DISTRIBUIÇÃO
INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO
PUBLICAÇÃO
CREDOR
ÓNUS
Sumário

1 – O mapa de rateio é sempre elaborado de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos, contendo apenas os créditos nesta verificados e graduados – cfr. arts. 173º, 178º e 182º do CIRE.
2 – O art.º 182º do CIRE na redação dada pela Lei nº 9/2022 de 11 de janeiro, não exige, não prevê e claramente dispensa que a apresentação da proposta de distribuição e rateio seja notificada aos credores, bastando a respetiva publicação.
3 – A partir do momento do encerramento da liquidação há uma sequência precisa de atos, legalmente previstos que vão aproximando o processo do momento previsto no art.º 182º do CIRE, do rateio final e do objetivo do processo, os pagamentos aos credores.
4 - Os administradores da insolvência têm o dever de orientar a sua atividade, nomeadamente a administração e liquidação da massa insolvente, para a maximização dos interesses do coletivo dos credores. Os interesses de cada credor em concreto devem ser defendidos pelo próprio credor.
5 - O tribunal não pode censurar um procedimento de liquidação, que compete em exclusivo ao administrador, nem afastar a regra geral de que o rateio deve ser elaborado de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos e não de acordo com as eventuais entregas monetárias que tenham ocorrido nos autos. Essas entregas devem ser tidas em conta no rateio e não limitar o mesmo.
6 – A lei não exige a junção aos autos do comprovativo da publicação da proposta de distribuição e rateio, junção essa que, nestes termos, não constitui uma formalidade prescrita por lei, cuja omissão seja suscetível de gerar nulidade nos termos do nº1 do art.º 195º do CPC.
7 – É aos credores que cumpre verificar a correção da verificação e graduação de créditos, exercendo os direitos que lhe são reconhecidos por lei. Não o tendo feito, não podem, por via da arguição da nulidade de uma proposta de rateio formulada de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos, pretender sanar a sua conduta omissiva.
Da responsabilidade da relatora – art.º 663º nº 7 do CPC.

Texto Integral

Acordam as Juízas da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
Housemor - Gestão Imobiliária, Lda foi declarada insolvente por sentença de 04/03/2015, transitada em julgado.
Foram reclamados, verificados e graduados os créditos sobre a insolvente.
Foi apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência proposta de distribuição e de rateio final, a qual foi publicada em 09/10/2024.
Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A., Sucursal em Portugal veio, por requerimento de 05/11/2024 arguir nulidade relativa à publicação do mapa de rateio final e apresentar reclamação do mesmo, nos seguintes termos:
“BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA, S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL, Credor Reclamante nos autos à margem referenciados, em que é Insolvente Housemor - Gestão Imobiliária, Lda, vem, muito respeitosamente, arguir nulidade relativa à publicação do mapa de rateio final, bem como apresentar reclamação do mesmo, nos termos e com os fundamentos seguintes:
I – DA NULIDADE
1- A ora signatária, enquanto Mandatária do Banco Reclamante, acompanha o presente processo desde 03/05/2021, cfr. substabelecimento junto aos autos com a refª 29102249.
2- Ora, foi com enorme espanto que a ora signatária verificou que o mapa de rateio final foi junto aos autos em 09/10/2024 pelo Sr. Administrador de Insolvência, tendo já inclusive a secretaria procedido à apreciação do mesmo.
3- Sem que, no entanto, tenha sido concedida ao Banco Credor a efetiva oportunidade para exercer o seu direito de contraditório.
Vejamos de perto,
4- O BBVA apresentou reclamação de créditos nos presentes autos, em 07/05/2015, no montante de € 404.467,22, com natureza garantida, em virtude da hipoteca voluntária registada sobre imóvel da propriedade da Insolvente.
5- Sucede que, no âmbito das diligências encetadas pelo Sr. Administrador de Insolvência com vista à venda judicial do imóvel hipotecado, foram inúmeros os contactos telefónicos e e-mails trocados entre a ora signatária e o Il. mandatário da Massa Insolvente, Dr. Augusto Santos Silva, sendo certo que o teor de tais contactos, era, naturalmente, do conhecimento do Sr. Administrador de Insolvência.
6- E, donde resultou, a entrega ao BBVA do montante de € 468.750,00 – pagamento este efetuado pelo Sr. Administrador de Insolvência.
7- Sucede que, em 09/10/2024, veio o Sr. Administrador de Insolvência juntar aos autos proposta de rateio final, donde resulta, pasme-se, que o Banco terá a devolver à Massa Insolvente o montante de € 64.282,78.
8- Ora, não obstante o preceituado no n.º 3 do art.º 182.º do CIRE, o caso concreto, assim como o princípio da boa-fé, impunha ao Sr. Administrador de Insolvência o dever de informar a Mandatária do Credor da proposta de rateio final junta aos autos, quer fosse por notificação via citius quer via e-mail, porquanto estava em causa a devolução de verbas – situação esta, no mínimo, atípica!!
9- Aliás, no dia 07/10/2024, uma funcionária do escritório da aqui signatária questionou, via e-mail, o Sr. Administrador de Insolvência relativamente à previsão para apresentação do mapa de rateio – cfr. doc. 1 que se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido – ao qual não se obteve resposta.
10- Acontece que, dois dias depois o mapa de rateio é junto aos autos, e o Sr. Administrador de Insolvência decide omitir, deliberadamente, tal informação da aqui signatária, bem sabendo que do mesmo resultariam valores a devolver à Massa o que, inevitavelmente, se traduziria num prejuízo para o Credor.
11- O que leva a crer que se tratou de um ato intencional do Sr. Administrador de Insolvência, pois omitindo tal informação da signatária, não era expectável que com a mera publicação do mapa o Credor tivesse conhecimento atempado do rateio, ficando assim precludida a possibilidade de apresentação de reclamação quanto ao teor do mesmo.
12- Conduta esta à qual, salvo o devido respeito, este douto tribunal não poderá ficar indiferente.
13- Acresce que, também a secretaria deste douto tribunal, à semelhança daquela que é a prática habitual, ao ter verificado que o Sr. Administrador de Insolvência não juntou qualquer comprovativo de ter dado conhecimento do rateio aos Credores, poderia ter procedido em conformidade com a respetiva notificação, o que também não sucedeu.
14- Por outro lado, dispõe o art.º 12.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, que “Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.” – realces nossos.
15- Em face do exposto, resulta cristalino que a conduta do Sr. Administrador de Insolvência – ao não transmitir à signatária o teor do mapa de rateio, mesmo após ter sido questionado nesse sentido – foi absolutamente contrária aos deveres a que está adstrito, bem como atentatória do princípio da boa-fé,
16- Não tendo zelado pelos interesses dos Credores e, mais grave ainda, tendo acabado por beneficiar a Insolvente, ao ratear-lhe a entrega do remanescente do produto da liquidação.
Mais,
17- Compulsados os autos, não se verifica qualquer comprovativo da publicidade do rateio no Portal Citius:
18- Isto é, ainda que o rateio tenha sido publicado, é imprescindível que a secretaria junte aos autos o comprovativo de publicidade,
19- Porquanto, o prazo de reclamação de 15 dias só começa a contar após a referida publicação, sob pena de a mesma, ao ser apresentada em momento anterior, seja considerada extemporânea.
20- Motivo pelo qual é fundamental que o comprovativo da publicidade conste do processo, caso contrário, o direito de contraditório dos credores fica claramente comprometido – tal como sucedeu in casu.
Ademais,
21- A alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 9/2022, de 11/01 – que instituiu que o mapa de rateio é levado ao conhecimento dos credores através de publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais (cfr. n.º 3 do art.º 182.º) – transferiu para os credores o ónus de, reiteradamente, consultarem os processos com vista a aferir se já foi apresentado e publicado o mapa de rateio – o que, diga-se de passagem, chega a demorar anos a ocorrer!!
22- Nessa medida, o mínimo que se poderá exigir é que a secretaria junte aos autos o comprovativo da publicidade por forma a que, ao ser consultado o processo, os credores possam tomar conhecimento de tal facto e, caso assim entendam, apresentar a competente reclamação.
23- Sendo que outro grau de diligência não poderá ser exigido aos Credores!
24- Destarte, face à inexistência do comprovativo da publicidade, não se poderá considerar que a publicação do rateio datado de 09/10/2024 foi regularmente efetuada,
25- Pois, consultado o processo não é possível aferir se o referido mapa foi ou não objeto de publicação.
26- Pelo que o prazo para reclamação não se pode considerar como decorrido, sob pena de grave violação do princípio do contraditório inserto no n.º 3 do art.º 3.º do C.P.C..
27- E, consequentemente, não poderia a secretaria ter procedido à apreciação do rateio.
28- Destarte, face à inexistência do comprovativo da publicidade do mapa de rateio, estamos perante uma nulidade prevista no art.º 195.º do C.P.C., suscetível de ser sanada através de nova publicação do mapa de rateio, e respetiva inserção do comprovativo nos autos, decorrendo novo prazo para reclamação.
29- Face ao exposto, vem requerer a V. Exa. se digne declarar nula a publicação efetuada, declarando consequentemente nulos todos os atos praticados subsequentemente à junção aos autos do mapa de rateio, bem como ordenar a secretaria a efetuar nova publicação no Portal Citius.
Sem prejuízo,
II – DA RECLAMAÇÃO AO MAPA DE RATEIO
30- O BBVA reclamou créditos, devidamente reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência, no montante total de € 404.467,22, acrescido de juros à taxa contratualmente estipulada, que, em 07/05/2015, se discriminava da seguinte forma:
a. Capital - € 313.488,10;
b. Juros - € 87479.93
c. Impostos - € 3.499,19
31- O crédito foi reclamado e reconhecido como garantido, dada a hipoteca registada a favor do Banco Credor sobre o imóvel apreendido para a Massa Insolvente, a saber, prédio urbano, correspondente à fração BC, sito na freguesia do Campo Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 26/19870819, e inscrita na matriz urbana com o artigo 3272.
32- A referida lista de credores reconhecidos não foi impugnada.
33- Por douta sentença com a refª 422154480, proferida no apenso de reclamação de créditos, em 21.01.2023, foi homologada a aludida lista de credores reconhecidos nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 130.º do CIRE, tendo sido determinada a seguinte graduação relativamente ao imóvel em causa:
“1. Em primeiro lugar, o crédito reconhecido ao Estado referente a IMI, no montante de € 954,64, garantido por privilégio imobiliário especial;
2. Em segundo lugar, o crédito reconhecido ao credor Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., no montante de € 404.467,22, garantido por hipoteca;
3. Em terceiro lugar, o crédito reconhecido ao Estado referente a IRC, no montante de € 1.896,39, garantido por privilégio imobiliário geral;
4. Em quarto lugar, rateadamente entre si, os créditos comuns” – Realces nossos 34- Determinou ainda a douta sentença que, sobre o produto dos outros bens apreendidos, fosse efetuada a seguinte graduação:
“1. Em primeiro lugar, os créditos reconhecidos ao Estado referente a IRC e IVA, no montante de € 4.593,45, garantidos por privilégio imobiliário geral;
2. Em segundo lugar, o crédito reconhecido ao credor Condomínio do Edifício Campo Grande, 220, no montante de € 10.105,63, privilegiado atenta a qualidade de requerente da insolvência;
3. Em terceiro lugar, rateadamente entre si, os créditos comuns, incluindo os créditos garantidos na parte em que não sejam satisfeitos pelo produto do bem sobre o qual incidia a sua garantia.”.
35- Ora, do mapa de rateio elaborado pelo Sr. Administrador de Insolvência consta que o BBVA terá a devolver à Massa Insolvente o montante € 64.282,78, sem sequer ser apresentada justificação para tal devolução.
36- E com a qual jamais pode o aqui Credor concordar!
Vejamos,
37- Conforme acima referido, o imóvel hipotecado ao Banco Credor foi objeto de venda judicial em 31/01/2023.
38- Nesse âmbito, não obstante a dívida já ascender àquela data a € 536.162,21, foi acordado entre a aqui signatária e o Il. mandatário da Massa Insolvente, que o Banco emitiria o documento de distrate, contra o pagamento do montante máximo assegurado pela hipoteca, no valor de € 468.750,00 – como, aliás, não poderia deixar de ser!
39- Condição essa à qual o Sr. Administrador de Insolvência nunca se opôs.
40- Tanto assim foi que, no ato da escritura, foi entregue ao BBVA cheque bancário no montante de € 300.000,00, e, em 20/02/2023, foi efetuada transferência bancária no valor remanescente de € 168.500,00, cfr. docs. 2 e 3 que se juntam e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
41- Ora, os pagamentos foram voluntariamente efetuados pelo Sr. Administrador de Insolvência, certamente, por concordar que tal montante era devido ao BBVA, em virtude da hipoteca registada sobre o imóvel.
42- Volvidos quase dois anos, e sem apresentar qualquer justificação, vem o Sr. Administrador de Insolvência, em sede de rateio final, solicitar que o Banco proceda à devolução do montante de € 64.282,78!!
43- Pretendendo assim que o Credor receba apenas o montante em dívida à data da apresentação de Reclamação de Créditos - € 404.467,22.
44- Entendimento esse sem qualquer cabimento legal!
45- Da douta sentença resulta reconhecido e graduado ao BBVA um crédito garantido no montante de € 404.467,22.
46- Porém, como bem sabe o Sr. Administrador de Insolvência, e conforme resulta da douta sentença de graduação, após a declaração de insolvência, continuam a vencer-se juros até efetivo e integral pagamento – aliás, juros vincendos esses reclamados pelo Credor.
47- Ora, dúvidas não subsistem de que a hipoteca garante o pagamento ao BBVA no montante máximo assegurado de € 468.750,00.
48- Tal como, aliás, o próprio Sr. Administrador de Insolvência o reconheceu, caso contrário não teria procedido à entrega daquele montante ao Credor.
49- E, quanto aos demais juros vencidos e vincendos os mesmos deverão ser pagos nos termos no determinado na douta sentença, i.e., rateadamente com os demais créditos comuns.
50- E tal aproveita não só o BBVA como aos demais credores, que têm direito ao recebimento dos juros que se venceram após a declaração de insolvência.
51- Ademais, não nos olvidemos que estamos perante uma situação absolutamente atípica, pois, pese embora tenha sido decretada a insolvência da sociedade Housemor - Gestão Imobiliária, Lda,
52- Facto é que, de acordo com o mapa de rateio, do produto da liquidação da massa remanesceu valor, o qual o Sr. Administrador de Insolvência pretende entregar à Insolvente!!!
53- Isto, para além de manifestamente prejudicial para todos os Credores – que não estão efetiva e integralmente ressarcidos -, é claramente afrontador dos princípios do Direito e da boa-fé.
54- Pois, o Sr. Administrador de Insolvência para além de não contemplar no mapa de rateio os juros vencidos após a declaração de insolvência – o que claramente seria possível dado o saldo da Massa Insolvente – pretende ainda que o BBVA devolva à Massa um montante já anteriormente recebido – e bem –, para que o mesmo possa ser entregue à Insolvente.
55- Situação esta que, certamente, este douto tribunal não poderá deixar de corrigir.
56- Assim, na presente data, e com a devida imputação do montante de € 468.750,00 já recebido, permanece em dívida ao BBVA o montante de € 71.471,97.
57- Cujo montante deverá ser contemplado no mapa de rateio, de acordo com a douta sentença de graduação de créditos, requerendo desde já a V. Exa. se digne ordenar o Sr. Administrador de Insolvência à devida retificação.
Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académia se concebe, embora não concedendo,
58- Sempre se dirá que é devido ao BBVA o montante máximo assegurado pela hipoteca, e já recebido, no valor de € 468.750,00.
59- Isto porque, o crédito de € 404.467,22 foi reconhecido e graduado como tendo natureza garantida, em virtude da hipoteca registada sobre o imóvel.
60- Ora, ao referido montante acrescem os juros que, entretanto, se venceram, sendo certo que, por conta da hipoteca, sempre será devido ao Credor o montante máximo assegurado pela mesma.
61- Pelo que dúvidas não subsistem de que o montante foi corretamente pago ao BBVA, por devido, tal como o próprio Sr. Administrador de Insolvência não poderá deixar de reconhecer, caso contrário não teria efetuado o pagamento.
62- Face a todo o exposto, requer a V. Exa. seja julgada procedente a nulidade arguida e ordenada nova publicação do mapa de rateio, bem como se digne ordenar a retificação do mapa de rateio em conformidade com o exposto, nomeadamente, que, para além do valor já recebido, seja contemplado o montante ainda em dívida ao BBVA no valor de €71.471,97, ou, caso assim não se entenda, seja determinado que nenhum valor existe a devolver por parte do Banco Credor, porquanto o pagamento de € 468.750,00 encontra-se em conformidade com o determinado na douta sentença de graduação de créditos.”
O Administrador da Insolvência veio pronunciar-se no sentido da improcedência da nulidade arguida e da elaboração da proposta de distribuição e rateio de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos, nos seguintes termos:
“JGF, administrador de insolvência, nomeado nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do requerimento junto aos autos pelo credor Banco Bilbao Vizcaya Aregentina, S.A. Sucursal em Portugal, vem muito respeitosamente informar V. Ex.ª do seguinte:
Invoca este credor a nulidade da publicação do mapa de rateio, esgrimindo diversos argumentos que, na ótica do aqui signatário, não fazem qualquer sentido nem merecem colhimento e, em consequência dessa nulidade, que seja ordenada a nova publicação pela secretaria do mapa no portal Citius, iniciando-se novamente o prazo para reclamação do mapa de rateio elaborado.
Ora, desde já se refere que e conforme alegado pela requerente, e muito bem, dispõe o artigo 12.º da Lei n.º 22/2013 de 26 de Fevereiro, que “Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.” Negrito e sublinhado nosso
Posto isto, entende o signatário, na sua modesta opinião, que a sua conduta não merece qualquer reparo ou censura por parte do douto Tribunal, senão vejamos;
Dispõe o artigo 182.º n.º 3 do CIRE que “Após julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respetiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma.”
Acrescenta o n.º 3 da referida disposição legal que “Decorrido o prazo de 15 dias previsto no número anterior, a secretaria aprecia a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos, e conclui o processo ao juiz para, no prazo de 10 dias, decidir sobre as impugnações e validar a proposta.”
Através de uma leitura atenta destas duas disposições legais, e bem assim, das restantes normas do CIRE, não resulta uma obrigação por parte do Administrador de Insolvência em comunicar aos credores, nem a alguma categoria de credores em especial, a junção do mapa de rateio, nem da secretaria proceder à junção aos autos do comprovativo da publicação do rateio, na medida em que, resulta do próprio formulário, quando se junta a proposta de rateio, a publicação automática do rateio pelo sistema, ficando imediatamente disponível para consulta no Portal Citius.
Daqui resulta, na modesta opinião do aqui signatário, não existir qualquer nulidade, não podendo o requerente/credor imputar a sua distracção a alguma conduta praticada, ou omitida, pelo Administrador de Insolvência ou pela secretaria.
Relativamente ao valor a restituir à Massa Insolvente, conforme refere o credor, e bem, ao Banco requerente, foi pago o montante de global de € 468.750,00, exigência deste como condição para emissão do distrate para realização da escritura de compra e venda do imóvel apreendido nos presentes autos, na medida em que, de outro modo, tal venda não se realizaria.
Não se opôs o signatário ao pagamento desse valor, uma vez que, conforme já se referiu, sem a emissão de tal distrate, a venda não se concretizaria.
Entregue a proposta de rateio, foi a mesma apreciada pela secretaria concluindo-se que a mesma se encontra devidamente elaborado com os cálculos exactos, achando-se de acordo com a documentação de suporte apresentada e com o determinado na sentença de graduação de créditos.
Daqui resulta, que o valor a receber pelo credor aqui requerente são os € 404.467,22, devendo restituir à Massa o montante de € 64.282,78, sendo indiferente se este valor é para entregar à Insolvente, que é o caso dos autos, ou a distribuir pelos restantes credores, não é isso que se encontra em causa, nem deveria, por uma questão de justiça.
Pelo exposto, requer-se muito respeitosamente a V. Ex.ª se digne autorizar o pagamento aos credores e notificação do credor Banco Bilbao Vizcaya Aregentina, S.A. Sucursal em Portugal para proceder à restituição do valor recebido em excesso.”
Em 04/12/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“O rateio final foi apresentado sob requerimento entrado em 9-10-2024.
Por requerimento de 5-11-2024 – REF.ª: 50373133- BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA, S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL, arguir a nulidade relativa à publicação do mapa de rateio final, bem como apresentar reclamação do mesmo.
Com nova publicação do mapa de rateio, bem como a rectificação do mapa de rateio em conformidade com o exposto, nomeadamente, que, para além do valor já recebido, seja contemplado o montante ainda em dívida ao BBVA no valor de €71.471,97, ou, caso assim não se entenda, seja determinado que nenhum valor existe a devolver por parte do Banco Credor, porquanto o pagamento de € 468.750,00 encontra-se em conformidade com a sentença de verificação e graduação.
Foi lavrada informação.
E notificado o Administrador(a) da Insolvência que se pronunciou pela negativa.
Compulsados os autos constata-se que efectivamente não foi junto aos autos o comprovativo da publicação.
Mas consultada a página da internet ETribunais Citius consta que a proposta de rateio foi publicada naquela data 9-10-2024.
O art 182/3 do CIRE dispõe que " Após julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respectiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma”. E o n.º 4 que “Decorrido o prazo de 15 dias previsto no número anterior, a secretaria aprecia a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos, e conclui o processo ao juiz para, no prazo de 10 dias, decidir sobre as impugnações e validar a proposta."
O referido formulário "RATEIO FINAL - PROPOSTA DE DISTRIBUIÇÃO E DE RATEIO" fica de imediato publicado e disponível para consulta na referida área "Publicidade do PER, do PEAP, do PEVE e da insolvência", bastando introduzir o nº do processo.
Acresce que, nos termos do art.º 12/3 do EAJ “Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem actuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer actos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.”
De onde não se vislumbra qualquer nulidade praticada, ou omitida, pelo Administrador de Insolvência ou pela secretaria.
Sendo extemporânea a reclamação do credor em face da data de publicação da proposta do mapa de rateio nos autos.
Relativamente ao valor a restituir à Massa Insolvente, conforme refere o credor, ao Banco requerente, foi pago o montante de global de € 468.750,00, exigência deste como condição para emissão do distrate para realização da escritura de compra e venda do imóvel apreendido nos presentes autos. A que nada opôs o Administrador(a) da Insolvência.
*
Valido a proposta de rateio apreciado por termo em 25-10-2024 porque elaborada de acordo o decidido na sentença de verificação e de graduação de créditos e visto o suporte documental - art.º 182/4 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Observe o disposto no art.º 183 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Decorrendo do mesmo que o valor a receber pelo credor requerente corresponde a € 404.467,22, devendo restituir à Massa o montante de € 64.282,78, notifique o credor Banco Bilbao Vizcaya Aregentina, S.A. Sucursal em Portugal para, em 5 dias, proceder à restituição do valor recebido em excesso.”
Inconformado apelou Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A., Sucursal em Portugal, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare a nulidade de todos os atos praticados após a junção aos autos do mapa de rateio, concedendo-se novo prazo para os credores, incluindo o recorrente, apresentarem a sua reclamação contra o mapa de rateio desde o trânsito em julgado do acórdão ou, em alternativa, desde a respetiva notificação do senhor administrador da insolvência ou do tribunal recorrido para o efeito. Apresentou as seguintes conclusões:
a) O presente recurso vem interposto do despacho de 4 de dezembro de 2024 (referência 440733630), que decidiu que “o valor a receber pelo credor requerente [ora recorrente] corresponde a € 404.467,22, devendo restituir à Massa o montante de € 64.282,78” – cfr. a página 2 do despacho recorrido.
b) No seu requerimento de 5 de novembro de 2024 (referência 50373133) o recorrente apresentou a sua reclamação contra o mapa de rateio, requerendo que, para além do montante máximo assegurado pela hipoteca (468.750,00€), também lhe fossem pagos os juros entretanto vencidos e vincendos, de acordo com o determinado na douta sentença de reconhecimento e graduação de créditos, proferida a 21 de janeiro de 2023 no apenso de reclamação de créditos (referência 422154480), então quantificados em € 71.471,97 (setenta e um mil, quatrocentos e setenta e um euros e noventa e sete cêntimos).
c) Pese embora o recorrente tenha peticionado que este valor fosse contemplado no mapa de rateio, o despacho de 4 de dezembro de 2024 não se pronuncia quanto a este pedido.
d) Assim, não se tendo pronunciado sobre uma questão que deveria ter apreciado, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, incorrendo em vício de omissão de pronúncia, geradora do vício de nulidade do despacho recorrido.
e) Em consequência, deve, antes do mais, o despacho recorrido ser declarado nulo, ordenando-se a remessa do processo ao tribunal a quo para suprimento do invocado vício.
Sem prescindir,
f) O recorrente apresentou a sua reclamação de créditos no dia 7 de maio de 2015, no valor de 404.467,22 € (quatrocentos e quatro mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e vinte e dois cêntimos).
g) O reclamado crédito foi reconhecido e graduado como tendo natureza garantida, em virtude da hipoteca voluntária registada sobre imóvel da propriedade da insolvente.
h) Entretanto, no âmbito de diligências encetadas pelo senhor administrador da insolvência com vista à venda judicial do referido imóvel, ocorrida no dia 31 de janeiro de 2023, o recorrente concordou em emitir o distrate da hipoteca contra a receção do valor de 468.750,00 € (quatrocentos e sessenta e oito mil e setecentos e cinquenta euros).
i) Assim, mediante acordo entre o recorrente e o senhor administrador da insolvência, no ato da escritura, em 31 de janeiro de 2023, foi entregue ao recorrente um cheque bancário, no montante de 300.000,00 € (trezentos mil euros) e, em 20 de fevereiro de 2023, foi efetuada uma transferência bancária para o recorrente no valor remanescente, quantificado em 168.500,00 € (cento e sessenta e oito mil e quinhentos euros) – cfr. os documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o requerimento do recorrente de 5 de novembro de 2024.
j) In totum, o senhor administrador pagou ao recorrente, em troca da emissão do distrate da hipoteca, a quantia de 468.750,00 € (quatrocentos e sessenta e oito mil e setecentos e cinquenta euros).
k) Sucede que, sem que nada o fizesse prever e sem qualquer comunicação prévia ao recorrente, no dia 9 de outubro de 2024 o senhor administrador procedeu à junção aos autos da proposta de rateio final, da qual resulta, pasme-se, que o recorrente deve devolver à massa insolvente o valor de 64.282,78 € (sessenta e quatro mil, duzentos e oitenta e dois euros e setenta e oito cêntimos), ou seja, o valor correspondente, nada mais, nada menos, à diferença entre o valor acordado com o senhor administrador, a massa insolvente e a recorrente por conta do distrate da hipoteca (468.750,00 €) e o montante inicialmente reclamado pelo recorrente, ainda sem computar os juros vincendos no momentos da apresentação da reclamação de créditos (404.467,22 €).
l) Ou seja, num primeiro momento o senhor administrador concordou com a celebração pelo valor peticionado pelo recorrente para a emissão do distrate.
m) Num segundo momento – o derradeiro – sem que nada o fizesse prever e sem qualquer comunicação prévia ao recorrente, decidiu reconhecer uma quantia inferior àquela que já havia sido entregue ao recorrente!
n) Se, no momento da realização da venda e inerente emissão do distrate, o recorrente soubesse (o que poderia ter acontecido por vontade e ação do senhor administrador) que teria de devolver parte da quantia recebida, jamais teria concordado com a celebração do negócio.
o) Não faz qualquer sentido que o senhor administrador tenha entregado determinada quantia ao recorrente como condição para a emissão do distrate para, depois, no momento da verdade, isto é, da distribuição e do rateio final, vir a ser exigido novamente ao recorrente parte da quantia que lhe fora entregue!
p) O pedido de reembolso que é feito ao recorrente, só por si, já é uma conduta que merece a censura do Direito.
q) Mais grave, ainda, é o facto de o senhor administrador não ter notificado o recorrente desta factualidade, o que poderia facilmente ter feito, quer via e-mail, quer através do citius, quer através de uma chamada telefónica.
r) O senhor administrador não apenas não o fez por sua iniciativa, como lhe era exigido, como nem se dignou a responder ao recorrente quando, por intermédio de uma colaboradora da signatária, lhe foi questionado qual o valor que lhe seria atribuído em sede de rateio.
s) Como se deu a conhecer ao tribunal a quo, no dia 7 de outubro de 2024 (veja-se que dois dias antes da publicação do rateio), a signatária, por intermédio de uma colaboradora do seu escritório, questionou o senhor administrador da insolvência sobre o valor que lhe viria a ser atribuído em sede de rateio – cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento do aqui recorrente de 5 de novembro de 2024 (referência 50373133) cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento do aqui recorrente de 5 de novembro de 2024 (referência 50373133).
t) O senhor administrador não respondeu ao recorrente, limitando-se, sem qualquer comunicação prévia, a juntar aos autos a proposta de rateio final dois dias depois, no dia 9 de outubro de 2024.
u) Mesmo que se aceite a tese de que, nos termos do n.º 3 do artigo 182.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o senhor administrador não estava obrigado a notificar o recorrente do teor da proposta do rateio final, tal hipótese, a ser aceite, deverá valer para aquelas situações em que não há alteração entre os créditos já entregues/reconhecidos e o que vem a ser proposto em sede de rateio final.
v) No caso concreto o senhor administrador procedeu à entrega ao recorrente de uma quantia que o mesmo jamais pensou que, posteriormente, se veria obrigado a devolver.
w) Ditam as regras da honestidade, lealdade, lisura e boa-fé, mas também o bom senso e os bons costumes, que, havendo um retrocesso nos créditos, que contrariam a legítima expectativa do credor (no caso concreto há mais do que uma expectativa, pois o senhor administrador já havia pago o montante que agora peticiona), impunha-se ao senhor administrador que, em momento anterior à apresentação da proposta, disso notificasse o credor visado.
x) É, pasme-se, o próprio senhor administrador da insolvência a admitir, sem qualquer pejo, que apenas pagou o referido valor porque, de outra forma, a venda não se concretizaria: “não se opôŝ o signatário ao pagamento desse valor, uma vez que, conforme já se referiu, sem a emissão de tal distrate, a venda não se concretizaria” – cfr. o requerimento submetido a juízo pelo senhor administrador a 21 de novembro de 2024 (referência 50547602).
y) Com tal conduta, para além de revelar falta de ética profissional e humana, o senhor administrador da insolvência incumpriu o dever de se orientar para a maximização da satisfação dos interesses dos credores, em particular o interesse do recorrente.
z) Quer a conduta adotada pelo senhor administrador no momento da venda judicial e inerente emissão do distrate, quer a conduta adotada após ter elaborado a proposta de rateio, demonstram, com meridiana clareza, que o senhor administrador da insolvência desconsiderou os deveres que sobre si impendem, nomeadamente os consagrados no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro.
aa) O senhor administrador não apenas não se preocupou em notificar o recorrente, como omitiu, deliberadamente, essa informação, optando por não responder à questão que o recorrente, por intermédio do escritório da signatária, lhe colocou dois dias antes da apresentação da proposta do rateio final.
bb) O senhor administrador agiu em clara contradição e abuso do direito, em particular na modalidade do venire contra factum proprium violando, de forma crassa, os princípios da confiança, da segurança jurídica, dos bons costumes, da boa-fé, da confiança, da lisura e da lealdade.
cc) O artigo 182.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, seria inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, se interpretado no sentido de que, num caso em que, tendo sido entregue ao credor hipotecário, no momento da venda judicial e inerente emissão do distrate, o montante máximo assegurado pela hipoteca, o senhor administrador pode, em sede de rateio final, reconhecer um crédito inferior, do qual resulte um retrocesso no crédito que obrigue o credor hipotecário a devolver parte da quantia recebida no momento do distrate (por maioria de razão quando o senhor administrador não notifica o credor da sua proposta de rateio e quando esse credor toma a iniciativa de questionar o senhor administrador sem obter resposta).
dd) O despacho recorrido, numa alienação clara da realidade e das suas consequências, acolheu acriticamente a posição do senhor administrador da insolvência, limitando-se a atentar na letra da lei e a dar como verificadas as formalidades abstratamente previstas no artigo 182.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
ee) Julgando como julgou, o despacho recorrido violou os princípios da materialidade subjacente (para além da legalidade formal, há que assegurar a conformidade material de cada conduta com a ordem jurídica e se os valores dignos de proteção em cada caso concreto ficam, efetivamente, protegidos), da segurança jurídica, da boa fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade, violando os artigos 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 334.º e 762.º, ambos do Código Civil e, ainda, o artigo 12.º, n.º 2 da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, que estabelece o estatuto do administrador judicial.
ff) A desconsideração dos interesses do credor recorrente assume ainda maior relevância no caso dos autos, na medida em que existe excedente que o senhor administrador pretende, pasme-se, entregar à insolvente!...
gg) Com esta conduta, o senhor administrador obvia-se, intencionalmente, ao dever de prosseguir e assegurar o interesse dos credores.
hh) Ademais, compulsados os autos, constata-se que, à data da submissão do requerimento do recorrente datado de 5 de novembro de 2024, não se verificava qualquer comprovativo da publicidade do rateio no portal citius
ii) O próprio despacho recorrido reconhece que “efectivamente não foi junto aos autos o comprovativo da publicação”.
jj) Sucede que, compulsados os autos no dia de hoje, 23 de dezembro de 2024, já é possível constatar que, diversamente do que se verificava na data da prolação do despacho recorrido (4 de dezembro de 2024), o comprovativo da publicidade do rateio já se encontra junto aos autos.
kk) E, pasme-se, foi aposta à referida publicidade a data de 7 de novembro de 2024 (!) quando, como bem ilustra, quer a captura de ecrã junta pela signatária no seu requerimento de 5 de novembro, quer o despacho recorrido, que reconhece que não se encontrava junto aos autos o comprovativo de publicidade, que não foi nesta data que foi junto ao processo o comprovativo da publicidade!...
ll) Trata-se de uma ilegalidade que, só por si, já é idónea a causar suspeição e a violar, quer o princípio da tutela da confiança, quer o princípio da segurança jurídica.
mm) A junção do referido comprovativo em momento posterior, quer ao requerimento do recorrente de 5 de novembro de 2024, quer ao despacho recorrido, preferido no dia 4 de dezembro, contraria a tese do despacho recorrido, na medida em que demonstra a necessidade do cumprimento dessa formalidade.
nn) De outra forma, tendo sido decidido no despacho recorrido que essa junção era desnecessária, não se vê por que razão a secretaria, se não lhe reconhecesse importância, procederia à sua junção, para mais apondo-lhe uma data anterior à do despacho recorrido, que reconheceu a falta dessa publicidade.
oo) A sua junção aos autos em momento posterior à prolação do despacho recorrido bem ilustra a consciência do tribunal recorrido do dever de juntar aos autos o comprovativo da publicidade (o que bem se compreende, pois, só dessa forma é que o direito de contraditório dos credores fica assegurado).
pp) Face à inexistência do comprovativo da publicidade, a qual, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil, consubstancia a omissão de uma formalidade, não se poderá considerar que a publicação do rateio datado de 9 de outubro de 2024 foi regularmente efetuada, na medida em que, consultado o processo não era possível aferir se o referido mapa fora, ou não, objeto de publicação.
qq) Assim, decidindo como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
rr) Mesmo que se aceitasse que, de acordo com a letra da lei, os deveres do senhor administrador da insolvência se mostrariam cumpridos com a mera publicação da Área de Serviços Digitais dos Tribunais, num caso como o dos autos jamais se poderia aceitar como bastante o simples cumprimento desta formalidade.
ss) O caso dos autos exige a notificação direta ao recorrente, na medida em que da proposta final de rateio apresentada pelo senhor administrador resulta uma diferença substancial face à expectativa, não só legitimamente adquirida como reconhecida e reforçada pelo próprio administrador no momento do distrate e venda judicial do imóvel hipotecado.
tt) O mínimo que se poderia exigir é que a secretaria juntasse aos autos o comprovativo da publicidade, por forma a que, ao consultar o processo, o credor recorrente possa tomar conhecimento de tal facto e, caso assim o entendesse, apresentar a competente reclamação.
uu) Estamos perante um caso peculiar, em que, de acordo com a proposta de rateio que o senhor administrador decidiu apresentar, o aqui recorrente ver-se-ia obrigado a restituir à massa insolvente valores que já recebeu e que não contava vir a ser obrigado a devolver.
vv) Assim, julgando como julgou, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 20/01/2022 (ref.ª 135085022).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº 3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas, são as seguintes as questões a decidir:
- nulidade da decisão recorrida;
- determinação de se sobre o Sr. Administrador da Insolvência impendia o dever de notificar a recorrente do teor da proposta de distribuição e rateio; e
- de se o início do prazo para pronúncia sobre a proposta de distribuição e rateio depende da junção aos autos do comprovativo da publicação da mesma no portal citius.
*
Nos termos do disposto no nº1 do artigo 617º do CPC, se a nulidade da sentença for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la, no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
No caso presente tal apreciação foi omitida pelo tribunal recorrido, mas, por dispensável para a apreciação do objeto do recurso, clarifica-se que não foi ordenada a baixa do processo para apreciação da nulidade da sentença arguida pela recorrente, a qual se passará a apreciar (art.º 617º, nº 5 do CPC).
*
3. Fundamentação de facto:
Com interesse para a decisão da causa resultam dos termos dos autos os seguintes factos, bem como os que constam do relatório que antecede:
1 - Housemor - Gestão Imobiliária, Lda foi declarada insolvente por sentença de 04/03/2015, transitada em julgado.
2 - Foi reclamada a verificação e graduação de créditos sobre a insolvente, nos termos e prazo estabelecidos para o efeito, findo o qual o Sr. Administrador da Insolvência apresentou a relação de créditos prevista no art.º 129º do CIRE e apresentou também relação complementar.
3 - Da relação de créditos apresentada constava:
“Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, SA NIPC 502 593 687 Av. da Liberdade, 222 Lisboa
Montante do crédito reconhecido: 404.467,22€
Capital: 313.488,106
Juros: 87.479,936
Impostos: 3.499,196
Qualificação do crédito:
Garantido com hipoteca: 404.467,226.”
4 - Não foram apresentadas impugnações à relação de credores.
5 – O Sr. Administrador da Insolvência apresentou em 07/12/2022, o seguinte requerimento no apenso E (liquidação):
“1.º
O signatário procedeu à venda do imóvel apreendido, por leilão que ocorreu entre os dias 26 de Abril e 24 de Maio de 2022.
2.º
No decurso do leilão, foram apresentadas várias propostas sendo que a de maior valor, orçou o montante de 1.031.001,00€ (um milhão, trinta e um mil e um euros).
3.º
Era intenção do signatário proceder à realização da escritura, durante o mês de Outubro do corrente ano, porém, concomitantemente ao pedido do adquirente para adiamento da escritura para Janeiro de 2023, o signatário deparou-se com mais um impedimento na medida em que existe uma hipoteca sobre o imóvel constituída anteriormente à aquisição do imóvel, pela insolvente.
4.º
O imóvel correspondente à fracção BC, sito no Campo Grande 220, em Lisboa, foi adquirido, no ano de 1997, em nome individual, pelo sócio gerente da insolvente e a à data, a sua esposa, sem recurso a qualquer financiamento.
5.º
Posteriormente, em 15 de Julho de 2005, o imóvel ora em crise, foi dado como garantia, ao credor hipotecário garantido, Banco Bilbau Vizcaya Argentaria Portugal, S.A constante na relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, a que alude o art.º 129.º do CIRE, oferecido aos autos em 29 de Junho de 2015, com hipoteca sobre o imóvel ora em crise, no montante global de 404.462,22€.
6.º
À data do registo a favor do credor hipotecário garantido, o Banco Bilbau Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., (12 de Julho de 2005), não existia quaisquer ónus ou encargos registados ou por registar sobre o imóvel dado em garantia, conforme resulta do doc. 1 que se anexa e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7.º
Em 2007, o imóvel foi vendido à insolvente, sem que a hipoteca tenha sido cancelada.
8.º
Resulta assim do exposto que a hipoteca voluntária registada a favor do Banco Bilbau Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., foi efectuada com data anterior à data da aquisição pela insolvente, hipoteca esta, que salvo mais douto entendimento, não será oficiosamente cancelada pela Conservatória, com base em venda em processo de insolvência.
9.º
Para um melhor entendimento, toma-se a liberdade de transcrever o art.º 824.º do Código Civil:
Artigo 824.º
(Venda em execução)
“1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.”
10.º
Destarte, a hipoteca constituída a favor do credor hipotecário reconhecido, Banco Bilbau Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., não caducará, sendo que realizada a venda judicial do imóvel, a hipoteca será transferida para o adquirente / produto da venda.
11.º
Confrontado com este panorama, o signatário interpelou o credor hipotecário garantido, no sentido de avaliar a possibilidade de existir um cancelamento, da hipoteca, prévio à escritura, a realizar.
12.º
Porém, a disponibilidade do credor hipotecário reconhecido, Banco Bilbau Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., para proceder ao cancelamento da hipoteca, consubstanciasse com a prolação da Sentença de Graduação de Créditos, que lhe venha a reconhecer judicialmente o seu crédito hipotecário garantido, de acordo com o constante na relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, a que alude o art.º 129.º do CIRE, oferecido aos autos em 29 de Junho de 2015, com hipoteca sobre o imóvel ora em crise, no montante global de 404.462,22€.
Pelo exposto
Requer
a) A V. Exa., de forma a poder ser agendada a escritura a realizar no mais curto espaço de tempo, que se digne a proferir a sentença de graduação de créditos, a que alude o art.º 140.ºº do CIRE;
b) O que mais entender na circunstância, sempre em douto suprimento.
Mais se informa que este requerimento irá ser subscrito conjuntamente com a credor hipotecário garantido, Banco Bilbau Vizcaya Argentaria Portugal, S.A
Junta: 1 documento
E.D.
O Advogado Constituído”
6 - O tribunal proferiu em 21/01/2023 sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, nos seguintes termos:
“V – DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal decide:
a) reconhecer sobre a insolvente HOUSEMOR - Gestão Imobiliária, Lda., pessoa coletiva n.º 507 941 802, os seguintes créditos:
- Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., no montante de € 404.467,22, crédito garantido com hipoteca;
- Condomínio do Edifício Campo Grande, 220, no montante de € 10.105,63, crédito privilegiado, e € 30.361,59 crédito comum;
- EDP - Serviço Universal, S.A., no montante de € 792,61, crédito comum;
- Estado, no montante de € 954,64, IMI, crédito garantido, € 4.593,45 (IRC – 1.896,39 e IVA – 2.697,06), crédito privilegiado, e € 63.044,03, crédito comum;
- MEO - Serviço de Comunicações e Multimédia, S.A., no montante de € 2.089,78, crédito comum
- Parvalorem, S.A., no montante de € 34.610,13, crédito comum;
- TRIU - Técnicas de Resíduos e Industriais e Urbanos, S.A., no montante de € 1.309,00, crédito comum;
**
b) graduar os créditos reconhecidos para serem pagos
- sobre o produto do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 26/19870819, da seguinte forma:
1. Em primeiro lugar, o crédito reconhecido ao Estado referente a IMI, no montante de € 954,64, garantido por privilégio imobiliário especial;
2. Em segundo lugar, o crédito reconhecido ao credor Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., no montante de € 404.467,22, garantido por hipoteca;
3. Em terceiro lugar, o crédito reconhecido ao Estado referente a IRC, no montante de € 1.896,39, garantido por privilégio imobiliário geral;
4. Em quarto lugar, rateadamente entre si, os créditos comuns;
**
- sobre o produto dos demais bens e valores apreendidos para a massa, da seguinte forma:
1. Em primeiro lugar, os créditos reconhecidos ao Estado referente a IRC e IVA, no montante de € 4.593,45, garantidos por privilégio imobiliário geral;
2. Em segundo lugar, o crédito reconhecido ao credor Condomínio do Edifício Campo Grande, 220, no montante de € 10.105,63, privilegiado atenta a qualidade de requerente da insolvência;
3. Em terceiro lugar, rateadamente entre si, os créditos comuns, incluindo os créditos garantidos na parte em que não sejam satisfeitos pelo produto do bem sobre o qual incidia a sua garantia.”
7 – Em 14/02/2023 o Sr. Administrador da Insolvência informou ter procedido à venda do imóvel, juntando a respetiva escritura de compra e venda.
8 – A liquidação da massa insolvente foi encerrada por despacho de 04/05/2023, proferido no apenso E.
9 – Tal despacho foi notificado, nomeadamente ao Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., em 04/05/2023 (refª 425418324).
10 – O Sr. Administrador da Insolvência apresentou prestação de contas por apenso em 23/10/2023 (cfr. apenso H).
11 – As contas foram julgadas por sentença de 18/03/2024, transitada em julgado.
12 - Tal sentença foi notificada, nomeadamente ao Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Sucursal em Portugal, em 18/03/2024 (refª 433943780).
13 – Em 10/05/2024 foi elaborada a conta de custas nos autos principais (refª 435400395).
14 – A conta foi notificada, nomeadamente ao recorrente, em 10/05/2024 (refª 435400413 e 435400411).
15 – Por despacho de 13/09/2024 foi validada a proposta de remuneração variável do administrador da insolvência e ordenada a notificação do mesmo para “juntar saldo actualizado da conta após o levantamento contra recibo e comprovar a publicidade da proposta da rateio final que deverá apresentar.”
16 – Em 09/10/2024 o Sr. Administrador da Insolvência apresentou rateio final – proposta de distribuição e de rateio informando “que o credor Banco Bilbao Vizcaya já recebeu antecipadamente o montante de € 168.750,00 e ainda um cheque visado em nome do BBVA no montante de € 300.000,00 no acto da escritura de compra e venda do imóvel apreendido nos presentes autos, pelo que terá que restituir à Massa a quantia de € 64.282,78.”
17 – Juntou o seguinte cálculo do rateio:

1- Valor para distribuição
1.1. Saldo final de prestação de contas 1 005 607,96 €
2 – Cálculo da remuneração variável
2.1. Remuneração efetiva100 000,00 €
2.2 – Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)23 000,00 €
Total (2.1+2.2)123 000,00 €
3 – Cálculo da remuneração variável
3.1 - Valor para distribuição (em 1.1)1 005 607,96 €
3.2 – Remuneração variável (em 2)123 000,00 €
3.3 – Remuneração fixa Administrador Judicial (se já considerado =0)2 460,00 €
3.4 – Valor de custas (se já considerado =0)12 679,00 €
3.5 – Outros (Pagamento de honorários)25 043,40 €
3.6 – Outros (pagamento antecipado BBVA)468 750,00 €
Total (3.1-(3.2+3.3+3.4+3.5))373 675,58 €
4 – Rateio para credores (art.47º a 50º e 140º, nº 2 e 3 do CIRE)
EstadoIVA, IRC, IMI68 592,12 €
Condomínio do Edifício Campo Grande, 220Privil.+ Comum40 467,22 €
Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, SAcrédito garantido com hipoteca-64 282,68 €
EDP – Serviço Universal, SAcrédito comum 792,61 €
MEO – Serviço de Comunicações e Multimédia, SAcrédito comum 2 089,78 €
Parvalorem, SAcrédito comum 34 610,13 €
TRIU – Técnicas de Resídus e Industriais e Urbanos, SAcrédito comum 1 309,00 €
Housemor 290 097,48 €


Todos os créditos reclamados foram satisfeitos, sendo o valor de 330,279,88€ o que sobrou do produto da liquidação após rateio para todos os credores





18 – Em 25/10/2024 foi lavrado Termo de apreciação da Proposta de Rateio pela secretaria judicial, nos seguintes termos:
“Em 25-10-2024, nos termos do nº 4 do artº 182º do CIRE, procedeu esta secretaria à apreciação da proposta de distribuição e de rateio, concluindo-se que este se encontra devidamente elaborado com os cálculos exactos, achando-se de acordo com a documentação de suporte apresentada e com o determinado na sentença de graduação de créditos.”
19 – Em 05/11/2024 o recorrente Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A., Sucursal em Portugal apresentou o requerimento de arguição de nulidade e de reclamação ao mapa de rateio referido no Relatório, juntando:
- cópia de mensagem de correio eletrónico identificada como enviada por “GD”, ATMJ – Sociedade de Advogados, RL (x@tmj.pt), em 07/10/2024 para jgf@aj.caaj.pt, sob o assunto “Processo: 13612/14.6T8LSB - Insolvente: Housemor - Gestão Imobiliária, Lda”, com o seguinte teor:
Exmo. Sr. Dr. JGF
M.I. Administrador de Insolvência
O nosso Constituinte, BBVA, tem urgência em receber o valor que lhe vier a ser atribuído em sede de rateio, pelo que, solicitamos os bons ofícios de V. Exa. no cumprimento do despacho anexo, nomeadamente, no que concerne à elaboração do mapa de rateio final.
Antecipadamente gratos pela atenção.
Com os melhores cumprimentos,”;
- comunicação identificada como emitida pelo Sr. Administrador da Insolvência e destinada à Caixa Económica Montepio Geral, Balcão do Montijo, em 15 de fevereiro de 2013, tendo como assunto “Proc. nº 13612/14.6T8LSB – Capital em divida ao BBVA. - Pedido de pagamento.”, com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores.
Na qualidade de Administrador de Insolvência venho, pela presente, solicitar que procedam ao necessário para se fazer a transferência do montante € 168.750,00, a partir da conta da massa insolvente de Housemor, Lda. com o NIB ---, para o IBAN: PT ---, cujo titular é o BBVA, a título de pagamento de capital em divida.
Agradeço o envio do comprovativo por esta via.
Com os melhores cumprimentos,
JGF”;
- comprovativo de transferência interbancária, por débito na conta da massa insolvente de Housemor, Lda, no montante de € 168.750,00.
20 – Em 07/11/2024 foi junta aos autos impressão do portal citius contendo o comprovativo da publicação da proposta de distribuição e rateio (rateio final) efetuada em 09/10/2024.
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4. Fundamentação de direito
4.1. Nulidade
A recorrente imputa à decisão recorrida nulidade dado ter pedido, no requerimento apreciado por aquela, fosse retificado o mapa de rateio de forma a que contemple o montante ainda em dívida ao BBVA no valor de € 71.471,97, pedido sobre o qual o tribunal não se pronunciou, gerando nulidade nos termos do art.º 615º nº1, al. d) do CPC, mais entendendo que deve o despacho ser declarado nulo e ordenada a remessa do processo ao tribunal recorrido para suprimento do vício.
Apreciando:
Dispõe o n.º 1 do art.º 615º do CPC:
«1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
O art.º 615º do CPC prevê o elenco taxativo de nulidades que podem afetar a sentença.
Como é uniformemente prevenido pela doutrina e jurisprudência, importa sempre distinguir as nulidades de processo e as nulidades de julgamento, sendo que o regime deste preceito apenas se aplica às segundas.
Para os efeitos da alínea d) do nº 1 do art.º 615º do CPC, quando se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” referem-se as questões que constituem o objeto da sentença. O preceito deve ser conjugado com o art.º 608º, com vista à determinação das questões a resolver na sentença. Essas questões, aquelas que se impõe ao juiz resolva na sentença são, em primeira linha as questões de forma, alegadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e finalmente as questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das exceções e ainda as que o juiz deva conhecer oficiosamente – cfr. nº 2 do art.º 608º.
Na lição de Ferreira de Almeida[1] “Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento total ou parcial do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.”
Trata-se, aliás, de questão pacífica na jurisprudência, como nos apontam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa[2] - o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
“Na verdade, o que a lei impõe é, antes de mais, que os fundamentos e a parte dispositiva de uma decisão sejam construídos em jeito de resposta aos problemas fundamentais com que as partes construíram a causa de pedir, os pedidos ou as exceções; não em jeito de resposta aos raciocínios em que as partes suportam as suas posições. Deste modo, uma decisão não tem de ser o espelho do teor argumentativo da extensão do requerimento ou dos articulados respetivos.
Dito isto, é natural que uma decisão bem fundamentada “dialogue” com a argumentação das partes quando esta seja decisiva na substanciação da causa de pedir, pedidos ou exceções. Ou seja: a não apreciação de certo argumento expendido pela parte pode, indiretamente, ter consequências na (já referida) suficiência do mérito demonstrativo dos fundamentos da decisão, sindicável por recurso, quando admissível.”[3]
O requerimento formulado pela ora recorrente arguiu, em primeiro lugar, a nulidade da publicação da proposta de distribuição e rateio[4], pedindo, quanto a esta arguição “Face ao exposto, vem requerer a V. Exa. se digne declarar nula a publicação efetuada, declarando consequentemente nulos todos os atos praticados subsequentemente à junção aos autos do mapa de rateio, bem como ordenar a secretaria a efetuar nova publicação no Portal Citius.”
Vem também reclamar do “mapa de rateio”, mas refere expressamente “Sem prejuízo”.
É na reclamação que expõe os motivos pelos quais entende que a proposta não está correta, dado que se continuaram a vencer juros, que refere constarem da sentença e terem sido por si reclamados e é por esse motivo que pede seja o montante dos juros entretanto vencidos, que calcula em € 71.471,97, pedindo ainda subsidiariamente que se considere, pelo menos, que nenhum valor há a devolver.
Tendo em conta que a proposta de distribuição e rateio foi junta aos autos em 09/10/2024 e publicada no portal citius na mesma data, o prazo de 15 dias para pronúncia sobre a mesma concedido aos credores nos termos do nº 3 do art.º 182º do CIRE já havia decorrido integralmente[5] quando a ora recorrente apresentou o seu requerimento de 05/11/2024.
A ora recorrente, ao apresentar a sua reclamação ao mapa de rateio, ou seja, a sua pronúncia sobre a proposta de distribuição e rateio apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, começou por arguir a nulidade da publicação, ou seja, do ato que, nos termos da lei, determinava o início da contagem do prazo.
Improcedendo a nulidade arguida, a ora recorrente não estaria em tempo para apresentar a sua pronúncia no sentido em que apresentou – o de ser alterado (nas suas palavras retificado) o mapa de rateio, ou seja, a proposta apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
E o despacho recorrido declarou isso mesmo, referindo expressamente: “Sendo extemporânea a reclamação do credor em face da data de publicação da proposta do mapa de rateio nos autos.”
Assim, o despacho recorrido pronunciou-se, considerando extemporânea a reclamação (pronúncia) razão pela qual não havia que apreciar qualquer dos argumentos desta constantes.
Se o indeferimento da arguida nulidade foi correto ou incorreto, trata-se de matéria de mérito do presente recurso, a conhecer na sede própria.
Improcede, nestes termos a arguida nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia.
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4.2. Mérito do recurso
A recorrente centrou os seus argumentos na decisão de indeferimento da nulidade que havia arguido, entendendo ter a questão sido erradamente julgada pelo despacho recorrido.
Argumenta, em síntese, que tendo havido um pagamento anterior pelo Sr. Administrador da Insolvência, nada fazia prever que no momento da proposta de distribuição e rateio viesse exigir parte da quantia que havia entregue, pelo que se trata de uma situação inédita que torna inexplicável que o Sr. Administrador da Insolvência não tenha notificado a recorrente, não respondendo a comunicação que o escritório da mandatária lhe enviou dois dias antes da junção da proposta.
Mesmo que se entenda que o nº 3 do art.º 182º do CIRE não obriga à notificação da proposta, a regra só pode valer para os casos em que não há alteração entre os créditos já entregues/reconhecidos e o que vem a ser proposto em sede de rateio.
O Sr. Administrador da Insolvência não agiu com boa fé, tendo confessado que pagou o valor em causa porque de outra forma a venda não se concretizaria, pelo que violou os seus deveres previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 12º do Estatuto do Administrador Judicial, tendo violado o dever de se orientar para a maximização da satisfação dos interesses dos credores, em particular o interesse do recorrente. Agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio.
O tribunal recorrido atentou apenas na letra da lei e violou o princípio da primazia da materialidade subjacente, não tendo em atenção as consequências da aplicação dos critérios normativos. Acresce que existe excedente que o administrador da insolvência pretende entregar à insolvente, obviando os interesses dos credores.
À data da submissão do requerimento não estava comprovada a publicidade da proposta, o que foi reconhecido pelo despacho recorrido. Compulsados os autos hoje, verifica-se que o comprovativo já está nos autos com data de 07/11/2024, quando a captura de ecrã de 05/11 e o despacho recorrido reconhecem que o comprovativo não foi junto aos autos.
A junção do comprovativo em data posterior com data de 07/11 é por si uma ilegalidade idónea a causar suspeição.
Conclui que o tribunal violou o disposto no art.º 3º nº3 do CPC.
A alteração da Lei nº 9/2022 transferiu para os credores o ónus de reiteradamente consultarem os processos para aferir se já foi publicado o rateio, o que chega a demorar anos a ocorrer, sendo o mínimo exigível que a secretaria juntasse aos autos o comprovativo da publicidade, para que os credores possam tomar conhecimento de tal facto e, assim o entendendo, apresentar reclamação.
Na inexistência de comprovativo de publicação não se pode considerar que a publicação datada de 09/10/2024 tenha sido regularmente efetuada na medida em que, consultado o processo não era possível aferir se o mapa havia sido publicado, o que configura nulidade processual, nos termos do art.º 195º do CPC, suscetível de sanação por nova publicação do mapa de rateio e inserção do respetivo comprovativo nos autos, decorrendo novo prazo para reclamação não desde a data da publicação, mas desde a data do trânsito em julgado do acórdão a proferir.
Ainda que se entendesse que os deveres do Sr. Administrador da Insolvência estariam cumpridos com a mera publicação, no caso dos autos, resultando da proposta uma diferença substancial em relação à expetativa exige-se a notificação do mapa de rateio ao credor.
O Sr. Administrador da Insolvência violou os seus deveres e o tribunal, ao acolher esta posição violou os arts. 762º do CC, 334º do CC e 12º nº2 do EAJ.
O art.º 182º do CIRE interpretado como permitindo em sede de rateio final um retrocesso do crédito que obrigue o credor a entregar o que havia recebido seria inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade previsto no art.º 18º nº2 da CRP.
Apreciando:
O primeiro exercício necessário é o da determinação das regras aplicáveis e respetivo âmbito.
«O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.» – art.º 1º nº 1 do CIRE[6].
É um processo especial que, quanto à sua natureza, pode ser considerado misto, com uma fase marcadamente declarativa (até à declaração de insolvência) e outra claramente executiva (após a declaração de insolvência com liquidação de todo o património do devedor que integra a massa insolvente para satisfação dos credores ou através da aprovação de um plano de insolvência)[7].
Nos termos do nº 1 do art.º 17º do CIRE, o processo de insolvência é regido pelas regras deste código e, subsidiariamente pelo Código de Processo Civil, «em tudo o que não contrarie as disposições do presente código.».
Sem prejuízo, ao longo do CIRE, o legislador remeteu especificamente para algumas regras do CPC, em especial para as normas que regulam o processo executivo na parte relativa à tramitação de feição “executiva”, ou seja, a apreensão e liquidação, mas não só[8]. A regra geral do art.º 17º, no entanto vale também para as remissões expressas, ou seja, a aplicação dos preceitos do CPC dá-se enquanto os mesmos não contrariem disposições do CIRE.
O CIRE não contém qualquer disciplina geral relativa à arguição de nulidades processuais pelo que, sem prejuízo de normas que afastem a aplicação do regime geral[9], é a disciplina prevista nos arts. 186º e ss. do CPC a aplicável em processo de insolvência.
A atividade de verificação e graduação de créditos em processo de insolvência é efetuada pelas formas previstas nos arts. 128º e ss. e 146º do CIRE.
No caso concreto, proferida sentença de verificação e graduação de créditos foram verificados e graduados créditos tal como reconhecidos pelo Administrador da Insolvência.
O rateio deverá ser elaborado de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos (artigos 136º e 140º do CIRE). Os pagamentos são efetuados de acordo com o rateio (cfr. arts. 178º e 182º do CIRE), pelo que neste apenas podem constar os créditos verificados por sentença e conforme a graduação efetuada.
Esta é a regra base da elaboração do rateio final, cuja proposta incumbe ao administrador da insolvência apresentar, nos termos do art.º 182º do CIRE, na versão em vigor à data da respetiva apresentação, no qual se estabelece:
«1 - Encerrada a liquidação da massa insolvente, é elaborada a conta pela secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias, não sendo o encerramento da liquidação prejudicado pela circunstância de a atividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa.
2 - As sobras de liquidação, que nem sequer cubram as despesas do rateio, são atribuídas ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça.
3 - Após julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respetiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma.
4 - Decorrido o prazo de 15 dias previsto no número anterior, a secretaria aprecia a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos, e conclui o processo ao juiz para, no prazo de 10 dias, decidir sobre as impugnações e validar a proposta.»
Como já se afirmou noutro local[10], desde o início da vigência do CIRE que a elaboração do rateio permanecia uma tarefa da secretaria, com a possibilidade, introduzida pela Lei nº 16/2012 de 20 de abril, de o administrador da insolvência apresentar no processo uma proposta de distribuição e rateio que a secretaria fazia sua com a respetiva apreciação. É com a Lei nº 9/2022 que se altera radicalmente o modelo, passando a proposta de distribuição e rateio a ser apresentada obrigatoriamente pelo administrador da insolvência e a ser sempre apreciada pelo tribunal, após pronúncia da secretaria.
Uma das vantagens da nova redação do art.º 182º do CIRE foi a clarificação da ordem das operações relativas ao rateio:
1 – Encerramento da liquidação;
2 – Elaboração da conta pela secretaria;
3 – Prestação de contas pelo administrador da insolvência;
4 – Julgamento da prestação de contas;
5 – Fixação da remuneração variável;
6 – Apresentação da proposta de distribuição e rateio pelo administrador da insolvência;
7 – Publicação da proposta;
8 – Prazo de pronúncia da comissão de credores, se existir, e dos credores de 15 dias contados da data da publicação;
9 – Apreciação da secretaria;
10 – O juiz aprecia as impugnações dos credores e os requisitos de validação da proposta.
Se a proposta, no final deste percurso, for validada, a proposta transforma-se em mapa de rateio final.
O primeiro ponto a assinalar é de que, literalmente, o art.º 182º não exige, não prevê e claramente dispensa que a apresentação da proposta de distribuição e rateio seja notificada aos credores.
Nas versões anteriores do referido artigo, quando a elaboração do rateio pertencia à secretaria, nada se dispunha sobre a notificação do rateio final, pelo que se aplicavam as regras do CPC relativas às notificações (220º, nº 2 do CPC, aplicável ex vi  art.º 17º do CIRE), podendo os credores reclamar nos termos do art.º 157º nº5 do CPC, no prazo geral de dez dias (149º nº1 do CPC).
A versão aplicável nos autos, dada pela Lei nº 9/2022 de 11/01, introduziu uma regra que afasta aquele regime, à luz do disposto no art.º 17º do CIRE. Agora os credores podem pronunciar-se no prazo de 15 dias contados da data da publicação da proposta na área dos serviços digitais dos tribunais, ou seja, no portal citius.
Regulou-se a publicidade e determinou-se ser da realização desta que depende o início do prazo de pronúncia, nada havendo a notificar.
E nem se argumente que tal pode ser completamente inesperado ou demorar anos. O que efetivamente pode levar anos é o encerramento da liquidação. Mas a partir desse momento há uma sequência precisa de atos, legalmente previstos que vão aproximando o processo do rateio final, afinal o objetivo do mesmo, o ato do qual dependem os pagamentos aos credores.
Como resulta da matéria de facto provada, exatamente a sequência percorrida nos autos, tendo as várias fases sido notificadas à ora recorrente, que não podia desconhecer que o processo se encaminhava para o momento previsto no art.º 182º do CIRE.
A recorrente vai colocando este “dever de notificação” sempre em duas perspetivas, a perspetiva geral e abstrata, e a perspetiva concreta, na sua alegação por a situação dos autos, em relação a si, ser inédita.
Na perspetiva abstrata defende que “mesmo que se aceite a tese de que, nos termos do n.º 3 do artigo 182.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o senhor administrador não estava obrigado a notificar o recorrente do teor da proposta do rateio final, tal hipótese, a ser aceite, deverá valer para aquelas situações em que não há alteração entre os créditos já entregues/reconhecidos e o que vem a ser proposto em sede de rateio final.”
Como resulta do que já referimos, a inexigibilidade de notificação da proposta de distribuição e rateio nos termos do art.º 182º do CIRE não é uma tese, é o regime legal vigente.
Não há outra racionalidade para a existência de possibilidade legal de pronúncia sobre a proposta de distribuição e rateio que não a respetiva impugnação por não se encontrar devidamente elaborada, nomeadamente por não ter sido elaborada de acordo com a sentença[11] de verificação e graduação de créditos.
Ou seja, o regime que a recorrente pretende não aplicável (por não prever a notificação dos credores) tem por ratio precisamente a possibilidade de a proposta conter alterações aos créditos já reconhecidos ou graduados por sentença.
Que os rateios podem e devem, quando verificados os respetivos requisitos, determinar a obrigação de pagamento/devolução de valores aos credores, resulta, desde logo do regime legal da dispensa do depósito do preço – cfr. art.º 815º nº4 do CPC, aplicável ex vi art.º 165º do CIRE[12].
Assim, em sede abstrata, independentemente do teor da proposta de rateio, esta nunca é notificada, sendo sim objeto de publicação e contando-se o prazo de pronúncia sobre a mesma dessa publicação.
Trata-se, aliás, de esquema processual bastante usado no CIRE, desde a publicidade da sentença que declara a insolvência e início do prazo de reclamação de créditos, ao prazo para contestar as ações do art.º 146º do CIRE ou ao prazo para requerer o complemento da sentença decretada nos termos do art.º 39º do CIRE, só para dar alguns exemplos.
No plano concreto, defende a recorrente que existia a obrigação da sua notificação dado o inédito da situação de se ver obrigada a devolver dinheiro que havia recebido.
Entende, nesta perspetiva, que o Sr. Administrador da Insolvência violou os seus deveres previstos no art.º 12º do EAJ, por lhe competir a defesa dos interesses dos credores, em especial os seus. Mais defende, também no concreto, que dias antes da apresentação da proposta do rateio contactou o Sr. Administrador da Insolvência, tendo-se este remetido ao silêncio.
Entende ter o Sr. Administrador da Insolvência agido em abuso de direito por ter exigido de volta dinheiro que pagou à credora para que esta permitisse o distrate da hipoteca que incidia sobre bem apreendido e a vender (que não caducaria com a venda). Entende ter sido enganada, dado que só permitiu o distrate por lhe ter sido pago o que já então era devido, ou seja, capital, juros vencidos à data da reclamação e juros vencidos à data do distrate, sendo a atitude do Sr. Administrador da Insolvência na presente proposta contrária ao pagamento (superior) que então fez.
Começando pelo argumento da violação das regras do Estatuto, prescrevem os nºs 1 e 2 do art.º 12º da Lei nº 22/2013 de 26 de fevereiro, na sua atual redação (Estatuto do Administrador Judicial):
«1 - Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes.
2 - Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.»
Os administradores da insolvência como refere a recorrente, têm o dever de orientar a sua atividade, no caso de administração e liquidação da massa insolvente, para a maximização dos interesses dos credores. Mas não têm qualquer dever em relação a cada um dos credores, apenas em relação ao coletivo dos credores.
Diferentemente do alegado, os interesses de cada credor devem ser defendidos pelo próprio credor, como se verifica do facto de a reclamação de créditos ser considerada um ónus do credor[13].
Se o Sr. Administrador da Insolvência tivesse, como pretende a recorrente, notificado esta da proposta de rateio, porque se trata de credora hipotecária a quem foi já adiantado pagamento, teria violado, isso sim, o seu dever de independência e isenção, ao tratar de forma diferente um credor de outros, devido a circunstâncias não previstas como diferenciadoras de tratamento pela lei.
O mesmo se diga se o Sr. Administrador da Insolvência houvesse respondido à comunicação que lhe foi dirigida dias antes da apresentação da proposta de rateio com a informação sobre o teor da proposta a apresentar ou apresentada. Estaríamos ante tratamento discriminatório favorecendo um credor em relação a outros (dado que os demais teriam que consultar o portal para saberem se a proposta havia sido apresentada).
O abuso de direito alegado – e passando por cima do facto de o Sr. Administrador da Insolvência não estar a exercer qualquer direito – sempre passaria pela análise de matéria fora do objeto do recurso presente e que, na verdade, não teve qualquer intervenção do tribunal: o Sr. Administrador da Insolvência procedeu ao pagamento a este credor, no âmbito da liquidação do ativo, do montante negociado entre ambos, que não teve aval, autorização ou por qualquer forma deferimento ou indeferimento por parte do tribunal.
A liquidação é uma atribuição exclusiva do administrador da insolvência – arts. 55º e 158º.
Dado o seu impacto, importância e suscetibilidade de afetação de direitos trata-se de uma atividade bastante regulada e controlada.
Há limites substantivos objetivos à atividade de liquidação – os arts. 160º (bens de titularidade controversa), 161º (os atos de especial relevo), 162º (prioridade da venda da empresa como um todo) e 166º (desvalorização dos bens objeto de garantia real).
Há regras procedimentais relevantes: a total autonomia do administrador da insolvência na escolha da modalidade de venda (164º nº 1), a salvaguarda de alguns direitos dos credores com garantia real – 164º nºs 2, 3 e 4, o depósito do produto da liquidação (167º) e o prazo para a liquidação (169º), que deve ser conjugado com a obrigação de informação trimestral prevista no art.º 61º. Há uma proibição de natureza ética, nos termos do art.º 168º, cuja violação a lei considera quebra da relação de fidúcia com os interesses prosseguidos pelo processo.
Que intervenção tem o juiz nesta tarefa fundamental do administrador da insolvência? O juiz intervém a posteriori a requerimento dos legitimados interessados, ou conhecendo do pedido de anulação da venda, nos termos dos arts. 838º e ss. do CPC, aplicáveis ex vi art.º 17º do CIRE, com as devidas adaptações ou da arguição de ineficácia dos atos de liquidação.
Este desenho legal tem consequências claras: como se decidiu no Ac. TRE de 13/03/2025 (Cristina Dá Mesquita – 7471/22) “A liquidação no âmbito do processo de insolvência é da competência exclusiva do administrador da insolvência, nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do CIRE e artigo 2.º/1, do Estatuto do Administrador da Insolvência; logo, o despacho judicial em que se ordena ao administrador da insolvência que diligencie pela venda da verba única da massa insolvente pela proposta de valor mais elevado inclusive, já depois de o administrador da insolvência ter aceite a proposta apresentada por um outro proponente é ilegal na medida em que o julgador extravasou os seus poderes no âmbito da liquidação, não lhe cabendo, de todo, dar ordens ao administrador da insolvência sobre o modo de proceder no que respeita à dita conversão dos bens da massa insolvente em quantias pecuniárias.”
Não pode, assim, o tribunal censurar um procedimento de liquidação, nem afastar a regra geral de que o rateio deve ser elaborado de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos e não de acordo com as eventuais entregas monetárias que tenham ocorrido nos autos. Essas entregas devem ser tidas em conta no rateio e não limitar o mesmo.
Argumenta a recorrente que a interpretação do art.º 182º nº 3 do CIRE “se interpretado no sentido de que, num caso em que, tendo sido entregue ao credor hipotecário, no momento da venda judicial e inerente emissão do distrate, o montante máximo assegurado pela hipoteca, o senhor administrador pode, em sede de rateio final, reconhecer um crédito inferior, do qual resulte um retrocesso no crédito que obrigue o credor hipotecário a devolver parte da quantia recebida no momento do distrate (por maioria de razão quando o senhor administrador não notifica o credor da sua proposta de rateio e quando esse credor toma a iniciativa de questionar o senhor administrador sem obter resposta)” será inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.
Apreciando:
Estabelece o nº 1 do artigo 18º da CRP que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. O nº 2 estabelece como regra para a restrição de direitos, liberdades e garantias que «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.»
Este nº2, na sua parte final consagra o denominado princípio da proporcionalidade que, de acordo com os melhores ensinamentos, se desdobra em três vetores ou subprincípios: necessidade, adequação e racionalidade[14].
O princípio da proporcionalidade é um dos pressupostos da restrição dos direitos fundamentais cuja aplicação no caso concreto demanda, antes de mais, da identificação e delimitação dos direitos fundamentais em causa.
O processo de insolvência “é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.” – cfr. art.º 1º nº1 do CIRE.
O processo de insolvência, resulta com clareza desta regra e das demais (regime supletivo de liquidação, o facto de o plano de insolvência poder ter conteúdo de liquidação, a possibilidade de liquidação da empresa como um todo, etc.) “tem sempre como finalidade a satisfação dos credores e que essa finalidade norteia todo o processo.”[15], na medida do possível, já que por definição estaremos numa situação de quebra ou da sua iminência ou proximidade[16].
Constitucionalmente podemos identificar no funcionamento do instituto a proteção do direito de propriedade, relativamente aos credores, no caso instrumental da liberdade de iniciativa económica privada daqueles.
O que é contraposto pela recorrente é o seu particular direito de propriedade a um crédito a que entende ter direito por inteiro.
O direito à propriedade privada, o direito dos credores a proteger, é um direito económico, previsto no art.º 62º da CRP, considerado um direito fundamental de natureza análoga, ao qual se aplica o regime dos direitos, liberdades e garantias, nos termos do art.º 17º da CRP[17].
No fundo o que se contrapõe é o interesse comum dos credores e do devedor ao interesse particular de um dos credores, que entende que deve ser postergado, devido aos seus interesses, o princípio da segurança jurídica.
Muito sinteticamente, o princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso desdobra-se nos subprincípios da necessidade (ou indispensabilidade, ou do meio menos restritivo), da adequação (idoneidade ou aptidão) e da proporcionalidade em sentido estrito, a que se pode acrescentar um quarto, o controlo da razoabilidade.
A necessidade exige que as medidas restritivas previstas na lei sejam as medidas a aplicar porque os fins visados na lei não podiam ser obtidos por outro modo menos oneroso para os direitos liberdades e garantias; a adequação implica que a providência é adequada ao objetivo e fim visados pela norma; e a proporcionalidade em sentido estrito significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos se devem posicionar em “justa medida”, avaliados quantitativa e qualitativamente.
Jorge Reis Novais[18] acrescenta à tripartição clássica e especificamente ao controlo de proporcionalidade, o controlo de razoabilidade esclarecendo que o controlo de proporcionalidade é um controlo por comparação – apuramento de excesso ou desproporção entre os benefícios pretendidos e os sacrifícios impostos, enquanto que o controlo da razoabilidade “tem a ver exclusivamente com a valoração do estado ou da situação em que ficam os particulares após a imposição de medidas restritivas, sendo essa avaliação finalisticamente orientada ao apuramento de eventual existência de um resultado desrazoável à luz dos critérios próprios de uma sociedade aberta de Estado de Direito.”
A posição assumida pela recorrente estriba-se nos seguintes argumentos: entende ter direito ao crédito que reclamou incluindo juros vincendos; não teria distratado a hipoteca se o montante entendido então como integralmente devido não lhe fosse pago; a exigência de devolução de montante que já lhe foi pago e que entende ser-lhe devido é um retrocesso, em especial se não precedido de notificação pessoal.
Ora bem, sendo a regra legal a de que o rateio é efetuado de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos, nenhum excesso ou desproporcionalidade se pode assinalar à obrigação resultante do mapa de rateio de entrega de dinheiro por um dos credores quando:
a) este mesmo credor teve oportunidade de influir no conteúdo dessa sentença:
i) impugnando a lista;
ii) recorrendo da sentença;
não o tendo feito, teve ainda a hipótese de, no prazo previsto no nº 3 do art.º 182º do CIRE impugnar esse mesmo mapa de rateio, não o tendo feito.
Subsumindo, a regra que permite que o mapa de rateio se torne efetivo após o decurso do prazo concedido a todos os interessados e a avaliação do juiz é a forma menos onerosa de atingir os interesses previstos por lei para o processo de insolvência, é a forma adequada aos fins de repartição do produto da massa insolvente pelos credores do insolvente e não implica para a aqui recorrente um sacrifício desrazoável ou excessivo, dado que teve oportunidade de reclamar os seus créditos e corrigir um eventual inadequado reconhecimento, verificação e/ou graduação dos mesmos.
Não consideramos, assim, que a aplicação da regra do nº 3 do art.º 182º do CIRE gere, no caso concreto, qualquer violação do princípio da proporcionalidade.
Alega, ainda, a recorrente, que à data da submissão do requerimento não se encontrava junto aos autos o comprovativo da publicidade da proposta no portal citius.
Mais alega que, pese embora conste do processo eletrónico a junção do comprovativo a 07/11/24, tal não corresponde à verdade, porquanto o despacho recorrido, proferido posteriormente, reconheceu a não junção de tal comprovativo.
Entende tratar-se de uma ilegalidade e que a junção de tal comprovativo depois de 4 de dezembro com data de 7 de novembro demonstra a necessidade de cumprimento da formalidade de junção aos autos.
Daqui conclui ter sido omitida uma formalidade com as consequências previstas no art.º 195º nº 1 do CPC.
Apreciando começaremos por esclarecer que o que é sugerido nas alegações de recurso – a prática de ato numa data posterior à sua inserção no citius – não é possível.  A data indicada pelo sistema é inserida pelo próprio sistema, não sendo manipulável.
O comprovativo não foi, efetivamente, junto senão em 07/11/2024, ou seja, depois da formulação do requerimento pela ora recorrente.
Mas lido e relido o despacho recorrido, não se retira daquele qualquer reconhecimento de que, em 04/12/24, data em que foi proferido, não se encontrava já junto.
A frase, “Compulsados os autos constata-se que efectivamente não foi junto aos autos o comprovativo da publicação.” refere-se à informação lavrada pela secção ao abrir conclusão, em 11/11/2024, ou seja, reconhece que o comprovativo não foi junto antes da apreciação da secretaria.
De facto, ao abrir conclusão em 11/11/2024 a secretaria informou “que efectivamente não foi junto aos autos o comprovativo da publicação, que é junto pela secretaria e ora junto, …” (sublinhado nosso).
Uma vez que, nos termos do nº4 do art.º 182º do CIRE a secretaria apenas faz a apreciação decorridos 15 dias sobre a data a da publicação, a informação reconhece que o comprovativo não havia sido junto, mas que o prazo havia decorrido, o que se podia confirmar pela mera consulta do portal.
Mas na verdade o despacho recorrido não se deteve na especificação da data em que o comprovativo foi junto aos autos dada a irrelevância desse dado porque, como consta da lei, o prazo de impugnação conta-se da publicação da proposta e não da junção aos autos do comprovativo da publicação da proposta.
O tribunal recorrido, embora sumariamente, apreciou essa questão e considerou não ocorrer qualquer nulidade ou omissão praticadas pelo administrador da insolvência ou pela secretaria.
Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 195º do CPC, «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.»
No caso a recorrente entende que não tendo sido junto aos autos o comprovativo da publicação da proposta de distribuição e rateio, foi omitida uma formalidade prescrita por lei.
Sucede que a lei não prescreve nem menciona, sequer, a junção do comprovativo da publicação aos autos. Na verdade, o portal é de acesso universal e qualquer interessado pode ali, mediante a mera introdução do nº do processo ou número fiscal do devedor, ser informado das publicações efetuadas num determinado processo.
O que a lei menciona, tal como em procedimentos semelhantes, é expressamente que o prazo de impugnação se inicia da data da publicação e não da data da junção aos autos do comprovativo da publicação.
Não se trata, nestes termos, de uma formalidade prescrita por lei. É obviamente uma diligência útil, nomeadamente para a secretaria e magistrados, mas sem valor de formalidade essencial.
Acresce que, não sendo sequer uma formalidade prevista por lei, não se encontra legalmente cominada com nulidade a respetiva omissão, e seguramente não influi no exame ou decisão da causa dado que os interessados podem e devem consultar a publicação para poderem exercer os seus direitos.
Diferentemente do alegado, a nova redação do art.º 182º do CIRE não passou para os credores o ónus de consultarem os processos com vista a aferir se já foi apresentado e publicado o mapa de rateio. O ónus que recai sobre os credores é o de consultarem o portal citius para aferirem se já foi publicada a proposta de distribuição e rateio final.
O juízo de inexistência de nulidade formulado pelo tribunal está, assim, correto.
Como argumento final, a recorrente, entendendo que o caso peculiar concreto sempre imporia uma notificação, entende estarmos ante uma decisão surpresa, tendo sido violado o disposto no artigo 3º nº 3 do CPC.
Como foi já referido, a apresentação de proposta de rateio final surge numa sequência de atos perfeitamente especificados por lei e que, no caso concreto foram seguidos, o que torna a própria apresentação da proposta expectável, na sequência processual. Já o conteúdo da proposta, o que na visão da recorrente, a surpreendeu, é um conteúdo possível da mesma, como também já foi referido, havendo forma e prazo de reação à mesma, se considerada formulada fora dos requisitos legais previstos, que no caso decorreu integralmente sem qualquer pronúncia, nomeadamente da ora recorrente.
Não estamos, assim, perante uma decisão surpresa, não tendo sido violado o disposto no art.º 3º do CPC, dado que se aguardou integralmente o prazo previsto no nº 3 do art.º 182º do CIRE antes de serem emitidos parecer da secretaria e decisão do juiz nos termos do nº4 do art.º 182º do CIRE.
Não sabemos – não resulta dos autos – se a aqui recorrente reclamou os juros vincendos, na sua reclamação de créditos. Mas se o fez deveria ter impugnado a lista prevista no art.º 129º do CIRE, na qual tais juros não constam por qualquer forma contemplados. Não tendo havido qualquer impugnação, nos termos da lei, a sentença verificou e graduou os créditos como reconhecidos, ou seja, um montante certo contemplando o capital e juros reclamados.
Tal sentença transitou em julgado e o mapa de rateio não poderia contemplar mais créditos a satisfazer ao credor que os que foram verificados e graduados por sentença, o que fez.
Ou seja, era ao credor que cumpria verificar a correção da verificação e graduação de créditos, exercendo os direitos que lhe são reconhecidos por lei. Não o tendo feito, não pode agora, por via da arguição da nulidade de uma proposta de rateio formulada de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos, pretender sanar a sua conduta omissiva.
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A presente apelação improcede, assim, integralmente.
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Não são devidas custas na presente instância recursiva, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil [19].
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Sem custas na presente instância recursiva.
Notifique.
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Lisboa, 29 de abril de 2024
Fátima Reis Silva
Isabel Fonseca
Amélia Sofia Rebelo
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[1] Em Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, pg. 371.
[2] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pg. 738.
[3] Rui Pinto, local citado, pg. 26.
[4] Que ali denominou mapa de rateio.
[5] O prazo de 15 dias terminou no dia 24/10/2024 e o 3º dia útil subsequente ocorreu no dia 29/10/2024.
[6] Diploma a que se referirão todas as indicações sem identificação de proveniência ao longo do texto.
[7] Cfr. Lebre de Freitas em Apreensão, restituição, separação e venda de bens no processo de falência, in: RFDUL. Vol. XXXVI, n.2, 1995, pg. 373, Maria do Rosário, Epifânio em Manual de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2012, pg. 13, Catarina Serra em A falência no quadro jurisdicional dos direitos de crédito – o problema da natureza jurídica do processo de liquidação aplicável à insolvência no direito português, Coimbra Editora, 2009, pg. 72, Gisela César em Os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa em curso, Almedina, 205, pg. 38, entre outros.
[8] Por exemplo, a remissão relativa ao limite de testemunhas constante do nº2 do art.º 25º do CIRE, a remissão do nº5 do art.º 35º do CIRE para o art.º 596º do CPC ou a remissão para os termos do processo comum constantes do art.º 148º, também do CIRE.
[9] Como, por exemplo, a regra do art.º 163º do CIRE.
[10] Em Otimizar a obtenção de liquidez no processo de insolvência, Revista de Direito da Insolvência, nº7, 2023, pg. 72.
[11] Ou com as sentenças, dado que a ora vigente obrigatoriedade de verificação e graduação provisórias dos créditos em litigio pode originar várias decisões definitivas de verificação e graduação em relação a créditos diversos.
[12] E veja-se, entre outros o Ac. TRL de 21/03/2023, relatado pela signatária, no processo nº 317/13.4TYLSB-S.L1-1.
[13] Neste sentido, entre outros, Catarina Serra, Lições…, pgs. 327 e ss.
[14] Ver Jorge Miranda e Rui Medeiros, em Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pgs. 162 e 163 e Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa
Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pgs. 392 e ss.
[15] Alexandre Soveral Martins em Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, 4ª edição, Almedina 2022, pg. 50.
[16] Como referem João Labareda e Carvalho Fernandes em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, pg. 71.
[17]  Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira, local citado, pg. 174, bem como Jorge Miranda e Rui Medeiros, local citado, pg. 145.
[18] Em Princípios Estruturantes de Estado de Direito, Almedina, 2021, pg. 129.
[19] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.