EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA À ADOPÇÃO
PRESSUPOSTOS
RISCO AGRAVADO
Sumário

Sumário da responsabilidade do relator:
I. Não existe vício num despacho proferido após a decisão final, por extinção do poder jurisdicional, tratando-se de conhecimento e decisão de uma questão incidental suscitada após prolação da mesma e cujo objeto é novo e não se compreende no decidido;
II. Não existe uma verdadeira impugnação da decisão de facto, mesmo que mal expressa, quando o recorrente se limita a fazer considerações sobre o seu teor sem formular qualquer pedido de alteração;
III. Não existe, igualmente, uma verdadeira impugnação da decisão de facto quando o recorrente pretenda apenas sustentar uma diferente redação de factualidade dada por provada, sem sustentar uma divergência material relativamente à mesma;
IV. A medida de confiança com vista a adoção pressupõe dissolução do vínculo filial, o que pode ocorrer quando os progenitores biológicos tiverem colocado os filhos em grave risco para o seu desenvolvimento, por ação ou omissão;
V. O progenitor que maltrata repetidamente o filho, ou o progenitor que não acompanha a sua vida, voluntária ou involuntariamente, enfraquece o vínculo filial de forma equiparável à uma efetiva quebra;
VI. A permanência de afetividade entre progenitores biológicos e filhos, apresentada de forma intermitente e irregular, não constitui condição suficiente para a afirmação de permanência de um vínculo filial que afaste a possibilidade de confiança para adoção;
VII. Além dessa ligação psicológica sentimental, exige-se que os progenitores demonstrem uma vontade consistente de orientarem a sua vida para defesa e promoção do desenvolvimento dos filhos para que se afirme um vínculo próprio da filiação;
VIII. Atingindo o tribunal um grau de certeza quanto à impossibilidade de apresentar um projeto de vida coerente às crianças junto da família biológica, restrita ou alargada, devendo o seu crescimento fazer-se em contexto familiar, a solução que se impõe é a constituição de novos vínculos, desejavelmente mantendo apenas a ligação biológica e de confiança que se estabeleceu entre dois irmãos que viveram sempre juntos.

Texto Integral

Decisão:

I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Apelação – 2 (duas), nos autos;
- Tribunal recorrido – Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz 2;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Processo de Promoção e Proteção – processo n.º 1282/21;
- Decisão recorrida – Acórdão.
--
I.II. Elementos subjetivos:
- Recorrente (pai): - ---;
- Recorrente (mãe): - ---;
- Crianças sujeito do processo:
- ---- (nascido a 28/4/2019);
- --- - (nascido a 20/2/2021). –
--
I.III. Síntese dos autos:
- Em maio de 2019 foi instaurado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Torres Vedras processo de promoção e proteção relativo a ---, nascido a 28/4/2019, na altura, com alguns dias de vida, na sequência de informação do Centro de Saúde de Torres Vedras, (que se iniciou com uma participação feita pela mãe ao Serviço Social desse Centro de Saúde);
- Tal informação relatava uma situação de falta de acompanhamento da gravidez, instabilidade habitacional (casal a viver num quarto, com rendas em atraso e iminência de despejo, ausência de rede de apoio familiar, ausência de rendimentos, ausência de autorização de residência da progenitora em Portugal e queixas da mãe relativamente ao comportamento do pai);
- O processo foi arquivado e remetido pela CPCJ ao Ministério Público, para instauração de processo judicial de promoção e proteção, na sequência de recusa de consentimento dos progenitores à intervenção daquele organismo;
- A 16/6/2019 foi instaurado processo judicial de promoção e proteção relativamente ao menor - -;
- Nesse âmbito foi aplicada medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, que vigorou entre 9/7/2019 e 16/11/2019.
- Nesta data (16/11/2019) foi a medida substituída por medida de acolhimento residencial, que veio a ser mantida até 22/11/2022;
- Nesta data foi a medida substituída por apoio junto da mãe;
- Na sequência do nascimento da criança --- -, encontrando-se este com cerca de 6 meses de idade, a 6/9/2021, foi instaurado procedimento urgente, que determinou o seu acolhimento residencial, decisão que veio a ser validada judicialmente por decisão de 9/9/2021;
- Essa situação de acolhimento residencial manteve-se até 22/11/2022;
- Nesta data, correndo o processo de promoção e proteção relativamente aos dois irmãos, foi a medida de acolhimento substituída por apoio junto da mãe;
- Em execução desta medida, perante oposição do progenitor à sua manutenção, a sinalização da creche que progenitora a agressividade verbal da mãe sobre os filhos e a referência de a mãe ter batido nas costas do filho - com um martelo (com sinais visíveis de hematoma no sítio assinalado), por acórdão de 28/6/2023, foi novamente aplicada a ambos os menores medida acolhimento residencial, em substituição da medida de apoio junto da mãe;
- Nesse acórdão foi ainda ordenada a realização de uma perícia psiquiátrica colegial à mãe e a expedição de carta rogatória à justiça brasileira com objetivo de obter informação sobre o agregado familiar alargado da progenitora e seu histórico familiar;
- A medida de acolhimento residencial está em execução desde 3/7/2023 em casa de acolhimento residencial da associação --, em São Miguel, com autorização de visitas à mãe, incluindo dormidas aos fins de semana e contactos de uma hora ao longo da semana.
- Realizada a perícia à progenitora e devolvida a carta rogatória pela justiça do Brasil, promoveu o Ministério Público a substituição da medida de acolhimento residencial aplicada aos menores - e --- pela medida de confiança a instituição com vista à adoção;
- Ambos os progenitores manifestaram nos autos a sua oposição a tal medida;
- Apresentaram depois os progenitores as suas alegações e requerimentos de prova;
- Na sequência, realizou-se debate judicial e foi proferido o acórdão objeto de recurso, que decidiu pela aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista a adoção a ambas as crianças;
- Dessa decisão apelaram ambos os progenitores;
- Na data do acórdão, deu o Ministério Público entrada a requerimento, juntando comunicação proveniente da instituição em que as crianças se encontram acolhidas, onde consta, designadamente:
- (...) vimos, por este meio, perguntar a V.Ex.ª se mantém autorização dos contactos diários da progenitora com os menores.
A progenitora tem autorização para ir buscar os filhos à escola, levá-los às terapias, como também realizar visitas dentro e fora do contexto de CAR.
(...)
- A equipa técnica encontra-se muito preocupada com toda a situação social/emocional da mãe, uma vez que a mesma não se encontra emocionalmente estável com toda a situação.
- Nessa mesma data, foi proferido despacho no processo, cujo teor é o seguinte:
- Na sequência da decisão proferida na data de hoje de aplicação aos menores ----, nascido a 28.04.2019, e --- -, nascido a 20.02.2021, da medida de confiança a instituição em vista a futura adoção, veio o M.P. dar respaldo da preocupação da Equipa Técnica da CAR relativamente ao bem-estar dos menores, em virtude da progenitora não se encontrar emocionalmente estável, certamente devido à decisão proferida nos presentes autos e também retirada recente do bebé recém nascido.
Ora, a decisão hoje proferida pelo coletivo de juízas ainda não transitou em julgado, tendo o eventual recurso que venha a ser interposto no prazo de 10 dias efeito meramente suspensivo, por imperativo legal (cf. artigo 124º/1/2 LPCJP), o que significa que à partida deveria ser mantido o regime de convívios.
Porém, o regime em vigor de amplos convívios dos menores com a mãe, fora da casa de acolhimento residencial, num contexto em que já foi tomada pelo tribunal uma decisão de confiança dos menores a instituição em vista a futura adoção, por razões comportamentais da figura materna associadas a «transtorno borderline» de que padece, mas não reconhece, nem trata, coloca notoriamente em perigo estas crianças, que ficam expostas às oscilações comportamentais da progenitora, pelo que se determina a alteração do mesmo, ordenando-se que os menores - e -- - - permaneçam acolhidos na CAR «--», até que o acórdão hoje proferido transite em julgado, sem exceder os 3 meses (cf. artigos 37º e 35º/1/f) da LPCJP), restringindo-se os convívios destas crianças com a mãe a visitas supervisionadas no PEF (e até que estas visitas tenham início, a duas videochamadas supervisionadas pela equipa técnica da CAR, com periodicidade bissemanal), e os convívios das crianças com o pai a duas videochamadas bissemanais, também supervisionadas pela equipa técnica da CAR.
Notifique e comunique à EMAT e CAR.
- Por correio eletrónico datado de 10/3/2025 solicitou a instituição onde as crianças se mostram acolhidas informação aos autos cujo teor, na sua parte relevante é
(...), a Sr.ª - - contatou-nos, via WhatsApp, na passada sexta-feira a informar-nos que, atendendo à sua Advogada, a Dr. --que não estávamos a cumprir com o despacho.
Passo a citar a informação facultada pela progenitora referente à sua Advogada “Quanto às videochamadas, segundo o despacho elas deveriam ser bissemanais e supervisionadas pela Equipa Técnica da CAR. Sugiro que fale com a Dr.ª -- para perceber porque é que este despacho não foi ainda cumprido.”
Reforço que, antes das visitas se iniciarem no PEF, as videochamadas da progenitora deram-se sempre duas vezes na semana (às segundas e quintas-feiras) e foram sempre supervisionadas pela Equipa Técnica.
Ficamos a aguardar, com brevidade, esclarecimento quanto a isto, uma vez que, a Sr.ª - - aguarda resposta da nossa parte.
- Na sequência, foi proferido despacho datado de 13/3/2025 cujo teor é:
O despacho judicial de 30-01-2025 é claro no seu sentido e alcance (cf. ref.ª citius n.º 58910185). Os convívios com a mãe passam a ser supervisionados no PEF, ocorrendo até início destes convívios supervisionados no PRF, a duas videochamadas supervisionadas pela equipa técnica da CAR entre a mãe e as crianças, com periodicidade bissemanal, as quais cessarão obviamente após o início dos convívios no PEF.
- Após prolação deste despacho subiram os autos a esta Relação. –
---
II. Objeto do recurso:
II.I Recurso interposto pelo pai ---:
II.I.I. Conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações:
1. Uma decisão só se torna definitiva após o decurso do prazo legal de que dispõe a parte para interpor recurso, não podendo a decisão ter efeitos imediatos, pelo que o direito do pai - de falar todos os dias com os seus filhos - e --, por vídeo chamada, não podia ter sido limitado logo após a leitura da decisão;
2. Após ser proferida decisão, com todo o devido respeito, não podia a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo alterar esta mesma decisão, proferindo despacho em sentido diverso, porquanto com a leitura do Acórdão ficou imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria decidida, razão pela qual o dito despacho de 30-01-2025, proferido após decisão deverá ser considerado nulo;
3. A avaliação psicológica do pai - foi realizada a 29-07-2020, altura em que apenas o menor - era nascido (28-04-2019) e o pai - tinha reatado com a mãe -;
4. A avaliação psicológica do pai - apontou que a relação mantida com a mãe -, pautada por instabilidade e conflito, impactava negativamente na capacidade de exercício das funções parentais – de salientar que esta instabilidade está diretamente relacionada com a relação com a mãe -;
5. O Tribunal a quo limitou-se a formar a sua convicção quanto ao pai -, mantendo-a até à decisão de 30-01-2025, apesar das circunstâncias se terem alterado;
6. Contudo, daquele mesmo relatório de perícia médico-legal consta expressamente que: “Ao longo da situação de exame o - estabeleceu um contato fácil, exibindo uma atitude colaborante, respondendo às questões que lhe foram solicitadas (…) O discurso é organizado e espontâneo” (pág. 3);
7. Das conclusões do relatório médico legal também consta que: “as pontuações obtidas correspondem provavelmente a um progenitor não-abusivo” (pág. 16) – de salientar progenitor não-abusivo;
8. Também consta: “Da avaliação instrumental salienta-se uma adequada capacidade de raciocínio lógico-abstrato, ausência de sintomatologia e estratégias adequadas para lidar com situações de dano, desafio e ameaça (…) as pontuações obtidas indicam a presença de empatia, bem como um estilo de vinculação seguro” (pág. 18) – de realçar estilo de vinculação seguro;
9. Também consta no que respeita aos fatores de proteção do pai -: “exposição a modelos relacionais estáveis e positivos na infância (mãe e padrasto); perceção de um desenvolvimento positivo e de um bom relacionamento com a progenitora e avó materna; relação de grande proximidade afetiva com a progenitora; comportamento adequado e proativo durante o cumprimento da pena de prisão; relação de proximidade afetiva com -, em relação ao qual mantém contactos regulares; relação de proximidade afetiva com a filha -; relação de proximidade afetiva com -; sentido de responsabilidade para com os filhos e companheira; realização de diversas diligências para assegurar a proximidade ao - e o seu bem-estar (realização de vídeo chamadas com o menor, envio de dinheiro para colmatar as necessidades de habitabilidade e quotidiano do mesmo, abandono do emprego, deslocação aos Açores); estilo de vinculação seguro; baixa tolerância à punição física; disponibilidade para mudar as suas circunstâncias de vida em função do -” (pág. 19 e 20);
10. E das conclusões do relatório também consta: “A informação adquirida não permitiu apurar a existência de qualquer psicopatologia que impeça, limite ou condicione o exercício das responsabilidades parentais. (…) No caso do examinando, - é descrito com afetos positivos e ressonância afetiva adequada, tendo o progenitor revelado conhecimentos atualizados acerca do seu desenvolvimento. Também a informação contida nas peças processuais dá conta de uma relação de afeto, satisfação e interesse belo bem-estar do menor, por parte das técnicas que supervisionam as visitas de - ao lar. (…) as respostas do examinando apontam para um desempenho da parentalidade associado à satisfação das necessidades do filho por via da providência financeira, sendo esta encarada como uma responsabilidade que assume para com a família” (pág. 20 e 21) – de salientar desempenho da parentalidade associado à satisfação das necessidades do filho;
11. Após o nascimento do menor -- (20-02-2021) não foi efetuada qualquer outra avaliação ao pai -;
12. Após o afastamento do pai - e da mãe - (junho de 2021), não foi efetuada qualquer outra avaliação ao pai -;
13. Após a saída do pai - da Ilha de S. Miguel – numa tentativa, deste evitar conflitos com a mãe - –, não foi efetuada qualquer outra avaliação ao pai -;
14. O Tribunal a quo colocou à margem o pai - e centrou todas as suas expetativas na mãe -, concedendo aos menores - e --, por diversas vezes, a medida de acolhimento junto à mãe, com todas as regalias que isso implica;
15. A mãe - proibiu o pai - de ter qualquer contacto com os menores - e --;
16. O Tribunal a quo considera provados comportamentos de agressão psicológica e física perpetradas pelo pai - a outras companheiras que não à mãe -, mas sem qualquer prova de condenação apresentada no processo de promoção e proteção, condenando-o arbitrariamente;
17. Não ficou provado que o pai - tenha agredido a mãe do filho - ou a ex-companheira -, porquanto o mesmo não foi condenado por tais crimes;
18. O Tribunal a quo considera provados factos sem que a informação tenha sido prestada perante autoridade judicial, mas perante técnicas, o que não se pode valorar como prova;
19. O pai - sempre demonstrou uma atitude positiva para com os menores - e --, não existindo qualquer relatório ou informação que contrarie esta afirmação;
20. Está provado que o pai - manteve contacto regulares com os menores - e --, através de vídeo chamadas diárias e sempre que permitido pela Instituição, mantendo uma “postura assertiva e adequada”, bem como compreensiva;
21. O pai - sempre demonstrou desejar acolher os menores - e -- no seu agregado familiar na Ilha da madeira;
22. O pai - esteve sempre em contacto com a equipa técnica da Instituição onde os seus filhos menores estavam acolhidos, mostrando-se interessado em saber de tudo quanto se passava com os menores - e --;
23. O pai - quando prestou declarações a 26-11-2024, perante o Tribunal a quo, indicou a sua morada na ilha da Madeira, afirmando estar a dormir no sofá da casa de uns amigos;
24. O pai - declarou que durante os últimos 5 meses esteve sempre a trabalhar na área da construção civil, auferindo rendimentos entre €1.400 e €1.600 mensais;
25. Não ficou provado que o pai - não tem rendimentos mensais entre € 1.400 e € 1.600, pois o facto de trabalhar sem contrato e sem descontos para a segurança social não permite aferir tal conclusão;
26. O pai - declarou que estava à espera que a casa que pretendia para ir residir com os menores - e -- ficasse vaga, sendo espetável que tal ocorresse em 21-12-2024, altura em que podia ir residir para a casa;
27. O pai - demonstrou no mês de dezembro de 2024 que conseguiu arrendar a casa pretendida, entregando no processo de promoção e proteção, contrato de arrendamento e fotografias da casa, bem como solicitando que a CPCJ ou qualquer outra entidade da Ilha da Madeira fosse visitar o local para ver das condições. Do contrato de arrendamento consta uma fiadora e o pagamento de caução e renda mensal de € 800;
28. O pai - verificou da existência de vaga em escola para ser frequentada, no segundo período escolar do ano letivo 2024-2025, pelos seus filhos - e --, sendo esta a mesma escola frequentada pelos seus filhos gémeos (nascidos a 24.04.2023) residentes na Ilha da Madeira;
29. O pai - rogou à pessoa para quem fazia trabalhos de construção civil sem qualquer desconto para a Segurança Social que redigisse contrato de trabalho e apresentou-o no Tribunal a quo;
30. O pai - trabalha para aquela ´empresa unipessoal´, fazendo também trabalhos a pessoas particulares, sendo uma pessoa trabalhadora e de confiança, a quem os seus clientes confiam a chave das suas casas;
31. O pai - não concordou que os seus filhos - e -- fossem dados para adoção;
32. O pai - tem convívios com os seus filhos gémeos residentes na Ilha da Madeira; -
33. O pai - não tem qualquer incapacidade para tomar conta de qualquer um dos seus filhos, nem nunca teve, isto é, nunca foi “ope judicis” inibido do exercício das responsabilidades parentais;
34. O pai - requereu, a 10-12-2024, ao Tribunal a quo que autorizasse que os seus filhos - e -- fossem passar os dias 23, 24, 25 e 26 de dezembro de 2024 à Ilha da Madeira, mostrando-se disponível para que a CPCJ ou qualquer outra entidade fosse visitar a sua residência e ver das condições;
35. A mãe - só pediu para ter os filhos nos mesmos dias que o pai - após ter conhecimento do pedido do mesmo;
36. O Tribunal a quo, na posse destas novas informações de habitabilidade e trabalho e vaga em escola para os menores frequentarem, não pediu qualquer relatório social do pai -, não solicitou qualquer visita à habitação ou local de trabalho do mesmo, não demonstrou qualquer interesse pelo esforço do pai -;
37. A decisão do Tribunal a quo foi no sentido de não autorizar que os menores - e -- se deslocassem à Ilha da Madeira a fim de passarem com o pai - a quadra Natalícia;
38. A decisão do Tribunal a quo foi no sentido de autorizar que os menores - e -- passassem com a mãe - (grávida de termo) os dias 24 e 25 de dezembro de 2024;
39. A decisão do Tribunal a quo foi no sentido do pai - se deslocar à Ilha de S. Miguel nos dias 26 e 27 de dezembro de 2024 para estar com os menores - e -- em contexto de CAR – bem sabendo que o pai - não se podia ausentar da Ilha da Madeira em dias de trabalho (quinta-feira e sexta-feira);
40. Aquando do despacho do Tribunal a quo de 18-12-2024, estando a prova produzido no âmbito do debate judicial praticamente concluída, faltando apenas ouvir uma testemunha abonatória da mãe -, não se alcança, como é que o Tribunal a quo pretendendo decidir pela confiança a Instituição com vista a futura adoção – no mês de janeiro de 2025 – tenha admitido que os menores - (com 5 anos e 8 meses) e -- (com 3 anos e 10 meses) criassem memórias de Natal com a mãe -;
41. A amnésia infantil, como é designada pelos psicólogos é a incapacidade de uma pessoa se lembrar da sua vida, geralmente entre os 2 e 3 anos de idade. É um fenómeno natural do desenvolvimento cognitivo, onde o cérebro ainda não está totalmente preparado para armazenar e recuperar memórias dos primeiros anos de vida;
42. O Tribunal a quo ao permitir que os menores - e -- vivenciassem aquelas memórias natalícias em 2024, isto é, menos de um mês antes de pretender aplicar a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, inviabilizou a aplicação desta mesma medida;
43. E entende-se que aquele “lapso” do Tribunal a quo impossibilitou a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção pela simples razão de que os menores - e -- vão ter aquela memória natalícia tão recente bem presente nas suas vidas e o facto de se sentirem abandonados pela mãe - e pelo pai -, com quem deixarão de ter contacto causará, sem qualquer dúvida, o chamado pelos psicólogos de trauma do abandono;
44. O trauma do abandono é uma resposta emocional e psicológica profunda que ocorre quando uma pessoa experimenta a perda de uma figura de apego significativa e este trauma tem um impacto duradouro na saúde mental e no bem-estar da criança;
45. Em termos psicológicos, o trauma de abandono pode levar a diversos problemas como ansiedade – sentimentos constantes de preocupação e medo de ser abandonado novamente; depressão – sentimentos de tristeza profunda e baixa autoestima; problemas de relacionamento – dificuldades em confiar nos outros e em formar vínculos saudáveis e seguros; transtornos de apego – dificuldades em desenvolver um apego seguro com figuras significativas na vida;
46. A mãe -, quem sabe pelo facto de desde tenra idade saber que foi adotada, sofre de traços desadaptativos da personalidade, tem um modelo de vinculação inseguro-evitante que condiciona certamente as suas relações íntimas e de parentalidade;
47. O pai - não pretende que os menores - e -- sofram dos mesmos transtornos que a mãe -, não pretende que os menores - e -- cresçam com o trauma do abandono;
48. Está provado no processo de promoção e proteção que o pai - mantem contactos regulares com os menores - e -- por vídeo chamada diárias e sempre que a tal é permitido pela Instituição, mantendo uma postura adequada e compreensiva, estando permanentemente em contacto com a equipa técnica da Instituição onde os seus filhos menores estavam acolhidos e mostrando-se interessado em saber de tudo quanto se passava com os mesmos;
49. O pai - não abandonou os menores - e -- na Instituição fazendo apenas contactos esporádicos com os mesmos, faz contactos diários por vídeo chamada com os filhos - e --;
50. Os menores - e -- sabem que o - é o pai delas (muito embora a mãe - tenha tentado fazer com que os menores chamassem de pai ao seu atual companheiro);
51. O pai - provou ao Tribunal a quo que tem a sua vida orientada, tem habitação condigna para os filhos - e --, tem garantia de vaga em instituição de ensino, tem rendimentos do trabalho e tal podia ter sido pelo Tribunal a quo devidamente comprovado através das entidades competentes;
52. Não ficou provado que o pai - não tem capacidade para zelar e cuidar da segurança e saúde emocional dos menores - e --, pois nunca lhe foi dada esta oportunidade – isto é, medida de apoio junto do pai;
53. O Tribunal a quo sustenta a sua decisão em fatos ocorridos no passado de há cerca de 5 anos (2020) e não diligenciou no sentido de obter informações recentes e concretas acerca do pai -;
54. Considera-se que, antes do Tribunal a quo ter pensado em decidir pela medida mais gravosa para os menores - e --, isto é, medida de confiança a instituição com vista a futura adoção deveria, obrigatoriamente, ter solicitado à Segurança Social da Região Autónoma da Madeira, Relatório social de acompanhamento de execução de medida de colocação quanto ao pai -, para se perceber a realidade atual, não a realidade de 2020, 2021, 2022 ou mesmo 2023, mas, sim a realidade dos últimos 6 meses e de 2025;
55. A medida de confiança a instituição com vista a futura adoção é uma medida drástica, só devendo ser aplicada quando tem a concordância dos progenitores ou quando todas as tentativas de reunificação das crianças com ambos os pais se frustrarem;
56. Antes de ter sido dada uma oportunidade razoável ao estabelecimento dos vínculos afetivos próprios da filiação entre os menores - e -- e o seu pai biológico -, não pode o direito fundamental daquelas crianças - (atualmente com 5 anos e 9 meses) e -- (atualmente com 3 anos e 11 meses) ao conhecimento e ao contacto com o seu pai biológico - ser sacrificado, nem pode o direito fundamental do seu pai biológico - à constituição de uma família ser postergado;
57. O Tribunal a quo não concedeu ao pai - qualquer possibilidade de poder provar que tem, sozinho, competências parentais, no sentido de zelar e cuidar da segurança e saúde emocional, garantindo bem-estar material e psicológico dos menores - e --;
58. Na realidade, o homem só por ser homem não pode ser discriminado no que respeita ao exercício dos seus deveres e poderes parentais;
59. Por decisão de 23-02-2023, os menores beneficiaram de medida de apoio junto da mãe -, com a sinalização desta para a Equipa de Integração Familiar, com vista a trabalhar a nível das competências parentais e estratégias educativas, por forma a fortalecer o exercício de uma parentalidade positiva, segura e protetora;
60. Quando aplicada esta medida de apoio junto da mãe -, esta tinha condições de vida instáveis e o Tribunal a quo já tinha pleno conhecimento dos relatórios das perícias médico-legais;
61. Os menores - e -- nunca beneficiaram de medida de apoio junto do pai -;
62. Pretende-se com este recurso reverter a situação drástica da aplicação da medida de confiança com vista à adoção dos menores - e --;
63. Perante tudo quanto se descreveu, parece-nos com todo o respeito, que a medida de confiança com vista à adoção dos menores ---- e --- - deverá ser substituída por medida de apoio junto do pai ---, na Ilha da Madeira, com sinalização do mesmo para a Equipa de Integração Familiar, com vista a trabalhar a nível das competências parentais e estratégias educativas, por forma a fortalecer o exercício de uma parentalidade positiva, segura e protetora, oportunidade esta que nunca foi concedida exclusivamente ao pai - e após passando um período de 3 meses se torne definitiva e a regulação das responsabilidades parentais dos menores - e -- seja fixada à guarda e cuidado do pai;
64. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, doutamente suprirão, deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente e a decisão revogada e substituída por outra que tenha efetivamente em conta o superior interesse dos menores ---- (atualmente com 5 anos e 9 meses) e --- - (atualmente com 3 anos e 11 meses), isto é, medida de apoio junto do pai ---.
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II.II. Recurso interposto pela mãe ---:
II.II.I. Conclusões apresentadas:
1. A 30 de Janeiro de 2025 foi proferido despacho com a referência 58718734 que alterou o regime de convívios dos menores com a progenitora.
2. O referido despacho foi proferido já depois de prolatado o Acórdão a determinar a aplicação da medida de proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção.
3. Ou seja, o referido despacho foi proferido quando se mostrava já esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo.
4. Pelo que o referido despacho está ferido de ilegalidade, devendo, em consequência, ser revogado.
5. Recorre-se, ainda, do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo que decidiu aplicar aos menores a medida de proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção.
6. De toda a matéria dada como provada resulta que existem e não se encontram seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, porquanto, não se mostram verificadas nenhumas das situações elencadas nas alíneas a) a e, do n.º 1, do artigo 1978.º do Código Civil.
7. Importa salientar que o percurso da progenitora, desde Março de 2019, data em que faz uma participação na Linha Nacional de Emergência Social, tem evoluído positivamente.
8. Foi a própria progenitora que pediu ajuda, através da referida Linha Nacional de Emergência Social, ciente da sua situação de vulnerabilidade e de estar a ser vítima de violência doméstica.
9. É em contexto de violência doméstica que nascem ambos os menores. No entanto, a progenitora tudo tem feito para que os seus filhos voltem a estar consigo.
10. A progenitora nunca desistiu dos seus filhos, na medida em que, apesar de todas as vicissitudes, nunca deixou de se preocupar com eles, de os visitar, de lhes dar amor e carinho.
11. A progenitora manteve-se sempre na ilha de São Miguel, lutando para ficar com as crianças.
12. É, aliás, o próprio Tribunal a quo que afirma acreditar que a progenitora ama os seus filhos.
13. Por outro lado, entende-se que o Tribunal a quo não podia ter ido mais longe do que as próprias perícias médico-legais realizadas nos presentes autos, mais concretamente três perícias, diagnosticando a progenitora com «perturbação borderline».
14. Ainda que tenha dado como provado, apenas com base em prova testemunhal, que aos 15 anos a progenitora foi diagnosticada no Brasil com a doença psiquiátrica «Transtorno Bipolar»
15. Entende-se que foi por reconhecer os laços afectivos entre a progenitora e os menores, que o Tribunal a quo autorizou, a requerimento da progenitora, que os menores passassem os dias 24 e 25 de Dezembro de 2024, a véspera e o dia de Natal com a mãe, conforme despacho com a referência 58477650.
16. Assim, e tendo em conta o facto de os menores verem na progenitora a figura materna de referência, os sentimentos negativos demonstrados pelos menores no momento da separação da progenitora, a qualidade dos contactos da progenitora com os menores, quer sejam contactos telefónicos, videochamadas ou visitas, e, ainda, o facto da progenitora estar presente em todos os momentos possíveis da vida dos filhos.
17. Aliado, ainda, ao facto de a progenitora não apresentar nenhuma psicopatologia invalidante, nem nenhuma doença mental, não podia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu, ou seja, aplicar a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção.
18. Tanto mais que, conforme resulta do facto provado em 157, a progenitora mostra-se recetiva ao seu acompanhamento psicológico.
19. Pelo exposto, deve ser revogado o Acórdão proferido e substituído por outro que tenha efetivamente em conta o superior interesse dos menores ---- e --- -, isto é, medida de apoio junto da progenitora, por ser de JUSTIÇA!
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Notificadas, contra-alegaram as crianças sujeito dos autos, nos presentes representadas, assim como o Ministério Público.
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Concluíram do seguinte modo os sujeitos do processo, representados pelo seu il. Patrono, pugnando pela improcedência total do recurso:
1. Fixada a matéria de facto, que não foi objecto de recurso, o Tribunal a quo na aplicação do direito aos factos decidiu, e bem, nos termos em que fez, não merecendo qualquer censura.
2. Tem toda e inteira razão o Tribunal à quo, na sua douta decisão. Os menores, actualmente com 4 e 6 anos, foram ambos institucionalizados desde tenra idade (7 meses), com curtos períodos de reunificação junto da mãe e total ausência e desinteresse por parte pai, - autoexcluindo-se – ao longo dos cinco anos que já leva o presente processo de promoção e protecção (iniciado em 2019), não tendo os menores, por isso, nem podem ter, nenhum dos progenitores como referência, não existindo uma verdadeira relação filho-mãe/pai.
3. A única relação que conhecem é a relação biológica e uma relação desajustada. Mas têm direito a mais. Muito mais. Direito a serem crianças, a serem amadas e respeitadas, e a viverem num ambiente seguro, e adequado a um são desenvolvimento. Tempus fugit.
4. Por outro lado, os factos demonstram à saciedade que nenhum dos progenitores se mostra capaz de apresentar um projecto de vida para os menores, no qual demonstrem poder cuidar da segurança, saúde e bem estar emocional dos menores.
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Alegou o Ministério Público pugnando pela improcedência dos recursos e concluindo do seguinte modo:
1. O Ministério de Público, na salvaguarda do superior interesse das menores manifesta a integral concordância com o acórdão proferido nos presentes autos;
2. Tal como decorre da fundamentação de facto do douto acórdão recorrido, desde o início da intervenção no âmbito do presente processo (que dura quase há seis anos) verificam-se sucessivas atitudes de incumprimento que têm obstado a que todas as ajudas de natureza social, terapêutica, de alteração comportamental de que que beneficiaram, lograssem ter resultados positivos e permitir equacionar a reunificação familiar com a mãe das crianças;
3. As duas crianças foram sinalizadas desde o nascimento pelas entidades de primeira linha de proteção à infância e sujeitas a um primeiro acolhimento residencial nos primeiros meses de vida, por manifesta incapacidade da figura materna de, sem a intervenção e apoios regulares de terceiros, lhes proporcionar os cuidados básicos, um bom ambiente familiar e proteção;
4. As crianças vivenciam um segundo acolhimento residencial, após uma reunificação falhada com a sua progenitora, na sequência de comprovadas atitudes de agressividade e crueldade a elas dirigidas em público por esta;
5. Foram realizadas três perícias médico-legais para aferir se haveria patologia psiquiátrica justificativa das alterações subidas de humor e acessos de raiva da progenitora, nas quais apesar dos peritos não identificarem patologia psiquiátrica foi possível aferir que a avaliação instrumental da personalidade não era passível de interpretação, devido à elevada defensividade/dissimulação da examinada, postura que encontra explicação, por um lado, no historial de acompanhamento psiquiátrico da progenitora no Brasil, onde lhe foi diagnosticado no início da idade adulta «perturbação borderline», diagnóstico que esta não nega mas não aceita, e por outro lado, na inteligência da progenitora, acima da média esperada para a população em geral, que lhe confere uma boa capacidade para pensar em termos racionais, atuar de forma eficaz em relação ao meio envolvente, possuindo estratégias de resolução de problemas, e logo de ludibriar e dissimular os resultados da perícia;
6. Como refere o douto acórdão recorrido apesar disso “as perícias identificaram em - - não só traços desadaptativos de personalidade, como também uma vinculação insegura e evitante relativamente às figuras de referência afetiva (os seus progenitores), atestando os seus familiares mais próximos (- e - -, pai e irmã) as rápidas alterações de humor da progenitora, variando entre a tristeza e a euforia, episódios de agressividade quando não medicada, comportamentos também atestados na primeira pessoa pelas colaboradoras da CAR, com quem a progenitora de relaciona regularmente, bem como pelas duas casas abrigo onde a progenitora esteve inicialmente acolhida com o menor -, comportamentos que são indicadores da correção do diagnóstico de «perturbação borderline» feito à progenitora no Brasil, e que demandou que - - não só tivesse acompanhamentos psicológico e psiquiátrico naquele país desde a adolescência, como exigiu que tivesse supervisão na toma de medicação por parte da sua figura materna, de forma que se abstivesse de comportamentos mais agressivos, supervisão que passou a faltar-lhe com a morte da figura materna em 2015”.
7. Como refere se refere também no acórdão: “ (…) a literatura científica ensina que um progenitor com vínculo inseguro evitante e «perturbação borderline» da personalidade tem dificuldades em cuidar dos filhos devido a fatores emocionais, psicológicos e comportamentais que afetam a sua capacidade de responder de forma consistente às necessidades emocionais e físicas da criança, desde logo porque a instabilidade emocional intensa que vivenciam determina que oscilem entre momentos de proximidade extrema e de afastamento emocional à criança e tenham mudanças de humor extremas, explosões de raiva e impulsividade, tornando o ambiente doméstico imprevisível e até assustador para a criança. É ainda característico do progenitor com vínculo evitante minimizar as necessidades da criança, acreditando que esta deve ser «independente» demasiado cedo, e da pessoa portadora de «perturbação borderline» a adoção de condutas de controlo excessivo, fazendo com o progenitor com estas duas perturbações alterne entre períodos de negligência e períodos de hiperprotecção à criança. Ademais, a dificuldade do progenitor com «perturbação borderline» regular as suas emoções resulta em conflitos constantes, que criam um ambiente caótico e emocionalmente instável para a criança, propício à ocorrência de episódios de agressividade verbal ou física, que constituem experiências traumáticas para a mesma. Por fim importa ter presente que progenitores com «perturbação borderline» e vínculo inseguro evitante não reconhecem que precisam de ajuda, pelo que procuram fugir à supervisão e não aceitam o diagnóstico, recusando, em consequência, tratamento medicamentoso”.
8. No caso presente, a factualidade dada como provada relativa aos dois filhos que deixou no Brasil e aos comportamentos que assume com o - e o -- no curso do presente processo de promoção e protecção enquadram-se totalmente na descrição científica do progenitor com vinculo inseguro evitante e portador de «perturbação borderline», não sendo possível face à não aceitação do acompanhamento/tratamento psiquiátrico pela progenitora (aliás característico dos portadores de «perturbação borderline»), e falta de apoio familiar, inverter o padrão comportamental da progenitora, ora hiperprotetora das crianças, ora maltratante das mesmas, o qual tem sido impactante nas crianças, e explica o sofrimento e instabilidade emocional que evidenciam, expressos também na sua agitação psicomotora;
9. Sem por em causa que - - tenha profundo afecto pelas crianças a verdade é que, por força das suas características de personalidade e comportamento instável adoptado, a admitir agressividade física e verbal dirigida aos filhos, próprio de quem padece de «perturbação borderline», não tem capacidade para, sozinha, sem apoio constante de pessoas próximas, capazes não só de a conterem como dela cuidarem, proporcionar aos filhos de forma consistente cuidados básicos e afetivos, que lhes permitam crescer de forma equilibrada, e identificarem a sua figura cuidadora de referência como protetora e securizante;
10. Ao longo do segundo acolhimento das crianças a - - acentuou as fragilidades da sua situação pessoal, na medida em não só continuou a subsistir de apoios sociais, não se integrando no mercado de trabalho, como engravidou novamente, no âmbito de relação que não é estável, com indivíduo de nacionalidade alemã, desempregado desde 2017, que vive com familiar na Alemanha e não tem rendimentos, e que dificilmente poderá constituir um porto seguro para - e --, já que não assume este papel em relação aos próprios filhos, fragilidades que - - aparentemente não reconhece, porquanto projeta, se reunificada com os filhos - e --, mudar-se com os três filhos para Munique e subsistir dos rendimentos do trabalho, que de momento inexistem, do pai do filho que está a gerar, projeto de vida este inconsistente e que não proporciona estabilidade e nem segurança aos menores, antes os expõe a futuro incerto e riscos imprevisíveis;
11. Não é possível perspetivar a reunificação dos menores com a mãe, nem num futuro próximo, nem num futuro longínquo, em face dos comportamentos desta estarem associados às características/perturbação da sua personalidade e não ser provável que - -, a residir longe da família, e sem acompanhamento psiquiátrico, que rejeita, onsiga regular de forma consistente o seu comportamento e humor, pressuposto indispensável ao exercício responsivo e capaz das responsabilidades parentais;
12. Também não se afigura ser viável a reunificação com o pai das crianças, o qual, nos últimos anos apenas está presente na vida das mesmas através de videochamada, pelas características da sua personalidade (muito agressivo e patologicamente controlador);
13. Acresce a esse facto a sua instabilidade laboral e habitacional, antecedentes criminais por violência doméstica e historial de vida pautado por contactos sucessivos com o sistema de justiça, o qual não foi capaz de se reorganizar e estabilizar ao longo dos 5 anos de pendência deste processo e não se apresenta como capaz de proporcionar aos filhos - e -- um projeto de vida consistente;
14. Como salienta o acórdão recorrido “não bastando para tal que mantenha videochamadas com os filhos, e que nas vésperas do debate judicial assine contrato de trabalho (assumindo compromisso de trabalho extra horário, incompatível com o cuidar sozinho de duas crianças de tenra idade) e assine contrato de arrendamento, cuja renda não é comportável para os seus rendimentos”;
15. Apesar da avó paterna das crianças ter manifestado disponibilidade para cuidar das mesmas a verdade é que também ela não reúne condições para se constituir uma alternativa ao acolhimento residencial dos netos, devido aos seus horários laborais e à postura de evitamento que teve quando ouvida nos autos sobre o esclarecimento dos motivos do acolhimento de outros netos, filhos de -, sua filha, presença assídua na sua casa, com problemas de toxicodependência, e às fragilidades que evidenciou ao nível da proactividade na resolução de problemas e na identificação de fatores de perigo para os netos, como seja a postura agressiva assumida pelo filho -, e que esteve na base da sua condenação em penas de prisão suspensas;
16. Na família biológica não foram encontradas outras figuras adultas disponíveis para cuidar dos menores em alternativa aos pais (hipótese afastada também pelos familiares e amigos de - -);
17. Perante esta factualidade e cumpre aferir se os menores - -- devem permanecer em acolhimento residencial, ou se antes devem ser encaminhados para projeto adoptivo, o qual tem como pressuposto, não apenas a incapacidade dos pais para deles cuidarem (no caso da mãe associado às características/perturbação da sua personalidade e do pai não só às suas características de personalidade como também ao percurso e modo de vida desestruturados), mas também a quebra dos laços de vinculação próprios da filiação, laços estes que não se confundem com a existência de afeto/amor dirigido aos filhos;
18. Como refere o acórdão recorrido não basta que os pais amem os seus filhos, para se concluir pela existência de «vínculos afetivos» que obstem à aplicação da medida de confiança em vista a futura adoção, sendo ainda necessários que estes laços afetivos sejam os «próprios da filiação», ou seja, que assumam a natureza de verdadeira relação pai/mãe-filho, com a inerente autorresponsabilização dos progenitores pelo cuidar da segurança, da saúde física e do bem estar emocional dos filhos, por lhe dar orientação, estimulá-los, valorizá-los, amá-los e demonstrar esse amor de forma objetiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas no dia-a-dia.;
19. De tudo o que ficou dito resulta que nenhum dos progenitores possuem capacidade para zelar e cuidar da segurança e saúde emocional dos menores - e --, em moldes que estes encarem os pais como uma referência com as mencionadas caraterísticas, pelo que estamos perante duas crianças que não fosse o seu acolhimento residencial estariam a viver com a mãe, em situação de perigo concreto para a sua saúde, integridade física, segurança e são desenvolvimento, não constituindo o progenitor dos menores alternativa ao acolhimento residencial, desde logo por se tratar de figura ausente, cuja vida é pautada pela instabilidade relacional, afetiva, laboral e habitacional, e cuja personalidade agressiva e controladora, não permite qualifica-lo como agente promotor do bem-estar e segurança dos filhos menores;
20. Não vislumbramos que os progenitores alterem as atitudes de incumprimento e inviabilização da aplicação das medidas que permitiriam manter os laços familiares, não se compadecendo o tempo próprio da criança e o seu projecto de vida futuro (no sentido de lhe assegurado um desenvolvimento integral pleno sadio no seio de uma família estável e securizante), com a “eterna” espera de uma efectiva adesão pelos progenitores às oportunidades que lhes foram dadas e mudança nas atitudes de incumprimento e desinvestimento no projecto de vida da criança que revelam;
21. 21. Assim, entendemos que o projecto de vida das crianças, com vista ao seu sadio e são desenvolvimento e ao seu superior interesse passa pela aplicação à mesmas da medida de acolhimento em instituição com vista a futura adoção, conforme artigo 35º, alínea g) nº1; 38º e 38º A da LPCJP e 1978º do Código Civil;
22. Em relação à decisão com a referência 58718734 a decisão foi proferida após a prolação e leitura do acórdão mas em nada colide com o mesmo nem com o seu trânsito em julgado;
23. Com efeito, a decisão foi proferida após requerimento do Ministério Público com base na exposição efectuada pela CAR onde as crianças se encontram e respeita a um limite ao regime de convívios das crianças com a progenitora na medida ainda vigente até ao trânsito em julgado do acórdão e motivado pelas atitudes de conflitualidade e confronto da mãe com a equipa técnica do lar tendo em linha de conta as suas oscilações comportamentais que têm inclusive causado perturbações às crianças.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
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II.II. Questões a apreciar:
A título prévio, impõe-se determinar, quanto a ambos os recursos, se têm por objeto apenas o acórdão proferido ou se se dirigem também ao despacho posterior, que alterou o regime de contactos dos recorrentes com os filhos.
Considerando-se que o objeto recursório abrange este último despacho, cumpre conhecer do seu fundamento, que se atém à invocada insuscetibilidade de decisão incidental da questão, por extinção do poder jurisdicional.
Quanto à decisão final, impõe-se também delimitar o objeto recursório, estabelecendo se abrange impugnação da decisão de facto ou apenas a materialidade jurídica da decisão e a sua adequação para defesa do superior interesse protegido e, caso abranja a decisão de facto, conhecer dos respetivos fundamentos.
Impõe-se, em todo o caso, quanto a ambos os recursos, avaliar o sentido da decisão para a vida das crianças sujeitos dos autos, tendo em conta os argumentos recursórios apresentados pelos progenitores biológicos. –
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III.I. Questão prévia – Delimitação do objeto de recurso – o despacho proferido após prolação do acórdão recorrido:
A primeira questão que cumpre definir e apreciar refere-se à determinação do objeto recursório face à decisão proferida, por despacho autónomo, na data de leitura do acórdão.
Nos termos referidos na síntese acima feita, o despacho em causa decidiu restringir os contactos das crianças com ambos os progenitores, sendo que o pai ficou limitado a contactos à distância sob a forma de videochamada e a mãe a contactos supervisionados no interior da instituição de acolhimento.
Ambos os recorrentes, nas respetivas alegações, sustentam que o tribunal a quo exorbitou o seu poder jurisdicional ao proferir esta decisão, que se teria extinguido com a prolação do acórdão, sendo que o recorrente pai não configura a questão como verdadeira invocação de vício no despacho (ou sequer o identifica expressamente como fundamento recursório, limitando-se a aludir a essa falta de poder jurisdicional), apresentando-a a recorrente-mãe como verdadeiro fundamento autónomo de recurso, com expressa invocação de nulidade do despacho com tal fundamento.
Assim apresentada a questão, fica saliente que, porque um dos recorrentes a identifica expressamente como questão a reapreciar por esta instância, qualificando-a como nulidade da decisão, cumpre conhecê-la nesta sede.
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Dispõe o art.º 613.º n.º 1 do CPC que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, precisando o n.º 2 que é lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
Diz Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1984, p. 126) que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.
Importa, todavia, ressaltar as exceções supra referidas (retificação de erros, suprimento de nulidades e reforma da decisão, quando permitida), como importa ressaltar que a previsão legal está definida para a decisão final (aplicando-se remissivamente a qualquer despacho), mas, como será evidente, não retira ao titular do poder jurisdicional o conhecimento de questões não comportadas na mesma (ou que devessem tê-lo sido), por serem estranhas à decisão.
A primeira asserção que se impõe, chegando a este ponto, é evidente – o despacho em causa não traduz qualquer das permissões tipificadas na lei para a reapreciação de decisões proferidas e, portanto, não traduz uma retificação, uma reforma ou um suprimento de vício. Trata-se de uma decisão tomada ex-novo e relativa estritamente à matéria de contactos dos pais biológicos com os filhos.
Assim delimitando a questão, sendo certo que o acórdão nada determinou quanto a essa matéria no período que medeie entre a data do acórdão e a data do seu trânsito em julgado (ou, dizendo de modo mais simples, sobre o regime de contactos com os progenitores desde a data da decisão), a questão passa a ser a de saber se essa é uma questão que se deve considerar compreendida, ainda que implicitamente, na decisão ou se, não o estando, deveria fazer parte do seu objeto.
Avançando na indagação, importa assentar, portanto, o sentido legal da referida extinção do poder jurisdicional e, inerentemente, do julgado da decisão.
Disse-se em acórdão da Relação de Guimarães de 2/3/23 (Rosália Cunha, ecli-jurisprudência - https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2023:120724.15.0YIPRT.1.G1..EC) que da “extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar”, precisando-se que a intangibilidade da decisão proferida é, naturalmente, limitada pelo respetivo objeto no sentido de que a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão.
No mesmo sentido, designadamente, também o acórdão dessa Relação de 27/5/2024 (Conceição Sampaio:
https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2024:2851.14.0T8VNF.G1.8D/)
Salientando esse elemento de análise, que é relativamente linear – a dimensão negativa da extinção do poder jurisdicional limita-se ao que tiver sido decidido ou que possa considerar-se comportado pelo seu objeto, levam a que o conhecimento da questão suscitada apresente manifesta simplicidade.
Na verdade, além de uma argumentação genérica relativa à prolação de decisão final, nenhum argumento concreto foi aduzido para fundamentar a invocada extinção do poder jurisdicional, parecendo que os recorrentes pretendem extrair da circunstância de ser proferida decisão final nos autos a insuscetibilidade de qualquer decisão superveniente na mesma instância o que, como referido, não pode colher.
A proibição de nova decisão pela mesma instância, é quase tautológico afirmá-lo, refere-se, portanto, a questões que tenham sido objeto de decisão e não veda a possibilidade de conhecer e apreciar toda e qualquer questão cujo conhecimento se imponha.
Esta asserção seria válida para qualquer processo e mais válida se torna em processos de jurisdição voluntária de natureza urgente, que implicam uma permanente avaliação das questões relativas ao interesse protegido, no caso o superior interesse das crianças sujeitos destes autos.
Assim, devidamente contextualizada, a decisão desta questão limita-se a aferir se o despacho proferido após o acórdão, de alguma forma ou a algum nível, reapreciou alguma questão que tenha sido decidida.
A simples circunstância de o despacho em causa ter sido proferido na sequência de requerimento do Ministério Público, entrado após prolação da decisão final, que, por sua vez, dera sequência a um pedido de informação (e manifestação de preocupação) proveniente da instituição em que as crianças estão acolhidas, tira todo o suporte a esta invocação.
Trata-se de uma decisão judicial urgente, proferida após decisão final, que regulou uma questão não tratada no acórdão e que foi apresentada em requerimento superveniente à decisão final.
Saindo desta referência formal e olhando diretamente para o conteúdo material de ambas as decisões (acórdão e despacho posterior), fica também clara a inexistência de qualquer área de sobreposição.
A decisão final dos autos definiu um projeto de vida para as crianças, encaminhando-as para adoção.
O despacho posterior estabeleceu um regime provisório de contactos com a família biológica, mais restritivo que o vigente anteriormente (sem estabelecer um corte completo de relacionamento, nesta fase, entre as crianças e os progenitores biológicos).
Neste quadro, pode até dizer-se que, na falta desse despacho, o que poderia extrair-se mais naturalmente teria que ser uma absoluta proibição de contactos das crianças com a mãe e o pai biológicos, na medida que o projeto de vida definido, pela sua natureza e função, implica a cessação de vínculos e contactos com a família biológica.
O despacho em causa é, aliás, claro ao referir-se ao trânsito em julgado do acórdão, o que, no sentido da decisão, justifica a subsistência de alguma relação com a família biológica enquanto uma decisão judicial de desvinculação das crianças não se tornar definitiva.
O objeto decisório é, assim, claramente diverso.
Contra-argumentando a esta asserção, poderia invocar-se que o acórdão poderia ter-se pronunciado sobre o regime de contactos neste período entre a decisão e o seu trânsito em julgado.
Importa considerar, todavia, que essa pronúncia não é essencial à decisão, nem constitui qualquer fundamento ou antecedente logicamente necessário à mesma, cuja falta pudesse ser qualificada como verdadeira omissão.
Como referido, a decisão final tratou de definir um projeto de vida para a vida futura das crianças, identificadas, não de regular a fase, necessariamente transitória, entre a institucionalização das crianças e a implementação efetiva do referido projeto.
Não sendo esse o sentido da decisão, não existe qualquer sobreposição, atual ou potencial, entre objetos decisórios e, portanto, não se tendo o tribunal pronunciado sobre algo que tivesse feito anteriormente, ou sobre que devesse tê-lo feito, a conclusão a retirar é que se tratou simplesmente de uma decisão incidental posterior à decisão final, totalmente autónoma desta.
Decorre das considerações anteriores que o despacho em causa não enferma do apontado vício, ou de qualquer outro e, por consequência, deve ser mantido.
Improcede, assim, a arguição do vício na decisão que sustenta este fundamento recursório.
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III.II. Questão prévia – Delimitação do objeto de recurso – As referências à decisão de facto enquanto tema recursório:
Foi acima assinalado que importa identificar se o recurso do progenitor se atém ao sentido da decisão ou se abrange também os seus fundamentos de facto.
Efetivamente, as alegações do recorrente -- prestam-se a dúvidas, na medida em que este alude, em diversas passagens, à decisão de facto e afirma discordância quanto à mesma.
Tratar-se-á de uma impugnação de facto, em sentido próprio, ou de uma mera manifestação do chamado inconformismo inconsequente, relativamente a esta parte do acórdão?
Essa é a questão que ora se aprecia a título prévio.
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É claro que o recorrente pretende uma reavaliação do sentido material da decisão, por referência ao interesse primeiramente protegido - o das crianças, aduzindo um conjunto de argumentos no sentido da manutenção dos laços biológicos e da consequente revogação da decisão proferida, propondo a sua substituição por uma que confie as crianças ao cuidado.
Analisando o teor das alegações de recurso, é certo que o recorrente, em diversas passagens do corpo das mesmas, assim como nas conclusões que apresentou, tece diversas considerações que devem ser qualificadas como discordância com o teor da decisão de facto ou com a forma como a factualidade foi apresentada na decisão.
Coisa diferente, todavia, será saber se esse conjunto de afirmações traduz uma verdadeira pretensão impugnatória, mesmo que mal expressa (o que poderia dar lugar a uma apreciação da respetiva admissibilidade ou, se fosse o caso, até à formulação de um convite ao aperfeiçoamento das alegações), ou se se limita a uma simples argumentação discordante face ao decidido.
A conclusão a tirar só pode ser negativa.
Fazendo uma análise detida ao teor das alegações, não se pode dizer que traduzam uma verdadeira impugnação da decisão de facto, que o recorrente não assinala, e os sujeitos do processo e o Ministério Público sustentam não existir.
Assim, assinalando os pontos factuais sobre que o recorrente assinala divergências, teremos:
i) A invocação de desatualidade da avaliação psicológica ao recorrente ("a avaliação psicológica do pai - foi realizada a 29-07-2020" e "o Tribunal a quo limitou-se a formar a sua convicção quanto ao pai -, mantendo-a até à decisão de 30-01-2025, apesar das circunstâncias se terem alterado").
Desenvolve o recorrente esta argumentação aduzindo um conjunto de passagens do relatório de avaliação psicológica realizada ao pai e que, em termos simples, se apresentariam como mais abonatórios da sua capacidade parental.
Quer isto dizer que, nesta parte do seu recurso, o recorrente não só não impugna a matéria dada por assente quanto à sua situação psicossocial illo tempore, como não diz que os factos dados por provados não correspondem à verdade.
É certo que nos fundamentos de facto constantes do acórdão consta apenas, quanto ao relatório de avaliação psicológica realizado ao progenitor, o seguinte:
"Por sua vez, a perícia médico legal, de avaliação psicológica do progenitor, concluiu que o padrão relacional de instabilidade e conflito que o progenitor mantém com a progenitora, bem como as deslocações recorrentes ao estrangeiro, impacta negativamente na sua capacidade de exercer as funções parentais de forma regular e securizante para o -, bem como a sua capacidade para manter um núcleo familiar coeso." – Facto 34
Da conjugação dos fundamentos de facto do acórdão com o teor da respetiva motivação, resulta claro, todavia, que o relatório em causa foi inteiramente apreciado e acolhido pela decisão e, nessa medida, deve ser considerado assente nos autos.
O tribunal a quo decidiu repescar e fazer constar do acórdão as passagens que teve por mais relevantes, algo que é normal e até desejável para efeito de síntese e simplicidade da decisão, mas não afeta a conclusão assinalada – todo o teor do relatório foi considerado e deve considerar-se acolhido pela decisão.
Assim sendo, o conjunto de manifestações de discordância face ao elenco de factos provados, por omitir outros trechos do relatório feito ao progenitor, não pode traduzir uma verdadeira impugnação da decisão de facto, pela simples razão que não existe qualquer base de divergência, mas apenas uma pretensão de enfatizar outras passagens do documento.
O teor relatório não está em causa, na sua materialidade.
As circunstâncias, assinaladas pelo recorrente, de não ter sido feita nenhuma outra avaliação psicossocial ao pai, após o nascimento do menor -- (20/2/2021), não traduzem, assim, qualquer pretensão de alteração da decisão de facto, mas apenas um suporte argumentativo da posição do recorrente no sentido, que também expressa, de que "o Tribunal a quo colocou à margem o pai - e centrou todas as suas expetativas na mãe -".
Em todo o caso, não deixa de se considerar que está igualmente assente nos autos, porque constante do relatório em causa, que, para o pai, foi concluído que a "informação adquirida não permitiu apurar a existência de qualquer psicopatologia que impeça, limite ou condicione o exercício das responsabilidades parentais. (…) No caso do examinando, - é descrito com afetos positivos e ressonância afetiva adequada, tendo o progenitor revelado conhecimentos atualizados acerca do seu desenvolvimento. Também a informação contida nas peças processuais dá conta de uma relação de afeto, satisfação e interesse belo bem-estar do menor, por parte das técnicas que supervisionam as visitas de - ao lar. (…) as respostas do examinando apontam para um desempenho da parentalidade associado à satisfação das necessidades do filho por via da providência financeira, sendo esta encarada como uma responsabilidade que assume para com a família” (pág. 20 e 21).
Em conclusão, quanto a este ponto, a posição do recorrente deve ser qualificada de meramente argumentativa e não impugnatória.
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ii) Quanto à questão das imputações de violência doméstica, sustenta o recorrente que "o Tribunal a quo considera provados comportamentos de agressão psicológica e física perpetradas pelo pai - a outras companheiras que não à mãe -, mas sem qualquer prova de condenação apresentada no processo de promoção e proteção, condenando-o arbitrariamente" e que "não ficou provado que o pai - tenha agredido a mãe do filho - ou a ex-companheira -, porquanto o mesmo não foi condenado por tais crimes".
Só uma leitura superficial poderia qualificar estas afirmações como impugnação da decisão de facto nestes pontos.
Efetivamente, a decisão de facto contém diversas alíneas relativas a situações de violência doméstica imputadas ao pai, ora recorrente, seja sobre a mãe das crianças sujeitos destes autos, seja com duas outras companheiras com quem viveu e com quem tem filhos em comum.
Assim, foi dado por provado que:
- O progenitor foi condenado a 30-05-2019, por sentença transitada em julgado a 07-11-2019, pela prática a 19-03-2019 de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143°, 145°/a)/2, do C.P., por referência ao artigo 132º/2/b) e c), do C.P., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime (no âmbito do processo abreviado n.º 216/19.6PATVD, que correu termos no Juízo Local Criminal de Torres Vedras — Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte; e por sentença de 03-11-2021, transitada em julgado a 03-12-2021, pela prática a 13-05-2021. de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°/1/a)/2/a), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, no âmbito do Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 7151/21.6PBPDL, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada — Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, sendo - -, em ambos os casos a vítima) – facto 134;
- Que, aos 24 anos -- foi detido devido a trafico de estupefacientes e condenado a 6 anos de prisão, mas cumpriu apenas 4 anos no Estabelecimento Prisional de Lisboa – facto 135;
- Que, posteriormente conheceu uma senhora de etnia cigana, com quem teve um filho, - (criança que beneficiou de processo de promoção e proteção por falta de assiduidade escolar e problemas comportamentais), relação que durou cerca de 9 anos, sendo a vida familiar marcada por dificuldades económicas, constantes alterações de residência, e agressões psicológicas e físicas por parte de -- à mãe de - – facto 136;
- Que, em abril de 2024 -- separou-se da sua companheira - Andreia da Silva - (mãe dos seus filhos gémeos --- e ---, nascidos a 24-04-2023), por decisão da própria, por a relação conjugal ser muito instável, marcada por violência verbal, psicológica e física perpetrada por -- - facto 138;
- Que o processo crime n.º 1066/24.3PBFUN instaurado na sequência de queixa por violência doméstica apresentada por -- contra - - foi arquivado, estando ainda pendente em investigação por crime de violência doméstica no DIAP do Funchal— 2.ª secção, o processo crime n.º 1262/21.5T8PDL-A, em que consta como ofendida - - e como suspeito -- – facto 140.
Importa atentar que, no que diz respeito a referências a condenações penais transitadas em julgado, não deduziu o recorrente qualquer impugnação, nem seria possível fazê-lo, tratando-se de matéria definitivamente decidida em sede criminal.
As considerações feitas pelo recorrente de que essas condenações assentaram apenas nas declarações da mãe, bem como à sua especial capacidade cognitiva e social, que o relatório de avaliação documenta (depreende-se que teria sido usada para influenciar tais condenações penais do recorrente) são, por isso, absolutamente irrelevantes.
O mesmo se dirá, mutatis mutandis, quanto às referências feitas aos inquéritos criminais relativos ao período de vida com a sua última companheira, --.
A matéria provada traduz referências processuais objetivas e não questionadas.
A objeção do recorrente parece, assim, poder situar-se nas referências constantes dos factos provados a terem sido as suas relações com -- e "com uma senhora de etnia cigana mãe do filho -" pautadas por violência doméstica perpetrada pelo recorrente.
A este nível, importa referir que o processo de promoção e proteção é autónomo e, portanto, permite e impõe que se faça uma avaliação de facto independente do apuramento criminal, quanto a factos que poderiam ser apreciados nessa sede, mas que não tenham sido (designadamente por inexistência de processo).
Esse juízo fez o tribunal, naquilo que extravasa as estritas referências aos processos criminais e, portanto, esse juízo, que é de facto, poderia ser licitamente impugnado.
Para tanto, não basta, porém, fazer umas considerações gerais sobre a presunção de inocência penal ou afirmar que a decisão constitui uma "condenação arbitrária". Seria necessário indicar expressamente aquilo que se impugna, o sentido da decisão substitutiva e em que meios de prova assenta essa impugnação.
Nada disso fez o recorrente e, nessa medida, o recurso não pode ser considerado mais que uma simples argumentação, ou manifestação genérica de discordância, não se constituindo, também neste ponto, numa verdadeira impugnação;
--
iii) Num terceiro e último nível relativo a questões de facto, tece o recorrente uma série de considerações sobre a sua situação social e profissional à data de encerramento do debate judicial, sustentando que não foi devidamente levada em conta pelo tribunal.
Assim, mais especificamente, afirma que não foi considerado o facto de ter conseguido estabelecer-se, no final do ano 2024, em habitação com condições adequadas e auferir um rendimento mensal médio da sua atividade na construção civil de €1400 a €1600 mensais (neste caso afirmando uma dupla negativa – que o tribunal não considerou que não aufira €1400 a €1600 mensais).
Esta manifestação de discordância não traduz, também, qualquer verdadeira impugnação.
Assim, consta da matéria dada por provada nos autos, quanto à situação pessoal e profissional do recorrente sobrevinda da sua separação com a última companheira que:
- Em junho de 2024, -- mantinha-se a residir na Madeira em casa de um amigo, cuja morada recusou facultar, efetuando trabalho como pintor na área da construção civil, não estando inscrito como trabalhador ativo na base de dados da segurança social (facto 143);
- A 02-12-2024 o progenitor dos menores celebrou contrato de trabalho com a empresa «--, Lda.», na área da construção civil, sendo a retribuição base de 915,00€ (sujeita ainda a descontos legais), comprometendo-se a prestar trabalho fora do respetivo horário normal sempre que para tal lhe fosse solicitado e além das 30 horas semanais (até 2 horas por dia e 50 horas por semana), e celebrou contrato de arrendamento a 5­12-2024 relativo a habitação de tipologia T2, sita no ---, concelho do Funchal. mediante o pagamento de 800,00€ de renda, mobilada com duas camas individuais, um sofá. uma mesa e cadeiras, e equipada com placa e forno (facto 144).
O essencial da matéria em causa está, assim, assente nos autos, não havendo na invocação do recorrente nada de substantivamente diverso quanto à mesma.
O que se trata, também neste ponto, é de uma diferente avaliação de mérito e da apresentação de um conjunto de elementos apresentados como valorizadores da posição social e económica do pai recorrente, algo que, evidentemente, não traduz qualquer impugnação de facto.
Em termos simples, o que o recorrente pretende assinalar está provado: - que trabalha e tem habitação, no momento temporal de referência – final do ano de 2024.
--
Feito este excurso pelos fundamentos recursórios conexionados com matéria de facto, a conclusão que se impõe é a de que, nem mesmo deficiente, se pode considerar que tenha sido apresentada alguma impugnação.
Foi, portanto, aduzido um conjunto de argumentos de discordância face aos fundamentos de facto da decisão, mas que é apresentado como simples motivação da pretensão de alteração da decisão para suportar a substância do recurso e o valor da decisão para a tutela do superior interesse em causa – o das crianças.
Assim, concluindo este ponto prévio, não há qualquer objeto recursório de facto que se imponha conhecer.
--
III. Apreciação do recurso:
III.I. Matéria de facto assente nos autos:
Assente que não existe reapreciação da matéria de facto a fazer, cumpre apreciar da sustentação dos recursos para tutela do interesse relevante.
É a seguinte a matéria dada por provada nos autos:
1. O menor ---- nasceu a 28-04-2019 e --- - nasceu a 20-02-2021, e são filhos de - - - e de ---.
2. A progenitora dos menores, - -, manteve um relacionamento com -- por dois anos, iniciado através do Facebook, tendo alterado a sua residência do Brasil para Portugal, em novembro de 2017, deixando naquele país uma filha e um filho menores de idade, sendo a filha com 11 anos e filho com 4 anos.
3. O casal conheceu-se pessoalmente e viveu em Lisboa na casa da progenitora de --, mudando-se para Torres Vedras, onde viveu na Rua --, Torres Vedras (num quarto arrendado, em moradia habitada no piso superior pelo proprietário --), de onde saiu com dois meses de rendas em atraso, e posteriormente na Rua --, Torres Vedras.
4. Em janeiro de 2019 - - solicitou apoio à «Ajuda de Mãe», referindo estar grávida, sem qualquer acompanhamento médico, ser natural do Brasil, mas não ter autorização de residência, nem rede de suporte/apoio, denunciando ser o seu companheiro muito controlador, sendo então proposto a - - a sua integração em Casa Abrigo, na sequência do que a mesma desapareceu, sem deixar contacto telefónico.
5. Em 7 março de 2019, - -, a viver em Torres Vedras, contactou novamente a «Ajuda de Mãe», sendo então aconselhada a contactar o Gabinete Intermunicipal de Apoio à Vítima (GIAV), o que esta fez a 14-03-2019, dia em que - - foi acompanhada ao Centro de Saúde pela técnica do GIAV, onde foi sujeita a consulta de enfermagem de saúde materna, sendo referenciada para consulta de obstetrícia e serviço social do Centro Hospitalar de Torres Vedras
6. A 20-03-2019 - - aceitou o seu acolhimento em Casa Abrigo, tendo para o efeito ficado agendado atendimento com a assistente social do Centro Hospitalar do Oest (CHO) para o dia seguinte.
7. - - compareceu ao atendimento no dia 21-03-2019 com a assistente social do CHO e o agente da PSP, tendo a própria mudado a sua intenção de integrar Casa Abrigo, referindo que tinha conseguido um quarto na Lourinhã.
8. A PSP chegou a ser chamada à residência do casal, sita na Rua --, em Torres Vedras porque alguém ouviu gritos e viu - - a ser puxada pelos cabelos para dentro de casa, tendo sido aplicada a 22-03-2019 a --, na sequência deste episódio, a medida de coação de proibição de contactos com - -, sendo o mesmo posteriormente condenado no âmbito do processo abreviado 216/19.6PATVD, a 30-05­2019, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143° e 145°/1/a)/2 do C.P., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova e cumprimento de deveres.
9. No dia 3 de maio de 2019, na visita domiciliária realizada pela assistente social do CHO - Dr.ª -- e pela enfermeira --, foi mencionado pelos proprietários do quarto, onde - - vivia com --, que foram eles que tiveram de arranjar bens para o bebé, uma vez que os pais da criança não tinham nada preparado e não tinham dinheiro para tal, estando as rendas do quarto em atraso, as quais deveriam ser pagas até o dia 15-05-2019 ou - - teria de sair.
10. A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Torres Vedras instaurou, em 22 de Maio de 2019, processo de promoção e proteção ao menor -, pela problemática de violência doméstica, na sequência da sinalização do Centro de Saúde de Torres Vedras, referindo que a mãe da criança terá sido referenciada ao Serviço Social do Centro de Saúde, no dia 12 de março de 2019, no seguimento de uma participação da Linha Nacional de Emergência Social pela própria, sendo o processo da CPCJ arquivado por os progenitores terem recusado prestar o seu consentimento para a intervenção da Comissão a 31 de maio de 2019.
11. Na altura, a situação de perigo resultava da grande instabilidade habitacional do casal. total ausência de rede de apoio familiar, não seguimento da gravidez por - -, rendas do quarto onde o casal vivia em atraso, com ameaça de despejo, ausência de rendimentos, progenitora sem autorização de residência em Portugal e queixosa do comportamento controlador de --.
12. Por acordo de promoção e proteção celebrado a 9 de Julho de 2019, foi aplicada ao menor - - - a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, pelo Juízo de Família e Menores de Torres Vedras — Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (processo de promoção e proteção n.º 1056/19.8T8TVD), porquanto mantinham-se as problemáticas assinaladas em 11) e, além disso, a alimentação do menor - não era a adequada, na medida em que até aos 4 meses de idade foi alimentado com leite de vaca.
13. Na data referida em 12) - - e -- viviam temporariamente em casa da mãe do progenitor em Lisboa, habitação social sita na Rua --, por terem sido despejados da casa onde viviam em Torres Vedras, tendo o progenitor no âmbito do processo de promoção e proteção declarado em tribunal ter contrato de trabalho na empresa -, trabalhando em Portugal e Lyon.
14. Quando ouvida em tribunal a 09-07-2019 - - declarou ser formada em administração de empresas, estar à espera de ser atendida no SEF para legalizar a sua permanência em Portugal, pretendendo continuar no país, estando dependente dos rendimentos de --, que se ausentava em trabalho para fora do país.
15. Na casa identificada em 13), juntamente com - - vivia também uma irmã de --.
16. A 15-10-2019 a progenitora e o menor - foram acolhidos em Centro de Acolhimento de Emergência, na sequência de queixa apresentada por - -, no sentido de que seria vítima de violência doméstica por parte da irmã de --, que a vigiava e controlava quando este estava ausente do país, em trabalho.
17. No Centro de Acolhimento de Emergência a progenitora revelou inseguranças na prestação dos cuidados ao menor -, não conseguindo distinguir os vários tipos de choro do filho, e delegando noutras utentes os cuidados de alimentação da criança, com a qual chegou a gritar de forma desadequada, tendo também verbalizado que pretendia sair da estrutura de acolhimento, sem se fazer acompanhar pelo filho.
18. Na primeira semana de novembro de 2019, o menor e a progenitora foram transferidos do Centro de Acolhimento de Emergência para uma Casa Abrigo, sita na ilha de São Miguel.
19. Nos primeiros dias de acolhimento na Casa Abrigo a progenitora apresentou comportamentos regulares, sendo capaz de asseverar os cuidados ao menor -, mas volvida urna semana de acolhimento, a progenitora passou a revelar instabilidade psicológica, designadamente intensa frustração, recriminando o filho pelo que considerava as agruras da sua situação pessoal e de restrição de movimentos que as necessidades do menor lhe impunham, e a partir daí, com assomos de raiva e mesmo violência, traduzidos em episódios de gritar com o bebé, sacudi-lo com força e atirá-lo para cima da cama.
20. Assim, durante a permanência da progenitora e menor na casa abrigo, entre 6 -11-2019 e 16-11-2019, a progenitora chegou a verbalizar «Estou farta dele! Estou há um ano com esta criatura, 24h sobre 24h! Dá-me vontade de atirar contra a parede!» «Abre a porta, e vá gatinha até ao mato, desaparece!», tendo ainda sido descrita, pela Casa Abrigo, alegada situação em que - levou bofetada da mãe e foi atirado para a cama após acordar a chorar.
21. A progenitora também não assegurava a totalidade dos cuidados de saúde. higiene, alimentação e segurança da criança, porquanto era frequente o menor apresentar eritema da fralda. tendo a mãe introduzido na alimentação do mesmo leite de vaca e iogurte, e não demonstrava compreensão pelo choro e necessidades constantes do -, perante as quais aquela mostrava muita irritabilidade e intolerância, sendo necessária a intervenção das monitoras da Casa Abrigo para confortar e acalmar a criança.
22. No contexto descrito em 19) a 21), a autoridade policial, a solicitação dos responsáveis da casa abrigo, na ausência de alternativa familiar ou outra, conduziu de urgência o menor - à casa de acolhimento residencial «-» — -, no dia 16-11-2019.
23. Após o acolhimento residencial do menor - na Associação de Solidariedade Social -, a progenitora foi residir para o -.
24. Desde que o menino foi acolhido, a progenitora compareceu todos os dias para a visita, à exceção dos fins-de-semana (regulamento da instituição), permanecendo em todas as visitas efetuadas durante uma hora ou mais, e revelando tanto a progenitora como o bebé satisfação no momento do encontro, demonstrando ainda a progenitora conseguir ser capaz de identificar as necessidades fisiológicas do filho (diferenciando entre fome e sono).
25. Em janeiro de 2020 a progenitora do menor mudou-se para um apartamento em Ponta Delgada, que partilhava com uma amiga e o filho desta, o qual era composto por piso único com cozinha, casa de banho, varanda e 4 quartos (ocupados por -. -. - e um quarto vazio), apresentando-se o mesmo em visita domiciliária realizada desarrumado, com roupas por cima das camas, loiça por lavar e loiça suja na mesa da cozinha. subsistindo então a progenitora dos rendimentos do trabalho em part-time (400,00), sendo elevados os seus encargos com a renda habitacional (300,00€).
26. Por decisão de 11-02-2020, a medida de acolhimento residencial foi prorrogada por três meses, a título cautelar e provisório.
27. No dia 13 de março de 2020 as visitas na instituição foram suspensas para todas as crianças acolhidas, tendo em conta o plano de contingência contra o Covid-19, sendo dada a alternativa aos progenitores de efetuarem videochamadas, duas vezes por dia, para ver o -, desde que compatível com as rotinas do menino/valência.
28. O progenitor do menor efetuou visitas nos dias 2 e 3 de março, e compareceu na instituição para visita no dia 16 de março, apesar de estar em quarentena por determinação das autoridades de saúde dos Açores, dia em que não lhe foi permitido visitar a criança por força do plano de contingência da CAR para prevenção da propagação da Covid-19, estando em todas as situações acompanhado de - -.
29. A 16-03-2020 o progenitor do menor quando lhe foi recusada a visita proferiu as seguintes expressões, «eu volto amanhã e resolvo isto à bala (...) eu parto isto tudo», na sequência do que a PSP foi chamada a CAR, ficando a guardar a porta de entrada.
30. Desde a referida data a progenitora efetuou as videochamadas agendadas, nas quais cantava para o filho, perguntava à funcionária como se encontrava o menino e perguntava quando poderia voltar a vê-lo presencialmente.
31. Também o progenitor telefonou para o menor, revelando interesse pelo filho, tendo chegado a cantar para ele.
32. Em 11-05-2020 a medida provisória de acolhimento residencial foi revista e mantida, por mais 3 meses.
33. A perícia psicológica de avaliação da personalidade da progenitora e das suas competências parentais realizada a 30 de junho de 2020, concluiu que:
«- Ao longo do processo avaliativo a examinada adotou uma postura que se pode considerar adequada, mas simultaneamente defensiva, pouco empática, procurando transmitir de si mesma uma imagem de adequação e autonomia. O seu discurso é fluente, contudo, por vezes se torna vago, omisso e com oscilações de humor.
- Possui um funcionamento cognitivo superior à média esperada para a população em geral, o que lhe possibilita boa capacidade para pensar em termos racionais, atuar de forma eficaz em relação ao meio envolvente e possuir estratégias de resolução de problemas.
- A informação apurada em entrevista forense não nos merece total confiança. Para além de que os dados que transmite nem sempre serem coincidentes com informações constantes nas peças processuais que tivemos acesso (nomeadamente o relatório social do Centro de Apoio à Mulher, em Ponta Delgada) e na entrevista realizada à técnica, Dra. -, percebe-se que a examinada descreve a sua história de vida e relações afetivas entre os elementos do seu grupo familiar de maneira superficial.
- Apesar da avaliação instrumental da personalidade não ser passível de interpretação, devido à elevada defensividade/dissimulação da examinada, existem elementos na sua história pessoal e na forma como se descreve a si e às suas ações, que permitem inferir que a examinada manifesta um percurso de vida profissional e afetivo marcado pela volubilidade.
- Na globalidade, e do ponto de vista psicométrico, não terá ficado determinado a presença de psicopatologia invalidante na estrutura da sua personalidade. Contudo, o elevado grau de desejabilidade social e defensividade que adotou na abordagem das questões colocadas nas escalas de avaliação, tornou inconclusivo os resultados obtidos em algumas provas especificas (MMPI-2; EPQ; EDS-20), o que não permite tecer comentários sobre a sua personalidade. Além disso, o padrão de resposta obtido na escala EDS-20 poderá ter produzido um enviesamento significativo nas respostas da examinada a outros instrumentos de avaliação psicológica, nomeadamente o Inventário de Práticas Educativas.
- O modelo de vinculação é inseguro-evitante e pode condicionar as suas relações íntimas de parentalidade. Indivíduos com um estilo de vinculação inseguro, manifestam dificuldade e desconforto em relação à proximidade e intimidade, que as relações com as pessoas significativas podem implicar.
- Estes indivíduos tendem a evidenciar dificuldade em confiar no outro, uma vez que percecionam as figuras de vinculação como não responsivas em situações de adversidade cuidar e ser cuidado é algo que tendem a evitar, uma vez que percecionam este Mor como uni dependência desagradável.
- Partindo do princípio que o desempenho da parentalidade implica para os progenitores (pai e mãe), a passagem por um processo de maturação psicológico, feito através de reorganizações psíquicas afetivas (ou seja, capacidade para, ao longo do tempo, se vincular aos filhos, entrar em sintomia com eles e desenvolver vínculos afetivos estáveis, compreender as suas necessidades, saber como proceder para satisfazer essas mesmas necessidades. protegê-los, educá-los, assegurar a sua socialização e integrá-los na vida comunitária), podemos considerar que, no caso da examinada, esta não parece ter sido capaz de manter um núcleo familiar estável, para aí exercer as funções parentais de forma responsável, providenciando ao filho cuidados, conforto e segurança.
- Desta forma, parece-nos não haver garantia de que, mantendo-se a examinada inserida num contexto de vida instável e mantendo um modelo de vinculação inseguro venha a conseguir desempenhar com competência as funções exigidas ao exercício de urna parentalidade responsiva e sensível».
34. Por sua vez, a perícia médico legal, de avaliação psicológica do progenitor, concluiu que o padrão relacional de instabilidade e conflito que o progenitor mantém com a progenitora, bem como as deslocações recorrentes ao estrangeiro, impacta negativamente na sua capacidade de exercer as funções parentais de forma regular e securizante para o -, bem como a sua capacidade para manter um núcleo familiar coeso.
35. - - após saída do Centro de Acolhimento passou a beneficiar de apoio social e psicológico por parte da Associação -, estabilizando emocionalmente e efetuando um percurso positivo, mostrando-se responsável, perseverante e organizada. e manifestando uma constante preocupação com o bem-estar do menor -, pelo facto de estar institucionalizado, encetando todos os esforços para que o mesmo regressasse ao seu seio familiar (assiduidade nas visitas, autonomização em casa, aquisição de berço, carrinho. etc).
36. Os progenitores visitaram juntos o menor - na CAR nos dias 2, 8, 9. 14, 16, 23, e 28 de junho de 2020 e 4 de agosto de 2020, durante as quais o - encontrava-se satisfeito e foi sempre acarinhado por ambos, gostando ambos de cantar juntos para o filho, o que deixava o - feliz, não sendo observado na interação entre mãe e filho nem rispidez nem hostilidade.
37. O progenitor voltou a visitar o filho a 24 de setembro de 2020, altura em que o - revelou alguma dificuldade em ir para o pai e em reconhecê-lo, e a 29 de setembro realizou outra visita, conseguindo este transmitir calma e captar a atenção do -.
38. Em outubro de 2020 o progenitor já havia abandonado a postura de ameaça, relativamente à equipa técnica da CAR, passando a respeitar os funcionários e regras da instituição, principalmente desde que as visitas presenciais foram reiniciadas, tendo alterado o seu padrão relacional agressivo para um padrão mais aceitável, visitando o menor com menos frequência, por força de não residir na ilha, mas contactando a equipa técnica com frequência para saber do filho.
39. Por sua vez, a progenitora apesar de manifestar interesse, amor e envolvimento para com o -, continuava a revelar que perante situações geradoras de angústia, tornava-se agressiva não com o filho, mas sim com as pessoas à volta, com oscilações bruscas de humor.
40. Em outubro de 2020 os progenitores do menor estavam reconciliados, encontrando-se - - grávida do menor -- (no segundo trimestre), altura em que -- passou a participar economicamente no pagamento da renda do apartamento onde - - passou a habitar, coabitando com esta por períodos intercalados de 15 dias, centralizando ambos a relação conjugal como fundamental para a reunificação com o filho -, e desvalorizando o casal a instabilidade recorrente na vida do agregado familiar, pautado por recorrentes episódios de violência doméstica, queixas na PSP, entrada na casa abrigo e por consequência alterações de residência, sempre que a díade voltava a reunificar-se.
41. Na altura -- fez referência ao passado da figura materna como pautado pelo consumo de substâncias psicoativas, diagnóstico de bipolaridade e ninfomania, e admitiu a existência no passado, antes e após o nascimento do menor -. de episódios de violência doméstica.
42. A 15-12-2020 foi a medida de acolhimento residencial prorrogada, excecionalmente, por mais 3 meses, pelo Juízo de Família e Menores de Lisboa - Juiz 5 ­Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. tendo nesta data a progenitora, quando ouvida em tribunal declarado manter relação amorosa com o pai do -, de quem esperava o --, estando o - em Lisboa a trabalhar para que pudessem pagar a renda, passando 15 dias com ela e 15 dias em Lisboa, pretendendo fixar residência em Ponta Delgada com os filhos, beneficiar de acompanhamento psicológico por parte da Associação -. e que progenitor fosse encaminhado para a mediação familiar.
43. No Natal, a 24 de dezembro de 2020, os progenitores foram ambos à CAR ver o filho -, estando revoltados pelo facto de não lhes ter sido dada autorização para o - ir a casa passar alguns dias no Natal.
44. O - reagiu bem à presença tanto da progenitora como do progenitor, juntos ou individualmente, ficando normalmente menos agitado quando estava na presença dos dois.
45. No dia 24 de fevereiro de 2021, ambos os progenitores compareceram para a visita com o irmão recém-nascido, --- -.
46. Além das visitas presenciais, os progenitores mantiveram videochamadas regulares com o menor -, mesmo nos dias em que também fizeram visita na instituição, com a duração de cerca de uma hora, as quais eram muito apreciadas pelo menor.
47. Em fevereiro de 2021 o progenitor do menor - estava a trabalhar em empresa de construção civil na ilha de São Miguel.
48. A 12-04-2021 a medida de acolhimento residencial foi novamente prorrogada. por 3 meses, iniciando-se convívios do menor em casa dos progenitores, aos fins de semana, indo estes buscá-lo ao estabelecimento escolar na quinta feira, após o horário escolar, levando-o à escola na sexta-feira, passando com este o fim de semana e entregando-o na segunda-feira na escola, voltando este para a instituição de segunda até quinta-feira.
49. O menor - manifestou sempre alegria e boa disposição quando os pais o iam buscar à creche, mas no regresso (segunda-feira), apresentava um estado de tristeza, com choro, chamava pela mãe e pelo pai e, muitas vezes, levava algum tempo até acalmar, revelando dificuldade em separar-se das figuras parentais.
50. A 5 de junho de 2021 o casal encontrava-se separado, sendo que no fim-de-semana de 17 a 21 de junho, no domingo (18.06.2021) a mãe contactou telefonicamente a CAR a informar que menino tinha febre e que se mantivesse esta situação iria solicitar que uma funcionária o levasse ao Hospital pois «não podia» (sic).
51. No dia seguinte, a mãe voltou a contactar a CAR, muito agressiva verbalmente pelo facto de ter-se apercebido que a medicação Aerius que o menino tomava há alguns meses (com indicação médica, para as alergias) tinha como efeito secundário sonolência, e no dia 21 de junho a progenitora telefonou e, novamente, acusou as funcionárias de administrarem aquela medicação ao filho, para que ele «dormisse toda a noite e elas pudessem ir para a varada firmar e dormir nos sofás» (sic), tendo o menino regressado à C.A.R. com uma pequena nódoa negra na coxa esquerda.
52. A 21-06-2021, o pai compareceu na CAR a exigir que o menino deixasse de tomar a medicação, e ameaçou falar com a sua advogada caso na CAR se continuasse a dar a medicação prescrita pela médica ao -.
53. No fim de semana de 24 a 28 de junho de 2021, especificamente no domingo (27­06-2021). a mãe enviou mensagem para o telemóvel da CAR a perguntar se podia levar o menino neste mesmo dia, pois este não queria comer, mas mais tarde acabou por responder que iria levá-lo na segunda-feira, pois o - tinha acabado por fazer a refeição.
54. No dia seguinte, segunda-feira (28-06-2021). a mãe levou o filho após a hora limite de entrada na creche, tendo-o deixado na receção da instituição, mas ao deixá-lo. estava visivelmente cansada, tendo referido enquanto o deixava na receção «fica aí, estou faria, ele só chora, não quer vestir, não quer comer, não quer ir para a creche, estou farta» (sie), tendo o - ficado imóvel na entrada da instituição, e quando o funcionário pegou nele ao colo, este ficou a soluçar, tendo a progenitora ido embora sem se despedir do menino.
55. Neste mesmo dia, a técnica da CAR telefonou para - -, no sentido de entender o sucedido, tendo esta referido que o filho havia rejeitado a refeição ao almoço e apenas tinha conseguido dar-lhe o jantar, apresentando-se emocionalmente exausta, pois chorava muito, e referiu que achava melhor o - deixar de ir aos fins-de-semana «até o tribunal decidir», mostrando dificuldade em cuidar do -- e do - simultaneamente.
56. No entanto. a 02-07-2021 (sexta-feira), a mãe acabou por ir buscar o menino à Instituição, tendo alegado que não conseguia estar afastada muito tempo do mesmo.
57. A 30-07-2021 a medida de acolhimento residencial aplicada ao menor - foi novamente prorrogada por mais 3 meses.
58. A 06-09-2021 a progenitora, por volta das 22 horas de Portugal Continental. enviou uma mensagem áudio ao - - a dizer «Não preciso da tua ajuda, vem buscar este filho de puta (referindo-se ao -- de 7 meses de idade), só me apetece matá-lo» (sie.), tendo o pai, inclusive, ouvido a criança a chorar, na sequência do que se deslocou à GNR de Venda do Pinheiro e mostrou a mensagem, tendo esta entidade articulado de imediato com a PSP de Ponta Delgada, que, recebendo tal ocorrência, se deslocou a casa de - - por volta das 22 horas locais.
59. Aquando da chegada da PSP à residência de - -, esta apresentava instabilidade emocional e comportamental, e, de forma nervosa, colocou de imediato o bebé nos braços do agente da PSP, solicitando que o levassem para uma instituição, tendo entregue aos agentes da PSP uma mala com os pertences do bebé.
60. Neste seguimento, o irmão germano do menor -, o --, foi acolhido nesta mesma noite na CAR -, onde se encontrava o irmão, sendo suspensos os convívios do - aos fins de semana em casa da mãe.
61. A 24 de setembro de 2021 foi aplicada aos menores - e --, por acordo de promoção e proteção, a medida de acolhimento residencial, pelo período de 6 meses. sendo determinada a sujeição da progenitora a perícia psiquiátrica em vista a aferir-se se sofria de patologia psiquiátrica ou perturbação da personalidade que dificultasse ou a incapacitasse de sozinha assumir os cuidados dos filhos, sem pôr em causa a saúde ou a vida dos mesmos. e a sujeição do progenitor a nova perícia psicológica de avaliação das suas capacidades parentais, e a frequência do programa "Contigo", vocacionado para a consciencialização do agressor do impacto negativo da violência doméstica e prevenção da reincidência, sendo permitidas visitas dos progenitores aos menores, na CAR, mas em momentos distintos.
62. A 7-09-2021 a progenitora foi observada de urgência no serviço de psiquiatria do HDES, por verbalizar ideação suicida, concluindo-se nesta observação que se apresentava sem psicopatologia ou diagnóstico psiquiátrico major a necessitar de intervenção, sendo aconselhado acompanhamento psicoterapêutico, pela situação vivenciada pela mesma.
63. A perícia psiquiátrica à progenitora concluiu que - - não possui nenhuma patologia psíquica major, mas apresenta traços de funcionamento desadaptativos, nomeadamente impulsividade e baixa tolerância à frustração, que poderão interferir com a sua capacidade de desempenhar as capacidades parentais, sendo sugerido que mantivesse o acompanhamento em consulta de psiquiatria e fosse também sujeita a acompanhamento psicoterapêutico, para ganho de competências parentais.
64. - - foi adotada em bebé, e por força das viagens frequentes dos seus pais e dos trabalhos destes, passava muito tempo aos cuidados de terceiras pessoas, tendo sido uma adolescente rebelde.
65. - -, aos 15 anos de idade, no Brasil, foi diagnosticada com a doença psiquiátrica de «Transtorno Bipolar», e entre os 18 e os 19 anos de idade, com «Transtorno de Personalidade Borderline», vivenciado, quando não medicada, ciclos de alegria e tristeza alternados e mudanças bruscas de humor, beneficiando de acompanhamento psiquiátrico e psicológico.
66. Não obstante, até há cerca de 11 anos - Gaito beneficiava da supervisão da sua figura materna relativamente à toma da medicação psiquiátrica, em razão do que não adotava comportamentos agressivos, embora mantivesse instabilidade comportamental, situação que se alterou com a morte da sua progenitora em 2015, após doença oncológica prolongada, na sequência do que - - ficou desorientada, sem condições para cuidar dos filhos, tendo tomado a decisão de deixar de viver no Brasil, que concretizou em novembro de 2017.
67. Quando saiu do Brasil - - deixou aos cuidados do avô materno a filha - - - (filha mais velha de - - e de - -. atualmente com 16 anos de idade), o qual posteriormente entregou a criança à guarda e cuidados cio respetivo progenitor, por não ter idade nem saúde para manter-se responsável pela neta, e ainda um filho mais novo, --(filho de - - e de --, atualmente com 11 anos de idade), cuja guarda - - havia perdido a favor do respetivo progenitor, em virtude de descuidar a alimentação, roupa e demais cuidados do menino.
68. A 18-03-2022 a medida de acolhimento residencial aplicada aos menores - e -- foi revista e mantida, a título provisório, por 3 meses, solução que não mereceu a adesão da progenitora, que pretendia a reunificação dos menores consigo, nem do progenitor que pretendia a reunificação dos filhos com a avó paterna. determinando-se que a progenitora, por força das suas dificuldades em gerir situações de stress relacionadas com os filhos, frequentasse o projeto VINCA, em vista à promoção do desenvolvimento da vinculação afetiva entre as crianças e a mãe.
69. A 6-04-2022 foi homologado novo acordo de promoção e proteção, de aplicação aos menores - e -- - - de medida de acolhimento residencial, pelo período de 6 meses, iniciando-se convívios das crianças com a mãe nos dias de folga desta, entre as 09h00m de segunda-feira e as 18h00m de terça-feira.
70. No mês de abril de 2022, aquando do regresso à CAR e durante alguma das videochamadas feitas pela mãe às crianças, o - deu alguns sinais de que o pai estaria viver em casa da mãe (verbalizou que «o papá está na casa da mamã» e «o papá dorme no sofá da mãe»).
71. No dia 6 de maio de 2022, o progenitor das crianças telefonou para a técnica da CAR, tendo referido que se encontrava a viver com a mãe das crianças há já algumas semanas, mas que, fruto de conflitos entre ambos, teria de procurar outro local para viver.
72. A 09-05-2022 o progenitor dos menores foi trabalhar e viver para a ilha do Pico. na área da construção civil para a empresa -- tendo alterado posteriormente a sua residência para a cidade do Funchal na ilha da Madeira (--).
73. A figura materna inicialmente realizava visitas às segundas, terças e sextas-feiras. mas com o início das idas das crianças a casa da mãe (segundas e terças feiras, com uma pernoita), as visitas na CAR passaram a ser apenas às sextas feiras.
74. Quando as crianças iniciaram as idas a casa da mãe, passou a verificar-se maior dificuldade por partes dos mesmos no momento de despedida da figura materna.
75. No mês de julho de 2022, ao ter conhecimento que as crianças estavam de férias, a mãe solicitou a realização de mais duas visitas semanais, nomeadamente às quartas e quintas-feiras.
76. Para além dos contactos presenciais, a mãe concretizava videochamadas e telefonemas diariamente, por vezes cerca de três a quatro vezes por dia.
77. O progenitor realizou visitas às crianças na CAR a 1-04-2022; 6.05.2022, sendo que a 14.06.2022 marcou visita, mas não compareceu.
78. O mesmo efetuou contactos telefónicos a 23.03.2022; 13.04.2022; 11.05.2022; 5.06.2022; 17.07.2022.
79. Das poucas visitas realizadas, denotava-se que -- era afável para as crianças, sentava-se e brincava com o -, e pegava no -- ao colo, sendo então habitual apresentar comentários depreciativos em relação à progenitora.
80. Durante as videochamadas o progenitor perguntava como estavam as crianças. como tinha sido o dia deles e, por vezes, cantava para os filhos, sendo que as crianças, de modo geral reagiam bem, salvo algumas exceções em que o - não queria falar.
81. Durante o acolhimento residencial as crianças receberam videochamadas da avó paterna (residente em Lisboa), nos dias 11.03.2022; 6.04.2022; 3.05.2022; 6.06.2022; 6.07.2022, as quais não demonstravam interesse em falar com a avó, que não conheciam pessoalmente, apesar da mesma chamar por eles e pedir-lhes que mandassem beijos.
82. A mãe dos menores manteve-se a viver sozinha, num apartamento arrendado, constituído por dois quartos de cama, sala de estar, cozinha e casa de banho, pelo qual pagava 500.00€ de renda, beneficiando, desde fevereiro de 2022, de apoio mensal, no valor de 177.00€, por parte da Direção Regional da Habitação, trabalhando na área da restauração (Restaurante --), de quarta-feira a domingo, das 11h30m às 15H, e das 18H às 23H, folgando às segundas e terças-feiras e auferindo 798.25€ mensais de retribuição.
83. A figura materna, em junho de 2022, começou a beneficiar de acompanhamento psicológico (com o objetivo de trabalhar ao nível da impulsividade e gestão da frustração), pelo Gabinete de Psicologia da Freguesia de São José, com periodicidade semanal, tendo sido realizadas até 11-07-2022, seis sessões, registando-se uma boa assiduidade.
84. Nas várias visitas realizadas ao agregado da mãe, a EMAT verificou a asseveração dos vários cuidados aos filhos, mostrando-se - - bastante adequada e afetuosa com estes, assim como preocupada em proporcionar-lhes um ambiente familiar estável.
85. - - promoveu ainda momentos lúdicos com as crianças, quer através de brincadeiras em casa, quer através de passeios, estando os meninos sempre bem-dispostos e felizes junto da mãe.
86. As crianças iam satisfeitas para a casa da progenitora, regressando limpas e tranquilas, revelando dificuldade em despedir-se da mãe nos momentos de regresso à CAR.
87. A progenitora dos menor -e --- - deixou de exercer atividade laboral na área da restauração no mês de outubro de 2022 (despedimento amigável), tendo iniciado novo trabalho, a 2-11-2022, na Empresa de Turismo --, sita na --, como gerente de administração, sendo o horário de trabalho da mesma, das 9h às 17 horas, de segunda a sexta-feira, mediante retribuição na ordem dos 800.00€ mensais, acrescidos de 150,00E de subsídio de refeição, em cartão.
88. A 22-11-2022 a medida de acolhimento residencial aplicada aos menores foi substituída, a titulo cautelar e provisório, pela medida de apoio junto da mãe, pelo período de 3 meses, medida revista e mantida por decisão de 23-02-2023, data em que a mãe foi sinalizada para a Equipa de Integração Familiar, em vista a ser trabalhada ao nível das competências parentais e estratégias educativas, e fortalecer o exercício de uma parentalidade positiva, segura e protetora, intervenção que não se iniciou de imediato, por haver lista de espera.
89. A 23-02-2023 foi ainda determinada a retoma dos contactos das crianças com o pai. através de videochamadas, com periodicidade semanal, através do Ponto de Encontro Familiar. contactos que a 4-05-2023 não tiveram lugar por a progenitora recusar qualquer contacto dos filhos com o pai.
90. Na altura, a figura paterna dos menores residia na ilha da Madeira, onde trabalhava na área da construção civil, vivendo com a companheira, um filho desta de 12 anos de idade, e dois filhos gémeos recém-nascidos a 24-04-2023, num apartamento camarário, de tipologia T2, sendo sua pretensão ficar com os dois menores - e -- a cargo, sendo apoiado nesta resolução pela sua companheira - --, que tinha ainda outros dois filhos mais velhos de outra relação, encontrando-se um em Londres e perspetivando o outro sair da Madeira para ir estudar.
91. No dia 16 de maio de 2023, a progenitora quando constatou que as creches dos filhos estavam encerradas, por ser feriado do Santo Cristo, no interior de um minimercado próximo daquele estabelecimento de infância, dirigindo-se aos menores proferiu as expressões seguintes: «vocês só me atrapalham», «eu mato vocês», apresentando-se então nervosa e alterada porque tinha de trabalhar, o que não poderia fazer com os filhos aos seus cuidados.
92. No dia 17-05-2023, durante a tarde, no recreio, o -, em conversa com uma auxiliar de educação disse que a mãe lhe tinha batido com um martelo, apontado para as costas, sendo detetado na altura no menor uma grande nodoa negra, do lado esquerdo na zona lombar, e pequenas marcas na nádega e abaixo da omoplata.
93. O - disse ainda que a mãe tinha batido no irmão porque ele não queria comer, e que então ele tinha comido tudo, para não apanhar mais.
94. Ao chegar ao jardim de infância a progenitora manifestou-se esquiva e desconcertada ao ser confrontada pela auxiliar que lhe deu conhecimento de ter aplicado «arnidol» no menino, e inicialmente disse não saber o que se tinha passado, mas posteriormente afirmou que o - se teria magoado nos carrinhos de choque, sendo que em audiência de julgamento afirmou que o menino se magoou no carrocel, nas Portas do Mar. para onde se dirigiu sozinho de trotinete, retirando - - o menino do carrocel, onde esta juntamente com a sua trotinete
95. Em maio de 2023 a progenitora havia abandonado os acompanhamentos psicológico e psiquiátrico, por incompatibilidade com as suas obrigações profissionais, tendo-se apresentado em tribunal visivelmente ansiosa e cansada, revelando dificuldades em conciliar o trabalho com os cuidados dos dois filhos de 4 e 2 anos de idade.
96. Não tinha então qualquer suporte familiar ou outro na ilha, vivendo o seu pai -- -, doente oncológico, e irmãs, no Brasil.
97. Na sequência da oposição do progenitor à manutenção da medida de apoio junto da mãe, e sinalização efetuada pela creche que um dos menores frequentava, no sentido de que a progenitora havia sido verbalmente agressiva com os filhos, um dos quais que havia feito referência a ter sido agredido pela mãe nas costas com um martelo, por acórdão de 28-06-2023, foi aplicada a ambos os menores, em substituição da medida de apoio junto da mãe, a medida de acolhimento residencial, em execução desde 03-07-2023 na casa de acolhimento residencial «-, Associação de Solidariedade Social» — valência Casa Azul, pelo período de 6 meses. passando as crianças com a mãe os fins de semana, entre as 17h30m de sexta-feira e a manhã de segunda-feira, sendo aquelas recolhidas e entregues pela mãe na creche/escola, e ainda às segundas, terças, quartas e quintas-feiras, entre as 17h30 e as 18h30m, seja na CIAR, seja no exterior.
98. No mesmo acórdão foi ordenado, face aos resultados inconclusivos das perícias psicológica e psiquiátrica realizadas à progenitora, a sujeição da mesma a uma nova perícia psiquiátrica, desta feita colegial, a realizar pelo Instituto Nacional de Medicina Legal em Coimbra, em vista a, por um lado, encontrar-se explicação para os comportamentos da progenitora a nível médico/científico e, por outro lado, aferir-se se era possível modelar estes comportamentos, cessando-os, ou se antes as capacidades parentais da progenitora se encontravam irremediavelmente afetadas, e na afirmativa, em que medida.
99. Mais ordenou o tribunal a expedição de carta rogatória à justiça brasileira, ao abrigo da Convenção de Haia, de 18-03-1970, sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, de que o Brasil é Estado contratante, remetida diretamente à Autoridade Central daquele país (https://www.hcch.net/en/instruments/conventions/specialised-sections/evidence), em vista a obter informação social sobre o agregado familiar alargado cl progenitora (pai/irmãos/irmãs/ex-maridos ou ex-companheiros e filhos a residir no Brasil bem assim sobre eventuais comportamentos desviantes da progenitora no Brasil. em referência aos seus filhos, que ai residem.
100. A 15-09-2023, sexta-feira, o menor - recusou-se a acompanhar a mãe na receção do rés-do-chão da CAR, tomando a iniciativa de subir as escadas para voltar à sua valência (sita no primeiro piso), repetindo várias vezes que não queria ir com a mãe porque esta lhe batia.
101. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 100) - - não forçou a criança - a ir consigo, levando apenas consigo o menor --, e, mais tarde, por volta das 19h30 falou com o filho - por videochamada, procurando agradá-lo, mostrando os iogurtes e gelados que tinha comprado, na sequência do que o - manifestou interesse em ir com a mãe, tendo afirmado «Ok, eu vou, mas não vais brigar comigo».
102. Na manhã do sábado seguinte, em resposta à pergunta da mãe « Você ontem não quis vir porquê?» - respondeu «Você me bate e se você me voltar a bater em bato em você!».
103. Por vezes o menor - utiliza na comunicação palavrões como caralho», «porra» e «bosta», termos utilizados por - -, verbalizando o menor que a mãe se refere à CAR como «uma porra» ou «uma bosta».
104. Na sequência do referido em 100) a 103) foram suspensos os convívios dos menores com a mãe ao fim de semana, por decisão de 27-09-2023, mantendo-se os convívios semanais entre mãe e filhos, entre as 17h30 e as 18h30, dentro e fora da CAR, bem como as videochamadas e telefonemas regulares da mãe às crianças.
105. Nos convívios dos menores com a mãe no interior da instituição aqueles apresentam agitação psicomotora (estão em constante movimento) e, apesar de se esforçar, - - não consegue manter os filhos calmos.
106. - -, após o 2° acolhimento residencial de - e -- passou a manifestar revolta pelo acolhimento dos filhos, na presença destes, tendo no dia 8-11-2023 chamado a rececionista da instituição de «puta ignorante», conduta de revolta que alterna com períodos de manifestação de gratidão pelo que a CAR tem feito pelos filhos.
107. - - depois do 2° acolhimento residencial dos filhos verbalizou ao filho - que o pai estava na cadeia e que não gostava dele, conversas que o - expôs ao pai nas videochamadas que mantinha com o mesmo.
108. A mãe apresentou o seu novo namorado --, nascido a 06-05-1983, de nacionalidade Alemã, aos filhos por videochamada, com quem, segundo a própria terá casado. e pretende ir viver com os dois menores e a criança em gestação, filha daquele, em Munique-Alemanha, tendo as crianças inicialmente reagido com estranheza, mas manifestado com o tempo gostarem do mesmo, o qual nas visitas posteriores que fez aos menores no exterior da CAR revelou ser afável e cuidadoso com os menores.
109. -- quando ouvido em debate judicial, só após muita insistência cio tribunal é que indicou a sua morada na Alemanha, onde reside desde 2017 com o agregado do tio, explicitando que tem como profissão a de angariador de clientes num hotel, estando desempregado e sem emprego fixo desde pelo menos julho de 2017, embora efetue alguns trabalhos para o tio com quem reside, sendo sua intenção arranjar emprego em Munique e sustentar - - e os três filhos desta.
110. -- conheceu - - - a 4 de julho de 2023, aquando da sua passagem pela ilha de São Miguel de um navio de cruzeiro vindo das Caraíbas, onde viajava, tendo regressado à ilha em setembro de 2023, onde permaneceu até dezembro de 2023, após o que regressou à Alemanha, tendo entretanto regressado à ilha de São Miguel entre 1 e 19 de maio de 2024, após o que viajou com - - para Munique, regressando juntos para São Miguel a 1 de junho, tendo -- regressado à Alemanha sozinho a 4 de julho de 2024.
111. -- só ocasionalmente envia a - - 400,00€ para a auxiliar financeiramente, dinheiro proveniente das economias daquele.
112. -- manifestou ser sua intenção regressar a São Miguel quando o bebé em gestação, seu filho e de - -, nascesse. o que prevê aconteça entre 14 e 16 de janeiro de 2025.
113. -- tem três filhos na Alemanha de dois relacionamentos anteriores, os quais estão aos cuidados das respetivas mães, com quem residem, mantendo aquele com os filhos convívios irregulares, e contribuindo também irregularmente para as despesas destes filhos, um dos quais residente em Munique.
114. - - subsiste economicamente do subsídio de desemprego e do subsídio de precaridade económica atribuído pelo Núcleo de Ação Social de Ponta Delgada, tenho passado a viver a partir de outubro de 2023 numa habitação sita na -- em Ponta Delgada, com boas condições de conforto e salubridade, constituída por uma sala, dois quartos, cozinha, casa de banho e uma divisão para arrumos, sendo ajudada financeiramente. com caráter irregular também pelo seu pai - --.
115. A progenitora foi sujeita a nova perícia psiquiátrica no âmbito da qual não se objetivou a presença de sintomatologia que pudesse consubstanciar um quadro psicopatológico, nomeadamente sintomas da linha do humor ou da linha psicótica (com rutura do sentido da realidade, tal como delírios ou alucinações).
116. Na mesma perícia a inteligência, psicometricamente aferida, foi avaliada como acima dos valores da média esperada para a população em geral, conferindo-lhe uma boa capacidade para pensar em termos racionais, atuar de forma eficaz em relação ao meio envolvente, possuindo estratégias de resolução de problemas.
117. A avaliação psicométrica a que havia já sido submetida não permitiu validar nenhum perfil de personalidade, face à elevação de escalas que sinalizam tendência para responder de forma pouco sincera, com preocupação exagerada em transmitir uma ideia de si própria de adequação social, levantando a possibilidade de esforço no encobrimento de qualquer tipo de perturbação emocional.
118. Não obstante a invalidação das provas pelos elevados níveis de desejabilidade social demonstrada, a súmula dos dados fornecidos pela examinanda e pelas informações constantes dos autos permitiu aos peritos apurar a presença, ao longo dos anos, de traços de funcionamento e de relacionamento interpessoal desadaptativos, como, entre outros, instabilidade emocional e impulsividade, traços que terão modelado seguramente ao longos dos anos a expressão comportamental da examinada (incluindo na sua relação com os filhos).
119. Do ponto de vista psiquiátrico forense, para além das características mal adaptativas de personalidade, não se apurou a existência de qualquer patologia psiquiátrica.
120. A conjugação destes traços de personalidade da examinada e dos restantes resultados obtidos na avaliação instrumental de competências parentais (incluindo estilo de vinculação), poderá condicionar o exercício pleno da parentalidade, conforme explicitado no relatório de avaliação psicológica, referido em 33).
121. As características desadaptativas de personalidade da examinada poderão, se presente a necessária e indispensável motivação para o efeito, ser alvo de abordagem psicoterapêutica regular, com vista a promover um funcionamento interpessoal mais adaptativo.
122. A informação social obtida a 28-02-2024 pelas autoridades brasileiras. junto de - - - (irmã de - - -). dá conta que - - mudou-se para Portugal, não mais regressando ao Brasil, há 6 anos; «sempre foi uma pessoa com o emocional meio instável, mas é uma pessoa super do bem»; ... «sempre teve facilidade em arranjar namorados e já iria viver juntos; sempre gostou de festas. Entretanto rapidamente começavam as desavenças, pois ela sempre foi muito explosiva nas suas atitudes»; ... «(a)o final - - concluiu que se dava muito bem com sua irmã -, mas reconhecia que esta sofria de problemas depressivos e alternava de comportamentos e, às vezes, tornava-se urna pessoa meio agressiva e por esta razão não conseguiu estabilidade nos seus casamentos, pois sempre havia muita briga e desentendimentos que contribuíam para os términos dos relacionamentos, redundado inclusive com as perdas das guardas dos filhos, inclusive com relação aos filhos nascidos no Brasil, - e -, que foram morar com os pais, em detrimento da mãe».
123. A informação social obtida a 01-03-2024 pelas autoridades brasileiras. junto de - --, dá conta que o mesmo é aposentado, pai de quatro filhos, designadamente - - -, engenheiro, 55 anos, residente em São Paulo. - - -, professora, com 54 anos, residente em Parnamirin - RN, -, psicóloga, 48 anos, residente em Parnamirin — RN, e de - - -, sem profissão, residente em Portugal há 6 anos, a qual é sua filha adotiva, tratando-se de pessoa muito extrovertida, inteligentissima, animada e uma filha querida, que tentou cursar o ensino superior, chegando a iniciar os cursos de Administração e Psicologia, dos quais desistiu.
124. Mais resulta da informação social obtida pelas autoridades brasileiras junto do pai de - -, que a mesma tem quatro filhos, dois dos quais nascidos no Brasil, designadamente - - - (filha mais velha de - - e de - -) e --(filho de - - e de --). que chegaram a morar com os pais em Natal, mas «em decorrência dos frequentes desentendimentos (brigas) de - - - com os pais de seus filhos, sempre se separavam e - e - foram morar com os respetivos pais e se mudaram de Natal».
125. Mencionou na mesma informação o pai de - - «que - gostava muito de festas e, apesar de boa filha e muito inteligente, em certas ocasiões perdia o controle emocional, o que fez com que não estabilizasse nos casamentos» e »[c]om relação aos cônjuges de -» ... «eram pessoas bastante empáticas e tratavam bem os filhos», que «mesmo os seus filhos não mais morando com ele, quase todos os meses, dava ajuda financeira para eles. inclusive para -», e que «sofreu um câncer e se submeteu a cirurgia, quimioterapia e radioterapia, mas estava quase curado, mesmo continuando a ingerir medicamentos em atendimento às prescrições médicas».
126. A informação social obtida a 01-03-2024 pelas autoridades brasileiras, junto de --(madrasta de - -), dá conta que «- - - não tinha condições para ter a guarda dos filhos, pois se tratava de uma pessoa muito descontrolada emocionalmente, portanto, sem as mínimas condições de exercer o poder familiar e de manter uma convivência pacífica com quaisquer pessoas», concluindo que «a situação de - é de saúde mental, não de falta de caráter».
127. A informação social obtida a 05-03-2024 pelas autoridades brasileiras, junto de - -, irmã de -, dá conta que «- sofria de transtorno mental bipolar, com comportamento agressivo, hiperativa, impulsiva, com variações acentuadas do humor», sendo que «apesar do problema de saúde da bipolaridade com alternância comportamental, é uma mulher muito bonita, sedutora, simpática e comunicativa e sempre gostou de festas e de ingerir bebidas alcoólicas», tendo aconselhado, por várias vezes - a procurar tratamento médico, mas esta não levava muito a sério os conselhos da família, mas «[m]esmo assim ainda teve algum acompanhamento psiquiátrico», sendo que «nos seus momentos de mau humor, reclamava muito de tudo e chegou a agredir o filho - -, com cenas chocantes, o que levou à separação, e -- (-) ficou com a guarda do filho». ...«Ao final - foi bastante incisiva ao afirmar que - nunca deveria ter tido filhos e não acreditava que sua irmã fosse capaz de ter a guarda dos filhos menores portugueses, haja vista os inúmeros surtos de agressividade que tinha quando residia em Natal, com os filhos - e -».
128. A informação social obtida a 29-02-2024 pelas autoridades brasileiras, junto de ---, 35 anos, empresária, irmã de --, dá conta do pouco convivio desta com - -, que classificou «como uma doida/louca, pois abandonou o filho de 2 (dois anos) (-), sem a menor comoção e foi embora. Finalizo dizendo que seu irmão -- não era um santinho e poderia ter todos os defeitos, mas não abandonou o filho -».
129. A informação social obtida a 28-02-2024 pelas autoridades brasileiras junto de - -, mãe de --, dá conta que a filha mais velha de - -, de nome - - -, reside com o seu progenitor - -. no Rio Grande do Sul, com a avó paterna, a tia paterna e duas primas, frequentando em dezembro de 2023 o 9° ano do ensino fundamental.
130. O progenitor dos menores. --, é natural de Lisboa, tendo crescido no seio de uma família alargada, marcada por algumas mudanças de residência no território nacional. tendo os seus pais se divorciado quando tinha 7 anos de idade, tendo esta separação ocorrido devido a conflitos conjugais e consumos de álcool por parte do pai.
131. - abandonou a escola quando estava no 6° ano para iniciar o seu percurso profissional, mas posteriormente frequentou um curso que lhe deu equivalência ao 9° ano, começando a trabalhar com 14 anos de idade na área da construção civil, tendo posteriormente enveredado por outras áreas profissionais.
132. Com 18 anos de idade -- teve uma primeira companheira, tendo desta relação nascido duas filhas, atualmente já maiores de idade.
133. Posteriormente conheceu uma senhora de etnia cigana, com quem teve um filho, - (criança que beneficiou de processo de promoção e proteção por falta de assiduidade escolar e problemas comportamentais), relação que durou cerca de 9 anos, sendo a vida familiar marcada por dificuldades económicas, constantes alterações de residência, e agressões psicológicas e físicas por parte de -- à mãe de -.
134. Aos 24 anos -- foi detido devido a trafico de estupefacientes e condenado a 6 anos de prisão, mas cumpriu apenas 4 anos no Estabelecimento Prisional de Lisboa.
135. O progenitor foi condenado a 30-05-2019, por sentença transitada em julgado a 07-11-2019, pela prática a 19-03-2019 de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143°, 145°/a)/2, do C.P., por referência ao artigo 132º/2/b) e c), do C.P., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime (te prova. no âmbito do processo abreviado n.º 216/19.6PATVD, que correu termos no Juízo Local Criminal de Torres Vedras — Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte; e por sentença de 03-11-2021, transitada em julgado a 03-12-2021, pela prática a 13-05-2021. de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°/1/a)/2/a), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, no âmbito do Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 7151/21.6PBPDL, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada — Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, sendo - -, em ambos os casos a vítima.
136. Após o termo da relação com - -, -- conheceu através das redes sociais - Andreia da Silva -, residente na Região Autónoma da Madeira, na sequência do que alterou a sua residência para a ilha da Madeira, passando a aí trabalhar na área da construção civil, tendo vivido com - Mendonça em união de facto até abril de 2024, resultando desta união o nascimento de filhos gémeos a 24-04-2023.
137. A viver na ilha da Madeira -- manteve contactos por videochamada com os filhos, durante as quais perguntava como estavam e como passaram o dia, sendo por vezes difícil às crianças manterem-se sossegadas e com atenção ao telemóvel. o que o pai sempre compreendeu, desligando a chamada quando verificava que os filhos estavam demasiado agitados.
138. Em abril de 2024 -- separou-se da sua companheira - Andreia da Silva - (mãe dos seus filhos gémeos --- e ---, nascidos a 24-04-2023), por decisão da própria, por a relação conjugal ser muito instável, marcada por violência verbal, psicológica e física perpetrada por --.
139. Quando vivia com - - -- colaborava em algumas tarefas relativas aos filhos gémeos, mas, por vezes, sobretudo à noite, não queria acordar, ficava muito irritado e dizia que estava muito cansado, adotava comportamentos de controlo em relação à companheira, não queria trabalhar, gostava de estar em casa, sendo muito instável nos trabalhos, pois não aguentava muito tempo no mesmo trabalho.
140. O processo crime n.º 1066/24.3PBFUN instaurado na sequência de queixa por violência doméstica apresentada por -- contra - - foi arquivado, estando ainda pendente em investigação por crime de violência doméstica no DIAP do Funchal— 2" secção, o processo crime n.º 1262/21.5T8PDL-A, em que consta como ofendida - - e como suspeito --.
141. Não obstante a distância geográfica, o progenitor manteve os contactos regulares por videochamadas com os filhos, evidenciando estes um maior desinteresse em manter conversa com o pai, e observando-se nas mesmas que o - referia conversas influenciadas pela progenitora, tais como «tu não és meu pai», «não és da minha. família» e «eu tenho um pai novo». adotando a figura paterna perante o discurso do - uma postura assertiva e adequada.
142. A avó paterna dos menores diminuiu os contactos com os netos, por ter iniciado trabalho por turnos, verificando-se que as crianças manifestam pouca interação com esta.
143. Em junho de 2024, -- mantinha-se a residir na Madeira em casa de um amigo, cuja morada recusou facultar, efetuando trabalho como pintor na área da construção civil, não estando inscrito como trabalhador ativo na base de dados da segurança social.
144. A 02-12-2024 o progenitor dos menores celebrou contrato de trabalho com a empresa «--, Lda.», na área da construção civil, sendo a retribuição base de 915,00€ (sujeita ainda a descontos legais), comprometendo-se a prestar trabalho fora do respetivo horário normal sempre que para tal lhe fosse solicitado e além das 30 horas semanais (até 2 horas por dia e 50 horas por semana), e celebrou contrato de arrendamento a 5­12-2024 relativo a habitação de tipologia T2, sita no -, concelho do Funchal. mediante o pagamento de 800,00€ de renda, mobilada com duas camas individuais, um sofá. uma mesa e cadeiras, e equipada com placa e forno.
145. -- tem convívios com os filhos gémeos, que residem com a mãe - -, a qual manifestou disponibilidade para apoiar -- nos cuidados dos filhos - e --, se estes ficarem a residir e aos cuidados de --.
146. Desde que foram suspensas as idas dos menores a casa da mãe aos fins de semana, estes têm-se mantido sempre na CAR, exceto nos dias comemorativos (i. e . Natal, Páscoa e aniversários), recolhendo a progenitora de 2° a 6" feira o - no Jardim de Infância - e de seguida, o -- na creche -, para posteriormente realizar a sua visita, até às 18h30m, as quais na sua maioria se concretizam em contexto fora da CAR, no âmbito dos quais a figura materna procura promover situações positivas para os filhos.
147. - - aquando dos convívios com os filhos mantém dificuldades eis ai controlar o comportamento destes, os quais estão constantemente a correr pelo hall de entrada da Instituição, a tocar nos objetos, a pular nos sofás, a abrir e fechar portas: a espalhar guloseimas pelo chão e a bater um no outro, sendo por vezes necessária a intervenção da Equipa Educativa e da Equipa Técnica da CAR, a qual não é aceite pela progenitora, que fica em tais situações irritada e agressiva, imputando o comportamento deles ao facto da Instituição não os saber educar e precisarem da mãe.
148. Na forma como se relaciona com todos os colaboradores da CAR - - assume uma postura impulsiva, agressiva e ameaçadora, com recurso a palavrões. sendo exigente e arrogante com aqueles.
149. Assim, a 28-08-2024, na CAR, na presença dos menores a progenitora atirou ao chão os pertences dos menores que tinha solicitado para fazer uma saída com os meninos, por o material não estar como ela queria, voltando a exigir outros pertences, num tom arrogante e exigente, demonstrando não estar satisfeita com o trabalho das colaboradoras da CAR.
150. E no dia 29-08-2024 - - enviou um SMS à CAR, referindo-se a outra criança utente da mesma instituição (-) como deficiente e doente mental, e alegando que a mesma estava sempre aos gritos, sendo que no dia 02-09-2024 quando a progenitora trouxe os filhos à CAR , após a visita, ao ouvir a voz do -, questionou os seus filhos dizendo: «É sempre assim esse deficiente, não se cala está sempre aos gritos?» e de seguida disse, aos altos berros «doente mental ... doente mental».
151. Apesar das oscilações de humor e impulsividade, - - esforça-se por estar presente na vida dos filhos e em colmatar as suas necessidades, acompanhando o menor -- à terapia da fala às quintas-feiras, das 16h00m às 16h45m, e o menor - à psicóloga, às sextas-feiras, das 14h00m às 14h45m, acompanhando ainda os filhos às atividades da natação. e expressando espontaneamente afeto pelos filhos (todos os dias, quer em visitas quer em videochamadas diz-lhes que os ama muito, abraça-os e dá-lhes beijos).
152. O menor - após o segundo acolhimento inicialmente brincava de forma calma com os colegas e o irmão e vinha bem das visitas com a mãe, mas com o passar do tempo foi mostrando resistência em ir com a mãe, dizendo que esta brigava e que lhe batia, sendo que após a suspensão das pernoitas dos menores com a mãe aos fins de semana, o menor - passou a demonstrar revolta quando regressa à CAR, não querendo sair do colo da mãe, chorando aquando da separação à figura materna.
153. Além disso, na escola como na CAR, passou a ser agressivo com os colegas, bem como com o irmão, batendo nas crianças, dizendo palavrões e manifestado constante agitação.
154. Acresce que, na escola, perante a Educadora, o menor - assume uma atitude ambivalente relativamente à mãe, na medida em que já disse não querer a mãe e já mencionou à Educadora o contrário, isto é, que quer a mãe e que vai ter com ela.
155. Na sequência do referido em 152) a 154), o menor - passou a ter acompanhamento psicológico na LAPSIS.
156. Contrariamente ao -, o -- é uma criança que gosta de brincar sozinha, apresentando algum atraso na linguagem, sendo acompanhado a este nível pela Equipa de Intervenção Precoce.
157. - - não tem juízo crítico sobre as suas oscilações de humor, e comportamento de agressividade verbal dirigida aos menores e os técnicos da Casa de Acolhimento Residencial, não reconhecendo ter qualquer perturbação psiquiátrica (seja «transtorno borderline» ou outra), declinando, por isso, o seu acompanhamento psiquiátrico ou tratamento psiquiátrico, estando, porém, recetiva ao seu acompanhamento psicológico.
158. Imputa os diagnósticos «de transtorno bipolar» e «transtorno borderline» que lhe foram feitos no Brasil, ao seu comportamento rebelde durante a adolescência e necessidade do pai mantê-la mais sossegada em casa, através da administração de medicação.
159. A progenitora não tem antecedentes criminais em Portugal.
160. - - imputa o acolhimento residencial dos filhos a preconceito contra si, e justifica não ter regressado ao Brasil com os filhos, quando os tinha aos seus cuidados, no âmbito de medida de apoio junto dos pais, apesar dos pedidos feitos neste sentido por --, pessoa que lhe é próxima, com o facto dos meninos e a própria estarem integrados na ilha de São Miguel.
161. A avó paterna, apesar de revelar disponibilidade para cuidar de - e --, não reúne condições para se constituir uma alternativa ao acolhimento residencial dos netos. não devido às suas condições habitacionais, mas devido aos horários laborais, e à postura de evitamento ao esclarecimento dos motivos do acolhimento de outros netos, filhos de -, sua filha, presença assídua na sua casa, com problemas de toxicodependência, e às fragilidades que evidenciou ao nivel da proatividade na resolução de problemas e na identificação de fatores de perigo para os netos, como seja a postura agressiva assumida pelo filho -, e que esteve n base da sua condenação em penas de prisão suspensas.
162. Na restante família biológica não foram encontradas figuras adultas disponíveis e capazes de cuidar dos menores, em alternativa aos pais.
Factos não provados:
Nenhum com interesse para a causa.
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III.II. Síntese pré-decisória:
Contextualizando a matéria de facto assente nos autos, pode ser resumida do seguinte modo:
a) As crianças mantiveram-se a maior parte da sua vida acolhidas institucionalmente;
b) Em alguns períodos, intercorrentes e pouco continuados, viveram ao cuidado da mãe;
c) Nos períodos em que viveram com a mãe, esta foi incapaz de lhes conferir estabilidade, segurança ou dar-lhes um projeto de vida;
d) Pelo contrário, a situação social da mãe e a sua falta de
estabilidade psicológica conduziram a situações em que as crianças se apresentaram em sério risco;
e) A mãe, nesses períodos, teve atitudes qualificáveis como maus tratos sobre os filhos;
f) O pai foi uma figura que se manteve genericamente ausente da vida dos filhos, mantendo contactos pontuais e sobretudo à distância;
g) A sua vida tem sido marcada pela instabilidade, pessoal e profissional, sendo conhecidos repetidos comportamentos de violência doméstica sobre três companheiras, entre elas a mãe destas crianças;
h) O pai foi também incapaz também de apresentar um projeto de vida coerente para os filhos;
i) Não existe na família alargada de qualquer dos progenitores biológicos uma solução viável para acolhimento e desenvolvimento das crianças.
É perante este quadro factual, que é o que se mostra genericamente descrito nos autos, que devem ser contextualizadas as posições de ambos os progenitores nos respetivos recursos.
A decisão recorrida concluiu pela insuscetibilidade de estabelecer qualquer solução que garanta proteção e desenvolvimento às crianças junto da família biológica e, consequentemente, decidiu por projetos de vida assentes na constituição de novos vínculos familiares, i.e., pela sua adoção.
Várias considerações prévias se impõem, antes de fazer uma análise singular dos fundamentos recursórios apresentados por cada um.
Em primeiro lugar, deve realçar-se que os dois recursos, além de formalmente autónomos, assentam também em razões materiais distintas.
O ponto de contacto que se pode estabelecer entre ambos limita-se à rejeição da conclusão de inexistência de um projeto de vida consistente junto da família biológica.
Fora deste ponto de convergência, a posição das recorrentes é completamente díspar, propugnando cada um dos recorrentes uma solução em que as crianças lhes seriam confiadas.
Além desta primeira referência, em segundo lugar, deve ser relevado que a perspetiva em que cada um pretende assentar para estabelecer a medida de apoio junto a si é também materialmente distinta.
Assim, enquanto a mãe pretende pôr em causa as conclusões sobre si própria e o seu comportamento feitas no acórdão, apresentando-se como uma pessoa com vínculo aos filhos e com adequada estabilidade psicossocial para os ter ao seu cuidado, a posição do pai assenta sobretudo na afirmação da "injustiça" de não lhe ter sido dada a oportunidade de demonstrar a sua capacidade parental, ao contrário do que teria sido proporcionado à mãe.
Quer isto dizer que, numa simples avaliação apriorística, a posição do recorrente-pai se apresenta com uma clara fragilidade, uma vez que se autocentra nas suas razões pessoais, equiparáveis a uma verdadeira invocação do princípio da igualdade face à mãe, não tendo como base central dos seus argumentos a simples defesa da melhor solução para a vida dos filhos.
Em terceiro e último lugar, deve assinalar-se que, como consta do próprio teor do acórdão recorrido, não esteve em causa na decisão proferida a afirmação inexistência de vínculo afetivo entre os progenitores e os filhos, ou sequer a absoluta quebra de vínculos filiais.
Refere-se a decisão expressamente ao amor da mãe às crianças e, ainda que de forma menos clara, o mesmo se pode considerar que se extrai quanto a afetividade expressa pelo progenitor.
Pode concluir-se, de forma indistinta quanto a ambos, que é afirmada na decisão a existência de alguma vinculação afetiva, ou amor aos filhos, mais marcadamente assinalada quanto à mãe.
Desenvolvendo este tópico, a decisão afirma expressamente que essa afetividade é insuficiente para afastar a conclusão de se ter verificado uma importante diluição (que não completa eliminação) dos vínculos próprios da filiação.
Quer isto dizer, portanto, que a decisão estabelece uma clara diferença entre o que sejam vínculos afetivos, em sentido estritamente psicológico - o amor aos filhos, e os vínculos filiais em sentido próprio, necessariamente mais abrangentes, que pressupõem a existência desse amor, mas impõem sobretudo uma avaliação global da vontade e da capacidade dos pais orientarem a sua vida em função da defesa dos interesses daqueles, promoverem a sua proteção e desenvolvimento harmonioso.
Para a decisão recorrida ficou, assim, claramente estabelecida uma diferença entre a afetividade, enquanto sentimento, emoção ou ligação puramente psicológica, e o vínculo filial, que implica uma capacidade global dos progenitores exercerem a sua função de cuidadores e educadores.
O amor, ou vínculo afetivo, é, portanto, apresentado, (corretamente, adianta-se) como uma parte (dir-se-á até a mais fácil, por não implicar qualquer esforço comportamental), de todo o complexo de ligações, exigências e compromissos que envolvem o vínculo parental.
Sendo esta a avaliação da decisão, a afetividade será um simples elemento a considerar, mas, nas premissas da decisão recorrida, o mais relevante será a demonstração continuada da capacidade de proteger e educar os filhos, com o inerente esforço e dedicação envolvido, em detrimento de interesses ou vontades puramente pessoais dos próprios progenitores.
Isso, conclui a decisão, nenhum dos pais foi capaz de fazer, falhando repetidamente o exercício da parentalidade (por ação e omissão) e, porque não se perspetiva nenhuma outra solução de vida, seja junto dos pais biológicos ou da família alargada, a confiança para adoção foi o caminho acolhido.
Este é o quadro e o sentido da decisão recorrida.
A solução apresentada, é o que resulta desta síntese, mostra-se devidamente alicerçada nas suas premissas.
Cumpre verificar se o conjunto de argumentos apresentado por cada um dos recorrentes é capaz de o pôr em causa.
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III.III. O recurso da progenitora-mãe:
Sintetizando os argumentos apresentados pela recorrente, podem ser agrupados em duas grandes linhas:
- A primeira refere-se à avaliação feita no acórdão à sua condição psicológica, rebatendo abertamente os distúrbios que ali lhe são apontados.
- A segunda, que é a grande argumentação de fundo, é a afirmação de que o vínculo mãe-filhos se mantém em vigor e que é capaz de apresentar um projeto de vida coerente para o seu futuro.
Assinalando desta forma os argumentos apresentados, importa começar por repescar o que foi dito a título prévio - o presente recurso atém-se a uma reavaliação do mérito da decisão para tutela de interesse protegido, não a uma reavaliação da matéria de facto estabelecida nos autos.
Quer isto dizer, portanto, que a condição psicossocial apurada à mãe se mantém inalterada.
Isso não significa, há que começar por dizê-lo, que não assista à recorrente
alguma razão quando pretende pôr em causa a conclusão estabelecida pelo acórdão de sofrer de um distúrbio borderline.
De facto, o acórdão estabelece essa conclusão assentando-a em informações de avaliação psicológica realizadas pela progenitora quando vivia no Brasil, i.e. , antes de se estabelecer em Portugal e, principalmente, antes do nascimento dos filhos sujeitos deste processo.
Trata-se, portanto, de ilações extraídas de avaliações psicológicas anteriores a 2017, com mais de sete anos e, acima de tudo, não corroboradas pela avaliação psiquiátrica feita em
Portugal, nestes autos e em data recente (2023).
Na verdade, desta última avaliação não resultou qualquer diagnóstico de perturbação clinicamente valorizável e, nessa medida, a conclusão estabelecida pela decisão recorrida exorbita um tanto os pressupostos em que assenta.
Isso não quer dizer, todavia, que a conclusão estabelecida não tenha razão material de ser, não enquanto perturbação medicamente estabelecida na data presente, mas enquanto simples constatação da perturbação emocional e instabilidade comportamental grave que a progenitora sofre e que o relatório claramente atesta.
Do seu teor e do conjunto da factualidade estabelecida decorre de forma clara e ostensiva a instabilidade, impulsividade, inconsistência, contradição e até a violência dos comportamentos da progenitora.
Esta oscila entre fases ou momentos de equilíbrio e fases ou momentos de grande intranquilidade, agitação e até agressividade para com quem está à sua volta, incluindo os filhos.
Diversa factualidade atesta essa situação, seja relativamente à sua relação com terceiros (designadamente, nos tempos mais recentes, as pessoas ligadas à instituição em que as crianças estão acolhidas, aludindo-se a atitudes ou palavras que tanto podem ser de agressividade ou ofensa, como podem ser de reconhecimento e agradecimento pelo apoio ali dado aos filhos), seja com as próprias crianças.
Neste caso, particularmente relevantes são as atitudes da mãe que oscilam entre repetidas declarações de amor e saudade pelos filhos, e que incluem convívios e visitas mutuamente gratificantes, com fases de grave violação de deveres parentais, incluindo afirmações verbalizadas do tipo "vocês só me atrapalham", "um dia mato-os", e repetidas notícias de agressões aos filhos, inclusivamente com um martelo.
Este quadro de comportamentos, possa ou não estabelecer uma efetiva avaliação clinicamente qualificável como transtorno borderline ou transtorno bipolar (algo que, como referido, não decorre da última avaliação psiquiátrica feita em Portugal), traduz inequivocamente uma realidade comportamental gravemente instável, com diretas consequências nas crianças, ao nível social, psicológico e afetivo (tanto que os próprios filhos também oscilam entre períodos em que afirmam saudade e vontade de estar com a mãe, e manifestam satisfação pelos convívios mantidos, com recusas de estar com ela devido às suas repetidas manifestações de agressividade).
Assim sendo, concluindo este ponto, ainda que a recorrente possa ter alguma sustentação na infirmação que faz à existência de um quadro médico-psiquiátrico borderline efetivamente declarado na data presente, não consegue, pelo contrário, afastar a correção da conclusão de de uma irregularidade grave dos seus comportamentos e atitudes, incluindo períodos de impulsividade e agressividade descontrolada, com afetação direta da sua relação com os filhos.
--
Se quanto a ponto anterior a argumentação da recorrente ainda pode encontrar algum apoio, ainda que não traduza qualquer discrepância relevante face às premissas da decisão, quanto à segunda linha de sustentação que apresenta, que se refere ao essencial da materialidade da avaliação (a afirmação do seu vínculo filial aos filhos e de um projeto de vida para as crianças), os fundamentos apresentados devem considerar-se totalmente inconsistentes.
Para os apreciar, a análise que se revela mais operativa é a diacrónica.
Assim, esquecendo o passado conhecido à recorrente no Brasil (que a decisão
recorrida também valorizou e que atesta que tem dois filhos de relações anteriores, tendo ambos ficado à guarda e cuidados dos respetivos progenitores masculinos, na sequência das separações, não demonstrando a mãe vontade e/ou capacidade para deles cuidar), e centrando a atenção apenas no período pós-2017 (altura da sua fixação de residência em Portugal) e, sobretudo, pós-2019 (altura do nascimento das crianças sujeitos dos autos), a vida pessoal da recorrente pode ser assim resumida:
a) Em 2019, tendo o filho - apenas alguns meses de vida, os progenitores viviam em comunhão de vida, em situação de grande precaridade, num quarto arrendado, com rendas em atraso e na iminência de despejo, com violência doméstica praticada pelo pai sobre a recorrente e sem que a mãe tivesse autorização para residir no país;
b) Os pais separaram-se e a mãe foi acolhida com o filho em instituição de proteção de vítimas de violência;
c) Os pais retomaram a relação, a mãe engravidou do filho --, que viria a nascer em 2021, e os progenitores retomaram transitoriamente a vida em comum;
d) Depois, voltaram a separar-se e a e o filho --, recém-nascido, veio a acolhido de emergência, com informação de situação de grave precaridade social, institucionalização que veio a ser alargada ao filho mais velho, mantendo-se acolhidos desde então, com pontuais interrupções;
e) Num curto período em que as crianças ficaram com a mãe, estando esta empregada, houve notícia de agressões graves aos filhos, inclusivamente com um martelo, de afirmações repetidas pela mãe que estes a atrapalhavam e que os matava, situações de entregas dos mesmos pela mãe à polícia ou na instituição de acolhimento acompanhada de afirmações do tipo "estou farta" e "não aguento mais";
f) Estando os filhos institucionalizados, as visitas e contactos foram decorrendo irregularmente, havendo períodos em que os filhos (particularmente o mais velho, que foi adquirindo capacidade de avaliação própria) se recusaram a ir com a mãe, porque esta lhes batia, e outros em que os contactos decorreram de forma favorável;
g) Mais recentemente, a mãe iniciou um relacionamento amoroso com um cidadão alemão que parou na ilha de São Miguel num cruzeiro e desse relacionamento nasceu uma criança, que lhe foi retirada, manifestando a mãe intenção de ir viver para a Alemanha, onde vive o pai desse recém -nascido;
h) O cidadão alemão em causa não trabalha, tem outros filhos de relacionamentos anteriores a viverem com as respetivas mães, contribuindo irregularmente para o seu sustento;
i) A progenitora também não trabalha atualmente, vivendo de apoios sociais.
A conclusão a retirar destas referências é que a mãe recorrente não foi capaz de assegurar, até ao presente, uma adequada proteção, educação apoio e desenvolvimento dos filhos sujeitos destes autos, nem sequer uma estruturação minimamente estável da própria vida e, principalmente, que não existe nenhum elemento que, com um mínimo de consistência, leve a razoavelmente prever que o venha a fazer num futuro vislumbrável.
Estabelecida esta conclusão, a questão decisória mostra-se devidamente contextualizada
quanto à progenitora biológica, podendo ser assim apresentada:
- Perante uma mãe que colocou os filhos (atualmente com 4 e 6 anos), em situação de risco, desde o seu nascimento, e não foi capaz de lhes proporcionar, até este momento, um projeto de vida coerente, nem o apresenta na data atual, mas mantém alguma ligação afetiva com eles, justifica-se dissolver o vínculo biológico e promover um projeto de vida com estabelecimento de novas relações filiais?
- Ou, pelo contrário, ainda se deve considerar que a relação biológica deve ser promovida, procurando-se uma solução para as crianças que dê
uma nova oportunidade ao restabelecimento de uma normal relação filial biológica com a mãe?
A decisão recorrida seguiu o caminho de promover uma nova relação familiar e sustentou-o na densificação do conceito de dissolução do vínculo filial, equiparando a situação de enfraquecimento da filiação biológica, que considerou verificada, com uma situação de completa quebra desse vínculo.
Estabelecido este pressuposto decisório, ganha efetividade o grande princípio orientador desta decisão, que é a defesa e promoção do superior interesse das crianças, que, no contexto destes autos, deve ser balizado por três grandes marcos orientadores:
a) O direito de todas as crianças a um projeto de vida seguro e protetor, que assegure o seu adequado desenvolvimento;
b) O chamado "diferente tempo das crianças", que se liga a conceções psicobiológicas que estabelecem diferentes e sucessivas fases de desenvolvimento infantil, que, uma vez ultrapassadas e perdidas, são, em grande medida, irrecuperáveis (e, portanto, impõem que as soluções de promoção e proteção sejam tempestivas);
c) A promoção de uma situação de enquadramento familiar como manifestamente preferencial a uma situação de desenvolvimento de toda a infância e juventude num contexto de internamento institucional, mesmo que mantendo alguns contactos com a família biológica.
Estes grandes marcos sobrepõem-se, quando em situação de conflito, ao interesse dos pais a manterem a sua ligação biológica com os filhos, algo que é quase autoexplicativo face à superioridade do interesse destes, como superam também o próprio interesse que os filhos possa ter a manter algum vínculo com a família biológica.
Em termos simples, a preferência pela família biológica, como base estruturante
do projeto de vida das crianças, só se mantém enquanto se possa concluir que o espaço familiar natural é adequado à proteção e carinho das crianças, de forma permanente e consistente (ainda que possa sofrer obstáculos, problemas e dificuldades, algo que é natural em qualquer relação filial).
Não se trata de aferir se os pais biológicos têm dificuldades sociais ou económicas, ou sequer se têm pontuais falhas ou insuficiências de comportamento, algo que também inerentemente natural a qualquer relação filial. O que se trata é de aferir se os pais biológicos têm a capacidade, a vontade e a disponibilidade de colocarem os filhos no ponto mais alto dos seus esforços e preocupações, de forma consistente.
Se se concluir que um progenitor, a despeito das dificuldades, é capaz de, consistentemente, colocar os seus filhos no topo das suas preocupações de orientação de vida, haverá condições para procurar salvaguardar a relação biológica e apoiá-la para que possa desenvolver-se de forma adequada e protetora das crianças.
Se, pelo contrário, se concluir que, a despeito de pontuais manifestações de afeto, que o progenitor biológico se afastou repetidamente dos filhos, ou os negligenciou, ou
até os maltratou, a conclusão o que se impõe será a oposta - o vínculo biológico não tem condições de subsistir, impondo-se defender as crianças dos efeitos nefastos do mesmo.
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Sendo este o quadro referencial, veja-se a forma como se mostra juridicamente consagrado.
Ao nível constitucional, o preceito-base, estabelecido como direito fundamental, consagra a proteção da família, nos termos da qual ficam muito claras as linhas antes assinaladas.
No quadro de proteção da família estabelecido pelo art.º 36.º da Constituição (CRP) mostra-se expressamente estabelecido um princípio de preferência pela relação filial natural, ou biológica, orientando-o, todavia, à defesa do referido superior interesse das crianças.
Assim, o n.º 5 estabelece que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, aduzindo o n.º 6, de forma clara, que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
O princípio é claro, a família biológica deve prevalecer, desde que seja o referido espaço de proteção, educação e desenvolvimento.
A relação familiar não biológica está também constitucionalmente prevista pelo n.º 7 - a adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação.
O quadro regulador supralegal fica, assim, claro: - a constituição de vínculos familiares por adoção deve ser protegida, sendo subsidiária à biológica, mas devendo ser orientada pelos referidos critérios de tramitação célere (o que converge com o supra referido diferente tempo das crianças no seu desenvolvimento).
Ainda em sede exclusivamente constitucional, noutros lugares da Constituição retiram-se desenvolvimentos e manifestações destes princípios, designadamente ao nível reconhecimento da família como elemento fundamental da sociedade (art.º 67.º), da proteção da maternidade e da paternidade (art.º 68.º) e da proteção da infância contra todas as formas de abandono (artigo 69.º).
Ainda a nível supralegal, dos instrumentos internacionais, mostra-se claramente estabelecido também este quadro regulador.
Desde logo pelo art.º 16.º n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (aprovada Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948) - A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
A conformação da posição da criança e do dever primário dos pais de garantirem o seu desenvolvimento (também dever subsidiário dos Estados) resulta depois diretamente de diversas normas da Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança (Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de Setembro, publicados no Diário da República, I Série, de 12 de Setembro de 1990) dispondo, designadamente, no seu art.º 3.º n.º 2 que os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas adequadas
E, no art.º 18.º n.º 1 que a responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.
Desenvolvendo o art.º 27.º n.º 2 esta regra ao definir que cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.
Se estes princípios orientadores parecem claros, as dificuldades situam-se na sua concretização e, mais precisamente, na definição legal e no apuramento concreto das situações em a defesa da família biológica deve ceder vis a vis os superiores direitos das crianças.
A preferência pela família biológica é clara, como claro é também o princípio de que esta deve ceder em favor da constituição de vínculos alternativos, por adoção, quando não se mostre apta a cumprir a sua função social.
A dificuldade está, portanto, em determinar em que situações e a partir de que limites se deve considerar definitivamente quebrado o laço filial biológico.
Pelo art.º 1978.º n.º 1 do Código Civil foi traçado o limiar dessa avaliação - o tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.
O conceito-base para operar esta avaliação é, assim, o de quebra de vínculos afetivos próprios da filiação.
O tribunal tem o poder-dever de procurar e promover um projeto de vida alternativo à família biológica quando tal quebra se considere verificada, não antes disso.
Sendo este um desenvolvimento, está-se, todavia, muito longe de um verdadeiro critério operativo em situações concretas, ou sequer abstratamente concretizado.
O que deva considerar-se uma situação de quebra de vínculo e a identificação das situações em que pode ocorrer, não ficam minimamente concretizadas pela referência a este conceito, que é intencionalmente vago e indeterminado.
No seu apuramento desenvolve o legislador duas grandes linhas de sustentação da avaliação:
- Reafirmando a superioridade do interesse das crianças, neste caso referido como prioridade dos direitos e interesses da criança (art.º 1978.º n.º 2). Esta prioridade deve aqui ser usada também como critério operativo;
- Com a apresentação de um conjunto típico de situações de quebra de vínculos filiais, nas alíneas do n.º 1 do referido art.º 1978.º. A saber:
- Desconhecimento ou pré-falecimento dos progenitores biológicos (al. a);
- Existência de consentimento prévio para a adoção (al. b);
- Situações de abandono (al. c);
- Atuação dos pais biológicos, por ação ou omissão, que ponham em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança - al. d);
- Desinteresse dos pais biológicos pelos filhos – al. e).
Da simples referência a estes fundamentos resulta, prima facie, a necessidade da sua concretização e densificação para aplicação concreta, pelo menos quanto aos requisitos não imediatamente avaliáveis.
Se as situações de pré-falecimento ou desconhecimento dos pais biológicos são autoexplicativas, como o serão as situações de declaração de consentimento dos pais biológicos para adoção (e, mesmo estas, suscetíveis de dúvidas quanto à forma, momento, eficácia, certeza e definitividade das declarações de consentimento), as restantes situações prestam-se a ser aplicadas a um conjunto muito amplo e diverso de situações, carecendo, portanto, de um amplo trabalho de avaliação.
Na medida que o legislador separa as situações de abandono (al. c); às de desinteresse pelos filhos (al. e), que densifica aludindo ao comprometimento sério da qualidade e da continuidade dos vínculos filiais, estabelecendo um período referencial de avaliação de três meses, conclui-se que o abandono deve ser entendido como uma rutura definitiva do vínculo filial promovida pelo progenitor biológico, sendo o desinteresse uma quebra de vínculo, também promovida pelo progenitor biológico, mas feita, na perspetiva deste, de forma parcial, precária ou condicional.
Nestas situações, o legislador traça no limite de três meses o ponto de quebra do vínculo, sendo este o ponto cronológico a partir do qual se presumirá que uma situação de desinteresse passa a equiparar-se a um verdadeiro abandono, mesmo que, na perspetiva do progenitor, exista reserva de vontade de restabelecimento futuro do vínculo.
A decisão recorrida não elaborou a partir desta previsão de desinteresse, que não é objeto recursório, ainda que se deva dizer que está objetivamente estabelecido nos autos que, quer a mãe biológica quer o pai, sempre foram mantendo contactos com os filhos - a mãe com assiduidade nos contactos presenciais, incluindo convívios com os filhos fora da instituição e com dormidas em casa, e o pai sobretudo de forma remota, por videochamada e, mesmo neste caso, com manifestação de vontade de contactos presenciais e de descontentamento pela sua não autorização ou realização.
Quer isto dizer que, caso fosse convocada uma apreciação da quebra do vínculo filial à luz deste critério, sempre teria que se concluir, no caso, pela negativa.
A apreciação do recurso e da situação das crianças sujeito dos autos prende-se, assim, estritamente com a aplicação da al. d) do n.º 1 do art.º 1978.º do CC, preceito em que assentou a decisão recorrida e cuja pertinência os recorrentes recusam.
--
Como referido, trata esta regra das situações de quebra dos vínculos afetivos próprios da filiação perante atuações dos pais biológicos que ponham em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança.
Não deixa de se estar no âmbito de conceitos indeterminados, cuja aplicação ao caso carece de cuidada avaliação.
O legislador aduz, porém, diversos instrumentos adicionais de avaliação que se mostram relevantes no caso concreto.
O primeiro desses instrumentos é o conceito de colocação em perigo, que o Código Civil trata de forma remissiva, indicando que a sua verificação se deve fazer ante situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças (art.º 1978.º n.º 3).
O perigo, devidamente enquadrado pelo art.º 3.º n.º 2 da Lei de Promoção e Proteção (Lei n.º 47/99 de 1/9 – LPP), refere-se a um conjunto exemplificativo de situações tipificadas e, portanto, deve ser referido genericamente como uma situação de efetivo risco para o equilíbrio e saudável desenvolvimento físico e emocional da criança ou jovem.
Assim, considerando o que pode ter aplicação ao caso, existirá perigo a criança que sofra maus tratos físicos ou psíquicos (al. b) ou que esteja sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional (al. f).
Este perigo, aduz o art.º 1978.º, pode referir-se a qualquer das dimensões da vida da criança ou do jovem, ou seja, referir-se a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento.
O segundo instrumento facultado pela lei é a equiparação das atuações por ação e por omissão.
No caso da recorrente mãe biológica, estão estabelecidas graves e reiteradas condutas ativas de colocação dos filhos em risco, designadamente constituídas por agressões verbais e físicas, como estão estabelecidas graves e reiteradas condutas omissivas, traduzidas em falta de cuidado (desde o não acompanhamento da gravidez até informação de situações de ausência de cuidados), como estão ainda estabelecidas graves e reiteradas condutas que, dependendo da perspetiva, podem ser qualificadas como ações ou omissões, mas que traduzirão sempre uma manifestação de negligência, desinteresse, descuido ou incapacidade perante os filhos (como será o caso das entregas dos filhos na polícia ou na instituição de acolhimento com afirmação de "estar farta" ou "não aguentar mais").
Na medida que o legislador, indistintamente, abarca ações e omissões num mesmo padrão de avaliação, a efetiva qualificação do comportamento só releva valorativamente, isto é, para aferição do resultado de colocação dos filhos numa situação de risco, sendo irrelevante a sua concreta subsunção ativa ou omissiva.
O que interessa, portanto, é avaliar se existe um comportamento que traduza maus tratos, negligência, desinteresse ou incapacidade de cuidar dos filhos.
O terceiro instrumento facultado pela Lei traduz o afastamento da necessidade de uma imputação de culpa subjetiva do progenitor, designadamente dispensando um juízo de censurabilidade em casos de manifesta incapacidade devida a razões de doença mental.
Importa recuperar neste momento o que acima foi dito quanto à conclusão de a mãe-recorrente sofrer de um distúrbio de personalidade borderline.
Ainda que a 1.ª instância tenha usado este fundamento para reforçar a conclusão de incapacidade de manutenção do vínculo filial materno, conclusão que, como acima referido, se deve considerar que exorbita os fundamentos de facto estabelecidos na decisão, naquilo que se refere à situação médico-psiquiátrica mais recentemente apurada à recorrente, a verdade é que se trata de um elemento desnecessário para a conclusão estabelecida.
Dizendo de outro modo, o que releva para o legislador é a colocação objetiva das crianças em risco pelo progenitor biológico, não o circunstancialismo subjetivo em que tal ocorreu e, mais especificamente, se foi devido a algum problema mental ou distúrbio psicológico do progenitor.
Apure-se ou não perturbação borderline, pode sempre concluir-se pela quebra de vínculo.
O quarto instrumento de decisão conferido pela lei impõe a qualificação como grave do perigo induzido pela ação ou omissão do progenitor.
Não basta, portanto, que seja apurado um risco. É necessário que este seja grave.
Esta gravidade também impõe uma avaliação diversa, devendo concluir-se que cabem no conceito situações de comportamentos graves em sentido estrito (i.e., atos isolados cuja relevância cause, seja suscetível de causar ou implique concreto e apurado de risco na integridade física ou moral das crianças), bem como atuações que, pela sua reiteração, mereçam tal qualificação, ainda que cada ato, individualmente considerado, possa não o merecer.
A reiteração de comportamentos pode ser uma situação consubstanciadora de gravidade e, portanto, o legislador não usou neste lugar uma formulação que levasse a uma cumulação de requisitos, como seria caso de uma formulação que impusesse um risco grave e reiterado.
Assim, uma agressão isolada da mãe ao filho com um martelo será, só por si, um grave risco para a sua integridade física e psicológica da criança, e a repetição de expressões ameaçadoras, ou a repetição de atos de violência menores, pode levar a essa tipificação, ainda que cada ato, individualmente considerado, pudesse não a merecer.
Além destes instrumentos positivos, devem considerar-se também dois outros elementos de modelação da avaliação que foram estabelecidos pelo legislador.
O primeiro é decorrência direta do princípio de preferência pela família biológica – ainda que seja apurado um risco, a medida de confiança para adoção não deve ser aplicada quando haja soluções que protejam as crianças junto da família biológica alargada, a menos que tenham sido apurados efetivos riscos junto desta (art.º 1978.º n.º 4 do CC).
É manifesto da matéria apurada, algo que nenhum dos recorrentes sequer põe em causa nos respetivos recursos, que tal solução não existe.
A família da recorrente vive no Brasil e não foi apurada qualquer viabilidade de acolhimento junto desta, muito pelo contrário (na medida em que os familiares ouvidos expressamente negaram a existência dessa possibilidade).
Quanto ao progenitor masculino, a sua mãe (avó das crianças) vive no continente português, na região de Lisboa (vivendo este na Região Autónoma da Madeira, depois de ter residido em diferentes ilhas dos Açores), e a sua situação pessoal e profissional afastou a existência de qualquer solução concreta de acolhimento das crianças.
Diga-se, a propósito, que nenhum dos recorrentes sustentou, sequer a título subsidiário, que os filhos, caso não ficassem junto de si com medida de apoio (o que ambos propõem como solução alternativa à adoção), deveria manter-se junto do outro, por forma a que pudesse ser mantido o vínculo biológico.
Esta posição dos recorrentes é convergente com o elevado nível de litígio verificado entre si, que os autos documentam e a matéria apurada atesta, mas, na prática, equivale quase a uma declaração tácita no sentido de não ficando os filhos à minha guarda, não devem ficar com o outro progenitor, lógica que, inevitavelmente, leva a que o caminho para a adoção ganhe força.
O segundo e último elemento delimitador refere-se à própria definição legal do vínculo filial, que o legislador refere como vínculos afetivos próprios da filiação.
Recuperando as considerações acima feitas, que também foram desenvolvidas na decisão de 1.ª instância, o que se deve considerar compreendido neste conceito não se limita à parte afetiva da ligação, ainda que uma leitura superficial e estritamente literal pudesse inculcar essa interpretação.
O sentimento de amor, enquanto ligação psicológica e emocional, será uma componente essencial desse vínculo, mas não o compreende nem esgota.
O vínculo filial implica a supra referida preocupação e cuidado permanente com a proteção, educação e desenvolvimento dos filhos, algo que muito exorbita a simples existência de afetividade, ou até a repetição de manifestações desse tipo, se não forem coerentes com um comportamento reiterado de cuidado com os filhos.
Sintetizando a ideia, pode haver afetividade e estar quebrado, para efeitos legais, o vínculo afetivo próprio da filiação, pela prática de graves atos que ponham em risco a saúde e o desenvolvimento dos filhos (veja-se, a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2022, Fátima Gomes, dgsi.pt¸ incluindo jurisprudência no mesmo sentido aí referida):
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fe9c930e43316f258025890a00391115?OpenDocument.
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Estabelecido o quadro de avaliação, seja da decisão, da Lei e dos fundamentos de recurso apresentados pela progenitora biológica, avançando diretamente para a conclusão a partir do que foi sendo dito, afigura-se-nos claro que a sua posição não tem sustentação.
As crianças estiveram grande parte da sua vida institucionalizadas devido a ações e omissões dos progenitores e, neste caso, também da progenitora mãe.
Quando não estiveram acolhidas institucionalmente, estiveram aos cuidados da mãe, salvo um curto período de reconciliação em que estiveram com a viver com ambos, e que viria a redundar no nascimento do filho mais novo.
Os períodos junto da mãe foram sempre marcados por situações de grave instabilidade na vida das crianças, com referência a repetição de agressões, uma delas com um martelo, bem como de expressões verbais violentas, como as que foram acima referidas.
Nesses períodos verificaram-se entregas voluntárias das crianças, pela mãe, na polícia ou na instituição, com afirmações do tipo "estou farta" e "não aguento mais", que, além de poderem ser qualificados também como atos de violência e/ou desinteresse, são também reconhecimento claro e objetivo da própria incapacidade de cuidar delas.
Nos períodos de institucionalização, mesmo com problemas que não se podem considerar de somenos (por atestarem a supra referida grave instabilidade comportamental da mãe, com ofensas a funcionários e a outra criança institucionalizada, incapacidade de estar com os filhos ou fomentar a sua tranquilidade), a relação entre mãe e filhos foi-se mantendo num equilíbrio precário.
A conclusão a tirar só pode ser uma – a mãe não tem estabilidade, vontade ou capacidade para cuidar dos filhos, que, quando estão consigo, mesmo que apoiada, ficam imediatamente em situação de grave perigo, apenas tutelado quando estão acolhidas institucionalmente.
O facto de não existir risco relevante nas fases de acolhimento institucional não infirma e, pelo contrário, reforça, a atualidade do risco junto da mãe.
O acolhimento institucional não é uma solução definitiva ou duradoura e não pode ser encarado como uma forma de manter um vínculo biológico in extremis.
A Constituição, os supra referidos instrumentos internacionais e a lei dão à criança o direito a ter uma família protetora, não a manter-se institucionalizada com a finalidade instrumental de manter contactos controlados com a família biológica.
No momento da decisão, poderia perspetivar-se uma solução diversa, se houvesse razões para concluir, razoavelmente, que a situação de vida da progenitora se alterara, por ter adquirido estabilidade psicossocial para poder desempenhar a sua função parental de forma adequada.
Diga-se, aliás, que foi aplicada no decurso do processo medida de apoio junto da mãe quando esta foi capaz de reorganizar a sua vida, começou a trabalhar, adquiriu estabilidade habitacional e conseguiu que as visitas institucionais decorressem de modo favorável.
Essas experiências frustraram-se completamente, ante as ocorrências supra referidas, e os mais recentes desenvolvimentos da vida progenitora conduzem a um reafirmar, quando não a agudizar, a avaliação da sua instabilidade pessoal, com uma nova relação afetiva precária, o nascimento de uma nova criança de um progenitor a residir noutro país e que meramente passou na ilha de São Miguel num cruzeiro turístico e a afirmação, fantasiosa, que este será o novo pai das crianças sujeitos destes autos e que irá viver com ele (e com as crianças) na Alemanha.
O risco para as crianças é claro e atual e o decidido na decisão recorrida quanto ao enfraquecimento sério do vínculo filial tem inteira pertinência, não havendo razão para alterar o decidido, que se mantém.
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III.IV. O recurso interposto pelo progenitor-pai:
No que diz respeito ao recurso interposto pelo pai, a argumentação apresentada é, como acima contextualizado, substancialmente diversa.
O pai começa por assentar a sua argumentação na invocação de uma injustiça na não concessão de uma oportunidade para ter os filhos consigo e demonstrar as suas competências parentais.
Além da supra referida inversão de princípios (a argumentação traduz uma sobrevalorização do interesse do progenitor face ao superior interesse de filhos), a questão essencial não é, todavia, essa.
O ponto decisivo quanto ao pai também se extrai de uma avaliação diacrónica da sua vida e da sua atuação face aos filhos.
Numa frase, pode resumir-se que o pai não foi capaz de apresentar um projeto de vida minimamente coerente sequer para si próprio, quanto mais para os filhos, sendo completamente inconsistente toda a argumentação que apresenta.
Tece o recorrente uma série de considerações nas suas alegações, algumas vagas e genéricas (como as relativas ao pai ter os mesmos direitos que a mãe, não haver qualquer preferência materna e terem os filhos passado o Natal com a mãe ser suscetível de criar um sentimento de abandono) e outras de desculpabilização ou de (putativa) justificação, como a afirmação de nunca lhe ter sido dada a oportunidade de exercer a sua função parental por ter sido proibido pela mãe de estar com os filhos (algo que não resiste à mais elementar constatação de estes terem passado grande parte da sua vida em acolhimento institucional).
Umas e outras cedem à mais elementar constatação de que o progenitor, em toda a vida das crianças até ao momento, ter mantido uma relação distante, com contactos esporádicos e sem ter apresentado, em seis anos, uma única solução consistente para a vida dos filhos (o que, aliás, dá inteira razão a que a procura de soluções de vida junto da família biológica tenha sido sempre construída em função da mãe, única progenitora fisicamente próxima, algo de que o recorrente se queixa, mas que, na verdade, nada fez, de consistente, para alterar).
Numa outra linha argumentativa, já não assente na tal invocação de tratamento desigual, pretende o recorrente sustentar a solução de um projeto de vida para as crianças junto a si com argumentos que podem ser designados como de valorização da sua situação de vida.
A este nível apresenta sobretudo dois grandes argumentos:
- Que tem a sua situação pessoal estabilizada, estando a trabalhar e vivendo numa habitação arrendada, com adequadas condições;
- Que mantém uma relação afetiva com os filhos. Coadjuva esta argumentação sustentando que o relatório de avaliação psicológica que lhe foi feito, apesar de desatualizado, atesta a sua capacidade de adequada vinculação e existência de referências afetivas e educativas com a sua família materna.
Vejamos por partes.
Quanto à sua situação pessoal, tenta o progenitor afirmar a sua estabilização, com a apresentação de um contrato de trabalho na área da construção civil e de um contrato de arrendamento (ou, olhando a invocação material, a existência de uma habitação com adequadas condições).
Estes elementos, apresentados como fundamento de uma situação de vida estabilizada, não resistem ao mais simples teste de consistência.
Dando por adquirido que o recorrente trabalha na construção civil e até aufere o que declara auferir, i.e., um total líquido de €1400 a €1600 mensais, computando parte declarada e não declarada, e dando também por adquirido que a habitação que arrendou tem todas as condições de espaço, recheio, higiene e salubridade, não pode deixar de se ressaltar:
- Que, segundo o próprio, trabalhava até há poucos meses sem efetuar qualquer desconto e solicitou a elaboração de contrato de trabalho ao seu empregador, com a finalidade de o poder apresentar em tribunal;
- Que, meses antes, vivia num sofá de um amigo, na sequência da separação da última companheira;
- Que viverá sem qualquer apoio pessoal, afirmando que esta última companheira, de quem se separou com denúncias recíprocas de violência doméstica e com quem tem dois filhos, se teria disponibilizado para o apoiar, caso ficasse com os filhos sujeitos destes autos a residir consigo (não dizendo onde, como, ou sequer porquê);
A estes elementos acresce o seu passado pessoal, de onde ressaltam:
- Sucessivas relações de comunhão de vida, sendo conhecidas três companheiras de quem tem filhos, sem que viva com qualquer deles (e desconhece-se se contribui ou alguma vez contribuiu para o sustento);
- Situações denunciadas de violência doméstica em todas as relações e comprovadamente verificadas sobre a progenitora das crianças sujeitos destes autos;
- Notícia de trabalho no estrangeiro e residência fixada em diversos locais do território nacional, incluindo três diferentes ilhas das regiões autónomas (São Miguel, Pico e Madeira);
- Situação profissional marcada por períodos de inatividade e de trabalho na construção civil, perante diferentes empregadores e sem estabilidade ou continuidade relevante.
O resultado da devida avaliação destes elementos é que, apesar do que apresenta em final de 2024, mantém-se patente a instabilidade da sua vida pessoal e profissional. Pode até retirar-se que os elementos apresentados serão dotados de alguma (ou muita) artificialidade, orientando-se para efeitos de prova judicial e ante a constatação da aproximação do momento de decisão do projeto de vida. Na melhor das hipóteses traduzirá uma tentativa de estabilização da vida ainda muito precária.
A segunda linha argumentativa refere-se à sua ligação aos filhos e, também esta, se apresenta manifestamente frágil.
Desconsiderando a supra referida argumentação justificativa, que poderia, coloquialmente, ser descrita como um não fui pai porque não me deixaram e relevando os elementos favoráveis no relatório de avaliação psicológica que lhe foi feito, pode legitimamente dizer-se que o progenitor terá capacidade de vinculação e referenciais de educação na sua mãe e padrasto (apesar de ter sido vítima de violência doméstica em criança por parte do seu pai, comportamento que, aparentemente, replica nas suas relações).
Uma coisa, porém, é o que poderia ter sido. Outra o que é.
As crianças, como referido, têm 4 e 6 anos e pouco contacto têm tido com o pai. O pai não reside, há muito, sequer na mesma ilha que os filhos e, nos últimos anos, pouco mais contactam com ele que por videochamada, onde umas vezes estão interessados em manter diálogo e outras não.
A verdade é que a ligação ao progenitor masculino, se não está completamente quebrada, está grandemente diminuída.
É particularmente ilustrativa desta realidade a alegação feita da indignação por terem as crianças podido estar com a mãe nos dias de Natal, algo que lhe foi vedado, sendo-lhe autorizado que estivesse com eles nos dias seguintes, algo que não pôde fazer porque eram dias de trabalho. A argumentação só pode conduzir à pergunta, que encerra em si a própria resposta: - que condições de disponibilidade pode o progenitor afirmar para sustentar uma solução de vida dos filhos consigo se nos dias imediatamente a seguir ao Natal não tem disponibilidade para os visitar ou estar com eles?
Também esta argumentação parece sobretudo orientada a um propósito justificativo ou vitimizador próprio, não a uma consistente afirmação da força do vínculo filial com os sujeitos destes autos.
A verdade é que o progenitor não foi capaz de ser uma figura minimamente presente na vida dos filhos, não lhes apresentou, ou apresenta, qualquer projeto de vida minimamente consistente e pretende que apenas adiar uma solução.
As crianças já muito passaram na sua infância, seja em tempo, em ocorrências ou em vivências impróprias para a sua idade, para poderem continuar a esperar que o progenitor biológico se apresente a cumprir os seus deveres parentais e a constituir-se como figura de referência.
A conclusão a retirar só pode ser, quanto a este recurso, também a inteira pertinência das razões sustentadas na decisão recorrida e do próprio sentido da decisão.
É o que se decide e, consequentemente, também este recurso improcede. --
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III.V. Síntese final e conclusões:
Decorre do que fica dito, em avaliação final global, que os vínculos filiais se mostram, efetiva e grandemente, diminuídos e o encaminhamento para adoção é o único projeto de vida que se apresenta como sustentável para as crianças sujeitos destes autos.
A verificada afetividade, se valorizada pelos progenitores biológicos em detrimento das suas posições pessoais, levaria a que fossem os primeiros a reconhecê-lo e incentivá-lo, tão manifesta é a insustentabilidade de qualquer solução junto da família biológica.
A adoção não é uma solução milagrosa e não será, certamente, isenta de dificuldades.
Trata-se de dois irmãos que já formaram vínculos entre si (e que tudo aconselha sejam adotados em conjunto), que já passaram a idade de constituição de memórias perenes e de estabelecimento de referências afetivas, que passaram a vida institucionalizados, com diversas experiências traumatizantes junto da família biológica, que revelam comportamentos de desadequação social e dificuldade de cumprimento de regras.
As soluções que os sistemas de justiça e de apoio social têm disponíveis não são ilimitadas nem garantem sucesso certo e instantâneo em todos os casos.
O que se impõe neste tipo de situações, a este nível de forma perfeitamente análoga a qualquer decisão judicial, é que o tribunal atinja o nível de certeza quanto à melhor solução para a vida das crianças e que, estabelecendo-a, decida em conformidade.
A 1.ª instância estabeleceu essa certeza na afirmação de um projeto de vida com constituição de novos vínculos familiares e dissolução dos biológicos.
É uma certeza que, pelas razões supra apresentadas, só pode ser confirmada e corroborada nesta instância.
É o que se decide, improcedendo integralmente ambas as apelações.
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IV. Decisão:
Face ao exposto, negam-se as apelações, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 08-05-2025,
João Paulo Vasconcelos Raposo
Inês Moura
Paulo Fernandes da Silva