade física e de outros bens não patrimoniais, torna possível a aquisição de outros bens providos de utilidade económica.”
Pelo que,
19.º
O presente pedido de indemnização civil funda-se no disposto, entre outros, nos artigos 129.º do Código Penal, 483.º, 496.º, 563.º, 564.º, e 566.º, todos do Código Civil e artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa.”
III- A sentença objeto do presente recurso, absolveu o Arguido/Demandado, agora Recorrido da prática do crime de injúrias, previsto e punível pelo Artigo 181.º do Código Penal e do pedido de indemnização civil.
IV- O Tribunal “a quo” deu como não provado o seguinte:
“1.- No dia 17 de junho de 2022, cerca das 22h30m, o arguido dirigiu-se ao assistente e, em voz alta, apodou-o de “filho da puta, boi, corno, paneleiro”.
2.- O arguido agiu com intenção de ofender o bom nome, a consideração e a honra do assistente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei criminal.
3.- Na sequência da conduta do arguido nesse dia 17 de junho de 2022, o assistente sentiu-se humilhado, deprimido e entristecido. (…)”
V - O Tribunal “a quo” considerou não provada a acusação particular e o pedido de indemnização civil deduzido.
VI - Tal convicção assentou apenas na divergência entre a acusação pública e acusação particular do dia da prática dos fatos, respetivamente 15 de Junho de 2022 e 17 de Junho de 2022.
VII - Da capa do Inquérito de Injúria com a referência Citius n.º 180173412 resulta como a data dos fatos 15/05/2022, no Auto de Notícia a data de ocorrência 15/06/2022 e a data do conhecimento dos fatos 17/06/2022.
VIII- Das declarações do Assistente e testemunhas: CC, DD e EE, prestadas em sede de Inquérito, não resulta a data precisa da prática dos fatos.
IX- Nas declarações prestadas pelo Assistente, suas testemunhas CC, DD e EE e pelo Arguido em Audiência de Julgamento, todos referem que os fatos ocorreram em meados de Junho de 2022, depois das ... (...), após as 22h00, bem como, o espaço e circunstâncias dos mesmos, corroborando assim a acusação particular.
X- O Assistente BB, prestou declarações no Dia 16-09-2024 – Gravado no Sistema Habilus Media Studio, com início às 14:19 e fim 14:29, com a duração 00: 09:40, mormente do minuto 0:27 a 0:47, 1:34 a 1:58, 4:45 a 4:52; 7:41 a 8:26, 8:29 a 9:08, onde refere que: os fatos aconteceram em Junho de 2022, mais ao menos a meados, logo após as festas ..., pelas dez, dez e qualquer coisa da noite; tratou-o mal, chamou-lhe de “filha da puta”, mandou-o para a “puta que pariu”, chamou-lhe “corno”; não gostou muito; chamou-lhe “filha da puta, corno, paneleiro, cabrão”; a situação deixou-o triste, aborrecido e envergonhado, porque toda a gente ali o conhece e nunca teve qualquer problema com algum vizinho.
XI - A Testemunha CC, prestou depoimento no Dia 16- 09-2024 – Gravado no Sistema Habilus Media Studio, com início às 14:29 e fim 14:36, com a duração 00:06:54, mormente do minuto 4:19 a 5:02, do qual resulta que: deixou o meu pai (Assistente) triste e frustrado, andou nervoso; ele chamou-lhe de “filha da puta”; tinha muita gente ao redor.
XII- A Testemunha DD, prestou depoimento no Dia 16-09-2024 – Gravado no Sistema Habilus Media Studio, com início às 14:37 e fim 14:46, com a duração 00:09:33, mormente do minuto 0:13 a 0:59, 1:32 a 2:21, 3:07 a 3:45, 3:55 a 4:04 e 7:22 a 8:00, 8:27 a 8:36, ao afirmar categoricamente que: aconteceu em nossa casa, sei que foi em Junho de 2022, não sabe dar a exatidão e foi após as 22h00; tratou mal o meu pai (Assistente) que pedia apenas respeito; chamou-lhe de “filho da puta, cabrão e corno” e repetiu isto várias vezes; quando dirigiu a expressões o meu pai estava na nossa casa e o AA na casa dele; o desacatou não terminou mesmo quando a GNR chegou; dirigiu insultos ao meu pai, o meu pai ficou pior do que triste, sentiu-se humilhado; estavam várias pessoas a assistir.
XIII- A Testemunha EE, prestou depoimento no Dia 16-09-2024 – Gravado no Sistema Habilus Media Studio, com início às 14:47 e fim 14:53, com a duração 00:06:26, mormente do minuto 0:16 a 2:16, 4:46 a 5:10 e 5:12 a 5:28, do qual resulta que: foi na casa do Sr. BB, não sabe precisar ao certo o dia; o AA chegou-se à divisória do terreno e começou a tratá-lo mal, chamou-lhe de “filha da puta e corno”, mais de uma vez; o Sr. BB ficou triste; veio a GNR; os vizinhos estavam a ver.
XIV- O Tribunal “a quo” desvalorizou, assim, as declarações do Assistente, depoimentos das Testemunhas que revelaram-se isentos, imparciais, mas, acima de tudo, extremamente coerentes.
XV- O Arguido apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos.
XVI- O Arguido não alegou factos que contrariem a data/hora/ano, espaço e circunstâncias em que ocorreram os factos e que constam da acusação particular.
XVII- O Arguido, apesar de negar a prática do crime de injúria, em Audiência de Julgamento confirmou a altura e local/circunstâncias onde os fatos ocorreram.
XVIII- O Arguido AA, prestou declarações no Dia 24-09-2024 – Gravado no Sistema Habilus Media Studio, com início às 13:54 e fim 14:13, com a duração 00:18:16, mormente do minuto 3:35 a 3:38, 4:32 a 4:38, 10:27 a 10:36, onde refere que: é tudo mentira; não disse isso, não chamei esses nomes.
XIX- O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06 Julho 2000, proferido no Proc. 0040415, disponível em www.dgsi.pt refere que: “A alteração da data, no caso (mês), diversa da que constava da acusação, não tendo por efeito a imputação de crime diverso nem agravação dos limites máximos da sanção aplicável, não constitui alteração substancial ou não substancial dos factos”, ou que “A simples alteração da data da ocorrência dos factos, não constitui para o arguido o surgimento de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos aplicáveis da pena, tratando-se apenas de uma alteração meramente circunstancial do objecto do processo.”
XX- Caso não se entenda que em causa estará eventualmente um lapso de escrita, de processamento de texto, certo é que essa alteração do dia 17 para o dia 15 de Junho de 2022, certo é que os fatos ocorreram como o Assistente e testemunhas mencionaram em Audiência de Julgamento, meados de Junho de 2022, após as ... se se considerasse o dia com relevante para a defesa e decisão da causa, deveria ter sido comunicada ao Arguido, nos termos do Artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sendo-lhe concedido prazo para a defesa se o desejasse.
XXI- O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 387/2005, de 2005/Jul./13, in DR, II, 2005/Out./19, faz referência que: “quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia”.
XXII- Seguindo a Jurisprudência mencionada, na qual o entendimento é que a data em que os factos ocorreram, é apenas uma indicação temporal em que os factos se passaram, constitui um aspeto não essencial e irrelevante para a decisão da causa.
XXIII- Revertendo ao caso dos autos, perante os elementos conhecidos, existe identidade entre os factos da acusação e aqueles outros decorrentes da prova produzida no julgamento.
XXIV- Efetivamente, o libelo acusatório e as declarações, em audiência, ainda que dissonantes, do Assistente e Arguido, narram o mesmo recorte histórico, o mesmo “pedaço de vida”, numa unidade de sentido, ou seja, uma e outra fase processual se reportam à imputada injúria.
XXV- No conspecto que importa ter em conta, é patente a “rectius” a data da imputada injúria, realidade que é facilmente constatável pela comparação da acusação particular com o conteúdo das declarações recolhidas em julgamento.
XXVI- Na verdade, o Arguido revelou conhecimento sobre os precisos factos que lhe estão imputados, nomeadamente sobre a concreta injúria em causa e, nessa justa medida, exerceu o direito ao contraditório, tendo contrariado ou contestado os elementos fácticos relevantes carreados pela acusação particular.
XXVII- Entende-se que os pontos de factos 1. a 3. foram incorretamente julgados como não provados, tudo nos termos do disposto no Artigo 412.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal.
XXVIII- Das declarações prestadas pelo Assistente e depoimentos das testemunhas arroladas na acusação particular, impunham decisão diversa da recorrida, para efeitos do Artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, mais precisamente a condenação do Arguido pela prática do crime de injúrias e consequentemente condenação no pedido de indemnização formulado.
XXIX- A sentença julgou improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante, agora Recorrente contra Demandado, o que não se aceita por considerar que o Arguido deve ser condenado no crime de injúrias, devendo assim, também, ser condenado no pagamento da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados, acrescido de juros legais desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, QUE V. EX.ª (S) MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, POR VIA DELE SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O ARGUIDO CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DE INJÚRIAS, PREVISTO E PUNÍVEL PELO ARTIGO 181.º DO CÓDIGO PENAL, BEM COMO, NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL FORMULADO, FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!”
Na primeira instância, o arguido AA, notificado do despacho de admissão do recurso apresentado pelo assistente, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou resposta em que pugna pela manutenção da sentença recorrida. Em conformidade, formulou as seguintes conclusões (transcrição):
“I. AA, Arguido nos autos acima referenciados e aí melhor identificado, não se conformando com o recurso apresentado pelo Assistente BB, vem apresentar as suas alegações.
II. O Recorrente alega que, atenta a prova produzida, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provados que das declarações do Assistente e as suas testemunhas não resultou data precisa da prática dos factos.
III. Alega ainda o Recorrente que a data em que ocorreram os factos constitui um aspeto não essencial e irrelevante para a decisão da causa, algo que o aqui Recorrido, não pode concordar pelos exatos motivos e fundamentos do Tribunal a quo:
IV. “O tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e de normalidade, (…) as testemunhas que a altercação entre o arguido e o assistente BB ocorreram no dia em que o arguido também projetou uma bicicleta contra a traseira do veículo identificado no libelo acusatório, apenas nos apraz concluir que qualquer injúria do arguido ao assistente BB só podia ter acontecido no mesmo dia, ou seja, nesse dia 15 de junho de 2022 e nunca no dia 17 de junho a que alude a douta acusação particular. (…) nem sequer o próprio assistente, fez menção a qualquer contenda entre o assistente e o arguido noutra noite distinta daquela em que o arguido projetou a dita bicicleta contra a traseira do identificado veículo, ou seja, a qualquer discussão entre o assistente e o arguido na noite de 17 de junho a que alude a acusação particular. (…) Aliás, em abono da única verdade, nenhuma prova foi apresentada na audiência de julgamento que nesse dia 17 de junho (dois dias após o relatado dano no veículo), o arguido e o assistente desenvolveram qualquer contacto verbal. Por este motivo, dada a inexistência de qualquer prova quanto à ocorrência desses factos, nada mais restava ao tribunal do que dar como não assente os factos descritos na douta acusação particular. (...)”. (negrito nosso)
V. Como explanou e bem o Tribunal a quo não foi produzida qualquer prova cabal de que o Recorrido tenha praticado os factos alegados na acusação particular.
VI. Aliás, o Recorrido em sede de audiência de discussão e julgamento negou todos esses factos. - minutos 03.35 a 03:38; 04:32 a 04:38 e 10:27 a 10:36 das declarações do dia 24-09-2024 gravadas pelo sistema pelo sistema Habilus Media Studio.
VII. Obedecendo-se aos princípios mais basilares do processo penal, não podia o Recorrido ser condenado por um crime que não praticou e cuja prova foi inexistente.
VIII. A Douta Sentença de que recorre o Assistente deverá ser mantida na íntegra, pois não merece reparo.
IX. Posto isto, bem andou o Tribunal a quo ao absolver o Arguido do crime de injuria pelo qual vinha acusado, assim como do respetivo pedido de indemnização civil.
X. Devendo os factos não provados 1 a 3, manterem-se como não provados.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DO RECORRENTE
XI. O Recorrente vem alegar em sede de recurso, que o Recorrido deve “condenado no crime de injúrias, devendo assim, também, ser condenado no pagamento da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados, acrescido de juros legais desde a notificação até efetivo e integral pagamento.”
XII. Sucede que, não fez o Recorrente menção a qualquer repercussões sejam elas leves ou graves que fossem consequência direta das supostas injúrias dirigidas por parte do Recorrido ao Recorrente.
XIII. Para além de não sido provado que o Recorrido dirigiu aquelas expressões, não ficou muito menos demonstrado de forma cabal ou de forma alguma que o Recorrente tenha sofrido algum tipo de “stress”; “ansiedade”; “medo”; etc.
XIV. Por não ter praticado nenhum ato de injúria, não é o Recorrido responsável por qualquer tipo de pagamento indemnizatório ao Recorrente.
XV. Conforme explanou e bem o Tribunal a quo: “(…) aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. São assim pressupostos desta fonte da obrigação de indemnização: - o facto ilícito (…); o nexo de imputação subjetiva ou culpa (…); o dano (patrimonial ou não patrimonial) (…); e o nexo de causalidade, (…). Do factualismo apurado não restam dúvidas que os requisitos acima enunciados não estão presentes neste caso. Com efeito, da matéria de facto prova não resultou provado que o demandado alguma vez tivesse praticado qualquer facto ilícito que sustente a sua condenação nos termos peticionados pelo demandante.”
XVI. Parece-nos que, em face dos factos que lhe foram apresentados, andou bem o Tribunal a quo ao absolver o Recorrido dos factos que lhe eram erradamente imputados.
XVII. Devendo-se manter improcedente o pedido de indemnização civil.
XVIII. Não existem dúvidas que o aqui Recorrido não praticou nenhum dos factos de que vinha acusado (injurias) pelo que deve ser considerada e valorada nos exatos termos a Douta Sentença proferida.
Termos em que deverá ser mantida a Sentença recorrida.
Assim se fará a habitual, sã e inteira JUSTIÇA!”
Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo assistente, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou resposta em que defende deve ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida (referência ...98).
I.3 Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que, contrariamente à posição adotada pelo MP em primeira instância, defende a procedência do recurso (referência ...22).
Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do C. P. Penal, foi deduzida resposta ao sobredito parecer pelo arguido/recorrido em que, em síntese, reforça que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 358º, nº1, do CPP, sendo que ele não foi confrontado especificamente com a data de 17.06.2022 constante da acusação particular e nada a esse propósito foi dito pelos sujeitos processuais; logo, diz, é indiscutível que os factos descritos na acusação particular não têm qualquer sustentação; também não aceita que a menção a outra data se trate de um lapso de escrita (referência ...73).
Foi também deduzida resposta pelo assistente/recorrente, subscrevendo a posição adotada pela Exma. PGA no seu parecer (referência ...80).
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir. II – Âmbito objetivo do recurso (questões a decidir):
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante designado, abreviadamente, CPP)[1].
Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir reportam-se a: A – Saber se a acusação particular enferma de lapso de escrita quanto á data de ocorrência dos factos, passível de retificação ou, então, se, no decurso do julgamento, o Tribunal devia ter comunicado à defesa alteração factual sobre a data desses factos, nos termos e para efeitos do disposto no art. 358º, nº1, do CPP; B – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto/erro de julgamento quanto aos factos dados como não provados nos pontos 1. a 3.
III – Apreciação:
III.1 – Factualidade dada como provada e não provada em primeira instância e respetiva fundamentação aduzida na sentença (na parte que ora releva):
“2. – Fundamentação. 2.1. - Factos provados com relevância para a decisão da causa:
1.- No dia 15 de junho de 2022, às 22h15, por causa de se ter insurgido com a forma como o veículo de matrícula ..-..-RG, de marca ...”, modelo ..., pertencente à ofendida CC, o arguido gerou um desentendimento com o progenitor da mesma, BB, ocorrido na Rua ..., em ..., nesta cidade ....
2.- No decurso do referido desentendimento, o arguido atirou com a sua bicicleta contra a traseira do referido veículo.
3.- Com tal conduta, o arguido provocou estragos no veículo de matrícula ..-..-RG que determinaram à ofendida CC um prejuízo no valor de € 971,20 euros, conforme orçamento junto a fls. 56, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
[…] 2.2.- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram os demais factos vertidos no libelo acusatório que não estejam supra mencionados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:
1.- No dia 17 de junho de 2022, cerca das 22h30m, o arguido dirigiu-se ao assistente e, em voz alta, apodou-o de “filho da puta, boi, corno, paneleiro”.
2.- O arguido agiu com intenção de ofender o bom nome, a consideração e a honra do assistente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei criminal.
3.- Na sequência da conduta do arguido nesse dia 17 de junho de 2022, o assistente sentiu-se humilhado, deprimido e entristecido.
4.- Na sequência da conduta do demandado/arguido, a demandante CC ficou profundamente envergonhada, triste e sentida.
****
2.3.- Motivação do tribunal.
O tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e de normalidade, designadamente, na conjugação do teor do auto de notícia de fls. 68 e 68 (fls. 5), do teor dos documentos de fls. 29 e 39, do teor do orçamento de reparação de fls. 56 e do teor das fotografias de fls. 62, com as declarações do arguido, com as declarações do assistente, e com os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE.
O auto de notícia de fls. 68 (fls. 5) foi importante para o tribunal dar como assente que os factos descritos na douta acusação pública ocorreram efetivamente no passado dia 15-06-2022.
Partindo desta data e afirmando as testemunhas que a altercação entre o arguido e o assistente BB ocorreram no dia em que o arguido também projetou uma bicicleta contra a traseira do veículo identificado no libelo acusatório, apenas nos apraz concluir que qualquer injúria do arguido ao assistente BB só podia ter acontecido no mesmo dia, ou seja, nesse dia 15 de junho de 2022 e nunca no dia 17 de junho a que alude a douta acusação particular.
Com efeito, como referiu o assistente BB, de um modo circunstanciado e coerente com os depoimentos das testemunhas DD e EE, nessa mesma noite, o arguido atirou uma bicicleta contra a traseira do veículo que é propriedade da assistente/demandante CC – cfr. documento único automóvel junto a fls. 39 e fotografia de fls. 62 – e também o injuriou.
Ora, partindo desta realidade que foi descrita pelo assistente e pelas testemunhas DD e EE, de um modo coerente entre si e, por este motivo, convincente, é indiscutível que os factos descritos na acusação particular não têm sustentação nesta prova testemunhal porquanto nenhuma das testemunhas, nem sequer o próprio assistente, fez menção a qualquer contenda entre o assistente e o arguido noutra noite distinta daquela em que o arguido projetou a dita bicicleta contra a traseira do identificado veículo, ou seja, a qualquer discussão entre o assistente e o arguido na noite de 17 de junho a que alude a acusação particular.
Neste contexto, é manifesto que o tribunal não podia deixar de dar como não provados os factos descritos na douta acusação particular porquanto os mesmos fazem alusão a uma noite (17 de junho) que não é coincidente com a noite em que o arguido danificou o dito veículo, como confirmaram expressamente o assistente e as testemunhas DD e EE.
Aliás, em abono da única verdade, nenhuma prova foi apresentada na audiência de julgamento que nesse dia 17 de junho (dois dias após o relatado dano no veículo), o arguido e o assistente desenvolveram qualquer contacto verbal.
Por este motivo, dada a inexistência de qualquer prova quanto à ocorrência desses factos, nada mais restava ao tribunal do que dar como não assente os factos descritos na douta acusação particular.
Ainda no que diz respeito à atuação do arguido nessa noite de 15 de junho, circunstanciadamente relatada pelo assistente e pelas testemunhas DD e EE, não podemos deixar de realçar, mais uma vez, que todos eles presenciaram o arguido (e não a irmã deste, como o arguido tentou fazer crer na audiência de julgamento) a projetar a bicicleta identificada na foto de fls. 61 contra a traseira do veículo que é propriedade da demandante, causando-lhe visíveis danos.
Dúvida não nos assola, atento o depoimento do assistente BB e das duas testemunhas DD e EE, que o arguido danificou o veículo da assistente/demandante porque, como o próprio acabou por reconhecer expressamente na audiência de julgamento, o veículo costuma estar mal-estacionado e perturba a entrada para a sua residência.
Por sua vez, no que diz respeito aos factos alegados no pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante CC, que na sequência dessa atuação criminosa do arguido, o para-choque sofreu danos cuja reparação, conforme resulta do orçamento junto a fls. 56, ascende ao montante total de 971,20 euros.
Os demais factos não provados resultaram da inexistência de qualquer prova quanto à sua ocorrência.
Por fim, foi relevante o CRC junto aos autos quanto aos antecedentes criminais do arguido e as declarações deste quanto à sua situação socioeconómica.”
III.2 – Análise das concretas questões suscitadas no recurso: III.1 – Pretendida correção da acusação particular para suprimento de alegado lapso de escrita ou indevido não cumprimento do disposto no art. 358º, nº1, do CPP:
Estatui o art. 380º do CPP:
“1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:
a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.”
Como decorre do disposto no nº3 da sobredita disposição legal, a possibilidade de correção prevista no artigo não se aplica a uma acusação particular, por não se tratar de ato decisório elencado no art. 97º do CPP.
Por sua vez, preceitua o art. 249º do Código Civil que “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.”
In casu, temos que o suposto lapso de escrita relativamente à data de ocorrência do crime de injúrias imputado pelo assistente ao arguido na douta acusação particular não surge como evidente, manifesto face ao próprio contexto daquela peça processual em que se insere.
Nos artigos 1º a 3º da acusação particular que deduziu, o assistente BB reporta o acontecimento dos factos ali narrados ao dia 17 de junho de 2022, cerca das 22h30, após os iniciais insultos dirigidos pelo arguido ao seu filho (testemunha) DD, e localiza-os no exterior da sua residência situada na Rua ..., freguesia ..., concelho ... [cf. referência ...76].
Sucede que, nesse libelo acusatório o assistente não faz qualquer menção ao episódio de dano descrito na acusação pública, ocorrido no dia 15 de junho de 2022, às 22h15, na dita artéria da via pública, nem qualquer genérica alusão a que os factos descritos na acusação particular tivessem sucedido na mesma ocasião, isto é, no mesmo contexto temporal.
Além disso, tais menções a distinto enquadramento temporal também não constam do pedido de indemnização civil que acompanha ou complementa a acusação particular.
Dessarte, cremos não ser viável afirmar que a acusação particular padece de notório erro de escrita, manifesto para qualquer leitor desse articulado, revelado pelo mero cotejo com o seu teor global, no que tange ao dia e hora em que aconteceram os impropérios que, alegadamente, foram dirigidos pelo arguido ao assistente.
Ainda que se legitimasse a retificação por recurso a outros elementos constantes dos autos, temos que no auto de notícia constante do Apenso A [referência ...84], em que é denunciante/ofendido BB, não obstante ali se mencione que os insultos ocorreram antes do episódio narrado na acusação pública, o certo é que indicou como data de ocorrência dos factos o dia 17 de junho de 2022, pelas 12h30.
Por conseguinte, nem a observação do teor do respetivo auto de notícia permite concluir, de modo patente, unívoco, que os factos descritos na acusação particular aconteceram no dia 15.06.2022, pelas 22h15.
Ademais, ainda que se entendesse de modo inverso – o que não se concede -, considerando o princípio do esgotamento do poder jurisdicional vigente no processo penal e exceções ao mesmo oponíveis (cf. art. 380º do CPP), não é de acolher a pretendida modificação da data dos factos ao abrigo de uma mera retificação de erro de escrita, porquanto a mesma contenderia com o próprio objeto do processo, consubstanciando uma modificação essencial da acusação e, correlativamente, da fundamentação de facto da decisão final.
Pelo exposto, entendemos não ser possível afirmar que a alusão feita na acusação particular à data dos factos aí narrados se deve a evidente erro de escrita, passível de retificação por mera declaração.
Posto isto, vejamos se, como pugna o assistente/recorrente, o Tribunal recorrido devia ter cumprido o disposto no artigo 358º, nº1, do CPP, comunicando à defesa que os factos invocados na acusação particular, alegadamente perpetrados pelo arguido, ocorreram também no dia 15 de junho de 2022, conjuntamente com os factos descritos na acusação pública, e não no dia 17 de junho desse ano, às 22h30, como se menciona naquela primeira peça processual.
Preceitua o art. 358º do CPP:
“1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3. O disposto no nº1 é correspondente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”
Por seu turno, estipula o art. 379º, nº1, al. b), do CPP:
“1 - É nula a sentença:
(…)
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º.”
Caso o Tribunal a quo se tivesse convencido durante a produção de prova em fase de julgamento de que, indubitavelmente, os factos atinentes às injúrias alegadamente dirigidas pelo arguido AA ao assistente BB ocorreram no mesmo circunstancialismo temporal dos factos mencionados na acusação pública, ou seja, no dia 15.06.2022, às 22h15, e não, como dito na acusação particular, no dia 17.06.2022, cerca das 22h30, podia e devia ter dado cumprimento ao preceituado no art. 358º, nº1, do CPP, comunicando à defesa do arguido a potencial alteração desse facto constante da acusação particular e concedendo-lhe, se ele o requeresse, o tempo necessário para a preparação da defesa quanto a esse inovador aspecto fáctico.
Note-se que a desejada alteração não substancial do facto, além de ser relevante para decisão da causa, não decorreu de factos alegados pela defesa, que não os admitiu, em qualquer momento.
Contudo, no presente caso, compulsada a motivação da decisão sobre a matéria de facto expendida na sentença recorrida verifica-se que o Mmo. Juiz não demonstra – ainda que injustificadamente cremos – convicção minimamente segura no que concerne ao momento em que teriam acontecido os factos mencionados na acusação formulada pelo assistente ou sequer se efetivamente ocorreram.
Assim sendo, face a tal profunda incerteza, é óbvio que o Exmo. Julgador não devia ter cumprido o disposto no art. 358º, nº1, do CPP, como realmente sucedeu.
A mencionada dúvida quanto ao específico dia de ocorrência dos factos surge ainda justificada pela referência realizada pelo assistente no próprio recurso de que nas declarações por si prestadas em audiência de julgamento, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas, CC, DD e EE, os factos (todos eles) teriam acontecido numa noite (após as 22 horas) de meados do mês de junho de 2022, depois das ... [cfr. conclusões VIII e IX].
Ou seja, para o Tribunal a quo não decorreu da prova produzida que os factos referentes à acusação particular, alegadamente contemporâneos dos elencados na acusação pública, sucederam na noite do dia 17.06.2022, nem mesmo, de forma satisfatoriamente segura, na noite do dia 15.06.2022.
Por outro lado, o assistente, ora recorrente, podia ter requerido até ao final da audiência de julgamento, a alteração não substancial da acusação particular no que respeita à data de ocorrência dos respetivos factos, mas não o fez.
Perante a posição do Tribunal a quo e a falta de iniciativa processual do assistente, não foi aventada a eventual alteração da data dos factos narrados na acusação particular, com cumprimento do disposto no art. 358º do CPP, omissão que não pode ser suprida nesta fase processual por este Tribunal ad quem.
Não se olvidando o estatuído no art. 424º, nº3, do CPP, que constitui em sede de recurso norma similar à prevista no art. 358º, nº1, do mesmo Código, cumpre ter presente que se este Tribunal da Relação entendesse agora, na sequência da impugnação da matéria de facto deduzida, dar como provado que, como almeja o recorrente, os factos que constituem o objeto do processo, descritos em ambas as acusações, ocorreram em data não concretamente apurada, mas seguramente em meados de junho de 2022, não se podia falar, quanto à acusação particular, em alteração não substancial de facto descrito na sentença recorrida, uma vez que aí a respetiva factualidade foi, pura e simplesmente, dada como não provada. Portanto, não existiria alteração de factos dados como provados, mas sim uma inversão do decidido. O predito condena ao insucesso a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto formulada pelo assistente/recorrente, prejudicando o conhecimento dessa questão, porquanto ainda que, por hipótese - que não se antevê – vingasse neste conspecto a pretensão recursória, revelando-se ser de dar como provado que a factualidade descrita na acusação particular sucedeu em meados de junho de 2022 (não se apurando que foi concretamente no dia 17 desse mês, como consta do libelo acusatório), essa modificação não podia ser eficazmente decretada, nos termos e para efeitos do disposto conjugadamente nos arts. 412º, nº3 e 431º, al. b), ambos do CPP, dado que, reitera-se, não é possível, como seria exigível, aplicar o estipulado no art. 424º, nº3, do mesmo diploma legal.
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, sem necessidade de mais considerações, soçobra o douto recurso deduzido pelo assistente BB.
Destarte, atento o supra decidido, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo assistente/recorrente no seu douto recurso.
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IV - Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso formulado pelo assistente BB e, em conformidade, manter a sentença recorrida.
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Custas pelo assistente/recorrente, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça (arts. 515º, nº1, al. b), do Código de Processo Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, todos do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este diploma legal), sem prejuízo da proteção jurídica (apoio judiciário) de que beneficia, na modalidade de dispensa de pagamento - cfr. referência ...95 do Apenso A.
Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
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Guimarães, 2 de abril de 2025,
Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
Luísa Oliveira Alvoeiro (1ª Adjunta)
[assinatura eletrónica]
Carlos da Cunha Coutinho (2º Adjunto)
[assinatura eletrónica]
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator, com recurso a meios informáticos, encontrando-se assinado eletronicamente por todos os subscritores – cfr. art. 94º, nºs 2 e 3, do CPP)
[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade.