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PLATAFORMA DIGITAL
“ESTAFETA”
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE - ART.º 12-A DO CT
CONTRATO DE TRABALHO
Sumário
1 - A subordinação jurídica, traço característico do contrato de trabalho, é actualmente entendida como a sujeição da actividade prestada pelo trabalhador a parâmetros importantes ditados pelo empregador, que conforma a execução do trabalho, embora o possa fazer de modo menos explícito e evidente em determinados sectores. O trabalhador está inserido numa organização e ciclo produtivo alheio, não controlando aspectos essenciais, incluindo a livre negociação do preço. 2- A presunção de laboralidade em plataformas digitais (12º-A, CT) tem por escopo facilitar um correcto enquadramento do estatuto profissional dos prestadores de atividade em meio digital. Segundo a Directiva 2024/2831 do Parlamento e do Conselho de 23-10-2024, uma presunção legal operativa requer uma fórmula eficaz que permita ao trabalhador da plataforma beneficiar efectivamente dessa presunção, a qual não deverá conter requisitos que lhe tornem demasiado difícil fazer a prova dessa presunção, sem prejuízo do direito de o operador da plataforma a ilidir. 3- Este quadro legal tem na sua génese a consciencialização de que o anterior sistema legal estará desactualizado, porque baseado noutro modelo de organização do trabalho, mais concentracionário e pessoalizado. 4- Verificando-se factos que fazem operar a presunção de laboralidade, não bastará à ré fazer a contraprova, criando dúvida no julgador (que se resolveria em desfavor do estafeta), exigindo um mais que é a prova da relação de trabalho autónomo. 5- A ré não é uma mera intermediária tecnológica, mas sim uma empresa que através de plataforma digital explora um negócio de recolha e entrega de mercadorias, com clientes que são seus, ditando as condições essenciais da sua execução, mormente cria e organiza o sistema de processamento do serviço, desde o princípio ao fim. 6- No caso verificam-se diversas características que fazem presumir a existência de uma relação de trabalho previstas nas al.s a), b, c, d, f), do art. 12º-A, CT, relacionados com o facto de o operador da plataforma ditar a retribuição, exercer o poder de direcção e de conformação da actividade prestada, o poder de controlo e supervisão, nomeadamente através de meios eletrónicos, bem como poderes laborais, nomeadamente através da desativação da conta, além de deter/fornecer equipamento de trabalho essencial (software). 7- Atenta a natureza e modo como está organizado o trabalho prestado através de meios digitais poderão não ser relevantes certos indicadores clássicos associados a relações de trabalho caracterizadas pelo ajuntamento de trabalhadores num local físico como a fábrica, a loja ou o escritório, utilizando equipamentos físicos fornecidos pelo empregador, sob a alçada de uma chefia ali presente emitindo instruções directas e explícitas. Será o caso do horário e local de trabalho, exclusividade e instrumentos de trabalho que se afigurem secundários. 8 - Não se apuraram factos susceptíveis de ilidir a presunção de laboralidade, quer porque são parcos, quer porque alguns dos tradicionais indicadores são poucos relevantes, quer porque outros funcionam em sentido oposto ao da autonomia da relação contratual. 9- É o caso do modo de contratação, com mera aparência de liberdade negocial evidenciada na necessidade de aceitação automática, sem negociação, de contratos de adesão padronizados, repletos de cláusulas extensas, pouco inteligíveis, destituídas de clareza e simplicidade e cujos termos podem ser unilateralmente, a qualquer altura, alterados pela ré, tudo a demonstrar uma supremacia de partes que não se adequa ao conceito de trabalho autónomo. 10- É também o caso da aparência de possibilidade de o “estafeta” livremente se poder fazer substituir num terceiro, quando tem de o fazer em outro estafeta com conta activa, o qual tem já ligação à ré e sempre poderia aceitar o serviço; 11 - Também a inexistência de dever de exclusividade em contratações e actividades despersonalizadas, onde o prestador é admitido “por via digital”, com criação de conta e inserção de dados, sem exigência de especiais “skills” e requisitos, não constitui, por si, indicador de trabalho desenvolvido com autonomia.
Texto Integral
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO
O Ministério Público instaurou acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (186º-H e seg. do CPT) contra a EMP01..., Unipessoal, Lda, peticionando que se reconheça e declare a existência de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado entre a ré e AA (“estafeta”) retroagido a 02/05/2023, data de início da prestação de actividade.
Muito em síntese refere que: o referido estafeta trabalha para a ré em condições análogas a contrato de trabalho; beneficia da presunção de laboralidade prevista no art. 12º, CT, para o que basta a verificação de duas das circunstâncias indiciadoras nela elencadas; no caso, identificam-se quatro circunstâncias, mormente retribuição regular fixada pela ré, exercício da actividade em locais determinados pela ré (área geográfica), fixação de regras quanto ao modo de realização da actividade ditada pela ré, bem como detenção, por esta, de instrumento de trabalho(“app”).
A ré contestou. Na economia que importa ao recurso, refere que o estafeta desenvolve a sua actividade de estafeta de forma autónoma, mormente decide livremente o local onde presta actividade, os equipamentos de trabalho não pertencem à ré, não é paga uma quantia certa ao estafeta (clª 6); não é aplicável aos autos a presunção de laboralidade das plataformas digitais dado que a relação contratual é anterior a maio de 2023, mas ainda que fosse não se verificam os indicadores da presunção e, ademais, o estafeta prestava a sua actividade na Plataforma não à ré, mas sim através de um intermediário o “Parceiro de Frota”, o caso a EMP02..., Unipessoal, Lda.
O trabalhador em causa não apresentou articulado, nem constituiu mandatário.
No âmbito de incidente de intervenção principal provocada foi admitida a intervir EMP02..., Unipessoal, Ld.ª, a qual não apresentou contestação.
Realizou-se julgamento.
SENTENÇA RECORRIDA: julgou-se a acção improcedente e absolveu-se a ré do pedido.
O MINISTÉRIO PÚBLICO RECORREU (SOBRE A DECISÃO DE DIREITO). CONCLUSÕES: “1º. Os factos dados como provados em 2, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 21, 23 e 23, por um lado, em 35 e 36, por outro, e finalmente em 9/iv/5, demonstram que AA se achava integrado numa organização produtiva encabeçada pela Ré EMP01... Unipessoal Ltda., que a aí prestava a sua actividade mediante retribuição e que o fazia sob a autoridade daquela. 2º. Tais factos importam a qualificação da relação jurídica existente entre AA e a Ré EMP01... Unipessoal Ltda. logo em face do conceito de contrato de trabalho fornecido pelo artigo 11º do Código de Trabalho, sem necessidade de recurso às presunções dos artigos 12º ou 12º-A do referido diploma. 3º. Não ajuizando a relação sub judice como laboral logo em face desses factos, a Mma. Juiz errou na respectiva qualificação à luz da noção de contrato de trabalho vertida no artigo 11º do Código do Trabalho. 4º. Sem prejuízo disso, devem achar-se por verificados não só os factos presuntivos a que se referem as alíneas e) e f) do nº1 do artigo 12º-A do Código do Trabalho, tal como decidiu a Mma. Juiz, mas ainda aquele a que se refere a alínea d) desse dispositivo, na parte em que se admite que a Ré, através da sua plataforma digital, restrinja a autonomia do estafeta quanto à possibilidade de este se fazer substituir por um terceiro. 5º. O efeito presuntivo desses factos não deve ser ilidido por via do nº4 do artigo 12º-A do Código do Trabalho porque, não obstante a existência de alguns indicadores em contrário, outros há – relacionados com o exercício do poder de direcção através da padronização e centralização na ré EMP01... de todo o ciclo produtivo; com a detenção e gestão pela ré do instrumento essencial à actividade que é seu software; com o poder sancionatório evidenciado pela possibilidade de a Ré desligar o estafeta do acesso à App caso este viole as suas obrigações contratuais; com a mera aparência de possibilidade de o estafeta livremente se poder fazer substituir num terceiro; e com a aparência de liberdade negocial evidenciada na necessidade de aceitação automática de contratos de adesão padronizados – que apontam decisivamente no sentido de que a relação jurídica existente entre AA e a Ré EMP01... Unipessoal Ltda. é uma verdadeira e própria relação laboral. 6º. Ao decidir afastar o efeito presuntivo dos factos que deu como provados, a Mma. Juiz não pesou devidamente o valor dos referidos indicadores, os quais, como se disse, deveriam ter conduzido a que a relação jurídica ora em crise fosse qualificada como uma verdadeira relação laboral, nos termos do artigo 11º do Código do Trabalho. 7º. Termos em que, salvo melhor entendimento, se deverá revogar a douta sentença ora em crise e declarar procedente a intentada acção, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré EMP01... Unipessoal Ltda. e AA e fixando-se a data do seu início em Maio de 2023, tal como peticionado” CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ:
Sustenta-se a manutenção da decisão recorrida.
Argumenta-se, em síntese quanto à natureza do vínculo contratual que: o prestador desenvolve a sua atividade de forma totalmente autónoma e segundo as condições que este próprio define; a plataforma não fixa a retribuição e/ou os seus limites máximos e mínimos, nem tão pouco a paga mas sim a intermediária; a recorrida não determina quaisquer regras específicas quanto à forma de como a atividade deve ser prestada, nem quanto à sua organização; o prestador pode exercer a atividade quando quer; a desativação da conta é uma mera consequência da cessação do contrato por iniciativa da Ré ou do Prestador de Atividade; a recorrida não controla, não supervisiona, nem avalia a qualidade da atividade prestada, pelo que não exerce poder de direção sobre o mesmo; não resulta provado que a Ré é proprietária da aplicação EMP01..., nem que a Ré a explora através de contrato de locação; a plataforma digital não é suscetível de ser reconduzida a um equipamento ou instrumento de trabalho.
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O recurso foi apreciado em conferência.
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QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]): qualificação do vínculo contratual estabelecido entre o “estafeta” e a ré: relação de trabalho subordinado ou autónomo?
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II - FUNDAMENTAÇÃO
II- A FACTOS Factos provados: 1. A ré é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto social a prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; actividades relacionadas com a organização e gestão de sites aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; consultoria, concepção e produção de publicidade e marketing; aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais. 2. A ré gere a plataforma da EMP01..., que permite a ligação entre comerciantes (os que fornecem bens e serviços) e clientes (os que adquirem esses bens e serviços), através de serviços de entregas das mercadorias, assegurados por estafetas, sendo tais serviços de entrega geridos e organizados pela ré, designadamente quanto à indicação de locais de recolha e entrega de mercadorias, recebendo em contrapartida os estafetas um valor por cada entrega. 3. A interveniente principal EMP02... – Unipessoal, Ld.ª tem objecto social: actividades postais e de courier efectuadas em veículos ligeiros até 2500 kg; manutenção e reparação de veículos automóveis; manutenção e reparação de motociclos, ciclomotores, trotinetes, de suas peças e acessórios; aluguer de veículos automóveis ligeiros; aluguer de outras máquinas e equipamentos; comércio de veículos automóveis ligeiros; comércio de peças e acessórios para veículos automóveis; comércio por grosso e a retalho de motociclos, de suas peças e acessórios; aluguer de bens recreativos e desportivos; transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros; organização de actividades de animação turística; outras actividades auxiliares dos transportes terrestres; actividades de serviços de apoio prestados às empresas; restaurantes, restaurantes tipo tradicional; restaurantes com lugares ao balcão; restaurantes sem serviço de mesa; restaurantes típicos; confecção de refeições prontas a levar para casa; fornecimento de refeições para eventos e outras actividades de serviço de refeições; fornecimento de refeições para eventos; actividades de serviço de refeições; estabelecimentos de bebidas, cafés, bares, pastelarias e casas de chá, outros estabelecimentos de bebidas sem espectáculo. 4. No documento denominado «Contrato de Parceiro de Frota» consta, no que ora importa: i.«Partes: “Parceiro de Frota” é um empresário independente no negócio de Serviços de Entrega; “Estafeta” ou “Parceiro de Entregas” refere-se a um trabalhador independente ou a um trabalhador do Parceiro de Frota que desenvolve a atividade de Serviços de Entrega que tenha celebrado o Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota; “Serviços de Entrega” refere-se ao ato de entrega de comida ou outros bens que tenham sido pedidos pelos Clientes aos Comerciantes através da App EMP01...; “Cliente” refere-se a qualquer indivíduo que tenha feito uma encomenda de refeição ou outros bens através da App EMP01...; ii.1. Geral: a. Como empresa tecnológica, a EMP01... opera uma plataforma que liga com Comerciantes e Clientes, entre outras coisas. Podem ser solicitados serviços de entrega em consequência disso mesmo, serviços que ficam de fora do âmbito do negócio e principais competências da EMP01.... Neste contexto, Você e os Seus Estafetas têm a oportunidade de prestar Serviços de Entrega aos Clientes. Ao concordar com as condições do presente Contrato, está a indicar-nos que tem capacidade para prestar Serviços de Entrega enquanto prestador de serviços; iii.b. Para prestarem Serviços de Entrega, os Seus Estafetas devem acordar em termos separados para prestarem os Serviços de Entrega em nome do Parceiro de Frota (“Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”); iv.c. Este Contrato rege a prestação da nossa tecnologia e serviços e a utilização dos mesmos por parte do Parceiro de Frota e pelos Seus Estafetas - para que possa prestar Serviços de Entrega como prestador de serviços. v.d. Ao concordar com o Contrato, a EMP03... fornecerá aos Seus Estafetas que tenham concordado com os Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota acesso à App EMP01... para os Parceiros de Entregas ("App"), ao nosso software, websites e vários serviços de suporte. Também lhe será fornecido acesso a ferramentas que lhe fornecem informações sobre a utilização da App pelos próprios; vi.e. Ao utilizar a App, os Seus Estafetas poderão receber propostas da EMP01... para que prestem os Serviços de Entrega aos Clientes em Seu nome; vii.2. Serviços de Entrega: Se os Seus Estafetas aceitarem uma proposta de entrega da EMP01... em Seu nome, Você concorda em prestar serviços de entrega a pedido da EMP01... em troca do pagamento da taxa de entrega (conforme definido infra). As propostas de entrega para serviços de entrega podem ser aceites clicando na opção aceitar uma proposta na App. Os Seus Estafetas também podem recusar propostas de serviços de entrega em Seu nome clicando na cruz vermelha na proposta de serviços de entrega na App ou ignorar uma proposta de serviços de entrega. Para que fique claro, não há consequências para propostas recusadas ou ignoradas de Serviços de Entrega; viii.3. Estatuto: a. Este Contrato não é um contrato de trabalho, ou uma cedência de trabalhadores, e não cria uma relação de trabalho entre si e nós ou qualquer afiliada da EMP01..., ou os Seus Estafetas e nós, ou qualquer afiliada da EMP01.... Também não cria uma parceria legal, uma joint venture ou lhe dá a autoridade para nos vincular ou manter-se como nosso funcionário, trabalhador, agente, parceiro legal ou representante autorizado. ix.b. O Parceiro de Frota é responsável pelos termos em que contrata com os Seus Estafetas, incluindo sobre se contrata como trabalhador por conta de outrem ou como trabalhador independente. x.4. Utilização da App: a. Iremos criar uma conta de Parceiro de Entregas para que cada um dos Seus Estafetas possa aceder e utilizar, após a aceitação do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota. O Parceiro de Frota e os Seus Estafetas deverão manter a conta pessoal. Não podendo ser licenciada, partilhada ou modificada. xi.b. O Parceiro de Frota compreende e aceita que o Seu Estafeta não tem obrigação de iniciar sessão ou utilizar a App. Eles podem iniciar sessão na App se, quando e onde pretenderem, ou conforme acordado consigo. xii.c. O Parceiro de Frota e respetivos Estafetas não se encontram sujeitos a nenhuma forma de avaliação e são totalmente livres na forma como executam as suas tarefas. xiii.d. A EMP01... e/ou a EMP03... não controlam o Parceiro de Frota, nem direcionam o Parceiro de Frota nem os Seus Estafetas, e não podem ser consideradas como controlando ou direcionando o Parceiro de Frota nem os Seus Estafetas, inclusive em conexão com a sua prestação dos Serviços de Entrega, as suas ações ou omissões. xiv.e. O Parceiro de Frota decide sozinho (concorda com ou gere os Seus Estafetas) se, quando, onde e por quanto tempo pretende que utilizem a App e quando aceitar, recusar ou ignorar qualquer proposta de Serviços de Entrega. xv.f. Se necessário por motivos de segurança pública, podem existir restrições geográficas sobre onde pode receber propostas de Serviços de Entrega. xvi.g. Exceto se for acordado de forma diversa entre nós, o Parceiro de Frota é totalmente livre de escolher se contrata ou não com outras empresas para prestar Serviços de Entrega, incluindo concorrentes da EMP01.... O mesmo é aplicável aos Seus Estafetas. O Parceiro de Frota também é totalmente livre de prestar Serviços de Entrega a outros clientes que tenha ou ter a sua própria base de clientes. xvii.h. Quando os Seus Parceiros de Entrega estiverem registados e online, as propostas de Serviços de Entrega podem aparecer na App. xviii.i. Você e/ou Seus Estafetas podem decidir livremente a taxa/preço mínimo por quilómetro dos Serviços de Entrega que serão propostos ao usar a App. Você ou os Seus Estafetas podem alterar esta taxa/preço por quilómetro as vezes que desejarem e a qualquer momento, sem comunicação prévia à EMP01... ou autorização da EMP01..., nos termos da cláusula 6.b. infra. xix.j. Se o Seu Estafeta aceitar uma proposta de Serviços de Entrega, os Comerciantes e Clientes receberão informações sobre a sua identificação, incluindo o Seu primeiro nome, foto, localização e informações sobre o Seu Meio de Transporte, de acordo com a Cláusula 12 (Privacidade); xx.k. Exceto se o Parceiro de Frota e o Seu Estafeta tiverem acordado de forma diversa, o Estafeta será responsável por escolher a forma mais eficaz e segura de chegar ao destino. Uma vez aceite uma proposta de Serviços de Entrega, os Seus Estafetas ainda podem cancelar. xxi.l. O Parceiro de Frota e respetivos Estafetas são livres para escolher o sistema de GPS de sua preferência na App (entre Waze, Google Maps ou EMP01... GPS) ou para usar qualquer outro sistema de GPS que não seja uma API integrada na aplicação EMP01..., ou não usar um sistema de GPS de forma alguma. Tal permite que o Parceiro de Frota ou os Seus estafetas escolham a rota livremente. Para que fique claro, não há consequências para escolher uma rota livremente. xxii.m. Se não desejar prestar mais Serviços de Entrega a um Estabelecimento e/ou Cliente, poderá bloqueá-los mediante pedido ao departamento de suporte da Aplicação do Prestador para não receber mais propostas de Serviços de Entrega deles. xxiii.n. Reconhece que as informações de localização do Seu Estafeta têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar Serviços de Entrega. Reconhece e concorda que: (a) as informações de geolocalização podem ser obtidas pela EMP01... enquanto a App está em funcionamento; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de Serviços de Entrega. Além disso, a EMP01... e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de proteção, segurança e técnicos. O Parceiro de Frota concorda que diligenciará para assegurar que os Parceiros de Entrega conhecem, compreendem e concordam com a presente disposição. xxiv.o. O Parceiro de Frota reconhece e concorda que: (a) é o único responsável por tomar as precauções razoáveis e apropriadas (incluindo a manutenção de um seguro adequado que cumpra os requisitos da legislação aplicável) em relação a quaisquer atos ou omissões de um Comerciante, Cliente e/ou terceiros; e (b) o EMP01... ou suas afiliadas podem fornecer suas informações de contato e/ou seguro a um Comerciante e/ou Cliente e/ou terceiro mediante solicitação razoável de tal Comerciante e/ou Cliente e/ou terceiro (por exemplo, em ligação com um acidente). xxv.6. Taxa de Entrega: a. O Parceiro de Frota ou os Seus Estafetas podem determinar livremente a sua taxa mínima por quilómetro, indicando na App o limite de taxa por quilómetro abaixo do qual o Parceiro de Frota ou os Seus Estafetas não desejam receber uma proposta de Serviços de Entrega (“Taxa Mínima por Quilómetro”). Ao indicar esse limite, o Parceiro de Frota e os Seus Estafetas receberão apenas propostas de Serviços de Entrega para as quais a tarifa por quilómetro seja igual ou superior à Taxa Mínima por Quilómetro que determinaram. xxvi.b. Cada proposta de Serviços de Entrega exibida na App ao Seu Estafeta incluirá uma taxa proposta (incluindo qualquer IVA ou outro imposto sobre vendas (a “Taxa de Entrega”), que em caso algum deve considerar uma taxa de quilómetro inferior à sua Taxa Mínima por Quilómetro. xxvii.c. A tarifa por quilómetro será calculada dividindo o valor da Taxa de Entrega pelo número de quilómetros a serem percorridos desde o ponto de levantamento do pedido até ao ponto de entrega do pedido, que será indicado na proposta de Serviços de Entrega, conforme determinado por serviços baseados na localização. xxviii.d. A Taxa de Entrega será o resultado da tarifa proposta no momento do receção da proposta de Serviços de Entrega, considerando a respetiva Taxa Mínima por Quilómetro, vezes os quilómetros entre o ponto de levantamento e o ponto de entrega reportados na proposta de Serviços de Entrega (conforme determinado pela EMP01... usando serviços baseados em localização), além de quaisquer incentivos relacionados com deslocações que possam ser aplicáveis em dado momento e/ou local onde o Serviço de Entrega é prestado (o "Cálculo da Taxa de Serviço"). xxix. f. Receberá Taxas de Entrega e gratificações de forma agregada com uma periodicidade pelo menos semanal». 5. No dia 20.09.2023, pelas 12h40, junto ao ponto de recolha do restaurante EMP04..., Unipessoal, Ld.ª, sito na Rua ..., ..., em Chaves, no âmbito de uma acção inspectiva da Autoridade das Condições para o Trabalho, AA estava a exercer funções de estafeta pela appEMP01.... 6. Nessas circunstâncias recebeu uma oferta de entrega, recolheu uma encomenda e colocou-a numa mochila térmica, após o que se ausentou daquele local. 7. AA encontra-se registado na plataforma da appEMP01... desde Maio de 2023. 8. Com a adesão à app EMP01..., AA declarou consentir nos termos apostos no documento denominado «Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota». 9. No documento aludido em 8 consta no que ora importa: i.Princípios fundamentais: “(…) Você trabalha e/ou presta serviços para uma empresa (não para a EMP01...) para prestar Serviços de Entrega. A EMP01... não está envolvida no acordo celebrado entre si e a empresa (“Empresa de Parceiro de Frota”). ✓ O presente Contrato do Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota rege o uso da App para a prestação de Serviços de Entrega. ✓ Se prestar o Seu consentimento ao presente Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, pode usar a App para ter acesso às propostas de Serviço de Entrega da EMP01.... A não que tenha acordado em sentido diverso com a sua Empresa de EMP05..., Você decide se, quando e onde usa a App, a Seu exclusivo critério. Você pode tomar esta decisão unilateralmente e em tempo real, através da seleção de um botão no Seu smartphone. Por uma questão de clareza a EMP01... não submete o Parceiro de Entregas a uma obrigação de exclusividade connosco. ✓ Exceto se acordado em sentido diferente com a sua Empresa de Parceiro de Frota, Você decide se pretende ou não aceitar um pedido. O Parceiro de Entregas não está obrigado a usar a App ou a prestar Serviços de Entrega, incluindo no momento em que está ligado à App. O Parceiro de Entregas pode aceitar ou rejeitar qualquer pedido. ✓ Se o Parceiro de Entregasaceitar uma proposta, irá prestar o Serviço de Entrega a clientes para a sua Empresa de Parceiro de Frota, o qual é um prestador de serviços da EMP01.... ✓ Por favor, leia este Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota atentamente. O Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota contém informação sobre a possibilidade de as partes modificarem ou terminarem o mesmo, sobre o modo de proceder se houver algum problema e outra informação importante, incluindo informação sobre seguros e responsabilidade. ✓ O Parceiro de Entregas tem o direito de terminar o presente contrato mediante notificação à EMP01..., nos termos aqui descritos. ii.Partes: “(…) Somos a EMP01..., Unipessoal LDA (…) Em determinados casos, entidades relacionadas da EMP01... (tal como a EMP01... B.V.) irão desempenhar funções relacionadas com o presente Contrato, na qualidade de parte autorizada pela EMP01.... EMP03... B.V. (…) é uma sociedade registada nos termos da lei dos Países Baixos e é parte do presente Contrato para permitir ao Parceiro de Entregas o acesso à App, de forma gratuita. O Parceiro de Entregas Independente é um trabalhador independente no negócio de Serviços de Entrega, que mantém actualmente uma relação contratual ou laboral com um Parceiro de Frota para prestar Serviços de Entrega (…)“ iii.Definições: “(…) “Parceiro de Entregas Independente” refere-se a um trabalhador independente ou a um trabalhador do Parceiro de Frota que desenvolve a atividade de Serviços de Entrega que tenha celebrado desde Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota. "Identificação do Parceiro de Entregas Independente" refere-se aos dados de identificação e palavra-passe que permitem ao Parceiro de Entregas usar e aceder à App. "Serviços de Entrega" refere-se ao ato de entrega de comida ou outros itens que tenham sido pedidos pelos Clientes aos Comerciantes através da App EMP01.... "Cliente" refere-se a qualquer indivíduo que tenha feito uma encomenda de refeição ou outros bens através da App EMP01.... (…) “Empresa de Parceiro de Frota” refere-se a um empresário independente ou empresa no negócio da prestação de Serviços de Entrega com quem o Parceiro de Entregas mantém um vínculo contratual ou laboral para prestar os Serviços de Entrega. "Comerciante" refere-se a um negócio cujos produtos (comida ou outros bens) sejam disponibilizados para venda através da App EMP01.... (…) “Meio de Transporte” refere-se a qualquer meio de transporte a ser usado para a prestação dos Serviços de Entrega. “Dados da EMP01...” refere-se a todos os dados relacionados com o acesso e utilização da App, incluindo todos os dados relacionados com os Utilizadores (incluindo a Informação do Utilizador) e todos os dados relacionados com a prestação dos Serviços de Entrega através a App e a Identificação dos Parceiros de Entregas Independentes. "Informação do Utilizador" refere-se a informação relativa a um Cliente ou Comerciante (em conjunto, “Utilizadores”) que seja disponibilizada ao Parceiro de Entregas relacionada com a proposta de Serviços de Entrega, que pode incluir local de recolha, local de entrega,nome ou firma do Utilizador, informação de contacto do Utilizador, assinatura do Utilizador e fotografia do Utilizador, assim como quaisquer outros detalhes específicos dos itens a ser entregues. (…)“; iv.Termos: 1. Geral “(…) a. Como empresa tecnológica, a EMP01... opera uma plataforma que liga com Comerciantes e Clientes, entre outras coisas. Podem ser solicitados serviços de entrega em consequência disso mesmo, serviços que ficam fora do âmbito do negócio e principais competências da EMP01.... Ao assinar este Contrato, está a indicar-nos que tem capacidade para prestar Serviços de Entrega. b. A sua Empresa de Parceiro de Frota acordou separar os contratos para o Parceiro de Entregas e o Parceiro de Frotas acederem à App EMP01... e prestarem Serviços de Entrega (“Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota” ou “Contrato”). c. Este Contrato rege a prestação da nossa tecnologia e serviços e a sua utilização dos mesmos para a prestação de Serviços de Entrega para a sua Empresa de Parceiro de Frota. d. Ao concordar com o Contrato, a EMP03... fornecer-lhe-á acesso à EMP01... App ("App"), ao nosso software, websites e vários serviços de suporte. e. Ao utilizar a App, poderá receber propostas efetuadas por Clientes dos Comerciantes da EMP01... para que possa prestar os Serviços de Entrega aos Clientes em nome da sua Empresa de Parceiro de Frota. f. Este Contrato rege exclusivamente o uso da App EMP01... e não cobre a prestação de qualquer outro serviço através de aplicações de afiliados da EMP01... (como o fornecimento de transporte de passageiros) (…)”; 2. Serviços de entregas “(…) Você pode aceitar uma proposta de Serviços de Entrega selecionando a opção de aceitar uma proposta na App. Pode também recusar uma proposta de Serviços de Entrega selecionando a cruz vermelha na proposta de Serviços de Entrega na App ou ignorar uma proposta de Serviços de Entrega. Para que fique claro, não há consequências caso recuse ou ignore proposta de Serviços de Entrega. (…)”; 3. Estatuto “(…). a. Este Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota não é um contrato de trabalho, ou uma cedência de trabalhadores, e não cria uma relação de trabalho entre si e nós ou qualquer afiliada da EMP01.... Também não cria uma parceria legal, uma joint venture ou lhe dá a autoridade para nos vincular ou manter-se como nosso trabalhador, prestador de serviços, agente, parceiro legal ou representante autorizado. b. Ao aceitar este Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Negócio o Parceiro de Entregas aceita que a EMP01... não tem qualquer intervenção na relação contratual entre si e a sua Empresa de Parceiro de Frota. (…)” 4. Utilização da app “(…) a. O Parceiro de Entregas aceita e compreende que: i. A EMP01... não controla, nem direciona a sua utilização da App; ii. A EMP01... e/ou a EMP03... não controlam, nem direcionam o Parceiro de Entregas e nãopodem ser consideradas como controlando ou direcionando o Parceiro de Entregas, inclusive em conexão com a sua prestação dos Serviços de Entrega, as suas ações ou omissões, ou a sua operação e manutenção do Seu Meio de Transporte. b. Não obstante ser livre de acordar em sentido diverso com a sua Empresa de Parceiro de Frota, o Parceiro de Entregas aceita e reconhece que: i. O Parceiro de Entregas não tem obrigação de iniciar sessão ou utilizar a App. O Parceiro de Entregas pode iniciar sessão na App Parceiro de Entregas se, quando e onde pretender. ii. O Parceiro de Entregas não está sujeito a nenhuma forma de avaliação e é totalmente livre na forma como executa as suas tarefas. iii. O Parceiro de Entregas decide sozinho se, quando, onde e por quanto tempo pretende utilizar a App e quando aceitar, recusar ou ignorar qualquer proposta de Serviços de Entrega. iv. O Parceiro de Entregas é totalmente livre de escolher se contrata ou não com ou outras empresas para prestar Serviços de Entrega, incluindo concorrentes da EMP01.... Isto inclui fazê-lo ao mesmo tempo do que quando está a usar a App (conhecida como'multi-apping'). Também é totalmente livre de prestar Serviços de Entrega aos Seus próprios clientes e ter a sua própria base de clientes. c. Se tal for exigido por questões de segurança pública, poderão existir restrições geográficas sobre onde pode receber propostas de Serviços de Entrega. d. Quando estiver registado e online, as proposta de Serviços de Entrega podem aparecer na App. e. O Parceiro de Entregas pode decidir livremente a taxa/preço mínimo por quilómetro dos Serviços de Entrega que lhe são propostos. Pode alterar esta tarifa/preço por quilómetro as vezes que desejar e a qualquer momento, sem comunicação prévia à EMP01... ou autorização da EMP01..., nos termos da cláusula 6.c. infra. f. Se aceitar uma proposta de Serviços de Entrega, os Comerciantes e Clientes receberão informações sobre a sua identificação, incluindo o Seu primeiro nome, foto, localização e informações sobre o Seu Meio de Transporte, de acordo com a Cláusula 10 (Privacidade). g. O Parceiro de Entregas da será responsável por escolher a forma mais eficaz e segura de chegar ao destino. Uma vez aceite uma proposta de Serviços de Entrega, ainda pode cancelar. h. O Parceiro de Entregas é livre para escolher o sistema de GPS da sua preferência na App (entre Waze, Google Maps ou EMP01... GPS) ou usar qualquer outro sistema de GPS que não seja API integrado na App da EMP01..., ou não usar nenhum sistema de GPS. Tal permite que o Parceiro de Entregas escolha a sua rota livremente. Para que fique claro, não há consequências por escolher uma rota livremente.i. Se o Parceiro de Entregas não desejar continuar a prestar Serviços de Entrega a um Comerciante e/ou Cliente, poderá bloqueá-los mediante pedido ao departamento de suporte da App para não receber mais propostas de Serviços de Entrega dos mesmos. j. Reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar Serviços de Entrega. Reconhece e concorda que: (a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela EMP01... enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de Serviços de Entrega. Além disso, a EMP01... e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de proteção, segurança e técnicos. (…)”; 5. As suas obrigações “(…) a. Por forma a manter o acesso à App, deve (i) manter todas as licenças, permissões, autorizações alvarás ou outros títulos habilitantes, necessários para a prestação de Serviços de Entrega, e (ii) cumprir com todos os requisitos legais. b. Adicionalmente a qualquer obrigação exigível à sua Empresa de Parceiro de Frota, Você aceita completar todos os passos para o processo de registo(incluindo a prestação de toda a documentação exigida e verificações de idoneidade, quando exigível) para poder aceder à App. c. Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir ou atingir os requisitos destes Termos, a EMP01... reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o Seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes destes Contrato. Se a EMP01... restringir o Seu acesso à App, serão aplicadas as Cláusulas 9 e 14 do presente Contrato d. Deve ter todos os equipamentos, ferramentas e outros materiais necessários (por conta própria ou por conta da Empresa de Parceiro de Frota). . e. Ao utilizar a App para prestar Serviços de Entregas, compromete-se a cumprir com todas as leis e regulamentos aplicáveis, assim como os costumes locais e as boas práticas, incluindo as relativas a segurança rodoviária e higiene, segurança alimentar e regulamentos de entrega de bebidas alcoólicas. f. Quando opte por usar a App, fá-lo-á de boa fé, fará uma boa utilização e abster-se-á de tentar defraudar a EMP01..., os Comerciantes, outros parceiros de entregas independentes e os Clientes. g. Não lhe é exigida a utilização de roupa ou sacos com a marca da EMP01... para prestar Serviços de Entrega. É livre para escolher o equipamento necessário para o Seu negócio, incluindo o uso de equipamentos de marcas concorrentes da EMP01..., quando apropriado. h. Deve apenas usar o Meio de Transporte identificado na sua conta. Para a prestação de Serviços de Entrega. O Meio de Transporte identificado deve ser adequado para utilização no âmbito da App (tal como determinado a cada momento). Quando aplicável, o Meio de Transporte identificado deve cumprir com a legislação aplicável do Território.i. Deverá entregar-nos toda a informação por nós exigida (incluindo renovações) que demonstre a observância do exposto acima, antes e durante o período de utilização da App, de forma a permitir-nos rever qualquer um desses documentos a qualquer momento e de forma contínua. j. Quaisquer taxas, impostos e contribuições à segurança social suportados em resultado da prestação de Serviços de Entrega serão da sua responsabilidade. k. A EMP01... compromete-se a reembolsar a sua Empresa de Parceiro de Frota de Portagens suportadas no decurso da prestação de Serviços de Entrega. l. Deverá ter em vigor durante todo o período de utilização da App todas as apólices de seguro obrigatórias aplicáveis ao Meio de Transporte que usa durante o período de vigência deste Contrato, ou outros seguros legalmente exigidos, com o nível de cobertura exigido por lei. m. Se aceitar uma proposta de Serviço de Entrega, ser-lhe-ão facultadas Informações do Utilizador ou instruções de Utilizador e informações dos Comerciantes ou instruções dos Comerciantes disponibilizados à EMP01... através da App,. Devido aos regulamentos em matéria de protecção de dados, compromete-se a não contactar qualquer Utilizador, ou por qualquer forma usar a informação relativa a qualquer Utilizador, para qualquer fim que não seja a prestação de Serviços de Entrega. n. Vai receber uma identificação de Parceiro de Entregas que permite o acesso a e uso da App de acordo com este Contrato. Deve manter essa identificação de Parceiro de Entregas confidencial e não a partilhar com terceiros não autorizados. Deve notificar a EMP01... de qualquer violação, divulgação ou uso indevido da sua identificação de Parceiro de Entregas ou da App. o. O Parceiro de Entregas é livre para substituir a sua atividade, o que significa que pode decidir livremente e chegar a acordo com outro Parceiro de Entrega Independente com uma conta ativa na App para que este último realize serviços de entrega em Seu interesse e sob o Seu controlo e responsabilidade. p. O Parceiro de Entregas cumprirá a lei aplicável em relação à sua situação fiscal e junto da Segurança Social. O Parceiro de Entregas é responsável por preencher e atualizar as suas informações fiscais. q. O Parceiro de Entregas é responsável pelos Seus próprios impostos, inclusive em sua própria declaração de imposto sobre rendimentos.r. Ao usar a App, deve cumprir este Contrato e todas as leis aplicáveis (…)”; 6. Taxa de entrega “(…) a. Quaisquer pagamentos associados à prestação de Serviços de Entrega serão efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota. b. O Parceiro de Entregas reconhece e aceita que nós não temos qualquer intervenção nos pagamentos que lhe sejam efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota, que são efectuados com base na relação contratual ou laboral existente entre si e a sua Empresa de Parceiro de Frota. c. Independentemente do acima exposto, o Parceiro de Entregas pode determinar livremente (ou apenas limitado ao acordo privado celebrado com a sua Empresa de Parceiro de Frota) determinar a sua taxa mínima por quilómetro, indicando na App o limite da taxa por quilómetro abaixo da qual o Parceiro de Entregas não deseja receber uma proposta de entrega Serviços (“Taxa Mínima por Quilómetro”). Ao indicar este limite, o Parceiro de Entregas receberá apenas propostas de Serviços de Entrega para as quais a taxa por quilómetro seja igual ou superior à Taxa Mínima por Quilómetro que o Parceiro de Entregas determinou. d. Cada proposta de Serviços de Entrega apresentada ao Parceiro de Entregas na App incluirá uma tarifa proposta (incluindo IVA ou outro imposto sobre vendas), que em nenhum caso deve considerar uma taxa por quilómetro inferior à sua Taxa Mínima por Quilómetro. e. A taxa por quilómetro será calculada dividindo o valor da Taxa de Entrega pelo número de quilómetros a serem percorridas desde o ponto de retirada do pedido até ao ponto de entrega do pedido, que será indicado na proposta de Serviços de Entrega, conforme determinado por serviços baseados em localização. f. Caso (i) haja evidências comprovadas de que o Parceiro de Entregas cometeu fraude; (ii) o Parceiro de Entregas cancelou um pedido após este ter sido aceite e, portanto, o Serviço de Entrega não foi prestado, a EMP01... tem o direito de reduzir a taxa de entrega. A decisão da EMP01... de reduzir ou cancelar a Taxa de Entrega desta forma, deve ser exercida de maneira razoável e com base em razões objectivas (…); 7. Dispositivo “(…) O Parceiro de Entregas deve usar o Seu próprio dispositivo para aceder à App. Sujeito às condições deste Contrato, a EMP03... concede uma licença pessoal, não exclusiva, intransmissível, revogável, sem a faculdade de sub-licenciar, para instalar a App no Seu dispositivo apenas para a finalidade de prestar os Serviços de Entrega. A EMP03... concede esta licença gratuitamente. Esta licença cessa com a resolução deste Contrato. Não pode partilhar o Seu dispositivo ou as credenciais da sua conta da EMP01... com ninguém. (…)” 9. Acesso à App “(…) a. O Parceiro de Entregas não tem qualquer obrigação de usar a App. Se optar por parar de usar a aplicação pode fazê-lo sem necessidade de nos notificar. b. No caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. Podem existir circunstâncias em que não lhe poderemos facultar informação sobre denúncias no decurso de uma investigação (quer seja uma investigação nossa ou de terceiros, como as autoridades policiais). (…)”; 13. Seguros “(…) a. Antes de iniciar e durante a relação comercial com a EMP01..., o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota comprometem-se a obter e manter em vigor uma apólice de seguro obrigatório para a prestação dos Serviços de Entrega no Território. b. Dependendo do Meio de Transporte por si escolhido, os seguros obrigatórios incluem um seguro automóvel contra riscos de danos corporais e materiais, próprios e de terceiros, em níveis de cobertura que satisfazem os requisitos mínimos para operar o veículo automóvel usado na prestação de Serviços de Entrega na via pública do Território. c. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota aceitam fornecer uma cópia da apólice de seguro, declarações do seguro, vinheta do seguro, e prova de pagamento do prémio de seguro sempre que solicitado. Adicionalmente, deve avisar a EMP01..., com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias, do cancelamento de qualquer apólice de seguro exigida pela EMP01.... Nos termos exigidos pela Lei Portuguesa, deve ser a pessoa nomeada na apólice ou o condutor designado, em relação ao qual o prémio é cobrado, em qualquer apólice por nós exigida e a todo o tempo. d. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota aceitam manter, durante toda a vigência deste Contrato, seguro obrigatório de acidentes profissionais, nos termos exigidos pela lei do Território. Na medida em que o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota cumpram com a legislação aplicável em matéria de Segurança Social, Você estará protegido contra doenças profissionais. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem também, quando permitido por lei, optar por segurarse contra acidentes pessoais. Adicionalmente, se permitido por lei, o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem decidir não fazer seguro contra acidentes profissionais ou pessoais, mas nesse caso fá-lo-ão por sua conta e risco. e. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota compreendem e aceitam que o Seu seguro veículo pode não cobrir de forma completa os riscos de colisão, despesas médicas, danos próprios ou de terceiros, danos contra pessoas não seguradas ou outras coberturas relevantes para a prestação dos Serviços de Entrega prestados nos termos deste Contrato. Se tem dúvidas ou alguma preocupação relativa ao âmbito ou aplicabilidade da sua apólice de Seguro, é sua responsabilidade, e não da EMP01..., esclarecer essas dúvidas junto da sua companhia de seguros. f. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem também optar, se permitido por lei, segurar-se contra risco de responsabilidade civil por danos causados à EMP01..., Comerciante ou Clientes na prestação de Serviços de Entrega. Adicionalmente, se permitido por lei, o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem não optar por não se segurar contra os riscos de responsabilidade civil, mas nesse caso fá-lo-ão por sua conta e risco.g. A EMP01... mantém um seguro relacionado com a prestação de Serviços de Entrega pelo Parceiro de Entregas, tal como venha a determinar em Seu próprio juízo razoável. Caso a EMP01... venha a contratar um seguro relativo à sua prestação de Serviços de Entrega, a EMP01... pode alterar os termos, ou cancelar, essa apólice, por sua única e exclusiva determinação e a qualquer momento. Se a EMP01... adquirir um seguro relacionado com a prestação de Serviços de Entrega por parte do Parceiro de Entregas e este desejar receber tal seguro, deverá cumprir os termos e condições aplicáveis ao mesmo. Se a EMP01... adquirir um seguro em conexão com a sua prestação de Serviços de Entrega, a EMP01..., a EMP03... e/ou as suas afiliadas não serão responsáveis, seja de que forma for, se o seguro recusar pagar por qualquer perda (…). 10. Para ter acesso às propostas de entregas através da app EMP01..., AA teve que instalar a app EMP01... no seu telemóvel, fazer um registo no website da ré, fornecer o seu endereço de correio electrónico e criar uma conta. 11. Para ter acesso às ofertas de entregas disponibilizadas pela ré AA necessita ter a app EMP01... instalada no seu telemóvel. 12. Através da app EMP01..., AA recebe toda a informação relacionada com a oferta de serviços de entrega, valor a receber pela prestação do serviço, destinatário do produto e local de entrega. 13. Mediante a proposta de uma entrega efectuada pela app EMP01..., AA pode aceitar ou recusar tal pedido, podendo ainda recusar uma entrega após a ter aceite. 14. Os valores de referência a serem utilizados para o cálculo da contrapartida a pagar a AA pelos serviços de entrega estão pré-estabelecidos na app EMP01..., mas aquele pode definir o valor da taxa mínima por quilómetro para realizar entregas, que pode ser ajustada a qualquer momento por aquele. 15.AA tem acesso na app EMP01... às propostas de entrega por valores inferiores ao montante de taxa mínima por quilómetro que definiu, e pode decidir aceitá-las ou rejeitá-las. 16.AA recebe uma quantia variável por cada entrega e o valor a receber não depende do tempo de demora na sua realização ou do tempo de ligação à app EMP01.... 17. Através da app EMP01..., AA: i.recebe toda a informação relacionada com a oferta do serviço de entrega, remuneração a receber pela prestação do serviço, destinatário da entrega e local da entrega; ii.acede ao histórico das entregas que fez por dia, semana e mês e quanto irá receber pelos serviços prestados. 18. AA desempenha as funções de estafeta, de recolha e entrega de bens e refeições, na zona de .... 19. AA pode: i.decidir o local onde presta a sua actividade, desde que se trate de uma zona coberta pela app EMP01..., sendo livre de alterar a sua zona de actividade; ii.escolher o local onde deve estar para receber propostas de entregas; iii.aceitar ou recusar as propostas de entrega indicadas pela app EMP01...; iv.bloquear comerciantes ou clientes com quem não deseje contactar; v.decidir quais os dias e o horário de prestação de actividade, se fica inactivo por alguns períodos, sem imposição de período mínimo ou máximo, nem horários pré-estabelecidos ou a turnos, nem indicação prévia dos seus horários, bastando para o efeito colocar-se online na app EMP01..., tendo um modelo de sessão livre, sem necessidade de reserva de turnos, ou de indicação de horários em que preferem prestar a actividade. 20. AA pode realizar entregas disponibilizadas por plataformas geridas por outras entidades que não a ré ou efectuar entregas directamente por sua conta, sem necessidade de comunicação à ré. 21. A app EMP01... permite o acompanhamento do trajecto desenvolvido pelos estafetas entre a recolha e entrega, quer pela ré, quer pelo cliente. 22. A app EMP01... dispõe de um sistema integrado de navegação que pode não ser utilizado pelo estafeta, se este preferir usar outro sistema de navegação (v.g. google maps/waze/sistema de navegação próprio do veículo), ou se não necessitar dessa ajuda. 23. O GPS permite: i.apresentar propostas de entrega aos estafetas que estão mais bem posicionados para recolher a encomenda e entregá-las no melhor tempo possível; ii.ajudar os estafetas a encontrar a rota mais eficiente até ao ponto de entrega; iii.aos clientes consultarem onde se encontram as suas encomendas e poderem prever o tempo de entrega. 24. AA é livre de escolher as suas rotas para realizar as entregas e o respectivo sistema de navegação, se dele necessitar. 25. Inexistem penalizações pelo modo como AA realiza as suas entregas. 26. AA escolhe a roupa com que se apresenta nas entregas. 27. A ré não efectua a avaliação da qualidade da actividade de AA. 28. Para validar o seu registo na app EMP01... e incluí-los na oferta de entregas, a ré não efectua um escrutínio sobre a experiência e qualificações académicas, ou ausência delas, bem como sobre as características pessoais e técnicas dos estafetas. 29. AA pode substituir-se por outra pessoa na realização de entregas, desde que o terceiro tenha conta activa na app EMP01..., sem necessidade de autorização da ré. 30. Para realizar as suas entregas AA utiliza o seu veículo, o seu telemóvel e uma mochila que adquiriu. 31. A mochila utilizada por AA é escolhida por este e não tem que ter o logotipo da ré, nem ser adquirida nesta, podendo ser utilizada uma mochila de qualquer marca. 32. A imposição de utilização de mochila, que não é necessário dispor do logotipo da ré, deve-se à necessidade de serem adoptadas boas práticas de higiene e segurança alimentar, para além de permitirem que o estafeta passa transportar os produtos no veículo utilizado, que poderá ser uma bicicleta ou uma mota. 33. AA não exerceu qualquer função de chefia na ré. 34. AA desenvolve a sua actividade como estafeta na plataforma através da interveniente principal. 35. A ré paga à interveniente principal a taxa de entrega. 36. AA é pago pela interveniente principal pelas entregas que realiza. 37. A ré desconhece qual o valor que a interveniente principal paga a AA. 38. Desde ../../2022, AA mantém actividade aberta como empresário em nome individual. Factos não provados:
i.A área de actuação de AA é definida pela ré ou pela interveniente principal. ii.AA não informou a ré do montante mínimo pelo qual aceita receber propostas pelos serviços de entrega. iii.As ofertas de entrega que AA recebe na app EMP01... já vêm com um valor fixo. iv.É a ré quem paga, semanalmente e por transferência bancária, a AA os serviços de entrega que recebeu e efectuou pela app EMP01.... v.AA tem, na actividade associada à app EMP01... ou da interveniente principal, a sua única fonte de rendimento.
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II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO/DIREITO
Diferentemente do que entendeu a primeira instância, com o presente recurso pretende o autor que se declare que o serviço de entregas que o estafeta AA (doravante “estafeta”) presta à ré EMP01... é uma relação de trabalho subordinado e não autónomo.
A questão, com pequenas diferenças mormente derivadas do “aparecimento” de um denominado “intermediário, é essencialmente similar às já apreciadas em diversos arestos desta Relação de Guimarães, alguns lavrados pela ora relatora, pelo que seguiremos de perto o anterior entendimento, com os ajustamentos que ao caso se imponham (RG- proc. nº 2838/23.1T8VRL.G1, ac. de 3-10-2024, nº 2834/23.9T8VRL.G1, ac. de 17-10-2024 (igual relatora), consultáveis em www.dgsi.pt
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Primeira instância:
Considerou que não se comprovou uma relação de trabalho subordinado.
Recorrendo à presunção legal de laboralidade nas plataformas digitais (12º-A. CT), julgou preenchidas duas das circunstâncias indicadores de uma relação de trabalho com a ré:
(1) o exercício de poderes laborais sobre o prestador de actividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras actividades na plataforma através de desactivação da conta -al. e), 12º-A, CT;
(2) a detenção pela ré de instrumentos de trabalho, o software, “não pressupondo a lei que todos os equipamentos ou instrumentos sejam pertença da ré para o preenchimento da circunstância em causa, bastando que só um dos equipamentos ou instrumentos o sejam” (-Al. f), 12º-A e 12º, 1, b), CT.
Contudo, depois concluiu que a ré ilidiu a presunção legal, comprovando factos que atestam uma situação de prestação de actividade com autonomia por parte do estafeta, mormente : o estafeta não teria, nem local, nem horário de trabalho; poderia recusar entregas; não teria de observar regras na actividade; ainda que o valor da contrapartida pela execução do serviço fosse estabelecido por critérios pré-definidos pela ré, tal definição dependeria também do próprio cliente e do estafeta; o estafeta não deveria obediência a qualquer pessoa; o estafeta não estaria sujeito ao dever de não concorrência podendo trabalhar para outros; o estafeta teria a possibilidade de se fazer substituir.
Sob a perspectiva do denominado método indiciário, além dos aspectos já referidos, considerou o tribunal a quo como indicadores de autonomia que: a ré não deteria poder de direcção e de conformação da prestação da actividade e não a supervisionaria; a qualificação que as partes deram ao contrato que celebraram e que apontará para trabalho autónomo; a inscrição do estafeta como trabalhador independente para efeitos de Segurança Social; a possibilidade de o estafeta decidir quando faz entregas e em que horários; a autonomia que o estafeta possui na conformação da sua actividade; o facto de o pagamento da contrapartida pela actividade ser efectuada por uma interveniente e não pela ré; o facto de a contratação dos seguros necessários para desenvolver a actividade ser feita em nome do próprio estafeta.
No que respeita à interveniente, considerou o tribunal a quo que não se encontram verificadas quaisquer circunstâncias que fazem presumir a existência de contrato de trabalho.
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Análise na segunda instância
Enquadrando:
O caso deve relacionado a temáticas actuais como a revolução digital, a inteligência artificial, a automação, em especial a actividade prestada em plataforma digital, as quais transformaram o mercado e as relações de trabalho.
Áreas essas em que se vem identificando novas realidades na forma de prestar e organizar o trabalho e sinalizando a necessidade de uma abordagem diferente da tradicional ligada a um mundo em que prevalecia a fábrica, a loja, outros lugares físicos, o horário de trabalho, o equipamento físico de trabalho, as ordens evidentes e explicitas, a proximidade no relacionamento interpessoal, etc.
Exemplo desse alerta foi deixado pelo Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021[2], ali se entrevendo importantes linhas de reflexão, mormente a ideia primordial de que a ausência de certos indícios tradicionais não é incompatível com a existência de um contrato de trabalho. Aponta-se, ali, ainda, o objectivo de combate à dissimulação ilícita de relação de trabalho.
O trabalho em plataformas digitais é hoje uma tendência crescente. Segundo dados da EU ascende a mais de 28 milhões o número de prestadores em actividades exercidas em plataformas digitais (dados reportados a 2022). Na União Europeia, em 2019, Portugal ocupava o terceiro lugar entre os países com maior predominância nesse sector. Ou seja, rapidamente esta será uma realidade de grande peso que substituirá as formas mais tradicionais de trabalho ligadas à concentração de pessoas em lugar físico, em período de tempo delimitado (horário) e sob a alçada de chefia exercida por pessoa física.
Esta forma de trabalhar traz flexibilidade e com ela grandes vantagens, como a de o prestador poder exercer actividade onde e quando quer, facilitando a conciliação com a vida pessoal e profissional, e até a acumulação com fontes de rendimento complementares. Note-se também que o pluriemprego é cada vez mais uma realidade e uma necessidade. O qual não é, nem incompatível, nem excludente da natureza laboral do vínculo conquanto se verifiquem indicadores de trabalho em negócio alheio.
O trabalho em meio digital acarreta, contudo, diversos riscos e, no que ao direito laboral se reporta, associados a condições precárias e instáveis de trabalho, de grande competitividade e de forte desequilíbrio contratual entre as partes. Vem-se sinalizando, assim, a necessidade de facilitar a prova da laboralidade por meio de presunções efectivas, bem como para a urgência de regulamentação específica e mínima, em áreas como a protecção social em caso de doença, acidente de trabalho ou desemprego, retribuições mínimas, férias remuneradas, etc.
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Panorama europeu:
A questão tem vindo a merecer tratamento ao nível europeu (desde 2019), com sucessivas redacções de Proposta de uma Directiva “sobre condições de trabalho nas plataformas digitais destinada a assegurar que os trabalhadores das plataformas tenham o seu estatuto profissional correctamente classificado", centrando-nos nos objectivos que ao caso importam.
Em 11-11-2024, foi publicada a Directiva 2024/2831 do Parlamento e do Conselho de 23-10-2024, obrigando à sua transposição pelos Estados-Membros até 2-12-2026. Pese embora Portugal, por antecipação, já tenha criado uma presunção de laboralidade nas plataformas digitais -12º-A CT[3]-, e ainda se esteja no período de transposição da Directiva, esta não deixa de ser uma referência a ter em conta na interpretação dos casos concretos.
Sempre com o desiderato de melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores de plataformas digitais e determinar o seu correcto estatuto, a Directiva estabelece a obrigatoriedade de os Estados-membros encontrarem mecanismos adequados a averiguar se existe uma relação de trabalho, mormente através do estabelecimento de uma presunção.
Anota-se que a Directiva abandona a técnica de enumerar factos-índice de laboralidade e utiliza uma fórmula aberta. Refere que existirá relação laboral sempre que se verifiquem factos que indiciem a “direção e o controlo”, cabendo à plataforma de trabalho digital provar que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho - art.5º da Directiva.
Disso é comprovativo o texto da Directiva, art. 5: “Presunção legal 1. A relação contratual entre uma plataforma de trabalho digital e uma pessoa que trabalha em plataformas digitais através dessa plataforma é legalmente presumida como uma relação de trabalho quando se verificarem factos que indiciem a direção e o controlo, nos termos do direito nacional, das convenções coletivas ou das práticas em vigor nos Estados-Membros e tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Se a plataforma de trabalho digital pretender ilidir a presunção legal, cabe à plataforma de trabalho digital provar que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho, tal como definida pelo direito, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça.”
Ainda com interesse para o caso, lê-se no Considerando 31 da Directiva que uma presunção legal operativa requer que as leis dos Estados membros encontrem uma fórmula eficaz que permita ao trabalhador da plataforma beneficiar efectivamente dessa presunção. A qual não deverá conter requisitos que tornem demasiado difícil ao trabalhador fazer a prova dessa presunção, sem prejuízo do direito de a plataforma a ilidir. Refere, também, que ilidir a presunção legal implica que a ré tenha de fazer prova que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho, não bastando a mera contraprova que crie a dúvida.
Além do referido no art. 5º da Directiva, veja-se nesse sentido o texto do respectivo Considerando 31: “Uma presunção legal eficaz exige que o direito nacional torne efetivamente mais fácil para as pessoas que trabalham em plataformas digitais beneficiarem da presunção. Os requisitos da presunção legal não deverão ser onerosos e deverão diminuir as dificuldades que as pessoas que trabalham em plataformas digitais possam ter em apresentar elementos de prova que indiquem a existência de uma relação de trabalho numa situação em que se verifica um desequilíbrio de poder face à plataforma de trabalho digital. O objetivo da presunção legal é resolver e corrigir eficazmente o desequilíbrio de poder entre as pessoas que trabalham em plataformas digitais e as plataformas de trabalho digitais. As modalidades da presunção legal deverão ser definidas pelos Estados-Membros, , na medida em que as mesmas assegurem a previsão de uma presunção legal ilidível efetiva de emprego que constitua uma facilitação processual em benefício das pessoas que trabalham em plataformas digitais, e que não tenham por efeito aumentar o ónus dos requisitos para as pessoas que trabalham em plataformas digitais, ou para os seus representantes, em processos que visem determinar o estatuto profissional correto dessas pessoas. A aplicação da presunção legal não deverá conduzir automaticamente à reclassificação das pessoas que trabalham em plataformas digitais. Se a plataforma de trabalho digital pretender ilidir a presunção legal, deverá caber à plataforma de trabalho digital provar que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho, tal como definida pelo direito, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça.”
Este é o estado da questão ao nível europeu.
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Em Portugal:
A nossa legislação interna distingue do seguinte modo o trabalho subordinado do trabalho autónomo:
O “ Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”- 12º CT.
O “contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho, intelectual ou manual, com ou sem retribuição” – 1154º do CC.
Diga-se que em grande parte dos caos é praticamente inoperacional fazer a distinção com base nos conceitos de “actividade” no caso do contrato de trabalho, ou de “resultado” no caso do trabalho autónomo. Ambos se interligam, um pressupõe o outro, acabamos em pensamento circular.
A subordinação jurídica:
A jurisprudência e doutrina têm apontado como traço característico do contrato de trabalho a subordinação jurídica, que é modernamente entendida como a sujeição da actividade prestada pelo trabalhador a parâmetros importantes ditados pelo empregador, que assim gere, conforma e delimita a execução do trabalho, classificado de hetero-determinado porque inserido em estrutura organizativa alheia. Está hoje definitivamente ultrapassada a ideia de subordinação associada à emissão de ordens evidentes, directas e sistemáticas, por força da crescente autonomia técnica dos trabalhadores e das actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório conforme espelhado na fórmula legal que refere actividade laboral como sendo a prestada “no âmbito de organização e sob a autoridade” de outrem -11º do CT/09.[4]
Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 19º ed., p. 148.
O método indiciário:
Ainda assim, não é fácil por em prática estes ensinamentos.
Por isso e para facilitar a tarefa de qualificação, pela jurisprudência foi sendo utilizado o denominado “método indiciário”, inventariando-se uma grelha de indícios. Entre eles: a realização da actividade em local determinado pelo empregador; a observância de horário de trabalho; o fornecimento dos instrumentos de trabalho pelo empregador; a exclusividade do trabalhador e o dever de não concorrência; a pessoalidade no relacionamento, que obsta a que trabalhador se faça substituir por um terceiro; a remuneração regular e certa; a emissão de ordens e instruções; o grau de inserção da estrutura organizativa decorrente da observância de instruções na prestação da actividade e regras de conduta; a sujeição a sanções; e outros indicadores secundários como a dependência económica, regime fiscal e de segurança social que o prestador da actividade observa.
Será, porém, de notar que, ainda antes da era do trabalho digital, a jurisprudência e doutrina já sublinhavam que o peso e a relevância dos indícios variavam em função do tipo de actividade exercida, podendo ser sopesados de maneira diferente em situações que, por díspares que eram, assim justificavam tratamento diferenciado. Em actividades do sector industrial poderão ter peso determinante as instalações da fábrica, a maquinaria, a matéria-prima e até a observância de horário no local para onde todos se dirigem, mas já o mesmo não sucederá em actividades do sector terciário, mormente em serviços de gestão, de informática, de consultadoria, de tradução, de limpeza, de vigilância, etc... Presunções legais:
Reconhecendo-se as dificuldades do método indiciário, o legislador foi mais longe e criou presunções legais destinadas a objectivar e facilitar a prova do tipo de vínculo.
Assim, verificados que estejam pelo menos dois indícios, presume-se a laboralidade da relação, competindo à parte contrária demonstrar que, apesar disso, em virtude de outros factores, o trabalho é prestado em regime de auto e não hetero-determinação.
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O caso concreto:
Na altura da génese da relação entre o estafeta dos autos e a EMP01... (maio/23) conviviam já as presunções de “laboralidade comum” e a de “laboralidade em plataformas digitais”, respectivamente 12º e 12º-A, CT.
Por confronto com a matéria provada, apenas o indicador dos equipamentos/instrumentos de trabalho poderia, em nosso entender, ser favoravelmente atendido no âmbito da presunção de laboralidade “comum” do art 12º, CT[5], já que os demais manifestamente não se verificam. O que é insuficiente para fazer funcionar a presunção legal de laboralidade, que pressupõe a pluralidade de, pelo menos, dois dos indícios elencados.
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Assim, centremo-nos na análise dos indicadores de laboralidade no âmbito da presunção em plataforma digital.
O artigo 12º-A, CT (em vigor a partir de 1-05-23) pressupõe a verificação de alguns indícios para que se possa presumir a existência de uma relação laboral, a saber e em síntese das suas traves mestras:
a) A retribuição fixada pelo operador da plataforma ou o estabelecimento dos seus mínimos e máximos;
b) O exercício do poder de direção e determinação de regras específicas pelo operador da plataforma, mormente quanto à prestação da actividade;
c) O controlo e supervisão da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou gestão algorítmica;
d) A restrição, pelo operador da plataforma, da autonomia do prestador quanto à organização do trabalho (limitando escolha de horários, ausências, possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados/substitutos, prestar atividade a terceiros via plataforma);
e) O exercício de poderes laborais pelo operador da plataforma sobre o prestador de atividade, nomeadamente através da desativação da conta;
f) A detenção pelo operador da plataforma de equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados.
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Começando pela al. b), 12-A, CT, o poder de direcção e de conformação da actividade prestada, enquanto indicador de subordinação:
Como indicador de presunção de laboralidade refere a lei, 12º-A, 1, al b), CT:
“A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;”
A ré é uma empresa que, entre o mais, gere online um negócio de entregas de bens asseguradas por estafetas. Para o efeito detém um software (aplicação EMP01...), que funciona como uma “loja”, não física, mas digital, conectando comerciantes a clientes, que assim vendem e compram produtos. É a ré que gere e organiza estes serviços de recolha e entrega de mercadorias, recorrendo a estafetas para os executar. Estes, em contrapartida, recebem um valor por cada entrega pré-estabelecido na App (embora possam alterar o valor mínimo).
Pormenorizando: no referido software registam-se (criam conta) os potenciais vendedores que fornecem os produtos (estabelecimentos comerciais) e os potenciais compradores (clientes que os adquirem). No referido software a ré faz o contacto entre comerciantes e clientes, sendo ela a distribuir os serviços de recolha e entrega pelos estafetas, a estes fornecendo toda a informação, como os destinatários e locais de recolha e entrega, e remuneração a receber pela prestação do serviço - mormente pontos provados 1, 2, 12, 14, 17. A App dispõe de um sistema de navegação integrado (GPS) que permite, não só distribuir o serviço de entregas pelos estafetas (mais próximos), como acompanhar o trajecto do estafeta desde a aceitação até à entrega, e ajudar os clientes a consultarem os tempos de espera e entrega das encomendas - mormente pontos provados 21, 22, 23 e ponto 4.f e 4.j do “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” (doravante Contrato) contante do facto provado nº 8.
Do que resulta que a ré, através do seu programa informático, organiza e gere a actividade de transporte de recolha e entrega de mercadorias, não se limitando a pôr em contacto os intervenientes. O negócio é seu, os clientes são seus, a principal infraestrutura operativa é sua.
O negócio, não sendo todo online, exige depois o recurso físico a estafetas (crowdwork offline) em trabalho realizado à chamada, dispondo a ré de uma exponencial força de trabalho que se inscreve na App.
Ora, observa-se que todo o circuito produtivo está padronizado pela ré: inscrição na App pelos comerciantes, clientes, estafetas; oferta e procura de bens na App; distribuição dos pedidos de recolha e entrega aos estafetas pela ré na App; instalação de GPS na App para atribuir o serviço aos estafetas e para acompanhar as recolhas/entregas e para os clientes saberem os tempos de demora; fixação das taxas de entrega na App, processamento de pagamentos na App, etc...Todo este esquema resulta da organização, controlo e direcção da ré.
Em especial quanto à utilização do GPS instalado na App diremos que, se é verdade que está provado que teoricamente poderá não ser usado (ponto provado 22), não é menos verdade que esta não passará de uma faculdade aparente do estafeta. A restante matéria provada opõe-se aquela faculdade, na medida em que é através do GPS da App que são apresentadas aos estafetas as propostas de entrega, prolongando-se a sua necessidade durante a execução da entrega para que os clientes possam consultar em tempo real onde e quanto tempo demora a sua encomenda - pontos provados 10, 11, 12, 17, 21 e 23.
O que vai de encontro ao que a própria ré fez inserir no dito Contrato, no ponto 4 item denominado “Utilização da App”, alínea j), onde consta o seguinte (facto provado 8):
”Reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar serviços de entrega. Reconhece e concorda que: a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela EMP01... enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de serviços de Entregas. Além disso, a EMP01... e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de protecção, segurança e técnicos”. Veja-se também o teor do ponto 4.f do Contrato:
“Se aceitar uma proposta de Serviços de Entrega, os Comerciantes e Clientes receberão informações sobre a sua identificação, incluindo o Seu primeiro nome, foto, localização e informações sobre o Seu Meio de Transporte, de acordo com a Cláusula 10 (Privacidade).”
Ou seja, aquilo que parece (possibilidade de não utilizar o GPS da EMP01...), não é o que aparente ser.
De resto, no caso a ré não provou que, em concreto, o estafeta utilizasse outra aplicação informática e que tenha desactivado a geolocalização enquanto procedia à execução da entrega.
Do que se extrai que a ré EMP01... é uma empresa que explora, através de plataforma digital, um negócio de recolha e entrega de mercadorias e dita as condições essenciais da sua execução.
O que consubstancia o exercício do poder de direcção/conformação da prestação da actividade, estando preenchida a circunstância prevista na al. b), 12-A, CT.
Adiantando já algo quanto à ilisão da presunção a cargo da ré: Os “poderes” que o estafeta tem no que se refere à “direcção” e modo de prestar a actividade são irrisórios. Parece-nos muito pouco importante que o estafeta escolha a rua por onde vai (percurso) ou que escolha a sua indumentária. O que é vital está desenhado pela ré.
Dirão que estão ausentes as ordens explicitas do empregador.
Ora, mais uma vez, o trabalhador das sociedades tercializadas e digitalizadas não têm o mesmo perfil do trabalhador da sociedade industrial.
Se é verdade que a subordinação é o traço característico do trabalho dependente, que é prestado sob a autoridade do empregador, que tem o poder de emitir directivas, de controlar a actividade e de sancionar o incumprimento da prestação, não é menos verdade que a subordinação tem “novas faces” em decorrência do desenvolvimento tecnológica e novas formas de organização do trabalho. Importará abandonar a visão tradicional de subordinação e enveredar por caminho mais flexível e adaptado a novos tempos - António Monteiro Fernandes e Luísa Teixeira Alves, “Trabalho suportado em plataformas digitais, um ensaio de jurisprudência comparada”, Questões Laborais nº 58, 2021, pág. 44
A utilização pelos estafetas do software detido pela ré, onde tudo é centralizado, é indicador de inserção em “organização” alheia, sendo esta a pedra de toque da actual “laboralidade”.
Em consonância, o trabalho que seja prestado dentro de um serviço organizado alheio pode ser indício de subordinação quando as condições essenciais de execução da actividade são determinas unilateralmente pelo seu beneficiário, mormente quando cria e organiza o sistema de processamento do serviço como é o caso, quando o prestador não tem clientela própria, nem fixa livremente os preços e condições, quando a empresa tem a possibilidade de desligar o prestador da sua aplicação em determinadas situações ou de lhe tirar o acesso à conta em caso de incumprimentos variados, tudo formas diferentes de uma autoridade invisível (o que exploraremos noutro item) - veja-se António Monteiro Fernandes, “Emprego na Era digital: um novo conceito de trabalhador?”, Estudos APODICT 9, pág. 243, 244, 245.
Do dito, resulta que este circunstancialismo está presente no caso dos autos, estando preenchido o indício “poder de direcção”, sem que existam factos que o rebatam.
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Al. c), 12º-A, CT - O exercício do poder de controlo e supervisão da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos:
Como indicador de presunção de laboralidade refere a lei, 12º-A, 1, al c), CT: ” A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;”
Esta circunstância encontra-se preenchida, como resulta dos factos provados sob os itens 2, 7, 8 quanto ao ponto 4.j e 4.f do Contrato (app e GPS), 10, 11, 12, 17.i, 21 e 23, bem como do mais abrangentemente acabado de referido a propósito do poder de direcção, que se interliga com o ora analisado.
Na verdade, a ré, através da sua app e do GPS nele integrado, tem acesso imediato e instantâneo à prestação profissional do estafeta. Sabe se ele aceita ou recusa a tarefa, se a cancela, sabe o local onde se encontra, sabe o horário em que o estafeta pratica as tarefas, sabe o tempo previsível de execução da tarefa, desde a recolha até à entrega do produto.
Como suprarreferido, para o que se remete, a utilização de GPS inserido na app da ré é condição que os estafetas terão de cumprir, não só para receber e aceitar tarefas, mas também durante a execução do serviço (permitimo-nos repisar o clausulado pela própria ré no ponto 4” Utilização da App”, alínea j), onde consta que o estafeta “Reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar serviços de entrega. Reconhece e concorda que:a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela EMP01... enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de serviços de Entregas. Além disso, a EMP01... e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de protecção, segurança e técnicos”, para além do que consta na já mencionada al.f, do ponto 4 do Contrato.
Tal como acima referimos, a ré não comprovou sequer que o estafeta desactivasse o GPS, que recorresse a outras aplicações, circunstância que a inibira de supervisionar a actividade da ré.
Têm-se por verificado o preenchimento da alínea.
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Al. a), 12º-A, CT- Retribuição fixada pelo operador da plataforma ou estabelecimento dos seus mínimos e máximos
Como indicador de presunção de laboralidade refere a lei, 12º-A, 1, al. a), CT: “ A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;”
A presunção “laboral comum” pressupõe que se prove que ao prestador da actividade é paga, com certa regularidade, uma quantia certa- 12ºCT.
O mesmo não acontece no âmbito da presunção de “laboralidade em plataformas digitais”, como logo decorre do texto transcrito.
Efectivamente, o pensamento actual que acompanha as ditas novas forma de organização de trabalho, acentua que o mais importante é saber se os critérios de determinação da retribuição são ditados pelo beneficiário da actividade (no caso a taxa de encargo, por quilómetro), ou se são verdadeiramente negociados entre as partes, em pé de igualdade, o que, isso sim, é próprio do trabalho autónomo.
Da matéria provada resulta que é a ré a ditar as regras essenciais da fixação da retribuição, sendo a contribuição do estafeta irrisória, residual e até aparente.
Veja-se : é a ré que decide e coloca na App os valores de referência para o cálculo da remuneração que o estafeta recebe pelas entregas, indicando uma tarifa/taxa por quilómetro- pontos provados 14, 17.i. e 8 com referência ao item 6.d e e.do Contrato.
Ademais, a ré tem o direito de reduzir a taxa de entrega, mormente caso o estafeta apresente pedidos de cancelamento após terem sido aceite, constando do Contrato (ponto 6.f) que refere:
“Caso...o parceiro de entregas cancelou um pedido após este ter sido aceite e, portanto, o serviço de entrega não foi prestado, a EMP01... tem o direito de reduzi a taxa de entrega. A decisão da EMP01... de reduzir ou cancelar a taxa de entrega desta forma, deve ser exercida de maneira razoável e com base em razoes objectivas”.
Do que se concluiu que a ré decide os valores a pagar, fixando os factores que presidem à taxa de entrega e tem ampla e maior margem de manobra na sua fixação(valor do quilómetro), sendo para este efeito indiferente que um terceiro, o comerciante, possa interferir parcialmente, isso não representa poder negocial do estafeta.
É certo que o estafeta pode indicar um valor de taxa mínima por quilómetro - ponto 14. Contudo, a contribuição do estafeta, além de residual, é, na parte restante, aparente, pois, pese embora possa indicar em alternativa uma outra taxa mínima (naturalmente superior à indicada na App), se o fizer deixará de receber as propostas de entrega da ré de valor inferior, sendo a “negociação” desigual por estas empresas disporem de toda uma “pool” de estafetas que logo aceitarão trabalhar por menos.
Sendo a retribuição essencialmente fixada pelo beneficiário do trabalho, nada negociada, o que não é próprio do trabalho autónomo, têm-se por verificada a circunstância legal-al. a), 12º-A, CT.
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Al. e), nº 1, 12º-A, CT - O exercício de poderes laborais pelo operador da plataforma sobre o prestador de atividade, nomeadamente, através da desativação da conta
Como indicador de presunção de laboralidade refere a lei, 12º-A, 1 CT, al e), CT “ A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
O texto legal acolhe, enquanto indicador de subordinação, as novas e mais veladas formas de exercício de poderes laborais, que se manifestam sobremaneira em actividades suportadas em plataformas digitais.
Repare-se que o figurino de admissão (“criação de conta”, com inserção de dados e “click” para aceitar condições unilaterais) implica o consentimento de contratos de adesão repletos de extensas, minuciosas e impenetráveis cláusulas. As quais encobrem novas formas de exercício de poder laboral e/ou de sancionamento.
O denominado “Contrato de Parceiro de Entregas Independentes” (ponto provado 8) é um exemplo disso.
Veja-se o seu ponto 5 denominados “As suas obrigações”, onde na al. c) consta o seguinte:
“Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir e atingir os requisitos destes Termos, a EMP01... reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o Seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes deste Contrato. Se a EMP01... restringir o seu acesso à App, serão aplicadas as cláusulas 9 e 14 do presente Contrato”
Veja-se, agora, o que consta do dito Contrato no seu ponto 9.b no item denominado “Acesso à app”: b) “(…) No caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a protecção de terceiros, ou cumprimento de legislação aplicável, ... temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App....”
Tais regras consubstanciam a faculdade de exercício de poderes de tutela pela ré em caso de eventual incumprimento pelo estafeta, ao conceder-se-lhe a decisão de a este retirar o acesso à App, o que significa que deixará de receber propostas de entrega e, consequentemente, de exercer actividade, numa espécie de sanção de “suspensão do trabalho com perda de retribuição” ou de “despedimento informal”.
Está assim preenchida a circunstância prevista na al. e), 12º-A, CT, referente ao exercício de poderes laborais pelo operador da plataforma sobre o prestador da actividade, mormente pela exclusão de futuras atividades através de desativação da conta.
Ademais, relacionados com esta previsão, não encontramos factos que contrariem o pendor de laboralidade.
Pelo contrário, veja-se, ainda, o que consta no item 14.b do Contrato, sob a denominação “Resolução”: “Podemos resolver o presente Contrato a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas tiver infringido o presente Contrato; (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas tenha agido de forma não segura ou violou estes Termos ou a legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega; (iv) o Seu comportamento equivale a fraude (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada a, as seguintes ações: partilhar a sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de entregá-las; induzir usuários a cancelar Seus pedidos; criar falsas contas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas; interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da EMP01..., como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas já não se qualifique, nos termos do presente Contrato, da legislação aplicável ou regulamentos, ou das normas e políticas da EMP01... e das suas Afiliadas, o que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas não está em conformidade com a Seção 5 deste Contrato para prestar Serviços de Entrega ou para operar o Seu Meio de Transporte.”
A nosso ver, a ré auto atribui-se um amplo poder de tutela, o qual não se compagina com uma relação de trabalho autónomo, quer (i) pela amplitude de razões que levam a “sanções”, utilizando-se clausulas abertas como “violação das obrigações”, “incumprimento de leis e regulamentos aplicáveis, bem com dos costumes locais e boas práticas”, “infringido o presente Contrato”, “agido de forma não segura”, “violou estes termos ou a legislação em conexão”, quer (ii) pela gravidade das consequências do eventual incumprimento (cessação da actividade).
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Al. f, nº 1, 12º-A, CT - Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem ao operador da plataforma digital ou são por este explorados através de contrato de locação
Como indicador de presunção de laboralidade refere a lei, 12º-A, 1 CT, al. f, CT “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.”
Para a realização dos serviços de recolha e entrega, o estafeta recorre a diversos instrumentos/equipamentos.
Utiliza o software detido e gerido pela ré onde se processa o negócio de compra e venda de bens, onde o estafeta recepciona o serviço, recolhe a indicações dos locais de recolhas e entregas, com recurso a GPS, onde se processam pagamentos, etc. O estafeta utiliza também, de sua propriedade, a motorizada, mochila e smartphone, este quando usado para prestar o serviço atribuído pela ré, contexto fora do qual não passa de um objecto pessoal com o mesmo uso que qualquer um de nós lhe dá.
O software, não sendo um objecto físico visível, não deixa por isso de ser um bem utilitário, com valor económico, suscetível de “pertença”, mormente por direito de propriedade intelectual, direitos de autor, patentes, etc.
Repare-se, os meios de produção incluem equipamentos como instalações de fábricas, armazéns, máquinas, bem como infraestruturas, mormente de fornecimento de energia, de transportes, de telecomunicações, de internet, etc, os quais, associados à força de trabalho humano, geram a produção final.
Os softwares são programas, aplicativos que mediante pré-instruções permitem a realização de diversas tarefas, mormente em áreas de negócios. O hardware é apenas a parte física do equipamento, como é o caso do computador ou smartphone. Os softwares (vulgo programas de computador) são bens intelectuais, passíveis de protecção através de direitos de autor/patentes[6], com valor económico, alguns deles atingindo quantitativos consideráveis.
O software (app) utilizado é um meio de produção decisivo, infraestrutura essa que é detida pela ré, operadora da plataforma. Os estafetas, sempre que estão ao serviço, necessariamente têm de se socorrer desta aplicação informática. Têm de se conectar e de a utilizar, sendo ali que tudo se processa. Sem tal instrumento os estafetas não poderiam trabalhar.
No sentido de que o software pode ser considerado instrumento de trabalho, além dos acórdãos acima citados da ora relatora, veja-se na RG, doutros relatores, os ac. de 17-10-2024, proc. nº 2793/23.8T8VRL.G1 (“A questão deve ser colocada à luz da nova realidade. Sendo o telemóvel instrumento de trabalho, como refere a recorrida, tal não significa que a aplicação o não possa ser. Desta depende o “acesso” ao serviço solicitado pelo cliente e ao fornecedor (inscritos na plataforma), ao preço, e dela depende a aceitação ou não do mesmo. Nessa medida pode ser considerado instrumento de trabalho, pois que o trabalho não é executável sem essa utilização – maximé, a necessidade de permitir a geolocalização para receber propostas de serviço, a utilização dessa geolocalização para o cliente e o fornecedor poderem acompanhar a execução do mesmo “), ainda da RG ac. de 21-10-2024, proc. 2783/23.0T8VRL.G1; na RL ac. de 5-12-2024, proc. 4306/23.2T8VFX.L1-4 em cujo sumário consta “O software empregue – a App – disponibilizado e controlado pela R. – é um instrumento laboral fundamental e não se confunde com a própria plataforma digital.”; na da RC ac. de 11-12-2024, proc. 5090/23.5T8VIS.C1; na RP ac. de 17-03-2025, proc. 4119/23.1T8VFR.P1 e de 3-02-2025, proc. 367/24.5T8AVR.P1, todos www.dgsi.pt
Do Contrato que rege a relação contratual consta em “PARTES” que:
“A EMP03... B.V. (“EMP03...”) é uma sociedade registada nos termos da lei dos países baixos e é parte do presente contrato para permitir ao Parceiro de Entregas o acesso à App, de forma gratuita”.
Mais consta que:
“1.Geral...al.d....que ”a EMP03... fornecer-lhe-á acesso à EMP01... App (“appp”), ao nosso software, websites e vários serviços de transporte”.
Consta, também, do referido Contrato no item 12:
“Propriedade Intelectual. Reservamos todos os direitos que não são atribuídos expressamente neste Contrato. A App e todos os dados recolhidos através dela (incluindo todos os direitos de propriedade intelectual) são e permanecem na titularidade da EMP03.... Não pode usar qualquer nome, logos ou marcas da EMP01... para qualquer fim comercial exceto na medida do expressamente permitido por nós, nem pode registar, usar ou invocar a titularidade sobre os nomes, logos ou marcas das nossas subsidiárias. Não é permitida a cópia, modificação, distribuição, venda ou locação de qualquer parte da App, ou dados, nem é permitida o reverse engineering ou tentativa de extração do código fonte do nosso software. Este Contrato não afeta a titularidade e controlo de qualquer tipo de direitos de propriedade intelectual que possam existir.”
Ou seja, para o efeito que nos interessa, é a ora ré EMP01... que detém, opera e gere o software, que necessariamente é utilizado pelos estafetas no serviço de recolhas e entregas. O sentido do indicador é o de funcionar quando os instrumentos sejam fornecidos pelo operador da plataforma e não pelo prestador da actividade.
Sublinhe-se que “a plataforma pode funcionar simplesmente como um intermediário digital de comunicação entre potenciais contraentes” sem ser parte contratante ou, no outro extremo, pode ser gestora de um negócio que é seu, melhor dizendo pode “controlar a actividade dos prestadores de trabalho ligados à plataforma e até gerir directamente as transações comerciais que resultam da actividade destes trabalhadores” - assim o refere Maria do rosário Palma Ramalho, “Autonomia, subordinação jurídica e dependência económica em plataformas digitais(breves reflexões)”, Estudos APODICT Nº 9, pág. 307 e ss.
É o caso da ré, cujo software não se limita a “anunciar” produtos, ao invés, a sua capacidade é de ordem a que, através dele, o estafeta receba o serviço e toda a informação necessária à sua execução, dele se servindo também no desempenho da prestação. O suporte informático, além de indicador de inserção do estafeta na “organização da ré” é, assim, ainda, “instrumento de trabalho”.
Não obstante o estafeta também fornecer instrumentos de trabalho, o software que aquele necessariamente usa afigura-se essencial. Poder-se-á afirmar que o negócio de entregas também não se faria sem a posse pelos estafetas de motorizada e do smartphone. Sendo este um facto, não nos parece que seja o fulcral. A empresa que opera a plataforma facilmente recorre a um qualquer estafeta todos eles detendo motorizada e smartphone. Se um falhar, logo outro avança face à dimensão do negócio que “emprega milhares”. Já o estafeta, só com os seus meios, não poderá montar um negócio àquela escala.
Mais uma vez, se apela a visão atual sobre o conceito de instrumento/meio de trabalho em actividade prestada em plataforma digitais, realidade esta bem diversa daquela que informou os primeiros tempos do Direito laboral- neste sentido veja-se a sentença proferida pelo Tribunal Supremo de Espanha nº 4746/2019, de 23/09/2020, dissecada por António Monteiro Fernandes e Luísa Alves, em “Trabalho suportado em plataformas digitais, Um Ensaio de jurisprudência comparada”, Revista Questões Laborais, nº 58, 2021, pág.19. Ali pode ler-se “(...”a sentença considerou que a “infraestrutura essencial” para o serviço dos estafetas não era integrada pela moto e pelo telemóvel, mas pelo “programa informático desenvolvido pela EMP06..., que põe em contato os estabelecimentos comerciais com os clientes finais”).
A lei não exige que os instrumentos/equipamentos provenham exclusivamente do operador da plataforma, bastando, para nós, a sua essencialidade.
Assim, é de considerar preenchida a circunstância prevista na al. f), nº 1, 12º-A, CT.
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Face aos factos provados nos pontos 19 e 20 não se verificará a circunstância da a. d), 12º-A, CT ( que “ A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma”;
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Em conclusão: estão verificados cinco das circunstâncias legais que fazem presumir a existência de relação laboral - al.s a), b), c, e) f), do nº 1, 12º-A, CT relacionadas com a retribuição, poder e direcção, controlo e supervisão da actividade, exercício de poderes laborais e fornecimento de instrumentos de trabalho).
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Possibilidade de ilisão da presunção
Nos termos acima assinalados, caberia à ré a prova de factos demonstrativos da existência de trabalho autónomo capazes de afastar o efeito da presunção.
Para além do que já fomos referindo a propósito de cada alínea cujo preenchimento se considerou verificado, vejamos agora outros indícios tradicionais como o horário, a assiduidade, a possibilidade de recusar tarefas, o dever de não concorrência, a faculdade de o estafeta se fazer substituir:
Liminarmente diga-se que a matéria é parca.
Como referimos, a maioria dos indícios tradicionais não se adequam ao trabalho prestado em plataforma digital, mormente a existência de local e horário de trabalho, a pertença exclusiva de instrumentos de trabalho e a regularidade da retribuição, por se reportarem a relações de trabalho clássicas.
Assim o refereMaria do Rosário Palma Ramalho,” Automação, subordinação jurídica e dependência económica no trabalho em plataformas digitais (breves reflexões)”, ESTUDOS APODICT nº 9, pág. 317/8:
”No caso dos trabalhadores de plataforma, a presunção de laboralidade do art. 12 nº 1 do CT não é...muito útil, porque a maioria dos indícios valorizados por esta norma apontam para uma relação de trabalho tradicional, ou seja, um vínculo de trabalho em que a actividade é desenvolvida nas instalações do credor e num horário por ele fixado, com recurso a instrumentos de trabalho do credor, com uma remuneração certa e calculada em função do tempo e com menor integração do trabalhador na estrutura orgânica da empresa”.
Os trabalhadores das plataformas digitais não trabalham em instalações alheias, muitos estabelecem o seu próprio horário, usam o seu veículo e telemóvel, não tem remuneração certa, nem em função do tempo e apresentam uma integração menor. Não obstante, conclui a autora, a ausência desses indícios não deverá ser desfavorável à laboralidade se for compensada por outros indicadores reveladores de subordinação jurídica perante a gestora da plataforma.
Também João Leal Amado em “As plataformas digitais e o novo artigo 12º do Código do Trabalhando: empreendendo ou trabalhando?”, Colóquios do Supremo Tribunal de Justiça, 2023, pág. 17, disponível no respectivo site, refere que:
”...a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e de não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma eletrónica”.
O autor conclui que o “rider”, pese embora goze de uma margem de liberdade maior do que o operário da fábrica, trabalha em organização produtiva alheia, os frutos da actividade pertencem a essa organização produtiva, sendo a empresa a assumir os riscos de ganhos e perdas.
Finalmente, António Monteiro Fernandes, “Emprego na era digital: um novo conceito de trabalhador”, Estudos APODICT 9, pág. 245, vai no mesmo sentido, denunciando a “manifesta inadequação ou insuficiência dos quadros actuais da legislação do trabalho” e a distância abissal “entre a realidade e a norma”.
Finalmente, do cotejo entre a presunção de laboralidade “comum” (12º CT, CT) e a “nova” especialmente vocacionada para o trabalho suportado em plataforma digital (12º-A, CT), constatamosque foram abandonados os indicadores tradicionais ligados ao local de trabalho, à observação estrita de horário de trabalho (passando a ser indício de laboralidade a mera compressão da sua escolha), e à periodicidade e carácter certo da retribuição.
Esta supressão legal tem uma leitura. Que é a de que no caso do trabalho suportado em plataforma digital alguns antigos indicadores não relevam e outros têm de ser vistos sob uma perpectiva diferente, numa interpretação da lei vigente que tenha em conta as “condições específicas do tempo em que é aplicada.”- 9º CC.
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Em especial quanto à inexistência de horário de trabalho: não nos parece que releve neste tipo de actividade, ao qual não se adequa, por estar completamente dependente dos pedidos aleatórios dos clientes, digamos que nem à ré conviria estar a pagar ao estafeta em função de tempo e da disponibilidade em “horas mortas”.
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Em especial quanto aos indícios relacionados com a inexistência do dever de exclusividade/não concorrência e com a possibilidade de os estafetas se fazerem substituir por outros nas sua tarefas:
Para além do já referido anotamos a crescente despersonalização da relação laboral. A digitalização permitiu “fazer desparecer a própria figura do empregador” - António Monteiro Fernandes,” Emprego na era digital: um novo conceito de trabalhador, Estudos APODICT 9, pág. 241.
O mesmo aconteceu ao trabalhador. Repare-se no “modo digital” como é admitido, através de pouco mais do que uma simples operação de “criação de conta”, sem rastreio de especiais “skills” e requisitos que não sejam aqueles que se relacionem com exigências legais, como ter carta de condução ou seguro.
Prestador de actividade e seu beneficiário não se chegam a conhecer, ao contrário do que ocorre na relação laboral tradicional. Empresas como a EMP01..., EMP06... ou EMP07... contam com uma extensa rede de estafetas. Como já aludimos, segundo dados do Conselho Europeu e da EU, em 2022 os trabalhadores em plataformas digitais ascendiam a 28,3 milhões, número semelhante aos da indústria transformadoras de 29 milhões e, em 2025, estima-se que aqueles atinjam o número de 43 milhões - https://consilium.europa.eu.
São “mercadoria fungível”, facilmente substituível, em que não faz muito sentido falar em exclusividade ou impossibilidade de subdelegação de tarefas. Se um estafeta não responder à chamada e não aceitar o pedido, será a própria plataforma que logo o substituirá por outro com igual valor.
Ademais, a possibilidade de o estafeta subdelegar as entregas em suposto “terceiro” é fictícia, não tendo peso enquanto indício de autonomia capaz de ajudar a afastar a presunção legal. Repare-se que a substituição permitida é apenas a que é feita em outro estafeta dito “Parceiro de Entrega” com conta activa na app EMP01..., conforme facto provado 29 e ponto 5 al. o) do dito Contrato. Ou seja, em linguagem simples que se entende, um estafeta não pode ser substituído por um terceiro qualquer, mas somente por outro estafeta da EMP01..., alguém que a ela já se encontra vinculado e que sempre poderia aceitar a entrega por outro rejeitada. Uma outra subtileza contratual que cria aparência de autonomia.
Diga-se que, na prática, igualmente também não se apurou que a subcontratação fosse uma realidade efetiva, ou, sequer que alguma vez, ainda que esporádica, o estafeta se tenha feito substituir.
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Em especial quanto ao modo de contratação:
Decorre da matéria provada que para iniciar a actividade de entregas, os estafetas têm de se registar na plataforma EMP01..., criar o que se chama “uma conta”, introduzir e fornecer certos detalhes. Simultaneamente, aderem na App, automaticamente, a um documento denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota”.
Trata-se de um documento padronizado usado em todas as “admissões” de estafetas, com cláusulas contratuais de adesão, extenso, minucioso e com detalhada regulamentação, incluindo sobre as obrigações a que o estafeta fica obrigado. Faz-se uso corrente de termos muito pouco acessíveis ao cidadão comum, dificultando a sua compreensão. A linguagem não é simples, mas sim técnico/jurídica, hermética e reveladora de que, na sua autoria, está uma equipa jurídica bem preparada.
Ao nível europeu sinalizou-se, inclusive, a necessidade de transparência no uso de sistemas automáticos de monitorização e de tomadas de decisões, devendo os operadores de plataformas providenciar toda esta informação num documento que seja escrito numa forma inteligível e facilmente acessível, fazendo-se uso de linguagem concisa, simples e clara - artigo 9º, 2 e 3 da Directiva 2024/2831 do Parlamento e do Conselho, de 23-10-2024 acima referenciada.
Mais, do ponto 17 (“Geral”) do Contrato, al. a. consta que a ré pode, unilateralmente e a qualquer altura, alterar as condições contratuais, bastando a notificação do estafeta com 15 dias de antecedência, que as tem de aceitar. Caso o estafeta discorde, apenas lhe é dada a possibilidade de resolver o contrato, isto é, ficar sem trabalho.
O que representa contratação não negocial, com supremacia de uma das partes, o que não é próprio do trabalho autónomo que, por princípio, obedece a uma negociação paritária.
Este é outro indicio que funciona no sentido inverso à prova que a ré tem de fazer para ilidir a presunção de laboralidade, porque é incapaz de indiciar uma relação de natureza autónoma.
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Outros indícios/característica de laboralidade/autonomia:
Teresa Coelho e Marco Gonçalves em artigo intitulado “Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital: alguns aspectos materiais e processuais”, https://doi.org/10.21814/uminho.ed.151.21, referem outras características que nesta matéria relevam e que a jurisprudência as tem acolhido[7], e as mesmas encontram abrigo na própria definição do contrato de trabalho - 11º CT.
Referem o facto “de o prestador da actividade não dispor de uma actividade empresarial própria, mas sim, estar inserido numa alheia”, pág. 398.
Ou dito de outro modo, como foi enfatizado numa decisão no Estado da Califórnia, em 2015, o facto de o serviço prestado corresponder à actividade principal da empresa, o prestador estar sujeita ao seu controlo, e ser “inviável para o trabalhador gerir sozinho e nas mesmas condições a actividade que presta” - Maria Do rosário Palma Ramalho, “Autonomia, subordinação jurídica e dependência económica em plataformas digitais, breves reflexões)”, Estudos APODICT Nº 9, págs. p. 311.
Ora, dos autos não resulta que o estafeta disponha de actividade empresarial própria, a materialidade apurada não abona a favor da ilisão da presunção de laboralidade.
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Indícios “externos” ou coadjuvantes:
Os indícios relacionados com o regime fiscal e/ou social:
Recorda-se que desde sempre estes indicadores foram sendo considerados acessórios e complementares, a conjugar com os demais.
Sobre esta matéria os factos são parcos. Apenas ficou provado que o estafeta em causa mantém actividade aberta como empresário em nome individual.
A ré não comprovou outros factos que, em associação, permitissem ildir a presunção de laboralidade.
Indícios referente à “dependência económica” ligada à exclusividade ou predominância da fonte de rendimento:
Este também é, tradicionalmente, considerado um indicador meramente coadjuvante. [8]
Refere António Monteiro Fernandes e Luísa Alves, “Trabalho suportado em plataformas digitais, Um Ensaio de jurisprudência comparada”, Revista Questões Laborais, nº 58, 2021, pág. 42:
“Esse tipo de dependência andará, naturalmente, associado à hétero-organização, mas não a define”.
E, como referimos mais acima, este indicador deve ser bem sopesado com outros, porquanto a multiemprego é cada vez mais uma realidade corrente e, até, uma necessidade, o que, por si e isoladamente, não é excludente de relação de trabalho subordinado
Ainda assim, nada se provou nesta matéria, que competiria à ré para ilidir a presunção.
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Uma palavra final sobre a alegada intermediária “EMP02... – Unipessoal, Ld.ª”:
Apenas se provou que a ré processa o pagamento ao estafeta através da referida entidade. Nada mais se apurou. Não existem assim factos que façam presumir, ou comprovem, uma relação laboral entre o estafeta e esta entidade. Nesta parte mantém-se a decisão de primeira instância.
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Por todo o exposto, operando a presunção de laboralidade m plataforma digital (12º-A. CT), não ilidida pela ré, é de revogar a decisão recorrida e de reconhecer natureza laboral ao vínculo do estafeta identificado nos autos.
III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e reconhece-se a existência de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com início em 02/05/2023, entre a ré e AA - 87º do CPT e 663º do CP.
Custas a cargo da recorrida
Notifique. Maria Leonor Barroso (relatora) Vera Sottomayor Francisco Sousa Pereira
[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC. [2]https://www.portugal.gov.pt [3] Lei 13/2023, de 3 de abril de 2023, em vigor a partir de 1 de maio de 2023. [4] Após a revisão de 2006 do CT/03 já se notava tal tendência espelhada no uso da expressão “estrutura organizativa” - 12º CT/03. [5]12º, 1, CT:” 1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. [6] Decreto-lei 252/94, de 20 de outubro. [7] Veja-se o ac. do Tribunal Supremo Espanhol de 23 de setembro de 2020, p. 4746/2019, (recurso para fixação de jurisprudência), https://www.poderjudicial.es, e também analisado por António Monteiro Fernandes, ob cit., Questões Laborais 58, 2021, pág. 16 e ss [8] Não se trata de um requisito fundamental, ao contrário do que sucede nas denominadas “situações equiparadas” para efeitos de extensão de protecção laboral em certas matérias, conforme art. 10º CT.