MÚTUO EM PRESTAÇÕES
INCUMPRIMENTO
EXIGIBILIDADE IMEDIATA DA DÍVIDA
Sumário

I - Nas dívidas a prestações ou fracionadas, tendo o devedor faltado ao cumprimento de uma prestação, o credor poderá exigir imediatamente as restantes prestações, antes do tempo acordado para a sua sucessiva exigibilidade – art.781.º do CC
II - Se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe consente terá de manifestar a sua vontade, após o decurso do prazo para o pagamento da prestação em falta, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas.
III - Esta exigência que se retira da leitura do art.781.º do CC tem natureza supletiva, podendo conferir-se automaticidade do vencimento integral do que se deve face ao incumprimento em relação a uma das prestações.

Texto Integral

Processo n.º11231/24.8T8PRT


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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.

AA intentou acção executiva contra A..., Lda e BB.

Para o efeito estriba-se em declaração de dívida subscrita pelas executadas com menção do valor de €214.750,00 e constante de escritura pública.

Alega a exequente que naquela declaração de 17.11.23 foi reconhecido e confessada a dívida na quantia referida e com obrigação de se liquidar o valor de €39.750,00 no prazo de seis meses contados da data da outorga da escritura, e o restante, no valor de €175.000,00, acrescido de juros à taxa legal de 6% anuais, ulteriormente.

Os juros seriam pagos no final do primeiro ano a contar da escritura e o remanescente em dívida, €175.000,00€, no prazo de dois anos a contar da escritura.

Mais alega que, no prazo convencionado, no dia 17 de maio de 2024, apenas se liquidou o montante de 20.000,00€.

Alega também que interpelou as executadas no dia 20 de maio de 2024 para a regularização do que lhe era devido.

Alinha de seguida que, por forma a assegurar as responsabilidades assumidas, foi celebrado um contrato de cessão de créditos e garantias reais, através do qual foi constituída uma hipoteca sobre um imóvel para garantia do bom cumprimento da obrigação.

Conclui que, não tendo sido cumprido o pagamento da primeira prestação acordada, venceu-se a totalidade da obrigação, motivo pelo qual se encontra em dívida o montante de 216.225,00€, a este acrescendo os juros anuais de 6% sobre o valor de 175.000,00€.

Em reacção à execução as executadas deduziram oposição por embargos, defendendo a inexistência de título por se ter olvidado que, na sequência da citada interpelação de 20 de maio de 2024, foram liquidados no dia 25 de Maio de 2024 o montante de €19.750,00 correspondente ao montante em falta relativamente à prestação vencida de €39.750,00, outrossim se invocando a inexigibilidade da obrigação exequenda porquanto apenas se encontravam em mora para pagamento daquele remanescente de €19.750,00, nunca lhes tendo sido enviada qualquer interpelação a converter a mora em incumprimento definitivo em relação a esse valor em falta mas sim, no dia 17.5.24, em relação ao total do valor.

Pede a condenação da exequente em litigância de má fé.

A exequente deduziu contestação, pugnando pela existência de título executivo por se estar perante declaração de dívida constante de escritura pública, igualmente que a obrigação era exigível por, vencida no prazo constante daquele documento a parcela a pagar no prazo de 6 meses, sem que estivesse liquidada, estando-se em mora quanto a ela por ter prazo certo, ocorreu o vencimento integral da dívida nos termos do artº781 do CC.

Foi realizada a audiência prévia na qual foi proferido o seguinte:

Compulsados os autos para preparação desta audiência prévia, constatou o Tribunal que estava habilitado a decidir o mérito da causa, porquanto a única questão a decidir, prende-se com a exigibilidade ou não da quantia exequenda à data da instauração da execução.

Por isso e nesse sentido notifique os ilustres mandatários das partes, para requererem o que tiverem por conveniente nomeadamente contra a prolação de alegações.

Dada a palavra aos ilustres mandatários das partes, pelos mesmos foi dito.

(….)

Mediante a posição assumida pelas partes, conclua os autos para proferir decisão.

Proferida decisão, decidiu-se a final:

« Pelo exposto, decido julgar os presentes embargos de executado procedentes por provados e, em consequência, determino a extinção da execução a que estes autos se encontram apensos»


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Do assim decidido interpôs a exequente/embargada recurso de apelação oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:


A. O presente recurso versa sobre matéria de Direito, nos termos supra consignados, incidindo, sobre a Sentença proferida, que decidiu julgar os Embargos de Executado procedentes por provados e, em consequência, determinou a extinção da execução a que estes embargos se encontram apensos, entendendo a aqui Recorrente que tal resulta de manifesto erro e lapso na interpretação dos factos, bem como da aplicação do Direito aos mesmos.

B. No entendimento da aqui Recorrente, o erro no enquadramento jurídico efetuado pelo Tribunal a quo na sentença resulta precisamente do facto de ter aferido como necessário a existência de uma interpelação admonitória prévia para efeitos de considerar vencidas todas as prestações vincendas e, consequentemente, e pelos mesmos factos, não considerar como verificada a situação de incumprimento contratual.

C. Não se sabe se por mero lapso na apreciação dos factos dados como provados ou, por outro lado, pelo Tribunal a quo ter feito tábua rasa do contrato outorgante entre Embargante e Embargada.

D. É entendimento da aqui Recorrente que não foi tido em causa a natureza supletiva do disposto no artigo 781.º do Código Civil o que, por sua vez, invalida todo o restante conteúdo da sentença, por enfermar em manifesto erro e interpretação errada da lei aplicável à situação sub judice.

E. A questão a discutir no presente recurso releva, apenas, do ponto de vista aplicação do Direito aos factos, visto que os documentos juntos com o Requerimento Executivo não foram impugnados, nem o seu teor e, também, os pagamentos (ainda que fora de prazo) também foram devidamente provados documentalmente.

F. Releva assim para o presente recurso, as consequências da falta de pagamento nos prazos acordados contratualmente, nomeadamente a perda do beneficio do prazo e o incumprimento definitivo do contrato, bem como o acionamento da cláusula penal em virtude do incumprimento.

G. Relevam, portanto, do ponto de vista jurídico o disposto no contrato outorgado ao abrigo da liberdade contratual das partes (405.º do Código Civil) o que parece não ter sido atendido na sentença, tendo sido aliás, absolutamente desconsiderado o teor do contrato outorgado.

H. Contudo, salvo o devido e maior respeito, que é muito, não fez o Tribunal a quo uma adequada aplicação das normas de direito aplicáveis ao caso sub judice, nem uma correta gestão processual dos presentes autos, pelo que se analisará os três núcleos jurídico-problemáticos da decisão recorrida, a saber: - A perda do beneficio do prazo; - O incumprimento definitivo; - As consequências do incumprimento definitivo;

DA PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO

I. Quanto à perda do benefício do prazo entendeu o Tribunal a quo que ao abrigo do disposto no artigo 781.º do Código Civil o facto de se tratar de uma obrigação de prazo certo não implica que o provado e assente não cumprimento da obrigação no prazo convencionado, a perda do beneficio do prazo.

J. Isto é, segundo tal entendimento ao abrigo do artigo 781.º do CC o Credor não ficou dispensado de interpelar os devedores para o cumprimento da obrigação num prazo razoável sob pena de se vencerem todas as obrigações.

K. Funde a decisão em crise a sua posição tendo por base “a configuração legal, doutrinal e jurisprudencial vigente”, porém limita-se a citar o artigo 781.º, não citando nenhuma doutrina ou jurisprudência que acompanhe o entendimento plasmado.

L. Pelo que, cumpre à aqui Recorrente fazer o devido enquadramento legal e contratual do estabelecido pelas partes!

M. É amplamente entendido que o artigo 781.º do CC não reflete a intenção do legislador que pretendia fazer depender a perda do beneficio do prazo da prévia interpelação ao devedor nesse mesmo sentido, isto é, que atento o incumprimento deveria proceder ao pagamento da totalidade da sua obrigação.

N. Na verdade, o devedor, quebrando o elo de confiança que sustenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações futuras (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, II, 4.ª edição, 1990, pág. 52).

O. Diferente, porém, é a posição de I. GALVÃO TELLES, que defende ter sido consagrado o “vencimento automático”, embora reconhecendo que a “solução é má” e manifestando preferência pela faculdade do credor notificar o devedor dessa intenção (Direito das Obrigações, 4.ª edição, 1982, pág. 201).

P. E foi este o entendimento seguido pela Mm. ª Juiz a quo, porém erradamente, uma vez que este entendimento pode apenas ser seguido nas situações em que as partes não tenham convencionado de forma distinta, atendendo à natureza supletiva do artigo 781.º do Código Civil.

Q. A norma do art. 781.º do CC tem natureza supletiva, pelo que o credor e o devedor, no âmbito da sua autonomia privada, podem acordar num sentido diverso, nomeadamente do vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor – neste sentido o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, proc. 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2, de 25/05/2017, relatado por Olindo Geraldes.

R. Também a jurisprudência tem seguido no sentido maioritário da doutrina, citando-se, designadamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 1992 (080925), acessível, apenas em sumário, em www.dgsi.pt, “O imediato vencimento de todas as prestações significa a sua imediata exigibilidade.

S. Ora, dúvidas não existem que a aplicabilidade do artigo 781.º do Código Civil tem natureza supletiva, podendo as partes acordar em contrário, tendo sido precisamente o que sucedeu nos presentes autos.

T. Aliás, Embargante e Embargada acordaram, ao abrigo da autonomia negocial e liberdade contratual, no vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade de qualquer interpelação do Devedor, constando expressamente na confissão de dívida “Que, sem necessidade de interpelação, a presente confissão de dívida serve de título executivo, nos termos do Código de Processo Civil, podendo ser executados quando vencidas as obrigações cujo cumprimento asseguram ou quando não for cumprido qualquer um dos deveres por aquela assumidos e emergentes desta escrita, nomeadamente quando vencida e não paga qualquer uma das prestações indicadas, sendo que tal incumprimento legitima a Segunda Outorgante [leia-se, a embargada] desde logo acionar a garantia que detém através de hipoteca decorrente do contrato de cessão de créditos outorgado no dia de hoje (…)”.

U. Relembre-se que esta cláusula resulta da escritura de confissão de dívida que foi expressamente aceite pelas partes e cuja força probatória é plena, nos termos do art. 371.º do CC.

V. Cláusula esta que implica o afastamento do regime previsto no artigo 781.º do CC com natureza supletiva e, portanto, implica a desnecessidade de interpelação prévia para o conforme erradamente concluído na sentença recorrida.

W. Ou seja, convencionaram as partes a perda do beneficio do prazo automática e sem necessidade de interpelação – mas o Tribunal a quo fez tábua rasa desta cláusula convencionada por acordo.

X. E foi precisamente o que veio a suceder, havendo incumprimento poderia a Credora executar a garantia, visto que já se havia vencido a totalidade da divida e estava em condições, contratuais, para poder executar a garantia do título executivo.

Y. Sem prejuízo, e ainda assim, visto que a perda do benefício do prazo implica o “vencimento imediato”, ou seja, uma situação de exigibilidade imediata da divida. Ou seja, é por demais evidente que houve a perda do beneficio do prazo, enfermando em erro total o entendimento plasmado pela sentença recorrida.

Z. Assim, não tendo cumprido com o pagamento da primeira prestação acordada, venceu-se a totalidade da obrigação, ficando em divida o montante de 216.225,00€ (duzentos e dezasseis mil duzentos e vinte cinco euros.

AA. É assim por demais evidente que a sentença recorrida fez tábua rasa do acordo celebrado entre as partes e da cláusula de perda do benefício do prazo automática, motivo pelo qual enferma a mesma em manifesta erro quando decide que não ocorreu perda do benefício do prazo, porque não houve interpelação da Credora nesse sentido.

BB. Não subsistindo duvidas da desconformidade da sentença recorrida, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que considere que efetivamente ocorreu a perda do benefício do prazo por força do disposto no documento que serviu de base à presente execução.

CC. Por outro lado, verificada a perda do benefício do prazo, urge analisar as consequências, erradamente retiradas por parte do Tribunal a quo.

DAS CONSEQUÊNCIAS DA PERDA DO BENEFíCIO DO PRAZO DO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DO CONTRATO

DD. Ora, a sentença recorrida decidiu que o comportamento da Embargante não configurava uma situação de incumprimento definitivo.

EE. Porém cumpre referir que não assiste razão ao raciocínio plasmado na sentença, isto porque, juridicamente, a perda do benefício do prazo implica o vencimento imediato, ou seja, uma situação de exigibilidade imediata da dívida.

FF. Aliás, por força do clausulado na Confissão de dívida a perda de benefício do prazo sucedeu automaticamente, sem necessidade de interpelação prévia, tornando-se a partir do dia 17 de maio de 2024 exigível imediatamente pela aqui Recorrente.

GG. Nessa senda, e como bem sabia a aqui Recorrente que o vencimento imediato não resulta que o vencimento seja automático, procedeu à interpelação da Recorrida para que esta procedesse ao cumprimento da totalidade da obrigação, sob pena de se considerar incumprimento definitivo do contrato.

HH. Contudo, devidamente interpelada, a Recorrida apenas procedeu ao pagamento dos 19.750,00€ que estavam em mora, não tendo efetuado o pagamento da totalidade da divida exigível por força da perda do benefício do prazo.

II. Ou seja, efetivamente houve a interpelação, após a perda do benefício do prazo e vencimento imediato/exigibilidade imediata, para que a Recorrida procedesse ao pagamento da totalidade da divida.

JJ. Devidamente notificada, a mesma não cumpriu, tendo procedido ao pagamento de apenas 19.750€ que não corresponde sequer a 10% da totalidade de divida vencida na data em que a missiva foi enviada.

KK. Posto isto, verifica-se incumprimento definitivo visto que a prestação não foi realizada dentro do prazo que foi fixado pela Recorrente Credora -cfr. 808.º, n.º 1 do C.Civil.

LL. Assim e atento o exposto, é patente que existiu incumprimento definitivo do contrato, não através da mora na realização do pagamento dos 19.750€ - facto esse que importou a perda do beneficio do prazo automática nos termos definidos no contrato – mas através do não pagamento da totalidade da divida exigível após a realização da respetiva interpelação admonitória para pagamento da totalidade da divida nos termos do artigo 808.º do Código Civil, tratando-se, assim, de uma situação de incumprimento definitivo do contrato, sem qualquer dúvida.

MM. Atento tudo o exposto é evidente que se verificação a perda do benefício do prazo e é evidente que, devidamente interpelada a Recorrida para proceder ao pagamento da totalidade da divida nos termos do artigo 808.º do Código Civil, a Recorrida não pagou, incorrendo em incumprimento definitivo.

NN. Sem prescindir, note-se também que nem seria necessário ter-se recorrido a todo este procedimento conforme teorizado pelo Tribunal a quo.

OO. Isto porque, ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código Civil, as partes através da sua autonomia privada e liberdade contratual, estipularam no acordo de confissão de divida a cláusula supracitada que previa que o mero incumprimento de uma das obrigações, quer através da mora, quer através de incumprimento definitivo colocavam logo a Credora, aqui Recorrente, numa situação de poder executar a garantia por aquela prestada.

PP. Ou seja, bastava o mero vencimento do prazo para pagamento para que a obrigação se tornasse exigível, tendo tudo isto sido desconsiderado pelo Tribunal a quo.

QQ. Pelo que, em todo o caso sempre pugna pela conformidade legal na atuação da Recorrente, não havendo necessidade de qualquer interpelação, não havendo necessidade de qualquer conversão da mora em incumprimento definitivo, estando no momento em que a presente execução foi intentada a Recorrente em clara situação de exigir a divida que por si era já certa e liquida, pelo que, deve a sentença recorrida ser totalmente revogada e substituída por outra que considere os embargos totalmente improcedentes, continuando a presente instância executiva os seus normais trâmites.

DA CLÁUSULA PENAL

RR. Por fim, e atenta a manifesta demonstração do incumprimento, seja esta pela mora que levou à perda do benefício do prazo, seja esta pelo posterior incumprimento definitivo, seja pelo o acordado no sentido de desnecessidade de qualquer interpelação para efeitos de a Recorrente poder recorrer à execução do montante em divida e da garantia dada, dúvidas não subsistem quanto ao vencimento da obrigação de pagamento da cláusula penal.

SS. Isto porque, por contrato celebrado no Cartório Notarial convencionaram as partes cláusula penal pelo incumprimento contratual, o que significa que, com os incumprimentos das obrigações assumidas, quer por força da mora, quer por força do incumprimento definitivo, se venceu também a obrigação de pagamento do montante 21.475,00€ a título de cláusula penal, devida pelo incumprimento da obrigação.

TT. Pelo que, atento tudo o exposto, também nesta parte do petitório deverá a Execução a correr termos nos autos principais ser considerada totalmente procedente.

UU. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser declarado totalmente procedente por provada, verificada a perda do beneficio do prazo e o incumprimento definitivo, bem ainda por força do convencionado pelas partes do acordo que serve de titulo executivo e, consequentemente, a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância ser revogada e substituída por outra que declare os Embargos totalmente improcedentes ordenando-se o prosseguimento da ação executiva, com as demais consequências legais.


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Foram apresentadas contra-alegações, concluindo-se:

A questão colocada consiste em saber, se as recorridas ao procederem ao pagamento parcial da prestação a que se obrigaram, em 17.5.2024, se constituíram em incumprimento definitivo, vencendo-se todas as demais prestações também por via do desencadeamento da perda de benefício do prazo, ou se gerou apenas a mora, que não se converteu em incumprimento definitivo.

Por carta datada de 20.5.2024, a recorrente considerou o contrato definitivamente resolvido e incumprido, exigindo o pagamento de todas as prestações.

As recorridas em 25.5.2024, procederam ao pagamento da quantia restante, na quantia de € 19.750,00, através de transferência bancaria, da conta titulada pelo B..., CONFECÇÕES, UNIPESSOAL, LDA, empresa da qual é sócia gerente a recorrida- BB, para a conta bancaria da recorrente indicada no titulo executivo.

Em 25.5 2024, estava liquidada na íntegra a prestação devida em 17.5.2024, no montante de 39.750,00€

A recorrente não interpelou os recorridas, tal como se impunha, para que num prazo razoável cumprissem a prestação, sob pena de se vencerem todas as prestações;

Não ocorreu a perda de benefício do prazo em relação às recorridas, e assim não podia a recorrente exigir o cumprimento de todas as prestações

Arecorrente entendeu que a falta depagamento da totalidade da prestação vencidaem17.5.2024, implicou o incumprimento definitivo do contrato e assim resolvido, tal como decorre da missiva que a recorrente enviou às executadas em 20.5.2024.

A mora pressupõe ter sido ultrapassado um termo essencial, estabelecido no contrato, ou posteriormente, e só se transforma e incumprimento definitivo seo devedor não cumpre no prazo suplementar e perentório que o credor razoavelmente lhe concede, através da interpelação admonitória, consagrada no citado artigo 808.º, n.º 1 do C.Civil,

Não foi realizada a interpelação admonitória no caso sub judice

10ª A jurisprudência e a doutrina têm vindo a entender que nas dívidas liquidáveis em prestações o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas nos termos do art.º 781.º do C. Civil, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida, ou seja, o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação.”, este é o sentido do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, nos autos do Processo n.º 1560/16.0T8BJA-A.E1 de 17/01/2029, disponível em WWW.dgsi.pt

11ª O comportamento das recorridas não configura uma situação de incumprimento definito mas de simples mora; porque não ocorreu a perda de benefício do prazo nos termos do disposto no art.º 781.º do CC.


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

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II.

O Tribunal a quo deu como provado o seguinte:

1. A Exequente intentou a execução a que estes autos se encontram apensos contra as Executadas, invocando no requerimento executivo o seguinte:

1 - Por documento particular autenticado, pelo Sr. Dr. CC, Notário, titular da cédula ...42, no Cartório Notarial de CC sito na Alameda ..., ... ..., no dia 17-11-2023, as Executadas e a Exequente celebraram uma Confissão de Dívida.

2 - As Executadas reconheceram e confessaram-se devedoras para com a Exequente da quantia de 214.750,00€ (duzentos e catorze mil setecentos e cinquenta euros).

3 - A Exequente assinou tal documento e aceitou a confissão de dívida efetuada pelas Executadas

4 - As Executadas obrigaram-se a pagar a quantia de 39.750,00€ no prazo de seis meses contados da data da outorga da escritura e o restante (no valor de 175.000,00€) acrescido de juros à taxa legal de 6% anuais, sendo que as Executadas comprometeram-se a pagar os juros no final do primeiro ano a contar da escritura e o remanescente no prazo de dois anos a contar da escritura.

5 - Sucede que, atento o prazo convencionado, no dia 17 de maio de 2024, as Executadas apenas liquidaram o montante de 20.000,00€ (vinte mil euros).

6 - As Executadas, apesar de não ser necessário pois tratava-se de uma obrigação de prazo certo, foram ainda assim interpeladas por carta no dia 20 de maio de 2024 para a regularização do montante em falta, porém, as mesmas não procederam ao pagamento até ao dia de hoje. (negrito e sublinhado nosso)

7 - Assim, não tendo cumprido com o pagamento da primeira prestação acordada, venceu-se a totalidade da obrigação, motivo pelo qual se encontra em dívida o montante de 216.225,00€ (duzentos e dezasseis mil duzentos e vinte cinco euros).

8 - A este montante, acrescem juros anuais de 6% sobre o valor de 175.000,00€.

9 - Acresce que, por forma a assegurar as responsabilidades assumidas, foi celebrado no mesmo dia no supra aludido Cartório Notarial, um contrato de cessão de créditos e garantias reais, onde foi constituída uma hipoteca para garantia do bom cumprimento da obrigação sobre um imóvel.

10 - Nos termos do art.703º, n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, a confissão de dívida, constitui título executivo, podendo servir de base à presente execução.

11- As partes são legítimas.

12- A dívida é certa, líquida e exigível.

2. A Exequente apresentou como titulo executivo, o documento – documento 2 junto com o requerimento executivo, intitulado “Confissão de Divida” datado de 17.11.2023, nele figurando primeira outorgante a executada/embargante BB, que intervém por si, e na qualidade de única sócia da sociedade executada, A..., LDA, figurando como segunda outorgante, a aqui exequente/embargada AA, e como do qual consta, para alem do mais o seguinte:


Documento esse assinado na presença do Sr. Dr. CC, Notário, titular da cédula ...42, no Cartório Notarial de CC sito na Alameda ..., ... ....

3. A Exequente juntou ainda ao r.i. um documento - documento n.º 1 - intitulado de “Contrato de Cessão de Créditos e Garantias Reais”, datado de 17.11.2023, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

Documento esse também assinado na presença do Sr. Dr. CC, Notário, titular da cédula ...42, no Cartório Notarial de CC sito na Alameda ..., ... ....

4. A Execução deu entrada em tribunal em 13.6.2024.

5. A Exequente enviou à sociedade executada uma carta registada, datada de 20.5.2024, que esta executada recebeu, com o seguinte teor:


6. A sociedade executada respondeu a esta carta, enviando à Exequente a Carta Registada com A/R. datada de 3.6.2024, que a exequente recebeu em 14.6.2024, seguinte:


7. A executada pagou, à exequente em 17.5.2024, o montante de € 20.000,00, e em 25.5.2024 o montante de € 19.750,00, através de transferência bancaria ordenada nesse mesmo dia, da conta titulada pelo B..., CONFECÇÕES, UNIPESSOAL, LDA, empresa da qual também é sócia gerente a Executada BB, para a conta bancaria da exequente indicada no documento referido em 2.


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III.

É consabido que resulta dos artº635ºnº3 a 5 e 639 nº1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[1], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.

Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar a seguinte questão[2]:

- constando da declaração de dívida a obrigação de pagar parte da quantia total em dívida, em prazo certo, não se tendo liquidado a mesma, está vencido antecipadamente tudo o que em prazo ulterior haveria de ser liquidado?


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O título executivo é o meio legal de demonstração da existência do direito do exequente cujo suporte material é um documento que constitui, certifica ou prova uma obrigação exequível, documento esse que a lei permite que sirva de base à execução.


O título executivo é o invólucro em relação ao qual a lei parte para fazer presumir o direito, é a condição processual de procedência (específica), condicionando a exequibilidade extrínseca da pretensão.

No caso não merece dúvida a natureza de título executivo do documento que foi dado à execução.

O que está em causa não é já essa condição processual de procedência específica que condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão.

Está em causa um outro requisito.


Para além da exigência de um documento que consubstancie título executivo, exige a lei, para que a execução se mostre viável, que a obrigação exequenda refletida nele seja certa, exigível e líquida.

A certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois que a sua não verificação impede que quem no título figura como obrigado seja executado quanto a essa prestação e apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efectiva. – artº713 do CPC.

É exigível a prestação sempre que a obrigação se encontrar vencida ou o seu vencimento estiver dependente, de acordo com a estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artº777 nº1 do CC (“…. o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela”), de simples interpelação a devedor.

Como refere o Professor Germano Marques da Silva dívida exigível para o artº713 do CPC é dívida vencida, coisa igualmente referida pelo Professor Lebre Freitas.[3]

Na verdade, contrariamente ao que sucede na acção declarativa, em que é possível a condenação nas obrigações inexigíveis (arts 557.º, nºs 1.º e 2.º e 610.º do CPC), na acção executiva é necessário que a obrigação que se executa seja tornada exigível (arts. 713.º e 715.º do CPC).

A não exigibilidade para efeitos do citado preceito pode ocorrer na seguinte situação: inexigibilidade derivada da falta de decurso do prazo de vencimento.

Se a obrigação tiver prazo certo, só decorrido este a execução é possível, pois até ao dia do vencimento a prestação é inexigível – art.779.º do CC..

Decorrido o prazo fica então o devedor imediatamente constituído em mora (art.º805.º, n.º2, al.a), do CC: “Há, porém mora do devedor, independentemente da interpelação: a) se a obrigação tiver prazo certo”), a menos que o credor não tenha realizado os actos de cobrança da prestação que porventura lhe incumbissem, como acontece nos casos em que a prestação deve ser efectuada no domicílio do devedor (art.º772.º, n.º,1 do CC: “na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve ser efectuada no domicílio do devedor”).

Pode ocorrer estarmos perante uma obrigação com prazo, prazo este, todavia, fixado em homenagem a um qualquer interesse do credor. Diremos, então, que o prazo foi estabelecido a favor, a benefício, do credor.

Nesta situação, contemplada na 2ª parte do artº779.º do CC, sendo o prazo fixado a benefício do credor, apesar de não decorrido, a obrigação é exigível e, nessa medida, a obrigação passa a exequível, vencendo-se com a interpelação a operar através da citação na execução.

Se o prazo tiver sido fixado a benefício do devedor, que é a regra nos termos da 1ª parte do artº779.º do CC, a obrigação não é exigível senão com o decurso do prazo nos termos supra referido.


É a situação que se nos confronta.

No caso em apreço resulta provado a obrigação de liquidar à embargada a quantia de €39.750,00 no prazo de 6 meses a computar da data da escritura, ou seja, até ao dia 17.5.24 relevando a data da escritura de 17.11.2023.











Vencida a obrigação fraccionada no dia 17.5.2024, não obstante apenas foi pago nesse dia à exequente o montante de € 20.000,00.

O restante em vista a completar o pagamento do valor de €39.750,00 apenas ocorreu em 25.5.2024, liquidando-se o montante de € 19.750,00.

Não obstante, entendeu a exequente que o não pagamento da quantia total de €39.750,00 no dia 17.5.24 lhe legitimava dar por vencida a quantia total em dívida, assim exigindo o seu pagamento por carta de:



O arrimo desta pretensão «encontrou-a» a exequente no que consta da declaração e dívida e donde resulta que, «sem necessidade de interpelação, a presente confissão de dívida serve de título, nos termos do CPC, podendo ser executados quando vencidas as obrigações cujo cumprimento assegurem ou quando ou quando não for cumprido qualquer um dos deveres por aquela assumidos e emergentes da escritura, nomeadamente quando vencida e não paga qualquer uma das prestações indicadas (….)»


Da leitura da decisão em crise retira-se que se entendeu que não bastaria a não liquidação do valor fracionado devido na data consignada de 17.5.24, além disso impunha-se a interpelação por se entender não estar a exequente dispensada de o fazer perante as executadas, nomeadamente a sociedade, para que num prazo razoável cumprissem a prestação, sob pena de se vencerem todas as prestações.

Vejamos.

O que consta da declaração de dívida a propósito desta questão é, ao fim ao resto, a reprodução do que está previsto no art.781.º do CC.

Dispõe este artigo que «[s]e a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.»

Este preceito «define-se como uma terceira causa de perda de benefício do prazo que se adiciona às duas previstas no antecedente artigo 780.º. Nas dívidas a prestações ou fracionadas, tendo o devedor faltado ao cumprimento de uma prestação, o credor poderá exigir imediatamente as restantes prestações, antes do tempo acordado para a sua sucessiva exigibilidade.»

(…)

A consequência deste art.781.º do CC não é automática constituição do devedor em mora pela totalidade das prestações em falta. Trata-se de uma hipótese de perda do benefício do prazo em que se concede ao credor a possibilidade de exigir antecipadamente o cumprimento de todas as prestações e, deste modo, constituir o devedor em mora quanto às prestações vincendas. Se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe consente terá de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas. Este é o entendimento que domina a doutrina – sublinhe-se, porém, a leitura contrária conquanto crítica, de Galvão Telles, 1997:260 e 271 - e na jurisprudência. Consultar, nomeadamente, as decisões da RL 10.02.2000 e 20.10.2009 e, no mesmo sentido, o Ac. da RC 07.06.2016: uma vez que consiste em faculdade atribuída ao credor, o vencimento antecipado só ocorrerá se o credor interpelar o devedor para cumprir.»[4]

Na mesma linha do exposto refere Ana Prata que «[a] diversidade de redação em relação ao preceito anterior tem suscitado dúvidas e divergências quanto ao efeito jurídico da falta de realização de uma das frações por parte do devedor: enquanto, no artigo anterior, se fala de «perda do benefício do prazo», aqui diz-se que o incumprimento previsto «importa o vencimento de todas as [prestações vincendas]». A maioria da doutrina inclina-se para que esta redação não queira, só por si, significar que se está perante um vencimento automático, mas, no quadro desta Subsecção, perante mais uma circunstância que se reflete no prazo, mais exatamente na perda do benefício dele pelo devedor. O que tem como consequência que, faltando o devedor ao cumprimento de uma das prestações, possa o credor exigir (interpelá-lo, de acordo com o n.º1 do art.805) o cumprimento da totalidade da obrigação.»[5]

No caso em apreço ocorreu uma comunicação por carta datada de 20.5.24 dirigida à executada A... Ldª, referindo que, por via do incumprimento, não pagamento integral da citada prestação a ocorrer no dia 17.5.24, se considerava definitivamente incumprida a obrigação total a que se obrigara, tudo conforme consta do documento que segue:

Temos, pois, por verificada a exigida interpelação, produzindo a mesma os efeitos desejados não obstante o pagamento que veio a ocorrer a 25.5.2024 (por conseguinte em momento posterior à comunicação atrás referida), liquidando-se o montante de € 19.750,00 em falta em face da prestação de €39.750,00.[6]


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De todo o modo, ainda que não se releve esta interpelação, sempre se teria que concluir pelo vencimento integral da dívida, destarte ocorrendo a imposta exigibilidade (vencimento) da obrigação exequenda.

Vejamos.

Retira-se da petição da execução e das alegações de recurso que tal perspectiva (da verificação do vencimento) se estribou na consideração de que as executadas se obrigaram no reconhecimento de que se afastava a aplicação do artigo atrás citado na leitura de que dele se faz de que «[a] consequência deste art.781.º do CC não é automática constituição do devedor em mora pela totalidade das prestações em falta

De facto a norma em causa tem natureza supletiva[7], podendo conferir-se automaticidade do vencimento integral do que se deve face ao incumprimento em relação a uma das prestações.

De facto «[é] possível convencionar-se o vencimento automático das prestações vincendas, independentemente de ter havido interpelação, conforme decidido Ac. STJ 21.11.2006.»[8]

Refere a sentença que «[o]correndo perda do benefício do prazo nas circunstâncias referidas, o credor (exequente) não fica dispensado de interpelar os devedores (executados), para que num prazo razoável cumpram a prestação, sob pena de se vencerem todas as prestações. E isto mesmo tratando-se de obrigação de prazo certo, como no caso dos autos.

No caso dos autos, a prestação vencia-se a 17.5.2024, e nessa data, a executada procedeu ao pagamento apenas da quantia de 20.000, 00 Euros, sendo que nesta data deveria ter efetuado o pagamento da prestação de € 39.750,00.

E, por carta datada de 20.5.2024, a Exequente considerou o contrato definitivamente resolvido e incumprido, exigindo o pagamento de todas as prestações.

Em primeiro lugar, e tal como ficou provado, a Executada em 25.5.2024, procedeu ao pagamento da quantia restante com vista ao pagamento da quantia de € 19.750,00, através de transferência bancaria ordenada nesse mesmo dia, da conta titulada pelo B..., CONFECÇÕES, UNIPESSOAL, LDA, empresa da qual também é sócia gerente a Executada BB, para a conta bancaria da exequente indicada no titulo executivo.

Assim, em 25.5 2024, estava liquidada na integra a prestação devida em 17.5.2024, no montante de 39.750,00€, sendo certo que a Exequente não interpelou os devedores (executados), tal como s impunha, para que num prazo razoável cumpram a prestação, sob pena de se vencerem todas as prestações.

Pelo que face à configuração legal, doutrinal e jurisprudência vigente, concluímos que não ocorreu a perda de beneficio do prazo em relação às executadas, e assim não pode a exequente exigir o cumprimento de todas as prestação.»

Em momento algum na decisão em crise se chamou à colação o segmento da declaração de dívida dada à execução na parte que refere: «sem necessidade de interpelação, a presente confissão de dívida serve de título, nos termos do CPC, podendo ser executados quando vencidas as obrigações cujo cumprimento assegurem ou quando ou quando não for cumprido qualquer um dos deveres por aquela assumidos e emergentes da escritura, nomeadamente quando vencida e não paga qualquer uma das prestações indicadas (….)»

Tudo está, pois, dependente do que se conclua quanto ao que se subscreveu na declaração de dívida dada à execução na parte segmentada, ou seja, se com esse segmento se afastou a leitura do art.781º nos termos atrás referidos, conferindo-se automaticidade do vencimento integral do que se deve face ao incumprimento em relação a uma das prestações.

Dispõe o art. 236º, nº 1, que: “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Tal preceito acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de harmonia com a qual a determinação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto, a menos que o declarante não possa, razoavelmente, contar com tal sentido ou que o declaratário conheça a vontade real do declarante.[9]

Sobre as circunstâncias atendíveis para a interpretação «(…): serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta.»[10]

Ora, no caso em apreço, face ao teor do referido segmento, crê-se ser de retirar que se pretendeu de facto conferir a automaticidade do vencimento integral do que se devia face ao incumprimento em relação a uma das prestações.

Não cremos poder ser outro o sentido a retirar pelo citado «destinatário da declaração» quando se refere expressamente à dispensa de qualquer interpelação, podendo-se executar quando vencidas as obrigações cujo cumprimento assegurem ou quando ou quando não for cumprido qualquer um dos deveres por aquela assumidos e emergentes da escritura, nomeadamente quando vencida e não paga qualquer uma das prestações indicadas.

Não se retira dessa expressão, sem qualquer interpelação, outra vocação senão a de conferir a citada automaticidade.

A pretender-se entender que com o segmento em causa se visava a reprodução sem mais do regime que resulta do art.781.º do CC na leitura da não automaticidade do vencimento integral do que se deve face ao incumprimento em relação a uma das prestações, então teria de concluir-se que a expressão sem necessidade de interpelação teria natureza manifestamente espúria.

Conclui-se, pois, que não se tendo liquidado a quantia integral correspondente à fracção da quantia global que se venceu no dia 16.5.24, se venceram todas as demais automaticamente, donde se tornando exigível toda o valor objecto da declaração de dívida dada à execução.

Dizer também que a carta enviada pela exequente a 20.5.24 se mostra absolutamente desnecessária, até incongruente com o objectivo desejado: a liquidação de tudo o devido, nomeadamente os juros que se identificam no requerimento inicial da execução.

Desnecessário porque em face da não liquidação integral da prestação atrás referida, venceram-se todas as demais vista a citada automaticidade.

Diremos, pois, que tal carta nenhum significado tem senão o de exigir o pagamento do total devido, exigência essa porque vencida a obrigação assumida na sua totalidade.

Com o vencimento da prestação devida em 17.5.24 sem a sua liquidação total, venceram-se automaticamente todas as demais e acessórios relevados no documento dado à execução, nada mais sendo exigido para que a execução desse entrada e prosseguisse: a obrigação é exigível.


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Invoca a recorrente questões relacionada com a obrigação de pagamento da cláusula penal.

A questão em causa não foi discutida na decisão posta em crise, não foi objecto dos embargos, sequer do requerimento inicial[11] da execução consta o pedido em relação à mesma.

É, pois, questão nova que apenas surge no recurso.

Nessa medida não será conhecida[12] .


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Tudo visto, conclui-se pela procedência do recurso, impondo-se a revogação da sentença e a determinação do prosseguimento da execução.

IV.

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogando-se o decidido na sentença da primeira instância, julgar-se improcedente os embargos de executado deduzidos pelas embargantes, assim se determinando o prosseguimento da instância executiva.

As custas ficarão a cargo das recorridas.


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Sumário:

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Porto, 8/5/2025.

Carlos A. da Cunha Rodrigues de Carvalho

João Maria Espinho Venade

António Paulo Esteves de Aguiar Vasconcelos



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[1] Cfr. a citação da doutrina a propósito no Ac. do STJ de 6.6.2018 proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1: (a) António Santos Abrantes Geraldes - «[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.» - in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147. / (b) Fenando Amâncio Ferreira - «[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação. Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.» - in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 108 / (c) José Augusto Pais do Amaral - «[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.» - Direito Processual Civil, 2013, 11ª edição, Almedina, páginas 417/418.
[2] Relevando-se para o efeito que a matéria de facto permanece intocada por não ter sido impugnada e não se antolhar qualquer motivo para que, oficiosamente, se altere a mesma, remete-se para os termos da mesma conforme decidido pelo Tribunal a quo – artº663ºnº6 do CPC.
[3] Quanto ao primeiro Curso de Processo Civil Executivo, Acção Executiva Singular Comum e Especial,  Lisboa, Univ. Católica Editora, pag. 64 / Quanto ao segundo A Acção Executiva , 6ª Ed. Coimbra Editora, pág. 100.
[4] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Obrigações em Geral, UCP Editora, pág.1071
[5] Código Civil Anotado, Coordenação Ana Prata, 2ª ed.,  V.I, pág.1014

[6] Refere a sentença : «Assim, em 25.5 2024, estava liquidada na integra a prestação devida em 17.5.2024, no montante de 39.750,00€, sendo certo que a Exequente não interpelou os devedores (executados), tal como se impunha, para que num prazo razoável cumpram a prestação, sob pena de se vencerem todas as prestações.»

Não tinha de ocorrer essa interpelação para que se liquidasse a prestação em falta. Esta estava vencida. As que não estavam eram as demais. Para essas, sendo exigíveis, é que se exigia a interpelação para que se vencessem.

Cfr. nesse sentido o que se diz a «páginas tantas» no Ac. do STJ de 18.1.18, proc. 2351/12.2TBTVD-A: «Deste preceito resulta a mera exigibilidade das prestações e não o vencimento automático, vencendo-se apenas depois da interpelação.

A interpelação consiste no acto pelo qual o credor comunica ao devedor a sua vontade de receber a prestação e, por via desta comunicação, dele reclama o cumprimento.

Efectivamente, tratando-se de pagamento em prestações, não satisfeita uma delas, por via da interpelação, o credor faz saber ao devedor pretender beneficiar da antecipação do vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não venceu.

O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se venceu, constitui um benefício que a lei concede ao credor, não prescindindo de interpelação ao devedor, na medida em que constituindo uma mera faculdade que aquele pode ou não exercer, pretendendo fazê-lo, deverá dar disso conhecimento ao devedor.»

(….)

Faltando o devedor com a realização de uma das várias prestações, o credor, querendo optar pelo vencimento imediato de todas as prestações, tem de notificar o devedor dessa vontade, ou seja, interpelá-lo para a antecipação das prestações vincendas (ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 1979, pág. 737).»
[7] O carácter supletivo da norma é reconhecido pela generalidade da doutrina - Código Civil Anotado, Coordenação Ana Prata, 2ª ed.,  V.I, pág.1014
[8] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Obrigações em Geral, UCP Editora, pág.1071.

[9]  Carlos Alberto da Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, “por” António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto”, Coimbra Editora, pp. 443/444 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 222, referindo este, para além da adoção da mencionada teoria da impressão do destinatário, que: “(…). O objetivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
[10] Mota Pinto, op. cit. pág. 446/447

[11] Requerimento inicial:

1 - Por documento particular autenticado, pelo Sr. Dr. CC, Notário, titular da cédula ...42, no Cartório Notarial de CC sito na Alameda ..., ... ..., no dia 17-11-2023, as Executadas e a Exequente celebraram uma Confissão de Dívida.

2 - As Executadas reconheceram e confessaram-se devedoras para com a Exequente da quantia de 214.750,00€ (duzentos e catorze mil setecentos e cinquenta euros).

3 - A Exequente assinou tal documento e aceitou a confissão de dívida efetuada pelas Executadas

4 - As Executadas obrigaram-se a pagar a quantia de 39.750,00€ no prazo de seis meses contados da data da outorga da escritura e o restante ( no valor de 175.000,00€) acrescido de juros à taxa legal de 6% anuais, sendo que as Executadas comprometeram-se a pagar os juros no final do primeiro ano a contar da escritura e o remanescente no prazo de dois anos a contar da escritura.

5 - Sucede que, atento o prazo convencionado, no dia 17 de maio de 2024, as Executadas apenas liquidaram o montante de 20.000,00€ (vinte mil euros).

6 - As Executadas, apesar de não ser necessário pois tratava-se de uma obrigação de prazo certo, foram ainda assim interpeladas por carta no dia 20 de maio de 2024 para a regularização do montante em falta, porém, as mesmas não procederam ao pagamento até ao dia de hoje. (negrito e sublinhado nosso)

7 - Assim, não tendo cumprido com o pagamento da primeira prestação acordada, venceu-se a totalidade da obrigação, motivo pelo qual se encontra em dívida o montante de 216.225,00€ (duzentos e dezasseis mil duzentos e vinte cinco euros).

8 - A este montante, acrescem juros anuais de 6% sobre o valor de 175.000,00€.

9 - Acresce que, por forma a assegurar as responsabilidades assumidas, foi celebrado no mesmo dia no supra aludido Cartório Notarial, um contrato de cessão de créditos e garantias reais, onde foi constituída uma hipoteca para garantia do bom cumprimento da obrigação sobre um imóvel.

10 - Nos termos do art.703º, n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, a confissão de dívida, constitui título executivo, podendo servir de base à presente execução.

11- As partes são legítimas.

12- A dívida é certa, líquida e exigível.

[12] Ac. do STJ de 08-10-2020, proc.4261/12.4TBBRG-A.G1.S1:

(i) - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.

(ii) - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.

(iii) – Interrompendo-se a prescrição a 16.06.2012, mantendo-se até à decisão, com trânsito em julgado, que ponha termo ao processo nos termos do artigo 327º nº 1 do Código Civil.