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PLATAFORMA DIGITAL
AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
ESTAFETA
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Sumário
No caso de trabalho no âmbito de plataforma digital, resultando da factualidade que o trabalhador aufere o grosso do seu rendimento como trabalhador dependente numa fábrica de tintas, e resultando, dos valores auferidos “na” “plataforma” que os serviços a esta prestados são de pouca monta considerando o global dos rendimentos, traduzindo pequenas cargas horárias, e livremente escolhidas pelo trabalhador; e considerando ainda, não só que prestou serviços a outra plataforma concorrente, como ainda a circunstância de logo após o seu registo terem ocorrido dois longos períodos sem qualquer acesso à plataforma em causa; é de considerar que o trabalhador, em relação a esta, goza de efetiva autonomia, resultando ilidida a presunção de laboralidade.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
O MºPº junto do tribunal do Trabalho de Braga, propôs ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial regulada nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Processo do Trabalho, contra a Ré, EMP01..., UNIPESSOAL, LDA., id. nos autos, peticionando que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho subordinado, por tempo indeterminado, entre a Ré e AA, com início, pelo menos, no dia 20.09.2023.
Alegando em síntese que:
A Ré, disponibiliza serviços à distância através de uma plataforma tecnológica, para pedidos e entregas de alimentos por todo o país, a pedido de utilizadores/consumidores, os quais constituem os seus clientes finais, detendo, por sua vez, estabelecimentos de restauração aderentes a qualidade de parceiros da referida plataforma;
Para o exercício dessa atividade, a Ré recorre a estafetas que não estão inscritos como trabalhadores no seu quadro de pessoal;
A aplicação utilizada pelos estafetas pertence à Ré, sendo o seu instrumento de trabalho principal, devendo os estafetas, para o desenvolvimento da sua atividade, criar uma conta nessa plataforma, demonstrando cumprir determinados requisitos e, ali iniciar sessão para receber pedidos, sendo a Ré quem estabelece os passos necessários para efetuar o serviço;
A Ré controla e supervisiona a prestação de atividade do estafeta em tempo real, através de um sistema de geolocalização. Para o exercício da sua atividade, a Ré exige que o estafeta use um smartphone, uma mochila, ligação à Internet e geolocalização ativa. A Ré fixa o horário do estafeta, habitualmente entre as 8:30 h e as 23 h, as condições de remuneração do serviço e deslocações, ou estabelece limites mínimos e máximos para o efeito, não existindo qualquer negociação prévia entre o estafeta e a Ré, quanto aos critérios subjacentes à definição dos valores, sendo que o estafeta só sabe o que vai receber relativamente a cada pedido a partir do momento em que o aceita. É a Ré quem negoceia o preço ou condições com os titulares dos estabelecimentos parceiros e fixa o preço do serviço ao cliente, sendo que este pagão serviço, em regra, à Ré, e não ao estafeta, que, por sua vez, é remunerado pela Ré, com periodicidade quinzenal, através de transferência bancária. A Ré verifica a qualidade da execução do trabalho dos estafetas através da aplicação, controlando os tempos de entrega, percursos seguidos e da avaliação que é feita do mesmo pelos utilizadores (restaurantes e cliente final), controlando e supervisionando a execução do mesmo, incluindo em tempo real, nomeadamente através dos meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
O Estafeta não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel aleatoriamente, sendo, contudo, porém, o estafeta livre de o aceitar ou recusar;
A Ré exerce o poder disciplinar sobre o estafeta, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através da desativação da conta, podendo, temporariamente, restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta aquando da sua vinculação, designadamente se permitir a utilização da conta por terceiros sem prévia comunicação, ou for apresentada queixa contra o mesmo por motivos de fraude, sendo que a avaliação dada pelos restaurantes ou clientes ao estafeta podem condicionar a prestação da atividade pela plataforma e proporcionar-lhe benefícios;
A Ré exerce o poder de direção sobre o estafeta, determina as regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do estafeta, à sua conduta perante o utilizador do serviço, ou à prestação da atividade, exigindo que o estafeta utilize uma mochila térmica para transporte dos pedidos, conforme aos padrões de higiene para transporte de alimentos e que este, chegado ao cliente, se não estiver na morada, aguarde 10 minutos, dando nota disso ao “Suporte”, que entra, ele próprio, em contacto com o cliente;
Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital, ou são por estes explorados através de contrato de locação: a utilização da aplicação informática respetiva, por parte do estafeta, está sujeita ao pagamento de uma taxa quinzenal que permite o acesso à criação do perfil, o acesso à plataforma, a cobertura do seguro pela duração da ligação à plataforma, o acesso ao serviço de apoio técnico e à gestão e à intermediação de pagamentos;
O estafeta está abrangido por um seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela ..., com a apólice n.º ...12, sendo que, na formação online prévia à inscrição prestada ao estafeta, este é informado que tem acesso ao seguro “...”, caso esteja a utilizar a plataforma, estando coberto enquanto estiver online e até uma hora após ficar offline.
No dia 20 de Setembro de 2023, pelas 19 horas e 30 minutos, no EMP02... de ..., em ação de fiscalização levada a cabo pelo ACT, foi verificado que AA prestava a atividade de estafeta, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, munido de uma mochila térmica e de um telemóvel, aguardando um pedido de entrega de comida já efetuado por um cliente através da aplicação, para, de seguida, após recolha do mesmo, se dirigir à morada indicada pelo cliente para proceder à entrega da encomenda.
Conclui que a relação estabelecida entre a Ré e AA constituiu um verdadeiro contrato de trabalho, conforme o disposto no artigo 12.º-A, n.ºs 1 alíneas a), b) e c) do Código do Trabalho.
*
A Ré foi citada tendo apresentado contestação sustentando:
» explora uma plataforma digital de intermediação tecnológica entre os utilizadores estabelecimentos comerciais, os utilizadores clientes finais e os utilizadores estafetas, e nesse âmbito redireciona os pedidos para os estabelecimentos comerciais e para os prestadores de serviços de entrega, os quais são livres de aceitar ou rejeitar esses serviços;
» a Ré não fixa o valor da retribuição do estafeta, antes dependendo de um conjunto de variáveis, sendo que só parte delas são definidas pela Ré, funcionando como agente intermediário dos pagamentos entre utilizadores finais, estabelecimentos comerciais e estafetas;
» a Ré não exerce qualquer poder de direção, não estabelece regras para a prestação da atividade, nem efetua qualquer controlo através de geolocalização, tendo o estafeta total liberdade para se ligar ou desligar, sem necessidade de cumprimento de um horário ou de um período mínimo ou máximo de tempo de disponibilidade;
» a Ré permite a utilização de prestadores de serviço subcontratados/substituídos, e não estabelece qualquer exclusividade na prestação da atividade;
» a avaliação da atividade do estafeta por parte do utilizador parceiro e do utilizador cliente é facultativa e não tem qualquer interferência na prestação da atividade do estafeta;
» os equipamentos essenciais para o desenvolvimento da atividade do estafeta são propriedade deste, designadamente o telemóvel, o veículo e a mochila isotérmica;
» a Ré apenas procede à desativação da conta em casos que assumem gravidade, nomeadamente quando se verificam situações de violação da lei ou de fraude;
» o estafeta AA, entre setembro e novembro de 2023, teve atividade em 5 dias, tendo feito apenas 15 entregas.
Conclui, pois, que os estafetas ao seu serviço exercem a sua atividade com elevado grau de autonomia e sem qualquer indício de subordinação ou autoridade, não se encontrando preenchidos os critérios de avaliação da existência de um contrato de trabalho, nos termos do disposto nos artigos 12.º
e 12.º-A do Código de Trabalho, e que, mesmo que se verificassem, a presunção de laboralidade encontra-se ilidida pela natureza da prestação da atividade do estafeta, que é exercida com efetiva autonomia e sem qualquer subordinação jurídica.
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Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, proferindo-se a seguinte sentença:
“Face ao exposto, julga-se a ação procedente, e, em consequência declara-se reconhecido o contrato de trabalho, por tempo indeterminado, entre AA e a Ré “EMP01..., UNIPESSOAL, LDA.”, com início em julho de 2023.
(…)
**
Inconformada a ré interpôs recurso apresentando as suas conclusões:
[…]
DDDDDDDD. Tudo ponderado, a Ré Recorrente ilidiu qualquer presunção de laboralidade.
EEEEEEEE. Caso se venha a considerar verificada a presunção constante do artigo 12.º- A do Código do Trabalho, o que não se aceita e teoriza para efeitos de patrocínio, a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do Código do Trabalho à situação nos presentes autos seria ilegal, porquanto o teor daquele artigo é manifestamente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º n.º 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que:
Deve julgar-se procedente a nulidade de sentença com os devidos efeitos legais, ou, caso assim não se entenda, O presente recurso deve ser julgado procedente e, em
consequência:
a) Alterar-se a decisão sobre a matéria de facto provada:
a. Em que matéria de facto provada deve ser alterada e/ou dada como não provada;
b. Em que matéria de facto não provada deve ser dada como provada;
b) Revogar-se a sentença Recorrente, substituindo-a por outra que não reconheça a existência de contrato de trabalho com o prestador de atividade e absolva a Recorrente.
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Em contra-alegações a ré sustenta a manutenção do julgado.
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A factualidade
1. A Ré tem por objeto social o desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via eletrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética e de alimentos para animais, a importação de quaisquer produtos, o comércio de refeições prontas a levar para casa e a distribuição ao domicílio de produtos alimentares e não alimentares, bem como a exploração, comercialização, prestação e desenvolvimento de todos os tipos de serviços complementares das atividades constantes do seu objeto social e a realização de atividades de formação, consultoria, assistência técnica, especialização e de pesquisa de mercado relacionadas com o objeto social e qualquer outra atividade que esteja direta ou indiretamente relacionada com as atividades acima.
2. A Ré disponibiliza serviços à distância através de plataforma digital, nomeadamente através da aplicação informática/plataforma digital “Z”, que é uma aplicação online para pedidos e entregas de alimentos por todo o país, a pedido de utilizadores/consumidores, os quais constituem os seus clientes finais, detendo, por sua vez, estabelecimentos de restauração aderentes a qualidade de parceiros da referida plataforma.
3. Para o exercício da atividade referida em 2., a Ré recorre a estafetas que não estão inscritos como trabalhadores no seu quadro de pessoal, entre os quais AA.
4. A aplicação “Z”, pertencente à Ré, permite, quer a ligação dos estafetas aos estabelecimentos aderentes/parceiros da plataforma digital, quer a ligação aos clientes finais/consumidores a quem fazem as entregas.
5. A Ré junta, através da sua aplicação, três tipos de utilizadores de serviços da plataforma: o parceiro - os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes; o utilizador estafeta; e o utilizador cliente.
6. A Ré exerce a intermediação entre estas três categorias de utilizadores, e recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores: os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”); os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”); os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”).
7. As “taxas” visam remunerar a plataforma pelo acesso aos serviços tecnológicos que a mesma proporciona aos diferentes perfis de utilizadores.
8. A Ré não recebe o pagamento do utilizador final devido pelo serviço do prestador de serviços de entrega, atuando, através de um prestador autorizado de serviços de pagamento, como um mero agente intermediário nos pagamentos entre utilizadores finais, estabelecimentos comerciais e estafetas e transferindo na sua totalidade o montante pago a título de serviços de entrega para os utilizadores prestadores desses serviços.
9. A Ré exerce a intermediação entre os utilizadores, admitindo diferentes possibilidades de utilização: os utilizadores estabelecimentos comerciais que, recebendo pedidos via plataforma e continuando obrigados ao pagamento da respetiva taxa de acesso, optam por recorrer aos seus próprios serviços de entrega, sem se conectar, via aplicação, com os utilizadores prestadores dos serviços; os utilizadores finais que, via plataforma, solicitam os utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma; o utilizador final pode, através da plataforma, dirigir pedidos aos estabelecimentos comerciais e usar a opção “take away”, sem fazer qualquer uso dos prestadores de serviços de entrega registados na plataforma; os utilizadores prestadores de serviços de entrega que aceitam e executam os pedidos provenientes de outras plataformas, ou subcontratam os seus serviços a outros utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem alterar os termos da relação com os utilizadores estabelecimentos comerciais e a plataforma.
10. eliminado – (O trabalho é efetuado através da plataforma)
11. Para o desenvolvimento da sua atividade, os estafetas, entre os quais AA, através de um dos sítios da internet pertencentes à Ré, criam sua própria conta na plataforma, efetuando o respetivo registo na modalidade de “utilizador estafeta”, demonstrando cumprir os seguintes requisitos: ser maior de idade; ter veículo próprio (bicicleta, mota, trotinete ou carro); ter documento de identificação (cartão de Cidadão Europeu, Título de Residência ou passaporte com manifestação de interesse, frente e verso); ter comprovativo de atividade aberta nas finanças, comprovativo de ATCUD (código único de documento).
12. Cumprindo estes passos o estafeta vê ativada a sua conta e pode iniciar a atividade.
13. Desde então, sempre que pretende iniciar a sessão, o estafeta acede à sua conta através do nome de utilizador por si escolhido, bem como o respetivo código de segurança, sendo que, para receber pedidos, liga o botão de disponibilidade.
14. A Ré solicita aos estafetas o registo facial, com periodicidade variável.
15. Alterado:
Para prestar a sua atividade, os estafetas têm que ativar a permissão de acesso à localização na Plataforma, nos termos que resultam dos factos 17, 19 e 20.
16. Para o exercício da atividade a Ré exige aos estafetas o uso de um telemóvel, de uma mochila, ligação à internet e geolocalização ativa no momento da receção dos pedidos.
17. Uma vez aceite o pedido, a tarefa de recolha e entrega de pedidos pode ser feita de forma desvinculada ou desligada da aplicação pelo prestador da atividade, não havendo qualquer obrigação de ligação permanente.
18. A Ré não impõe aos prestadores de serviço a aquisição obrigatória de mochila, que tenha a sua marca, nem proíbe que os mesmos prestadores realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes.
19. A geolocalização deve estar ativa quando o pedido é efetuado para a providenciar os serviços de intermediação tecnológica.
20. Após a aceitação do pedido, e durante toda a respetiva execução, a geolocalização pode ser objeto de desativação pelo prestador de serviços.
21. A Ré estabelece as condições de remuneração do serviço e deslocações, estabelecendo limites mínimos e máximos para o efeito, não existindo qualquer negociação prévia entre os estafetas e a Ré, quanto aos critérios subjacentes à definição dos valores.
22. Alterado:
A remuneração do serviço depende de um conjunto de variáveis, designadamente, a taxa de entrega/base (taxa de cada pedido), a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega que o utilizador cliente selecionar ao efetuar a encomenda na plataforma), o tempo de espera (tempo de espera do estafeta na recolha do pedido), o horário (sendo os de maior afluxo mais bem pagos), o multiplicador (que incidirá sobre as taxa de entrega e que só pode ser alterado uma vez por dia) e outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas, feriados, períodos de alta procura, etc), sendo que o estafeta só sabe o que vai receber relativamente a cada pedido a partir do momento em que lhe é proposto o serviço / pedido”
23. Outra componente da retribuição é a gratificação do utilizador-cliente.
24. É o prestador da atividade que define o tempo em que se pretende manter ligado e o número de pedidos que recebe.
25. É o prestador da atividade que escolhe o local em que se pretende ligar para receber pedidos de entrega.
26. As caraterísticas do pedido são determinadas pelo utilizador-cliente.
27. O prestador da atividade pode escolher o multiplicador, um valor que é aplicado à totalidade dos elementos que compõem a tarifa proposta.
28. Tendo conhecimento do valor sugerido para cada pedido, o prestador da atividade tem a liberdade de aceitar ou de recusar o pedido.
29. O prestador da atividade, dispondo de liberdade quanto à realização da sua atividade, determina o número de serviços e também as plataformas para que deseja trabalhar.
30. A Ré paga a retribuição ao estafeta, com periodicidade quinzenal, através de transferência bancária.
31. A partir do momento em que o estafeta faz login na aplicação, a Ré fica a saber, através da plataforma, qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, indispensável à atribuição dos pedidos dos clientes e ao cálculo do valor do serviço.
32. Caso o Prestador da atividade opte por realizar o serviço, não recebe quaisquer instruções da Ré sobre a forma de efetuar a entrega, sendo livre de escolher o meio de transporte, o percurso e definir os seus critérios de eficiência e produtividade.
33. O prestador da atividade tem liberdade para trabalhar através de várias plataformas
34 . Os estafetas têm um “Sistema de Reputação” associada ao seu perfil, atualizado periodicamente à medida que os diferentes utilizadores realizam transações na plataforma “Y”.
35. A Ré não manipula ou intervém neste feedback, apenas consolida a informação obtida dos clientes e torna-a visível apenas para o estafeta.
36. O mecanismo de feedback é genérico e facultativa, destinando-se a servir de referência meramente informativa para os diferentes utilizadores da plataforma.
37. Os feedbacks não são usados pela Ré para avaliar a qualidade da atividade, nem a forma como o prestador a executa, não afetam a oferta de entregas nem a livre utilização da plataforma.
38. A Ré dispõe de um sistema de reconhecimento facial que permite o controlo da conformidade com os termos e condições previamente definidos e aceites pelo estafeta.
39. Alterado:
O Estafeta não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel aleatoriamente, sem prejuízo da interferência decorrente do critério “proximidade do ponto de recolha”, referenciado nos termos e condições de utilização da plataforma, sendo, contudo, o estafeta livre de o aceitar ou recusar.”
40. Os horários dependem apenas da disponibilidade dos utilizadores-estabelecimentos e dos pedidos dos utilizadores-clientes finais.
41. O Prestador da atividade tem total liberdade para se ligar ou desligar, não tendo de cumprir qualquer horário predefinido nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.
42. O prestador de atividade pode recusar pedidos, depois de o ter aprovado previamente.
43. Estando ligado, o prestador da atividade tem total liberdade para aceitar ou recusar os pedidos.
44. A Ré pode excluir os estafetas de futuras atividades na plataforma através da desativação da conta, podendo, temporariamente, restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta aquando da sua vinculação, designadamente se permitir a utilização da conta por terceiros sem prévia comunicação, ou for apresentada queixa contra o mesmo por motivos de fraude.
45. A utilização da aplicação informática por parte do estafeta, está sujeita ao pagamento de uma taxa quinzenal que permite o acesso à criação do perfil, o acesso à plataforma, a cobertura do seguro pela duração da ligação à plataforma, o acesso ao serviço de apoio técnico e à gestão e à intermediação de pagamentos.
46. O prestador da atividade é livre de recorrer a subcontratados, apenas tendo de comunicar à Ré e identificar o subcontratado, por razões de segurança.
47. A Ré apenas procede à desativação da conta em casos que assumem gravidade, nomeadamente quando se verificam situações de violação de lei ou de fraude (entendida como violação dos Termos e Condições, do modo a garantir uma plataforma idónea e segura para todos os utilizadores).
48. O mesmo se aplica aos restaurantes ou clientes, uma vez que as suas contas também podem ser desativadas em caso de violação de lei ou de fraude (entendida como uma violação dos Termos e Condições a si aplicáveis).
49. O prestador da atividade era ainda responsável pela manutenção e reparações dos equipamentos utilizados no âmbito da sua atividade, suportando todos os custos relacionados com a sua atividade.
50. No âmbito de uma ação inspetiva levada a cabo pelo ACT, no dia 20 de Setembro de 2023, pelas 19h30m, no EMP02... de ..., sito na Av.ª ..., o Inspetor do ACT identificou AA, com o NIF ...01, nascido em ../../1986, nacionalidade ... e residente na Rua ..., ..., que ali se encontrava a prestar a atividade de estafeta, munido de uma mochila térmica e de um telemóvel, aguardando um pedido de entrega de comida já efetuado por um cliente através da aplicação da Ré, para, de seguida, após recolha do mesmo, se dirigir à morada indicada pelo cliente para proceder à entrega da encomenda.
51. A Ré foi notificada para regularizar a situação, em conformidade com o disposto no artigo 15.º-A, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, não o tendo feito, pelo que a ACT elaborou a participação aludida no n.º 3 do artigo 15.º-A, que foi comunicada ao Ministério Público em 06.12.2023
52. AA efetuou a sua inscrição na plataforma “Y” em julho de 2023, prestando a sua atividade pelo menos desde essa data.
53. Para exercer a atividade referida em 50., a Ré determinou que AA tivesse que usar um telemóvel com ligação à internet, com geolocalização ativa para providenciar o serviço de intermediação tecnológica, fazer uso de uma mochila adequada para o transporte de alimentos e fazer o registo/login diário.
54. Entre Julho de 2023 e Novembro de 2023, AA optou 40 vezes pelo multiplicador 1, duas vezes pelo multiplicador 0,9 e uma vez pelo multiplicador 1,1.
55. Entre julho de 2023 e novembro de 2023, AA não se ligou à aplicação, entre outros períodos, entre 08.09.2023 e 30.09.2023 (23 dias) e entre ../../2023 e ../../2023 (21 dias).
56. Em julho de 2023, AA rejeitou 1 entrega.
57. Entre julho de 2023 e novembro de 2023, AA rejeitou 8 entregas, depois de as ter aceite.
58. AA encontra-se enquadrado no regime de trabalhadores independentes e no regime de trabalhador por conta de outrem para efeitos de segurança social.
59. No ano de 2023, AA declarou na declaração modelo 3 de IRS referente a esse ano, rendimentos da Categoria B no montante de € 704,82 e rendimentos da Categoria A no montante de € 15.318,08.
60. No ano de 2024, AA debitou serviços prestados à Ré no valor de € 2.966,26 e ao adquirente com o NIF ...22 no valor de € 1.051,31.
61. Os “termos e condições de utilização da plataforma Y para Estafetas” que os prestadores de atividade têm que consentir tinha, em 4 de maio de 2023, a seguinte redação: “(…) 1. Condições Gerais:
OspresentesTermoseCondiçõesdeUtilizaçãodaPlataformaYaplicam-seàprestaçãodetodososserviçostecnológicosoferecidospelaEMP01...UnipessoalLda.(…)a«PlataformaY»,ou«Nós»consoanteocontexto),aopaísnoqualoPrestadordeServiços(o«Estafeta»,o«Utilizador»ou«Você»,consoanteocontexto)temdeseregistarnanossaPlataforma.AprincipalatividadedaYéodesenvolvimentoeagestãodeumaplataformatecnológicaatravésdaqualcertosestabelecimentoscomerciaislocais(adiantedesignadospor«EstabelecimentosComerciais»)dealgumascidadesoferecemosseusprodutosatravésdeumaaplicaçãomóveloudaWeb(adiantedesignadospor«serviçosY»,«Serviços»ou«App»);e,acessoriamente,quandoapropriadoesesolicitadopeloutilizadorclientefinal(adiantedesignadopor«UtilizadorCliente»)dosreferidosestabelecimentoscomerciaisatravésdaaplicação,podematuarcomointermediáriosnaentregaimediatadosprodutos.Osseusobjetivosincluemaintermediaçãonosprocessosderecolhae/oupagamentoeaaceitaçãoeexecuçãodepedidosparafazerrecolhasereceberentregasemnomedoclienteUtilizadoredosEstabelecimentosComerciais.(…) 2.2. A sua aceitação: Ao aceder aos Serviços Y e registar-se pela primeira vez na Plataforma, inserindo os seus dados de identificação de conta (adiante designado por «Dados de Identificação de Conta»), está a aceitar os presentes Termos e Condições, bem como todos os anexos que incluem (…) Tem de aceder à sua conta pessoa (a «Conta») iniciando sessão com o nome de utilizador que escolheu e o código de segurança pessoal (o «Código de Segurança»). Aceita manter a confidencialidade do seu Código de Segurança e alterá-lo frequentemente. Cada Conta é pessoal e única, pelo que está proibido de registar ou ter mais do que uma Conta. Além disso, a Conta é intransmissível, salvo nos países em que legislação local o permita (…) Em caso de utilização ilegítima ou fraude, a Y pode cancelar, suspender ou desativar duas ou mais Contas com os mesmos dados ou dados relacionados que possa detetar, mediante intervenção humana sempre por parte de um agente da Y e permitindo, em todo o caso, que o Estafeta apresente uma queixa e/ou reclame contra essa decisão em caso de discrepância. Será responsável por todas as transações realizadas na sua Conta (por Si ou por eventuais substitutos), uma vez que só é possível aceder à mesma com o Código de Segurança e estão sujeitas à aceitação dos nossos Termos e Condições, incluindo, nomeadamente, responsabilidade penal. Aceita notificar imediatamente, através de meios apropriados e seguros, qualquer utilização fraudulenta ou ilegítima da sua Conta, bem como qualquer acesso à mesma por terceiros não autorizados. Para evitar dúvidas, qualquer venda, cessão e transferência da Conta sempre que possa ser considerada ilegal é proibida em quaisquer circunstâncias, salvo nos casos de sublocação/subcontratação da sua conta em conformidade com a regulamentação local aplicável (…) 3.1 Opções de Serviço: No nosso sítio Web encontrará uma descrição das nossas opções de Serviço de Tecnologia e explicaremos que opções de Serviço tem à sua disposição quando cria uma Conta Y. Os presentes Termos e Condições serão aplicáveis a todos os nossos Serviços Tecnológicos se se registar na Plataforma como Utilizador Estafeta. Serviços incluídos na Taxa de Utilização da Plataforma: -Acesso à plataforma que lhe permitirá oferecer voluntária e livremente os seus serviços de entrega, podendo conectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolher livremente os pedidos que pretende realizar. Esse acesso inclui a possibilidade de prestar os seus serviços a qualquer um dos Utilizadores da Plataforma (Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, etc.), independentemente da empresa do Grupo Y (Y e/ou as suas filiais e/ou empresas coligadas) que gere a Plataforma à qual se conectou e sempre de acordo com a disponibilidade do país no qual se conecta. - Acesso a cobertura de seguro durante o período de conexão à Plataforma. -Acesso a apoio e serviço de assistência para qualquer inconveniente técnico que possa ocorrer. -
Gestãoeintermediaçãonoserviçoderecolhaepagamentos.-Aquisiçãoe/ouusodemateriaisquepodemsersolicitadosporvocê.Serviçosincluídosdentrodataxadeativação(…)aYpodeofereceroutrosProdutoseServiçosnãoincluídosnaTarifae queoEstafeta,consoanteapropriadodeacordocomalegislaçãodecadapaís,podeadquiriroucontratarvoluntariamenteatravésdeumdosnossoscanaisdevenda(…) 4.1. Quem é o Estafeta? Ao aceitar os presentes Termos e Condições, também se torna um utilizador da aplicação Y. Deste modo, pode usar e conectar-se à Plataforma Y de forma flexível e a seu critério. Acede à Plataforma para usar uma tecnologia da Plataforma que lhe permite conectar-se a outros Utilizadores da Plataforma. Os mesmos poderão ser: Estabelecimentos Comerciais, Utilizadores, outros Estafetas ou outros Utilizadores. Se estiver no seu país, usa a Y como: ● Utilizador Estafeta Independente: pode definir os seus próprios horários para se conectar à Plataforma e manter o seu perfil registado. Atuará em seu próprio nome e interesse, também usando os seus próprios equipamentos para exercer a atividade. ● Utilizador Estafeta numa empresa de serviços de logística: enquanto profissional de uma empresa de serviços de logística que usa os Serviços da Plataforma, estará dependente das instruções da sua empresa. A Y não dirigirá, controlará ou será considerada dirigir ou controlar as ações ou conduta da empresa no âmbito dos presentes Termos e Condições, nomeadamente no que diz respeito à prestação dos seus serviços a outros Utilizadores da Plataforma. Reconhece que não existe nenhuma obrigação ou relação de exclusividade entre Si e a Y, de tal modo que pode, a seu exclusivo critério, oferecer serviços ou exercer qualquer outra atividade comercial ou profissional relacionada ou não com o sector de atividades da Y. 4.2. Cessação de Serviços Antes da cessão dos Serviços, as Partes aceitam liquidar qualquer dívida, obrigações pendentes ou quaisquer compromissos previamente acordados. As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões: a. Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito. b. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições. c. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições. d. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da Y e/ou de qualquer outra Política da Y aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma. e. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes. f. Quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado. g. A utilização da Plataforma Y para fins abusivos ou fraudulentos suscetíveis de causar danos materiais e/ou imateriais a qualquer um dos Utilizadores da plataforma. h. Em situações de força maior, de acordo com a cláusula 8.5 destes Termos e Condições. (…) 5.1. Utilizador Estafeta 5.1.1. A sua Utilização dos Serviços de Tecnologia da Y: Para utilizar os Serviços de Tecnologia da Y é necessário registar e criar uma Conta completa, atualizada e ativa. Tal inclui, consoante apropriado, mas sem carácter exaustivo, as seguintes obrigações: a. Estar registado corretamente para poder exercer a atividade de entrega para todos os fins legais, de segurança social e fiscais e em conformidade com a regulamentação local em vigor na altura. b. Pagar pontualmente os Serviços acordados com a Plataforma. c. Tem de enviar à Y certas informações, pessoais ou enquanto empresa prestadora de serviços, tais como o seu nome, endereço, número de telemóvel e idade (aplicar-se-á a idade legal da sua jurisdição), bem como, pelo menos, um método de pagamento válido. d. Tem de manter informações exatas, completas e atualizadas na sua Conta. Será responsável por quaisquer inexatidões nas informações fornecidas. e. Será responsável por todas as atividades realizadas na sua Conta, incluindo as que terceiros realizam em seu nome, bem como por manter sempre a segurança e o sigilo do nome de utilizador e da palavra-passe (Código de Segurança) da sua conta. f. Aceita cumprir toda a legislação aplicável, incluindo regulamentação local, nacional e supranacional ao utilizar os Serviços de Tecnologia Y e apenas pode utilizar os Serviços para fins legítimos. g. Aceita não utilizar a Plataforma de Tecnologia Y para causar inconvenientes, fraude ou danos materiais a terceiros. h. Caso decida subcontratar a sua Conta de Utilizador Estafeta, tem de fazê-lo em conformidade com a regulamentação local, sempre que a mesma o permita, e serão aplicados processos internos para adaptar a operação. A Y não será responsável por quaisquer danos ou infração que você e/ou as suas subcontratações possam cometer. Neste sentido, a Y, a fim de evitar comportamento abusivo e/ou fraudulento, pode pedir documentação relativa à conformidade do Estafeta titular da Conta Y e dos seus subcontratantes. i. Declara que dispõe da capacidade jurídica para celebrar contratos e ser de maioridade no país correspondente. j. Apenas os produtos e serviços que não sejam tácita ou expressamente proibidos nos Termos e Condições e outras políticas da Y ou pela legislação em vigor podem ser incluídos no âmbito dos presentes Termos e Condições. Para mais informações sobre os produtos ou serviços proibidos, consulte as nossas Políticas de Artigos Proibidos nos presentes Termos e Condições ou nos Termos e Condições Gerais de Utilização aplicáveis aos Utilizadores Cliente. k. A Y irá sempre dar prioridade à sua experiência de Utilizador enquanto parte dos seus serviços. A Y pode criar painéis de informação para incluir as suas preferências enquanto Utilizador da Plataforma Digital da Y e melhorar a sua experiência na mesma. l. Você, enquanto profissional e Estafeta, é responsável pela prestação dos seus serviços e pelas vicissitudes da sua atividade. Bem como, se for caso disso, pelos estafetas por si subcontratados. m. O Estafeta compromete-se a verificar e cumprir os requisitos legais pertinentes, em termos de saúde e segurança apropriados para diferentes tipos de produtos (a título de exemplo, mas sem carácter exaustivo: os relacionados com farmácia, álcool e tabaco) e isenta a Y de qualquer responsabilidade caso a regulamentação supracitada não seja respeitada. n. No caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos. o. Declara cumprir a legislação aplicável na prestação dos seus serviços de entrega, tais como legislação fiscal, laboral, civil, penal, de transporte de mercadorias, de saúde, segurança e higiene e a legislação inerente à atividade, nomeadamente apólices de seguro aplicáveis à sua região (como o seguro obrigatório de veículos (…) 5.1.4. Ao aceitar um pedido, o Estafeta reconhece que esse pedido pode incluir a entrega/devolução/serviço de devolução ou conforme a morada/localização/descrição indicado pelo Utilizador Cliente ou o Estabelecimento Comercial com o qual celebrou um contrato). 5.1.5. Por força dos acordos alcançados com os Utilizadores Cliente, e para efeitos de evitar fraude, no momento da entrega, os Estafetas e Utilizadores Clientes aguardarão dez minutos antes de cancelar um pedido. 5.1.6. O Estafeta aceita que os Estabelecimentos Comerciais e o Utilizador Cliente peça um serviço de entrega de acordo com o preço e a qualidade em conformidade com as orientações de mercado. (…) 5.2 Restrições Sem prejuízo de quaisquer medidas adicionais que possam ser adotadas, uma Conta Estafeta pode ser temporária ou permanentemente desativada se: a. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da Y. b. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da Y. c. Participar em atos ou conduta violentos. d. Violar os seus direitos na aplicação da Y, causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais). e. Na prevenção de ações fraudulentas, se a identidade do Utilizador da Plataforma e/ou dos seus substitutos ou subcontratantes não puder ser verificada e/ou qualquer informação prestada por si e/ou os seus substitutos ou subcontratantes estiver incorreta. f. A fim de prevenir a segurança de todos os Utilizadores da Plataforma em caso de violação da Política de Mercadorias (…) 5.3. Rendimentos 5.3.1 Faturação e pagamentos O processamento dos pagamentos estará sujeito a todas as condições do Processador de Pagamento, às condições e políticas de privacidade e deverá ter sua própria conta individual ou comercial, dependendo do país em questão, junto do Processador de Pagamento. A Y, através de um processador de pagamento, conectar-se-á e atuará como um intermediário nos pagamentos entre Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais e Estafetas (ou empresa de serviços de logística conexa). Aceita e concorda que, dependendo da regulamentação local aplicável, bem como da forma na qual se conecta à Plataforma (diretamente ou através de uma empresa de serviços de logística), os serviços que oferece podem e terão de ser faturados ou refaturados ao Cliente Utilizador e/ou ao Estabelecimento Comercial, que em última instância paga o preço dos serviços por si oferecidos. Aceita que a taxa pelos serviços que pagará à Y inclui, se autorizado por si e conforme apropriado de acordo com a legislação local do seu país, bem como da forma como se conecta à Plataforma (diretamente ou através de uma empresa de serviços de logística), a gestão e intermediação da faturação correspondente aos seus serviços. Neste caso, estas faturas serão consideradas aceites caso a Y não receba qualquer comunicação da sua parte no prazo de 5 dias a contar da emissão das faturas. O Estafeta reconhece e concorda que a Y, em conformidade com o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), pode proceder a uma revisão periódica dos pagamentos que lhe são efetuados. Tal revisão pode resultar na retenção do imposto sobre o rendimento caso o limite, em conformidade com o disposto no Artigo 53 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e no Artigo 101 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), seja ultrapassado. O Estafeta reconhece e aceita a sua responsabilidade pelo dinheiro que lhe foi entregue pelos Utilizadores Cliente e que é propriedade dos Estabelecimentos Comerciais. Neste sentido, aceita que, consoante apropriado à forma como se conecta à Plataforma, o preço que lhe foi pago pelo serviço pelo Estabelecimento Comercial inclui o serviço de recolha do dinheiro que tem de ser entregue ao referido Estabelecimento Comercial. 5.3.2 Pagamento e Taxas da Y Aceita que a sua utilização dos Serviços Y tem um custo associado para os serviços ou produtos que recebe («Encargos»). A Y pode cobrar a seu exclusivo critério uma taxa padrão, uma taxa adicional ou um ajustamento aplicável pela utilização da Plataforma e os custos de ativar o Perfil da sua Conta. A taxa que tem de pagar corresponderá à utilização dos serviços contratados por si através da Plataforma, ou aos eventuais produtos/bens que pode adquirir através da mesma. Para que conste, a utilização dos serviços e os produtos podem ser momentânea ou definitivamente suspensos ou desativados na Plataforma, dependendo do país a partir do qual se conecta. A Y reserva-se o direito de adotar as medidas judiciais e extrajudiciais que considere apropriadas para obter o pagamento dos montantes em dívida. A Y reserva-se o direito de modificar, alterar, aumentar ou cancelar as taxas atuais em qualquer altura notificando os Utilizadores da sua Plataforma. Além disso, a Y pode temporariamente modificar a Taxa e a Política e as taxas dos seus Serviços em resultado de promoções ou descontos. Estas modificações produzem efeitos quando a promoção é tornada pública ou o Utilizador beneficiário é notificado. Todas as Taxas para Produtos e/ou Serviços contratados à Y serão cobradas imediatamente em conformidade com o método de pagamento permitido no seu país e o método preferencial indicado na sua Conta e disponibilizado aos Serviços Y. Quando carregado, a Y enviar-lhe-á um recibo por e-mail. O pagamento também pode ser efetuado mediante a compensação de faturas pendentes entre as partes. Se o método de pagamento da sua conta principal for considerado expirado, inválido ou indisponível para a cobrança, a Y irá contactá-lo e/ou providenciar outros métodos de pagamento aplicáveis à sua Conta. A Y envidará esforços razoáveis para o informar sobre quaisquer encargos aplicáveis. A Y pode ocasionalmente eliminar e/ou rever quaisquer taxas, ofertas e/ou descontos aplicáveis a todos os Utilizadores da Plataforma, você incluído. A Y pode aplicar taxas de Serviço ou outras taxas previamente anunciadas nas redes sociais aplicáveis, salvo se a Y não a aplicar na sua região, caso no qual não lhe serão cobradas. A forma de cobrança dos Encargos irá sempre depender da forma na qual se conecta à Plataforma, diretamente ou através de uma empresa de serviços de logística. (…) 5.4. Segurança dos Serviços e da Plataforma Y 5.4.1 Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A Y pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes. 5.4.2 A Y pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A Y reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições. 5.4.3 A Y pode adotar essa ação sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desativação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da Y e não há qualquer obrigação de eliminar ou desativar o acesso em relação a Estafetas específicos. 5.5. Definição do preço por serviço 5.5.1 Você pode determinar e escolher o preço dos seus serviços através da Plataforma Y. A Y, para fins informativos, com base em informações de mercado, irá sugerir um preço de mercado que poderá ser alterado diariamente pelo Estafeta através do seu Perfil de Utilizador, sem que isso implique garantias de adjudicação do serviço. 5.7 Sistema de Reputação O Estafeta terá uma Reputação associada ao seu perfil fácil de usar e consultar. Este sistema é automático e é atualizado periodicamente à medida que os diferentes Utilizadores realizam transações na Plataforma Y e está sujeito às regra aí contidas e sobre as quais os Utilizadores são informados no presente documento e/ou na APP e/ou através dos canais de comunicação apropriados, para que o conheçam exaustivamente e o considerem útil. O sistema baseia-se em dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais. A Y não manipula ou intervém no processo de formação da Reputação, mas apenas consolida informação objetiva obtida dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais, beneficiários dos serviços do Estafeta. A Y não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor. 9. Politica de Proteção de Dados (…) 9.2 Dados tratados Os dados do Estafeta recolhidos através da Plataforma e das ferramentas tecnológicas que a Y fornece ao Estafeta estarão, regra geral, limitados aos dados necessários para executar a relação entre as Partes e são necessários para a poder desenvolver corretamente (adiante designados por os «Dados»). Não obstante o que precede, é possível que no momento do registo ou da criação da Conta pelo Estafeta ou durante a relação, sejam pedidos dados adicionais, através de campos opcionais na Conta do Estafeta, ou através de campanhas promocionais ou outras ações que a Y possa realizar. Em consonância com o que precede, a Y pode tratar as seguintes categorias de dados, sem prejuízo de outras que possam ser pedidas durante a relação: (…) Os dados relacionados com a geolocalização do Estafeta são necessários para a execução dos Termos e Condições, bem como para utilizar a Plataforma, a fim de permitir aos Consumidores e Estabelecimentos Comerciais saber o estado e localização do Estafeta durante a recolha ou entrega. 9.3. Geolocalização Ao utilizar a aplicação fornecida pela Y para a execução da relação e, portanto, para exercer a atividade, a Y pode receber os dados de geolocalização do Estafeta caso o mesmo tenha ativado esta função diretamente no seu telemóvel. A Y usará os Dados obtidos para prestar os Serviços ao Estafeta e partilhá-los com o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial cujo pedido o Estafeta aceitou executar, para que o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial possam contactar o Estafeta no caso de algum incidente. É expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e especificação dos seus serviços e em nenhum caso a Y utilizará esses dados para fins de controlo. 9.4. Finalidade e base jurídica do tratamento Os Dados serão tratados exclusivamente para cumprir a relação estabelecida e, nomeadamente: (…) A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação do Serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela Y para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que, se não estiver ativada, a Y não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos do tempo previsto de recolha ou entrega. Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do Estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correta execução dos Termos e Condições. Em todo o caso, o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a Y não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta está a usar a Plataforma. De igual modo, é expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e concretização dos seus serviços e em nenhum caso a Y utilizará esses dados para fins de controlo do Estafeta. Neste sentido, a geolocalização é meramente temporária e não de modo algum exaustiva. A informação de geolocalização pode também ser usado para efeitos de faturação (…) 9.5 Métricas e outras informações relacionadas com a execução do serviço Em relação ao sistema de Reputação e às avaliações dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais sobre o serviço oferecido pelo Estafeta, o mesmo deverá ter em conta que: - Não são estabelecidos perfis ou realizadas avaliações de pessoas, mas sim sobre a execução do serviço. - O Consumidor e o Estabelecimento Comercial podem avaliar a qualidade do serviço prestado. - Todas as métricas obtidas pela Y referem-se sempre, em qualquer caso e exclusivamente, ao serviço prestado. - Não são recolhidos dados relacionados com a vida privada, a personalidade ou os hábitos do Estafeta. De igual modo, no tocante à existência de decisões automatizadas com efeitos legais para o Estafeta, deve ter-se em conta que: - As decisões não são tomadas baseadas exclusivamente no tratamento automatizado dos dados pessoais do Estafeta, mas quando apropriado baseadas numa avaliação da execução do serviço.- Todos os parâmeros a ter em conta foram gerados manualmente pelos Clientes e Estabelecimentos Comerciais. - Todos os parâmetros e métricas usadas para tomar essas decisões referem-se sempre e exclusivamente ao serviço e à execução dos Termos e Condições independentemente do Estafeta que os executa. - Não são estabelecidos perfis, conforme indicado no ponto anterior. - Em caso algum são tidos em conta características da personalidade ou a esfera não profissional da Parte. - Os resultados dependem de ações anteriores e voluntárias do Estafeta. - Os resultados podem ser corrigidos caso tenha havido um erro e/ou discrepância entre o Estafeta e a Y. - O Estafeta não é impedido de exercer um direito. - O Estafeta não é impedido de aceder a um bem ou serviço. - O Estafeta não é impedido de ser parte num contrato. Com base no que precede, e em conformidade com as disposições do RGPD, não são estabelecidos perfis sobre os Estafetas ou tomadas decisões automatizadas com efeitos legais para o Estafeta com base nos seus dados ou características pessoais, mas apenas são tidas em conta uma avaliação do serviço e características objetivas sobre a capacidade de prestar o serviço pelo Estafeta (…)”.
62. Aditado.
“AA usava a aplicação da Y e EMP03..., no ano de 2024, tendo debitado a cada uma destas os valores que constam do ponto 60, sendo ainda trabalhador por conta de outrem numa “fábrica de tintas”, conforme facto 59”.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, NÃO SE PROVARAM quaisquer outros factos, designadamente que:
a. A Ré, através da plataforma, supervisiona a prestação da atividade do estafeta em tempo real, através do sistema de geolocalização existente na APP, que o estafeta deve ter ligado permanentemente,
b. É a Ré quem fixa o horário dos estafetas (habitualmente entre as 08h30m e as23h).
c. É a Ré quem negoceia os preços ou as condições com os titulares dos estabelecimentos parceiros e fixa o preço do serviço ao cliente.
d. A Ré verifica a qualidade da execução do trabalho dos estafetas através da APP, controlando os tempos de entrega, percursos seguidos e da avaliação que é feita do mesmo pelos utilizadores (restaurantes e cliente final), controlando e supervisionando a execução do mesmo, incluindo em tempo real, nomeadamente através dos meios eletrónicos ou de gestão algorítmica.
e. O tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelo estafeta é controlado em tempo real pela Ré, através da plataforma.
f. A Ré tem ainda a possibilidade de, através da plataforma, gravar chamadas efetuadas pelos estafetas.
g. A avaliação dada pelos restaurantes ou clientes ao estafeta podem condicionar a prestação da atividade pela plataforma e proporcionar-lhe até benefícios pois a Ré disponibiliza-lhes um clube de descontos designado “Y +”.
h. A Ré determina aos estafetas a forma da sua apresentação, a sua conduta perante o utilizador do serviço, ou a prestação da atividade, exigindo que chegado ao cliente, se não estiver na morada, aguarde 10 minutos, dando nota disso ao “Suporte”, que entra, ele próprio, em contacto com o cliente.
i. AA está abrangido por um seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela ..., com a apólice n.º ...12.
j. Na formação online prévia à inscrição prestada ao estafeta, este é informado que tem acesso ao seguro “...”, caso esteja a utilizar a plataforma, estando coberto enquanto estiver online e atá uma hora após ficar offline.
k. Para exercer a atividade referida em 50., a Ré determinou a AA que tivesse a geolocalização sempre ativa para controlo da sua localização e supervisionamento da sua atividade.
l. A Ré determinou, ainda, que AA fizesse o seu registo facial várias vezes, que se apresentasse bem e fosse educado com os utilizadores e que não se podia fazer substituir por outro estafeta.
m. O Cliente final, em regra, paga o serviço à Ré e não ao estafeta.
n. Entre setembro e novembro de 2023, AA teve uma atividade em apenas 5 dias.
***
Questões colocadas:
-Alteração da decisão relativa à matéria de facto:
Quanto aos pontos 10, 15, 21, 22 (apenas na parte impugnada infra) e 39 da matéria de facto.
O ponto 10 dos Factos Provados deve ser considerado não provado por conterem matéria genérica e conclusiva.
O Ponto 15 dos Factos Provados deve ser considerado não provado e cuja redação deve ser alterada. (A permissão de acesso à localização, apenas é necessária para a proposta de serviços, podendo, a partir desse momento, a mesma ser desligada, decorrendo todo o processo de entrega sem a localização ou o GPS ativo, conforme resulta inclusive dos factos provados 19 e 20 da própria matéria de Facto Provada da Sentença e conforme declarações da testemunha da Recorrente (39:14 a 39:44).
Os Pontos 21 e 22 (na parte em que refere “que o estafeta só sabe o que vai receber relativamente a cada pedido a partir do momento em que o aceita”) dos Factos Provados devem ser considerados não provados e cuja redação deve ser alterada. (contraria os pontos 5, 6, 8, 9, 22 (excluindo a parte “que o estafeta só sabe o que vai receber relativamente a cada pedido a partir do momento em que o aceita” 23 a 29, 33, 40 a 43, da própria matéria de Facto Provada da Sentença, além de que foram dados com não provados os factos b., c., d., e., e m. que também contrariam os factos em análise.
devendo, alternativamente, passar a ter a seguinte redação:
A remuneração do serviço depende de um conjunto de variáveis, designadamente, a taxa de entrega/base (taxa de cada pedido), a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega que o utilizador cliente selecionar ao efetuar a encomenda na plataforma), o tempo de espera (tempo de espera do estafeta na recolha do pedido), o horário (sendo os de maior afluxo mais bem pagos), o multiplicador ( que incidirá sobre as taxa de entrega e que só pode ser alterado uma vez por dia) e outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas, feriados, períodos de alta procura, etc).”
O Ponto 39 dos Factos Provados devem ser considerados não provados e cuja redação deve ser alterada.
A aditar:
deve ser dado como provado que: “Habitualmente, AA prestava serviços através da plataforma da Y, como um extra ao trabalho na fábrica de tintas, apenas 1h a 2h por dias, cerca de 4 dias por semana, antes de ir para a fábrica das tintas”. E “AA usava a aplicação da Y e EMP03... em simultâneo, sendo ainda trabalhador por conta de outrem no mesmo período.”
*
- Nulidade da sentença por contradição entre as conclusões e os factos provados / contradição entre a decisão proferida pelo Tribunal a quo nestes autos, a respetiva fundamentação e as demais 15 decisões do mesmo Tribunal.
- Não verificação da presunção de laboralidade / ilisão da presunção.
*
Quanto à nulidade da sentença:
- Nulidade da sentença por contradição entre as conclusões e os factos provados / contradição entre a decisão proferida pelo Tribunal a quo nestes autos, a respetiva fundamentação e as demais 15 decisões do mesmo Tribunal.
Quanto às nulidades da sentença refere o artigo 615º do CPC:
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
A recorrente refere a circunstância de que no tribunal a quo, outras ações idênticas foram decididas de forma diversa, com prova realizada em conjunto.
Como é bom de ver a circunstância não fere a sentença de nulidade, qualquer das sentenças proferidas. Cada caso é um caso, podendo haver pequenas diferenças que determinem um resultado diferente. Mesmo a não ocorreram, sempre pode o julgador mudar de opinião. Poderá ocorrer erro, ou erros de julgamento, mas não qualquer nulidade que se enquadre na previsão legal. De igual modo não fere a sentença de nulidade o facto de eventualmente contrariar outras decisões de outros tribunais ou mesmo jurisprudência que pudesse considerar-se dominante ou mesmo unanime. Tais ocorrências podem remeter sim para o erro de julgamento. Carece assim de sentido a alegação.
Refere ainda a recorrente contradição entre as conclusões e os factos provados – al. c) do nº 1 -.
A nulidade invocada respeita à estrutura da decisão, a uma incongruência no silogismo judiciário. Entre os fundamentos e a decisão tem que ocorrer uma contradição lógica. Diferente é o caso de erro de julgamento, que ocorre quando o julgador entende erradamente que dos factos provados resulta determinada consequência jurídica. Estaremos então perante erro de interpretação e não perante um caso de nulidade.
Ora, no caso vertente não ocorre qualquer nulidade.
A recorrente alude às seguintes referências na fundamentação:
“ “A afirmação de uma atividade prestada com efetiva autonomia podia depender, por exemplo, do facto de o prestador de atividade exercer efetivamente uma atividade concorrencial com a da Ré, de forma simultânea, aceitando propostas de plataformas digitais ao mesmo tempo, para, por exemplo, rentabilizar viagens e custos; do facto de o prestador de atividade apenas estar disponível de forma ocasional ou esporádica, em contraposição da sua disponibilidade de forma regular; ou, ainda, do facto de o prestador de atividade utilizar terceiros como auxiliares ao exercício da sua atividade.”
1) “não resulta da matéria de facto provada, que AA prestasse atividade para outras plataformas digitais em simultâneo com a prestação de atividade para a Ré (efetivamente apurou-se que este prestador debitou serviços prestados à Ré no valor de € 2.966,26 e ao adquirente com o NIF ...22 no valor de € 1.051,31; não se apurou, porém, quando foram prestados esses serviços e mais concretamente se esses serviços foram prestados nas condições acima referidas, isto é, em simultâneo)”;
2) “também não resultou apurada qual a disponibilidade mostrada pelo prestador de atividade, designadamente se era regular ou irregular”.
“Face ao exposto, da factualidade provada, globalmente considerada, não resulta o afastamento da presunção da laboralidade prevista no artigo 12.º-A do Código do Trabalho, afirmando-se, assim, a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré.”
Relativamente à primeira asserção, trata-se de argumento no processo explicativo da conclusão a que se chegou. O julgador está a referir circunstâncias que entende não demonstradas, que poderiam apontar, no seu entender, no sentido de uma efetiva autonomia na prestação da atividade, referenciando como tal o facto, que no seu entender não resulta dos factos, de que na mesma “viagem”, ou, numa interpretação mais generosa da referência, no mesmo dia, (veja-se a expressão, “em simultâneo com a prestação de atividade para a Ré “), efetuasse duas entregas, aceites em duas plataformas concorrentes; referenciando ainda como indícios no mesmo sentido, e no processo discursivo que visa a justificação da conclusão, os factos (não demonstrados) de as prestações ocorrerem de forma esporádica, e de utilizar parceiros como auxiliares.
Quanto à segunda asserção (designadamente referências 1 e 2), o julgador “interpreta a factualidade”, referenciando o que entende não resultar demonstrado. Uma eventual interpretação errada não constitui nulidade, mas sim erro de julgamento.
A recorrente refere o provado em 59 e 60, dos quais consta:
59. No ano de 2023, AA declarou na declaração modelo 3 de IRS referente a esse ano, rendimentos da Categoria B no montante de € 704,82 e rendimentos da Categoria A no montante de € 15.318,08.
60. No ano de 2024, AA debitou serviços prestados à Ré no valor de € 2.966,26 e ao adquirente com o NIF ...22 no valor de € 1.051,31.
Refere que o NIF indicado pertença à “EMP03...” como efetivamente pertence.
Ora, como dissemos, do que poderia tratar-se era de erro de julgamento na interpretação da factualidade. Refira-se, que parece ocorrer um equivoco, já que o sentido da expressão “de forma simultânea” utilizado pela recorrente parece não corresponder ao utilizado em primeira instância, em que se pretende traduzir a prestação da atividade numa mesma viagem, ou quando muito no mesmo dia, para utilizadores finais de duas ou mais plataformas diferentes.
A nulidade em causa apenas ocorre quando a contradição se verifica entre a fundamentação e a decisão. No caso ocorreria nulidade se, o julgador, após a afirmação da primeira asserção, tivesse concluído que se verificavam tais circunstâncias – trabalho em simultâneo, carater esporádico das prestações e utilização de terceiros -, e, sem outras referências que neutralizassem, do ponto de vista argumentativo, a conclusão que se impunha no sentido de exercício da atividade com efetiva autonomia, concluísse pela inexistência desta. Tal resultaria como contraditória.
Mas tal não se verifica no caso. O julgador interpretou a factualidade e as normas legais de determinado modo, explicitou quais as razões de tal entendimento, e conclui decidindo em função dessa apreciação, de forma coerente, tendo em conta o raciocínio efetuado.
Improcede o alegado.
*
Quanto à matéria de facto:
Alteração da decisão relativa à matéria de facto:
O ponto 10 dos Factos Provados deve ser considerado não provado por conterem matéria genérica e conclusiva.
Refere o ponto 10:
O trabalho é efetuado através da plataforma.
O modo como o trabalho é efetuado resulta dos pontos 2 a 6, 11 a 13, 15 a 20, entre outros. Estando, também, em causa, como veremos, a natureza ou não da plataforma como instrumento de trabalho, e considerando o que resulta de outros factos, designadamente os que descrevem todo o modo de funcionamento da plataforma e da “prestação da atividade “dos estafetas, a expressão em causa, no sentido que lhe pode ser assacado de, “por meio de”, é algo genérica, senão conclusiva, sendo de outro desnecessário o facto, tendo em atenção a restante factualidade.
Assim elimina-se o mesmo.
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O Ponto 15 dos Factos Provados deve ser considerado não provado e cuja redação deve ser alterada.
Consta do facto:
“ Para prestar a sua atividade, os estafetas têm que ativar a permissão de acesso à localização na Plataforma.”
A recorrente refere que a “permissão de acesso à localização, apenas é necessária para a proposta de serviços, podendo, a partir desse momento, a mesma ser desligada, decorrendo todo o processo de entrega sem a localização ou o GPS ativo, conforme resulta inclusive dos factos provados 19 e 20 da própria matéria de Facto Provada da Sentença e conforme declarações da testemunha da Recorrente (39:14 a 39:44).”
A recorrente não questiona o ponto, quando referenciado para receção das propostas. O que pretende resulta dos factos constantes dos pontos 17, 19, 20.
Assim altera-se o facto nos seguintes termos: 15 “Para prestar a sua atividade, os estafetas têm que ativar a permissão de acesso à localização na Plataforma, nos termos que resultam dos factos 17, 19 e 20.
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Os Pontos 21 e 22 (na parte em que refere “que o estafeta só sabe o que vai receber relativamente a cada pedido a partir do momento em que o aceita”).
Pretende sejam considerados não provados, e a redação do 22º alterada.
Teor dos itens:
“21. A Ré estabelece as condições de remuneração do serviço e deslocações, estabelecendo limites mínimos e máximos para o efeito, não existindo qualquer negociação prévia entre os estafetas e a Ré, quanto aos critérios subjacentes à definição dos valores.
22. A remuneração do serviço depende de um conjunto de variáveis, designadamente, a taxa de entrega/base (taxa de cada pedido), a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega que o utilizador cliente selecionar ao efetuar a encomenda na plataforma), o tempo de espera (tempo de espera do estafeta na recolha do pedido), o horário (sendo os de maior afluxo mais bem pagos), o multiplicador ( que incidirá sobre as taxa de entrega e que só pode ser alterado uma vez por dia) e outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas, feriados, períodos de alta procura, etc), sendo que o estafeta só sabe o que vai receber relativamente a cada pedido a partir do momento em que o aceita.”
A recorrente alude a que contrariam os pontos 5, 6, 8, 9, 22 (excluindo a parte “que o estafeta só sabe o que vai receber relativamente a cada pedido a partir do momento em que o aceita” 23 a 29, 33, 40 a 43, da própria matéria de Facto Provada da Sentença, além de que foram dados com não provados os factos b., c., d., e., e m. que também contrariam os factos em análise.
devendo, alternativamente, passar a ter a seguinte redação:
“A remuneração do serviço depende de um conjunto de variáveis, designadamente, a taxa de entrega/base (taxa de cada pedido), a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega que o utilizador cliente selecionar ao efetuar a encomenda na plataforma), o tempo de espera (tempo de espera do estafeta na recolha do pedido), o horário (sendo os de maior afluxo mais bem pagos), o multiplicador ( que incidirá sobre as taxa de entrega e que só pode ser alterado uma vez por dia) e outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas, feriados, períodos de alta procura, etc).”
Sustenta a ré que os valores propostos dependem de vários fatores por si não controláveis, não havendo um valor mínimo e máximo fixados.
O que se pretende surpreender com a “realidade” sujeita a instrução e que culminou com a decisão que resulta dos itens questionados, é saber, quem, de todos os sujeitos intervenientes, fixa o valor a pagar pelo serviço.
Importa menos ao “facto” a demonstrar, para efeitos jurídicos, quais os elementos que são considerados para a determinação do mesmo – o que tem a ver com as circunstâncias com relevo económico (distância, horário de maior procura, etc…), que quem fixa o valor em si, ainda que determinado por formulas pré-estabelecidas aplicadas em face de tais variáveis. O preço de um serviço, de qualquer serviço, é determinado, sempre, em função de variáveis, tais como as referenciadas, mas não são elas que determinam o preço, antes influenciam a decisão de quem o determina, para mais ou menos. Tais variáveis mais não são que realidades com relevo para a decisão de fixação do preço.
Ora, não restam dúvidas no presente caso, que na formação do preço do serviço do estafeta, intervém essencialmente a ré, mediante as variáveis que ela própria tenha introduzido (e só dessas) para formação do preço, e os valores por ela igualmente definidos – por exemplo em função da distância (como ex: um valor por quilómetro), do horário, etc… -. Intervém ainda o estafeta de forma limitada, através do multiplicador, dentro de parâmetros eles próprios definidos pela ré.
Assim e quanto ao ponto 21, a afirmação de que “a Ré estabelece as condições de remuneração do serviço e deslocações, estabelecendo limites mínimos e máximos para o efeito, não existindo qualquer negociação prévia entre os estafetas e a Ré, quanto aos critérios subjacentes à definição dos valores”; está demonstrada. Resulta, além do mais, dos próprios termos de utilização. Através daqueles critérios pela ré previamente definidos e sem negociação alguma, resulta um valor, que oscilará entre um máximo e um mínimo, dependendo da opção do estafeta pelo parâmetro multiplicar, dentro das possibilidades fixadas pela ré. Assim, e para cada concreto serviço e em função desses parâmetros definidos pela ré, após opção efetuada quanto ao multiplicador (uma vez por dia) resulta um valor especificado, definido. Seja, da aplicação dos critérios resulta um valor que pode oscilar para mais, até um determinado valor máximo, em função do multiplicador. É de manter o facto.
Quanto ao ponto 22 importa corrigir a sua redação, já que o estafeta tem conhecimento do valor aquando da proposta do pedido, podendo recusar o serviço. Resulta dos termos de utilização e da prova, designadamente a indicada pela recorrente. Veja-se ainda o facto 28.
Assim altera-se o item nos seguintes termos: 22. A remuneração do serviço depende de um conjunto de variáveis, designadamente, a taxa de entrega/base (taxa de cada pedido), a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega que o utilizador cliente selecionar ao efetuar a encomenda na plataforma), o tempo de espera (tempo de espera do estafeta na recolha do pedido), o horário (sendo os de maior afluxo mais bem pagos), o multiplicador (que incidirá sobre as taxa de entrega e que só pode ser alterado uma vez por dia) e outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas, feriados, períodos de alta procura, etc), sendo que o estafeta só sabe o que vai receber relativamente a cada pedido a partir do momento em que lhe é proposto o serviço / pedido”
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O Ponto 39 dos Factos Provados devem ser considerados não provados e cuja redação deve ser alterada.
Tero do item:
“39. O Estafeta não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel aleatoriamente, sendo, contudo, o estafeta livre de o aceitar ou recusar.”
Refere a recorrente a liberdade de recusar o pedido. Ora tal já resulta do facto. Refere ainda a possibilidade de aceitar apenas de determinados restaurantes e determinados produtos. O item reporta-se aos clientes e pedidos tout court. Ora, utilizando a plataforma, o estafeta naturalmente não influencia quais os clientes e quais os pedidos que lhe são propostos, podendo embora recusar os serviços propostos. Não há uma escolha há uma recusa de serviços. Refere a recorrente que a recusa da prestação de um serviço por parte do prestador de atividade configura, claramente, um poder negocial e de conformação da sua prestação dos serviços. O referido constitui essencialmente uma conclusão, com dimensão aliás jurídica.
Em boa verdade não se contraria que o estafeta não tenha qualquer poder quanto aos pedidos que lhe são apresentados a não ser a possibilidade de recusa. Naturalmente a localização do estafeta – por exemplo junto a uma farmácia, como refere a recorrente – pode ter implicações no tipo de ofertas, contudo continua a ser verdadeira a afirmação de que o estafeta “não tem intervenção na escolha dos clientes e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel”, resultando antes apenas uma interferência nos critérios de ofertas, - proximidade do ponto de recolha -, o que resulta aliás dos termos de utilização quando se refere à geolocalização. Altera-se a redação nos seguintes termos: “39. O Estafeta não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel aleatoriamente, sem prejuízo da interferência decorrente do critério “proximidade do ponto de recolha”, referenciado nos termos e condições de utilização da plataforma, sendo, contudo, o estafeta livre de o aceitar ou recusar.”
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Pretende a recorrente seja aditado o seguinte ponto: “Habitualmente, AA prestava serviços através da plataforma da Y, como um extra ao trabalho na fábrica de tintas, apenas 1h a 2h por dias, cerca de 4 dias por semana, antes de ir para a fábrica das tintas”. E “AA usava a aplicação da Y e EMP03... em simultâneo, sendo ainda trabalhador por conta de outrem no mesmo período.”
Refere o depoimento do próprio estafeta, que referiu trabalhar numa fábrica de tinta, há cerca de dois anos e meio. Referiu que trabalhava como estafeta, quatro dias por semana, às vezes uma hora às vezes duas, antes de ir para o outro emprego, que era de noite. Aos sábados e domingo podia fazer quatro horas.
Refere a recorrente ainda prova documental de que resulta a prestação de serviços à “EMP03...”, e da prestação de trabalho dependente - designadamente o documento da ISS. O “trabalhador” já trabalhava por conta de outrem desde 2022, conforme os documentos juntos. Nos meses de setembro e novembro de 2024, o estafeta até emitiu faturas de maior valor à EMP03... do que à Recorrente. Acresce que os rendimentos de categoria A (TCO) foram sempre muito superiores aos rendimentos de categoria B (trabalhador independente, onde se inclui a Ré).
Relativamente à matéria que se pretende seja aditado, trata-se de matéria não alegada. O tribunal de recurso não aprecia questões novas, exigindo-se uma decisão prévia, no tribunal recorrido, uma pronúncia sobre questão colocada, sendo o sentido dessa pronúncia o objeto do recurso.
Salvo, claro, questões de conhecimento oficioso, ou quando se trate de facto não necessitado de alegação, nos termos resultante do artigo 5º do CPC, a saber, no que importa ao caso; facto instrumental que resulta da discussão da causa, e facto que seja complemento ou concretização de facto alegado, e resulte da instrução da causa, desde que sobre eles tenham as partes tido a possibilidade de se pronunciar.
Na medida em que se trate de questão nova, o recurso carece de objeto, já que não existe decisão de que recorrer.
Importa ainda ter em consideração o disposto no artigo 72º do CPT.
Refere este normativo:
1 - Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
(…)
Assim, a menos que possa concluir-se, e relativamente a questão de facto não alegada e carecida de alegação, suscitada em recurso, que a mesma foi apreciada oficiosamente ou que foi suscitada a sua apreciação por uma das partes ao abrigo de tal normativo, não pode o tribunal de segunda instância pronunciar-se por carência de objeto – questão nova -.
Tratando-se de facto que tenha sido objeto de pronúncia nos termos do artigo 72º do CPT, não vemos obstáculo a que relativamente a ele, sejam considerados os factos instrumentais e concretizadores, tal como permite o artigo 5º do CPC.
No caso não foi suscitada a apreciação de tais factos em primeira instância. Contudo o tribunal faz uso do referido normativo, tendo dado como provados os seguintes factos:
59. No ano de 2023, AA declarou na declaração modelo 3 de IRS referente a esse ano, rendimentos da Categoria B no montante de € 704,82 e rendimentos da Categoria A no montante de € 15.318,08.
60. No ano de 2024, AA debitou serviços prestados à Ré no valor de € 2.966,26 e ao adquirente com o NIF ...22 no valor de € 1.051,31.
Relativamente ao primeiro dos factos que se pretende aditar, não ocorreu qualquer pronúncia, nem os mesmos são instrumentais ou concretização de qualquer destes factos, pelo que não se procederá à sua apreciação. Já quanto ao segundo, o mesmo constitui concretização, parcialmente do facto 60 e parcialmente do facto 59. Assim, o NIF ...22 corresponde à EMP03..., resultando, pois, a prestação de “serviço/trabalho” a esta, no mesmo período em que prestou à recorrente. Contudo, o termo em simultâneo, que se pretende seja considerada no facto a aditar, se entendida como prestação numa mesma “viagem” ou “dia”, não resultou demonstrada, como se salienta na decisão de primeira instância.
Resulta ainda, do depoimento do próprio trabalhador, e em concretização ao ponto 59, que o mesmo presta atividade como trabalhador dependente numa fábrica de tintas.
Assim adita-se: “AA usava a aplicação da Y e EMP03..., no ano de 2024, tendo debitado a cada uma destas os valores que constam do ponto 60, sendo ainda trabalhador por conta de outrem numa “fábrica de tintas”, conforme facto 59”.
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O Direito.
A questão colocada prende-se com saber qual a natureza da relação contratual existente entre o estafeta indicado e a ré, e se, a verificar-se a presunção legal de laboralidade, a mesma foi ilidida.
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É aplicável ao caso o comando do artigo 12-A do CT, aditado pela Lei n.º 13/2023, de 03 de abril, a partir de 1.5.2023.
A recorrente questiona a constitucionalidade da norma.
O Artigo 12-A pretende responder aos desafios levantados pelas novas formas de prestação de trabalho demandadas pelo trabalho na era digital, para o qual o arquétipo tradicional se mostra inadequado.
O arquétipo desenvolvido pelo direito laboral, num quadro de relações económicas e sociais diverso, não responde de forma satisfatória aos desafios do denominado “trabalho 4.0” – sobre o assunto, Teresa Coelho, Algumas Questões Sobre Trabalho 4.0.
Sobre a inadequação dos padrões clássicos, ainda Maria do Rosário Palma Ramalho,” Automação, subordinação jurídica e dependência económica no trabalho em plataformas digitais (breves reflexões)”, Estudos APODICT nº 9, pág. 317/8; João Leal Amado em “As plataformas digitais e o novo artigo 12º do Código do Trabalhando: empreendendo ou trabalhando?”, Colóquios do Supremo Tribunal de Justiça, 2023; Irene Gomes, Direito do Trabalho e economia colaborativa – desafios de regulamentação, https://doi.org/10.21814/uminho.ed.100.16, pág. 403.
Surpreender o tipo real de relação de trabalho, não se basta já com olhar o modo aparente como é desenvolvido, importando verificar se esta corresponde à realidade de fundo. Sobre o assunto Ac. RG de 31-10-2024, processo nº 2824/23.1T8VRL.G1, onde referimos:
“A desconsideração das particularidades deste novo tipo de trabalho, pode conduzir a um abaixamento generalizado de “diretos “dos “trabalhadores”, efetivamente dependentes do rendimento advindo do serviço que prestam através da plataforma, sobretudo nas tarefas de menor qualificação – como é o caso- , com prática de baixas retribuições, que implicam, para cargas horárias normais, salários “baixos” se comparados com o normal do pais onde prestam a atividade, agravado pela falta de direitos como subsídios férias e natal, proteção na sinistralidade, direitos coletivos, segurança no trabalho, precarização, etc…
Assim, é no quadro das especificidades deste novo “modelo” que o legislador sentiu necessidade de intervir, estabelecendo indícios específicos, tendo em conta a especificidade própria deste tipo de trabalho…”
Porque outra é a realidade, não ocorre qualquer violação do principio da igualdade.
Do mesmo modo não resulta afetada a liberdade de iniciativa privada, a qual sempre terá que se desenvolver no respeito por outros direitos constitucionalmente consagrados, como o principio da dignidade da pessoa Humana – artigo 1º, direito ao trabalho – artigos 58º -, e os direitos dos trabalhadores – artigos 52 ss da CRP -.
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Vejamos quanto à natureza da relação:
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A qualificação de uma relação como de contrato de trabalho, e com especial relevo relativamente ao trabalho no âmbito de plataformas, não depende tanto do nome atribuído pelas partes, mas sim da sua efetiva realidade. Importa mais o modo como a relação de desenvolve, do que o modo como as partes o nominaram.
Refere o artigo 11º do CT:
Noção de contrato de trabalho
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
O Artigo 10º do CT 2003 dispunha:
Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.
E referia o artigo 12.º do CT 2003:
Presunção
Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.
Importa sublinhar a evolução a que se procedeu, pois, conquanto se entenda que uma das caraterísticas mais marcantes da relação laboral, que a distingue de outras figuras, como o contrato de prestação de serviços, é a subordinação jurídica do trabalhador em relação ao empregador; deslocou-se a pedra angular do conceito, desta subordinação para a “inserção no âmbito de uma organização e desenvolvimento da atividade sob autoridade dessa ou dessas organizações”.
A tal mudança não foi estranha a constatação das cada vez mais subtis formas de subordinação jurídica.
No artigo 12º do novo código, visando facilitar a prova da existência de uma relação laboral, estabelecerem-se factos-índice, provados os quais – pelo menos dois seguindo entendimento maioritário -, se presume a existência do contrato de trabalho.
A presunção reveste particular importância nos casos como o presente, em que, estamos face a serviços que efetivamente podem ser, em termos efetivos, prestados pelo trabalhador, quer como prestador de serviços, quer numa relação de “dependência”, como trabalhador dependente, embora camuflada.
Importarão, menos os termos formais da relação, que aquela que a realidade da mesma deixa transparecer, surpreendida nos índices que o legislador entendeu consagrar.
O não preenchimento formal de um ou outro índice, não deve por si só bastar para a desaplicação da norma do artigo 12-A, verificados que se mostrem pelo menos dois índices – vistos à luz da realidade relacional. Não basta, pois, uma mera contraprova, colocar em dúvida se realmente se verifica uma relação laboral. Importa antes demonstrar factualidade de que resulte que, apesar da verificação dos índices, a relação é de natureza diversa, designadamente é uma relação de prestação de serviços.
Queremos significar que, para efeitos de ilisão da presunção, não basta o não preenchimento de um ou outro dos factos, eles mesmos previstos como índices, mas sim, e como refere o nº 4 da norma, a prova de que a relação é de outra natureza, referenciando designadamente o normativo, a demonstração de que “o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.”
A referência a efetiva autonomia; nesta nova realidade, em que é possível ao “empregador” desenvolver a atividade e “usufruir da mão de obra sem necessidade de recorrer a esses institutos tradicionais do direito” -, Vd. As plataformas digitais, a presunção de laboralidade e a respetiva ilisão: nótula sobre o Acórdão da Relação de Évora, de 12/09/2024, João Leal Amado, Teresa Coelho Moreira https://observatorio.almedina.net/index.php/2024/10/08/as-plataformas-digitais-a-presuncao/; dá indicação de que deve ter-se especial atenção ao modo como na prática a relação se desenvolve.
Importará o modo como na prática o trabalhador (cada concreto trabalhador) usa as “liberdades” formalmente consagradas – recusas substituições, horários etc…
Importa ter em atenção estes novos modelos de negócio, com recurso a APPS, onde, como referem Leal Amado e Teresa Coelho, loc. referido, os “empregadores”, “através da gestão algorítmica de uma multidão de prestadores de atividade disponíveis para trabalhar (daí o termo crowdwork), estas empresas conseguem desenvolver o seu negócio e usufruir da respetiva mão de obra sem necessidade de recorrer a esses institutos tradicionais do Direito do Trabalho, provindos da era industrial”.
Como deixamos referido no ac. RG acima referido:
“Esta nova forma de fixação de tempos de trabalho, e do ponto de vista das “plataformas”, como que se centra, não na relação individual (com um concreto estafeta), mas no conjunto de estafetas disponíveis – e queremos significar que, do ponto de vista da ré (como prestadora da atividade através do estafeta), importa assegurar a execução do serviço, seja por qual deles for, sabendo que tal ocorrerá, devido ao “exercito” de estafetas disponíveis, e à dependência económica destes.
A dependência económica do estafeta, fará com que ele esteja disponível, de outro modo não aufere rendimento. Volvem-se assim tais prerrogativas em alguma autonomia, que não põem em causa, considerando o quadro desta nova realidade, a dependência do estafeta em relação à ré.”
Assim importará verificar se em concreto, o trabalhador faz uso relevante dessas “liberdades “que constam dos termos propostos, sem negociação prévia, pela “plataforma”. E queremos dizer, se o trabalhador faz um uso tal dessas liberdades, que possa concluir-se, tendo em conta o modelo de negócio e o padrão concreto de utilização dessas “liberdades”; que, nem a “estrutura produtiva” a organização da empregadora, pode contar com aquele concreto trabalhador como elemento disponível e útil dessa estrutura; nem o trabalhador a vê e encontra nela a âncora que garanta o seu sustento, os rendimentos de que depende.
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Passemos aos indícios.
Resulta claro que os indícios do artigo 12º do CT, sobretudo se interpretados mais junto à letra, revestem pouca utilidade para responder às questões colocadas por estas novas relações de trabalho.
A propósito o Ac. RG de 3-10-2024, processo nº 2838.23.1VRL.G1, referindo:
O caso de que nos ocupamos remete-nos para temáticas atuais, relacionadas com a revolução digital, a inteligência artificial, a automação, em especial a atividade prestada em plataforma digital, as quais transformaram o mercado e as relações de trabalho.
Áreas essas em que se vem identificando novas realidades na forma de prestar e organizar o trabalho e sinalizando a necessidade de uma abordagem diferente da tradicional ligada a um mundo em que prevalecia a fábrica, a loja, outros lugares físicos, o horário de trabalho, o equipamento físico de trabalho, as ordens evidentes e explicitas, a proximidade no relacionamento interpessoal, etc.
Exemplo desse alerta foi deixado pelo Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021[https://www.portugal.gov.pt], que, contou, entre mais, com a colaboração de académicos e pensadores, ali se entrevendo importantes linhas de reflexão, mormente a ideia de que a ausência de certos indícios tradicionais não é incompatível com a existência de um contrato de trabalho. Aponta-se, ali, ainda, o objetivo de combater a dissimulação ilícita de relação de trabalho.”
A sentença de primeira instância refere o preenchimento da al. a) do artigo 12º - local de trabalho -, aludindo a que “apesar de se ter apurado que é o estafeta quem escolhe o local onde se encontra disponível para prestar a sua atividade, a verdade é que a liberdade de escolha do local de trabalho é inerente a qualquer atividade contratual.
E, sendo certo que se desconhece, se, no caso em concreto, o processo de registo ou a abertura da conta implica a obrigatoriedade de escolher uma “área geográfica” e bem assim qual a abrangência da área geográfica escolhida pelo prestador de atividade, o facto de ser própria plataforma (a Ré) que define onde é feita a recolha e a entrega, implica que se considere que a atividade é prestada numa localização determinada pela própria Ré.
Com efeito, o prestador de atividade encontra-se disponível num determinado local e procede à recolha de determinado produto num local indicado pela Ré e à sua entrega aos clientes da plataforma que solicitaram aqueles produtos, num local também indicado pela Ré...”
Tendo em conta a natureza da prestação – que depende da demanda do consumidor final, ao qual será prestado o serviço, os da demanda do fornecedor, para um seu cliente, não vemos que possa considerar-se verificado no caso este indicio. O estafeta é livre, ainda que eventualmente dentro de determinada área geográfica, de escolher os locais para os quais se dirige, podendo recursar serviços de outros locais. Esta é uma das caraterísticas que costuma ser apontada como não assumindo grande relevância no quadro do trabalho na era digital, via APPS.
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O artigo 12-A, veio estabelecer factos índice, para o trabalho desenvolvido no âmbito de plataforma digital.
Refere o normativo:
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.
5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora.
7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos.
9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.
…
12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.
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Vejamos da verificação quanto a alguns indícios – al. a) d o artigo 12-A: “a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”.
Resulta da factualidade que através da App a “estafeta” recebe a informação relativa à oferta de serviço de entrega e remuneração a receber. O montante da taxa de entrega para cada serviço resulta da consideração de valores de referência pré-estabelecidos na App, relevando fatores como a distância entre o local de recolha dos produtos e o local onde estes deverão ser entregues, o período em que decorre o serviço de entrega e as eventuais condições atmosféricas adversas que se fazem sentir.
Resulta da factualidade que não ocorre qualquer negociação quanto aos termos como a remuneração do estafeta é fixada, sendo da exclusiva responsabilidade da ré a determinação dos critérios, ainda na parte em que permite ao estafeta alguma manobra.
A margem de manobra, desenvolve-se dentro de limites máximos e mínimos.
Resulta dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma Y para Estafetas” – a que os estafetas têm que aderir (contrato de adesão) -, no seu ponto 5.1.6 que “o Estafeta aceita que os Estabelecimentos Comerciais e o Utilizador Cliente peça um serviço de entrega de acordo com o preço e a qualidade em conformidade com as orientações de mercado”. E no ponto 5.5.1 “(…) Você pode determinar e escolher o preço dos seus serviços através da Plataforma Y. A Y, para fins informativos, com base em informações de mercado, irá sugerir um preço de mercado que poderá ser alterado diariamente pelo Estafeta através do seu Perfil de Utilizador, sem que isso implique garantias de adjudicação do serviço. (…)”.
Conforme resulta da factualidade, a alteração verifica-se pela definição do multiplicador, entre valores pré-fixados, sendo o valor da taxa de entrega determinado pela ré. É a ré que fixa o que seja o “preço/orientação de mercado”, não o dito prestador de serviços, que da sua parte não é ouvido quanto a tal taxa de entrega, podendo apenas e dentro dos limites definidos, alterar o multiplicador. A única saída, caso não aceite o preço, é recusar o serviço, circunstância que como é manifesto, impede o mesmo de auferir o rendimento, sendo que, a debilidade económica do prestador será fortíssimo “argumento” para aceitar as condições assim propostas, na prática, pelo menos em grande parte das ofertas, a esta liberdade formal, não corresponde uma efetiva e prática liberdade.
Não nos parece correto afirmar que intervêm três agentes na determinação do preço. O cliente e o estabelecimento comercial não são parte na fixação desse preço. A distância entre ambos funciona como critério de apuramento, mas tal critério e os valores com que o mesmo se relaciona, foram fixados pela ré.
Resulta dos factos que a “alegada” prestadora de serviços não negociou nem negoceia em momento alguma a sua retribuição, tendo uma intervenção na fixação, ela própria de acordo com critério fixado pela ré e perfeitamente marginal. Como se refere no Ac. desta relação, processo nº 2838.223.1T8VRL.G1, “ o pensamento atual que acompanha as ditas novas forma de organização de trabalho, acentua que o mais importante é saber se os critérios de determinação da retribuição são ditados pelo beneficiário da atividade (no caso a taxa de encargo, por quilómetro), ou se são verdadeiramente negociados entre as partes, em pé de igualdade, o que, isso sim, é próprio do trabalho autónomo.”
Resulta assim verificado o índice da al. a).
*
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
Poderes de direção e pode sancionatório:
Importa no caso considerar o procedimento padronizado de entrega.
Refere-se no Ac. RG de 3-10-2024, processo nº 2800/23.4T8VRL.G1 (embora a propósito da al. a do artigo 12-A):
“Resulta que o serviço de entregas gerido pela recorrida impõe a observação de algumas regras designadamente o dever dos estafetas se inscreverem na App, a necessidade de ligação à App para poderem receber propostas de entregas e aceitá-las, recurso à geolocalização para poder ser aceite determinada proposta de entrega, sendo também obrigatório possuir mochila isotérmica para o transporte de refeições. Daqui resulta manifesto que existe um procedimento prévio padronizado que está definido para todos os interessados em exercer a atividade em causa e que estes têm de observar, para o acesso/inscrição na plataforma por parte dos estafetas. Trata-se de requisitos prévios ao início da atividade, razão pela qual não podemos falar de regras específicas conformadoras da atividade.
Contudo da referida factualidade também resultou apurado que após a observação do procedimento prévio o estafeta tem ainda que observar outros procedimentos referentes ao exercício concreto da sua atividade.
Assim o estafeta quando aceita o serviço de um cliente tem que cumprir o procedimento instituído pela recorrida, o que significa que tem que se dirigir à morada do estabelecimento, onde recolhe o produto e depois tem de se dirigir à morada do utilizador cliente onde efetua a entrega. Ao estafeta são fornecidos os dados relevantes para fazer a recolha e a entrega do produto, tais nome e morada do estabelecimento e do utilizador como a distância estimada os dados do pagamento, lista dos artigos do pedido e valor do mesmo. Estão também definidos pela recorrida, designadamente nos “Termos e Condições de Utilização da plataforma Y para Estafetas” os procedimentos referentes à recusa de entregas, bem como as regras a observar quanto ao pagamento do preço. Ou seja, a Recorrida organiza e gere através da App, os serviços de entregas de mercadorias, assegurados por estafetas, designadamente quanto à indicação de locais de recolha e entrega dos produtos, recebendo em contrapartida os estafetas um valor por cada entrega, valor este que é determinado por critérios ditados pela Recorrida.
Daqui resulta inequívoco que a recorrida não definiu apenas regras especificas prévias ao início da atividade, mas definiu e regulou o próprio exercício da atividade dos estafetas, através de procedimento padronizado, ou seja, regulou todos os passos essenciais da conduta a observar por qualquer estafeta quer para aceder, quer para executar o serviço proposto pela plataforma gerida pela Recorrida.
Em suma, Ré atenta a atividade que desenvolve regulou no essencial todo o seu ciclo produtivo nele se incluindo as tarefas e a conduta que o estafeta tem de observar perante o utilizador/cliente, bem como a própria prestação da atividade em si, que é o que basta para podermos concluir pela verificação da alínea b) do n.º 2 do 12.º -A do CT. no segmento que prevê que a ré exerce o poder de direção ao ditar regras especificas quanto à conduta do estafeta perante o utilizador do serviço e quanto à prestação da atividade.”
Resulta da factualidade que a ré determina regras específicas, nomeadamente quanto conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade, tendo acesso à verificação da qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica.
O exercício da atividade depende da manutenção de uma relação de interatividade com a plataforma, não assumindo especial relevo a previsão no sentido de que durante a prestação poderá desligar a geolocalização, o que normalmente e de acordo com as regras da experiência comum, não ocorrerá, não resultando de todo o modo demonstrado que em concreto o trabalhador procedesse dessa forma.
Logo na parte inicial, ponto 9º das condições de utilização da plataforma, se refere, “A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação de serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela Y para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que se não estiver ativada, a Y não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos de tempo previsto de recolha ou entrega.
Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correta execução dos termos e condições.
Em todo o caso, o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a Y não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta esta a usar a Plataforma”.
Não obstante a previsão desta possibilidade, resulta que a plataforma faz a gestão de toda a atividade do estafeta, muito além de uma mera intermediação – colocação em contacto - entre o solicitador da prestação e o seu prestador (como ocorre com outras plataformas). De tal forma que para o prestador, a figura do cliente e do fornecedor se tornam irrelevantes. Quanto à escolha do trajeto, tal possibilidade num cenário de opções racionais, tendo em vista a maximização do ganho, é mais teórica que real, o trajeto escolhido será naturalmente o que implicar mais ganho, considerando o custo do mesmo (tempo e espaço) para o estafeta, que normalmente, e de acordo com as regras da experiência comum, confiará na indicação fornecida pela aplicação, com uma ou outra correção que resulta de sua própria experiência, em trajetos e áreas por si bem conhecidas. “
Em termos práticos é a ré – através da plataforma – que organiza e dirige a prestação da estafeta.
Relativamente à al. c), em primeira instância, considerou-se não se verificar a caraterística.
Refere-se:
“Conforme resulta da matéria de facto provada, o prestador de atividade pode escolher o trajeto para efetuar as suas entregas, sendo livre de escolher o meio de transporte a utilizar, o percurso e os critérios de eficiência e produtividade, gozando de liberdade de escolha da forma como se apresentam nas entregas, sem que estejam sujeitos a uma avaliação por clientes ou pela ré, que afete as propostas que lhe serão apresentadas ulteriormente.
É certo que o controlo biométrico do prestador de atividade durante o período em que este manifestar disponibilidade não pode deixar de ser considerado uma forma de controlo e supervisão da prestação da atividade. Porém, este controlo é variável, não sendo efetuado sempre que o prestador se disponibiliza a prestar a atividade.
Por outro lado, também é certo que, para prestar a atividade, o prestador deve ligar-se à internet, devendo ter a geolocalização ativa quando o pedido é efetuado. Porém, este sistema pode ser desligado, e o prestador de atividade efetuar a entrega sem que a Ré controle a viagem efetuada pelo estafeta. Ou seja, a geolocalização é essencial pela própria natureza da atividade em causa.
Porém, após a recolha do pedido e durante a sua execução, o prestador pode desativar a geolocalização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização, o que permite concluir que este não é (ou pode não ser) monitorizado pela Ré.
Por outro lado, não resulta da factualidade provada a existência de mecanismos de controlo sobre a atividade do prestador de atividade, através da avaliação feita pelos utilizadores do serviço por esta prestado, quer os clientes, quer os estabelecimentos comerciais, ou que a Ré aplique quaisquer sanções aos estafetas, em atenção a eventuais atrasos, ausências, avaliações negativas, recusas de pedidos, etc.”
Estas alíneas estão intimamente ligadas. Como deixamos referido, não se demonstrou o concreto impacto das liberdades relativas à escolha do trajeto e de desligamento da geolocalização no caso presente. Quanto à possibilidade de escolha do trajeto, a liberdade, num cenário de opções racionais, tendo em vista a maximização do ganho, é mais teórica que real. O trajeto escolhido será naturalmente o que implicar mais ganho, considerando o custo do mesmo (tempo e espaço) para o estafeta, que normalmente, e de acordo com as regras da experiência comum, confiará na indicação fornecida pela aplicação, com uma ou outra correção que resulta de sua própria experiência, em trajetos e áreas por si bem conhecidas.
A norma refere ainda a verificação da “qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica”.
Tenha-se em atenção, a propósito, o que consta das condições de utilização quanto a recolha de dados relativos a avaliação e ao serviço:
9.5 Outras informações relacionadas com a execução do serviço
Em relação às avaliações dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais sobre o serviço oferecido pelo Estafeta, o mesmo deverá ter em conta que:
- Não são estabelecidos perfis ou realizadas avaliações de pessoas, mas sim sobre a execução do serviço.
- O Consumidor e o Estabelecimento Comercial podem avaliar a qualidade do serviço prestado.
- Todas as avaliações emitidas por Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais referem-se sempre, em qualquer caso e exclusivamente, ao serviço prestado pelo Estafeta.
…
De igual modo, no tocante à existência de decisões automatizadas com efeitos legais para o Estafeta, deve ter-se em conta que:
- As decisões não são tomadas baseadas exclusivamente no tratamento automatizado dos dados pessoais do Estafeta, mas quando apropriado baseadas numa avaliação da execução do serviço.
- Todos os parâmetros a ter em conta foram gerados manualmente pelos Clientes e Estabelecimentos Comerciais.
- Todos os parâmetros usados para tomar essas decisões referem-se sempre e exclusivamente ao serviço e à execução dos Termos e Condições, independentemente do Estafeta que os executa.
- Não são estabelecidos perfis, conforme indicado no ponto anterior.
- Em caso algum são tidos em conta características da personalidade ou a esfera não profissional da Parte.
- Os resultados dependem de ações anteriores e voluntárias do Estafeta.
- Os resultados podem ser corrigidos caso tenha havido um erro e/ou discrepância entre o Estafeta e a Y
- O Estafeta não é impedido de exercer um direito.
- O Estafeta não é impedido de aceder a um bem ou serviço. - O Estafeta não é impedido de ser parte num contrato.
Com base no que precede, e em conformidade com as disposições do RGPD, não são estabelecidos perfis sobre os Estafetas ou tomadas decisões automatizadas com efeitos legais para o Estafeta com base nos seus dados ou características pessoais, mas apenas são tidas em conta uma avaliação do serviço e características objetivas sobre a capacidade de prestar o serviço pelo Estafeta.
5.7 Sistema de Reputação
A Y não manipula ou intervém nas avaliações que os Utilizadores Clientes e Estabelecimentos Comerciais comunicam aos Estafetas através da Plataforma, mas apenas consolida informação obtida dos referidos Utilizadores da Plataforma, beneficiários dos serviços do Estafeta, nos termos da cláusula 9.5.
A Y não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor.”
A ré tem acesso e trata dados relativos ao serviço prestado.
Mostram-se preenchidas as previsões das alíneas.
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e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
Refere a sentença recorrida:
“O que cremos que está aqui em causa é um verdadeiro sistema de controlo baseado em consequências negativas.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de dezembro de 2024, processo 4306/23.2T8VFX.L1-4, disponível em www.dgsi.pt “No caso das plataformas digitais a lei considera como manifestação de poder disciplinar “a exclusão de futuras atividades na plataforma através da desativação da conta”.
É claro que aqui, como em todo o artigo 12-A, subjaz uma lógica de adaptação às novas realidades económicas e laborais, acompanhando a evolução social e surpreendendo e adaptando o normativo legal à mesma.
De aí a referência à desativação de conta, que em termos clássicos provavelmente não bastaria para se poder falar de exercício do poder disciplinar.
Isto é relevante porque nos permite apreender o sentido do normativo em questão.
Assim é claro que, se a conduta de prestador da atividade pode desembocar na desativação da conta, mesmo que tenha sido mediada pela resolução do contrato (como pretende a ré), cabe concluir que se verifica o disposto nesta alínea.”
No caso em apreço, provou-se que a Ré pode excluir os estafetas de futuras atividades na plataforma através da desativação da conta, podendo, temporariamente, restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta aquando da sua vinculação, designadamente se permitir a utilização da conta por terceiros sem prévia comunicação, ou for apresentada queixa contra o mesmo por motivos de fraude, sendo que, apenas procede à desativação da conta em casos que assumem gravidade, nomeadamente quando se verificam situações de violação de lei ou de fraude (entendida como violação dos Termos e Condições, do modo a garantir uma plataforma idónea e segura para todos os utilizadores).
Conforme se prevê nos Termos e Condições de Utilização da Plataforma Y para Estafetas “Sem prejuízo de quaisquer medidas adicionais que possam ser adotadas, uma Conta Estafeta pode ser temporária ou permanentemente desativada se: a. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da Y. b. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da Y. c. Participar em atos ou conduta violentos. d. Violar os seus direitos na aplicação da Y, causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais). e. Na prevenção de ações fraudulentas, se a identidade do Utilizador da Plataforma e/ou dos seus substitutos ou subcontratantes não puder ser verificada e/ou qualquer informação prestada por si e/ou os seus substitutos ou subcontratantes estiver incorreta. f. A fim de prevenir a segurança de todos os Utilizadores da Plataforma em caso de violação da Política de Mercadorias (…)”.
Daqui decorre que a Ré tem, efetivamente, a faculdade de excluir o prestador de atividade de futuras atividades na plataforma, através da desativação da conta, nas situações previstas no ponto 5.2 dos termos e condições, o que é suficiente para se considerar preenchida a característica presuntiva referida.”
Concorda-se com o decidido.
Ressalta dos termos de utilização que a ré dispõe efetivamente de uma vasta gama de poderes, e possibilidades de desativar o estafeta, muitas delas além do que é aceitável numa mera relação de intermediação entre um prestador e um cliente deste, tendo em conta até os termos latos destas previsões, assim por exemplo, “violar a lei”, “outras políticas da Y”; “Participar em atos ou conduta violentos”.
Ainda com interesse refira-se o que consta das condições de utilização no ponto 5.4:
5.4 Segurança dos Serviços e da Plataforma da Y
5.4.1 Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A Y pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes.
5.4.2 A Y pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A Y reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições.
5.4.3 A Y pode adotar essa ação sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desativação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da Y e não há qualquer obrigação de eliminar ou desativar o acesso em relação a Estafetas específicos.
O que resulta patente das previsões contratuais, sendo que se trata de contrato de adesão, é que a ré dispõe de amplos poderes de tutela sobre o estafeta, quanto a variadas regras e exigências elencadas no contrato, podendo vedar-lhe o acesso à plataforma. Como se refere no Ac. RG de 3-10-2024, processo nº 2838/23...., “tal corresponde a um amplo poder de tutela que não se compagina com uma relação de trabalho autónomo, quer pela amplitude de razões que levam a “sanções” (utilizando-se clausulas abertas … )”.
O que tudo aponta no sentido do preenchimento da alínea.
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Al. f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
Meios de trabalho:
Relativamente aos meios de trabalho decorre da factualidade que a estafeta utiliza telemóvel próprio para aceder à App, viatura e mochila própria, nada sendo fornecido pela ré, a não ser o que resulta da utilização da plataforma. Coloca-se a questão de saber se a aplicação informática disponibilizada constitui instrumento de trabalho.
A recorrida sustentou que a dita aplicação não é instrumento de trabalho, tal como a decisão de primeira instância.
Referimos sobre esta questão no Ac. 2824/23.1T8VRL.G1, de 31-10-2024:
“A questão deve ser colocada à luz da nova realidade. Sendo o telemóvel instrumento de trabalho, como refere a recorrida, tal não significa que a aplicação o não possa ser. Desta depende o “acesso” ao serviço solicitado pelo cliente e ao fornecedor (inscritos na plataforma), ao preço, e dela depende a aceitação ou não do mesmo. Nessa medida pode ser considerado instrumento de trabalho, pois que o trabalho não é executável sem essa utilização – maximé, a necessidade de permitir a geolocalização para receber propostas de serviço, a utilização dessa geolocalização, ainda que o estafeta possa depois proceder ao desligamento, para o cliente e o fornecedor poderem acompanhar a execução do mesmo -.
A aplicação, implica o software, enquanto conjunto de dados usado pelo telemóvel, interagindo em linha com software da ré, ocorrendo uma mediação algorítmica na gestão do trabalho do estafeta (gerenciarão algorítmica a partir de determinados “dados”) – receção do pedido, fornecedor, localização de estafeta e oferta, e sequentes atos - tratamento previsto quanto aos dados relativos a avaliação e faturação -.
O “trabalho” é mediado pelos algoritmos, com “implementação automatizada de normas e mecanismos que conformam as práticas de trabalho”, “Plataformização e trabalho algorítmico: contribuições dos Estudos de Plataforma para o fenômeno da uberização”, Fernanda da Costa Portugal Duarte e Ana Guerra, file:///C:/Users/mj01182.JUSTICA/Downloads/hmartins,+EPTIC_2020-02_
Plataformiza%C3%A7%C3%A3o.pdf..
Assim, a aplicação descarregada no telemóvel, no quadro deste tipo de trabalho surgido da “revolução digital”, constitui instrumento de trabalho.
Já a plataforma propriamente dita (entendido como sistema online que possibilita interações, transações e partilha de informações entre usuários, - software e recursos algorítmicos utilizados pela ré para a gestão do trabalho), não constitui instrumento de trabalho, mas antes parte de uma “estrutura organizada”, da qual recebe a “ordem” para efetuar determinado serviço – no caso uma entrega -… A relevância da aplicação, na execução do “trabalho, “sem a qual não” pode o mesmo ser executado, é elemento a ponderar no sentido da laboralidade. Já a posse pelo estafeta dos restantes elementos aponta no sentido contrário.”
No quadro desta nova realidade, e podendo o “trabalho” ser prestado quer por relação laboral quer por prestação de serviços, e sendo que quer num quer noutro será necessário o meio para aceder às “ofertas “de serviço, a consideração deste meio, nos termos acima definidos, como instrumento de trabalho disponibilizado pela ré, deve ser ponderada em contraponto com a propriedade dos restantes elementos por parte do “trabalhador”. Podendo ser indicio a considerar na apreciação de todos os factos apurados, não basta, contudo, para se considerar preenchida a característica da al. f) do artigo 12-A do CT.
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Em face do exposto, resultam provados índices suficientes para se presumir nos termos do artigo 12-A do CT a existência de uma relação laboral.
Importa agora ver se a ré logrou ilidir esta presunção, tendo em atenção as considerações a propósito tecidas acima.
Tendo em conta a factualidade provada afigura-se-nos que no caso presente a ilisão da presunção.
Estamos face a um caso com particularidades próprias, que apontam no sentido se tratar de uma mera prestação de serviços. O trabalhador faz entregas como um extra à sua atividade normal, como mero complemento dos seus réditos, sem dependência económica da ré, resultando dos valores auferidos um acesso não relevante à plataforma, durante cada um dos anos.
Logo de início o seu comportamento demonstra uma efetiva autonomia. Assim, tendo-se registado em julho de 2023 (facto 52), e até novembro, não se ligou à aplicação entre 8.9.23 e 30.9.23 e depois entre 5.11.23 e 25.11.23 (facto 55). No ano de 2023 declarou rendimentos da categoria B de apenas € 704,82, sendo que trabalhava como dependente para uma empresa, tendo auferido nesse ano, conforme declaração para efeitos de IRS o valor de € 15.318,08, que aponta no sentido de um trabalho a tempo inteiro.
Em 2024 debitou serviços à Ré no valor de € 2.966,26 e ao adquirente com o NIF ...22, correspondente à “EMP03...”, no valor de € 1.051,31. Não constando embora da factualidade qual o tempo diário e semanal em que o trabalhador exercia como estafeta, pode retirar-se dos valores percebidos quer para a recorrente quer para a EMP03..., que se trata de prestação não significativa – o mesmo referiu uma a duas horas por dia - o que o facto de trabalhar como dependente confirma.
Por outro, não sendo embora critério que por si obstasse à existência de uma relação de natureza laboral, sempre é atendível como critério no sentido da sua inexistência, no quadro global de circunstâncias, o facto de igualmente prestar serviço a outras plataformas – no caso a EMP03..., concorrente da ré. Refira-se ainda que entre julho de 2023 e novembro de 2023, período que não se mostra longo, vejam-se os tempos em que nem se ligou à aplicação, rejeitou 8 entregas, depois de as ter aceite.
Estas circunstâncias demonstram que o trabalhador exercer a sua atividade com efetiva autonomia, ligando-se apenas quando entende, eventualmente para completar os rendimentos que aufere como trabalhador por conta de outrem, numa fábrica, de tal forma que pode dizer-se que não só ele não se considera dependente nem integrado na estrutura produtiva da ré; como esta, enquanto organização produtiva, não pode contar com o concreto trabalhador como elemento que forneça uma ”disponibilidade” com que possa contar para a gestão algorítmica da mão de obra disponível, que lhe permite desenvolver o seu negócio.
Entendemos assim encontrar-se no concreto caso ilidida a presunção de laboralidade, procedendo a apelação.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, absolvendo-se a ré do pedido.