LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
HERANÇA INDIVISA
EXERCÍCIO DE DIREITO
LEGITIMIDADE PASSIVA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CONVITE AO SUPRIMENTO
Sumário


I – Apenas a herança jacente goza de personalidade judiciária. Após a aceitação e até à partilha, os direitos relativos à herança indivisa, ressalvadas as excepções previstas na lei, devem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos do artigo 2091º, n.º 1 do Código Civil.
II – Em nome do princípio da prevalência da substância sobre a forma, estruturante do modelo processual civil em vigor, deve proceder-se a uma interpretação correctiva das fórmulas a esse respeito concretamente utilizadas, desde que se mostre assegurada a intervenção na lide de todos os herdeiros, nessa qualidade.
III – Ocorrendo excepção dilatória susceptível de sanação, o tribunal tem o poder/dever de convidar a parte a diligenciar pelo seu suprimento, de harmonia com o disposto, conjugadamente, nos artigos 6º, n.º 2, e 595º, n.º 2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil. Não o fazendo, omite um acto que a lei prescreve e que, por influir no exame ou decisão da causa, produz nulidade processual, nos termos do artigo 195º, n.º 1 do mesmo diploma legal. Essa nulidade pode ser arguida no recurso interposto da decisão que, omitido o convite, julgou procedente a excepção.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:         
 
“EMP01..., Lda”, AA, BB, CC e DD, os quatro últimos na qualidade de herdeiros e legais representantes da herança aberta por óbito de EE, intentaram a presente acção, perante o Juízo Central Cível de Vila Real, contra a herança aberta por óbito de FF e os respectivos herdeiros, pedindo que estes sejam condenados a pagarem-lhes a quantia de €71.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência da gestão dolosa ou com negligência grosseira da Autora Sociedade por parte do falecido FF durante o período em que foi o seu único gerente, bem como a restituírem à mesma Autora a quantia de €26.899,41, emergente de um empréstimo concedido ao dito FF, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal.
Devidamente citados, os Réus contestaram, arguindo a ineptidão da petição inicial, por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir quanto aos pedidos formulados pelos 2º a 5º Autores, excepcionando a ilegitimidade destes, bem como a prescrição dos direitos que eles e a 1ª Autora se arrogam, impugnando a factualidade alegada no petitório e pugnando pela condenação de todos os Autores, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, esta de montante não inferior a €5.500,00.
Notificados, os AA responderam, sustentando, como questão prévia, que, apesar de anunciada no proémio da contestação, não foi deduzida qualquer reconvenção, o que deve ser declarado pelo Tribunal, e impugnando a litigância de má-fé que lhes é imputada.
Correspondendo ao convite que lhes foi dirigido pelo tribunal, os Autores apresentaram petição inicial aperfeiçoada, explicitando o teor do respectivo artigo 21º, relativamente à qual os Réus exerceram o competente contraditório, impugnando a nova redação daquele artigo e dando por reproduzido o demais alegado na contestação oportunamente oferecida.
Por despacho proferido em 16 de Abril de 2024, a Senhora Juiz titular do lugar de provimento do Juiz ... do Juízo Central Cível de Vila Real declarou-se incompetente, em razão da matéria, para preparar e julgar a acção, absolvendo os Réus da instância, muito embora posteriormente, a requerimento dos Autores, tivesse ordenado a remessa dos autos para o Juízo do Comércio da mesma comarca, nos termos do artigo 99º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Já neste último Juízo, a Senhora Juiz a quo, no dia 27 de Maio de 2024, proferiu o seguinte despacho:
Atendendo às posições assumidas nos articulados e à natureza da questão decidenda, afigura-se-me que poderá ser eventualmente dispensada a realização da audiência prévia (em consonância com o preceituado no artigo 593.º, n.º 1, do C.P.C.), prosseguindo nesse caso os autos com a prolação do despacho previsto no artigo 595.º n.º 1 al. b) do C.P.C., reunindo o processo já os elementos necessários para a sua cabal apreciação, podendo as partes alegar, no prazo legal, o que tiverem por conveniente quanto ao mérito da causa.
Assim sendo, determina-se (ao abrigo do preceituado nos artigos 3.º, n.º 3 e 547.º do C.P.C.) que se proceda à notificação das partes, para, no prazo de 10 (dez) dias, virem aos autos expressamente dizer se se opõem a que seja proferida decisão sem haver lugar à realização da audiência prévia”.
Notificados, os Autores e os Réus declararam nada terem a opor à dispensa da audiência prévia e os primeiros alegaram ainda por escrito tendo em vista o conhecimento antecipado do mérito da causa.
Na sequência desses requerimentos, a Senhora Juiz a quo, no dia 26 de Junho de 2024, proferiu despacho saneador-sentença, cujo teor se transcreve:
“(…)
 Fixo à acção o valor de €97.899,41 (art.s 296º, 303º e 306º, todos do C.P.C.).

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Os autos vieram remetidos para este Juízo do Comércio, em virtude do Juizo (J...) Central Cível deste Tribunal se ter julgado materialmente incompetente para conhecer da presente ação, por entender estar em causa o exercício de direitos sociais e ser competente para dela conhecer este Tribunal, tendo nessa sequência sido solicitado pelas partes a remessa do processo a este Juízo.
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I – A. EMP01..., Lda. e os herdeiros, legais representantes da herança aberta por óbito de EE, ids. nos autos, intentaram a apresente ação declarativa contra a herança aberta por óbito de FF e os herdeiros, ids. nos autos,
Pedindo a condenação dos RR.:
a) a pagar à A. a quantia de €26.899,41, nos termos e para os efeitos do peticionado no art. 25º da petição, acrescida dos juros de mora;
b) a pagar a quantia de € 71.000,00 pelos prejuízos causados pela gestão dolosa ou pelo menos com grosseira negligência do então gerente FF aos AA., conforme descrito nos arts. 35º a 44º da petição.
Alegam, para tanto, e em síntese que a A. é uma sociedade por quotas constituída pelos sócios EE e FF, ambos sócios e gerentes já falecidos, cujas quotas foram transmitidas em comum e sem determinação de parte aos seus herdeiros aqui AA. e RR., que tem um débito contabilístico no valor de € 75.927,87, estando a dívida da responsabilidade do ex-sócio e gerente FF por liquidar, no valor de € 26.899,41 e que durante a sua gerência, já que foi o último a falecer, deixou caducar o alvará, por falta de documentos para a sua renovação, sendo este obrigatório para o exercício da actividade principal da sociedade A., lesando os interesses da sociedade, o que levou à extinção dessa actividade, de onde resultaram perdas no valor de € 71.000,00.
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Nos termos do disposto no art. 593º nº1 do Código de Processo Civil e tendo as partes dado a sua anuência à não realização da audiência prévia, dispenso a realização da mesma e, porque os autos contêm já todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa, nos termos do disposto no art. 595º nº1, al. b) do Código de Processo Civil passo a conhecer do pedido deduzido.
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Consideramos, com efeito e relevo para o caso, o seguinte:
1. A sociedade A. EMP01..., Lda., é uma sociedade por quotas, com sede em ..., que tem por objecto o comércio de compra e venda de armas, munições, artigos de cutelaria, ferrajaria, adubos, sulfatos, enxofres e qualquer outro ramo em que a sociedade acorde e seja legal
2. A sociedade tem o capital social de € 50.000,00, dividido, aquando da sua constituição pelos sócios EE, titular de uma quota no valor de € 30.000,00 e FF, titular de uma quota de € 20.000,00.
3. Em 19.02.2023 foi registada a cessação de funções dos sócios referidos em 2 e designados novos gerentes CC e DD, na mesma data.
4. Em 03.02.2011, foi averbada a transmissão da quota do sócio EE, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos autores pessoas singulares.
5. A sociedade tem registada a prestação de contas reportada aos vários anos de exercício social, a última das quais referente ao ano de 2021.
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II – Em face do alegado pelas partes, cumpre desde logo apreciar da excepção da ilegitimidade invocada pelos RR..
A sociedade comercial é um sujeito de direito comercial e deve ser entendida como um ente jurídico que, tendo um substracto essencialmente patrimonial (e sendo composto por uma ou mais pessoas jurídicas), exerce com carácter de estabilidade uma actividade económica lucrativa que se traduz na prática de actos de comércio (maxime contratos comerciais).
As sociedades por quotas são sociedades de responsabilidade limitada, o que significa que só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade. A responsabilidade dos sócios é um dos aspectos fundamentais apresentado na própria lei como característica da sociedade por quotas, sendo a responsabilidade solidária dos sócios pelas entradas a única em que os sócios incorrem.
Quer isto dizer que os sócios não respondem pelas dívidas sociais (art. 197º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, doravante designado CSC), apenas pelas entradas próprias e subsidiária e solidariamente pelas quotas dos outros sócios.
Neste tipo societário cada sócio responde, assim, pela sua entrada, mas solidariamente com os restantes sócios e até ao montante do capital social subscrito, excepto se os sócios garantirem expressamente que se responsabilizam pelas mesmas até determinado montante (art. 198º n.º 1 do CSC).
O citado artigo consigna, pois, o princípio da limitação da responsabilidade dos sócios em sociedades de responsabilidade limitada.
Diferente do caso da sociedade se encontrar na fase de liquidação em que incumbe, na verdade, aos liquidatários determinados deveres, explicitando o nº 1 do artigo 154º do CSC, sob a epígrafe “liquidação do passivo social” que: Os liquidatários devem pagar todas as dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social ou estando a sociedade insolvente, caso em que a legitimidade para a representar caberia em exclusivo ao administrador da insolvência.
Ora, não estando a sociedade A. em fase de liquidação ou com processo de insolvência, não há qualquer justificação para serem demandados os herdeiros do ex-sócio da mesma, para responderem por dívidas daquele.
Note-se que só seria de responsabilizar um antigo sócio de uma sociedade de responsabilidade limitada, se o mesmo tivesse recebido bens em consequência da sua dissolução e liquidação, já não podendo ser responsabilizado por dívidas para as quais não foi suficiente o activo social.
Do exposto resulta clara a separação de patrimónios e obrigações da sociedade e da pessoa dos seus sócios, sendo aliás essa a razão pelas quais se constituem as sociedades comerciais que se não confundem com a situação patrimonial dos sócios.
Não pode, desde logo, a sociedade pedir aos herdeiros de um ex-sócio ou sequer ao próprio para pagar dívidas da mesma, por não serem dívidas dos sócios mas da sociedade.
E, mesmo que tais dívidas hajam sido pagas por acto voluntário de outro antigo sócio, não goza este do direito de regresso contra o outro sócio, por inexistência de qualquer obrigação solidária que o justifique, quanto mais os seus herdeiros.
Não podemos confundir, como resulta dos articulados, dívidas da sociedade com dívidas dos sócios, são coisas distintas, as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (art. 5º do CSC), sendo estas entes colectivos e distintos das pessoas que as integram.
Para sustentar a demanda da herança do ex-sócio FF e respectivos herdeiros, os AA. alegam a existência de uma dívida da sociedade da qual aquele seria responsável na proporção da sua quota, como vimos e salvo clausulado expresso em sentido diverso (art. 198º do CSC), nem o sócio responde pelas dívidas da sociedade, dada a separação de patrimónios, só o activo social pode ser afecto a tal passivo em fase de liquidação ou de insolvência, que se não verifica no caso em apreço e por maioria de razão, nem os herdeiros do sócio ou ex-sócio podem ser responsabilizados pelas mesmas.
Estando a presente lide delimitada pela alegação dos AA. e não respondendo os réus pelas dívidas da sociedade A., tendo em conta a alegação factual que sustenta a formulação do primeiro pedido, ainda que provada a totalidade da mesma – no tocante à eventual responsabilidade (contratual) dos réus – s.m.o., sempre teria que improceder a presente demanda.
O que está em causa nos presentes autos, efectivamente é a existência de uma dívida da sociedade e não dos sócios ou ex-sócios, cujos patrimónios não se confundem com o da sociedade.
Tudo visto, não se está perante um caso de legitimidade processual, mas sim substancial, pelo que nada mais resta do que absolver os réus do primeiro pedido formulado.
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Passando ao segundo pedido formulado: a responsabilidade dos réus pelos prejuízos causados pela má gestão do ex-sócio FF para com os autores:
No seguimento do que já se deixou consignado na apreciação do primeiro pedido formulado, os herdeiros autores não são titulares do direito que se arrogam, quanto a muito a sociedade e por isso são eles parte ilegítima também quanto a este pedido, porquanto caberia à sociedade e nunca aos herdeiros de um ex-sócio - note-se que nem é a herança que demanda são os herdeiros directamente -, propor ação de responsabilidade (art. 75º do CSC).
No que se refere à exceção de ilegitimidade cumpre referir que a legitimidade das partes constitui um pressuposto processual que, contrariamente ao que sucede com a personalidade ou capacidade judiciárias, não diz respeito a uma sua qualidade, representando antes uma posição da parte em relação ao processo em concreto e que justifica poder aquela ocupar-se do objeto do processo.
Dispõe o artigo 30º n.º 1 do Código de Processo Civil que “O autor é parte legítima quando tem um interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem um interesse direto em contradizer.”, exprimindo-se o interesse do réu pelo prejuízo que lhe advenha da procedência da ação – cf. artigo 30º n.º 2 do Código de Processo Civil.
No que concerne ao critério de aferição da titularidade do interesse relevante, são considerados seus titulares, para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida como é configurada pelo autor – artigo 30º n.º 3 do Código de Processo Civil.
Da análise da petição inicial resulta que os autores singulares, na qualidade de herdeiros, carecem de legitimidade para demandarem os réus, pela prática de actos praticados pelo ex-sócio e gerente da sociedade, alegadamente lesivos dos interesses desta, quando pretendem a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização.
Não sendo eles os titulares da relação material controvertida tal como resulta do art. 75º do CSC, antes incumbindo à sociedade e só a esta propor ação de responsabilidade para o exercício do direito de indemnização por actos lesivos do interesse social, são partes ilegítimas processualmente falando, como se afere pelo artigo 30º do Código de Processo Civil, estando em causa um pressuposto processual que, acima de tudo, visa assegurar a presença em juízo das pessoas a quem respeitam os factos que servem de fundamento à ação – neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, in BMJ, nº 292, pág. 102, o que não sucede, como vimos, quanto aos autores singulares.
Também os réus singulares, na qualidade de herdeiros, não podem ser demandados, porque substantivamente nunca poderiam responder perante a sociedade, quanto muito a herança, podendo até aqueles renunciar a esta, tal qual deixamos explanado na apreciação do primeiro pedido formulado, não se pode confundir a actuação de um sócio com a pessoa dos seus herdeiros, cujo património individual não pode ser afectado/responsabilizado pela gestão da administração do sócio, do qual são herdeiros.
Nestes termos, conclui-se que os autores singulares não têm legitimidade processual para proporem a presente acção, nem os réus singulares poderiam responder nos termos em que são demandados, por ilegitimidade substantiva.
Ademais, e no que à sociedade autora respeita, importa anotar a necessidade de deliberação dos sócios da Autora para que esta pudesse demandar a herança do ex-sócio e bem assim a consequência da falta dessa deliberação.
Com efeito, a propositura de acções, pela sociedade contra sócios, gerentes ou membros do órgão de fiscalização, depende de deliberação dos sócios, reunidos em assembleia geral, nos termos do disposto no art. 246º, n.º 1, alínea g) do CSC. A falta dela é susceptível de configurar uma excepção dilatória (falta de deliberação social), nos termos dos artigos 576º, n.º 2 e 577º, alínea d), do CPC, a implicar a absolvição da instância.
Em causa está a indagação da existência de uma condição da acção, nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno (Bueno, 2009, p. 366) são “as condições mínimas para que alguém possa provocar a função jurisdicional.”, aferida pelo exame da petição inicia (sujeitos, pedido e causa de pedir), como pressuposto processual, que não se prende com o mérito do pedido formulado na acção.
Como se afere da alegação dos autores, a sua pretensão indemnizatória funda-se na administração feita pelo ex-gerente FF na sociedade autora, consubstanciada num exercício danoso e lesivo dos interesses sociais. Está, assim, em causa uma acção de responsabilidade proposta também pela sociedade autora contra a herança aberta por óbito de FF, ex-sócio e gerente.
Resulta do Código das Sociedades Comerciais que sobre os respectivos gerentes e administradores recaem deveres legais e contratuais, tendo como fonte o contrato social ou as deliberações da assembleia-geral e de outros órgãos sociais - deveres que existem para com a sociedade, sócios e terceiros (credores, trabalhadores, administração fiscal, etc.).
Alguns desses deveres para com a pessoa colectiva, como os deveres de diligência (Brito Correia, in “Os Administradores das Sociedades Anónimas”) situam-se no âmbito das relações internas. Por outro lado, como órgãos da pessoa colectiva, os gerentes praticam actos jurídicos com terceiros e em sua representação. Os artigos 408.º e 409.º do CSC estabelecem um regime no qual os terceiros sabem que, ao contratar com os administradores, estão a contratar com a sociedade. E os poderes de representação não se confinam aqui aos actos de administração ordinária, gozando duma maior autonomia (Brito Correia, ob. cit., págs. 546 e 551).
É discutível a natureza da relação do administrador com a sociedade, havendo a tese contratualista (Teresa Vaz, R.O.A. n.º 128, p. 333 e Lobo Xavier, Anulação da Deliberação Social e Deliberações Conexas, p. 102, nota 7 e Ac. STJ de 19.11.1987, BMJ n.º 371, pág. 473) e quem considere o conselho de administração como um membro dum órgão da sociedade ligados a ela por um contrato de emprego de direito comum e não de mandato (Soveral Martins, Os Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anónimas, pág. 59).
Tem sido entendido por boa parte da doutrina e jurisprudência que a teoria que melhor traduz a relação dos gerentes/administradores com a sociedade é a contratualista, agindo os gerentes/administradores nas relações externas como mandatários da representada, sem prejuízo de a administração funcionar como órgão da sociedade na deliberação e gestão dos actos a praticar.
O dever de administrar configura-se como o primeiro dos deveres, que decorre naturalmente do cargo para que se foi eleito ou nomeado – dever que se coloca num plano lógico antecedente, distinto dos outros deveres do administrador (Soares Machado, “Recusa de Assinatura do Relatório Anual das Sociedades Anónimas”, ROA n.º 54, pág. 948), ou, então, ao nível de outros deveres específicos (Ilídio Duarte Rodrigues, A Administração das Sociedades Por Quotas e Anónimas, Lisboa, Petrony, 1990, pág. 173).
Entre os outros deveres dos gerentes ou administradores se contam os deveres de cuidado, lealdade e diligência previstos no art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais.
Trata-se, em suma, «do interesse colectivo ou comum dos sócios, quer no interesse dos sócios como sócios, quer o resultado da solidariedade de quaisquer interesses individuais dos sócios» – Raúl Ventura e Brito Correia, “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas, Suplemento aos BMJ n.ºs 192.º a 195.º, p. 101.
Do artigo 64.º do CSC resulta que o mandato concedido aos gerentes ou administradores tem como fim primeiro a representação da sociedade (“no interesse da sociedade”) e como referência o interesse dos sócios e dos trabalhadores. Ou seja: o fim social e comum da sociedade. Não se trata dum dever para com os sócios ou trabalhadores, autonomizado, mas para com a sociedade como mandante.
O que está em causa neste artigo é o cumprimento do dever de actuar perante a sociedade e no seu interesse, com os reflexos (“tendo em conta”) que daí resultam para os sócios e os trabalhadores.
Entendemos, pois, que esta norma visa salvaguardar o bom funcionamento da sociedade e não defender os sócios contra actos ilegais que especificamente e de forma individualizada os atinjam. A relação nela contemplada não visa salvaguardar o interesse individual do sócio perante a sociedade, mas o dever do administrador para com a sociedade e a defesa do interesse social que a sua função determina.
Para efectivar essa responsabilidade, existem vários tipos de acções sociais (António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 3.ª ed., pp. 169 e segs.), entre as quais a acção social ut universi: proposta pela própria sociedade, sendo o procedimento natural para obter o ressarcimento dos danos causados à sociedade, verificados os pressupostos da responsabilidade civil dos administradores (art.º 75.º do CSC), depende de deliberação prévia dos sócios tomada por simples maioria em assembleia geral e tem de ser proposta no prazo de seis meses a contar da deliberação ou, no caso de acção de responsabilidade proposta por sociedade contra sócio, gerente, etc., por exercício ilícito, por conta própria ou alheia, de actividade concorrente com a da sociedade, no prazo de 90 dias contados do conhecimento pelos sócios da actividade exercida pelo sócio, gerente, etc., prevaricador (art.º 254º, n.ºs 5 e 6, do CSC.
Revertendo ao caso sub judice, logo se concluiu, pelo exame da petição inicial (sujeitos, pedido e causa de pedir) que estamos confrontados com uma acção social uti universi proposta pela própria sociedade contra também a herança do ex-sócio.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 75º, n.º 1 e 246º, n.º 1, alínea g), do CSC, a acção (uti universi) de responsabilidade proposta pela sociedade contra a herança de um ex-sócio depende de deliberação, tomada por maioria simples, e deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da referida deliberação.
Proposta acção de responsabilidade pela sociedade Autora contra a herança de um ex-sócio, sem que a proposição da acção tivesse sido deliberada pelos sócios e não sendo a falta de deliberação dos sócios suprida, atenta in casu a acumulação dos apontados vícios que enfermam a presente demanda - que no conjunto dos pedidos formulados tornam inútil tal suprimento, considerando a manifesta improcedência da pretensão dos autores e a ilegitimidade dos intervenientes para os termos em que é formulado o petitório -, tem-se por verificada mais uma excepção que obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da instância, nos termos dos artigo 576º n.ºs 1 e 2 e 577º, n.º 1, alínea d) [falta de deliberação social], do CPC.
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Concluindo, entende-se que o pedido (primeiro) formulado é manifestamente improcedente, além da verificadas as excepções de ilegitimidade de ambas as partes e da falta de condição para o prosseguimento da acção, que conduzirão à improcedência integral da acção.
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Por sua vez, os RR. requerem em reconvenção a condenação dos AA. como litigantes de má fé, o que a nosso ver não configura uma verdadeira reconvenção por se traduzir esta numa contra-acção com contornos distintos do pedido de condenação das partes nos moldes peticionados, a que acresce a circunstância de se considerar como se considerou partes ilegítimas nesta acção.

O art. 266º nº 2 do Cód. de Proc. Civil estabelece os casos em que a reconvenção é admissível, sendo o pedido de litigância um pedido autónomo em relação à causa principal, estando o conhecimento do mesmo dependente do conhecimento do pedido deduzido pelos AA., o qual tendo soçobrado nos autos e atento o estado dos mesmos, impede que se conclua por uma actuação processual torpe das partes, de alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes, comportando um tipo de ilícito quer doloso, quer negligente.
Ora, do exame dos autos não podemos concluir de todo no sentido pretendido, pois nem deles se evidencia ocultação dolosa, ou negligentemente grave, de factualidade relevante para a decisão da causa e menos ainda que as mesmas tenham feito do processo um uso reprovável com o intuito de entorpecer a acção da justiça e prejudicar os RR..
*
III – Por todo o exposto, julga-se improcedente a acção:

a) Por manifesta improcedência, quanto ao primeiro pedido;
b) Por verificação da excepção da ilegitimidade do lado activo e do lado passivo e por verificação da excepção de falta de condição da acção, quanto ao segundo pedido, relativamente ao qual se absolvem os réus da instância.
Custas a cargo da autora – artigo 527º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
(…)”

Inconformados, os Autores interpuseram recurso, arguindo, além, do mais, a nulidade processual, sancionada pelo despacho saneador, decorrente da violação do princípio do contraditório.
Por decisão singular do relator, foi anulado o despacho saneador recorrido e determinado que se designasse data para a realização de audiência prévia.
Cumprido o superiormente determinado, a Senhora Juiz a quo renovou, nos seus precisos termos, a decisão inicialmente proferida.

Novamente irresignados, os Autores interpuseram o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:
1- Os autores, na presente ação declarativa peticionaram a condenação dos réus no pagamento da quantia de €26.899,41, (artigo 25º da petição inicial, concretizado nos termos do artigo 21º da petição inicial aperfeiçoada), acrescida dos legais juros de mora e ainda no pagamento da quantia de €71.000,00, pelos prejuízos causados pela gestão dolosa ou pelo menos com grosseira negligência do então gerente FF à sociedade Autora (artigos 35º a 44º da p.i.).
2- Os Réus apresentaram contestação, impugnando parcialmente a matéria alegada pelos Autores e invocando as exceções dilatórias da ineptidão da petição inicial, da ilegitimidade ativa (processual) dos 2.º a 5.º Autores, bem como a exceção perentória da prescrição relativamente a ambos os pedidos.
3- A Meritíssima Senhora Juiz “a quo” findos os articulados, proferiu despacho saneador-sentença, decidindo absolver os Réus do primeiro pedido com fundamento na verificação da exceção perentória da ilegitimidade substantiva, e ainda absolver os Réus da Instância no segundo pedido, por verificação da exceção da ilegitimidade do lado ativo e do lado passivo e por verificação da exceção da falta de condição da ação.
4- Despacho esse que foi objeto de recurso, pelos ora aqui recorrentes, tendo o Tribunal da Relação decidido anular o despacho saneador sentença recorrido e ordenou que fosse designada data para a realização de audiência prévia;
5- Em cumprimento dessa DECISÃO o tribunal a quo realizou a audiência prévia, na qual foi observado o princípio do contraditório, tendo os autores se pronunciado sobre as exceções arguindo que as mesmas fossem consideradas improcedentes por não provadas e os réus em relação às mesmas reiteraram o sentido da sentença anteriormente proferida, reproduzindo as contraalegações juntas nos autos (vide pf Ata da Audiência Prévia).
6- A Meritíssima Juiz a quo, após a realização da audiência prévia proferiu decisão, mantendo na integra a decisão proferida no despacho saneador sentença que foi objeto de recurso.
7- São três as exceções que se suscitam no presente recurso, a saber:
(i) Da exceção perentória da ilegitimidade substantiva dos Réus quanto ao primeiro pedido, que ditou a absolvição daqueles do pedido
(ii) Da exceção dilatória da ilegitimidade processual ativa da sociedade Autora quanto ao segundo pedido;
(iii) Da exceção dilatória da falta de condição da ação por “falta de deliberação social”.
8- Em momento algum os Réus invocaram a exceção perentória da ilegitimidade substantiva passiva (nomeadamente quanto ao primeiro pedido) nem a exceção dilatória da ilegitimidade processual ativa da sociedade Autora quanto a qualquer dos pedidos.
9- No que respeita à exceção dilatória da falta de condição da ação por “falta de deliberação social” – questão controvertida na jurisprudência nos casos de sociedade comercial por quotas com, apenas, dois sócios –, suscetível de sanação, que os Autores nunca foram convidados a saná-la por via da junção aos autos da deliberação em falta e/ou mediante a fixação de prazo razoável para a sua concretização e subsequente junção.
10- Os Autores, intentaram a presente ação declarativa contra a herança aberta por óbito de FF, pedindo, além do mais, a condenação destes no pagamento, à sociedade Autora, da quantia de €26.899,41.
11- Os autores sustentam o pedido no facto do falecido sócio FF ser devedor à sociedade Autora da quantia de €31.971,15 que, porque parcialmente amortizada, se cifrava, à data da instauração da presente ação, em €26.899,41.
12- Da conjugação da alegação dos factos constante nos artigos 20º a 25º da petição inicial e no artigo 21º da petição inicial aperfeiçoada – apresentada na sequência do despacho de aperfeiçoamento datado de 11.01.2024 – resulta que o valor peticionado corresponde à quota parte da responsabilidade do falecido sócio FF para com a sociedade Autora, porquanto, ambos os sócios retiraram, a título de empréstimo, quantias da conta da sociedade Autora, com intenção de as devolver.
13- A dívida em causa, resulta de um empréstimo feito pela sociedade Autora aos sócios, sendo assim, uma dívida destes para com aquela, conforme balancete de 2006, junto como Documento nº4 da petição inicial, não constituindo qualquer dívida de terceiro/s relativamente à sociedade Autora ou desta para com terceiros.
14- Interpretação que a Meritíssima Senhora Juiz do Juízo Central Cível de Vila Real fez no despacho que conheceu da exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, daquele juízo (cf. despacho de 16.04.2024). Pode ler-se, na página 7 de tal despacho, o seguinte: “(…) Com a propositura da presente ação pretendem os autores obter a condenação dos réus, intervindo ambas as partes na qualidade de herdeiros das quotas hereditárias da sociedade «A. EMP01..., Lda.” que também figura como autora no pagamento da quantia de 26.899,41€ referentes a um empréstimo que a sociedade terá feito ao sócio FF (…)” (negrito e sublinhado, nossos).
15- Foi assim que os Autores configuraram, nesta parte, a presente ação, constituindo a respetiva causa de pedir, tendo sido expressamente impugnados pelos Réus os factos alegados (cf. artigo 51.º da contestação), pelo que se mostram controvertidos.
No entanto,
16- A Meritíssima Senhora Juiz a quo entendeu proferir decisão, conhecendo do mérito da ação no que a este pedido concerne, limitando-se a dar por assentes cinco factos, sem que tenha motivado, nesta parte, a sua decisão.
Mais,
17- O tribunal a quo omitiu os seus deveres de indagar a verdade material, olvidando o que se revelava essencial para a boa decisão da causa, e por isso a decisão de que se recorre enferma de manifesta nulidade o que se invoca ao abrigo do disposto no artigo 615º, n°1, alínea b) e d) do C.P.C.
Acresce que,
18- Nos presentes autos, estamos perante uma dívida do sócio falecido FF (aqui representado pelos respetivos herdeiros) para com a sociedade Autora (aqui representada pelos herdeiros do sócio falecido EE) e não qualquer dívida da sociedade Autora perante (ou para com) terceiros.
19- Porém, a Meritíssima Senhora Juiz “a quo”, entendeu a pretexto do conhecimento da exceção dilatória da ilegitimidade (processual) passiva invocada pelos réus, conhecer da exceção da ilegitimidade (substantiva) destes, absolvendo-os do pedido.
20- Sustentando tal decisão na interpretação errada de que estava em causa uma dívida da sociedade Autora perante terceiros.
21- Fê-lo ao arrepio da forma como os próprios autores configuraram a respetiva pretensão, violando o princípio do dispositivo e extravasando os poderes de cognição previstos no artigo 5.º do CPC, na medida em que o juiz, embora não esteja sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, está vinculado, no essencial, à alegação dos factos pelas partes.
22- Fê-lo, ainda, ao arrepio da interpretação que a Meritíssima Senhora Juiz do Juízo Central Cível de Vila Real havia feito nos autos aquando da prolação do despacho que conheceu da exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, daquele juízo (cf. despacho de 16.04.2024, parcialmente transcrito supra).
23- Sem prejuízo da bondade dos argumentos jurídicos expostos na decisão sob recurso, os mesmos nada têm que ver com a situação sub judice, porquanto assentes num pressuposto que, manifestamente, não se verifica.
24- Reitera-se que não está em causa uma dívida da sociedade Autora perante terceiros, mas antes de uma dívida do sócio falecido FF à sociedade Autora, decorrente de empréstimo concedido por esta àquele.
25- A Meritíssima Senhora Juiz “a quo” proferiu sentença, decidindo, quanto ao segundo pedido, absolver os Réus da Instância, por, além do mais, verificação da exceção da falta de condição da ação, pela não junção da deliberação no sentido de ser intentada ação contra os herdeiros do sócio falecido, ou seja, por não ter sido comprovada a existência de deliberação a autorizar a sociedade Autora a intentar a presente ação.
26- No sentido da desnecessidade dessa demonstração, no caso de sociedade constituída por, apenas, dois sócios (no caso, pelos respetivos herdeiros), ver acórdão da Relação de Évora, de 19.01.2012, proferido no processo 76/08.2, relatado por Canelas Brás (in www.dgsi.pt).
27- Em sentido contrário, defendido, aparentemente, pela Meritíssima Senhora Juiz “a quo” – que sustenta a tese de que é necessária prévia deliberação para a propositura de ação judicial contra o sócio no caso de a sociedade só ter dois sócios –, ver acórdão da Relação de Lisboa, de 01.02.2012, proferido no processo 4130/11.5TCLRS-A.L1-2, relatado por Pedro Martins (in www.dgsi.pt), citado no Ac. RG, de 13.01.2022, relatado por Joaquim Boavida, processo 7265/19.2T8GMR.G1 (in www.dgsi.pt).
28- Admitindo-se a hipótese de, como vem defendido no último aresto, ser esta a tese prevalecente, sempre se dirá, como aí vem exposto, o seguinte: A proposição de ação pela sociedade contra sócio depende de deliberação dos sócios, mesmo que a sociedade só tenha dois sócios. A deliberação da assembleia-geral constitui um pressuposto para a sociedade poder litigar contra o sócio, pelo que, deve ser demonstrada com a apresentação da petição inicial. Não estando demonstrada a deliberação exigida por lei, o juiz deve designar o prazo dentro do qual deve ser obtida a deliberação e comprovada no processo. E, só não sendo a falta sanada no prazo fixado, o réu é absolvido da instância, quando a deliberação devesse ser obtida pelo representante do autor.
29- No caso dos autos, para além da Meritíssima Senhora Juiz “a quo” ter conhecido desta questão sem prévia auscultação das partes – como vimos supra –, em momento algum convidou os Autores a suprir a falta, oficiosamente e sem contraditório prévio, verificada.
30- Como atrás já se deixou dito, “é praticamente consensual na doutrina e jurisprudência que, perante uma petição inicial deficiente, se impõe ao Juiz a prolacção de despacho de aperfeiçoamento; não o fazendo, comete uma nulidade que se reflecte na própria sentença e que acarreta a nulidade da mesma”. Neste sentido e a título meramente exemplificativo, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto: de 10/9/2019, Proc. n.º 11226/16.5T8PRT-A.P1; de 30/4/2020, Proc. n.º 639/18.8T8PRD.P1; ou de 15/5/2020, Proc. n.º 4475/16.8T8MAI.P1 ou ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2020, Proc. n.º 656/14.7T8LRS.LL.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt” - cf. Ac. RL, de 14.09.2023, relatado por Vera Antunes, processo 8032/21.9T8LSB.L1-6 (in www.dgsi.pt).
31- Porque assim não decidiu, a Sentença é nula – por omissão de pronúncia, por falta de fundamentação da decisão de facto e por preterição do poder dever de convite ao aperfeiçoamento –, tendo o Tribunal a quo violado o preceituado nos artigos 195º, 5.º, 590.º n.º 2 al. b), e n.º 4, e 615.º n.º 1 alíneas b) e d), todos do C.P.C.
Sem prescindir da arguição das nulidades invocadas,
32- Cumpre afirmar que as partes, atenta a forma como os autores configuraram a presente ação, são processualmente legítimas relativamente a ambos os pedidos.
33- Efetivamente, a sociedade Autora apresenta-se como credora da herança aberta por óbito de FF (já que este, devedor originário, faleceu), representada pelos respetivos herdeiros.
34- Os créditos invocados – da sociedade Autora sobre a herança aberta por óbito de FF – correspondem, por um lado, ao empréstimo concedido por aquela ao falecido FF, parcialmente não pago; e, por outro lado, aos prejuízos causados pela má gestão dolosa ou pelo menos com grosseira negligência do então gerente FF à sociedade Autora.
35- A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada – ver, neste sentido, Ac. RP, de 04.10.2021, relatado por Eugénia Cunha, processo 1910/20.4T8PNF.P1 (in www.dgsi.pt).
36- Resultando dos factos alegados que a sociedade Autora se apresenta como credora da herança aberta por óbito de FF (representada pelos respetivos herdeiros), por força de dívidas do falecido FF àquela sociedade – emergentes de incumprimento de contrato de mútuo, por um lado, e de responsabilidade social, por outro lado –, assiste, inequivocamente, às partes (demandante e demandada) legitimidade processual e substantiva.

Terminam, pedindo que se revogue o despacho saneador-sentença proferido, determinando-se a sua notificação para, em prazo a fixar, juntarem aos autos certidão da deliberação social em falta e que os autos sigam os ulteriores termos que legalmente lhes correspondem.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Senhora Juiz a quo, no despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso, apreciou, desatendendo-as, as nulidades imputadas à decisão recorrida, nos termos do artigo 617º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. OBJECTO DO RECURSO:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que relevam das conclusões recursórias são as seguintes:
- Se a decisão recorrida enferma de nulidade, por falta de fundamentação da decisão de facto e por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, número 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil;
- Se ocorre erro de julgamento relativamente ao primeiro pedido formulado;
- Se, tal como os autores, ora recorrentes, configuraram o segundo pedido formulado, os réus eram partes legítimas[1];
- Se ocorre nulidade processual, por não ter sido promovida, mediante a prolacção do competente despacho de convite ao aperfeiçoamento, a prática do acto de que dependia o preenchimento da condição de prosseguimento da acção que, configurando excepção dilatória inominada, ditou a absolvição dos réus da instância relativamente ao segundo pedido formulado.
*
III. FUNDAMENTOS:

As incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório.
Sustentam os recorrentes que a decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação da decisão de facto e por omissão de pronúncia.
Argumentam, para o efeito, que o tribunal a quo deu como assentes cinco factos, sem motivar, nesta parte, a sua decisão e “omitiu os (…) deveres de indagar a verdade material, olvidando o que se revelava essencial para a boa decisão da causa”.

Dispõe o artigo 615º do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos, por força do artigo 613º, n.º 3 do mesmo diploma legal, no seu n.º 1, alíneas b) e d), que:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”
Como ensinava o Professor Alberto dos Reis[2], depois de sublinhar que “uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas”, “o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
Explicitava ainda que “Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”.
Importa, outrossim, salientar que, como se afirmou no acórdão da Relação do Porto de 04/05/2022, proferido no processo n.º 14614/21.1T8PRT, relatado por João Ramos Lopes e disponível, tal como os demais adiante citados, em www.dgsi.pt, citando José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], “A falta de motivação (…) da decisão da matéria de facto não constitui vício da sentença, susceptível de gerar nulidade, à luz do art. 615º do CPC, sendo antes patologia que pode determinar a aplicabilidade da solução estabelecida no artigo 662º, n.º 2, alínea d), do CPC”.
Por sua vez, continuando a seguir a lição de Alberto dos Reis[4], “a nulidade por omissão de pronúncia está em correspondência directa com o 1º período da 2ª alínea do artigo 660” (equivalente ao artigo 608º, n.º 2, primeira parte, do Código de Processo Civil em vigor), acrescentando que o juiz tem “o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Lembrava ainda que as questões não se confundem com as considerações, argumentos ou razões aduzidos pelas partes.
Assim delimitados os apontados vícios, afigura-se-nos que a decisão recorrida não enferma de nenhum deles.
Desde logo, porque a julgadora da 1ª instância fixou os factos que considerava provados, tendo omitido apenas a sua motivação, patologia que, como se disse, não gera a nulidade da decisão.
Acresce que não está em causa a modificação da decisão da matéria de facto, não impugnada, sendo certo que os factos em causa se mostram plenamente provados por documentos juntos aos autos, pelo que também não se justifica o recurso ao disposto no citado artigo 662º, n.º 2, alínea d), do CPC.
Depois, porque a Senhora Juiz a quo se pronunciou sobre o primeiro pedido formulado pelos autores, ora recorrentes.
Se, porventura, o interpretou erroneamente, é questão que não contende com a validade da decisão, integrando antes erro de julgamento.
Na verdade, como advertia o Professor Antunes Varela[5]  “(…) não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (...)”
Improcedem, por conseguinte, as nulidades arguidas.
Prosseguindo.
Sustentam ainda os recorrentes que ocorre erro de julgamento relativamente ao primeiro pedido formulado.
Tendo sido invocada na contestação a excepção de ilegitimidade dos autores singulares relativamente a esse pedido – como, aliás, também relativamente ao segundo –, a julgadora da 1ª instância, numa reviravolta inesperada e em que persistiu após o cumprimento do contraditório, conforme superiormente determinado, sem rebater um único argumento aduzido pelos autores no início da audiência prévia, apreciou a legitimidade dos réus e, considerando que, mais do que “um caso de legitimidade processual”, se estava perante um caso de ilegitimidade “substancial”, absolveu-os do pedido em apreço.
Argumentou, para o efeito, na parte que aqui releva, que estava em causa “a existência de uma dívida da sociedade e não dos sócios ou ex-sócios” e que os patrimónios destes não se confundem com o daquela.
Sem razão.
Se dúvidas subsistissem face ao primitivamente alegado, resulta da petição inicial aperfeiçoada, apresentada na sequência do convite dirigido aos autores pela titular do lugar de provimento do J... do Juízo Central Cível de Vila Real, que o que está em causa é precisamente o oposto, ou seja, não uma dívida da sociedade para com os sócios, mas destes para com aquela.
Como resulta cristalinamente do artigo 21º do mencionado articulado, os autores singulares, em reunião mantida com o contabilista da sociedade, “foram informados da existência de um débito no valor de 75.927,87€, da responsabilidade pessoal dos dois sócios gerentes”, dívida essa emergente de “um empréstimo que ambos os sócios gerentes contraíram em seu favor, retirando dinheiro da sociedade, na proporção do capital subscrito (…)” (sublinhado nosso).
Mostram-se, por conseguinte, deslocadas, porque reportadas a uma realidade distinta da alegada, as considerações tecidas na decisão sob censura a propósito dos casos em que os sócios respondem por dívidas sociais.
Ora, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023 (proc. n.º 731/22.4T8VRL-A.G1.S1), relatado por Fernando Baptista, “A legitimidade substantiva, material ou “ad nutum” (...) constitui um complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que ele invoque ou que lhe seja atribuído, dessa forma dizendo respeito ao fundo ou mérito da causa (é um requisito de procedência do pedido”.
Noutra formulação, fornecida pelo acórdão da Relação de Évora de 10/01/2025 (proc. n.º 2191/22.0T8EVR-A.E1), relatado por Cristina Dá Mesquita, “A eventual insuficiência de qualidades por um sujeito que representam pressupostos da titularidade por ele de certo direito ou de certo dever relaciona-se (…) com a legitimidade material/substantiva e, por conseguinte, com o mérito da acção”.
Donde, inexiste qualquer ilegitimidade substantiva passiva, porquanto nenhuma qualidade falta aos réus, enquanto herdeiros do falecido FF, que impeça a sua condenação a reconhecer a putativa dívida deste para com a sociedade autora, a satisfazer pelas forças da herança.
Terá, pois, de revogar-se a decisão correspondentemente proferida pela 1ª instância.
Como, entrando agora na apreciação da questão subsequente, também não existe qualquer ilegitimidade processual passiva relativamente a qualquer um dos pedidos formulados, nomeadamente ao segundo[6], como se entendeu na decisão recorrida num singelo parágrafo que, na parte que aqui releva, passamos a transcrever:
Também os réus singulares, na qualidade de herdeiros, não podem ser demandados, porque substantivamente nunca poderiam responder perante a sociedade, quanto muito a herança, podendo até aqueles renunciar a esta (…)”.
Trata-se, salvo o devido respeito, de uma construção absolutamente indefensável e, mais uma vez, arredada da realidade que transparece dos autos.
Como se extrai da petição inicial, primitiva e aperfeiçoada, a acção foi proposta contra a herança aberta por óbito de FF e contra os respectivos herdeiros, todos devidamente identificados, acrescentando-se que estes terão solicitado e levantado uma certidão para a realização de escritura de habilitação de herdeiros e pedindo-se, a final, que sejam notificados para juntar aos autos certidão dessa escritura.
Importa, outrossim, salientar que os réus, na contestação oportunamente oferecida, não impugnaram a aludida factualidade, nem invocaram a sua própria ilegitimidade.
Diante deste quadro, parece-nos que não subsistem quaisquer dúvidas de que os réus singulares aceitaram a herança aberta por óbito do mencionado FF, pelo que esta, embora impartilhada, já não se encontra jacente.
Ora, como é sabido, o princípio da equiparação entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária, consagrado no artigo 11º do Código de Processo Civil (doravante CPC), sofre algumas excepções, previstas nas diversas alíneas do artigo seguinte do mesmo diploma legal, nomeadamente no que respeita à herança jacente, definida no artigo 2046º do Código Civil (doravante CC) como aquela que ainda não foi aceite, nem declarada vaga a favor do Estado.
Como se prescreve na alínea a) do citado artigo 12º do CPC “Têm ainda personalidade judiciária (…) a herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja determinado”.
Portanto, embora desprovida de personalidade jurídica, a herança jacente goza de personalidade judiciária, podendo demandar e ser demandada.
Mas, o estado de jacência termina quando a herança é aceite, expressa ou tacitamente, pelos sucessíveis chamados.
A partir de então deixa de ter personalidade judiciária, cabendo ao conjunto dos herdeiros, ressalvados os casos excepcionais previstos  nos artigos 2075º, 2078º e 2087º a 2089º do CC, o exercício dos direitos que lhe dizem respeito, como dispõe o artigo 2091º, n.º 1, do CC, segundo o qual “(…) os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”.
Dito de outro modo, são os herdeiros, nessa qualidade, que podem demandar e devem ser demandados e não a herança.
Todavia, como tem vindo a ser repetidamente sublinhado na jurisprudência, ancorada, além do mais, no princípio da prevalência da substância sobre a forma, sublinhado na Exposição de Motivos da Reforma do processo civil operada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, não deve usar-se de excessivo formalismo na interpretação das fórmulas concretamente utilizadas, desde que assegurem a intervenção na lide de todos os herdeiros, nessa qualidade – nesse sentido, por todos, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 20/02/2025 (proc. n.º 885/24.5T8VLG.P1), relatado por Paulo Dias da Silva, e a profusão de referências doutrinárias e jurisprudenciais dele constantes, no qual, estando em causa uma acção onde se identificava como autora uma herança indivisa, representada pelos seus herdeiros, se considerou que “deve proceder-se a uma interpretação correctiva que estabeleça a precisa correspondência entre a identificação do sujeito e a verdadeira intenção da parte”.
É o que sucede no caso vertente, na medida em que a acção foi intentada contra a herança e os herdeiros, o que significa que estes, indiscutíveis sujeitos da relação material controvertida tal como configurada pelos autores, de harmonia com o critério fixado no artigo 30º, n.º 3 do CPC, foram demandados nessa qualidade.
Não pode, por conseguinte, subsistir a declarada ilegitimidade passiva, devendo interpretar-se o petitório nos termos expostos, ou seja, no sentido de que os demandados são os réus singulares, na qualidade de herdeiros do falecido FF.
Resta apreciar a derradeira questão suscitada.
Sustentam os recorrentes que ocorre nulidade processual, por não ter sido promovida, mediante a prolacção do competente despacho de convite ao aperfeiçoamento, a prática do acto de que dependia o preenchimento da condição de prosseguimento da acção que, configurando excepção dilatória inominada, ditou a absolvição dos réus da instância relativamente ao segundo pedido formulado.
Mais uma vez, temos de reconhecer que lhes assiste razão.
Aliás, a própria julgadora da 1ª instância admitiu que esse convite se imporia, não fora a circunstância de, na sua óptica, existirem outros “vícios” que “no conjunto dos pedidos formulados”, tornavam “inútil” o suprimento da excepção.
Ora, afastados, conforme explanado, os apontados vícios, mormente a ilegitimidade passiva, o único obstáculo para quem, como nós, na esteira da boa doutrina[7], entende que, mesmo nas sociedades por quotas com apenas dois sócios, é necessária deliberação dos sócios a mandatar a gerência para a propositura da acção social “ut universi”, nos termos previstos nos artigos 75º e 246º, n.º 1, alínea g), do Código das Sociedades Comerciais, recaía sobre o tribunal o poder-dever de convidar os autores a diligenciarem pela obtenção de tal deliberação, de harmonia com o disposto, conjugadamente, nos artigos 6º, n.º 2, e 595º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC.
Não o tendo feito, omitiu um acto que a lei prescreve, que, por influir no exame ou decisão da causa, produz a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 195º, n.º 1 do CPC.
É certo que, como reza a máxima tradicional “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, só podem ser conhecidas em recurso nulidades processuais cobertas por despacho que sobre elas se tenha pronunciado, a não ser que sejam do conhecimento oficioso.
Todavia, não pode olvidar-se que, como já alertava o Professor Alberto dos Reis[8]  a propósito dos casos em que “por trás da irregularidade cometida está um despacho, mas este não contêm uma pronúncia expressa sobre a irregularidade”, deve ter-se em atenção que, “além do julgamento expresso, há o julgamento implícito”, ou seja, a “decisão não vale somente pela vontade declarada que nela se contém, vale também pelos pressupostos tacitamente resolvidos”.
Quando assim suceda, a nulidade corporiza-se na decisão e só se manifesta com a notificação desta. Por isso, a impugnação da decisão é incindível da arguição da nulidade, devendo considerar-se tempestiva a arguição desta nas alegações de recurso.
Como se pode ler no sumário do acórdão desta Relação de 19/06/2014 (proc. n.º 3553/12.7TBBCL.G1), relatado por Isabel Rocha, “I – O dever de o juiz providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias constitui um poder vinculado, de forma a permitir que o processo prossiga com regularidade e possibilitar uma decisão de mérito sobre a pretensão das partes. II – A omissão de tal poder/dever constitui nulidade processual nos termos do artigo 195º do CPC”.
No mesmo sentido, embora a propósito de um convite para aperfeiçoamento de articulado, afirmou-se no acórdão da Relação do Porto de 20/02/2025 (proc. n.º 6486/23.8T8VNG.P1), relatado por Carlos Cunha Rodrigues, que “A omissão do dever de convite ao aperfeiçoamento de um articulado deficiente constitui uma nulidade processual  (…); esta nulidade processual só se torna patente no momento da decisão que considera improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento na insuficiência da matéria de facto que não foi corrigida por não ter sido convidada a aperfeiçoar o articulado”.
Impõe-se, por conseguinte, anular esse segmento decisório e determinar que o tribunal recorrido diligencie pelo suprimento da referida excepção dilatória, concedendo prazo para a autora obter e juntar aos autos certidão da deliberação em falta.
Resta acrescentar que os réus, como parte vencida, suportarão as custas do recurso, nos termos do artigo 527º do CPC.
*
IV- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, na parte em que absolveu os réus do primeiro pedido formulado, por ilegitimidade substantiva passiva, e da instância relativamente ao segundo, por ilegitimidade passiva, bem como em anular a decisão que, reportando-se igualmente a este último pedido, absolveu os réus da instância também por verificação da excepção dilatória de falta de condição de prosseguimento da acção, devendo o tribunal recorrido diligenciar, mediante a formulação do pertinente convite, pelo suprimento de tal excepção e, sendo sanado o vício, prosseguir na apreciação das restantes questões suscitadas e, se for o caso, elaborar despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Custas pelos réus.
*
Guimarães, 08 de Maio de 2025

João Peres Coelho Relator
José Carlos Pereira Duarte 1º Adjunto
Maria Gorete Morais 2ª Adjunta


[1] Sendo de salientar que, como o aqui relator consignou na decisão singular anteriormente proferida, no despacho saneador sobre que versa o presente recurso, que constitui mera reprodução do então sindicado, não se julgou verificada a excepção de ilegitimidade da Sociedade Autora – cuja apreciação, como tal, se mostra prejudicada –, mas apenas dos Autores e Réus singulares relativamente ao segundo pedido formulado.  É o que se extrai do confronto entre o último parágrafo da página oitava e o primeiro parágrafo da página nona do despacho em causa, no último dos quais, reportando-se à Sociedade Autora, a julgadora da 1ª instância apenas salienta a necessidade de deliberação dos sócios para que a mesma pudesse propor a acção.
[2] Em “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, página 139.
[3] Em “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2º, 4ª edição, páginas 733/734 e 736.
[4] Obra citada, volume V, página 142.
[5] Em “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, página 686.
[6] Se bem interpretamos as conclusões do recurso, concretamente as 7ª e 33ª a 36ª, os autores singulares não questionam a sua ilegitimidade processual relativamente ao segundo pedido formulado.
[7] Defendida, entre outros, no acórdão desta Relação de 13/01/2022, proferido no processo n.º 7265/19.2T8GMR.G1 e relatado por Joaquim Boavida, e no acórdão da Relação de Lisboa de 01/02/2012, proferido no processo n.º 4130/11.5TCLRS-A.L1-2 e relatado por Pedro Martins, remetendo-se, tal como naquele, para  a desenvolvida argumentação a esse propósito expendida neste último.
[8] Em “Comentário ao Código de Processo Civil”, volume 2, página 509 e seguintes.