Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PROTESTO DE REIVINDICAÇÃO DE PROPRIEDADE
BEM MÓVEL
Sumário
I - Pretendendo obter a entrega de bens móveis que foram adquiridos em venda judicial, o adquirente não tem de requerer uma execução para entrega de coisa certa. II - O erro na forma do processo verifica-se nas situações em que ao pedido formulado corresponda uma forma de processo diversa da empregue e não se mostre possível, através da adequação formal, fazer com que, pela forma de processo efetivamente adotada, se venha a conseguir o efeito jurídico pretendido pelo autor. III - O protesto de reivindicação da propriedade de um bem móvel penhorado e vendido na execução não implicará a suspensão a instância executiva, nem a paralisação da venda, mas obsta a que o bem seja entregue sem que fique garantido o seu valor, designadamente através do depósito do preço à ordem da execução, que equivale, do ponto de vista do comprador, à realização da caução prevista no art.º 840.º n.º 1 in fine do CPT, o qual não poderá de ser levantado antes de decidida a ação de reivindicação (cfr. artigos 840º e 841.º do C.PC.).
Texto Integral
I – RELATÓRIO
No âmbito da execução para pagamento de quantia certa instaurada nos próprios autos de processo comum n.º 1473/22.... em que é exequente AA e executada a sociedade EMP01..., SA, tendo em vista a cobrança coerciva de créditos laborais, por estarem arrestados diversos bens móveis, foi o arresto convertido em penhora.
Tais bens vieram a ser adquiridos pela sociedade EMP02..., UNIPESSOAL, LDA., pelo valor de €150.000,00.
A recorrente, EMP03... S.A., veio suscitar nos autos o incidente de anulação da venda executiva, sobre o qual recaiu o seguinte despacho, datado de 21 de maio de 2024: “EMP03... S.A., pessoa coletiva n.º ...11, tendo tomado conhecimento por consulta à plataforma citius do requerimento oferecido aos autos em 24-04-2024 pela EMP02... Unipessoal Lda., veio deduzir incidente de anulação da venda executiva peticionado que o tribunal: a reconheça como dona e legitima possuidora dos bens identificados nos n.ºs verbas 1, 3, 4, 5, 6, e 7 do auto de penhora de 01-04-2022; declare a nulidade da venda dos identificados bens; ordene à adquirente dos bens alheios que se abstenha de qualquer ato que perturbe a posse e propriedade da requerente sobre os referidos bens; ordene à adquirente eu entregue os bens que entretanto tenha em sua posse e cuja venda foi anulada. “Notificado do requerimento da sociedade “EMP03..., S.A.”, o exequente aderiu e deu por reproduzida a posição assumida pela compradora EMP02..., Unipessoal, Ldª.”. EMP02..., Unipessoal, Lda., adjudicante dos bens penhorados nos autos, notificada da arguição de nulidade pugnou pelo indeferimento da mesma. Cumpre apreciar. Além do caso previsto no art. 838º, do CPC, a venda só fica sem efeito, entre o mais, se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono (art. 839º, nº1, al. d), do CPC), como afigura ter sido invocado no caso dos autos. Como é sabido, a apreensão de bens e a venda em processo de execução pode importar a ofensa da posse ou a violação do direito de propriedade de terceiros. Neste caso, consoante as hipóteses, pode haver lugar aos procedimentos incidentais de oposição à penhora (a cargo do Executado, em casos mais restritos), e ainda de embargos de terceiro (meio simples e directo de impugnação do acto da penhora – artºs 342ºss. CPCiv, que tem para o embargante a vantagem de suspender os termos da execução, quanto aos bens cuja titularidade ou posse sejam questionados – artº 347º CPCiv). Mas se o terceiro deixou, p.e., passar o prazo legal dedução dos embargos, nem por isso fica desarmado, pois pode sempre fazer valer o seu direito de propriedade propondo acção de reivindicação dos bens penhorados e/ou vendidos (assim, Prof. J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, II/453). Nesta obra, observa-se depois o seguinte: “Efectuou-se a venda. Posteriormente foi julgada procedente acção de reivindicação. É claro que a venda fica sem efeito; o comprador tem que restituir ao proprietário os bens reivindicados (…). Quando a acção tenha sido proposta antes da venda, contra o Exequente ou o Executado, a eficácia da venda fica naturalmente dependente da sorte da acção e o comprador só se tornará proprietário se vier a apurar-se que o direito de propriedade pertencia ao executado, isto é, se a acção for julgada improcedente. No caso de a acção proceder, o comprador tem de largar os bens, porque, demonstrado o direito de propriedade do reivindicante, é claro que nenhum direito foi transmitido ao comprador (…)”. Não se trata porém, para o proprietário ofendido, de pedir qualquer espécie de anulação do acto da venda, pois que, para ele, tal acto não passa de uma “res inter alios acta nec prodest nec nocet”, limitando-se o proprietário a reivindicar o que é seu, como em qualquer caso em que a coisa se encontre em poder de terceiro, designadamente por via de aquisição a non domino (assim, Prof. Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1973, pg. 251). A reivindicação pode, desta forma, ser anterior ou ser posterior ao acto da venda executiva. Já o protesto pela reivindicação da coisa vendida (artº 840º CPCiv) configura uma verdadeira providência cautelar, que não dispensa seja intentada a acção respectiva. Por sua vez, do disposto no regime legal dos artºs 840º e 841º CPCiv, resulta que, em caso de procedência da acção de reivindicação, o comprador tem direito de retenção sobre a coisa comprada, enquanto lhe não for restituído o preço. O que se não pode dizer é que a reivindicação de um bem penhorado ou o pedido de anulação de uma venda judicial com fundamento em reivindicação intentada ou a intentar tenha qualquer efeito sobre a execução – nem prejudicando a venda agendada, e muito menos a venda realizada, nem tendo qualquer efeito suspensivo sobre a execução. A reivindicação dos bens, como efectuada nos presentes autos, nos quais ao pedido típico de reconhecimento da propriedade se pede a declaração de nulidade da venda judicial invocadamente a non domino, encontra-se dependente dos procedimentos e prazos dos artºs 840º e 841º CPCiv. Em suma, previamente à anulação da venda, o reivindicante tem de intentar acção autónoma, nomeadamente de reivindicação, para que lhe seja reconhecido o direito de propriedade de que se arroga. E para o caso de obter vencimento nessa acção, pode ficar sem efeito a venda executiva ao abrigo do disposto no nº 1, al. d) do art. 839º, do CPC. “O dono da coisa penhorada pode reagir contra a penhora, quer mediante embargos de terceiro, quer através da acção de reivindicação. Como, porém, a dedução daqueles está sujeita a um prazo limitado, outra via muitas vezes não restará que não seja a acção de reivindicação, cuja procedência conduz a que a venda executiva fique sem efeito (nº 1, al. d)).” – Abílio Neto, CPC Anotado, 17ª ed., p. 1559. O requerimento foi apresentado em 26/04/2024. Consideramos que o mesmoé válido como protesto pela reivindicação dos bens penhorados, devendo o AE lavrar o competente termo. No mais, até ao momento não há conhecimento nos autos de que tenha sido intentada qualquer acção de reivindicação pedindo o reconhecimento do direito de propriedade do terceiro, EMP03... S.A., mas como foi determinado que se aguardasse pela decisão do apenso entendemos que se deve agora aguardar pelo decurso do prazo a que alude o nº 2 do art. 840º para a propositura da acção, contado da notificação do presente despacho. Notifique.” (sublinhados da signatária)
Na sequência de tal despacho, mais precisamente em 15.07.024, veio EMP03..., S.A. comprovar a instauração da ação de reivindicação.
Em 20 de Setembro na sequência de requerimento apresentado pela EMP03... SA, que defendia estar a sociedade EMP02..., Unipessoal, SA, impedida de remover os bens que adquiriu, foi proferido o seguinte despacho: “Como já ficou dito nestes autos, o terceiro pode socorrer-se da acção de reivindicação prevista nos artºs 819º e ss. do C.C. e 841º do C.P.C., tendo em vista a defesa do direito de que se arroga. Sucede que a sua instauração não tem a virtualidade de interferir com a marcha própria do processo executivo, v.g. determinando a suspensão da entrega do imóvel ao adquirente, antes estando os seus efeitos dependentes da respectiva decisão, transitada em julgado. “Ora, se o bem vendido era de terceiro e este poder opor o seu direito à execução (cf. Artigo 819º CC) naturalmente que o seu direito real não caducou por efeito da venda executiva, em face do artº 824º nº 2 CC. Se houve venda executiva terá sido de coisa alheia e o terceiro adquirente terá recebido um “direito” que, pura e simplesmente, não estava na esfera do executado (cf. artº 824º, nº 1 CC). (…) No plano da posição jurídica do terceiro, a sentença final procedente determina nos termos do que foi pedido, o reconhecimento do direito de fundo e a condenação na entrega do bem penhorado ou já transmitido.” (Rui Pinto, A Ação Executiva, pág. 769-770). Neste sentido, o Ac. da RL de 22/10/2009, com o seguinte sumário: “A simples propositura de acção de reivindicação de imóvel penhorado à ordem de uma execução não produz qualquer efeito sobre a normal tramitação desta, designadamente quanto à venda do bem penhorado, apenas ficando sem efeito a mesma venda após a procedência, com trânsito em julgado, daquela acção de reivindicação.” (in www.dgsi.pt). Posto isto, a execução deverá prosseguir seus termos, obviamente sem prejuízo do ressarcimento a que o exequente terá direito para o caso da venda do bem vir a ser dada sem efeito em consequência da eventual procedência da acção de reivindicação. No entanto, é preciso salientar que a entrega dos bens está sujeita à prestação de caução nos termos do art. 840º, nº 1, 2ª parte, do CPC. Ao agente de execução. Notifique.”
O comprador dos bens móveis EMP02..., Unipessoal, Lda. prontificou-se a prestar caução no valor correspondente ao da adjudicação, que aliás já se encontrava depositado no processo.
O reivindicante pronunciou-se sobre a prestação de caução pelo comprador, no sentido de ser negada a entrega dos bens à EMP02... Unipessoal Lda, ou caso assim não se entenda, a entrega deve ser condicionada à prestação de uma garantia bancário on first demand a favor da EMP03... S.A., destinada a garantir todos os custos e indemnizações sofridas em virtude da retirada dos equipamentos, no valor não inferior a cinco milhões de euros.
Seguidamente pela Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho, que passamos a transcrever: “Veio o comprador dos bens, EMP02..., Unipessoal, Ldª requerer que o depósito do produto da venda, no valor de €150.000,00, seja considerado válido a título de caução para efeito de levantamento dos bens móveis que adquiriu por via da venda judicial (por negociação particular) efectuada nos presentes autos. Pronunciou-se a reivindicante, EMP03..., S.A. pugnando pela improcedência da pretensão. Cumpre decidir. “A dedução deste incidente não susta a venda executiva, mas acautela a reversibilidade da venda. Lavrado o termo de protesto, os bens móveis não são entregues ao comprador e o produto da venda não será levantado sem que o beneficiário do pagamento preste caução.” [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. citada, pág.261. No mesmo sentido, Rui Pinto, ob. citada, pág. 775] A este propósito, esclarece J. Lebre de Freitas, “(…) havendo protesto, a entrega dos bens móveis ao comprador só tem lugar depois de este prestar caução, destinada a garantir o direito do reivindicante (…); por sua vez, os credores e restantes titulares de direitos sobre o produto da venda só poderão proceder ao seu levantamento depois de também prestarem caução, esta em garantia do direito do comprador à restituição do preço no caso de proceder a reivindicação.” – in CPC anotado, vol. 3º, p. 619. Nesta medida, não há dúvida que a prestação de caução se impõe não só ao exequente ou a eventuais credores que tenham direitos sobre o produto da venda como também ao comprador que pretenda levantar os bens móveis, como é o caso. Resulta dos autos que o comprador efectuou um depósito autónomo no valor de €150 000,00 – cfr DUC remetido a 03/07/2023 – refª citius 50708885. Tal valor corresponde ao produto da venda e está depositado à ordem dos autos. Parece-nos despiciendo exigir que o comprador venha pagar novamente este valor, ou qualquer outro, para poder levantar os bens, desta vez a título de caução. O que se traduz numa duplicação de pagamento sem fundamento. Se eventualmente a reivindicante tiver prejuízos com a entrega dos bens não é a acção executiva a sede processual própria para peticionar o seu ressarcimento e nem a caução prestada podia servir para esse fito. De resto, a penhora, sendo um acto de apreensão judicial, é uma manifestação do “jus imperii” e o “primeiro acto pelo qual se efectiva a garantia da relação jurídica pecuniária” – Lebre de Freitas in ob. citada, pág. 264 – sendo que o direito do executado é esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passam para o tribunal que, em regra, os exercerá através de um depositário. A referida transferência dos poderes de gozo importa uma transferência da posse. Cessa a posse do executado e inicia-se a posse pelo tribunal, passando o depositário a ter a posse do bem penhorado em nome deste. No caso, com a aquisição da pedreira os direitos e obrigações da executada em relação aos bens que foram vendidos, transferiram-se para a adquirente “EMP03...” e, como é evidente, se a penhora já havia privado aquela dos poderes de gozo sobre a coisa penhorada tal privação transferiu-se para esta última. Ou seja, segundo entendemos carece de fundamento legal o uso dos bens que, entretanto, até já foram vendidos e, eventualmente, estão a ser depreciados com o mesmo em prejuízo do comprador que procedeu ao pagamento do preço com base no estado dos bens que, minimamente, tem de continuar a verificar-se aquando a entrega. Em face do exposto, decide-se considerar o depósito supra aludido como caução e, consequentemente, atendendo ao seu valor e aos interesses/direitos que se pretende salvaguardar, considera-se a mesma adequada e validamente prestada pelo comprador. Nesta conformidade, autoriza-se, desde já, o levantamento dos bens vendidos pelo comprador e ainda o agente de execução a requerer o auxilio da autoridade policial nos termos legais. Notifique.”
Inconformada com esta decisão veio a Recorrente EMP03..., S.A. interpor recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I.Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito da Comarca de Viana do Castelo – Juízo do Trabalho de Viana do Castelo – Juiz ..., a qual julgou autorizou a recorrida EMP02..., Unipessoal, Lda., a proceder ao levantamento dos bens vendidos nos autos. II. Nos presentes autos encontra-se plenamente demonstrado e assente que os bens estão na posse da Recorrente, que os reivindica como sendo seus, tendo arguido a nulidade da venda executiva, efetuou termo de protesto quanto aos bens em causa e deu entrada da ação de reivindicação. III. A Recorrente não é executada nem foi requerida (nos presentes autos nem noutros) contra si a execução para entrega de coisa certa. IV. Não pode ser proferido um despacho contra alguém que não é parte passiva nos autos e sem possibilidade de arguir os mesmos meios de defesa e no prazo legal para a oposição, como se fosse executada. V. Não sendo exigida a prestação de facto contra a Recorrente, a decisão impugnada viola os direitos de defesa da mesma, designadamente o direito ao contraditório. VI. É nula a sentença que autoriza terceiros e a força pública a entrar na pedreira da Recorrente, quanto a recorrente não é parte demandada nesse processo!, devendo ter sido enxertado nos presentes autos a execução para entrega de bens, o que não foi, pelo que é nulo o despacho proferido. VII. A caução é um incidente que corre por apenso, sujeito ao pagamento de taxa de justiça e com a obrigação e existência de contraditório – vide art.º 915.º do C.P.Civ. VIII. É nesse incidente que é proferida decisão que aprecia e decide da existência do direito à prestação de caução e ela poderá ser de improcedência ou de procedência do pedido, neste último caso fixando o valor da caução. IX. A prestação de caução corresponde a uma garantia destinada a assegurar o cumprimento de certa obrigação, só deixando de ter lugar a sua função, quando a obrigação se mostre cumprida (ou, por qualquer outra razão deixe de subsistir). X. A decisão recorrida não podia decidir da (in)validade da caução, porquanto a mesma teria, obrigatoriamente, de ser deduzida mediante incidente a ser processado por apenso, o que não foi. XI. A decisão impugnada violou o disposto no art.º 915.º do C.P.Civ., verificando-se erro na forma do processo, devendo indeferir-se o pedido efetuado (de prestação e caução) por não ser o meio próprio, abulando-se todos os atos subsequentes. XII. A caução requerida pela EMP04... Lda. - a que alude o art.º 840º n.º 1, 2ª parte, do C.P.Civil -, refere-se à caução que o exequente tem de prestar se quiser proceder ao levantamento do produto da venda. XIII. Efetuado o termo de protesto os bens móveis NÃO são entregues ao comprador. XIV. A equacionar-se a possibilidade de entrega dos bens contra a prestação e caução – o que não se aceita -, então a mesma será para acautelar os interesses e a favor da Reivindicante EMP03... S.A., aqui recorrente. XV. O comprador - EMP04... lda. – tem de prestar caução, caso queira levantar os bens, a qual se destinada a garantir o direito do reivindicante no caso de proceder a reivindicação. XVI. Nos presentes autos, a caução que veio a ser julgada valida não acautela, nem se pronuncia acerca dos interesses/direitos da recorrente reivindicante, pelo que tem de ser revogada. XVII. Não se compreende o despacho recorrido, por um lado diz que tem de ser prestada caução para salvaguardar os interesses da reivindicante, depois afirma que a caução não se destina a esses direitos/interesses, para depois concluir que para esses interesses a caução é adequada e validamente constituída!!!! XVIII. A validade e idoneidade da caução a prestar tem se ser processada e decidida em incidente próprio, só assim se salvaguardando o contraditório dos interessados e uma decisão fundamentada! XIX. Não podemos aceitar que o Tribunal, sem elementos e sem qualquer critério julgue um valor completamente arbitrário, como adequado e suficiente. XX. A ora Recorrente por diversas vezes se mostrou disponível nos autos, o que se mantém, para prestar caução a favor da EMP04... Unipessoal Lda., no valor que o Tribunal venha a julgar adequado! XXI. Concluímos, pois pelo total desacerto do despacho recorrido, devendo ser revogado! Termos em que, concedendo integral provimento ao presente recurso, nos termos expedidos na alegações e conclusões supra, farão V.ªs Ex.ª a acostumada Justiça!!”
Contra-alegou EMP02..., Unipessoal, Lda., adjudicante (compradora) dos bens penhorados no âmbito dos presentes atos, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo que a mesma está corretamente fundamentado e não padece de qualquer erro ou vício.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Neste Tribunal foram os autos presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, para efeitos do artigo 87.º n.º 3 do CPT, tendo esta defendido o provimento parcial do recurso, no que respeita à tramitação do incidente de prestação de caução que deverá ser processado por apenso, com observância do procedimento constante do artigo 906.º e seguintes do CPC.
A Recorrida veio responder ao parecer, reiterando o por si sustentado nas contra-alegações, sustentando que o despacho recorrido não merece qualquer reparo.
Cumprido o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 657.º do CPC foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação duas questões a saber:
- Da nulidade da decisão recorrida; - Do erro na forma do processo. - Do beneficiário da caução e da sua idoneidade.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os que constam do relatório supra.
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
1. Da nulidade da decisão recorrida
Insurge-se a Recorrente quanto à decisão recorrida que julgou válida a caução prestada e determinou a levantamento dos bens móveis adquiridos por negociação particular pela recorrida, defendendo que tal decisão é nula porque autoriza terceiros e a força pública a entrar na pedreira da recorrente (que não é parte no presente processo), uma vez que deveria ter sido enxertado nos presentes autos a execução para entrega de bens, o que não sucedeu.
Antes de mais cumpre dizer que as causas de nulidade da sentença ou despacho são taxativas, constando o seu catálogo elencado no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o qual sob a epígrafe, “Causas de nulidade da sentença”, prescreve o seguinte: “1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. 2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura. 3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior. 4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Daqui resulta inequívoco que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação.”[1] Ou seja, as nulidades da sentença ou dos despachos para além de se encontrarem taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC. reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Basta atentar na alegação da recorrente para se concluir que não se verifica nenhuma das causas de nulidade aí previstas, aliás porque a própria recorrente não as indica, limitando a invocar a nulidade do despacho sem apontar a sua causa.
Na verdade, do despacho recorrido constam os fundamentos de facto e de direito que conduzem à decisão, tais fundamentos de facto e de direito não estão em oposição com a decisão proferida, nem tal despacho é ininteligível, antes pelo contrário, nada tem de ambíguo ou obscuro. Nem tão pouco se verifica qualquer uma das causas de nulidade da sentença previstas no art.º 615.º, n.º 1, al. d), pois o despacho incidiu sobre os requerimentos da recorrente e da recorrida, não indicando a Recorrente nenhuma verdadeira questão sobre a qual tivesse sido omitida pronúncia, e não tendo o Tribunal a quo conhecido de qualquer questão de que não podia conhecer, que, aliás, nem a recorrente identifica.
Por outro lado, cumpre dizer que o despacho que autoriza o adquirente dos bens penhorados e vendidos no âmbito de uma ação executiva a socorrer-se da força pública a fim de concretizar a entrega de tais bens, poderá constituir um erro de julgamento, mas não determinará seguramente a nulidade da decisão.
A questão suscitada pela Recorrente não consubstancia qualquer causa de nulidade da sentença/despacho, antes se traduzindo em motivos de discordância quanto ao despacho que se pretende que seja revogado.
Pelo exposto, improcedem as conclusões da alegação de recurso atinentes à arguição de nulidades da sentença.
2. Do erro na forma do processo.
Defende a Recorrente que foi cometido o erro na forma de processo já que perante o facto de os bens adquiridos pelo comprador estarem dentro da sua propriedade, mais propriamente na pedreira da recorrente (que não é parte no presente processo), deveria ter sido enxertado nos presentes autos a execução para entrega de bens, o que não sucedeu.
Por outro lado, a decisão recorrida viola o disposto no art.º 915.º do C.P.C., verificando-se erro na forma do processo, devendo por isso ser indeferido o pedido de prestação e caução por não ser o meio próprio, já que deveria ter sido tramitado por apenso.
Vejamos:
Importa saber se a juiz a quo podia ter determinado o auxilio da força pública para se proceder à entrega dos bens adquiridos por negociação particular pela recorrida, ou se para o efeito se impunha que a recorrida/adquirente enxerta-se nos autos a execução para entrega de bens contra o seu detentor.
Na decisão recorrida entendeu-se, tendo em vista a entrega dos bens determinar apenas o auxilio da força publica.
Dispõe o artigo 828.º do CPC (que reproduz o anterior 901.º, apenas com a alteração da remissão que é feita na sua parte *final) que: “O adquirente pode, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 861.º, devidamente adaptados.”.
O entendimento sobre o procedimento a adotar nestas circunstâncias não é uniforme na doutrina.
Assim, Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, a pág. 365 defende que “O art. 901.º concede ao adquirente dos bens penhorados o direito de requerer o prosseguimento da execução contra quem os detenha, enxertando assim na acção executiva para pagamento de quantia certa um pedido de execução para entrega de coisa certa. Não se trata de uma acção executiva para entrega de coisa certa nem da conversão duma execução para pagamento de quantia certa para entrega de coisa certa.”.
Rui Pinto e Remédio Marques, têm diverso entendimento ao defenderem que o adquirente tem de recorrer a nova acção executiva para entrega de coisa certa e Miguel Teixeira de Sousa, considera que a execução se “transforma” numa execução para entrega de coisa certa, o que acolhe desde que se tal “não significar uma verdadeira conversão (como as dos arts 931 e 934), mas apenas a utilização, não exclusiva, da instância (pendente ou extinta) para essa finalidade.”. [2]
Por outro lado, Rui Pinto[3], defende que “se o detentor dos bens não os entregar ao adquirente, pode este instaurar uma execução para entrega de coisa certa, nos termos prescritos no artigo 930.º = art. 861.º nCPC, devidamente adaptados”.
Na jurisprudência o Acórdão da Relação do Porto, de 05/12/2016, Processo n.º 1631/14.7TBGDM.P1[4], defende a desnecessidade de instauração de uma nova execução para entrega de coisa certa e onde se cita diversa doutrina acerca da questão em apreço.
Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, entendemos que esta é a solução que melhor se coaduna com o espírito da lei, pois se o bem já é adquirido em resultado da venda realizada no processo de execução e no artigo 828.º do CPC, se permite que o adquirente, na própria execução, requeira contra o detentor, a entrega do bem, sem mais, deve ser deferida a entrega, sem que se “volte ao princípio”; ou seja, sem que se exija ao adquirente que instaure uma nova execução, com as consequências daí decorrentes.
O adquirente já beneficia e é detentor, do título de transmissão, o qual é suficiente para promover/requer a entrega do bem, designadamente contra o detentor, na própria execução, tal como prescreve o art.º 828.º do CPC.
Pelo que, somos de opinião, que não merece censura nesta parte o despacho recorrido, o qual é, assim, de manter.
Quanto ao facto de o incidente de prestação de caução não ter tramitado por apenso apraz dizer o seguinte:
Como é sabido, o erro na forma de processo dá-se nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral (comum) ou especial de processo legalmente prevista.
O que determina a forma de processo a empregar é apenas o pedido, ou seja, o que visa a finalidade pretendida pelo Autor. Assim, é em face da pretensão deduzida que se deve apreciar a propriedade ou inadequação da forma da providência solicitada[5].
Ora, se a forma de processo empregue não for apropriada ao tipo da pretensão deduzida, ocorre o vício processual de erro na forma de processo.
Em suma, o erro na forma do processo verifica-se nas situações em que ao pedido formulado corresponda uma forma de processo diversa da empregue e não se mostre possível, através da adequação formal, fazer com que, pela forma de processo efetivamente adotada, se venha a conseguir o efeito jurídico pretendido pelo autor.
Prescreve o art.º 193º do CPC., o seguinte: «1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. 2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu. 3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.»
Daqui se retira que o erro sobre a forma de processo só importará a anulação de todo o processado a ele respeitante, quando nem a petição/requerimento inicial nem a contestação/oposição se possa aproveitar para a forma de processo adequada (arts. 193º, n.º 1, 278º, n.º 1, al. b), 576º, n.º 2, 577º, al. b), todos do CPC). VER
Não sendo esse o caso, o erro na forma de processo configura mera nulidade processual, sujeita ao regime geral do art.º 195º, n.º 1, do CPC, pelo que o desvio ao formalismo processual só constitui nulidade quando possa influir no exame ou na decisão da causa; quando isso não acontece, ou seja, quando a formalidade preterida ou omissa não impede que o acto em causa atinja a sua finalidade, estamos perante uma mera irregularidade, sem qualquer relevo processual.
Resulta do prescrito no art.º 915.º do CPC sob a epígrafe “Caução como incidente” que “1. O disposto nos artigos anteriores é também aplicável quando numa causa pendente haja fundamento para uma das partes prestar caução a favor de outra, mas a requerida é notificada, em vez de ser citada, e o incidente é processado por apenso.”
No caso em apreço, mais precisamente no decurso do processo de execução surgiu a necessidade de o adquirente dos bens reivindicados por terceiro, prestar caução, tendo por finalidade acautelar o risco de dissipação dos bens adquiridos, durante o período de pendência da ação de reivindicação, cautela essa que visa assegurar não só a devolução dos bens ao reivindicante caso prove a sua titularidade com a respetiva devolução do preço ao adquirente, como visa também acautelar, caso os bens seja dissipados, que o reivindicante que prove a titularidade dos bens, possa vir a ser reparado pela sua perda. Tal incidente correu nos autos de execução ao invés de ter corrido por apenso em conformidade com o prescrito no citado art.º 915.º o C.P.C.
A caução constitui uma garantia especial das obrigações, visa satisfazer o interesse do credor. À prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte.
Um dos casos em que está prevista a prestação de caução é nos casos de protesto para reivindicação em que os bens móveis não são entregues ao comprador, sem este prestar caução - cfr. art.º 840 n.º 1 e 841.º ambos do CPC
Nessa circunstância, que é a que está em causa nos autos, a prestação de caução processa-se segundo as regras estabelecidas para o processo especial de prestação de caução (art.º 906º e seguintes do CPC), assumindo, o carácter de incidente processado por apenso, tal como resulta do art.º 915º do CPC.
Ora, basta atentar no processado relativo ao incidente de prestação de caução (cfr. artigos 906.º a 915.º do CPC.) e confrontá-lo com o procedimento que foi seguido nos autos de execução para se concluir que tendo a recorrida vindo prestar de forma espontânea caução e mostrando-se assegurado o contraditório (uma vez que a recorrente teve oportunidade de se pronunciar, como efetivamente veio a fazer), o facto do incidente não ter corrido por apenso, em nada influiu no exame ou na decisão da causa.
Em suma, a formalidade preterida ou omissa não impediu que o ato em causa atingisse a sua finalidade, razão pela qual estamos apenas perante uma mera irregularidade, sem qualquer relevo processual.
Improcede nesta parte o recurso.
3 – Do beneficiário da caução e da sua idoneidade
Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo ter decidido que comprador - EMP04... Lda. – teria de prestar caução, caso queira levantar os bens, a qual se destina a garantir o direito do reivindicante no caso de proceder a reivindicação e ter considerado o depósito do preço dos bens comprados em venda judicial como caução, considerando a mesma adequada e validamente prestada pelo comprador e consequentemente autorizou o levantamento dos bens vendidos pelo comprador.
Contudo, entende a Recorrente que a caução que veio a ser julgada válida não acautela, nem se pronuncia acerca dos interesses/direitos da recorrente reivindicante, pelo que tem de ser revogada.
Assim a questão a decidir consiste em apurar se se verificam os requisitos da prestação de caução.
Vejamos se lhe assiste razão:
A apelante veio pugnar pela revogação da decisão recorrida por entender que não estão verificados os requisitos para que sejam aplicadas as cautelas dos artºs 840º e 841º do CPC, designadamente a prestação de caução pelo comprador com os contornos determinados pelo Tribunal a quo.
Prescrevem os artigos 840 e 841º do CPC que: “Artigo 840º Cautelas a observar no caso de protesto pela reivindicação 1 - Se, antes de efetuada a venda, algum terceiro tiver protestado pela reivindicação da coisa, invocando direito próprio incompatível com a transmissão, lavra-se termo de protesto; nesse caso, os bens móveis não são entregues ao comprador e o produto da venda não é levantado sem se prestar caução. 2 - Se, porém, o autor do protesto não propuser a ação dentro de 30 dias ou a ação estiver parada, por negligência sua, durante três meses, pode requerer-se a extinção das garantias destinadas a assegurar a restituição dos bens e o embolso do preço; em qualquer desses casos, o comprador, se a ação for julgada procedente, fica com o direito de retenção da coisa comprada, enquanto lhe não for restituído o preço, podendo o proprietário reavê-lo dos responsáveis, se houver de o satisfazer para obter a entrega da coisa reivindicada. Artigo 841º Cautelas a observar no caso de reivindicação sem protesto O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, ao caso de a ação ser proposta, sem protesto prévio, antes da entrega dos bens móveis ou do levantamento do produto da venda.”
O Tribunal a quo exigiu a prestação de caução como condição para a entrega dos bens móveis adquiridos pelo comprador em venda, tendo presente o disposto no artº 840.º, ex vi do art.º 841º do CPC, uma vez que depois da venda judicial dos bens móveis foi lavrado protesto pela Recorrente, tendo sido também comprovada a pendência da respetiva ação de reivindicação.
No despacho recorrido considerou-se que o depósito do preço dos bens móveis adquiridos pela recorrida seria considerado como caução e, consequentemente, atendendo ao seu valor e aos interesses/direitos que se pretende salvaguardar, considerou-se a mesma adequada e validamente prestada pela recorrida/compradora.
Da conjugação dos dois preceitos resulta que as cautelas a observar, designadamente a prestação de caução, dependem do momento em que é lavrado o termo de protesto - que normalmente é efetuado antes da propositura da ação de reivindicação -, ou em que é instaurada a ação. Assim, se o protesto é lavrado antes da venda rege o disposto no art.º 840.º do C.P.C. Se a ação de reivindicação é instaurada, sem protesto prévio – como é o caso -, dado que o termo de protesto foi lavrado em momento posterior à venda, mas antes da entrega dos bens móveis ou do levantamento do produto da venda, rege o disposto no art.º 841º.
A interposição de ação de reivindicação é um meio totalmente autónomo relativamente ao processo de execução, já que nem sequer suspende quer os termos da execução, quer da venda.
Contudo não deixa de ter efeitos na ação executiva, designadamente na decisão final na execução, nos termos previstos no art.º 839º, nº 1, al. d) do CPC., ou seja, acautela a reversibilidade da venda. Lavrado o termo de protesto, os bens móveis não são entregues ao comprador e o produto da venda não será levantado sem que o beneficiário do pagamento preste caução. O mesmo sucede com a entrega dos bens esta só terá lugar se o adquirente prestar caução, destinada a garantir o direito do reivindicante.
Como bem explica Rui Pinto[6] a lei prevê um mecanismo de proteção do terceiro reivindicante, o protesto pela reivindicação. “Trata-se de um incidente cautelar destinado a assegurar o efeito útil de ação de reivindicação, cuja propositura esteja iminente ou até já pendente, deduzido antes da venda executiva do bem, por quem não é parte na causa, invocando a titularidade do direito próprio incompatível com a transmissão. O incidente não impede a venda executiva, com os feitos previstos no art.º 824.º CC, mas procura salvaguardar a sua reversibilidade, para a eventualidade de a ação de reivindicação vir a ser vitoriosa.”
E mais à frente acrescente “Sendo admitido o protesto, o despacho do juiz determinará que os bens que sejam móveis não serão entregues ao comprador ou adjudicatário. Por outro lado, o produto da venda de qualquer bem imóvel ou móvel, não será levantado por credor que deva ser pago, sem que preste caução.”
Por outro lado, por força do prescrito no artigo 841.º do CPC., ainda que os bens tenham sido vendidos sem prévio protesto pela reivindicação, o terceiro ainda pode protestar até à entrega dos bens móveis ou até ao levantamento do produto da venda, sendo-lhe aplicadas as mesmas medidas cautelares.
No caso, quer pelo facto de o protesto, quer pelo facto da ação de reivindicação terem ocorrido depois da venda judicial terá de ser aplicado por remissão o art.º 841.º que manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art.º 840.º do CPC.
Ainda como refere J. Lebre de Freitas[7], “(…) havendo protesto, a entrega dos bens móveis ao comprador só tem lugar depois de este prestar caução, destinada a garantir o direito do reivindicante (…); por sua vez, os credores e restantes titulares de direitos sobre o produto da venda só poderão proceder ao seu levantamento depois de também prestarem caução, esta em garantia do direito do comprador à restituição do preço no caso de proceder a reivindicação.”
Por outro lado, se ocorrer negligência no assegurar do prosseguimento da ação de reivindicação e as garantias forem declaradas extintas nos termos do n.º 2 do art.º 840.º do CPC. o comprador continuará a ter garantido o seu direito ao preço, mediante a constituição do direito de retenção sobre a coisa adquirida. Extintas as garantias o adquirente fica com o direito de retenção sobre os bens comprados, até ser pago do respetivo preço, que o proprietário lhe pode pagar, para depois o haver dos responsáveis.
Nesta medida, não há dúvida que a prestação de caução se impõe não só ao exequente ou a eventuais credores que tenham direitos sobre o produto da venda como também ao comprador que pretenda levantar os bens móveis, como sucedeu no caso em apreço.
A interpretação do n.º 1 do art.º 840.º do CPC. não é consensual, pois Ramos Faria e Luísa Loureiro e Rui Pinto[8] entendem de diversa forma, ao defenderem que suprimida a anterior remissão para o art.º 1384.º do CPC de 1961, a lei passou a recusar sempre a entrega dos bens móveis.
Não temos esta posição, pois se tivesse sido essa a intenção do legislador teria vincado mais nitidamente a negação da entrega dos bens e a prestação de caução. Com efeito, o direito de retenção a que alude o n.º 2 sem distinguir bens móveis de bens imóveis, pressupõe a posse da coisa, a que acresce o facto do art.º 1384.º do CPC ter sido revogado pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, tendo a matéria desse artigo transitado para o artigo 61.º do RJPinv aprovado pela mesma lei, não fazendo muito sentido que o CPC. passasse a remeter para uma lei avulsa, passando a fazer-se o tratamento direto da matéria não existindo qualquer razão que justificasse alterar o regime aplicável aos móveis - entrega dos bens contra a prestação de caução -.
De tudo isto resulta que quer o adquirente, quer o reivindicante ficam suficientemente garantidos. O comprador/adquirente só terá direito ao depósito do preço se restituir os próprios bens ao reivindicante, ficando assim garantido que se restituir os bens recebe o preço e o proprietário fica com a garantia que receberá os bens ou o seu valor, representado pelo depósito.
Nesta medida, não há dúvida que a prestação de caução se impõe não só ao exequente ou a eventuais credores que tenham direitos sobre o produto da venda como também ao comprador que pretenda levantar os bens móveis, como é o caso.
Sucede que no âmbito da execução o comprador pagou na íntegra o preço dos bens adquiridos (€150.000,00), o que traduz a razoabilidade deste montante como representativo do valor dos bens, que aliás foram vendidos por um valor muito superior ao valor de avaliação. Acresce dizer que as exigências cautelares de garantia na execução correspondem ao pagamento do respetivo preço, uma vez que é este valor que garantirá, ulteriormente, a realização do direito do dono dos bens se não lhe forem restituídos, ou o direito do comprador, no caso de ter de restituir os bens por se reconhecer que pertencia a quem os reivindicou (o recorrente) e não ao executado.
Tudo isto para concluirmos que o depósito do preço garante suficientemente os interesses em causa no caso de evicção do adquirente, equivalendo à realização da caução prevista no art.º 840.º n.º 1 in fine do CPT, tal como também foi entendido pelo tribunal a quo.
Em suma, o protesto de reivindicação da propriedade de um bem móvel penhorado e vendido na execução não implicará a suspensão a instância executiva, nem a paralisação da venda, mas obsta a que o bem seja entregue sem que fique garantido o seu valor, designadamente através do depósito do preço à ordem da execução, que equivale, do ponto de vista do comprador, à realização da caução prevista no art.º 840.º n.º 1 in fine do CPT, o qual não poderá de ser levantado antes de decidida a ação de reivindicação (cfr. artigos 840º e 841.º do C.PC.).
Por último, importa referir que esta solução não permite concluir pela validade e eficácia da venda dos bens móveis realizada na ação executiva, pois a venda poderá ficar sem efeito se os bens vendidos não pertenciam ao executado e se vier a proceder ação de reivindicação instaurada para o efeito – cfr. art.º 839.º, nº 1, al d) do C.P.C. do qual resulta que “a venda fica sem efeito (…) se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.”
V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e consequentemente é de manter o despacho recorrido.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 8 de maio de 2025
Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso
[1] Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt. [2] Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, 1998, a pág. 418, defendia, na vigência do anterior CPC (artigo 901.º) que “O adquirente dos bens através da venda executiva pode requerer, utilizando como título executivo o despacho que lhe adjudicou os bens (…), o prosseguimento da execução contra o seu detentor (art.º 901.º). Como o artigo 901.º se refere ao prosseguimento da execução, o requerimento deve ser apresentado ainda na pendência desta. A execução continua, mas não como execução para pagamento; atendendo ao seu objecto, ela transforma-se numa execução para entrega de coisa certa (art.º 901.º in fine).”. [3] Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 1.ª Edição, Agosto de 2013, a págs. 930 e 931 [4] Disponível em www.dgsi.pt. [5] Cfr. Ac. da RP de 20/01/2004 (relator Fernando Samões), disponível in www.dgsi.pt. [6] Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, pág. 775. [7] in CPC anotado, vol. 3º, p. 619. [8] Obra cit., pág. 775 referindo em nota de rodapé “No novo código artigo 840.º n.º 1 foi suprimida esta possibilidade de entrega mediante garantias”