SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
FALTA DE AUTORIZAÇÃO OU DELIBERAÇÃO
Sumário

Nas situações previstas no artigo 34.º, n.º 2, do CPC, a suspensão da instância prevista no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo código, para onde remete aquela primeira norma, tem em vista a obtenção do consentimento que ainda se revele possível, expressamente referido no n.º 1 do artigo 29.º, ou, na falta de acordo, o suprimento desse consentimento, expressamente previsto no n.º 2 do artigo 34.º.

Texto Integral

PROC. N.º 42/24.0T8AVR.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

AA, residente na Estrada ..., ..., ... ..., intentou a presente acção declarativa comum contra BB e CC, residentes na Rua ..., ..., ..., ..., e contra A..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ....

Na petição inicial, requereu a intervenção principal provocada de DD, residente na Rua ..., ..., ..., para intervir nesta acção na qualidade de autora, nela se associando ao autor, alegando que é casado com a chamada e que a acção diz respeito ao imóvel que constituía a casa de morada de família, pelo que só tem legitimidade para instaurar a presente acção acompanhado da sua cônjuge.

Na contestação que apresentaram, os réus arguiram a falta de legitimidade processual do autor, em virtude da acção não ter sido proposta também pela sua mulher ou com o consentimento desta, acrescentando que o meio processual adequado para suprir esta falta de legitimidade não é a dedução do incidente de intervenção principal provocada da mulher do autor, mas sim a propositura, prévio à instauração desta acção, de uma acção especial de suprimento do consentimento, prevista nos artigos 1000.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC).

Por despacho proferido em 27.05.2024, foi admitida a intervenção principal activa da chamada e ordenada a sua citação.

Esta veio aos autos declarar que não se associa à petição inicial apresentada pelo autor, que não tem qualquer interesse na prossecução da acção e que não presta o seu consentimento para essa prossecução.

Por despacho de 30.09.2024, o tribunal a quo suspendeu os termos da causa e concedeu ao autor o prazo de 10 dias para obter o consentimento do seu cônjuge, ao abrigo do disposto no artigo 34.º, n.º 2, do CPC. Para a hipótese (mais provável) de esse consentimento não ser obtido, notificou desde logo as partes e a interveniente principal para, em novo prazo de 10 dias, alegarem por escrito os motivos do suprimento ou da falta de autorização, tendo em consideração o interesse da família, podendo juntar prova documental complementar àquela que já se encontra junta aos autos.

Mediante requerimento de 17.10.2024, o autor juntou aos autos comprovativo de que nesse dia instaurou acção especial de suprimento do consentimento contra a interveniente principal.

Por requerimentos de 24.10.2024 e de 25.10.2025, a interveniente principal, os réus e o autor alegaram o que tiveram por conveniente, tendo este último requerido a suspensão da instância até que seja proferida decisão na acção de suprimento do consentimento acima referida, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, 269.º, 272.º, n.º 1, al. c), e 547.º do CPC, o que mereceu a oposição dos réus e da interveniente principal.

Em 12.12.2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:

Suprimento do consentimento para efeitos de legitimidade ativa do Autor (arts. 29.º e 34.º, n.º 2, CPC):

O segundo parágrafo do despacho de 30/09/2024 -- na parte em que aprecia o requerimento datado de 10/09/2024, permitindo às partes o enxerto incidental -- foi proferido no pressuposto de que o n.º 2 do art. 34.º do CPC permite o suprimento do consentimento do cônjuge pelo próprio tribunal da causa, tanto mais que a remissão do n.º 2, parte final, para o art. 29.º do mesmo Código respeita à sanação da ilegitimidade do cônjuge presente na ação sem o consentimento do outro.

Não obstante, melhor ponderada a questão em apreço (suprimento do consentimento pelo tribunal da causa ou com recurso prévio ao processo especial de obtenção de suprimento do consentimento do cônjuge previsto no art. 1000.º do CPC), consideramos que a solução mais acertada é esta última: na falta de acordo, o autor deve recorrer ao processo especial (v., neste sentido, Código de Processo Civil Anotado, GPS, Vol I, 2.ª edição, p. 70).

Estando evidenciado nos autos que o cônjuge do Autor (rectius, ex-cônjuge) recusa prestar o consentimento para propositura da presente ação, não tendo o Autor, no prazo que lhe foi concedido, obtido a adesão daquele (nomeadamente, por não ter junto a decisão judicial que tivesse suprido esse consentimento), e sendo tal consentimento necessário (dado que o objeto da ação diz respeito ao imóvel que constituía a casa de morada de família do casal), cumpre aplicar o disposto no n.º 2 do art. 29.º do CPC, por via da parte final do n.º 2 do art. 34.º do mesmo Código.

Conforme já se afirmou no despacho proferido em 27/05/2024, para o qual se remete in totum, estando em causa um imóvel que constituía a casa de morada de família do (extinto) casal, sem que houvesse, entretanto, partilha, é necessária a intervenção do cônjuge do Autor. Trata-se de uma consequência da regra de que o que afeta os bens comuns ou os bens próprios de um dos cônjuges que, apesar disso, ele não possa dispor sozinho, só pode ser praticado por ambos os cônjuges (cf. art. 1682.º e 1682.º-A, CC).

Pelo exposto, absolvo os Réus da instância, por não se encontrar verificado o pressuposto processual da legitimidade ativa.

Condeno o Autor nas custas processuais, em virtude de ficar vencido (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), na vertente de custas de parte.

Notifique e registe.

*

Inconformada, a autora apelou desta decisão, formulando as seguintes conclusões:

«1. O recurso ora submetido à mui douta e criteriosa apreciação de Vossas Excelências vem interposto da douta sentença datada de 13/12/2024, referência citius 136173165, proferida em primeira instância pelo Meritíssimo Juiz do Juízo Central Cível de Aveiro – ... – do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, que absolveu os Réus da instância, por não se encontrar verificado o pressuposto processual da legitimidade activa.

2. Decisão com a qual o Recorrente não se conforma por entender que se verifica uma nulidade processual por omissão de pronúncia, bem como por entender ter sido efectuada uma menos ponderada apreciação, interpretação e aplicação do Direito.

3. Com fundamento no n.º 1 do artigo 34.º do CPC e por a presente acção respeitar, entre o mais, a um imóvel que constituía a casa de morada de família, o Recorrente requereu a intervenção principal provocada de DD de ambos.

4. Tendo a intervenção principal provocada de DD sido admitida (o que teve lugar por douto Despacho datado de 27/05/2024, referência citius 133178480), a mesma veio aos presentes autos, de forma inexplicável, declarar que não prestava o seu consentimento para os termos da presente acção e que não tinha interesse na prossecução dos autos (vide requerimento apresentado no dia 10/09/2024, referência citius 133178480).

5. O Mmo. Tribunal a quo suspendeu a instância por 10 dias para o Recorrente obter o consentimento da Interveniente Principal e, findo esse prazo sem que tal se lograsse possível, foram as partes notificadas para alegarem por escrito os motivos do suprimento ou da falta de autorização – vide Despacho datado de 30/09/2024, referência citius 134867311.

6. Nesse seguimento, a Interveniente reforçou a sua posição de não prestar consentimento para os termos da presente acção judicial (vide requerimento apresentado no dia 24/10/2024, referência citius 16820762); por sua vez, o Recorrente veio aos presentes autos juntar comprovativo da instauração da acção especial de suprimento de consentimento prevista nos artigos 1000.º e seguintes (vide requerimento datado de 17/10/2024, referência citius 16787037), tendo posteriormente solicitado a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo especial de suprimento de consentimento (vide requerimento apresentado no dia 25/10/2024, referência citius 16827475).

7. Nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC o Tribunal deve resolver todas as questões submetidas à sua apreciação. Sucede que na douta sentença ora recorrida o Mmo. Tribunal a quo limitou-se a decidir pela absolvição da instância dos Réus, sem se pronunciar sobre a requerida suspensão da instância. Ou seja, o Mmo. Tribunal a quo omitiu, em absoluto, os fundamentos (de facto e/ou de direito) relativos à necessidade ou desnecessidade de suspender a presente instância, apesar de conhecer ter sido, entretanto, instaurada a acção especial de suprimento de consentimento contra a Interveniente principal.

8. A suspensão da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo especial de suprimento de consentimento é uma questão central nos presentes autos e tem repercussões na boa decisão da causa.

9. O Mmo.º Tribunal a quo ao não se ter pronunciado sobre requerimento do Recorrente contendeu com o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP, impediu o Recorrente de obter uma decisão judicial justa, célere e devidamente fundamentada e praticou a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que expressa e tempestivamente se argui para todos os efeitos legais, nos termos da segunda parte do n.º 4 do artigo 615.º do CPC.

10. O Mmo. Tribunal a quo não considerou o facto (objectivamente superveniente à instauração da presente acção judicial) de o Recorrente ter instaurado, no decurso dos presentes autos, a acção especial de suprimento de consentimento. Circunstância que não se coaduna com o preceituado no n.º 1 do artigo 611.º do CPC, nos termos do qual a sentença deve considerar os factos supervenientes e corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão.

11. Não era exigível ao Recorrente que, previamente à instauração presente acção judicial, instaurasse a acção especial de suprimento de consentimento pelos seguintes motivos: (1) só após a citação da Interveniente Principal para os presentes autos é que lhe era possível saber se esta prestava, ou não, o seu consentimento para os termos da presente acção judicial; (2) não era expectável que a Interveniente Principal não prestasse o seu consentimento para os termos da presente acção judicial, considerando que a improcedência ou não apreciação da mesma prejudica o interesse da família e, em particular, o património conjugal. A circunstância de a Interveniente Principal não permitir discutir os factos da presente acção judical impede a ingressão de bens no património do antigo casal e conduz necessariamentea que a divisão do património não considere os bens objecto dos presentes autos.

12. A conduta da Interveniente Principal – que não explica de forma lógica, fundamentada e coerente as razões pelas quais não presta o seu consentimento para os termos da presente acção judicial – revela-se inesperada, injusta e demonstra que a mesma litiga de má-fé (alíneas c) e d) do n.º 2 o artigo 542.º do CPC) com o objectivo de alcançar um objectivo ilegítimo (enriquecer e beneficiar o património dos Recorridos pessoas singulares pois é filha única; adjudicar ilicitamente os bens em discussão aos seus pais, excluindo o Recorrente da partilha, violando a regra imperativa da imutabilidade das convenções antenupciais e o regime de bens que resulta da lei nos artigos 1714.º e 1790.º do Código Civil) e impedir a descoberta da verdade material. Tudo assim que viola também o direito fundamental do Recorrente de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da CRP.

13. Foram as circunstâncias acima referidas, e que não foram levadas em consideração pelo Mmo. Tribunal a quo, que determinaram que a acção especial de suprimento de consentimento apenas fosse instaurada no decurso da presente acção judicial.

14. A douta sentença ora recorrida não corresponde à situação actual dos presentes autos e não se adequa à realidade existente (realidade onde foi já instaurada a referida acção especial e onde foi já decretado o divórcio entre o Recorrente e a Interveniente principal) que se impunha ter sido considerada na conjectura global do sistema jurídico e tendo em consideração as repercussões da conduta da Interveniente Principal.

15. A douta sentença recorrida, na medida em que desconsidera a propositura da acção especial de suprimento do consentimento, viola da lei substantiva e os mais elementares princípios de Direito Processual Civil.

16. O artigo 34.º do CPC exige a intervenção de ambos os cônjuges para os termos da presente acção judicial. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 29.º do CPC prevê que, em caso de falta de autorização, é designado o prazo dentro do qual deve o cônjuge obter a autorização, suspendendo-se, entretanto, os termos da causa.

17. Nos presentes autos, atento o n.º 3 do artigo 1684.º do Código Civil, encontram-se previstos todos os pressupostos para recurso ao processo especial de suprimento de sentimento, a saber: (1) que a lei substantiva preveja que para o exercício de determinado direito que prevê seja exigido o consentimento de outrem; (2) que a pessoa que tem de prestar o consentimento se recuse a prestá-lo; e (3) que a lei substantiva preveja que essa recusa de consentimento possa ser judicialmente suprida – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 12/10/2023, processo n.º 1184/21.0T8GC.G. Disponível para consulta em www.dgsi.pt.

18. A lei não exige que o consentimento do cônjuge tenha lugar numa fase anterior à instauração da acção judicial de que o mesmo depende; ao invés, a lei prevê (no n.º 1 do artigo 29.º do CPC) o mecanismo de suspensão da instância de forma a que o consentimento possa ser obtido quer de forma judicial, quer extrajudicialmente.

19. As finalidades da suspensão da instância são, entre o mais, as seguintes: (1) promover a subsistência da acção judicial que foi instaurada, ainda que sem consentimento do outro cônjuge; (2) garantir que na acção judicial não seja proferida uma decisão que não seja de mérito; (3) evitar que o processo não termine com um despacho meramente formal, que não obste à insaturação de uma nova acção, mas que obrigue as partes a instaurar um segundo processo. Ou seja, o que se pretende com a suspensão da instância é conceder à parte a possibilidade efectiva de poder obter uma decisão definitiva com trânsito em julgado no âmbito da acção especial de suprimento de consentimento.

20. São as razões referidas no número anterior que determinam que o Juiz – assim que se aperceba da falta de consentimento de um dos cônjuges – deve suspender a causa e marcar um prazo para se obter a autorização, não podendo entender-se este expediente como um mero rito processual (isto é, como um expediente que visa apenas cumprir formalmente um pressuposto prévio à declaração de absolvição da instância para que esta possa operar).

21. Quanto ao prazo para obtenção do consentimento, ALBERTO DOS REIS entende que o Tribunal deve fixar um prazo suficientemente largo para o cônjuge, no caso de recusa ou impossibilidade, requerer e conseguir o suprimento judicial. Ou seja, deve ser fixado um prazo dentro do qual o cônjuge consiga efectivamente elaborar e apresentar a acção especial de suprimento de consentimento e obter ainda, nessa sede, uma decisão transitada em julgado.

22. Num primeiro momento o prazo de 10 dias concedido pelo Tribunal afigurava-se suficiente pois ignorava-se se o suprimento teria lugar por via judicial ou extrajudicial.

23. Face à circunstância de não ter sido conseguido extrajudicialmente o consentimento da Interveniente Principal para a prossecução da presente acção, considerando que o prazo de dez dias se afigura manifestamente insuficiente para obter o consentimento judicial da Interveniente Principal, e considerando ainda que o Mmo. Tribunal a quo teve conhecimento da instauração da acção especial de suprimento de consentimento no decurso da presente acção, impunha-se que tivesse sido prorrogado o prazo de suspensão da instância até que fosse possível obter judicialmente o suprimento de consentimento da Interveniente Principal.

24. A decisão de que ora se responde é precipitada e faz uma interpretação e aplicação incorrectas do n.º 2 do artigo 29.º do CPC. Só no caso da acção especial de suprimento de consentimento ser julgada improcedente é que os Réus seriam absolvidos da presente instância. Se a acção especial de suprimento de consentimento fosse julgada procedente a presente acção judicial iria seguir os seus termos.

25. É ainda de relevar que ANTÓNIO ABRANTES SANTOS GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA entendem que as consequências da falta de obtenção do consentimento apenas deverão ser apreciadas no despacho saneador e não imediatamente.

26. A absolvição da instância dos Réus e a circunstância de não ter sido considerada a instauração da acção especial de suprimento de consentimento com a consequente prorrogação do prazo de suspensão da instância viola o princípio da economia processual pois obriga o Recorrente, uma vez obtida decisão definitiva no âmbito da acção especial de suprimento de consentimento, à posterior instauração de uma nova acção judicial (que, na verdade, se revelará uma repetição da presente acção judicial) e ao pagamento de novos encargos. Será ainda efectuada uma nova distribuição do processo e despendidos meios do tribunal com a realização de uma nova citação.

27. Os princípios da gestão processual e o princípio da adequação formal, previstos nos artigos 6.º e 157.º, ambos do CPC, impunham outrossim uma ponderação adequada da instauração da acção especial de suprimento de consentimento no decurso da presente acção judicial.

28. Os princípios da gestão processual e o princípio da adequação forma, que determinam que o Tribunal possa adaptar a tramitação processual por forma a adequá-la à concreta relação litigiosa, impunham que o Mmo Tribunal a quo suspendesse a presente acção judicial face ao facto de já ter sido instaurada a referida acção especial.

29. A douta sentença ora recorrida, ao ter determinado a absolvição da instância dos Réus e ao não ter considerado a instauração da acção especial de suprimento de consentimento, violou os princípios consagrados nos artigos 6.º, 547.º e 130.º do CPC.

30. Tendo sido incumprido o dever do Juiz de dirigir ativamente o processo e de providenciar pelo seu andamento célere através da promoção oficiosa de diligências tendentes à simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio, como é o caso da prorrogação da suspensão da instância pelo período necessário à obtenção de uma decisão na acção especial de suprimento de consentimento.

31. O n.º 3 do artigo 278.º do CPC prevê o princípio da prevalência da decisão de mérito, nos termos do qual pode ser conhecido o mérito da causa ainda que subsistam a existência de excepções dilatórias e desde que a decisão de mérito possa ser favorável à parte que seria beneficiada com a protecção do preenchimento do pressuposto.

32. O Colendo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão datado de 14/01/2015 (processo n.º 870/08.4TTLSB.L2.S1) entendeu que a verificação de uma excepção dilatória pode não conduzir necessariamente à absolvição da instância.

33. A exigência de litisconsórcio necessário legal previsto no artigo 34.º do CPC visa tutelar o interesse (familiar ou patrimonial) de ambos os cônjuges, impedindo-se que um deles (como Autor ou com o Réu) possa colocar em causa bens ou direitos que pertencem a ambos.

34. No caso de procedência da presente acção judicial o património conjugal integrará bens que serão objecto de partilha em benefício da Interveniente Principal; no caso da presente acção judical ser julgada improcedente, o interesse da Interveniente Principal está outrossim acutelado pela circunstância de a mesma ter declarado nos autos não ter interesse no prosseguimento do presente processo e não prestar consentimento para a os termos do mesmo.

35. Independentemente do sentido da decisão a proferir nos presentes autos o interesse da Interveniente Principal vai ser sempre protegido e atendido, pelo que nada impede que o ora Recorrente prossiga na defesa do seu património conjugal, obtendo uma sentença de mérito.

36. Atenta a realidade dos autos é defensável que se prescinda da verificação do pressuposto processual, atinente à legitimidade das partes, previsto no artigo 34.º do CPC.

37. Ainda que não se entenda pela suspensão dos presentes autos até ao trânsito em julgado da sentença a proferir no processo especial de suprimento de consentimento – o que não se concede – o Mmo. Tribunal a quo poderia ter prosseguido com os termos da presente acção.

38. Pelo exposto, smo, mal andou o Tribunal recorrido ao decidir nos termos da sentença ora posta em crise».

Os réus apresentaram resposta a esta alegação, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.


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O Sr. Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidade arguida pelo recorrente, nos termos previstos nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC.

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Admitido o recurso e recebidos os autos a neste Tribunal da Relação do Porto, veio o autor recorrente arguir a irregularidade do mandato conferido pelos réus recorridos ao Dr. EE neste processo, alegando, em síntese, o seguinte:

O aqui autor intentou contra a aqui chamada DD uma acção especial de suprimento do consentimento para a propositura e prosseguimento da presente acção e da acção n.º 431/24.0T8OBR, do Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro – ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, na qual os réus BB e CC são igualmente representados pelo Dr. EE; a aqui chamada DD é representada por este mesmo advogado na referida acção de suprimento do consentimento (proc. n.º ..., do Juízo de Competência Genérica de Ílhavo – ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro), conforme procuração que juntou a esse processo em 23.01.2025; e é representada nesta acção pelo Dr. FF, conforme procuração junta em 09.10.2024, o qual tem o mesmo domicílio profissional que o referido Dr. EE, colaborando com este em sociedade ou associação e pertencendo ao mesmo escritório; deste modo, o referido advogado representa a aqui chamada DD na acção de suprimento do consentimento, ao mesmo tempo que defende os interesses dos aqui réus nas acções judiciais para as quais se pretende obter o suprimento do consentimento daquela; na presente acção judicial os réus encontram-se numa posição contrária/oposta à de DD, que figura como autora por via da dedução do incidente de intervenção principal provocada; os interesses dos aqui réus BB e CC e da aqui chamada em cada uma das referidas acções são absolutamente incompatíveis; no exercício do seu mandato, o Dr. EE obteve informação confidencial dos seus clientes, que pode ser usada estrategicamente em prejuízo ou benefício de um deles; ocorre, assim, um conflito de interesses e um risco de violação do segredo profissional que o impede de representar os réus nesta acção; o Dr. EE deveria ter recusado intervir na acção especial de suprimento do consentimento em representação de DD; tendo tal dever sido incumprido, a sua actuação ficou comprometida em todos os processos conexionadas com a presente acção; o que acima vem dito aplica-se mutatis mutandis ao Dr. FF.

Concluiu pedindo a notificação dos réus para outorgarem procuração forense a favor de outro advogado que não partilhe escritório com o Dr. EE, dada a previsão legal ínsita no n.º 6 do artigo 99.º do EOA, com a cominação prevista no n.º 2 do artigo 48.º do CPC.

Os recorridos pronunciaram-se, arguindo a intempestividade do incidente agora suscitado pelo recorrente e pugnando pela regularidade do mandato, alegando que DD não é autora nesta acção, como é corroborado pela absolvição dos réus da instância por preterição de litisconsórcio necessário activo, e negando a ocorrência de qualquer conflito de interesses.


*

II. Objecto do Recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).

Atento o teor das conclusões formuladas pela recorrente, importa decidir se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia e se o tribunal a quo devia ter prorrogado a suspensão da instância até decisão da acção especial de suprimento do consentimento antes de se pronunciar sobre a falta de legitimidade do autor.

Previamente, importa verificar a regularidade da representação judicial dos recorridos.


*

III. Questão prévia

Como vimos, já depois de admitido o recurso e recebidos os autos neste Tribunal ad quem, o autor recorrente veio arguir a irregularidade do mandato conferido pelos réus recorridos ao Dr. EE, tendo já sido exercido o respectivo contraditório.

Entretanto, em complemento do despacho que admitiu o recurso, o Tribunal a quo proferiu despacho a fixar o valor da causa, mais informando que a questão de conflito de interesses agora suscitada pelo autor será apreciada após a baixa dos autos à primeira instância.

Sucede que a regularidade do mandato conferido pelos réus recorridos condiciona a regularidade da instância, inclusivamente da instância recursiva, pelo que a apreciação dessa questão é prejudicial e, por isso, deve preceder a apreciação do mérito do recurso.

Por conseguinte, passamos a conhecer dessa questão prévia.

O recorrente baseia o incidente que deduziu, fundamentalmente, no artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro (doravante EOA), o qual, sob a epígrafe Conflito de interesses, dispõe assim:

1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 – O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 – Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.

Entende o recorrente que, nesta acção, os réus se encontram numa posição contrária/oposta à de DD, que aqui figura como autora por via da dedução do incidente de intervenção principal provocada.

Mas não tem razão.

É certo que o autor requereu, logo na petição inicial, e o tribunal a quo deferiu, por decisão já transitada em julgado, a intervenção principal provocada da mencionada DD, tendo em vista suprir a falta de legitimidade do primeiro por ter proposto a acção sem estar acompanhado da sua mulher (actualmente ex-mulher) e sem ter demonstrado o consentimento desta, nos termos previstos no artigo 34.º, n.º 1, do CPC.

É igualmente certo que o incidente de intervenção principal é, por via regra, o meio processualmente adequado e suficiente para suprir a ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário, facultando a lei a ambas as partes a possibilidade de chamar a juízo os interessados com legitimidade para intervir na causa, sejam eles os litisconsortes da parte contrária ou os seus próprios litisconsortes – cfr. artigos 316.º, n.º 1, 319.º e 320.º do CPC.

Mas nem sempre é assim.

Nas situações de litisconsórcio conjugal activo, previstas no referido artigo 34.º, n.º 1, do CPC, não basta que o cônjuge do autor seja chamado para se associar a ele. É necessário que o faça ou, pelo menos, que consinta que a acção prossiga, pois só assim estará verificado o requisito legal consagrado naquela norma processual, em consonância com o regime substantivo previsto nos artigos 1682.º e seguintes do Código Civil (CC).

Se o chamado se recusar expressamente a intervir na acção como associado do autor e declarar que não dá o seu consentimento para que a mesma prossiga, como fez no caso concreto a chamada DD, impõe-se concluir que o seu chamamento não surtiu o efeito pretendido, isto é, não supriu a falta de legitimidade do autor por preterição do litisconsórcio conjugal activo, restando àquele a possibilidade de obter por via judicial o suprimento do consentimento necessário para que a acção possa correr sem a intervenção do seu cônjuge.

Não foi outra a conclusão a que chegou o aqui recorrente, visto que, perante a recusa da sua ex-mulher em intervir nesta acção como sua associada e em consentir que o mesmo prossiga sem a sua intervenção, propôs uma acção especial de suprimento do consentimento e solicitou a suspensão da presente instância até que se mostre decidida aquela acção especial. Como é patente, o recorrente apenas necessitou de propor uma acção de suprimento do consentimento porque a chamada se recusou a intervir na acção do lado activo e a consentir que o autor prosseguisse sozinho com essa acção.

Nestes termos, é pura ficção afirmar que, por via da dedução do incidente de intervenção principal provocada, DD figura como autora nesta acção e que, por essa razão, os réus não podem ser aqui representados pelo advogado que representa a chamada na acção de suprimento do consentimento – que a opõe ao aqui recorrente e não aos aqui réus – e que trabalha com o advogado que representa a chamada nesta acção – onde a mesma se recusa a intervir como associada do autor. Os réus não são representados na presente acção por mandatário (ou seu associado) que represente ou tenha representado a parte contrária nesta ou noutra acção, o que apenas sucederia se representasse ou tivesse representado o autor ora recorrente.

Afirma também o recorrente que os interesses da chamada e dos réus são conflituantes, pelo que não podem ser representados pelo mesmo mandatário ou por mandatários que trabalham em associação.

Mais uma vez não lhe assiste razão.

A Ordem dos Advogados vem apreciando esta questão nos termos assim definidos na Consulta do Conselho Distrital de Lisboa n.º 18/2012, de 20 de agosto de 2012, relatada por Sandra Barroso (cfr. Legislação Profissional, António Laime Martins e Ana Dias (coord.), Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2017, p. 139):

«A matéria do conflito de interesses, regida estatutariamente pelo teor do artigo 94.º do Estatuto [correspondente ao actual artigo 99.º], resulta dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão e constitui expressa manifestação do princípio geral estatuído no artigo 84.º do Estatuto [correspondente ao actual artigo 89.º], segundo o qual o “Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”.

O Estatuto da Ordem dos Advogados, em matéria de conflito de interesses, não contém uma proibição geral de patrocínio contra quem foi anteriormente seu cliente, mas apenas uma proibição de patrocínio:

Contra quem seja por si patrocinado noutra causa pendente.

Em causas em que já tenha intervindo ou que sejam conexas com outras em que tenha representado a parte contrária.

Em causas que possam colocar em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

(…)

Este Conselho Distrital entende – e já se pronunciou anteriormente, nomeadamente nas Consultas nºs 5/2011 e 39/2011 – que a matéria de conflito de interesses é, em primeira linha, uma questão de consciência do Advogado. Cabe a cada Advogado formular um juízo de consciência sobre se a relação de confiança que estabeleceu com um seu antigo cliente lhe permite, livremente e sem constrangimentos, assumir agora um patrocínio contra ele.

Assim, só o Senhor Advogado Consulente Dr. A estará em posição de avaliar:

(i) se é inequívoco que nunca teve qualquer intervenção no assunto que a nova cliente lhe pretende confiar;

(ii) se é inequívoco que este assunto não é (materialmente) conexo com qualquer outro em que tenha intervindo ou tomado conhecimento em representação da sua antiga cliente;

(iii) se está convicto de que com a aceitação do novo mandato não sentirá a sua independência afectada;

(iv) se está convicto que o exercício do novo mandato não colocará em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos da sua antiga cliente;

(v) e se está convicto que do conhecimento dos assuntos da sua antiga cliente não resultam vantagens ilegítimas ou injustificadas para a nova cliente.

Entendemos que, verificando-se uma qualquer das referidas circunstâncias, deverá o Senhor Advogado Consulente Dr. A recusar a aceitação do novo mandato».

No caso dos autos, a própria necessidade de propor a acção de suprimento do consentimento para que esta acção possa prosseguir contra os réus indicia que não existe qualquer conflito de interesses entre estes e a chamada, sua filha, mas apenas um conflito entre esta última e o autor, seu ex-marido.

Confirmando tais indícios, o mandatário dos réus nega peremptoriamente qualquer conflito entre os interesses destes e os interesses da chamada, que representa na acção de suprimento do consentimento (e que nesta acção é representada por um colega com quem trabalha), o que não foi contestado pelos referidos clientes.

Este entendimento é confirmado pela posição assumida pela chamada nestes autos, a qual, para além de declarar que não se associa à petição inicial apresentada pelo autor, que não tem qualquer interesse na prossecução da acção e que não presta o seu consentimento para essa prossecução, alega expressamente que «a factualidade do caso concreto foi demonstrada e narrada, de forma verídica, pelos Réus, na Contestação pelos mesmos apresentada, pelo que discorda da factualidade, fundamentos e pedidos, propugnados pelo Autor AA, na sua Petição Inicial» e que «apenas partilha interesse em associar-se ao conteúdo da Contestação apresentada pelos Réus, o que apenas por ser processualmente inadmissível, não o poderá fazer» (cfr. requerimento apresentado em 10.09.2024).

Perante este alinhamento de posições, é manifesto que, ao representar os réus e a chamada, os mandatários destes não colocam em causa a sua independência, tal como não colocam em causa os seus deveres deontológicos, designadamente o dever de sigilo profissional e o dever de lealdade.

O interesse familiar que o recorrente afirma estar subjacente à presente acção judicial poderá relevar na decisão da acção de suprimento do consentimento que intentou contra a chamada, mas não define os interesses que esta incumbiu os seus mandatários de defender em seu nome e que não estão em conflito com os interesses que os mesmos mandatários defendem em nome dos aqui réus.

E não se diga que a procedência da acção de suprimento gerará esse conflito de interesses. Tal procedência permitirá apenas que esta acção prossiga sem a intervenção ou o consentimento da ex-mulher do autor, mas não terá a virtualidade de redefinir os seus interesses contra a sua vontade.

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a irregularidade arguida pelo recorrente.


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IV. Fundamentação

O recorrente veio argui a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, alegando juntou aos autos comprovativo da instauração da acção especial de suprimento de consentimento e, posteriormente, solicitou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir naquela acção, mas o tribunal a quo limitou-se a absolver os réus da instância, sem se pronunciar sobre a requerida suspensão da instância.

A verificar-se tal vício, sempre se imporia a este Tribunal ad quem o seu suprimento, em obediência à regra da substituição consagrada no artigo 665.º do CPC, por não haver necessidade de recolher elementos não disponíveis nos autos que impusesse a remessa dos autos à 1.ª instância. De resto, perante a alegação do recorrente e as respectivas conclusões, o objecto do recurso consiste, precisamente, em saber se deve ser ordenada a suspensão da presente instância até que seja decidida a acção especial de suprimento do consentimento intentada pelo aqui recorrente, independentemente de a decisão recorrida padecer ou não da nulidade invocada.

Pelo exposto, a apreciação desta nulidade, qua tale, redundaria, como se escreve no ac. deste TRP, de 08.04.2025 (proc. n.º 3160/22.6T8OAZ.P1, rel. João Ramos Lopes), «num mero exercício de verificação académica do cumprimento das regras próprias da elaboração e estruturação da decisão, sem efectivo relevo e impacto na sorte da apelação», pois a revogação ou alteração da decisão não depende da constatação de tal vício formal nem ele determina o sentido da decisão a proferir.

É, assim, manifesta a irrelevância da apreciação deste vício, pelo que nos abstemos de o fazer, passando de imediato ao conhecimento da questão de mérito já enunciada: se deve ser ordenada a suspensão da presente instância até que seja decidida a acção especial de suprimento do consentimento intentada pelo aqui recorrente.

A presente causa enquadra-se na previsão do artigo 34.º, n.º 1, do CPC, conforme foi decidido pelo tribunal a quo e aceite pelas partes.

Nos termos dessa norma, devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família.

O n.º 2 do mesmo artigo acrescenta que, na falta de acordo, o tribunal decide sobre o suprimento do consentimento, tendo em consideração o interesse da família, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 29.º, que preceitua o seguinte: se a parte estiver devidamente representada, mas faltar alguma autorização ou deliberação exigida por lei, é designado o prazo dentro do qual o representante deve obter a respetiva autorização ou deliberação, suspendendo-se entretanto os termos da causa (n.º 1); não sendo a falta sanada dentro do prazo, o réu é absolvido da instância, quando a autorização ou deliberação devesse ser obtida pelo representante do autor; se era ao representante do réu que incumbia prover, o processo segue como se o réu não deduzisse oposição (n.º 2).

No caso concreto, como vimos, o autor propôs a acção sem estar acompanhado e sem estar autorizado pela sua mulher (agora ex-mulher), mas logo solicitou a intervenção principal desta na causa, o que foi deferido por decisão transitada em julgado.

Tendo a chamada declarado que não subscreve a petição inicial, que não tem interesse na acção e que não dá o seu consentimento para que a mesma prossiga, o tribunal a quo concedeu ao autor o prazo de 10 dias para este obter o consentimento daquela e suspendeu a instância por esse prazo, nos termos conjugados dos artigos 29.º, n.º 1, e 34.º, n.º 2, do CPC.

O autor não logrou obter aquele consentimento.

Embora o Tribunal houvesse notificado o autor, os réus e a interveniente principal para, nessa hipótese, apresentarem alegações escritas e juntarem prova documental, tendo em vista a apreciação do eventual suprimento do consentimento em falta, acabou por considerar que tal suprimento não podia ser decidido incidentalmente, mas apenas por via da acção especial prevista nos artigos 1000.º e seguintes do CPC, não tendo a decisão sido impugnada nesta parte, pelo que transitou em julgado.

Mais decidiu absolver os réus da instância, por falta de legitimidade processual do autor, com fundamento no disposto nos artigos 29.º, n.º 2, e 34.º, n.º 2, do CPC.

Entende o recorrente que, tendo anteriormente comunicado e demonstrado que já propôs acção para suprimento do consentimento, o tribunal devia ter prorrogado a suspensão da instância, o que, de resto, havia requerido expressamente.

Os recorridos discordam, invocando em defesa da sua tese o ac. do TRP, de 08.06.2022 (proc. n.º1229/20.0T8PVZ-A.P1, rel. Fátima Andrade), onde se argumenta que o artigo 29.º se refere «à concessão de prazo para a obtenção de autorização/deliberação e não para o suprimento desta», pelo que, «não sendo esta sanada no prazo concedido é o R. absolvido da instância (vide 29º nº 2 do CPC)».

Neste sentido, acrescenta-se no mesmo acórdão que «o nº 2 do artigo 34º do CPC quando conjugado com o artigo 29º do CPC para o qual o primeiro remete, inclui duas situações:

- a primeira para os casos em que um dos cônjuges interveio ativamente numa ação, demandando terceiros sem previamente ter cuidado de obter o consentimento do outro cônjuge que não intervém na demanda. Consentimento que, todavia, se equaciona ainda possível de obter. Caso em que então e por via da remissão para o previsto no artigo 29º, se suspende nos termos do nº 1 deste artigo os termos da causa para que seja obtida a necessária autorização/consentimento.

- a segunda para os casos em que não há acordo dos cônjuges e por tal é necessário obter o suprimento do consentimento, caso em que há que absolver o réu da instância (vide 29º nº 2 do CPC) e recorrer ao processo especial de suprimento de consentimento acima aludido (atento o previsto no 34º nº 2 - 1ª parte).

Assim e nas situações em que esteja já nos autos demonstrada a impossibilidade de obter o mencionado consentimento, nada mais resta que proceder à absolvição do réu da instância por força do preceituado no artigo 29º nº 2 do CPC. Devendo o autor para que validamente possa posteriormente exercer e defender os seus direitos, obter o suprimento do consentimento nos termos do já referido processo especial.

A leitura que assim é feita dos invocados artigos para a situação em que vigora ainda a sociedade conjugal, aplica-se de igual forma aos casos em que ocorreu já a extinção do vínculo conjugal, sem que tenha sido feita a partilha».

Sendo esta uma das interpretações que o n.º 2 do artigo 34.º comporta, não cremos que seja a única nem, sequer, a mais próxima da sua letra. Na verdade, ao mandar aplicar o artigo 29.º, com as necessárias adaptações, nos casos em que, por falta de acordo, cabe ao tribunal decidir sobre o suprimento do consentimento, o elemento gramatical da interpretação aponta no sentido de a suspensão da instância prevista no n.º 1 do artigo 29.º visar a obtenção do consentimento que ainda se revele possível, expressamente referido nesse n.º 1, ou, na falta de acordo, o suprimento desse consentimento, conforme expressamente previsto no n.º 2 do artigo 34.º.

Para além do elemento gramatical, cremos que os elementos sistemático e teleológico apontam no mesmo sentido interpretativo.

Por um lado, a norma do artigo 34.º, inclusivamente a remissão que faz para o artigo 29.º, não regula apenas a legitimidade processual, mas também a forma de suprir a sua falta.

Por outro lado, fá-lo em total consonância com o princípio geral consagrado no artigo 6.º, n.º 2, do CPC, nos termos do qual o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo. Trata-se de um dever vinculado do juiz, que tem em vista conferir efectividade a um dos pilares fundamentais do processo civil hodierno: o da prevalência das decisões de mérito sobre as formais – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, p. 32.

Como advertem estes autores, tal prevalência tem como limite a boa administração da justiça, a qual pode impor outra solução.

No caso, é inegável que a suspensão da instância até que seja decidida a acção de suprimento do consentimento de que depende a legitimidade do autor poderá dilatar o tempo necessário para a decisão desta acção.

Mas, por um lado, esta dilação não será maior do que a admitida noutras normas, nomeadamente no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, que encontram justificação na circunstância de as vantagens da suspensão superarem as suas desvantagens.

Por outro lado, a morosidade que a suspensão da instância poderá gerar é ilusória.

Na verdade, no caso de procedência da acção de suprimento do consentimento, a suspensão da instância cessaria, prosseguindo esta acção com aproveitamento de todos os actos já praticados, ao passo que a absolvição dos réus da instância obrigaria à proposição de nova acção.

No caso de improcedência da acção de suprimento do consentimento, a suspensão da instância cessaria, sendo então os réus absolvidos da instância, mas sem que tenham sido praticados quaisquer actos inúteis.

Nestes termos, a interpretação que melhor serve o princípio da economia processual é a preconizada pelo recorrente, visto assegurar o pleno aproveitamento dos actos processuais.

Esta era também a interpretação que Alberto dos Reis fazia dos artigos 25.º e 26 do CPC, na sua versão originária, como se depreende da anotação que fez a este artigo 26.º (Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3.ª ed., Coimbra, 1982, p. 70): «Logo que se aperceba da falta ou ela lhe seja apontada por alguma das partes, o juiz deve suspender os termos da causa e designar o prazo que lhe parecer razoável para se obter a autorização, deliberação ou outorga. Convém notar que no caso do artigo 26.° o cônjuge pode ver-se obrigado a pedir o suprimento judicial por a outorga ou autorização ter sido recusada ou não poder ser obtida. Como o juiz, no momento em que fixa o prazo, não sabe, ou pode não saber, se a outorga ou autorização conjugal será concedida, deverá fixar prazo suficientemente largo para o cônjuge, no caso de recusa ou impossibilidade, requerer e conseguir o suprimento judicial».

Tudo sopesado, temos como mais defensável a interpretação segundo a qual, nas situações previstas no artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, a suspensão da instância prevista no artigo 29.º, n.º 1, para onde remete aquele n.º 2, tem em vista a obtenção do consentimento em falta ou o seu suprimento judicial.

Em qualquer dos casos, caberá ao juiz fixar um prazo adequado para o autor obter aquele consentimento ou este suprimento.

No caso dos autos, o prazo de 10 dias mostrava-se adequado para obter o consentimento em falta. Mas tendo o autor informado que já propôs acção de suprimento do consentimento, assim revelando a ausência de acordo, e posteriormente requerido a suspensão da instância até que seja proferida decisão naquela acção de suprimento do consentimento, é manifesto que a suspensão terá de se manter até que seja proferida decisão final na referida acção.

E não se argumente que a junção de comprovativo da propositura da acção de suprimento do consentimento e o pedido de suspensão da instância formulado pelo recorrente são intempestivos, por não terem sido apresentados no prazo de 10 dias que inicialmente lhe foi concedido para obter o consentimento em falta. Como dissemos, no mesmo despacho em que concedeu esse prazo, o tribunal a quo previu a possibilidade de o consentimento não ser prestado e logo concedeu às partes mais 10 dias para apresentarem alegações escritas e prova documental, tendo em vista a apreciação incidental do suprimento do consentimento. Ora, foi neste novo prazo de 10 dias que o autor veio aos autos comprovar que já havia proposto acção de suprimento do consentimento (em consonância, de resto, com o que o tribunal a quo veio a julgar processualmente correcto) e requerer a suspensão, rectius, a prorrogação da suspensão da instância (neste caso fê-lo para além desse prazo, mas com recurso ao mecanismo previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC).

Pelas razões expostas, entendemos que assiste razão ao recorrente quando afirma que deve ser suspensa a instância até que seja definitivamente decidida a acção de suprimento do consentimento por si instaurada contra a chamada DD.

Procede, assim, a apelação, sendo as respectivas custas da responsabilidade dos recorridos (cfr. artigo 527.º do CPC).


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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):

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V. Decisão

Pelo exposto, os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto julgam procedente a apelação, revogam a decisão recorrida e determinam a suspensão da instância até que seja definitivamente decidida a acção de suprimento do consentimento n.º ..., do Juízo de Competência Genérica de Ílhavo – ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.

Custas pelos recorridos.

Registe e notifique.


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Porto, 29 de Abril de 2025

Relator: Artur Dionísio Oliveira

Adjuntos: Rui Moreira

Márcia Portela