A exequente, sociedade de titularização de créditos, que alega que a executada cliente bancária se acha em mora, mesmo que posterior à cessão de créditos para titularização, tem o ónus de demonstrar que a cedente instituição de crédito, gestora necessária por força de lei imperativa dos créditos bancários cedidos, integrou a devedora no PERSI e que este procedimento se extinguiu, sob pena de se verificar uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância da executada.
Sumário do acórdão proferido no processo nº 19355/23.2T8PRT-A.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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1. Relatório
Em 31 de outubro de 2023, com referência ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto, A..., S.A. instaurou ação executiva sob forma sumária para pagamento de quantia certa contra AA, a que foi atribuído o nº 19355/23.2T8PRT, alegando para o efeito o seguinte:
“I – QUESTÃO PRÉVIA
1. Por força da deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária, no dia 03 de Agosto de 2014, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 145-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.º 298/92, de 31 de Dezembro, foi constituído o Banco 1... S.A..
2. Por intermédio da mesma deliberação, determinou o Conselho de Administração do Banco de Portugal que “a generalidade da atividade e do património do Banco 2... S.A., é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Banco 1... S.A.”
3. Ademais, por deliberação tomada em reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, são esclarecidos quais os ativos que transitam para o Banco 1... S.A., o que, em conjugação com o disposto no art.º 145-H, n.º 1, 9, 10 e n.º 11, do RGICSF (“A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos, inscrito na respetiva matriz sob o art.º independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência “ – n.º 11 do citado artigo), permite prosseguir a atividade de recuperação de crédito em nome do Banco 1... S.A.
4. Em 27 de Junho de 2022 foi celebrado contrato de cessão de créditos, no cartório Notarial da Notária Dra. BB, sito na Rua ..., entre o Banco 1..., S.A. e a sociedade A..., S.A., com sede na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, com o capital social de € 250.000, com o número de identificação de pessoa coletiva ..., Cfr. Doc. n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5. No referido contrato de cessão, o Banco 1..., S.A. cedeu ao ora Exequente/Credor um conjunto de créditos vencidos de que era titular, onde está(ao) incluído(s) o(s) ora peticionado(s).
6. Uma vez que os anexos ao Contrato de Cessão de Créditos comportam um elevado número de páginas, é opção da aqui Credora juntar apenas o(s) elemento(s) correspondente(s) à identificação do(s) crédito(s) peticionados nos presentes autos e às respetivas garantias, visto a demais informação não relevar para a boa decisão da causa, Cfr, Doc. n.º 1 e 2 juntos.
7. A mencionada cessão incluiu a transmissão, relativamente a todos os direitos, garantias e direitos acessórios inerentes ao(s) crédito(s) aqui peticionado(s), sendo a Credora/Exequente A..., S.A. o seu atual titular e parte legitima na presente demanda.
II – DOS CRÉDITOS:
A. DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA (OPERAÇÃO ...... E OPERAÇÃO ......)
8. Por escritura pública denominada de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, celebrada em 24 de Março de 2000, o Banco Cedente, no exercício da sua atividade bancária, mutuou à Executada AA a quantia global de Euros 69.831,71 (à data correspondente à quantia de 14.000.000$00), pelo prazo de 30 anos, sendo que parte do empréstimo destinou-se aquisição de um imóvel e outra parte a realização de obras de beneficiação do mesmo, contratos aos quais foram atribuídos os números internos ... e ...... – cfr. cópia simples da escritura pública e respetivo documento complementar que se junta como documento 3
9. As partes convencionaram que a taxa de juro aplicável ao empréstimo será de 4,25%, correspondente à taxa anual efetiva de 4,33%, indexante Euribor a seis meses, acrescida do spread de 1,7%.
10. Em caso de mora ou incumprimento acresce uma sobretaxa por mora de 2% ao ano.
B. DA ESCRITURA PÚBLICA DE TÍTULO DE MÚTUO COM HIPOTECA (OPERAÇÃO ......)
11. Por escritura pública denominada de Título de Mútuo com Hipoteca, celebrada em 13 de Setembro de 2010, o Banco Cedente, no exercício da sua atividade bancária, mutuou à Executada AA a quantia global de Euros 14.460,00, pelo prazo de 230 meses, sendo que o empréstimo destinou-se ao cumprimento de compromissos financeiros, contrato ao qual foi atribuído o número interno ...... – cfr. cópia simples da escritura pública e respetivo documento complementar que se junta como documento 4
12. As partes convencionaram que a taxa de juro Euribor a seis meses, acrescida do spread de 4,5%.
13. Em caso de mora ou incumprimento acresce uma sobretaxa por mora de 2% ao ano.
Acresce que,
14. Para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos dos presentes contratos a que se fazem referência supra, nomeadamente juros que forem devidos, e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais, a Executada AA constituiu a favor do Banco Cedente hipoteca sobre o seguinte bem imóvel:
- Fração autónoma identificada pela letra U, correspondente a uma habitação no quarto andar frente – sul- direito, com entrada pelo ..., a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Gaveto da Avenida ..., ... e Rua ..., nesta cidade, descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim pelo n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ....
15. As hipotecas encontram-se devidamente registadas a favor do Banco Cedente pela AP. ... de 2000/02/16 e pela AP. ... de 2010/09/13, cuja transmissão do crédito está averbada a favor do Banco Cedente pela AP. ... de 2022/05/04 e AP. ... de 2022/05/04 – cfr. documento 5
16. A quantia emprestada, referida no aludido título foi efetivamente entregue à Executada AA, tendo movimentado e utilizado em proveito próprio os valores resultantes daqueles créditos,
17. E, inclusive, confessando-se devedora da quantia recebida perante o Banco Cedente.
Acontece que,
18. As prestações dos empréstimos acima identificados foram interrompidas em 30.01.2023 e 30.12.2021, respetivamente.
19. Nada mais tendo pago por conta do mesmo,
20. Apesar das diversas diligências suasórias desenvolvidas pelo Banco Cedente e pela ora Exequente.
21. A situação descrita determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e,
22. Consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data daquela última prestação paga.
Assim,
23. No empréstimo a que se vem fazendo referência, melhor identificado pelo documento n.º 3 e ao qual foi atribuído a operação ......, o capital em dívida ascende a Euros 19.622,33
24. Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
Juros de 30.01.2023 até 18.09.2023, à taxa de 4,173 (1,173% + 3%) no valor de Euros 518,22; Imposto de selo, no valor de Euros 20,73
25. Perfazendo o valor global em dívida a quantia de Euros 20.161,28 (vinte mil, cento e sessenta e um euros e vinte e oito cêntimos).
26. No empréstimo a que se vem fazendo referência, melhor identificado pelo documento n.º 3 e ao qual foi atribuído a operação ......, o capital em dívida ascende a Euros 3.273,50
27. Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
Juros de 30.01.2023 até 18.09.2023, à taxa de 4,173 (1,173% + 3%) no valor de Euros 86,45;
Imposto de selo, no valor de Euros 3,46;
28. Perfazendo o valor global em dívida a quantia de Euros 3.363,41 (três mil, trezentos e sessenta e três euros e quarenta e um cêntimos).
29. No empréstimo a que se vem fazendo referência, melhor identificado pelo documento n.º 4 e ao qual foi atribuído a operação ......, o capital em dívida ascende a Euros 6.889,06
30. Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
Juros de 30.12.2021 até 18.09.2023, à taxa de 6,973 (3,973% + 3%) no valor de Euros 825,19; Imposto de selo, no valor de Euros 33,01
31. Perfazendo o valor global em dívida a quantia de Euros 7.747,26 (sete mil, setecentos e quarenta e sete euros e vinte e seis cêntimos).
32. Tem, assim, o Exequente a haver a título de quantia exequenda o montante global de Euros 31.271,95 (trinta e um mil, duzentos e setenta e um euros e noventa e cinco cêntimos), valor ao qual mais hão-de acrescer os juros vincendos e imposto selo que venham a ser devidos até efetivo e integral pagamento.
33. O Exequente é credor com garantia real,
34. Pelo que, tem direito de ser pago pelo valor do imóvel hipotecado, com preferência sobre os demais credores (que não gozam de privilégio especial ou de prioridade de registo, cfr. art. 686º n.º 1 C. Civil).
35. Os títulos acionados são exequíveis – art.º 703º nº 1 al. b) do C.P.C. – e a quantia exequenda é certa, líquida e exigível.”
Em 19 de fevereiro de 2024 foi penhorado o imóvel hipotecado e em 28 de fevereiro de 2024 foi citada a executada[1] para no prazo de vinte dias, além do mais, pagar a quantia exequenda juros e custas ou, querendo, deduzir oposição à execução mediante embargos e/ou deduzir oposição à penhora.
Em 19 de março de 2024, por apenso à ação executiva nº 19355/23.2T8PRT, comprovando ter requerido apoio judiciário, AA deduziu embargos alegando nada dever à exequente ou ao banco cedente, tendo pago todas as prestações referentes aos contratos identificados no requerimento executivo até à instauração da ação executiva, suscitou exceção dilatória por não ter sido integrada no PERSI e pediu a condenação dos embargados como litigantes de má-fé em multa e indemnização de três mil euros.
Os embargos foram recebidos, ordenando-se a citação da exequente para, querendo, contestar.
A exequente contestou reconhecendo pagamentos realizados pela embargante entre maio de 2022 e 2024, alegando que a executada não pagou as prestações de setembro, novembro e dezembro de 2022, não pagou as prestações correspondentes aos meses de maio e julho a setembro de 2023 nos respetivos meses, não tendo a executada procedido à atualização das prestações devidas nos termos contratuais; alegou ainda que sendo uma sociedade de titularização de créditos, não carece de implementar previamente o PERSI para executar a embargante, negando litigar de má-fé, concluindo pela parcial procedência dos embargos com imputação dos pagamentos realizados pela embargante e que por lapso não foram contabilizados pela exequente.
As partes foram advertidas da intenção do tribunal de dispensar a realização de audiência prévia em virtude de os autos conterem todos os elementos necessários para conhecimento do mérito da causa.
As partes não se opuseram à dispensa de audiência prévia e reiteraram as posições assumidas nos articulados.
Em 30 de junho de 2024, fixou-se o valor da causa no montante de € 32 275,95 e conheceu-se da exceção inominada de não integração da devedora no PERSI, concluindo-se, a final, pela verificação da exceção dilatória inominada de não integração da embargante no PERSI e pela não verificação de litigância de má-fé por banda da exequente[2].
Em ofício datado de 03 de julho de 2024, a Unidade de Proteção Jurídica do Centro Distrital da Segurança Social do Porto informou ter sido concedido à embargante apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Em 23 de agosto de 2024, inconformada com a decisão proferida em 30 de junho de 2024, A..., S.A. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A. A sentença em apreço veio julgar os embargos à execução procedentes por verificação da excepção dilatória inominada por não ter sido demonstrado o cumprimento do regime PERSI.
B. Do ponto 1 resulta que “Em 27 de Junho de 2022 foi celebrado contrato de cessão de créditos, no cartório Notarial da Notária Dra. BB, sito na Rua ..., entre o Banco 1..., S.A. e a sociedade A..., S.A., com sede na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, com o capital social de € 250.000, com o número de identificação de pessoa coletiva ... – cifrando documento junto como n.º 1 com o requerimento executivo.” mas tal conclusão não está correcta pois conforme se pode verificar do referido documento n.º 1 junto, a escritura de cessão de créditos ocorreu no dia 7 de Abril de 2022.
C. Tal desiderato não influi na decisão que veio a ser tomada pelo Tribunal a quo mas porque se trata de um manifesto lapso, a aqui exequente requer, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 614.º do Código de Processo Civil, que seja ordenada a retificação de tal lapso, o que se requer.
D. Desta feita, tal facto deverá manter-se no elenco dos factos considerados provados, com a seguinte redacção: “Em 7 de Abril de 2022 foi celebrado contrato de cessão de créditos, no cartório Notarial da Notária Dra. BB, sito na Rua ..., entre o Banco 1..., S.A. e a sociedade A..., S.A., com sede na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, com o capital social de € 250.000, com o número de identificação de pessoa coletiva ... – cifrando documento junto como n.º 1 com o requerimento executivo”, justamente o que deve ser concluído e decidido pelo douto Tribunal ad quem, o que desde já se requer.
Continuando:
E. Do ponto 11 resulta que a Meritíssima Juiz a quo deu como provado que “O exequente não integrou a executada na fase inicial e extinção do PERSI.”
F. Ora, tal facto revela-se verdadeiro e foi assumido pela exequente, aqui recorrente aquando da apresentação da sua contestação.
G. Acontece que a Meritíssima Juiz a quo considerou que a exequente estava obrigada a integrar a executada em PERSI, o que não corresponde à realidade jurídica dos presentes autos, atenta a
configuração dos mesmos.
Senão vejamos:
H. Foi dado como provado que em 27 de Junho de 2022 foi celebrado contrato de cessão de créditos através do qual o Banco Cedente, Banco 1..., transmitiu à aqui recorrente um conjunto de créditos onde se incluiu o daqui recorrida.
I. Conforme se referiu supra a cessão de créditos ocorreu a 7 de Abril de 2022 e a não foi impugnada nem posta em causa por qualquer outro meio, pela recorrida.
Mais:
J. Após a cessão de créditos ocorrida em 7 de Abril de 2022 (conforme indicado no artigo 13 da contestação) foram recebidos pagamentos, que demonstram que o incumprimento ocorreu em Setembro de 2022 (!!!), data a partir da qual a recorrida deixou de cumprir, mensal e sucessivamente, o pagamento das prestações.
K. O Banco Cedente reclamou créditos na acção executiva n.º 2305/15.7T8VNF, que correu termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão - Juiz 2 e aí os créditos vencidos foram regularizados pela recorrida, na Recuperação Central em 22/10/2021, tendo os contratos repristinado à Estrutura Comercial e após esta data tinha a Embargada de cumprir mensal e escrupulosamente o pagamento das prestações mensais a que estava obrigada.
L. Ora, conforme se deixou evidente, não o fez, tendo o incumprimento ocorrido, neste caso concreto, já após a cessão de créditos ocorrida em 7 de Abril de 2022, ou seja, já na esfera da cessionária.
M. E esta é a pedra de toque: é pelo incumprimento ter ocorrido após a cessão de créditos que a recorrente não estava obrigada à integração dos clientes em PERSI.
Isto porque:
N. No dia 1 de Janeiro de 2013 entrou em vigor o DL 227/2012, de 25 de Outubro e no preâmbulo consta que tal diploma visa “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”, sendo que no âmbito do PERSI “as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”.
O. O preâmbulo do indicado diploma legal dá conta das razões subjacentes à consagração do regime ali estabelecido, convocando o contexto de degradação das condições económicas e financeiras sentido em diversos países, com um aumento significativo no incumprimento dos contratos de crédito, o que determinou a criação de um sistema de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, bem como o desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.
P. O mesmo diploma estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações, consignando-se ainda no seu preâmbulo que se pretendeu “estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
Q. Como concretização de tais medidas, além de prever que cada instituição de crédito crie um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), foi instituído “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
R. O citado diploma visou, assim, “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”.
S. As medidas e procedimentos criados pelo mencionado diploma legal destinam-se, pois, a prevenir e regular o incumprimento dos contratos de crédito ou, em último caso, regularizar, extrajudicialmente, as situações de incumprimento por parte do consumidor, obviando ao acionamento de determinadas cláusulas dos contratos de crédito. Parte-se do pressuposto que a resolução das situações de incumprimento deve realizar-se, preferencialmente, fora do contexto judicial, através da negociação entre a instituição de crédito e o cliente bancário, sendo que o PERSI tem em vista a definição de um quadro harmonizado para a negociação, entre as Instituições Creditícias e os seus clientes, de soluções para a recuperação de créditos em incumprimento – cfr. art. 12.º do Dl 227/2012, de 25 de Outubro.
T. Compete, pois, às instituições de crédito, nos termos do art. 12.º do DL 227/2012, promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, começando por, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, informar o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento – cfr. art.º 13.º.
U. Note-se que para além da situação descrita e contemplada na fase inicial do procedimento, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora – cfr. art. 14.º, n.º 2 do DL 227/2012.
V. E porque essa integração é obrigatória, somos a concordar que verificados que sejam os respectivos pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI – cfr. art. 18.º, n.º 1, b) do Decreto-Lei nº 227/2012.
W. Ora, da conjugação dos normativos disciplinadores do regime em apreço resulta que, reunidos os pressupostos da aplicação do DL 227/2012, de 25 de Outubro, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória; sendo obrigatória e havendo lugar à integração do devedor no PERSI, enquanto o procedimento não for extinto, não é possível o accionamento judicial do devedor.
X. De igual modo, deve também ter-se por verdadeiro que a falta de integração no PERSI, verificados que estivessem os pressupostos para tanto, impede também que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta de tentativa extrajudicial de regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial.
No entanto:
Y. Importa ter presente que o art. 3.º do DL 227/2012 introduziu um elenco de conceitos que, para efeitos do presente diploma, devem ser tidos em conta, entre eles o de «Cliente bancário» que, para este efeito, é “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito” – cf. alínea a).
Z. Por sua vez, a alínea e) do art. 3.º do DL 227/2012 determina que para efeitos do diploma se entende por «Instituição de crédito» “qualquer entidade habilitada a efetuar operações de crédito em Portugal, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual (RGICSF)”.
AA. Por sua vez, o art. 6.º do RGICSF enuncia os tipos de sociedades financeiras, estatuindo no seu n.º 5 que “Não são sociedades financeiras as entidades reguladas no Regime Jurídico da Titularização de Créditos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, na sua redação atual, no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação atual, e no Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, aprovado em anexo à Lei n.º 18/2015, de 4 de março, na sua redação atual.”
BB. O DL nº 453/99, de 5 de Novembro estabelece o regime das cessões de créditos para efeitos de titularização e regula a constituição e o funcionamento dos fundos de titularização de créditos, das sociedades de titularização de créditos e das sociedades gestoras daqueles fundos e, nos termos do art. 39.º do DL nº 453/99 “As sociedades de titularização de créditos adotam o tipo de sociedade anónima e têm por objeto exclusivo a realização de operações de titularização de créditos ou de riscos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos ou dos riscos adquiridos.”
CC. Acrescenta o art. 40º: “1 - A firma das sociedades de titularização de créditos deve incluir a expressão «Sociedade de titularização de créditos» ou a abreviatura STC, as quais, ou outras que com elas se confundam, não podem ser usadas por outras entidades. […]”.
DD. A exequente, aqui recorrente possui a designação A..., S. A. pelo que, sabendo-se que apenas as sociedades de titularização de créditos podem incluir tal abreviatura, tem de aceitar-se que a exequente não é uma instituição de crédito, nem tão-pouco uma sociedade financeira, estando antes abrangida pelo regime do DL 453/99, de 5 de Novembro e apenas pode ter por objecto social realização de operações de titularização de créditos ou de riscos.
EE. Como tal, a exequente não está abrangida pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, não estando obrigada a promover as diligências necessárias à implementação do PERSI.
FF. À data do incumprimento (Setembro de 2022) já era a exequente a titular do crédito exequendo, pelo que nem sequer se pode colocar aqui em causa uma eventual preterição por parte da instituição de crédito mutuante, Banco 1..., S. A., da obrigação de integrar os executados no PERSI, dado que até à cessão de créditos para a A..., S.A. não ocorreu mora ou incumprimento por banda da mutuária que justificasse a implementação do procedimento extrajudicial de regularização do incumprimento, nos termos previstos no art. 12.º e seguintes do DL 227/2012, de 25 de Outubro.
GG. Caso se apurasse que, à data da cessão de créditos, a mutuante (cedente), perante uma situação de mora no cumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito, não tivesse integrado os devedores no PERSI, não tendo dado início ao referido procedimento e, não obstante, procedesse à cessão dos créditos, tal impediria a interposição da presente execução pela cessionária, pois que, ainda que esta não seja uma instituição de crédito (não estando sujeita às proibições decorrentes do art. 18.º do DL 227/2012 e podendo exigir de imediato a satisfação do crédito cedido), se assim não fosse, resultaria inviabilizada a finalidade do regime instituído por aquele diploma legal, pois que estaria encontrado um meio de as entidades credoras se furtarem ao cumprimento dessa obrigação.
HH. Mas não foi o caso: o incumprimento dá-se já na esfera da cessionária e tal ficou amplamente demonstrado, caso contrário não tinha o Tribunal concluído como concluiu, pela obrigatoriedade de integração em PERSI, ainda que discordemos.
II. Isto porque, o período em análise é posterior à cessão de créditos pelo que dúvidas não podem subsistir quanto a isto.
JJ. Por outro lado, estatui o art. 6.º do DL 453/99, de 5 de Novembro sobre os efeitos da cessão, prevendo que a sua eficácia em relação aos devedores fica dependente de notificação, ainda que, sendo o cedente uma instituição de crédito, como é o caso, tal eficácia ocorra no momento em que se tornar eficaz entre o cedente e o cessionário, não dependendo do conhecimento, aceitação ou notificação dos devedores – cfr. n.ºs 1 e 4.
KK. Assim, verificada a cessão de créditos para a aqui recorrente num momento em que ainda não ocorria qualquer situação de mora por parte da devedora, ora recorrida, não pode esta pretender invocar perante a cessionária a falta de integração no PERSI, porquanto os pressupostos de que esta depende só terão ocorrido em momento posterior à cessão, não colhendo aplicação o disposto no mencionado n.º 6 do art. 6º do DL 453/99, de 5 de Novembro.
LL. Em suma, ao tempo do incumprimento, a titularidade do crédito estava já transferida para a cessionária, que, não sendo instituição de crédito, não está sujeita às obrigações decorrentes do DL 227/2012.
MM. Com tais fundamentos, porque não verificados os respectivos pressupostos, conclui-se pela não verificação da mencionada excepção dilatória inominada de preterição de sujeição da devedora ao PERSI, pelo que, não existe motivo para ter sido determinada a extinção da execução.
NN. Desta feita, tal facto deverá manter-se no elenco dos factos considerados provados, com a seguinte redacção: “A exequente não integrou a executada na fase inicial e extinção do PERSI nem a isso estava obrigada pois ao momento do incumprimento, a titularidade do crédito estava já transferida para a cessionária, que, não sendo instituição de crédito, não está sujeita às obrigações decorrentes do DL 227/2012”, justamente o que deve ser concluído e decidido pelo douto Tribunal ad quem, o que desde já se requer.
OO. Desta feita, e com base nestes factos, a instância tinha necessariamente de prosseguir os seus regulares termos, o que desde já se requer que venha a ser determinado.
PP. Foram violadas, entre outras disposições, os arts. 12.º e 13.º do DL 227/2012, de 25 de Outubro, art. 2.º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor e arts. 2.º-A, w) e 6.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.”
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Atenta a natureza essencialmente jurídica do objeto do recurso e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da retificação da data aposta no ponto 1 dos factos provados e da alteração do ponto 11 dos factos provados;
2.2 Da não sujeição da exequente, Sociedade de Titularização de Créditos, ao PERSI.
3. Fundamentos
3.1 Da retificação da data aposta no ponto 1 dos factos provados e da alteração do ponto 11 dos factos provados
A recorrente requer a retificação da data indicada no primeiro ponto dos factos provados, pretendendo que a data aí mencionada como tendo sido aquela em que ocorreu a cessão de créditos seja substituída pela de 07 de abril de 2022, como resulta inequívoco do documento nº 1 oferecido com o requerimento inicial para prova desse facto. Além disso, sem indicar as provas que estribam a sua pretensão, pretende que o ponto 11 dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
- “A exequente não integrou a executada na fase inicial e extinção do PERSI nem a isso estava obrigada pois ao momento do incumprimento, a titularidade do crédito estava já transferida para a cessionária, que, não sendo instituição de crédito, não está sujeita às obrigações decorrentes do DL 227/2012”.
Cumpre apreciar e decidir.
Em rigor, o tribunal a quo deveria ter apreciado o requerimento de retificação (artigo 614º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Não o tendo feito, em ordem a evitar maiores demoras, apreciaremos esta pretensão.
A data que consta do ponto 1 dos factos provados corresponde à que a exequente e ora recorrente alegou no ponto 4 da sua alegação factual no requerimento executivo.
Apesar de o tribunal recorrido afirmar que terá “cifrado” o documento nº 1 oferecido com o requerimento executivo para dar como provada essa matéria, melhor seria que o tivesse conferido com a necessária atenção, em vez de reproduzir o que havia sido alegado pela exequente no requerimento inicial.
De facto, estando a cessão de créditos em causa sujeita a forma legal (artigos 578º, nº 2 do Código Civil e 7º do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro), importa confrontar efetivamente a alegação da exequente com o que resulta do documento oferecido para comprovar a celebração dessa alegada cessão.
Ora, analisado o primeiro documento oferecido pela exequente com o requerimento executivo, constata-se que a escritura pública que titula a cessão de créditos foi outorgada no dia 07 de abril de 2022.
Assim, existe efetivamente um erro, induzido pela própria exequente no seu requerimento inicial, mas inequívoco atento o título da cessão de créditos, pelo que é fundada esta pretensão de retificação da data mencionada no ponto 1 dos factos provados, devendo ler-se “07 de abril de 2022” onde ficou escrito “27 de junho de 2022”.
No que respeita à pretensão de alteração do ponto 11 dos factos provados, a recorrente não só não indica as provas[3] que fundamentam a sua pretensão, como pretende que esse ponto passe a incluir matéria ostensivamente conclusiva e de direito, e que por isso não deve constar nos fundamentos de facto (veja-se o nº 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, também aplicável aos acórdãos do Tribunal da Relação, ex vi 663º, nº 2 do mesmo diploma legal).
De facto, saber se à data do incumprimento tinha já ocorrido a cessão de crédito é uma conclusão que se extrai do confronto da data da celebração do contrato de cessão de créditos com as datas em que se verificam os incumprimentos pela devedora. Por outro lado, saber se a recorrente estava ou não sujeita ao regime decorrente do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro, tal como determinar se uma sociedade de titularização de créditos está ou não sujeita às obrigações decorrentes do referido decreto-lei é inequivocamente matéria de direito.
Se esta pretensão da recorrente tivesse algum fundamento jurídico, resolver-se-iam em sede factual questões eminentemente normativas.
Ora, qualificar juridicamente a situação de facto ajuizada, determinando a norma jurídica aplicável, interpretando-a e integrando-a, se necessário, são operações jurídicas que se desenvolvem depois de fixada a base factual necessária.
Por isso, a pretensão da recorrente de alteração do ponto 11 dos factos provados deve ser indeferida em virtude de com a mesma a recorrente pretender algo ilegal e que é a introdução de matéria conclusiva e de direito nos fundamentos de facto.
Pelo exposto, procede a pretendida retificação do ponto 1 dos factos provados e indefere-se a alteração do ponto 11 dos factos provados.
3.2 Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida com a alteração decorrente da retificação que precede e expurgados das meras remissões probatórias
3.2.1 Factos provados
3.2.2 Factos não provados
4. Fundamentos de direito
Da não sujeição da exequente, Sociedade de Titularização de Créditos, ao PERSI
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida em virtude de o incumprimento da embargante ser posterior à cessão de créditos que lhe permitiu aceder à titularidade dos créditos exequendos e, também, porque sendo uma Sociedade de Titularização de Créditos, não está sujeita à observância do regime jurídico que decorre do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro.
A decisão recorrida seguiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de novembro de 2022, proferido no processo nº 21395/17.1T8SNT-A.L1-2, acessível na base de dados do IGFEJ, sem atentar que este aresto incidia sobre uma situação jurídica bem distinta da que é objeto destes autos, pois que, nesse caso, o incumprimento dos créditos exequendos era anterior à cessão de créditos[5].
Ora, no caso destes autos, a situação é algo mais complexa.
De facto, no requerimento executivo, a exequente alegou que o incumprimento da devedora era em parte anterior à cessão de créditos e em parte posterior a esta operação[6].
Nos embargos de executado, a embargante nega que houvesse qualquer incumprimento da sua parte à data da instauração da ação executiva (vejam-se os artigos 1º a 6º da petição de embargos), alegação que, sendo verdadeira, implicaria que não estivessem sequer reunidos os pressupostos para aplicação do regime decorrente do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro.
Na contestação aos embargos, a exequente desdisse o que havia alegado no requerimento inicial e afirmou que a devedora não pagou as prestações de setembro, novembro e dezembro de 2022 (artigo 19º da contestação aos embargos), que não procedeu ao pagamento da prestação de maio de 2023 no mês correspondente (artigo 20º da contestação aos embargos) e bem assim que não procedeu ao pagamento das prestações de julho, agosto e setembro nos meses correspondentes, sem cuidar de identificar a que ano respeitam essas prestações (artigo 21º da contestação aos embargos), esclarecendo depois que respeitavam ao ano de 2023 (artigo 27º da contestação).
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, recordemos os normativos essenciais para dilucidação da questão objeto destes autos.
O decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito[7] no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento e na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários[8], respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do seu artigo 2º.
Entre esses contratos de créditos, acham-se os previstos no decreto-lei nº 74-A/2017, nomeadamente, os contratos de crédito que, independentemente da finalidade, estejam garantidos por hipoteca ou por outra garantia equivalente habitualmente utilizada sobre imóveis, ou garantidos por um direito relativo a imóveis (artigo 2º, nº 1, alínea c) do decreto-lei nº 74-A/2017, de 23 de junho).
Nos termos do artigo 12º do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro, “[a]s instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.”
“No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado” (13º do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro).
“Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa” (14º nº 1 do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro).
A violação dos deveres legais de tentativa de regularização dos contratos de crédito bancário, tal como se prevê no artigo 18º, nº 1, alínea b), decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro, impede o credor bancário de intentar ações judiciais para obter a satisfação do seu crédito.
A tentativa frustrada de regularização extrajudicial dos contratos de crédito bancário constitui assim um pressuposto positivo necessário ao exercício do direito de ação pelo credor bancário, constituindo a não verificação desse pressuposto uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso (artigos 576º, nº 2, 577º e 578º, todos do Código de Processo Civil).
Na cessão de créditos, em termos gerais, “[o] devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão” (artigo 585º do Código Civil).
No preâmbulo do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro, que contém o regime jurídico da titularização de créditos, além do mais, escreveu-se a dado passo o seguinte:
“Quanto aos legítimos direitos dos devedores, especialmente dos consumidores de serviços financeiros, consagram-se normas que visam a neutralidade da operação perante estes. É o que sucede, nomeadamente, no que respeita à manutenção, pela instituição financeira cedente, de poderes de gestão dos créditos e das respectivas garantias. Com efeito, em relação aos devedores, a titularização dos créditos não implica a diminuição de nenhuma das suas garantias, continuando aqueles, no que ao sector financeiro respeita e não obstante a ausência de notificação da cessão, a manter todos os seus direitos e todo o seu relacionamento com a instituição financeira cedente.”
Daí que, no caso de cessão de créditos para titularização[9], “[q]uando a entidade cedente seja instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundos de pensões, deve ser sempre celebrado, simultaneamente com a cessão, contrato pelo qual a entidade cedente, ou no caso dos fundos de pensões a respetiva sociedade gestora, fique obrigada a praticar, em nome e em representação da entidade cessionária, todos os atos que se revelem adequados à boa gestão dos créditos e, se for o caso, das respetivas garantias, a assegurar os serviços de cobrança, os serviços administrativos relativos aos créditos, todas as relações com os respetivos devedores e os atos conservatórios, modificativos e extintivos relativos às garantias, caso existam” (artigo 5º, nº 1, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro)[10].
“Quando o gestor dos créditos não for o cessionário, a oneração e a alienação dos créditos são sempre expressa e individualmente autorizadas por aquele [[11]]” (artigo 5º, nº 5, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro).
No caso de cessão de créditos para titularização, “[d]os meios de defesa que lhes seria lícito invocar contra o cedente, os devedores dos créditos objeto de cessão só podem opor ao cessionário aqueles que provenham de facto anterior ao momento em que a cessão se torne eficaz entre o cedente e o cessionário” (artigo 6º, nº 6, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro).
“A cessão de créditos para titularização respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objeto de cessão e todos os direitos e garantias dos devedores oponíveis ao cedente dos créditos ou o estipulado nos contratos celebrados com os devedores dos créditos, designadamente quanto ao exercício dos respetivos direitos em matéria de reembolso antecipado, de renegociação das condições do crédito, cessão da posição contratual e sub-rogação, mantendo estes todas as relações exclusivamente com o cedente, caso este seja uma das entidades referidas no nº 4[[12]]” (artigo 6º, nº 7, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro)[13].
A preocupação com a neutralidade da operação de cessão de créditos para titularização relativamente aos devedores quando as entidades cedentes sejam o Estado, a segurança social, instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundo de pensões determinou a gestão imperativa pelos credores cedentes dos créditos cedidos em nome e representação do cessionário tem como contrapartida para a cessionária sociedade de titularização de créditos a possibilidade de “[r]etransmissão ao cedente e aquisição de novos créditos em substituição, em caso de alteração das caraterísticas dos créditos no âmbito da renegociação das respetivas condições entre o devedor e a entidade cedente”, como se prevê no artigo 45º, nº 2, alínea b) do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro[14].
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 1º do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro, “[c]onsideram-se realizadas para efeitos de titularização as cessões de créditos em que a entidade cessionária seja um fundo de titularização de créditos ou uma sociedade de titularização de créditos.”
Presentes as normas fundamentais para resolução do caso, é tempo de avançar na sua análise.
Nenhuma dúvida existe de que a exequente é uma sociedade de titularização de créditos, como bem revela a sua firma (artigo 40º, nº 1, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de outubro[15]) e que a executada é cliente bancária, já que é pessoa singular e teve intervenção como mutuária em contratos de créditos, destinando-se o mútuo mais antigo à aquisição de habitação para residência permanente e à realização de obras nesta habitação, tendo sido neste local que a recorrida foi citada.
O segundo mútuo, também garantido por hipoteca, destinou-se à satisfação de compromissos financeiros, desconhecendo-se qual a natureza de tais compromissos, nomeadamente se tinham algo a ver ou não com alguma atividade profissional da recorrida. Daí que relativamente a este mútuo, a embargante não possa ser qualificada como cliente bancária para os efeitos da alínea a) do nº 1 do artigo 3º do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro. Porém, porque a decisão recorrida não foi impugnada pela recorrente quanto ao enquadramento que o tribunal recorrido fez dos dois mútuos, está vedado a este Tribunal da Relação proceder a qualquer diferenciação de cada um dos contratos.
Existe um precedente jurisprudencial[16], citado pela recorrente, no sentido de que não sendo a sociedade de titularização de créditos uma instituição de crédito, não está sujeita a observar o disposto no decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro e, nessa medida, não lhe é oponível a não integração no PERSI do devedor dos créditos cedidos para titularização por factos posteriores a essa cessão de créditos.
Será assim?
A nosso ver, a resposta jurisprudencial antes citada assentou no pressuposto de que a cessão de créditos por uma instituição de crédito a favor de uma sociedade de titularização de créditos envolvia, sem quaisquer restrições, a transmissão da titularidade dos créditos cedidos para a cessionária, passando esta a exercer sobre os créditos cedidos todos os poderes que anteriormente competiam à cedente[17]. E, embora seja feita uma referência no corpo do acórdão à possível dissociação da cessão de créditos para titularização da gestão dos créditos cedidos[18], não se relevou a imperatividade legal dessa dissociação quando o cedente seja uma instituição de crédito (artigo 5º, nº 1, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro), como sucede no caso destes autos[19].
Ora, como já antes se viu, “[q]uando a entidade cedente seja instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundos de pensões, deve ser sempre celebrado, simultaneamente com a cessão, contrato pelo qual a entidade cedente, ou no caso dos fundos de pensões a respetiva sociedade gestora, fique obrigada a praticar, em nome e em representação da entidade cessionária, todos os atos que se revelem adequados à boa gestão dos créditos e, se for o caso, das respetivas garantias, a assegurar os serviços de cobrança, os serviços administrativos relativos aos créditos, todas as relações com os respetivos devedores e os atos conservatórios, modificativos e extintivos relativos às garantias, caso existam” (artigo 5º, nº 1, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro).
Este regime imperativo de gestão dos créditos cedidos pela instituição de crédito cedente prende-se, a nosso ver, não só com a complexidade da atividade bancária e com a tutela devida aos consumidores bancários, mas também, segundo cremos, com a exclusividade da atividade bancária (veja-se o artigo 8º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras).
Recorde-se que, como sucede no caso dos autos por força de lei imperativa, “[q]uando o gestor dos créditos não for o cessionário, a oneração e a alienação dos créditos são sempre expressa e individualmente autorizadas por aquele” (artigo 5º, nº 5, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro) e ainda que “[a] cessão de créditos para titularização respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objeto de cessão e todos os direitos e garantias dos devedores oponíveis ao cedente dos créditos ou o estipulado nos contratos celebrados com os devedores dos créditos, designadamente quanto ao exercício dos respetivos direitos em matéria de reembolso antecipado, de renegociação das condições do crédito, cessão da posição contratual e sub-rogação, mantendo estes todas as relações exclusivamente com o cedente, caso este seja uma das entidades referidas no nº 4” (artigo 6º, nº 7, do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro), a que acresce a faculdade de retoma do contrato de crédito prevista no artigo 28º do decreto-lei 74-A/2017 de 23 de junho.
Neste enquadramento normativo, tendo o legislador cuidado de criar instrumentos jurídicos tendentes a garantir a neutralidade da cessão de créditos para titularização para os devedores cedidos, afigura-se-nos que a instituição de crédito cedente continua obrigada, mesmo após a cessão de créditos para titularização, a proceder para com os devedores, como devia proceder antes da cessão.
Se assim não fosse, a cessão de créditos para titularização, ao invés do proclamado no trecho do preâmbulo já citado e contrariando o regime jurídico que emerge do citado nº 7 do artigo 6º do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro, colocaria o devedor cedido numa posição jurídica mais desfavorável do que a que teria se não tivesse sido celebrada essa operação.
Por isso, afirmando a exequente a existência de mora da recorrida cliente bancária, mesmo que posterior à cessão de créditos para titularização, impunha-se a demonstração de que a cedente instituição de crédito, gestora necessária por força de lei imperativa dos créditos bancários cedidos, tinha observado o disposto no decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro, isto é, que tinha integrado a devedora no PERSI e se tinha extinguido este procedimento[20].
Não tendo feito essa demonstração, está preenchida a previsão do artigo 18º, nº 1, alínea b), do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro, pelo que embora por distintos fundamentos, deve a decisão recorrida ser confirmada.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente porque ficou vencida, não obstante a procedência da pretensão de retificação do ponto 1 dos factos provados, inócua para a sorte do recurso (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por A..., S.A., confirmando-se a decisão recorrida proferida em 30 de junho de 2024, ainda que com distintos fundamentos, deferindo-se a retificação do ponto 1 dos factos provados, devendo em consequência passar a ler-se “07 de abril de 2022” onde ficou escrito “27 de junho de 2022”.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente já que ficou vencida, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
Porto, 28/4/2025
Carlos Gil
Manuel Domingos Fernandes
Carla Fraga Torres
______________
[1] A citação por carta registada por aviso de receção foi endereçada para o imóvel hipotecado e penhorado e o aviso de receção consta como tendo sido assinado pela executada.
[2] Decisão notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 01 de junho de 2024.
[3] Não indica e nem as podia indicar pois que as alterações pretendidas têm natureza normativa e não dependem de prova já que não está em causa matéria como a que prevê o artigo 348º do Código Civil.
[4] Por simples análise da cópia da descrição predial e respetivas inscrições oferecida com o requerimento executivo verifica-se, como não podia deixar de ser, que a transmissão do crédito está averbada a favor da exequente.
[5] Nesse caso, o tribunal a quo julgou procedente a exceção dilatória em virtude de não ter sido demonstrada a extinção do PERSI.
[6] No artigo 18 do requerimento inicial situa-se o incumprimento do empréstimo celebrado em 20 de março de 2000 em 30 de janeiro de 2023, enquanto o do empréstimo realizado em 13 de setembro de 2010 é localizado em 30 de dezembro de 2021.
[7] As instituições de crédito estão enumeradas no artigo 3º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo decreto-lei nº 298/92 de 31 de dezembro e nelas não constam as sociedades de titularização de créditos. Por outro lado, no artigo 6º, nº 5, deste regime nega-se a estas sociedades a qualificação de sociedades financeiras.
[8] Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 3º do decreto-lei nº 227/2012, entende-se para efeitos desse diploma legal como “«Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito.” Ora, consumidor nos termos previstos no nº 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, é “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
[9] Nos dizeres de José A. Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, Almedina 2009, página 524, ponto I, genericamente, a titularização de créditos é “operação complexa consistente na transformação massiva de créditos em valores ou títulos negociáveis em mercado”.
[10] José A. Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, Almedina 2009, página 526 escreve a este propósito o seguinte: “Além disso, a gestão dos créditos titularizados tanto pode ser assegurada pelo cessionário (fundo ou sociedade de titularização) como por terceiro ou pelo próprio cedente (art. 5.º, n.º 2: quando este último seja uma instituição creditícia, financeira, ou seguradora, o legislador impõe mesmo que seja celebrado um contrato de gestão de créditos pelo qual os créditos titularizados continuem a ser geridos por tais instituições cedentes, que assim mantém, para esse efeito, as suas relações com os devedores cedidos (art. 5.º, n.º 1)” (sublinhado e negrito da nossa autoria).
[11] Isto é, pelo cessionário, como defende João Calvão da Silva in Titul[ariz]ação de Créditos, Securitization, Almedina 2003, página 47.
[12] As entidades referidas no nº 4 são: “o Estado, a segurança social, instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundo de pensões”.
[13] A propósito desta norma escreve João Calvão da Silva in Titul[ariz]ação de Créditos, Securitization, Almedina 2003, página 100 que “assegurada a neutralidade da operação para os devedores mediante o mandato de gestão de créditos cedidos pela instituição financeira cedente, já podia superar-se o difícil obstáculo formal à titularização decréditos [gralha do texto, sendo ostensivo que se pretendia escrever “de créditos”] em massa, traduzido na impraticável notificação de devedores cedidos normalmente em grande número.”
[14] Existe no artigo 11º, nº 1, alínea b) do decreto-lei nº 453/99 de 05 de novembro uma previsão similar quando a entidade cessionária é um fundo de titularização de créditos.
[15] Com o seguinte teor: “A firma das sociedades de titularização de créditos deve incluir a expressão ‘sociedade de titularização de créditos’ ou a abreviatura STC, as quais, ou outras que com elas se confundam, não podem ser usadas por outras entidades.”
[16] Referimo-nos ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de setembro de 2020, proferido no processo nº 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, acessível na base de dados do IGFEJ.
[17] A exequente afirma isso mesmo no nº 8 do requerimento executivo quando alega que “[a] mencionada cessão incluiu a transmissão, relativamente a todos os direitos, garantias e direitos acessórios inerentes ao(s) crédito(s) aqui peticionado(s), sendo a Credora/Exequente A..., S.A. o seu atual titular e parte legitima na presente demanda.”
[18] A passagem a que nos referimos, quase no termo do acórdão (penúltimo parágrafo antes do título “Das custas”), tem o seguinte conteúdo: “Note-se que, ainda que a cedência dos créditos não signifique, por si só, que a respectiva gestão passe para o cessionário, atento o estatuído no art. 5º do DL 453/99[5], certo é que, no caso dos autos, nem sequer foram alegados factos que permitam discernir se a instituição de crédito cedente manteve ou não essa gestão, e, ainda que a tenha mantido, seguro é que, ao momento do incumprimento, a titularidade do crédito estava já transferida para a cessionária, que, não sendo instituição de crédito, não está sujeita às obrigações decorrentes do DL 227/2012 (diversamente, se acaso esse incumprimento se verificasse ao tempo em que a titularidade do crédito era da mutuante, a cedência do crédito não impediria a obrigação de integração no PERSI, posto que o facto era oponível à cessionária, conforme decorre do acima expendido).” A nota de rodapé nº 5 constante do trecho do acórdão que se acaba de transcrever tem o seguinte teor: “Cf. Margarida Ferraz de Oliveira, Titularização de Créditos O (In)Sucesso da Titularização no Mercado Hipotecário, Lisboa – Outubro 2016, acessível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/22129/1/Tese_vf_23102016_limpa.pdf pp. 28-29 - “Determina o art. 5.º, n.º 1, do DL n.º 453/99 que, em simultâneo com a celebração do contrato de cessão de créditos para titularização, sempre que o cedente seja instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundos de pensões, deve ser celebrado contrato pelo qual a entidade cedente fica obrigada a gerir os créditos cedidos, em nome e por conta do cessionário. Assim, o cedente ficará obrigado a praticar todos os atos que se revelem adequados à boa gestão dos créditos (e respetivas garantias, quando existam), prestar serviços administrativos e de cobrança, assegurar as relações com os devedores e praticar todos os atos conservatórios, modificativos e extintivos necessários relativamente às garantias. Tal exigência justifica-se pela particular especificidade e complexidade inerentes à atividade financeira e pela proteção que deverá necessariamente ser assegurada aos consumidores deste sector. Nos restantes casos, os créditos poderão ser administrados pelo cessionário, pelo cedente ou por terceiro que possua idoneidade para prossecução desta atividade.”
[19] João Calvão da Silva in Titul[ariz]ação de Créditos, Securitization, Almedina 2003, página 45, afirma que se trata de um mandato de gestão representativa dos créditos cedidos e respetivas garantias, cuja celebração é imposta por lei, não constituindo, por isso, ato livre, na discricionariedade dos mencionados cedente e cessionário.
[20] Numa fundamentação alternativa à seguida neste acórdão poderia sustentar-se a ilegitimidade legal da exequente por preterição da substituição legal necessária decorrente do disposto no nº 1 do artigo 5º do decreto-lei nº 453/99 de 05 de outubro.