REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
Sumário

I – As nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, do C.P.C. são vícios formais e intrínsecos da sentença, procedimentais, distintos do erro de julgamento, seja de facto, de Direito ou de ambos.
II – É de rejeitar a reapreciação da decisão da matéria de facto, sem qualquer convite a aperfeiçoamento das conclusões de recurso, quando a parte não cumpra os ónus previstos no art.º 640.º (n.º 1 e n.º 2) do C.P.C., designadamente quando nas conclusões a parte não refira especificadamente os concretos pontos da decisão da matéria de facto que pretende alterada, sendo, para o efeito, insuficiente que os mesmos sejam referidos no corpo das alegações.
III – A alteração da matéria de facto ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C. não esvazia de conteúdo o previsto naquela outra.
IV – De acordo com o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que é aplicável em casos de recurso sobre a matéria de facto, desde que cumpridos os ónus previstos no art.º 640.º do C.P.C. ou então, mesmo que não o tenham sido, se estiver em causa a violação do direito probatório material ou estejam em causa aspetos factuais de natureza conclusiva estritamente jurídica.

Texto Integral

APELAÇÃO N.º 196/19.8T8ARC.P1

SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.):

………………………………

………………………………

………………………………


-

Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo:

Relator: Jorge Martins Ribeiro;

1.ª Adjunta: Fátima Andrade e

2.º Adjunto: Miguel Baldaia de Morais.


ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de ação declarativa de reivindicação, com processo comum, é autor (A.) e recorrente AA, titular do N.I.F. ......, residente na Rua ..., n.º ..., 1.º, ... Porto, e são réus (RR.) e recorridos BB, titular do N.I.F. ......, e CC, titular do N.I.F. ......, ambos residentes em Lugar ..., Arouca, ... Arouca.


-

Procedemos agora a uma síntese do processado relevante para a decisão do objeto do presente recurso.

A) No dia 06/12/2023 foi proferida a sentença objeto do presente recurso.

A.1) Na mesma, o objeto dos autos, começando pelo peticionado pelos então autores([1]) foi sumariado pela seguinte forma([2]):

a) Seja reconhecida a propriedade tal qual ela surge nos documentos que se exibem, quer através das fotos/mapa ou ainda através de prova testemunhal e que lhes seja atribuída a titularidade de donos e legítimos proprietários do prédio rústico, em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2, sob o artigo Matricial nº ..., cuja composição e confrontações do prédio de terreno de pinhal com mato, dá-se com DD e caminho: norte, parede c/ EE: nascente, FF e Serviços Florestais: poente, GG e Serviços Florestais: sul;

b) Requerem ainda que seja declarado que os RR se apropriaram ilicitamente de uma parcela de terreno da propriedade dos AA, acima melhor identificada, com uma área global aproximada de 18.900 metros quadrados e como tal parcela da propriedade dos AA lhes seja restituída;

c) Que os RR sejam condenados a proceder à demolição de toda a obra que implantaram na propriedade dos AA: placa vulgo terraço e muro, tudo em cimento, pedra e madeira.

d) Requerem que os RR sejam condenados a colocar os marcos e a repor as arvores e restante plantação e ainda restituir ao terreno a mesma configuração, disposição e apresentação anterior à obra ilegal e ainda retirar tudo que se encontra junto ou no interior do canil, reparando a fachada em pedra que danificaram e colocar uma porta, a porta que arrancaram e também destruíram.

OU

e) Condenar os RR a indemnizar em valor adequado a todo o prejuízo causado quer material, quer moral (e quanto à questão não patrimonial diz o ARTIGO 496.º, quanto a danos não patrimoniais, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, estabelecendo um critério que consiste em que se conceda (compense) ao(s) ofendido(s) uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem o estado de saúde que viram afetado desilusões, desgostos ou outros sofrimentos (físicos ou psíquicos) que os ofensores lhes provocou;

Para tanto alegaram em síntese que são proprietários do prédio rústico, em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., e sob o artigo Matricial nº ..., urbano destinado antigo palheiro e curral, e que existe um prédio designado por “...” que identificam com a letra C, que se encontra exatamente dentro da propriedade dos AA, tratando-se de um prédio encravado sendo que o terreno que se localiza até à casa que crê pertencer aos RR integra a propriedade do prédio dos autores.

Na verdade sustentam que a importância da descrição deste prédio “...” se prende com o facto de que, quer na escritura (que juntam doc. 3), quer através de uma certidão (doc. 4) que também juntam, situa a referida propriedade no mesmo lugar e confronta, a nascente com o ribeiro, e todos os restantes lados (norte, sul e poente) com AA (Autor),assim concluindo que a importância da referência a este prédio é que demonstra que entre o prédio que pensam ser dos RR e o prédio dos AA, temos terreno, o tal terreno, pertencente dos AA.

Alegam que os RR decidiram fazer obra de construção (composta por sacada em altura até ½ metro, rampa em calçada portuguesa, pilares e muro de pedra e corrimão e traves em madeira), para além de destruir todo o terreno natural (com árvores/vegetação) dos AA, ocupando a propriedade e servidão dos AA, bem sabendo os RR que pertence aos AA, e apesar de por eles interpelados para retirar e parar a execução de tais obras negaram-se e retiraram marcos, árvores, outra florestação, fazendo desaparecer tais bens dos AA, e ainda deitaram entulho para o prédio (antigo canil) dos AA (com destruição da entrada e porta do mesmo).

Ademais os AA sofreram prejuízos patrimoniais quer pelos danos que incidiram sobre a sua propriedade, quer pelos danos resultante da destruição de árvores, outra florestação e a ainda, pelo desaparecimento dos marcos, arvores e outra florestação, os Autores ficaram privados do acesso quer pedonal, quer através de veículos à sua propriedade e com isso impedido de tratar a propriedade como eles querem e a lei permite ou obriga;

Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, onde se defenderam por excepção e impugnação.

Em síntese, os réus sustentaram a ineptidão da petição inicial por falta de alegação de factos essenciais uma vez que o único facto relativo ao direito de propriedade invocado e reivindicado pelos AA limita-se à declaração que consta do art. 1.º da p.i. Deveriam por isso os AA terem demonstrado(ou pelo menos invocado) na sua petição os necessários elementos que levem à conclusão de que adquiriram um direito sobre a coisa que dizem ser sua, por ocupação, usucapião, etc, e invocarem uma forma originária de aquisição da propriedade; ou que o direito já existia na esfera jurídica de quem lhe transmitiu a propriedade, se invocarem uma forma de aquisição derivada, já que a compra e venda, doação, etc, e mesmo a transmissão por efeito de eventual partilha não se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito.

No mais os RR impugnam por falsidade a versão dos autores especificando as contradições e confusa a alegação dos autores.

Mais invocam que o prédio “...” está inscrito na matriz respectiva da freguesia ... sob o artigo ... é propriedade dos RR e por eles possuído, impugnando toda a parca factualidade alegada pelos autores.

Finalmente, quanto ao pedido reconvencional, invocam os Réus que, o prédio a que os AA se referem como “ ...” foi construído há mais de 130 anos e foi registado pelo menos desde 1889, sob a descrição ....

Mais invocam que no ano de 1991, no Cartório Notarial de Arouca, foi tal prédio vendido a FF e mulher, HH, por II e mulher JJ sendo que estes o tinham herdado de KK, tratando-se de um urbano antigo, construído em pedra e destinado a fim não habitacional muito embora pareça ter a dignidade de edifício habitável, inscrito na matriz respectiva da freguesia ... sob o art....

Além disso os RR alegam que no ano de 2016, conjuntamente com os restantes herdeiros, através do processo designado como “ Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros, Partilha e Registos “, procederam à partilha dos bens que constituíam as heranças de FF e mulher, HH, que foram do lugar ..., ..., Arouca, cabendo ao réu marido (neto daqueles) as verbas 1, 2, 3, 4 e 5 aí descritas. A verba 2: - prédio urbano composto de casa de habitação com 2 pisos, com a area coberta de 133, 10 e descoberta de cem m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de arouca, a confronta de nascente com ribeiro, de norte com LL, de sul com MM e de poente com BB, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca e inscrito na matriz sob o artigo ... e já registado a favor dos sob o n.º .../..., de .... Este urbano habitacional ocupa a parte central da propriedade dos AA e está localizado a cerca de 15 metros de distância do prédio denominado ..., também dos RR. O prédio dos RR considerado na sua totalidade (com os artigos urbanos ... e ... e logradouros), na sua confrontação a nascente, está parcialmente fechado e murado por um muro de pedra antigo com cerca de ½ a 1 metro de altura, muro este que confina com a estrada aí existente e percorre a distancia de A a B vertida no documento 15 que juntam. Depois o prédio dos RR, (desse lado nascente) continua até ao limite do prédio denominado .... O ..., desde o distante ano de 1889 que este prédio foi registado a favor de KK, casado que foi com NN, posteriormente foi tal prédio transmitido à filha destes, HH, casada que foi com FF, avós do R marido. Além do ... foi transmitido ao R marido a propriedade do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., o ..., apesar de estar inscrito na matriz, ter artigo (o já referido art. ... da freguesia ...) e pertencer em propriedade aos RR e estar a ser possuído agora em exclusivo pelos RR, não foi incluído no contrato de partilha porque foi dito aos RR que, sendo um urbano destinado a arrumos, não precisava de ser registado a seu favor, porquanto tal prédio (...) como o nome o indica apesar de esta agora afecto a arrumos, foi originalmente construído para esse efeito: curral ou abrigo de animais, e foi por isso que não constou do contrato de partilha feito entre os R e os restantes herdeiros de FF e mulher, HH.

Os RR recentemente resolveram de facto fazer algumas obras, de forma a melhorar as condições dos prédios, dar-lhes melhor aspecto, melhorar as suas acessibilidades internas, tendo para esse efeito demolido um edifício em tijolo e um outro anexo ou construção em tijolo que estava anexa ao prédio urbano habitacional inscrito na matriz com o artigo ..., tudo com o objectivo de promoverem a visibilidade dos urbanos construídos em pedra, que são prédios antigos, melhorarem a sua aparência, os acessos internos e assim garantirem uma mais visível valorização, e calcetaram / pavimentaram o terreno à volta dos referidos urbanos. Por fim, depois de construírem o pavimento em pedra à volta do seu urbano colocaram nos seus limites do lado nascente (com a estrada) uma vedação em madeira, que pensam ser aquilo que os AA se referem como uma sacada no ponto 10 da sua petição (pilares, corrimão em madeira, etc).

O prédio dos RR considerado na sua totalidade (com os artigos urbanos ... e ... e logradouros), na sua confrontação a nascente, está parcialmente fechado e murado por um muro de pedra antigo com cerca de 1 metro de altura, muro este que confina com a estrada aí existente.

Depois o prédio dos RR, (desse lado nascente) continua até ao limite nascente do prédio denominado ... (no documento 15 está indicada extensão e a configuração desse limite do prédio dos RR:- de A a B e de B a C, de C a D, de D a E e de a F) e foi nesse segmento(desde o final do muro antigo que fecha parte do prédio dos RR a nascente) que os RR colocaram nos seus limites e até ao prédio ... uma vedação a referida vedação madeira, que como se disse, pensam ser aquilo que os AA se referem como uma sacada no ponto 10 da sua petição(pilares, corrimão em madeira, etc, tendo sempre respeitado os limites do seu prédio.

Já antes da escritura de habilitação e partilha eram essas pessoas (os avós do Réu ) os legítimos e únicos proprietários e possuidores dos prédios referidos, por si e pelos mencionados antepossuidores, sempre estiveram e estão na posse e fruição desses prédios, por mais de 20, 30 e 40 anos, como coisa exclusivamente sua, adquirida sem violência, sem oposição alguma, continuamente e à vista de toda a gente, ignorando, quer ao adquiri-lo quer posteriormente, quaisquer vícios que porventura enfermassem quer a substância quer a forma e o título da sua aquisição, desconhecendo que lesavam os direitos de outrem, demolindo anexos em tijolo, construindo e melhorando o edifício habitacional, pavimentando em pedra os logradouros e acessos internos da totalidade do prédio, removendo lixos e pedras, limpando e lavando os prédios urbanos, instalando vedações em pedra e madeira melhorando as condições transitabilidade, nele executando cuidadosos actos de conservação, designadamente vigiando e limpando as suas extremas, efectuando o contínuo corte de ervas daninhas e plantas silvestres, colhendo ervas e os produtos fruto do seu cultivo, pagando impostos, com animo de quem exerce um direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos e possuidores por toda a gente, designadamente pelos vizinhos possuidores de terrenos próximos ou confinantes, exercendo pois uma posse pública e de boa fé, ignorando lesarem direitos de outrém, que não lesam e de forma pacifica, continua e publicamente, e de forma ininterrupta, sendo visíveis e permanentes os sinais da exclusividade da sua posse, da conservação e mesmo do melhoramento da sua substância económica, nunca, como se disse, tal posse dos RR e dos antepossuidores do prédio em causa foi objecto de qualquer oposição da parte de quem quer que seja.

Pelo que, ainda que outro título, não tivessem, que têm, sempre havê-lo-iam adquirido por usucapião, que expressamente aqui se invoca para todos os legais efeitos.

Concluem que devem ser julgadas procedentes por provadas as excepções invocadas e proferida sentença que determine a absolvição dos RR da instância e deve ser, em qualquer caso, a presente acção julgada improcedente com as consequências legais;

Deve ser julgado procedente por provado a reconvenção e os AA condenados a reconhecer que os RR são donos e legítimos proprietários e possuidores, por os terem adquirido por usucapião, dos prédios referidos nos pontos 35 a 47 e 50 a 93 desta petição com a extensão, conteúdo e limites aí descritos.

Serem os A condenados a abstem-se da pratica de qualquer acto perturbador da posse dos RR sobre os seus prédios.

Serem os A condenados nas custas e procuradoria legais.


*

Os Autores responderam à matéria de excepção, pugnando pela improcedência da mesma e reafirmando, no essencial, o que já haviam sustentado na petição inicial concluindo que a Petição não é, quer em ordem e razão de causa de pedir e pedido, inepta, insuficiente ou (in) substanciada, mas sim uma peça em que os elementos objetivos estão todos lá, os narrativos também, assim como os críticos, tudo de modo claro, racional e processualmente correto, porque exibe os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento ao pedido, encerrando a ação do modo como se vê, bastante

Quanto à matéria reconvencional, os Autores impugnaram os actos alegados pelos Réus, por falsidade ou inexactidão, bem como os documentos juntos com a contestação, por não serem idóneos a produzir o efeito jurídico que os Réus pretendem. Sustentam, ainda, que os RR não fazem prova, uma única prova, de que o prédio “...” alguma vez tenha sido dos RR ou seja propriedade dos RR. afirmando que lhes foi atribuído por “Procedimento Simplificado de habilitação de Herdeiros, Partilha e Registos umas determinadas verbas a 1,2,3,4 e 5, mas que nada consta acerca do prédio “...”.

Mais sustentam que o que importa apurar é se a parcela de terreno entre o “...” e a dita propriedade de que os RR pertence aos RR ou pertencente aos AA.

Invocam que todos os argumentos falsos, não suportados na lei ou em documentos, e mais grave, por revelarem a má fé com que os RR prosseguem esta saga de tentar confundir o Tribunal, e em querer tentar convencer por força da violência verbal, e mentira, serem proprietários de um prédio que pertence, por lei e por direito, aos AA. Os AA nunca abandonaram o referido prédio, pelo contrário, e a ocorrência da ocupação, com construção e destruição por parte dos RR aconteceu em data que segundo os RR só pode ter acontecido após a escritura procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros Partilha e Registos, os RR nunca pagaram impostos, não houve qualquer tipo de aquisição, posse (seja ela publica ou privada), muito menos de boa fé e ou pacifica, muito menos foram pagos quaisquer impostos ou lavrado qualquer documento de aquisição.

Concluem pela improcedência da reconvenção e por fim sustentam que os RR alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, pelo que litigam de má-fé peticionando a sua condenação.


*

Por despacho proferido 23.09.2021 uma vez que os autores intentaram uma ação de reivindicação de propriedade sobre uma parcela de terreno que entendem pertencer-lhes por integrar um prédio que identificam no artigo 1º da PI. e lhe cabe provar a propriedade sobre o bem reivindicando uma vez que tais factos não vinham cabalmente alegados, ao abrigo do disposto no artigo 590º nº 2 al. b) do CPC, foram os autores convidados a aperfeiçoar a PI, dela fazendo constar tais factos.

Nessa sequência vieram os autores alegar como questão prévia que os Réus não só ocuparam propriedade privada dos AA, mas também acervo publico (passagem de caminho publico e ribeiro), pois, construíram alpendre e muros mesmo em cima de caminho publico e ribeira, para lá de o ter feito em propriedade pertencente aos AA, fizeram-no, com a mesma ocupação indevida, em locais públicos, locais esses, que lhes estão vedados por lei.

Alegam que o prédio rústico, em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2, sob o artigo Matricial nº ..., sucedeu aos AA por via dos pais do Autor marido, MM e OO. Tal prédio chegou há muitos anos à posse de sua mãe OO por sucessão da mãe daquela, de nome, ao que se lembra, PP, e tal prédio chegou à posse de OO também por herança.

O MM, pai do autor faleceu no ano de 1966, pelo que o acervo sucessório passou a constar do património de OO, AA e QQ (filhos de OO), mas por habilitar. Só em dezasseis de maio de dois mil e um, após o falecimento da mãe do Autor marido é que o Autor procedeu juntamente com seu irmão QQ à habilitação de herdeiros. No ano de 2002, em 5 de dezembro, todo quinhão da herança de OO passou para o Autor marido por cedência desse mesmo quinhão do irmão QQ.

Mais alegam que desde então, os AA vêm, de forma publica e ostensiva, sem qualquer interrupção ou, oposição, de quem quer que seja, à vista de toda a gente, com animo de quem exerce um direito próprio, efectuaram obras de protecção, manutenção, limpeza e conservação sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., e inscrito sob o artigo Matricial nº ..., pagando, como lhes competia, as adequadas contribuições e impostos.

Entendem os autores que são os reais e únicos titulares em propriedade do prédio inscrito na caderneta predial rústica n.º ..., denominado ..., da freguesia ..., concelho de Arouca, a confrontar de Norte com DD e caminho; sul com serviços florestais; nascente com parede com EE e; poente com FF e Serviços Florestais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2.

De outro prisma sustentam que os Réus, são proprietários dos seguintes prédios:

Prédio Rustico, denominado ..., inscrito na caderneta predial rústica n.º ..., da freguesia ..., concelho de Arouca, a confrontar de Norte com LL; sul com MM; nascente com Herdeiros de FF e; poente com Serviços Florestais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 1.166.9M2 (prédio este de onde foi destacada a parcela do prédio urbano matriz ..., a requerer oficiosamente aos serviços competentes);

Prédio Urbano, denominado casa de habitação, 2 pisos, inscrito na caderneta predial urbana n.º ..., da freguesia ..., concelho de Arouca, a confrontar de Norte com LL; Sul com MM; Nascente com Ribeiro e; Poente com Herdeiros de FF e Serviços Florestais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total de 233.1M2 (área coberta 133.1m2 e área descoberta 100m2), a requerer oficiosamente tais documentos aos serviços competentes;

Prédio Urbano, denominado ..., inscrito na caderneta predial urbana n.º ..., da freguesia ..., concelho de Arouca, a confrontar de Nascente com o Ribeiro e dos outros lados com MM, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com a indicação dos Réus com o nº ... (mas que nem sequer está atualizado), com a área total 24M2 (cfr. doc. 4 que identifica o processo judicial que correu termos neste mesmo tribunal com o número de processo ..., maço nº ..., ..., em que é inventariada NN);

Terminam sustentando que tais factos que aditam à petição inicial e réplica devem ser dados por julgados e totalmente provados e procedente, e com isso:

a) Reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre a totalidade do prédio rústico, em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2, sob o artigo Matricial nº ..., melhor identificado no artigo 1º da Petição Inicial e A da peça de aperfeiçoamento;

b) Serem os Réus obrigados a restituir aos AA a parte do prédio que ocupam, livre de pessoas e bens e nas exatas condições em que se encontrava, ou seja, na situação status quo ante da ocupação indevida pelos Réus;

c) Demais pedidos e condenações peticionadas para os Réus na Petição Inicial e Réplica.


*

Nessa sequência vieram os réus sustentar que tais factos ora alegados são falsos negando os RR que tenham ocupado um centímetro quadrado que pertença aos AA ou ao domínio público. Acresce que parece aos RR estar a motivação dos AA demonstrada numa invenção jurídica sem sentido: - como se a propriedade dos AA ficasse limitada à área ocupada pelo prédio denominado ... e este urbano, desse modo, pudesse a continuar a ser propriedade dos RR. Ou seja, embora não dizendo que lhes pertence, é da lógica e da própria economia da sua acção ou do sentido inequívoco da sua causa de pedir e da narração dos factos, que se subentende de imediato que o consideram como sendo da propriedade dos RR mas continua mesmo assim construído, há cerca de 140 anos, naquilo que é dos AA. querendo dizer que esse prédio é dos RR e não é dos AA, mas está dentro da propriedade dos AA, o que dizem só pode ser o sentido jurídico contrario: o prédio é dos RR e o terreno onde foi construído também a estes pertence.

No mais, reiteram o teor da contestação/reconvenção já junta aos autos.


*

Notificados vieram os autores reiterar tudo o já alegado nos seus articulados, pedindo que seja reconhecido que seja o seu direito e que os Réus sejam condenados a entregar aos AA o prédio ocupado, indeferindo a(s) exceção(ões), contestação e reconvenção requerendo que seja julgada:

a) Improcedente a Contestação, Exceções e Reconvenção dos RR, confirmando, como na PI e na PI aperfeiçoada, o reconhecimento da propriedade identificada em art.º 1º e outros artigos da Petição Inicial assim como na primeira Réplica e na presente Réplica como sendo dos AA e condenar os RR a reconhecer que os AA são donos e legítimos proprietários da do prédio rústico, em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2, sob o artigo Matricial nº ..., cuja composição e confrontações do prédio de terreno de pinhal com mato, dá-se com DD e caminho: norte, parede c/ EE: nascente, FF e Serviços Florestais: poente, GG e Serviços Florestais: sul,, relativa à parte que os RR ocuparam abusivamente e ilegalmente;

b) declarar, como na PI e na PI aperfeiçoada, que os RR se apropriaram ilicitamente de uma parcela de terreno da propriedade do A com uma área global aproximada de 18.900 metros quadrados;

c) condenar os RR, como na PI, a proceder à eliminação da obra e demolição da placa vulgo terraço e muro, tudo em cimento, pedra, calçada portuguesa e madeira, conforme o aludido nos artigos acima referidos na presente petição inicial, e reposição natural do terreno dos AA com tudo o que lhe compõe;

Condenar ainda os RR à reposição da fachada do canil, retirar todo o entulho lá colocado e colocação da porta da entrada;

d) Condenar, como na PI e na PI aperfeiçoada, os RR, em suma, a restituir aos AA o prédio rustico no estado em que se encontrava assim como o prédio/canil, antes de terem praticado os ilícitos descritos;

e) Condenar, como na PI e na PI aperfeiçoada, os RR no pagamento aos autores de todos os prejuízos alegados, consequência dos seus atos ilícitos, nunca em valor inferior a 15.000,05€ (danos patrimoniais) e 15.000,05€ danos não patrimoniais, e que se vierem a liquidar em execução de sentença.

f) condenar os RR em Litigância de má Fé;

Quantias acrescidas dos juros legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento e custas e demais encargos do processo.


-

A.2) As questões decidendas foram enunciadas pela seguinte forma([3]):

No caso dos presentes autos, importa apreciar e decidir, sequencialmente e atenta a precedência lógica e a ordem de prejudicialidade, das seguintes questões (cfr. artigo 608.º do Código de Processo Civil):

i. Qual a fonte constitutiva dos direitos de propriedade dos prédios reivindicados pelos autores e pelos réus;

ii. Titularidade do direito de propriedade sobre parcela de terreno reivindicada pelos autores, se esta integra o prédio reivindicado pelos autores ou se integra o prédio reivindicado pelos réus;

iii. Se se verificam os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual que fundamentam a obrigação de indemnização peticionada pelos autores, no que toca à conduta imputada aos réus e quanto aos danos morais e, na afirmativa, qual o seu “quantum”;

iv. Da litigância de má-fé dos réus.


-

A.3) Do dispositivo da sentença consta o seguinte([4]):

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

1. Julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a. Declaram-se os autores, AA e mulher RR, proprietários do prédio rústico denominado ..., da freguesia ..., concelho de Arouca, inscrito na matriz sob o artigo ....º e, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ...;

b. Condenam-se os réus BB e mulher CC a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o referido prédio rústico identificado em a. e consequentemente a absterem-se de perturbar o gozo e fruição do mesmo pelos autores.

c. Absolvem-se os réus dos demais pedidos formulados pelos autores.

2. Julga-se procedente a reconvenção e, em consequência:

a. Declaram-se os réus reconvintes BB e mulher CC, proprietários do prédio urbano composto por casa de habitação com 2 pisos com a área coberta de 133,10 m2 e descoberta de 100m2 sita no lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e já registado a favor dos réus sob o n.º ... no qual foi englobado o prédio (...) que está agora afecto a arrumos com os limites conteúdo e extensão descritos no ponto 24 dos factos provados dele fazendo parte integrante a parcela de terreno agora calcetada pelos réus.

b. Condenam-se os autores reconvindos a respeitar o direito de propriedade dos réus reconvintes sobre os indicados prédios, inscrito na matriz sob o artigo ... e já registado a favor dos réus sob o n.º ... no qual foi englobado o prédio (...) que está agora afecto a arrumos com os limites conteúdo e extensão descritos no ponto 24 dos factos provados dele fazendo parte integrante a parcela de terreno agora calcetada pelos réus e consequentemente a absterem-se de perturbar o gozo e fruição dos mesmos pelos réus reconvintes.

3. Julga-se improcedente o incidente da litigância de má-fé dos réus e, em consequência, absolvem-se os réus do pedido.

4. Condenam-se os autores no pagamento das custas processuais.

Registe e notifique.


-

B) Aos 31/01/2024 foi interposto o presente recurso, constando do mesmo as seguintes conclusões([5]) ([6]):

1. Primeiro, reconhecer o que supra se alega e confirma.

2. Depois, requer-se o Douto reconhecimento de que estamos perante uma sentença que não respeita o normativo do nº 1, 1ª parte do artigo 607.º, pelo facto do tempo usado pelo tribunal a quo para proferir sentença, tempo esse, desproporcionado para os Autores (não é por acaso que o tribunal a quo invoca complexidade na causa de pedir).

3. Entendemos que este facto, é mais do que uma questão processual, mais de que um desrespeito pela lei, é um desrespeito pelos valores das pessoas e da pessoa humana.

4. Sobre o longo tempo de espera por uma decisão e sobre a desigualdade de armas que se evidencia em tudo isto, deve, Soberana reprovação, incidir, seja lá quais as razões que levaram o tribunal a quo a tal facto, sobre este ato.

5. Quanto às questões das nulidades,

6. Estamos, a nosso ver, perante nulidades da sentença no que toca artigo 615.º nº 1 c) e d), 615.º nº 1 e) e artigo 609.º, nos seus nº 1 e 3, todos do Código Processo Civil (CPC).

7. As razões são obvias, um tribunal anão pode decidir parcialmente a favor dos Autores quando da decisão não resulta causa de pedir e pedido que incida tal decisão, como se verifica.

8. Quando temos uma decisão emitida de modo parcial, estamos em crer que alguma parte da ação é decidida de modo favorável ao Autor.

9. Se o tribunal a quo se limita apenas a confirmar propriedade estabelecida e atribuída há muito a favor dos Recorrentes (algo que nem sequer faz parte da causa de pedir e pedido).

10. Estamos perante uma decisão em objeto diverso do pedido.

11. Depois, a questão da condenação da totalidade das custas sobre os Autores que se incompatibilizam com a decisão que é parcial.

12. Em suma, nulidades que só à luz da lei e perante V. Exas. se protestam ver reconhecidas.

13. Depois,

14. Quanto à violação e desrespeito pelas boas regras de direito, apreciação dos factos, fundamentação e motivação, as quais suscitam impugnação relativa à decisão a quo.

15. Temos, em primeiro lugar, uma ação que não decide quanto a nós sobre o objeto de ação.

16. Não obstante a longa e prelativa narrativa a quo, que se esforça do ponto da explanação e da jurisprudência que evidencia ser conhecedor, o que é certo é que, o tribunal a quo não só decide mal, também não alcança com a matéria em avaliação.

17. Os Autores, acerca do prédio rústico em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2, sob o artigo Matricial nº ..., reclamaram o reconhecimento com restituição, como titulares proprietários, não deste prédio, mas da totalidade do prédio.

18. Não foi, do nosso ponto de vista o tribunal a quo diligente, quer a apreciar, quer a decidir.

19. Pelo que,

20. Do ponto de vista do que são os direitos reais há um erro grave de apreciação e tudo o que são as bases, fundamentos, motivações e matéria de direito usados na sentença por parte do tribunal recorrido, que só servem os interesses não os direitos, mas dos Réus., devem ser reapreciados e decidido opostamente à decisão a quo com a atribuição plena da propriedade prédio rústico em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2, sob o artigo Matricial nº ..., na qual inclui o reconhecimento com restituição aos Autores, como titulares proprietários, da totalidade do prédio.

21. Os Autores, ao exibirem toda a documentação possível e meritória ao tribunal que são as escrituras, certidões das finanças e registo predial, registos, mas também fizeram a prova testemunhal do Autor AA, que mais o tribunal a quo poderia querer.

22. Já para não falar de todos os documentos fotográficos que para lá de demonstrarem a permanência da posse no terreno fotografou aquilo que lhe pertence, demostrou todo um exercício reiterado de poderes de facto sobre o bem ao longo do tempo, principalmente quando o Réu BB o ocupou, aquando do alerta da testemunha SS para o facto.

23. E sempre o fez, de forma ininterrupta e contínua, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente ou de modo público, sempre na convicção de agir como dono.

24. Conceitos estes, constitutivos dos requisitos objetivos e subjetivos necessários à prova da aquisição originária do direito de propriedade por usucapião, a ser preenchidos por elementos de facto (a prova do corpus e do animus da posse nos termos daquele direito real, impostos pela lei [posse pública, contínua e pacífica] (artºs. 1251º, 1258º, 1261º, 1262º, 1263º, al. a) e 1287º e seguintes todos do Código Civil).

25. Há ainda uma atenção a dar para uma matéria que o tribunal resolveu não valorizar.

26. Se falarmos de posse ou usucapião, o tribunal nem sequer concedeu ao facto do Autor ter informado que, por obrigação perante a Câmara Municipal e a GNR todos os anos limpa o seu terreno e cuida dele, foi uma outra vez fiscalizado e notificado para o facto, portanto, nunca abandonou o descuidou sequer do seu terreno, mas o tribunal resolveu, uma vez mais, ignorar.

27. Os Autores fizeram prova testemunhal, como se demonstra.

28. Os Autores tiveram que lutar contra os critérios do tribunal a quo que não tem esse mesmo critério em relação aos Réus, o tribunal a quo não teve!

29. O tribunal a quo apenas aceita e assenta a base da sua decisão num imprudente documento que o Réu junta aos autos (o tal registo nº ...) por sinal um mau documento que não subteve as exigências da lei em confirmar e autorizar tal registo por se tratar de propriedades com confinantes aos prédios registados, acrescido de lamentável uma lamentável prova testemunhal.

30. Quanto ao trato de terreno que os Autores reivindicam, ao Autores tiveram que fazer, há que dize-lo uma vez mais, toda aquela prova que vai para lá da prova documental (finanças, registo predial, etc), isto de modo a provar a posse desde mesmo terreno, mas já quanto ao do prédio rústico, em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2, sob o artigo Matricial nº ..., aqui, não foi necessário tal prova pois a documentação foi suficiente.

31. Por sua vez, temos toda tramoia dos Réus que tenta apoderar-se de um terreno que sabe que não lhes pertence e à custa de um INVOCADO documento (2798) que nem se quer se chega a ver tenta obter um benefício real que à luz das boas práticas do direito covil lhe está verdade.

32. ~´E que nem se quer se trata de uma questão de posse ou usucapião, ra.se de uma apropriação indevida que deve ser condenada e exemplarmente.

33. Com isto, temos a decisão a quo

34. Isto, com o devido respeito, não é justiça é uma demostração do direito de um modo mais reprovável que podemos ter.

35. O que serve para uma coisa,

36. Para invocar a violação de um direito, também, constitucional que é o direito à propriedade com dono legitimamente conhecido.

37. Um direito real, que se entenda, não se constitui por via da usucapião se se cinge a um mero ato de demostração registral, nem sequer temos a justificação notarial devidamente autorizada.

38. Aliás, os Réus em momento algum invocaram o abandono do prédio em crise por parte dos Autores.

39. Muita havia para dizer, mas pelo que se alega, pensamos convencionar, caso não se confirma a propriedade do que os autores reivindicam, por uma violação groseira de um direito constitucional o direito da propriedade.

40. Uma última nota.

41. Quando tribunal a quo se refere à ação (causa e pedido) como se trate de uma ação complicada com base numa ação com causa de pedir complexa, perguntamos em que momento o tribunal a quo atribui à ação tal grau de complexidade, isto de modo a ser tratada como tal, na sua análise nos seus prazos na sua decisão. Enfim!

42. Pelo que conclui pelo que se requer do modo que supra se argumenta e alega com o Douto reconhecimento de V. Exas. das questões todas elas levantadas, a natureza e efeitos dos prazos, as nulidades a impugnação dos factos, matéria de direito e litigância de má fé.

43. Dando provimento à apelação.

Logo,

- Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, revogando a douta sentença por outra que vá no sentido o direito e sua titularidade da propriedade dos Autores propriedade dos Autores (prédio rústico, em ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca com o nº ..., com a área total (descoberta) de 18.900M2, sob o artigo Matricial nº 2na sua totalidade na qual inclui a parte ocupada pelos Réus Recorridos identificada e melhor definida nos autos como trato de terreno como parte integrante da dita propriedade e sua restituição com as devidas consequências legais para os Recorridos.

- Proceder, do mesmo modo e termos, á condenação dos Recorridos em litigância de má fé.

Só assim se faz a devida JUSTIÇA!


-

D) Não foram apresentadas contra-alegações.

-

E) Aos 31/01/2024([7]) foi proferido despacho a admitir, corretamente, o requerimento de interposição de recurso, como sendo de apelação, a subir nos autos e com efeito devolutivo, nos termos, entre outros, dos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), e 647.º, n.º 1, do C.P.C.

O tribunal pronunciou-se, nos termos do art.º 641.º, n.º 1, do C.P.C., sobre as arguidas nulidades, previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas, b), c) e e), tendo concluído que não as tinha cometido([8]).


-

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).

Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
Assim, as questões (e não razões ou argumentos) a decidir são([9]) ([10]), por ordem lógica, as seguintes:

1) Se a sentença enferma das nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b), c)([11]) e e)([12]), do C.P.C.

2) Se o recorrente cumpriu os ónus de impugnação da matéria de facto.

3) Se o Direito foi corretamente aplicado aos factos do caso.

4) Se a decisão de absolver os RR. do pedido de condenação como litigantes de má-fé foi correta.


-

II – FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram julgados provados e não provados os seguintes factos([13]) ([14]).

1. Factos Provados

Com relevância para a decisão de mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. Mostra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca sob o n.º ... e inscrito a favor dos autores:

“O prédio rústico de terreno de pinhal e mato, sito em ..., no lugar e freguesia ..., com a área de 18900 m2, a confrontar do Norte com DD e caminho, do Sul com serviços florestais, do Nascente com parede com EE, do poente FF e Serviços Florestais” [cf. certidão da Conservatória do Registo Predial junta a fls. 24 e caderneta predial junta a fls.25 resultando da mesma que as confrontações foram alteradas a pedido do autor no ano de 2010 – cf. ainda documento remetido pela AT fls. 370 confrontações distintas e fls.371].

2. O referido prédio foi herdado pela mãe do autor, OO casada com MM, pai do autor, que faleceu no ano de 1966.

3. Em 16.05.2001 após o falecimento da mãe do autor, foi realizada a habilitação de herdeiros pelo autor e seu irmão QQ. [cf. escritura de habilitação de herdeiros junta a fls. 320 ss]

4. A 05 de Dezembro de 2002 o quinhão hereditário de QQ foi por ele cedido ao autor. [cf. escritura de cessão de quinhão hereditário junta a fls. 327]

5. Da relação de bens apresentada pela mãe do autor, em data não concretamente apurada, para documentar o processo de imposto sucessório instaurado pelo falecimento do seu marido MM infere-se:

Verba 21

A leira da ..., terra de monte, a confrontar do nascente com terra do casal, assim como do poente, do Norte com DD, e do sul com herdeiros de KK e floresta. Artigo ... (atual art.º...);

Verba 22

Das ... – terra de mato -a confrontar do nascente com o serrado de cima das casas e TT, poente com FF e floresta, norte com FF e do Sul com UU, DD e ribeiro. Artigo .... (atual art.º...) ; (negrito nosso) [cf. certidão da AT, com o nº ..., Processo ... junta a fls. 327 verso a 332, em especial fls. 328]

6. O autor registou a seu favor a propriedade do referido prédio por sucessão hereditária a 01.04.2011 [cf. certidão da Conservatória do Registo Predial junta a fls. 24]

7. Há mais de vinte e trinta anos que os pais do autor e, após a morte destes, os autores por si e seus antepossuidores vêm usando o referido imóvel.

8. Procedendo à sua limpeza e conservação.

9. Pagando as adequadas contribuições e impostos.

10. E retiram dele as suas utilidades à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e continuadamente, na convicção de exercerem tais atos materiais sobre coisa própria e no exercício de um direito próprio.

11. E sem lesar direitos alheiros.

12. O prédio a que os AA se referem como “...” foi construído há mais de 130 anos e foi registado na CRP pelo menos desde 1889, sob a descrição .... [cf. certidão da CRP junta a fls. 249 ss]

13. O ..., já no ano de 1889 foi registado a favor de KK, casado que foi com NN. [cf. certidão da CRP junta a fls. 249 ss]

14. Tal prédio foi depois por via sucessória transmitido à filha destes, UU casada com II. [cf. certidão do processo de inventário ... mormente fls. 143, 151, 156, 210, 217, 221]

15. Nesse mesmo processo de inventário foram adjudicados a HH, casada que foi com FF, avós do R marido a verba 9 – prédio denominado ... inscrito na matriz sob os artigos ... e .... [cf. certidão do processo de inventário ... mormente fls.210 e 217 que conjugado com o teor de fls. 383 a 389 da qual se infere que é deste artigo que foi desanexada a área que deu origem ao artigo matricial ... que corresponde hoje ao prédio urbano do réu BB]

16. A 16 de Dezembro de 1991 II e mulher UU venderam o prédio denominado ... a FF. [cf. escritura de compra e venda junta a fls. 280 ss]

17. Os RR a 11 de Fevereiro de 2016, conjuntamente com os restantes herdeiros, através do processo de “Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros, Partilha e Registos “, procederam à partilha dos bens que constituíam as heranças de FF e mulher, HH, também conhecida como VV que foram do lugar ..., ..., Arouca. [cf. procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e partilha junto a fls. 255 ss]

18. O réu BB é neto dos autores da herança, filho da pré - falecida filha WW [cf. procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e partilha junto a fls. 255 ss]

19. Por força desse contrato de partilha, ao R marido coube-lhe as verbas 1, 2, 3, 4 e 5 assim descritas nas que aqui importa considerar: cf. procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e partilha junto a fls. 255 ss]

Verba 1

Prédio rustico denominado ... composto de terreno de pinhal e mato com a área de 1166,90m2 sito no lugar ... inscrito na matriz sob o art.º ...;

Verba 2

Prédio urbano composto por casa de habitação com 2 pisos com a área coberta de 133,10 m2 e descoberta de 100m2 sita no lugar ..., freguesia ..., não descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca e inscrito na matriz sob o artigo ... e já registado a favor dos réus sob o n.º ....

20. O prédio (...) apesar de estar agora afecto a arrumos, foi originalmente construído para curral ou abrigo de animais.

21. Por isso e por ter sido englobado no artigo matricial n.º ... é que não constou do contrato de partilha feito entre os R e os restantes herdeiros de FF e mulher, HH [cf. partilha de fls. 255 ss conjugada com os documentos remetidos pela AT juntos a fls. 383 a 389 mormente as plantas topográficas que instruíram o modelo 1 do qual se infere o palheiro ali implantado no artigo ...]

22. Os réus demoliram um edifício em tijolo, um outro anexo ou construção em tijolo que estava anexa ao prédio urbano habitacional inscrito na matriz com o artigo ..., promoverem a visibilidade dos urbanos construídos em pedra, que são prédios antigos, melhorarem a sua aparência e os acessos internos, empedraram/pavimentaram o terreno à volta dos referidos urbanos. [cf. fotografias juntas aos autos com os articulados]

23. Depois de construírem o pavimento em pedra à volta do seu urbano habitacional que ocupa a parte central do prédio dos RR, colocaram nos seus limites do lado nascente (com a estrada) uma vedação em madeira [cf. fotografias juntas aos autos com os articulados esclarecendo-se que onde hoje se situa a estrada existe um ribeiro encanado por baixo da mesma]

24. Na sua confrontação a nascente, o prédio dos RR considerado na sua totalidade (art.º 1300 englobando o denominado ...) está parcialmente fechado e murado por um muro de pedra antigo com cerca de ½ a 1 metro de altura, muro este que confina com a estrada aí existente e depois, o limite do seu prédio continua até ao limite do prédio denominado ... com vedação em pilares de madeira e corrimão.

25. Os RR por si e pelos mencionados antepossuidores, retiram destes prédios com a configuração, confrontações e limites supra descritos as suas utilidades à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e continuadamente, na convicção de exercerem tais atos materiais sobre coisa própria e no exercício de um direito próprio, há mais de 20, 30 e 40 anos, desconhecendo que lesem os direitos de outrem, removendo lixo, limpando os prédios urbanos, as suas estremas, cortando ervas, guardando o pasto, pagando impostos.


*

2. Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da presente causa. Não se provou, nomeadamente, que:

a) O prédio urbano destinado antigo palheiro e curral, designado por “...” encontra-se exatamente dentro da propriedade dos AA, ou seja, encravado.

b) Os réus para procederem às obras mencionadas em 22 a 24 dos factos provados destruíram todo o terreno natural (com árvores/vegetação) dos AA, ocupando a propriedade e servidão dos AA.

c) Fizeram-no sem qualquer aviso prévio ou licença municipal e cientes que a propriedade onde construíram obra pertence aos AA.

d) A obra realizada pelos RR impede passagem para a propriedade dos AA, e foi executada dentro do próprio terreno dos AA.

e) Retiraram marcos, árvores, outra florestação, fazendo desaparecer tais bens dos AA.

f) Deitaram entulho para o prédio (antigo canil) dos AA (com destruição da entrada e porta do mesmo)

g) Os esteios, entre uma fase da obra e o estado da obra atual não existiam, tendo em consta as diferentes fases da obra.

h) O trato de terreno na qual foi realizada a obra pelos Réus integra o prédio do A. identificado em 1 dos factos provados e nesse trato de terreno os autores praticaram os actos descritos nos pontos 7 a 11 dos factos provados.

i) Os Autores ficaram privados do acesso quer pedonal, quer através de veículos ao prédio identificado em 1 dos factos provados.

j) Os RR ocuparam uma parcela com uma área global aproximada de 18.900 metros quadrados.

k) O prédio do A. “encosta” à casa de habitação dos RR. dele fazendo parte integrante o trato de terreno calcetado pelo réu.

l) Os réus, ao alegarem que a parcela de terreno em causa, lhes pertence e faz parte integrante do seu prédio estão a deduzir uma pretensão que bem sabem ser infundada.


-

Análise das questões decidendas.

-

1) Se a sentença enferma das nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e e), do C.P.C.

Considera o recorrente que a sentença recorrida padece das nulidades enunciadas no art.º 615.º, n.º 1, al. b), al. c) e al. e), in fine, do C.P.C., ou seja, respetivamente, “[n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” e, no caso, “o juiz [condene] em objeto diverso do pedido”([15]).

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos da mesma, designados como error in procedendo, respeitando apenas à estrutura ou aos limites da sentença, estando taxativamente previstos no art.º 615º, n.º 1, alíneas a) a e), do C.P.C.

Como resulta (também) da Doutrina e da Jurisprudência (pacífica), trata-se de vícios a apreciar em função do texto da mesma, do discurso lógico nele desenvolvido, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando – que são erros quanto à decisão de mérito constante da sentença), decorrentes de errada consideração da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do Direito (error juris) à matéria de facto, levando a que o decidido não corresponda à realidade ôntica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos.

A apreciação de erros de julgamento é distinta da verificação de uma nulidade da sentença.

Quanto à nulidade prevista na al. b): fazemos nossa a síntese doutrinal e jurisprudencial efetuada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, datado de 03/03/2021, sendo relatora Leonor Cruz Rodrigues: “[a] nulidade contemplada nesse preceito ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda da decisão, impondo-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisão de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento. Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e [S. Nora], ao escreverem «Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito». Como já afirmava o Prof. Alberto dos [Reis] «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade». No mesmo sentido constitui jurisprudência pacifica e reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça, sufragada, entre outros, nos acórdãos de 9.10.2019, Procº nº 2123/17.8LRA.C1.S1, 15.5.2019, Procº nº 835/15.0T8LRA.C3.S1 e 2.6.2016, Procº nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1, que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente([16]).

Posto isto, e como é patente, os fundamentos de facto e os de Direito foram enunciados, pelo que não se verifica tal nulidade.

Quanto à nulidade prevista na al. c): não há fundamento(s) em contradição com a decisão – mais uma vez o que se verifica é uma discordância do recorrente com os fundamentos.

Dada a argumentação expendida, a nulidade estatuída na parte final da al. e) do art.º 615.º, n.º 1, do C.P.C., está relacionada com a da al. c).

Lançando mão, novamente, da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, desta feita do acórdão proferido no processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1, aos 14/04/2021, relatado igualmente por Leonor Cruz Rodrigues, “[é] pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido [diferente], e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Procº nº 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Procº nº 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Procº nº 2913/14.3TTLSB.L1-S1)”([17]).

Também não é controvertido que a divergência entre os factos provados e a decisão reconduz-se a um erro de julgamento, não à verificação de tal nulidade.

Não ocorre, igualmente, qualquer condenação em objeto diverso do pedido.

O patente é que o recorrente discorda da decisão.

Assim, e pelo exposto, não se verifica nenhuma das nulidades apontadas.

2) Se o recorrente cumpriu os ónus de impugnação da matéria de facto.

Segundo o art.º 640.º do C.P.C., “1 – [q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

Vejamos.

Há jurisprudência menos e mais restritiva no atinente à verificação dos ónus constantes do art.º 640.º do C.P.C., mas mesmo a primeira vai no sentido de que das conclusões têm de constar especificadamente os factos sobre os quais se pretende a alteração da decisão, podendo os demais requisitos (redação pretendida e concretos meios de prova que a justificam) constarem apenas das alegações.

A propósito, passamos a citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido aos 14/02/2023, no processo n.º 1680/19.9T8BGC.G1.S1, “[é] entendimento deste STJ que relativamente à inobservância do disposto no art. 640º, n.º 1, als. a), b) e c) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, enquanto o incumprimento ou o cumprimento deficiente do disposto no art. 640, n.º 2, al. a) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte. E no mesmo sentido refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 165, «em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões» e acrescenta «são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões» e reafirma na nota 274, a págs. 168 que «ainda que não tenha utilizado no art. 640º uma enunciação paralela à que consta do nº 2 do art. 639 sobre o recurso da matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objeto do recurso». E no recente Ac. desta Secção se decidiu: «I - Os ónus primários previstos nas als. a), b) e c) do art. 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto. II - O incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões» – Ac. de 02-02-2022 no Proc. n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1([18]).

Como observado no acórdão desta Secção, datado de 09/09/2024, proferido na apelação n.º 10782/18.8T8PRT.P2, “[s]obre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso. Devendo após a alegação, concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC. Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação. Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório([19]).

Neste sentido, e por todos, veja-se ainda a síntese jurisprudencial([20]) efetuada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16/05/2018, no processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, e de cujo sumário passamos a citar parte: “I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso([21]).

No acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 12/2023, de 17/10([22]), foi esta uniformizada nos seguintes termos: “[n]os termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”([23]) – o que é bem diferente da situação dos autos, em que nas conclusões não indica, sequer, quais os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados([24]).

Resulta assim que o recorrente não concorda com a decisão de facto a que alude, mas não tendo cumprido integralmente os ónus legais previstos no art.º 640.º do C.P.C., mormente os previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 e o constante do n.º 2, rejeitamos a pretendida reapreciação da matéria de facto.

Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que é aplicável em casos de recurso sobre a matéria de facto, desde que cumpridos os ónus previstos no art.º 640.º do C.P.C., ou então, mesmo que não o tenham sido, se estiver em causa a violação do direito probatório material([25]).

Citando António Santos Abrantes Geraldes, “sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu proprio, se confronte com a generalidade dos meios de [prova] para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto indicou nas respetivas alegações que circunscrevem o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objeto do recurso (da matéria de facto) através das alegações”([26]).

Independentemente de não ter sido invocada qualquer violação de direito probatório material, dadas as persistentes (por vezes até algo excessivas, pelo menos no tom) críticas do recorrente, transversais a toda a sentença, constatámos que o trabalho levado a cabo pelo tribunal a quo, mormente na motivação da decisão de facto, foi bastante intenso, criterioso e trabalhoso([27]) ([28]).

Assim, nem ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., não temos alguma alteração a fazer à decisão de facto.

O Direito aplicável aos factos:

3) Se o Direito foi corretamente aplicado aos factos do caso.

Do teor das conclusões (bem como do corpo das alegações) extrai-se que eventual alteração do decidido em termos de Direito estaria dependente de uma alteração da matéria de facto, que a tal pudesse conduzir, o que, manifestamente, não sucede.

Apesar das reiteradas críticas à motivação da sentença (e referências às suas 44 páginas), não vemos qualquer repetitividade, seja doutrinal ou jurisprudencial.

A subsunção jurídica efetuada na sentença está correta e não nos suscita qualquer reparo.

4) Se a decisão de absolver os RR. do pedido de condenação como litigantes de má-fé foi correta.

Sem considerandos doutrinais ou jurisprudenciais desnecessários, tendo em conta os já vertidos na sentença recorrida, a resposta à presente questão acaba de ser dada no fim da resposta anterior; a decisão foi correta e a contrária seria incompatível com a procedência do pedido reconvencional, nos termos em que o foi.

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo A., confirmando-se a sentença recorrida.

Custas na primeira instância e na apelação pelo A. recorrente, nos termos do art.º 527.º do C.P.C.


Porto, 28/04/2025.

-
Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Jorge Martins Ribeiro;
Fátima Andrade
Miguel Baldaia de Morais
______________
[1] A A. esposa do A., entretanto, faleceu.
[2] Transcrição integral do texto, sem quaisquer modificações introduzidas por nós – incluindo quanto aos lapsos de escrita; negrito, sublinhado e aspas no original.
[3] Aspas e itálico no original.
[4] Negrito no original.
[5] Itálico no original.
[6] Também neste caso transcrevemos o texto sem qualquer alteração, inclusive de gralhas.
[7] Os autos estiveram suspensos enquanto decorria o incidente de habilitação de herdeiros da falecida A.
[8] Houve lapso na identificação das nulidades suscitadas, pois foram a das alíneas b), c) e e).
[9] Relativamente ao requerimento do recorrente junto aos autos no dia 07/01/2025, já depois de o processo ter sido autuado nesta Relação: no atinente a ter sido identificada pelo recorrente a Relação de Coimbra e não a do Porto, trata-se de um lapso, tal como se terá tratado de um lapso da secretaria do tribunal recorrido não ter notificado o recorrente da remessa dos autos a este Tribunal, pelo que nada mais temos de útil a referir.
[10] Nas conclusões n.º 1 a n.º 5 o recorrente suscitou a questão da ultrapassagem do prazo legal pelo tribunal a quo para prolação da sentença, de acordo com o artigo 607.º, n.º 1, do C.P.C. No entanto, tal extravasa o objeto de um recurso de apelação; ocorrendo tal (ou do disposto no art.º 156.º, n.º 4, do C.P.C.), poderá a parte, se assim o entender, reagir por outro modo que não o de recurso.
[11] No atinente à nulidade de os fundamentos estarem em contradição com o decidido, reportar-se-ão as conclusões n.º 20.º a n.º 24.º.
[12] Conclusões n.º 7 a n.º 10 (condenação em objeto diferente do pedido).
[13] Damos por reproduzida a motivação da decisão da matéria de facto.
[14] Do original constam aspas e negritos.
[15] Interpolação nossa.
[16] Interpolação nossa; aspas e citação de bibliografia no original.
O acórdão está acessível em:
http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/73fe72e4c98e28908025868d003f205b?OpenDocument [15/04/2025].
[17] Interpolação e itálico nosso; citação de doutrina no original.
O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f78a35774ba29550802586b7003a68e2?OpenDocument [15/04/2025].
[18] Relatado por Jorge Dias.
O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8387c2d873654444802589640056196e?OpenDocument [15/04/2025 (interpolação nossa e aspas no original)].
[19] Relatado por Fátima Andrade (ora primeira adjunta), sendo primeiro adjunto o ora relator e segundo adjunto Manuel Fernandes.
[20] “Vejam-se a título de mero exemplo os seguintes acórdãos desta 4ª secção, com os seguintes sumários (na parte que aqui releva):
«De 7.07.2016, proc. n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1 (Gonçalves Rocha):
«I. Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC.
II. Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele n.º 1 para quem não os cumpre».
De 12.05.2016, proc. 324/10.9TTALM.L1.S1, (Ana Luísa Geraldes):
«1 - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso».
De 27.10.2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1 (relatado pelo aqui relator e subscrito pelo, também aqui, primeiro adjunto):
«1 – Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.
2 – Omitindo o recorrente a indicação referida no número anterior o recurso deve ser rejeitado nessa parte, não havendo lugar ao prévio convite ao aperfeiçoamento» (aspas e itálico no original)”.
[21] Relatado por Ribeiro Cardoso.
O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/EAAA2505146D4EE28025828F004DD81F [15/04/2025 (itálico no original)].
[22] Ilustrativo da diferente jurisprudência mais ou menos restritiva que antes referimos, é o teor dos três votos de vencido dele constantes.
[23] Relatado por Ana Resende e publicado no Diário da República, Série I, aos 14/11/2023.
O acórdão está acessível em:
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/12-2023-224203164 [15/04/2025].
[24] Ainda que se no corpo das alegações se refira a discordância com as alíneas a), b), c), h) e k) dos factos não provados (cf. p. 24 das alegações); no atinente à matéria de facto provada, trata-se de uma crítica generalizada, sendo que não chega a especificar alguns (cf., por todos, pp. 26 e 31 das alegações e o art.º 60.º destas).
[25] Neste sentido, e exemplificativamente, cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 857-858.
[26] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 340-341 (interpolação nossa e itálico no original).
[27] Demos já por reproduzido o seu teor.
[28] Relacionado, também, com a extensão dos articulados (incluindo a petição inicial aperfeiçoada e a réplica aperfeiçoada), do acervo de prova documental (incluindo a fotográfica, bem como as duas fotografias que ficaram a constar do auto de inspeção judicial, que se encontra no histórico aos 16/09/2022).