PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
ATO TÁCITO DE DEFERIMENTO
INDEFERIMENTO
NÃO PRONÚNCIA EM AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário

I - Invocando-se em juízo a formação de ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário, deve o Tribunal, por razões de certeza e segurança jurídica, diligenciar pela respetiva confirmação junto dos serviços da Segurança Social.
II - O ato tácito, enquanto ato administrativo não voluntário, pode ser revogado, alterado ou substituído e, em regra, não se sobrepõe à concreta (expressa) decisão da Segurança Social, que pode vir a ser de indeferimento do benefício pretendido.
III - Esse eventual indeferimento, depois de decorrido o prazo que conduzia ao deferimento tácito, pode traduzir-se num ato administrativo anulável, mas não num ato administrativo nulo.
IV - A sua impugnação terá de acontecer nos termos previstos nos artigos 27 e 28 da Lei n.º 34/2004.
V - Se a parte foi notificada pela Segurança Social para efeitos de audiência prévia, e não se pronuncia no prazo que lhe foi concedido, a decisão proposta torna-se definitiva e não há lugar a nova notificação.
VI – Nesse circunstancialismo, não pode a parte pretender uma (nova) notificação do Tribunal ou da Segurança Social, com vista ao pagamento da taxa de justiça omitida aquando da apresentação da sua petição inicial.

(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Processo n.º 569/23.1T8AND.P1

Recorrente – AA

Recorrida – A..., Sociedade Unipessoal, Lda.

Relator – José Eusébio Almeida

Adjuntos – Jorge Martins Ribeiro e Teresa Pinto da Silva

Acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

AA veio intentar, a 21.12.23, contra A..., Sociedade Unipessoal, Lda. a presente ação declarativa comum, e pediu, a final: “a) Ser a Ré condenada a pagar à Autora o montante de €10.000,00, correspondente à devolução, em dobro, do sinal pago, por incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda, e na sequencia da resolução do contrato; b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora o montante de €2.500,00, por danos não patrimoniais; c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora o montante que se vier a apurar em incidente de liquidação de sentença, por danos patrimoniais; d) Ser a Ré condenada a pagar os juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento; e) Ser a Ré condenada a pagar as custas e encargos do processo”.

Para tanto, veio alegar, em síntese, que celebrou com a ré, a 10.01.23, um contrato promessa de compra e venda, tendo por objeto o prédio que identifica. Dá conta do sinal pago e de não ter sido possível outorgar a escritura de compra e venda, porquanto a promitente-vendedora não havia reunido a documentação necessária. Foi feito um aditamento ao contrato promessa, mas a escritura definitiva voltou a não poder ser realizada, por exclusiva culpa da ré, conforme sustenta.

No final da sua petição, a autora atribuiu o valor de 12.500,00€ à presente causa e acusou a junção de 24 “documentos, Procuração forense e comprovativo do deferimento tácito de apoio judiciário”. A este – assim considerado – comprovativo refere-se a cópia do email junto a fls. 589 do processo eletrónico (p.e.), datado de 21 de dezembro de 2023, dirigido pela Exma. Mandatária da autora ao “cdssaveiro”, sob o assunto “deferimento tácito de pedido de apoio judiciário – NISS ...27 – AA” e com o seguinte teor: “(...) Sou pela presente a comunicar a V. Exas. Que, nos termos do artigo 25.º da lei 34/2004 de 24 de julho com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007 de 28 de agosto) informámos, nesta data, os autos que correm termos da formação de ato tácito de deferimento de proteção jurídica, apresentado pela requerente NISS ...27 – AA junto dos competentes Serviços de Segurança Social, conforme comprovativo que se anexa”.

A 22.12.23, conforme fls. 427 do p.e., o tribunal solicitou ao Centro Distrital de Segurança Social (...) informação sobre “qual a decisão que recaiu sobre o pedido de Apoio Judiciário n.º ...27” e a 22.01.24, formulou ao mesmo Centro novo pedido: “Por ordem do Meritíssimo Juiz de Direito e a fim de se instruírem os autos acima referidos, solicito a V.ª Exa se digne providenciar no sentido de serem prestadas a este Tribunal, relativamente a Autor: AA, estado civil: Solteiro, NIF - ...10, NISS -...27 domicílio: Rua ..., ..., ..., ... ... - ... as seguintes informações: Se foi concedido o Benefício de Apoio Judiciário solicitado.”.

A 2.02.24, a autora veio requerer aos autos: “1. A Autora intentou a presente ação declarativa em 21/12/2023 e, não só alegou como demonstrou estar o apoio judiciário, por si requerido oportunamente na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, deferida tacitamente, 2. Acontece que até à data atual ainda a secretaria não procedeu às diligencias de citação da Ré; 3. O que, salvo o devido respeito, não só contraria a lei, como prejudica a A., que tem direito a uma justiça célere e eficaz.

Pelo exposto, requer a V.ª Ex.ª se digne dar como tacitamente deferido o apoio judiciário, e mandar proceder á citação da Ré, para, querendo, contestar”.

A 9.02.24 foi aberta conclusão, mas, de seguida, junto o email da Segurança social, datado de 20.02.24 (fls. 422 do p.e.) com o seguinte teor: “Em resposta ao V/Ofício, informa-se V. Ex.ª que o pedido de proteção jurídica, acima mencionado, formulado pelo requerente AA, encontra-se em análise, não tendo ainda sido proferida decisão final. Mais se informa que foi efetuada audiência prévia, com proposta de indeferimento, concedendo à(ao) requerente prazo de resposta de 10 dias úteis, estando este ainda em prazo para a resposta. Assim que for proferida decisão, dela daremos conhecimento a este Ilustre Tribunal”.

A 22.02.24, a autora apresentou novo requerimento, pretendendo que, “Face ao exposto, e atento estar tacitamente deferido o apoio judiciaìrio, requer a V.ª Ex.ª se digne a mandar proceder aÌ citaçaÞo da Reì, para, querendo, contestar”.

Nesse requerimento, a autora veio, em síntese, sustentar:

- No pretérito dia 21 de dezembro, intentou ação declarativa, juntando comprovativo de deferimento tácito de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, mas, até à presente data, a secretaria ainda não procedeu às diligencias de citação.

- Ora, face à falta de citação da ré, veio a autora juntar requerimento, alegando, em síntese, que a autora ao intentar a presente ação, não só alegou como demonstrou estar o apoio judiciário, por si requerido oportunamente, deferido tacitamente, pelo que requereu ao tribunal que desse como tacitamente deferido o apoio judiciário, e consequentemente, mandasse proceder à citação da ré, para, querendo, contestar.

- Ademais, a ação de condenação foi intentada em dezembro, não obstante, o Instituto de Segurança Social I.P. só veio pronunciar-se relativamente ao pedido de proteção jurídica, volvidos dois messes, não obstante a secretaria ter notificado (?!) o ISS, I.P logo após a entrada da ação, o que, salvo melhor entendimento, não deveria ter feito, pois demonstrado estava o deferimento tácito.

- Veio agora o Instituto da Segurança Social, I.P, “informar” que o pedido formulado pela autora, se encontra em análise, não tendo ainda sido proferida decisão final, mais informando que está em curso a fase de audiência prévia. Acontece que, o prazo de audiência prévia previsto no artigo 23.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, não é compatível com o deferimento tácito que a autora, oportunamente, invocou em dezembro de 2023: A autora submeteu o requerimento de proteção no pretérito mês de setembro de 2023 e o prazo para a conclusão do procedimento administrativo é de 30 dias – artigo 25, n.ºs. 1 e 2 da Lei do Apoio Judiciário.

- A Segurança Social não proferiu decisão durante o prazo fixado, pelo que o pedido de apoio judiciário foi tacitamente deferido, não havendo qualquer dúvida a este respeito. Acresce que a autora, em respeito pelo estatuído no n.º 3 do artigo 25 da Lei do Apoio Judiciário, comunicou aos presentes autos, e à Segurança Social a formação do ato tácito de deferimento do pedido, pelo que é desprovido de sentido que o I.S.S. venha, agora, comunicar que se encontra a decorrer a fase de audiência prévia, porquanto esta fase apenas tem lugar nos casos em que está proposta uma decisão de indeferimento, total ou parcial, do pedido de proteção jurídica, o que não se aplica aos autos, pois houve um evidente deferimento tácito do pedido formulado pela autora.

- Se não fosse este o entendimento, então não faria sentido a Lei prever o deferimento tácito. Aliás, o deferimento tácito de apoio judiciário verificado, não pode ser revogado por decisão de revogação do deferimento tácito proferida a posteriori pela Segurança Social, por esvaziar de conteúdo o disposto no artigo 25 da Lei n.º 34/2004, pois a revogação do deferimento tácito é um ato administrativo inexistente, pois o Instituto de Segurança Social não pode revogar um ato oriundo do deferimento tácito, previsto por lei, até mesmo em respeito pelo princípio da separação de poderes.

A 18.03.24, a autora voltou a apresentar um novo requerimento, terminando por sustentar que “atento estar tacitamente deferido o apoio judiciário, deve a Ré ser citada, para, querendo, contestar, O QUE EXPRESSAMENTE SE REQUER”.

No aludido requerimento, a autora, em síntese, veio alegar:

- No passado dia 22 de fevereiro veio juntar requerimento, alegando, fundamentadamente, que o apoio judiciário estava tacitamente deferido e, por esse motivo requereu a citação da ré, mas até à presente data, a secretaria ainda não procedeu às diligencias de citação, o que não se compreende.

- Na petição, a autora não só alegou, como demonstrou estar o apoio judiciário, por si requerido deferido tacitamente: submeteu o requerimento de proteção jurídica no mês de setembro de 2023, mas a Segurança Social só veio pronunciar-se volvidos dois meses, não obstante a secretaria a ter notificado logo após a entrada da presente acção!

- Como já referiu, o prazo de audiência prévia não é compatível com o deferimento tácito que a autora invocou em dezembro de 2023, uma vez que esta fase apenas tem lugar nos casos em que está proposta uma decisão de indeferimento, total ou parcial, do pedido.

- O ato tácito de deferimento pressupõe a verificação de alguns pressupostos, designadamente, a iniciativa particular, ou seja, que o órgão da Administração competente seja solicitado por um interessado a pronunciar-se num caso concreto (artigo 130, n.º 1, do CPA); que o órgão tenha, sobre a matéria em causa, o dever legal de decidir através de um ato administrativo (artigo 13.º do CPA); que o particular não tenha sido notificado da decisão final sobre a pretensão que dirigiu à Administração até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo para a decisão (CPA, artigos 128 e 130, n.ºs 2 e 3) e que a lei atribua ao silêncio da Administração, decorrido dado prazo, o significado jurídico de deferimento.

- No artigo 25 da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, encontra-se um dos casos de deferimento tácito, estabelecendo-se aí que, decorrido o prazo de 30 dias (contínuo) para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica, sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica, sendo suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito.

- Tendo mencionado a autora a formação do ato, e não tendo o ISS logrado provar que decidiu e notificou, atempadamente, a decisão à autora, significa que está deferido o apoio judiciário na modalidade requerida.

- O deferimento tácito forma-se com o decurso do respetivo prazo e é para ser levado muito a sério, não podendo a segurança social, ulteriormente, pronunciar-se sobre o requerimento de apoio como se não o tivesse feito antes, tacitamente. Além do mais, atento o disposto no n.º 4 do artigo 25, o tribunal deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do ato tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis.

- Os atos tácitos estão sujeitos ao regime dos atos constitutivos de direitos, apenas podendo ser objeto de decisão revogatória se se verificarem os respetivos pressupostos legais, constantes do artigo 167 do CPA, o que não se aplica no presente caso.

- A concessão de apoio judiciário por deferimento tácito não foi alvo de cancelamento, nem havia fundamento para o ser e a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário que revoga o benefício tacitamente concedido, sem que se verifique qualquer das situações tipificadas na lei como pressuposto da revogação ou cancelamento do benefício, é uma ilegalidade, sendo, aliás, a revogação do deferimento tácito um ato administrativo inexistente. Neste sentido, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.12.2023, proferido no processo n.º 6113/19.8T8LRS-B.L1-2, disponível em dgsi, que acompanhamos.

A 1.04.24 foi proferida decisão que indeferiu liminarmente a petição inicial. Tal decisão, objeto do presente recurso, é do seguinte teor:

AA, melhor identificada nos autos, instaurou a presente ação (...) sem ter junto aos autos documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou documento comprovativo da concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo. Apenas juntou aos autos documento comprovativo do pedido de apoio judiciário. Ora, dispõe o artigo 552.º n.º 7 do CPCivil que “o autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.

Por outro lado, segundo o art. 558.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, constitui fundamento de rejeição da petição inicial, entre outros, a falta de comprovação do pagamento prévio da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário. Ressalva-se a situação do n.º 9 do referido artigo 552.º, que se destina a regular situações de urgência, mas não tem qualquer aplicação no caso em apreciação e porque, mesmo nesses casos de urgência, não é dispensada a comprovação de que o pedido de apoio judiciário foi efetuado. Em conclusão, o pagamento da taxa de justiça ou a concessão de apoio judiciário é indispensável, no caso dos autos, para garantir a regularidade da apresentação da petição inicial, sob pena de decisão de rejeição desta pela secretaria ou, caso intervenha despacho judicial, de decisão de indeferimento liminar (arts. 558.º, n.º 1, al. f), e 590.º, n.º 1, do CPCivil).

É certo que, nos termos do art. 560.º do CPCivil existem vícios que podem ser corrigidos mediante a apresentação, no mesmo processo, de outra petição inicial ou junção do documento em falta. Todavia, um dos requisitos expressamente impostos para o efeito é que “a parte não esteja patrocinada”, o que, como se disse, não ocorre com o A..

Pelo exposto, indefere-se liminarmente a petição inicial, ao abrigo do disposto no art. 590, n.º 1, do CPCivil, condenando o A. nas custas do incidente a que deram causa, que se fixam em 0,5 UC, nos termos do artigo 7.º, n.º 4, do RCProcessuais”.

II – Do Recurso

Inconformada com a decisão de indeferimento liminar, a autora, a 17.04.24, veio apelar. Sustenta que o recurso deve ser “procedente, anulando-se a decisão recorrida, dando-se como concedido tacitamente o benefício de proteção jurídica nas modalidades requeridas, admitindo-se a petição inicial, procedendo-se à citação da Ré, e seguindo-se os ulteriores termos”. Para tanto, apresenta as seguintes Conclusões:

1 - A sentença recorrida indefere liminarmente a petição inicial por entender que a autora não procedeu à comprovação do pagamento prévio da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário, todavia, a recorrente juntou aos autos comprovativo de deferimento tácito de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

2 - Iniciada a instância com a propositura da acção, veio a secretaria do tribunal solicitar esclarecimentos à Segurança Social relativamente à decisão que recaiu sobre o pedido de Apoio Judiciário requerido, ao qual a Segurança Social ... apenas respondeu volvidos 2 meses, informando que “o pedido de proteção jurídica, acima mencionado, formulado pelo requerente AA, encontra-se em análise, não tendo ainda sido proferida decisão final.”

3 - Posteriormente ao ofício da Segurança Social ..., o tribunal, nada fez, mantendo-se, portanto, a falta de citação da ré. No uso do seu direito ao contraditório, a recorrente invocou os motivos pelos quais entendia haver deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, todavia, o tribunal recorrido não respondeu aos requerimentos da recorrente, limitando-se ao invés, e passados quatro meses desde a propositura da ação, a proferir despacho de indeferimento liminar da petição inicial ao abrigo do artigo 590, n.º 1 do CPC.

4 - Salvo o devido respeito, o tribunal não usou de fundamentos suficientes para indeferir liminarmente a petição inicial, tendo, assim, com a sua decisão de 1.04.2024, violado os normativos 552, n.º 7, 558, n.º 1, alínea f) e 590, n.º 1, todos do CPC, bem como violou os artigos 23, 25, n.ºs 1, 2, 3 e 4 e 29, n.º 5, alínea a) da Lei 34/2004, de 29 de julho, doravante designada por LAD.

5 - Por outro lado, ocorre nulidade do despacho recorrido, por falta de fundamentação, vício resultante das disposições conjugadas dos artigos 154, n.º 1, 607 n.º 2 a 4 e 615 n.º 1, al. d) e 4, todos do CPC;

6 - Concretizando, no passado dia 21 de dezembro de 2023, veio a recorrente intentar ação judicial contra A..., Sociedade Unipessoal, Lda., tendo junto, para o efeito, comprovativo de deferimento tácito de apoio judiciário, ou seja, não só alegou, como demonstrou estar o apoio judiciário, por si requerido oportunamente, deferido tacitamente.

7 - Diga-se, aliás, que a recorrente submeteu o requerimento de proteção jurídica junto dos serviços da Segurança Social no passado mês de setembro de 2023.

8 - Não obstante, iniciada a instância, a secretaria do tribunal, ao invés de proceder à citação da ré, oficiou à Segurança Social sobre a decisão dada ao pedido de apoio judiciário, sendo que o Instituto de Segurança Social I.P. só veio pronunciar-se relativamente ao pedido de proteção jurídica, volvidos dois meses, em 20 de fevereiro do presente ano.

9 - Adiante, veio o Instituto da Segurança Social, I.P, centro distrital de ..., aos autos “informar” que o pedido de proteção jurídica, formulado pela recorrente, se encontrava em análise, esclarecendo que ainda não tinha sido proferida decisão final, mais informando que estava em curso a fase de audiência prévia.

10 - O prazo de audiência prévia previsto no artigo 23 da LAD não é compatível com o deferimento tácito que a recorrente invocou, uma vez que esta fase apenas tem lugar nos casos em que está proposta uma decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica.

11 - No artigo 25 da LAD, encontra-se um dos casos de deferimento tácito existentes no nosso ordenamento jurídico, estabelecendo-se aí que, decorrido o prazo de 30 dias (contínuo) para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica, sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica, sendo suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito.

12 – A recorrente mencionou a formação do ato, e não tendo o ISS, I.P logrado provar que decidiu e notificou, atempadamente, a decisão à recorrente, significa que foi deferido o apoio judiciário na modalidade requerida pela ali autora.

13 - Para além disso, atento o artigo 25, n.º 5 da LAD, a segurança social tem o dever de disponibilizar a informação de forma desmaterializada e em tempo real sobre a formação de atos tácitos, ou, "se isso não for possível" de enviar informação relativa ao pedido de proteção jurídica tacitamente deferido ao tribunal em que a ação se encontra.

14 - Esta é, sem dúvida, mais uma norma que evidencia que o deferimento tácito da LAD se forma com o decurso do respetivo prazo e é para ser levado muito a sério, não podendo a segurança social, ulteriormente, pronunciar-se sobre o requerimento de apoio como se não o tivesse feito antes, tacitamente.

15 - Diga-se que, a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário que revoga o benefício tacitamente concedido, sem que se verifique qualquer das situações tipificadas na lei como pressuposto da revogação ou cancelamento do benefício, é uma ilegalidade.

16 - Mais se diga que, se o próprio legislador não referiu expressamente essa possibilidade na lei, não pode a Segurança Social realizar uma interpretação demasiado abrangente do espírito da lei, para corrigir uma ilegalidade (de não se pronunciar dentro do prazo estabelecido na lei) que a legislação comina justamente com o deferimento tácito da pretensão do particular.

17 - Perante a inércia e silêncio do tribunal e, consequente falta de citação, a recorrente juntou aos autos dois requerimentos, nos dias 22.02.24 e 18.03.24, explicando as suas motivações para a ré ser citada, contudo, o tribunal recorrido não se pronunciou, em momento algum, relativamente ao teor de tais requerimentos.

18 - A fundamentação apresentada pelo tribunal para indeferir liminarmente a petição inicial é, sem sombra de dúvidas, e com o devido respeito, parca e deficitária, porquanto não se pronunciou, de todo, relativamente à questão do deferimento tácito do pedido de apoio judiciário requerido, tempestivamente, pela recorrente, havendo por isso uma clara inexistência de fundamentação.

19 - Além da falta de fundamentação do despacho recorrido, a verdade é que o tribunal recorrido não tinha o poder de considerar, sem mais, válida a parca informação prestada pela Segurança Social, pois atento o teor do artigo 25, n.º 4 da LAD, o tribunal tem o dever de confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do ato tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis.

20 - Ainda que o tribunal considerasse que não tinha ocorrido a formação de ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário, o que por mero dever de raciocínio jurídico se aduz, a verdade é que ao invés de proferir despacho de indeferimento liminar, o tribunal recorrido deveria ter suspendido o prazo para proceder ao pagamento da taxa de justiça: “No caso de não ser ainda conhecida a decisão do serviço de segurança social competente, fica suspenso o prazo para proceder ao respetivo pagamento até que tal decisão seja comunicada ao requerente”, conforme resulta do artigo 29, n.º 5 alínea a) da LAD.

21 - Não tendo demonstrando o ISS, IP a produção do ato expresso e definitivo e da sua notificação atempada, tinha o tribunal de oficiar ao ISS para que este informasse e provasse a decisão expressa e a sua notificação atempada à recorrente.

22 - Sublinhe-se que, dos autos não consta qualquer prova da notificação da recorrente da decisão de indeferimento de apoio judiciário, nem tão pouco qualquer comunicação da Segurança Social nesse sentido.

23 - Com efeito, não podia de todo, e sem mais, o tribunal recorrido ter indeferido liminarmente a petição inicial, porquanto caso considerasse não haver deferimento tácito do pedido de apoio judiciário deveria, no mínimo, ter suspendido o prazo para proceder ao respetivo pagamento até que a decisão definitiva fosse, efetivamente, comunicada à requerente, o que não fez.

Entretanto, por email datado de 24.05.24 (fls. 378 do p.e.) a Segurança Social comunicou ao processo: “Serve a presente para informar V. Ex.ª que, na sequência do requerimento de proteção jurídica, formulado, pelo(a) requerente foi efetuada audiência prévia, com proposta de indeferimento, dispondo o(a) requerente do prazo de 10 (dez) dias úteis para se pronunciar. Nesta sequência, e não tendo o(a) requerente apresentado resposta em prazo, vem notificar-se V. Ex.ª, nos termos do art. 26.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, que o pedido foi INDEFERIDO, sem resposta após decorrido prazo legal, em 06/01/2024, nos termos do art. 8.º-B, n.º 3 e 4, e art. 23.º, n.º 2, da referida Lei, convertendo-se aquela proposta de decisão em indeferimento definitivo do pedido no 1.º dia útil seguinte ao termo do respetivo prazo de resposta. Mais se informa V. Ex.ª que a referida decisão não foi objeto de impugnação”.

Por despacho de 28.05.24, foi referido (relativamente à comunicação da Segurança Social, antes referida): “Ofiìcio da Segurança Social de 27.5.2024: Tomei conhecimento da informaçaÞo prestada pela Segurança Social de que o pedido de apoio judiciaìrio formulado pela A. foi indeferido, sem resposta apoìs decorrido prazo legal, em 06/01/2024”.

E na mesma data, recebendo-se o recurso interposto pela apelante: “Requerimento de 17.4.2024 (fls. 93 e ss.): Admite-se o recurso interposto a fls. 93 e ss. pela A. AA do despacho de fls. 100 e ss., por ser admissível, tempestivo e ter sido interposto por quem para tal tem legitimidade e ter pago a taxa de justiça, o qual é de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos e a que se atribui efeito devolutivo (arts. 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 638, n.º 1 e 7, 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, a. a), 647.º, n.º 1 todos do C.P.Civil). * Cumpra-se o disposto no artigo 641.º, n.º 7 do CPC”.

Em cumprimento do disposto no artigo 641, n.º 7 do CPC, a ré foi citada para os termos do recurso e para os da causa, tendo contestado a ação (contestação a que a autora respondeu a 2.09.24), mas não tendo respondido ao recurso. Depois de ordenada a subida dos autos a este Tribunal da Relação do Porto, vieram os mesmos a ser remetidos, e aqui distribuídos a 12.12.24.

O ora relator proferiu despacho (19.12.24) solicitando à Segurança Social o envio de cópia de todo o “procedimento respeitante ao pedido de apoio judiciário (n.º ...27 – processo n.º ...) formulado pela recorrente AA”. Junto o pertinente expediente (7.01.25), determinou-se a notificação das partes para, querendo, e no respeito pelo princípio do contraditório, se pronunciarem, pronúncia que apenas a recorrente exerceu (31.01.25).

Nessa pronúncia, e em síntese, veio dizer:

- A secretaria do tribunal, ao invés de dar seguimento à citação da ré, solicitou esclarecimentos à Segurança Social sobre a decisão do pedido de apoio judiciário, retendo, a nosso ver indevidamente, a tramitação do processo.

- O Instituto da Segurança Social apenas respondeu dois meses após, limitando-se a informar que o pedido se encontrava "em análise", sem indicar qualquer decisão expressa de indeferimento ou notificação tempestiva à recorrente.

- Tal comunicação não tem qualquer efeito sobre o deferimento tácito já formado, dado que este se consolidou automaticamente, nos termos do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004.

- O tribunal, ignorando os princípios da tutela jurisdicional efetiva e do direito ao acesso à justiça, indeferiu liminarmente a petição inicial ao abrigo do artigo 590 do CPC, por alegada falta de comprovação da isenção da taxa de justiça.

- A decisão recorrida não usou, salvo melhor entendimento, de fundamentos suficientes para tal indeferimento, pois o tribunal não poderia ignorar a validade do deferimento tácito, nem exigir um ato administrativo expresso, sob pena de violação do princípio da legalidade administrativa.

- O artigo 29, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004 determina que, não sendo conhecida a decisão da Segurança Social, o prazo para pagamento da taxa de justiça deve ser suspenso até comunicação formal ao requerente.

- A jurisprudência tem reiterado que, na ausência de prova de indeferimento expresso e da sua notificação em tempo útil, deve prevalecer o deferimento tácito (cfr. Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 01965/11.2BEPRT, de 21-11-2019).

- A decisão ignora os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ao penalizar a recorrente por uma inércia administrativa da Segurança Social.

Os autos correram Vistos e nada vemos que obste ao conhecimento do recurso. O seu objeto, atentas as conclusões da apelante, traduz-se em saber a) se a decisão apelada padece de nulidade por falta de fundamentação; b) se, invocado o deferimento tácito do benefício do apoio judiciário, pelo decurso do prazo de 30 dias subsequente à formulação do respetivo pedido perante a Segurança Social, esse benefício se consolida, não podendo ser posteriormente indeferido (o benefício) ou revogado (o deferimento) e c) se, pelo menos, o indeferimento expresso do benefício, porque o prazo de pagamento da taxa de justiça se encontrava suspenso (artigo 29, n.º 5 da Lei n.º 34/2004) permite, ainda, após notificação, o pagamento da taxa de justiça devida pela – no caso – apresentação da petição inicial.

III - Fundamentação

III.I – Fundamentação de facto

Os factos que resultam do relatório antecedente mostram-se bastantes à apreciação do recurso, aos mesmos se acrescentando, no entanto e para cabal esclarecimento:

- Conforme resulta dos autos, pela junção do procedimento administrativo (fls. 31/32 do p.e.), a autora/recorrente foi notificada (por comunicação enviada a 18.12.23) da “Proposta de indeferimento – Audiência Prévia” e para “responder se não concordar com a decisão No prazo de 10 dias úteis”, aí se acrescentando: “Se não responder, o seu pedido será indeferido no primeiro dia útil seguinte ao fim do prazo indicado, não havendo lugar a nova notificação”.

III.II – Fundamentação de Direito

Da nulidade por falta de fundamentação

Quer na suas alegações, propriamente ditas, quer na sua 5.ª conclusão, a apelante invoca a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe a falta de fundamentação, mas acrescenta, como daí consequente, a violação do disposto no artigo 615, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC).

Ora, a primeira nota que importa deixar é a seguinte: a falta de fundamentação é (expressa e taxativamente, como o são todas as nulidades da sentença ou do despacho) prevista na alínea b) daquele normativo [Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão] e, por sua vez, a alínea d) do mesmo preceito prevê duas irregularidades anulatórios, concretamente a omissão e o excesso de pronúncia [O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento]. Daqui decorre, no rigor da leitura do recurso e suas conclusões, que não é inteiramente entendível se a apelante invoca a falta de especificação dos fundamentos decisórios, não invocando o pertinente preceito, se, diversamente, invoca o preceito, sem invocar o fundamento.

Ainda assim, há que dizer o seguinte: a decisão apelada indeferiu liminarmente a petição inicial, fundamentando-se na falta de comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça ou concessão do benefício do apoio judiciário. A decisão é coerente e lógica, ou seja, percetível ao destinatário, independentemente do seu mérito. Logo, não padece de falta de fundamentação. Mas, por outro lado, olhando ao disposto na alínea d) do já citado n.º 1 do artigo 615 do CPC, só podia estar em causa a omissão de pronúncia, concretamente a falta de pronúncia sobre os efeitos decorrentes da invocação do deferimento tácito do benefício do apoio judiciário. No entanto, também neste entendimento, a decisão recorrida não padece de nulidade, uma vez que a decisão em causa, perante a petição apresentada e a omissão da comprovação a que já nos referimos, aplicou o direito normativo (que cita), daí decorrendo, implícita mas necessariamente, que qualquer outra apreciação se mostra prejudicada – artigo 608, n.º 2 do CPC.

Sempre se acrescente, ainda assim, que a eventual omissão de pronúncia apenas nos imporia a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 665 do CPC [Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação] o que, no caso presente é juridicamente inconsequente, na precisa medida em que a questão eventual e alegadamente omitida, concretamente, a relevância da invocação do deferimento tácito do benefício do apoio judiciário é precisamente o objeto relevante do recurso.

Do deferimento tácito e suas consequência/efeitos jurídicos

Na primeira parte desta parte do recurso, a autora/apelante sustenta – se o podemos dizer de modo simples e sintético – que, uma vez invocado o deferimento tácito do benefício do apoio judiciário, porquanto decorridos 30 dias após a formulação perante a Segurança Social da pertinente pretensão, a ação tem de prosseguir, ou seja e no caso, haveria que citar a ré; e mais: deferido tacitamente aquele benefício e por razão daquele decurso do prazo de 30 dias, não mais pode a administração (leia-se, no caso, a Segurança Social) dar o dito (ou o não dito, mas com o efeito de dito) por não dito, revogando ou indeferindo, agora expressamente, o benefício tacitamente deferido.

A recorrente, em rigor, apoia-se no disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 25 da Lei n.º 34/2004 [1 – O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte. 2 – Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica. 3 – No caso previsto no número anterior, é suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito (...)] para sustentar a conclusão a que chega.

No entanto, e ressalvando melhor opinião, não tem razão.

Como refere Salvador da Costa [O Apoio Judiciário, 11.ª Edição atualizada e ampliada, págs. 98/100] “o ato tácito não é um ato voluntário da administração, mas é um ato administrativo e, consequentemente, verificando-se os respetivos pressupostos, pode ser revogado, alterado ou substituído. (...) Mas essa ficção em que se traduz o deferimento tácito do pedido de proteção jurídica não se sobrepõe, em regra, à concreta decisão dos serviços de segurança social no sentido do seu indeferimento, verificados os concernentes pressupostos legais. (...) Por razões de certeza e de segurança jurídica, em qualquer caso em que a parte invoque em juízo a formação do ato tácito de deferimento do seu pedido de proteção jurídica, o tribunal deve diligenciar pela respetiva confirmação junto dos serviços da segurança social. (...) Acresce que os serviços de segurança social, por via de um ato administrativo expresso, verificados determinados pressupostos, podem anular o referido ato administrativo tácito, conforme decorre do disposto nos artigos 165.º, n.º 2 e 168.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo. Nesse caso, não sendo o referido ato administrativo expresso impugnado judicialmente, o ato administrativo tácito antecedente deixa de produzir efeitos jurídicos”.

No preciso sentido acabado de transcrever, consta do sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2020 [Relator, Desembargador Pedro Brighton, Processo n.º 1320/12.7TBMTA.L1-1, dgsi]: “I - Tendo o Instituto de Segurança Social proferido decisão expressa no sentido do indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo de formação do ato tácito (deferimento tácito), o ato expresso posterior ao ato tácito constitui um ato administrativo anulatório. II- A anulação administrativa do ato tácito pode ocorrer no prazo de seis meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade. III- A questão respeitante à possibilidade ou não de o Instituto de Segurança Social emitir ato expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo previsto no artº 25º nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29/7, tem que ser arguida pela via de impugnação judicial. IV- Não tendo ocorrido tal impugnação judicial, o ato tácito de deferimento deixou de ser invocável, por ter desaparecido da ordem jurídica, subsistindo apenas o ato expresso de indeferimento”.

Já no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 7.10.209 [Relator Joaquim Moura, Processo n.º 1214/19.5T8VLG.P1, dgsi] se escreveu: “Face à invocação, pelo exequente, de deferimento tácito de pedido de concessão de apoio judiciário, a atitude do tribunal não deve ser, nem de passiva aceitação, nem de rejeição ou indeferimento liminar do requerimento executivo, competindo-lhe indagar junto da entidade administrativa competente (ISS) se se formou ato tácito de deferimento”. E, em recente acórdão deste mesmo Tribunal da Relação do Porto [acórdão de 24.02.2025, Relator, Desembargador José Nuno Duarte, Processo 2386/24.2T8PNF.P1, dgsi, e no qual o ora relator foi adjunto] também se deixou dito, além do mais: “Tudo conflui, portanto, para que se conclua que apenas quando a segurança social não confirma a formação de ato tácito e se pronuncia no sentido do indeferimento do pedido de proteção jurídica (que inclusive pode até já resultar de decisão entretanto proferida), ou, então, se entender haver fundamento para tal, decide anular ou revogar o eventual ato tácito que se tenha formado (cf. artigos 165.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo), é que poderá o tribunal ser chamado a intervir para dirimir as questões suscitadas, o que, no entanto, apenas deve acontecer em sede da impugnação judicial da decisão administrativa que o interessado venha a deduzir”.

Ainda na primeira instância, a autora cita um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, à primeira vista, parece dar-lhe apoio, tecendo, aliás, diversas considerações (desde logo a respeito do deferimento tácito e dos poderes da Administração) que não deixam de ser pertinentes. No entanto, importa olhar integralmente ao referido acórdão.

Trata-se do acórdão proferido naquele Tribunal Superior a 14.12. 2023, no Processo n.º 6113/19.8T8LRS -B.L1-2 [Relatora, Desembargadora Higina Castelo, dgsi] e do qual consta o seguinte sumário (que a recorrente cita, ainda que não integralmente): “I. O ato tácito de deferimento pressupõe: i. a iniciativa particular, ou seja, que o órgão da Administração competente seja solicitado por um interessado a pronunciar-se num caso concreto (artigo 130.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo); ii. que o órgão tenha, sobre a matéria em causa, o dever legal de decidir através de um ato administrativo (artigo 13.º do CPA); iii. que o particular não tenha sido notificado da decisão final sobre pretensão que dirigiu à Administração até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo para a decisão (CPA, artigos 128.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, e 130.º, n.ºs 2 e 3); e, iv. que a lei (ou um regulamento) atribua ao silêncio da Administração, decorrido dado prazo, o significado jurídico de deferimento. II. O artigo 130.º do CPA não prevê um caso geral de deferimento tácito, indicando apenas que pode existir ato tácito de deferimento quando lei ou regulamento o preveja (n.º 1), e regulando a data da sua formação (n.º 2), bem como a suspensão do prazo de produção do mesmo ato (n.º 3). III. No artigo 25.º da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais encontra-se um dos (poucos) casos de deferimento tácito existentes no ordenamento, estabelecendo-se aí que, decorrido o prazo de 30 dias (seguidos, de calendário) para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica, sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica, sendo suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito. IV. Não demonstrando o ISS a produção do ato expresso e a sua notificação atempada ao particular, impõe-se que o tribunal onde corre a ação para a qual o pedido de apoio foi formulado reconheça e acate o deferimento tácito. V. Como princípio geral, os atos tácitos estão sujeitos ao regime dos atos constitutivos de direitos, apenas podendo ser objeto de decisão revogatória se se verificarem os respetivos pressupostos legais, constantes do artigo 167.º do CPA. VI. O deferimento de apoio judiciário pode, ainda, ser revogado nos casos previstos no artigo 10.º da LAD, a saber: i. por alteração das circunstâncias de insuficiência económica (alíneas a) e e)); ii. pelo conhecimento superveniente, por novos documentos ou pela declaração de falsidade dos que fundamentaram a concessão do benefício, da falta de fundamento da concessão do benefício (alíneas b) e c)); e, iii. por litigância de má fé e/ou incumprimento do benefício concedido. VII. Em geral, a revogação implícita de atos administrativos (incluindo de atos tácitos) tem sido admitida – há revogação implícita quando o ato revogatório, sem fazer referência ao ato revogado, gera efeitos incompatíveis com este –, mas uma revogação implícita apenas será válida se respeitar os requisitos da revogação explícita, que se encontram no artigo 167.º do CPA (ou no caso do apoio judiciário, no artigo 10.º da LAD). VIII. Enferma do vício da violação de lei a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário que implicitamente revoga o benefício tacitamente concedido, sem que se verifique qualquer das situações tipificadas na lei como pressuposto da revogação ou cancelamento do benefício. IX. A violação de lei é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhes são aplicáveis; trata-se de uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do ato administrativo, a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. X. Os atos administrativos praticados com ofensa das normas jurídicas aplicáveis, na falta de previsão legal de outra sanção, são meramente anuláveis (n.º 1 do artigo 163.º do CPA); nulos são apenas os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade (n.º 1 do artigo 161.º do CPA). XI. A destruição dos efeitos do ato administrativo anulável exige a anulação do ato por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria Administração (n.ºs 2 e 3 do artigo 163.º do CPA). XII. Diferente seria se o ato fosse nulo, pois nesse caso não produziria quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (n.º 1 do artigo 162.º do CPA); e a nulidade seria invocável a todo o tempo por qualquer interessado e poderia, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade ou tribunal (e não apenas pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação) – n.º 2 do artigo 162.º do CPA”.

Os antecedentes sublinhados são nossos. O citado acórdão, em situação com semelhanças ao caso que apreciamos, julgou improcedente a apelação. E nele se diz ou reafirma, na sua parte final: “A destruição dos efeitos do ato administrativo anulável exige a anulação do ato por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria Administração, na sequência de impugnação perante a própria Administração ou perante o tribunal administrativo competente, dentro dos prazos legalmente estabelecidos (sem prejuízo da possibilidade de anulação oficiosa pela Administração) – n.ºs 2 e 3 do artigo 163.º do CPA. (...) Porquanto dissemos, o ato era meramente anulável, pelo que a sua anulação teria exigido que a ora recorrente o tivesse impugnado (concretamente nos termos previstos nos artigos 27.º e 28.º da LAD, também aplicáveis à decisão de cancelamento, por via do artigo 12.º da mesma lei). A necessidade de impugnação do ato expresso em casos análogos tem sido maioritariamente afirmada pela jurisprudência (v.g.: Acórdãos do TRP de 09/04/2013, proc. 934/11.7TBMTS-C.P1, TRE de 30/06/2015, proc. 169/13.4PAOLH-A.E1, TRL de 19/04/2016, proc. 47718/15.0YIPRT-A.L1-7, TRP de 13/07/2016, proc. 1829/15.0T8PNF (este disponível em https://outrosacordaostrp.com), TRG de 14/11/2019, proc. 185/19.2T8VCT-A.G1, TRL de 27/10/2020, proc. 1320/12.7TBMTA.L1-1, e TRL de 31/03/2022, proc. 6908/18.0T8SNT-A.L1). No sentido da prescindibilidade da ação de impugnação, os Acórdãos do TRL de 21/06/2011, proc. 6650/07.7TDLSB.L1-5, e do TRG de 18/06/2013, proc. 351/11.9TBGMR-B.G1, com os quais não concordamos apenas porque o ato expresso de indeferimento do apoio judiciário, com revogação implícita do deferimento tácito existente, sem que se verifiquem os pressupostos legais da revogação, é meramente anulável e não nulo”.

Feitas as considerações anteriores, há que concluir que a Segurança Social, no caso presente, indeferiu a pretensão da recorrente no sentido de à mesma ser concedido o benefício do apoio judiciário pretendido. Essa decisão administrativa não foi objeto de impugnação. Por isso, o invocado ato administrativo tácito deixou de produzir efeitos jurídicos.

Da suspensão do prazo de pagamento da taxa de justiça devida

Entende a apelante, por último, que sempre seria de considerar, atento o disposto no artigo 29, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004 [Não havendo decisão final quanto ao pedido de apoio judiciário no momento em que deva ser efetuado o pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo, proceder-se-á do seguinte modo: a) No caso de não ser ainda conhecida a decisão do serviço de segurança social competente, fica suspenso o prazo para proceder ao respetivo pagamento, até que tal decisão seja comunicada ao requerente] que o prazo de pagamento da taxa de justiça devida se encontrava suspenso e (conclusões 22 e 23) “dos autos não consta qualquer prova da notificação da recorrente da decisão de indeferimento de apoio judiciário, nem tão pouco qualquer comunicação da Segurança Social nesse sentido” e, por isso, o tribunal não podia “ter indeferido liminarmente a petição inicial, porquanto caso considerasse não haver deferimento tácito do pedido de apoio judiciário deveria, no mínimo, ter suspendido o prazo para proceder ao respetivo pagamento até que a decisão definitiva fosse, efetivamente, comunicada à requerente, o que não fez”.

No caso presente, não está em questão a aplicabilidade do benefício concedido ao autor pelo disposto no artigo 560 do CPC (alterado pelo Decreto-lei, n.º 97/19, de 26 de julho), como, aliás, refere a decisão apelada, porquanto, e desde logo, a recorrente se mostrava patrocinada.

Ainda assim, entende a recorrente que lhe devia ter sido comunicada a decisão (expressa) de indeferimento, cessando, então a suspensão do prazo para o pagamento da taxa de justiça devida.

No entanto, a decisão final sobre o pedido de proteção jurídica (artigo 26, n.º 1 da Lei n.º 34/2004) não tem que ser notificada, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 23 do mesmo diploma [2 – Se o requerente de proteção jurídica, devidamente notificado para efeitos da audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe foi concedido, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação] como sucede no caso presente: a autora “foi notificada (por comunicação enviada a 18.12.23) da “Proposta de indeferimento – Audiência Prévia” e para “responder se não concordar com a decisão No prazo de 10 dias úteis”, mais se acrescentando, em cumprimento do disposto no artigo 23, n.º 3 do mesmo diploma que “Se não responder, o seu pedido será indeferido no primeiro dia útil seguinte ao fim do prazo indicado, não havendo lugar a nova notificação”.

Assim, o pressuposto em que se fundamenta a recorrente, concretamente, a possibilidade de ainda proceder ao pagamento da taxa de justiça devida após notificação – seja do tribunal, seja da Segurança Social – além de não ter acolhimento na leitura que se faz do disposto no artigo 560 do CPC, não tem fundamento, por não haver lugar à notificação pressuposta e a notificação ter ocorrido, eficazmente, por registo enviado a 18 de dezembro de 2023. Se a autora não respondeu à audiência prévia nem impugnou a decisão expressa de indeferimento do benefício do apoio judiciário, também não se apresentou a pagar a taxa de justiça devida, situação em que podia questionar-se a validade dessa apresentação a pagamento. No caso, porém, é manifesto que tal questão sequer se coloca.

Por tudo, o recurso é improcedente.

As custas do recurso, atento o decaimento, são devidas pela apelante (artigo 527, n.º 1 do CPC).

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a petição inicial.

Custas pela apelante.

Porto, 28.04.2025

José Eusébio Almeida

Jorge Martins Ribeiro

Teresa Pinto da Silva