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CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO
DENÚNCIA DE CONTRATO
CONDIÇÃO DE VALIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Sumário
Nas situações previstas no nº 3 do art. 1098º do CC, o contrato só pode ser denunciado pelo arrendatário se já tiver decorrido um terço do prazo inicial do contrato ou da sua renovação, pretendendo o legislador com esta norma garantir que o contrato vigore efetivamente por esse período mínimo, o que significa que o decurso deste prazo constitui condição de validade do exercício do direito de denúncia.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO AA e BB instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e DD pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento que celebraram com as rés e que estas sejam condenadas a entregar-lhes o imóvel, livre de pessoas e bens e nas condições em que o receberam, bem como a pagar-lhes, solidariamente, os valores de rendas vencidas, que liquidam em € 5 100,00, bem como as rendas vincendas até efetiva entrega do arrendado. Peticionam ainda que as rés sejam condenadas a pagar-lhes as despesas judiciais e honorários de advogado, em valor não inferior a € 2 000,00.
Como fundamento dos seus pedidos alegaram, em síntese, que, por contrato celebrado em ../../2021, deram de arrendamento às rés, para fins habitacionais e pelo prazo de 21 anos, um imóvel de que são proprietários, mediante a renda mensal de € 500,00.
Em janeiro de 2022, as rés pagaram apenas € 400,00 de renda, nada mais pagando a partir dessa data.
Nos termos contratuais, as rés obrigaram-se a suportar as despesas com custas e patrocínio forense, em caso de incumprimento contratual.
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A ré CC foi citada editalmente em virtude de se desconhecer o seu paradeiro e o Ministério Público, citado em sua representação, não apresentou contestação.
A ré DD foi citada e apresentou contestação na qual alegou, em síntese, que os autores aproveitaram-se da inexperiência das rés para as levar a celebrar um contrato leonino, com cláusulas flagrantemente abusivas, que as mesmas aceitaram por o autor ser o único que não lhes exigiu fiador.
Acresce que o imóvel não tinha condições de habitabilidade.
Assim, em janeiro de 2022, informaram o autor de que pretendiam “renunciar o contrato” e entregar o imóvel em fevereiro do mesmo ano, tendo sido o autor que se recusou a recebê-lo, sendo que este bem sabe que nenhuma das rés vive lá.
Reconheceu que ficaram em dívida metade da renda de janeiro de 2022 e a totalidade da renda de fevereiro do mesmo ano; porém, a caução que os autores receberam paga esses valores, ficando um saldo de € 250,00 a favor das rés.
Invocou a anulabilidade do contrato por estar em causa contrato usurário.
Por outro lado, como o autor foi informado da intenção das rés de porem fim ao contrato, em janeiro de 2022, com efeitos a partir de fevereiro do mesmo ano, quando muito, o autor teria direito às rendas correspondentes ao pré-aviso em falta, o que significa que, deduzida tal quantia da caução, restaria a favor dos autores um crédito de € 1 250,00, e não a quantia peticionada por estes.
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Em 20.2.2024 foi proferido despacho que fixou à causa o valor de € 20 133,38, apreciou tabelarmente os pressupostos processuais, identificou o objeto do processo e enunciou os temas de prova.
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e consequentemente:
a) Julgo improcedente a exceção de anulabilidade do contrato; b) Julgo improcedente a exceção de denúncia do contrato; c) Julgo resolvido o contrato de arrendamento a que se alude em 2) dos factos provados, e que tinha por objeto o ... piso do prédio urbano em propriedade total suscetível de utilizações independentes, composto por edifício de ... e três andares, sito na Rua ..., ..., freguesia ... (...), em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...76 da UF ..., ... e ..., e descrito na CRP ... sob o n.º ...99 (...); d) CONDENO as rés a entregar aos autores o prédio referido em c) devoluto de pessoas e bens; e) CONDENO as rés no pagamento aos autores das rendas vencidas entre janeiro de 2022 e novembro de 2022, nos termos a que se alude em 2) e 5) dos factos provados no valor de € 5.100,00, e, bem assim, no pagamento das rendas que se vençam até ao trânsito da presente sentença, sem prejuízo de se consignar que está em poder os autores caução do valor de € 1.000,00; f) CONDENO as rés no pagamento aos autores da indemnização a que alude o artigo 1045º, n.º1 do CC, correspondente ao valor da renda que seria devida, desde o trânsito até efetiva entrega do locado; e g) Absolvo as rés do demais peticionado.
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Custas por autores e rés, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o decaimento dos autores em 20% e das rés em 80% – cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2 do CPC.”
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A ré DD não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1) O Tribunal a quo, ao decidir pela condenação da Apelante na entrega do imóvel devoluto de pessoas e bens e nas rendas vencidas entre janeiro de 2022 até a demonstração efetiva da entrega de chaves, não reconhece a denúncia de contrato realizado pela Apelante e nem convalida a tentativa de entrega de chaves ocorrida; 2) Como nota-se, as partes entabularam em janeiro de 2022 um acordo de encerramento do contrato de arrendamento em fevereiro de 2022, que só não se efetivou por recurso dos Apelados em receberem as chaves; 3) Não obstante, é flagrante que o Tribunal a quo incorreu em erro material ao não verificar que a falta de consumação da entrega formal das chaves não decorreu de omissão da Apelante, mas sim da recusa do Apelado em aceitar as chaves (conforme podemos extrair da declaração de parte), eximindo a Apelante de qualquer culpa; 4) Em virtude do exposto, a Apelante requer que o presente recurso de apelação seja CONHECIDO e, quando de seu julgamento, seja totalmente PROVIDO para reformar a r. sentença recorrida in totum, no sentido de reconhecer e convalidar a denúncia de contrato de arrendamento ocorrida em janeiro de 2022 e a tentativa de entrega de chaves ocorrida em fevereiro de 2022.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Por despacho proferido neste Tribunal da Relação, foi corrigido o efeito do recurso tendo-se decidido que o mesmo tem efeito suspensivo da decisão, nos termos dos arts. 647º, nº 3, al. b) e 629º, nº 3, al. a), ambos do CPC.
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, a única questão a decidir consiste em saber se o contrato de arrendamento foi validamente denunciado em janeiro de 2022 e, na afirmativa, quais as consequências jurídicas que daí advêm.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:
1. Os Autores são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano em propriedade total suscetível de utilizações independentes, composto por edifício de ... e três andares, sito na Rua ..., ..., freguesia ... (...), em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...76 da UF ..., ... e ..., e descrito na CRP ... sob o n.º ...99 (...).
2. Por acordo escrito denominado “Contrato de Arrendamento Urbano - Fim Habitacional”, datado de 30/11/2021, os autores obrigaram-se a proporcionar às rés DD e CC o gozo temporário do ... piso destinado a habitação, do pra referida fração autónoma, para fins habitacionais, mediante o pagamento da renda mensal que, no primeiro ano de vigência, seria do valor de € 500,00, por transferência bancária ou depósito na conta com o IBAN ...23 do Banco 1..., com vencimento até ao primeiro dia útil do mês anterior a que diga respeito. (cfr. documento n.º 1 junto com a PI)
3. O acordo foi celebrado pelo prazo inicial de vinte e um anos, com inicio em 1 de dezembro de 2021 e término em 30 de novembro de 2042, prevendo-se que não seria renovável - conforme documento n.º 1 junto com a PI.
4. Nos termos contratualmente acordados, as rés entregariam, com a celebração do contrato, a quantia de € 500,00 para pagamento da renda respeitante ao mês de dezembro de 2021 e € 500,00 para pagamento de caução dos bens descritos na cláusula 11ª, devendo, no decurso do mês de dezembro, proceder à entrega da quantia de € 500,00 para pagamento da renda respeitante ao mês de janeiro de 2022 e € 500,00 para perfeccionar a caução dos bens descritos na cláusula 11ª. (cfr. documento nº1 junto com a PI.
5. As rés entregaram a quantia de € 1.000,00 aquando da celebração do acordo escrito, começando por recusar pagar qualquer outra quantia, ainda que tenham acabado por entregar, após insistência do autor marido, a quantia de € 900,00 que os autores imputaram no perfeccionamento da caução, seja, € 500,00, e os restantes € 400,00 foram imputados ao pagamento da renda respeitante a janeiro de 2022.
6. Aquando da interpelação para o pagamento previsto de € 1.000,00 no decurso do mês de dezembro de 2021, as rés começaram a questionar as condições do locado (onde teriam surgido formigas e abelhas, por haver portas que não fechavam bem e por força da antiguidade das janelas).
7. A ré Índia Benvinda manifestou o propósito de por fim ao contrato logo no decurso do mês de janeiro de 2022, o que o autor marido aceitava desde que paga a quantia de € 100,00 em dívida.
8. Certo é que tal pagamento não ocorreu, nem chegou a ser formalizada a cessação do contrato.
9. Pelo menos desde abril de 2022 que não há qualquer movimentação no imóvel, sendo que, não obstante, os autores não têm acesso ao ... piso do prédio desde a celebração do contrato a que se alude em 1.
10. Em data não concretamente apurada, mas não anterior a ../../2022, a ré DD contactou telefonicamente o autor marido, dizendo que queria entregar a chave e, como o autor disse que não podia ser assim, a ré decidiu ir deixar a chave que tinha no interior do imóvel, o que fez saber ao autor marido.
11. A casa era um sótão adaptado, que fora renovado, e que tinha alguns materiais guardados no interior.
12. Houve um problema de fuga de água por uma torneira estar mal apertada, mas que que ficou resolvido.
13. Além do mais, surgiram formigas e “favos” de abelhas na varanda e havia queixas do isolamento das janelas.
14. O autor marido remeteu às rés carta, datada de 26/01/2022, em que dava nota de que estava em falta o pagamento da quantia de € 250,00, para pagamento da renda de janeiro, € 500,00 para pagamento da renda de fevereiro e € 150,00 a título de indemnização pela mora no pagamento das rendas. (cfr. documento n.º1 junto com a contestação)
15. Os autores requereram a notificação judicial avulsa das rés, com vista a fazer cessar o contrato, notificação que se gorou, por não ter a agente de execução logrado notificar qualquer das ora rés, vertendo nas duas certidões de citação pessoal negativas, ambas datadas de 07/07/2022, “após o chamamento ninguém atendeu à porta. Indagando junto de vizinhos obteve-se a informação de que a citanda já não reside naquela morada há mais de 3 meses.” (cfr. docs. 2 a 6 juntos com a PI)
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Na 1ª instância foi considerado nãoprovado que:
a) Os autores tenham suportado o custo de € 2.000,00 com despesas e honorários de advogado;
b) o ... piso do prédio identificado em 1 dos factos provados não tivesse condições de habitabilidade;
c) ambas as rés tenham abandonado o imóvel no final de fevereiro de 2022 e que tenha sido o autor marido quem recusou receber as chaves;
d) o autor marido se tenha valido da juventude das rés para celebrar contrato em condições mais favoráveis para si.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
A recorrente alega que procedeu à denúncia do contrato de arrendamento em janeiro de 2022, desocupou o imóvel e tentou entregar as chaves em fevereiro de 2022, entrega que apenas não se concretizou devido à recusa do senhorio em as receber.
Defende que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, a denúncia deve ser considerada validamente efetuada e, por isso, deve ser absolvida do pedido de resolução do contrato e de condenação no pagamento das rendas vencidas e vincendas até à entrega efetiva do imóvel.
Vejamos se lhe assiste razão, apreciação que terá de ser efetuada à luz da factualidade dada como provada na 1ª instância uma vez que nas conclusões do recurso, que definem o respetivo objeto, a recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos e para os efeitos do disposto no art. 640º, do CPC.
Dos autos resulta de forma incontroversa que os autores deram de arrendamento às rés o prédio urbano de que são proprietários, por contrato celebrado em ../../2021, com início em ../../2021 e termo em 30 de novembro de 2042, destinando-se a habitação das rés as quais se obrigaram ao pagamento da renda mensal de € 500 (factos 1 a 3 e arts. 1022º, 1023º 1064º e 1067ºdo CC).
Tratando-se de arrendamento urbano, o mesmo pode cessar pelas formas previstas no art. 1079º do CC, ou seja, por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário (art. 1080º, do CC).
A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário (art. 1081º, nº 1, do CC).
Tendo o contrato sido celebrado com prazo certo, como sucede no caso sub judice, a sua denúncia pelo arrendatário encontra-se sujeita ao regime previsto no art. 1098º do CC, o qual dispõe, na parte que aqui releva, que:
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:
a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano;
b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for inferior a um ano.
5 - A denúncia do contrato, nos termos dos n.ºs 3 e 4, produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano, a contar da comunicação.
6 - A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano.
O regime legal relativo às comunicações é o constante dos arts. 9º a 12º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Dispõe o art. 9º do referido diploma legal que:
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior.
4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede.
5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do art. 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
A denúncia constitui uma forma unilateral de fazer cessar um contrato, com efeitos numa determinada data, mediante vontade negocial de uma das partes.
A ré DD manifestou o propósito de pôr fim ao contrato no decurso do mês de janeiro de 2022 (facto 7).
Não se entrará na análise do cumprimento das formalidades relativas à comunicação de denúncia do contrato, por desnecessária, uma vez que, no caso concreto, a denúncia não podia ser validamente efetuada na referida data.
Com efeito, tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de 21 anos, o mesmo só podia ser denunciado pelas arrendatárias decorrido um terço da sua duração, ou seja, decorridos 7 anos. Por conseguinte, uma vez que o contrato se iniciou em ../../2021 só poderia ser denunciado a partir de 1.12.2028.
A ré DD manifestou o propósito de pôr fim ao contrato logo no decurso do mês de janeiro de 2022 (facto 7), ou seja, quando o contrato tinha apenas a duração de pouco mais de um mês. A norma imperativa do nº 3 do art. 1098º do CC, não admite a denúncia nestas condições, exigindo o decurso de um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
E a norma constante do nº 6 do art. 1098º do CC, que refere que a inobservância da antecedência não obsta à cessação do contrato, refere-se unicamente aos prazos de pré-aviso da denúncia, e já não ao prazo de duração do contrato, o qual constitui um requisito de validade da denúncia.
Dito de outro modo, nas situações previstas no nº 3 do art. 1098º do CC, o contrato só pode ser denunciado pelo arrendatário se já tiver decorrido um terço do prazo inicial do contrato ou da sua renovação, pretendendo o legislador com esta norma garantir que o contrato vigore efetivamente por esse período mínimo, o que significa que o decurso deste prazo constitui condição de validade do exercício do direito de denúncia.
Esse direito de denúncia deve ser exercido com a antecedência prevista nas als. a) e b) do mesmo normativo, destinando-se este prazo de pré-aviso a permitir que o senhorio conheça com antecedência a intenção de o arrendatário pôr termo ao contrato por forma a poder procurar outro inquilino ou encontrar outra forma de obter rendimento do imóvel.
Se o contrato for denunciado sem observância dos períodos de pré-aviso em falta aí referidos, a denúncia é válida e o contrato cessa; porém, o arrendatário tem de pagar as rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, a menos que se verifiquem as exceções previstas na parte final da norma, ou seja, se o não cumprimento do pré-aviso legal resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano.
Assim sendo, não se pode considerar válida a denúncia do contrato efetuada pela ré DD logo no decurso do mês de janeiro de 2022, quando apenas se encontrava decorrido pouco mais de um mês da duração inicial do contrato, com a pretensão de essa denúncia produzir efeitos imediatos e a desonerar do pagamento das rendas, porquanto o contrato foi celebrado pelo prazo de 21 anos e, como tal, só podia ser denunciado com efeitos reportados ao decurso de um terço desse prazo (7 anos), ou seja, a partir de 1.12.2028.
Uma vez que a denúncia não podia ser efetuada com efeitos imediatos, como explanado, mas apenas reportada a 1.12.2028, até lá as rés mantinham-se obrigadas a proceder ao pagamento das rendas mensais. E, não tendo procedido a esse pagamento, existe fundamento para resolução do contrato, por incumprimento dessa obrigação, com as consequências jurídicas daí advenientes, nos termos decididos na sentença recorrida.
Conclui-se, deste modo, que improcede o recurso.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 8 de maio de 2025
(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Carlos Pereira Duarte
(2º/ª Adjunto/a) Susana Raquel Sousa Pereira