CONTRATO DE LOCAÇÃO DE COFRE-FORTE
INTEGRIDADE DO COFRE
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DA PROVA DO CONTEÚDO DO COFRE
Sumário

I – O contrato de locação de cofre-forte, permitido pelo art. 4º nº1, alínea o), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, combina elementos do depósito e da locação e, na essência, caracteriza-se pelas obrigações da instituição bancária de ceder o uso do cofre e garantir a sua inviolabilidade e preservação da integridade dos bens ou valores lá guardados, mediante remuneração do cliente.
II – No seu âmbito, o banco obriga-se a colocar à disposição dos clientes um local (cofre) e a garantir a integridade deste, apresentando esta obrigação de custódia um caráter principal e não acessório; o banco obriga-se a garantir a inviolabilidade do cofre e, reflexa ou indiretamente, o conteúdo do mesmo.
III – Existe uma presunção de responsabilidade da entidade bancária relativamente ao desaparecimento ou deterioração dos bens e valores depositados, sendo aquela responsável pelos danos causados, a não ser que prove que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior e que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível, mas o cliente, por seu turno, tem o ónus da prova do conteúdo do cofre, para efeitos de determinação do dano ressarcível.

Texto Integral

Proc. n.º 448/22.0T8PNF.P1

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Manuel Fernandes
2º Adjunto: José Nuno Duarte





Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



I Relatório



AA instaurou ação declarativa comum contra “Banco 1... CRL”, (de ora em diante “Banco 1...”), pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, “a quantia de €269.850,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a data do furto (18/11/2012) ou, caso assim não se entenda, desde a data da citação da Ré, até efetivo e integral pagamento” e a quantia de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos, também acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento.
Alegou para tal, em síntese, que a ré incumpriu culposamente as obrigações de garantia de segurança e de integridade de um cofre-forte a que estava vinculada por força do contrato de locação de tal cofre-forte que celebrou consigo, cofre esse situado na sede da mesma no Largo ..., em ..., o qual tinha um conjunto de bens por si guardados e que, em virtude da violação por parte daquela de regras de cuidado impostas por aquelas obrigações, foi objeto de um furto, tendo desaparecido tal conjunto de bens, o que lhe causou danos patrimoniais correspondentes ao valor dos bens e danos não patrimoniais.
Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da ação e defendendo, em síntese: que o furto efetivamente ocorrido se não deveu a qualquer negligência sua mas antes a ato de terceiros, os autores do furto, altamente especializados, em termos de a respetiva atuação não ser por si evitável, pois que cumpriu todos os deveres contratuais de guarda e diligência que se lhe impunham com os mais elevados padrões de segurança aplicáveis a este tipo de atividade; que perante a dimensão dos meios empregues pelos assaltantes, a preparação que demonstraram, o grau de conhecimento dos níveis de segurança existentes e o seu profissionalismo, nada poderia, em termos razoáveis, fazer, mesmo tendo em conta os elevados padrões de segurança que aplicou e aplica; e que a autora tem perfeito conhecimento que a sua não responsabilidade nestas situações se encontra expressamente prevista no contrato, que dispõe que “…a perda ou deterioração desses objetos serão sempre da responsabilidade do CLIENTE…”. Impugnou os bens e valores reclamados pela Autora, por desconhecimento, e impugnou os danos não patrimoniais também por aquela alegados.
A ré alegou também que tinha contratado com a sociedade comercial “A..., SA.” um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância. Donde, aduz, acaso se tivesse verificado, no âmbito da factualidade em apreço, um qualquer incumprimento das suas obrigações contratuais no âmbito da segurança e vigilância – que não houve – e acaso tal incumprimento decorresse de qualquer atuação abrangida pelo mencionado contrato de prestação de serviços, sendo a ré condenada a indemnizar a autora, teria a ré direito de regresso contra a mencionada A... para ser indemnizada pelos prejuízos que, nesse caso, lhe causaria a perda da demanda. Assim sendo, alegando ter interesse que a B... (que incorporou por fusão a A...) intervenha no processo, como auxiliar na defesa, com vista a garantir-se que é bem defendida, uma vez que entende que a mesma carece de legitimidade para intervir no mesmo como parte principal, veio a requerer a intervenção acessória desta ao abrigo dos arts. 321º e sgs. do CPC.
Admitida tal intervenção acessória, veio a interveniente apresentar contestação em que alegou o cumprimento por si da totalidade das obrigações contratualmente assumidas e requerer, por seu turno, a intervenção acessória da seguradora “C..., S.A.”, para a qual tinha transferida a respetiva responsabilidade por eventos como o em apreço.
Admitida a intervenção acessória de tal seguradora, veio “D..., S.A.”, anteriormente denominada de “C..., S.A.”, apresentar contestação, nela pugnando pela não verificação de qualquer evento coberto pelo contrato de seguro consigo celebrado.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e subsequente despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Foi designada tentativa de conciliação, que se frustrou.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
Julgo a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decide-se:
a) condenar a Ré, “Banco 1..., C.R.L.” a pagar à Autora, AA, o que vier a ser liquidado quanto ao valor dos bens não recuperados descritos no ponto 7 da factualidade provada, nos termos do art. 609º, nº 2 do C.P.C..
b) condenar a Ré, Banco 1..., a pagar à Autora, AA, a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento;
c) Absolve-se a Ré do restante pedido.


De tal sentença vieram interpor recurso a autora e a .

A autora terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)

Por sua vez, a ré terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)


A autora não apresentou contra-alegações ao recurso da ré.
A ré apresentou contra-alegações de resposta ao recurso da autora, pugnando pela sua improcedência.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objeto de cada um dos recursos, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar da nulidade imputada pela recorrente ré à decisão recorrida;
b) – apurar da impugnação e alterações à matéria de facto da decisão recorrida deduzidas pelas recorrentes;
c) – apurar da eventual repercussão da reapreciação da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso, sendo nesta sede de analisar quanto à responsabilidade da ré e sua medida indemnizatória.

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II – Fundamentação

Vamos à questão enunciada sob a alínea a).
A recorrente ré, sob a conclusão 60, imputa à sentença recorrida a nulidade prevista na alínea c) do nº1 do art. 615º do CPC, por considerar nela coexistirem raciocínios que entende serem contraditórios, os quais refere sob as conclusões 61 a 65.
Sob aquela alínea, prevê-se que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
O vício previsto na primeira parte de tal alínea verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício lógico na construção da sentença.
Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade torne a decisão ininteligível.
Compulsando a sentença recorrida, verifica-se que nela constam bem elencados e especificados os fundamentos de facto [factos provados sob os nºs 1 a 53 e factos não provados sob as alíneas a) a j)], consta dela, em sede de fundamentação de direito (sob a epígrafe “IV Direito”), a aplicação aos factos das normas jurídicas e sua interpretação que se tiveram por pertinentes e verifica-se ainda que o seu dispositivo final constitui conclusão e repositório fiel daquela aplicação do direito feita em sede de fundamentação jurídica e do que se concluiu nesta quanto às questões analisadas.
Assim, não se verifica o vício previsto na primeira parte da alínea em causa.
Por outro lado, não se deteta na sentença em causa – nem vem assinalada pela recorrente – qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, isto é, que torne incompreensível o raciocínio e/ou os argumentos que foram aduzidos para chegar à mesma, pois os raciocínios utilizados pelo tribunal e que dali constam estão perfeitamente explicados e fundamentados e é utilizada linguagem bem percetível.
Aliás, independentemente da adesão ou não a tal decisão e ao caminho jurídico pelo qual enveredou o tribunal recorrido para a ela chegar, é até bem patente da argumentação utilizada pela recorrente na sua peça de recurso, que esta, embora dela discorde, percebe bem tal decisão e o seu alcance.

Assim, também não se verifica o vício previsto na segunda parte da alínea em causa.
Ainda que a recorrente, como parece ser o caso, considere que possam existir contradições de raciocínio na fundamentação de direito da sentença, tal, a ocorrer, integraria erro de julgamento a analisar em sede da apreciação de mérito que é também objeto do próprio recurso, erro esse que, como é sabido, não se confunde com a referida nulidade.
Como tal, improcede a sua arguição.

Passemos para as questões enunciadas sob a alínea b).
É a seguinte a matéria de facto da sentença recorrida [anota-se que na alínea h) dos factos não provados se remete para o nº7 dos factos por ordem dos objetos elencados nas alíneas a) a k) deste número, mas, em vez de se referir cada uma destas alíneas com cada uma daquelas letras, referem-se (a nosso ver, com certeza por lapso) alíneas sob as letras l) a v) em vez daquelas]
Factos provados
1 – A Autora, no dia 28/7/2006, celebrou com a Ré, por escrito, o contrato junto na p.i. como documento 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que designaram por “contrato de locação de cofre-forte”, no qual a Autora era designada por cliente e a Ré por Banco 1....
2 – Nesse contrato ficou a constar que a Ré cede à Autora (cliente), que por seu turno esta toma, a utilização do cofre-forte número 258, com o volume de 33 dm3, que se encontra no Balcão ..., sito no Largo ... – ..., mediante o pagamento da quantia anual de € 50,00, aí se estipulando que a Cliente se responsabiliza por todos os valores que guarde no cofre, comprometendo-se expressamente a não guardar no cofre objetos ilícitos ou perigosos.
3 – Nem as cláusulas desse contrato nem os documentos que o formalizam foi objeto de discussão ou apreciação prévia entre as partes.
4 – Tendo a Ré se limitado a transmitir à Autora o valor do preço devido pela utilização do cofre e a apresentar-lhe o contrato elaborado e preenchido, para esta assinar – como assinou e a entregar-lhe uma das duas únicas chaves do cofre.
5 – Logo após a celebração do referido contrato, a Autora entrou na posse efetiva de tal cofre-forte.
6 – A Autora, no dia 15/9/2011 depositou e guardou no cofre os objetos a que se alude nos pontos 7 e 8, sempre na convicção de que a Ré assegurava e acautelava a preservação e integridade desses bens, protegendo-os contra furtos e roubos.
7 – No dia 18 de novembro de 2012, quando ocorreu o assalto, a Autora mantinha guardados no interior do respetivo cofre os bens que lhe pertenciam e se passa a discriminar:
a) Um colar de pérolas de senhora de 3 voltas com o fecho em ouro antigo de 11 quilates e brilhantes, de valor não concretamente apurado.
b) Um colar de pérolas de senhora, enfiadas num fio de ouro de 18 quilates, com cerca de 10 gr, com um fecho também em ouro de 18 quilates com o peso de 8 gr, de valor não concretamente apurado.
c) Um cordão de senhora em ouro antigo de 18 quilates, com o peso de 125 gr, de valor não concretamente apurado.
d) Um conjunto de senhora em ouro de 18 quilates, composto por fio em ouro de 18 quilates com o peso de 50 gr e libra em ouro com aro à volta, de valor não concretamente apurado.
e) Uma pulseira de senhora em ouro de 18 quilates (em formato argolas), com o peso de 35 gr, de valor não concretamente apurado.
f) Uma pulseira de senhora em ouro de 18 quilates rendilhada em estilo cesto, com fecho especial em ouro de 18 quilates, com o peso de 50 gr, de valor não concretamente apurado.
g) Uma pulseira de senhora composta por seis libras em ouro antigo, as quais tinham um aro a toda a volta também em ouro de 18 quilates e unidas entre si com elos em ouro de 18 quilates, com fecho também em ouro de 18 quilates, de valor não concretamente apurado.
h) Duas alianças de casamento em ouro de 18 quilates, com o peso de 5 gr, cada uma, de valor não concretamente apurado.
i) Um par de brincos de senhora composto com uma pérola (pérola australiana) e um brilhante cada um, com fecho em ouro branco de 18 quilates, de valor não concretamente apurado.
j) Um par de brincos de senhora com uma pérola cada um, ambas encrostadas em ouro de 18 quilates, de valor não concretamente apurado.
k) Um alfinete /broche de senhora em ouro antigo de 18 quilates, trabalhado com pedras preciosas (brilhantes e esmeraldas), de valor não concretamente apurado.
8 - A Autora mantinha ainda guardados no interior do respetivo cofre os seguintes bens que lhe pertenciam e que foram recuperados:
a) Uma pulseira de senhora em ouro de 18 quilates e pedras de cor laranja (coral), no valor de € 500,00.
b) Um anel de senhora em ouro branco de 18 quilates e com vários brilhantes, com o valor de € 2.500,00
c) Um anel de homem em ouro branco com brilhantes, no valor de € 2.000,00.
d) Uma moeda em ouro com aro também em ouro, no valor de € 2.000,00.
e) Vários conjuntos em prata (talheres e conjuntos de costura), no valor global de € 500,00.
f) Várias pulseiras, incluindo uma pulseira em ouro, de criança, com a inscrição BB, no valor global de € 1.000,00.
9 – Na noite de 17 de novembro, sábado, para 18 de novembro, domingo, de 2012, o estabelecimento bancário explorado pela Banco 1... no Largo ..., em ..., foi assaltado.
10 – Nessa noite, uma ou mais pessoas penetraram indevidamente no interior desse estabelecimento bancário, tendo danificado paredes, bens, equipamentos de vigilância e alarme, arrombado a zona de acesso ao cofre-forte, e danificado cofres de aluguer e retirado haveres.
11 – Os autores do assalto introduziram-se ilegitimamente na Cooperativa Agrícola ..., cujo edifício confina com o da Banco 1....
12 – Os assaltantes abriram, com a ajuda de instrumentos específicos, do género de martelos pneumáticos e rebarbadoras, uma passagem na parede do edifício-sede da Banco 1... confinante com a da aludida Cooperativa Agrícola.
13 – Após terem conseguido penetrar no estabelecimento bancário explorado pela Banco 1..., os indivíduos em causa desativaram os alarmes que encontraram, tendo aliás desativado também a caixa de gravação da videovigilância.
14 – Após tudo isto, os assaltantes desceram pelas escadas que permitem o acesso à zona do cofre-forte geral blindado da Banco 1... (dentro da qual se situavam os cofres de aluguer), sita na cave do edifício.
15 – De novo munidos daqueles instrumentos do género de martelos pneumáticos, os criminosos abriram nova passagem através de uma parede reforçada em betão armado com cerca de 50-60 cm de espessura, do cofre-forte geral da Banco 1....
16 – Após terem conseguido abrir a referida passagem, os indivíduos em apreço procederam ao arrombamento dos vários cofres de aluguer utilizados por clientes da Banco 1..., tendo levado consigo, entre outros bens, os bens descritos no ponto 7.
17 – Tal furto foi objeto de investigação criminal, tendo sido proferido despacho de arquivamento no âmbito do processo n.º ... que correu termos na ... do DIAP do Tribunal da Comarca do Porto.
18 – A Banco 1... tinha contratado com a sociedade comercial A..., SA (de ora em diante, “A...”), com sede na Praça ..., ... Lisboa, um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância.
19 – À data em apreço nos autos, a sociedade A..., S.A. tinha contratado com a Interveniente Seguradora um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Exploração na modalidade Diversos de Exploração titulado pela apólice n.º ...65 (vide Ata Adicional n.º 1 das Condições Particulares da apólice, com data efeito de 28.06.2012, e Informação Pré-contratual/Condições Gerais da Apólice de Responsabilidade Civil Geral).
20 – A referida apólice garantia a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana da tomadora do seguro em diversos locais de risco, de entre os quais aquele onde ocorreram os factos em causa, pelos danos causados a terceiros até ao montante de €1.250.000,00, decorrentes do exercício de segurança privada, nos termos da legislação em vigor, entendendo-se como tal a atividade que tem por objeto o exercício, exclusivo, dos serviços abaixo mencionados: «Vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis atos de violência no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espetáculos e convenções, conforme definido na alínea a) do nº 1 do Artº 2º do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro; Exploração e gestão de centrais de receção e monitorização de alarmes, nos termos da alínea c) do artº 2º do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro»
21 – Mostrando-se aplicável a este contrato de seguro, in casu, uma franquia contratual a cargo do segurado de «10% no mínimo de € 500,00 por sinistro no máximo de € 5.000,00.» (vide Condições Particulares da apólice acima indicadas como documento n.º 1 - Franquia, pág. 4 de 5).
22 – Ainda no âmbito desse inquérito, foi reconhecido e pertence à Autora, os bens discriminados no ponto 8 que estavam guardados no cofre individual arrombados e que os assaltantes abandonaram no chão da zona circundante.
23 – No dia 18/11/2012 em apreço nos autos, entre as 3h18m e as 3h20m, na central de alarmes da interveniente A... e com referência às instalações da Ré, verificou-se o acionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o o detetor quebra de vidros entrada frente piso 0 (zona 5) e da Tamper sirene (zona 32).
24 – Na sequência, a empresa encarregue da colocação, funcionamento e gestão do alarme (a empresa A...), comunicou esse facto à GNR, que se deslocou ao local.
25 – O funcionário da A... tentou entrar em contacto com o funcionário do banco em primeiro lugar da lista de contactos, o senhor CC, por mais do que uma vez, frustrando-se o contacto, o que sucedeu em escassos minutos
26 – Por esse motivo, entrou em contacto com o Administrador DD, o qual se dirigiu às instalações da Ré.
27 – Aí chegado, o mesmo efetuou uma vistoria exterior para verificar o que se passava, informando a empresa de alarmes que estava tudo normal, pelas 04h17m.
28 – A central de alarmes respondeu que já tinha conhecimento desse facto através da Guarda Nacional Republicana (GNR), que esta também fora informada pela referida central de alarmes.
29 – O referido DD não era portador de chave das portas das instalações da Ré, na ocasião em que se deslocou às instalações da Ré e realizou a vistoria referida no ponto 27.
30 – Pelas 04h03m os funcionários da A... contactaram telefonicamente a GNR ..., tendo-lhes sido comunicado que a patrulha daquela força policial se havia deslocado ao local, não tendo detetado, por vistoria ao exterior, qualquer indício de situação anormal.
31 – Entre as 4h21m15s e as 4h21m21s, na central de alarmes da interveniente A... e com referência às instalações da Ré verificou-se o acionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o pela 2ª vez e em três sítios/locais diferentes: detetor Porta Emergência Lateral Piso O (Zona 62), detetor Hall w.c. Piso O (Zona 60) e detetor Gabinete Fundo Piso O (Zona 64).
32 – Às 4h22, o referido DD, recebe nova chamada da Central de Alarmes (segunda), a dar conhecimento daqueles disparos de alarmes de intrusão noutras zonas do banco.
33 – O Senhor DD, mais uma vez, desloca-se ao local e, sem entrar dentro das instalações da Ré e sem chamar as forças policiais, fez/realizou nova inspeção exterior às instalações.
34 – Às 4h28, aquele mesmo DD, contactou a Central de Alarmes a informar que pela parte exterior se encontrava tudo normal, dando nota da verificação da porta de emergência das instalações.
35 – Cerca das 6h15m verificou-se na central de alarmes uma falha de teste de linha, com relação às instalações da Ré, anomalia que significa uma falha de comunicação do sistema.
36 – Às 6h27, o mesmo DD recebeu nova chamada da Central de Alarmes a informar “falha de (teste de) linha”, o qual, desta vez, não se deslocou ao local para ver a causa do problema.
37 – Às 9 horas da manhã a R. e a empresa responsável estabelecem contactos no sentido da última enviar um técnico no sentido de averiguar as alegadas avarias no alarme do banco.
38 – Pelas 11 horas os funcionários da Ré vistoriaram o interior do banco e detetaram a existência do furto.
39 – Aquando da sua deslocação ao local o Administrador da Ré não se fez acompanhar das chaves das instalações, das quais, de resto, não dispunha.
40 – O Administrador da Ré não contactou ou sequer se cruzou com a GNR.
41 – Os cofres de aluguer encontravam-se dentro do cofre-forte geral da Banco 1....
42 – Este cofre-forte estava protegido por uma porta blindada, com cerca de 50 cm de espessura.
43 – As paredes laterais do cofre-forte eram feitas em betão armado e tinham igualmente uma espessura de cerca de 50 cm.
44 – Fora do cofre-forte geral da Banco 1..., todo o estabelecimento era dotado de portas de segurança.
45 – Todo o estabelecimento estava coberto por um sistema de segurança, incluindo alarme.
46 – O alarme estava ligado à central da empresa de segurança A..., SA (“A...”), empresa especializada neste tipo de serviços, que prestava à Banco 1... os serviços de segurança e vigilância, através de um sistema de tecnologia bidirecional, que permitia a comunicação, em tempo real, entre a central de deteção instalada na Banco 1... e a central recetora de alarmes da A..., permitindo ao operador da central da A... controlar remotamente o sistema instalado.
47 – Estava estabelecido com a A... um plano de atuação em caso de verificação de qualquer evento suspeito
48 – Plano esse que, para além do mais, determinava o contacto, em caso de sinistro, quer com elementos da Banco 1..., quer com as autoridades policiais.
49 – De resto, a Banco 1... havia informado as autoridades policiais – Guarda Nacional Republicana – por carta datada de 22.02.2006 – de que, a partir dessa data, os alarmes protetores do estabelecimento em apreço passaram a estar ligados àquela empresa de segurança que, em caso de qualquer urgência, contactaria o posto da GNR mais próximo do mesmo (Posto ...), por forma a permitir a mais rápida e eficiente atuação das autoridades policiais.
50 – As autoridades policiais foram avisadas do evento pela A..., sendo que a GNR esteve presente no local nesse momento e inspecionou o local e concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto.
51 – A Autora sofreu com a perda de bens, incómodos pelas várias diligências judiciais e extra-judiciais que teve e continua a ter que suportar.
52 – E sofreu tristeza e mágoa pela perda, em circunstâncias inesperadas, de bens de grande valor estimativo, associados a memórias pessoais e familiares.
53 – Na altura em que ocorreu o furto o grupo financeiro familiar da qual a Autora era acionista, incluía as sociedades “E..., S.A.” e “F... S.A.”, atravessando uma crise financeira que levou à apresentação do Processo Especial de Revitalização, em 1/10/2015 e ação de insolvência da “E...”, decretada no dia 30/3/2016.
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Factos não provados:
a) Foi por não dispor das chaves conforme que o Administrador da Ré não entrou nas instalações daquela, limitando-se à vistoria exterior;
b) O Administrador da Ré desvalorizou a(s) informação(ões) da central de alarmes;
c) Na ocasião da situação e comunicação referidas em 35 e 36, o administrador da Ré foi informado de uma “avaria do alarme” e ficou ciente que o alarme estava desativado e que as instalações da Ré estavam “sem alarme”;
d) A não entrada nas instalações da Ré deveu-se ao facto do funcionário da Ré não ter chaves para entrar dentro da instituição bancária, tão-pouco diligenciando para as obter;
e) A não entrada nas instalações da Ré deveu-se ao facto dos funcionários da Ré e da A... não terem dado nota/conta à GNR das situações e contactos sob os pontos 31 e 35 e pela falta de solicitação por aqueles da intervenção imediata da GNR, para entrar nas instalações da Ré, a fim de se certificarem de que nada de anormal se passava;
f) Perante a dimensão dos meios empregues pelos assaltantes, a preparação que demonstraram, o grau de conhecimento dos níveis de segurança existentes e o seu profissionalismo, nada poderia, em termos razoáveis, fazer a Banco 1... para evitar o acontecido ou a respetiva dimensão;
g) Que a Autora, no dia 28/7/2008 celebrou com a Ré o contrato a que se alude no ponto 1 por, naquela data, morar sozinha num local pouco movimentado e isolado, tendo em vista salvaguardar os seus bens/objetos de elevado valor monetário.
h) Para além do referido no ponto 7 que:
- O colar identificado em l) teve um custo de aquisição de € 6.500,00.
- O colar de pérolas de senhora identificado em m) tem o valor de € 1.500,00.
- O cordão de senhora identificado em n) tem o valor de € 6.500,00.
- O conjunto de senhora em ouro identificado em o) tem o valor de € 3.000,00.
- A pulseira identificada em p) tem o valor de € 2.500,00.
- A pulseira identificada em q) tem o valor de € 5.000,00.
- A pulseira de senhora identificada em r) tem o valor de € 3.000,00.
- As alianças de casamento identificadas em s) têm o valor global de € 1.200,00.
- O par de brincos de senhora identificado em t) teve um custo de aquisição de € 2.000,00.
- O par de brincos de senhora identificado em u) tem o valor de € 500,00.
- O alfinete /broche de senhora identificado em v) tem o valor de € 3.500,00.
i) Para além do referido no ponto 7 que a Autora colocou no cofre:
- Um cordão de senhora de ouro antigo de 18 quilates com o peso de 250 gr, com o valor de € 13.000,00.
- Um conjunto de senhora em ouro de 13 quilates e lápis lazúli com cerca de 60 gramas composto por: um fio e uma pulseira em malha de cordão (ambas com 3 fiadas) em ouro de 18 quilates e com 5 pedras de lápis azúli cada um, revestidas a ouro pelo lado e parte de trás, no valor de € 4.000,00 (custo de aquisição)
- Um colar de pérolas tradicional de senhora com fecho em ouro de 18 quilates e vários brilhantes com o valor de € 750,00
- Um anel de senhora em ouro de 18 quilates com uma pedra roxa com o valor de € 500,00.
- Um conjunto de senhora em ouro de 18 quilates, composto por anel solitário com um brilhante, dois brincos também com um brilhante cada um tudo no montante global de € 4.500,00 (custo e aquisição).
- 20 libras em ouro antigo de 18 quilates, no valor global de € 6.400,00.
- Botões de punho de homem em ouro de 18 quilates, com o peso de 20 gramas cada um, no valor global de € 1.000,00.
j) Para além do referido no ponto 7, que a Autora colocou no cofre a quantia de duzentos mil euros (200.000,00).
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A recorrente autora pretende a alteração do julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido nos seguintes termos:
a) – defende que os valores dados como não provados sob a alínea h) por referência aos objetos descritos sob as alíneas a) a k) do nº7 dos factos provados devem ser dados como provados;
b) – defende que os factos dados como não provados sob a alínea i) devem ser dados como provados;
c) – defende que o facto dado como não provado sob a alínea j) deve ser dado como provado.
Por sua vez, a recorrente ré pretende a alteração do julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido nos seguintes termos:
a) – defende que deve ser aditado à factualidade provada um segmento factual com a redação: “A chave do cofre que foi entregue à Autora era a única que o poderia abrir juntamente com outra chave que ficou na posse da Banco 1..., e, nesse cofre, a Autora podia guardar o que bem entendessem ou coisa nenhuma, sem que qualquer funcionário do banco pudesse assistir ou controlar essa atividade”;
b) – defende que devem ser eliminados dos factos provados os nºs 6 e 7, ou, subsidiariamente, que as caraterísticas de peso e quilate referidos sob o nº7 devem dali ser eliminadas;
c) – defende que deve ser eliminado o ponto f) dos factos não provados;
d) – defende que devem ser aditados à matéria dada como provada os factos alegados nos artigos 110º a 117º e 121º a 124º da contestação;
e) – defende que devem substituir-se as expressões “vistoria exterior”, “vistoria ao exterior”, “inspeção exterior” dos pontos 27), 30) e 33) dos factos provados pela expressão “vistoria do exterior e do interior feita pelo exterior” e, quanto à matéria do ponto 34) dos factos provados, deve a mesma ser alterada para a seguinte redação: “Às 4h28, aquele mesmo DD, contactou a Central de Alarmes a informar que, verificado pelo exterior tanto o exterior como o interior da agência, se encontrava tudo normal, dando nota da verificação da porta de emergência das instalações (cujo alarme tinha sido acionado)”, devendo ainda ser acrescentado a este ponto 34: “(cujo alarme tinha sido acionado) e de que também esta se encontrava normal”;
f) – defende que devem ser eliminados dos factos provados os pontos 3 e 4;
g) – e defende que devem ser eliminados dos factos provados os pontos 51 e 52.

Cumpre notar que, nos termos do art. 607º nº5 do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (essa livre apreciação só não abrange as situações referidas na segunda parte de tal preceito), não se podendo esquecer que o tribunal, nos termos do art. 413º do CPC, “deve tomar em consideração todas as provas produzidas”.
Ou seja, a prova deve ser apreciada globalmente, sendo de evidenciar em sede de recurso o disposto no art. 662º nºs 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, de onde se conclui que a Relação “tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 287).
De referir ainda que além da sua autonomia decisória relativamente à apreciação da matéria de facto nos termos que supra se referiu, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (conforme refere aquele autor naquela mesma obra, a págs. 293).

Analisemos então as pretendidas alterações à matéria de facto.

Comecemos pelas deduzidas pela recorrente autora.
Quanto aos valores dos bens referidos sob as alíneas do nº7 dos factos provados, dados como não provados sob a alínea h) dos factos não provados
O tribunal motivou a sua convicção quanto a tal não prova nos seguintes termos:
No que se reporta ao valor das joias guardadas no cofre constantes do ponto 7, sempre se dirá que nenhuma prova objetiva e credível foi produzida, já que não foram juntos quaisquer documentos/faturas comprovativas do custo com a sua aquisição, não obstante a maior parte delas ter sido comprada pelas filhas da Autora, sendo, no entanto, plausível a justificação apresentada por aquelas para o efeito (aquisição num ourives em Gondomar amigo da família, o que poderá justificar a compra das mesmas sem fatura) e o valor indicado na relação de bens, baseia-se no preço alegadamente pago pela sua aquisição e numa suposta avaliação efetuada por uma amiga daquelas, ourives, não existindo qualquer documento que possa comprovar tal avaliação, não tendo a suposta avaliadora prestado declarações em tribunal como testemunha, pelo que o Tribunal não dispõe de meios suficientes para dar como provado o valor das referidas joias constante da relação de bens apresentado pela Autora.”
A recorrente autora, com base no seu próprio depoimento e nos depoimentos das testemunhas EE e BB, suas filhas, cujos excertos que considera pertinentes identifica por referência aos minutos da gravação e também transcreve, e ainda no teor das declarações por si prestadas em 21/5/2013 à Polícia Judiciária (conforme certidão junta aos autos a 4/7/2023), nas quais remete para relação de bens que naquela data juntou ao respetivo inquérito crime, defende que devem ser dados como provados os valores referidos na alínea h) para cada um dos objetos ali referidos.
Vejamos.
A relação de bens junta ao inquérito crime – que consta da certidão junta aos autos a 4/7/2023 – tem duas folhas: uma em que consta uma relação de objetos sem indicação de valor (com exceção da menção a “€ 200.000 em numerário”) e outra em que, tanto quanto parece, consta a relacionação desses mesmos objetos (e ainda de um “alfinete em ouro amarelo e pedras preciosas” que não está na primeira folha) e à frente de cada um a menção de um valor.
Tal relação, só por si, não faz prova de que os valores ali postos correspondam ao valor efetivo de cada um de tais objetos.
Por outro lado, nem a autora nada concretiza sobre a obtenção de tais valores nas declarações que prestou à Polícia Judiciária (conforme teor de tais declarações constantes da certidão junta aos autos a 4/7/2023), nem do depoimento das testemunhas suas filhas supra identificadas se extrai prova minimamente segura de tais valores, pois estas disseram, de forma claramente vaga, que foi uma sua amiga “que tem ourivesarias” quem lhos deu, amiga essa que nem sequer identificaram quer pelo nome quer por referência a qualquer estabelecimento e que não foi arrolada para, como pessoa especialmente habilitada para tal, poder prestar depoimento de forma a esclarecer sobre os objetos e o seu valor.
Além disso, note-se a circunstância também referida na motivação do tribunal recorrido de não se mostrarem juntos aos autos quaisquer documentos comprovativos do custo com a sua aquisição.
Como tal, é de manter como não provados os valores referenciados sob a alínea h) dos factos não provados.

Quanto à alínea i) dos factos não provados
A recorrente autora defende que tais factos devem ser dados como provados com base nos depoimentos das testemunhas suas filhas EE e BB, cujos excertos que considera pertinentes transcreve.
Da conjugação dos seus depoimentos resulta a afirmação por parte destas de que os objetos referidos em tal alínea foram colocados no cofre e, quanto à sua proveniência, o seguinte:
- quanto ao cordão de senhora, disseram que o mesmo foi oferecido pelo seu pai à sua mãe e que este o comprou na zona de Gondomar;
- quanto ao conjunto de senhora em ouro e lápis lazúli ali referido, disseram que foram elas que o compraram; disseram que o compraram “em Gondomar”, sem precisar a quem ou em que estabelecimento;
- quanto ao colar de pérolas, nenhuma de tais testemunhas se referiu à sua aquisição, a quem ela procedeu nem onde foi efetuada;
- quanto ao anel de senhora, referiram que sabiam dele mas nenhuma de tais testemunhas se referiu à sua aquisição, a quem ela procedeu nem onde foi efetuada;
- quanto ao conjunto de senhora em ouro composto por anel solitário e dois brincos, disse a testemunha BB que foi ela e a sua irmã que o compraram; que também o compraram “numa ourivesaria” que não precisou qual;
- quanto às 20 libras em ouro, apenas a testemunha EE se referiu à sua existência, nada referindo porém quanto à sua aquisição, a quem ela procedeu nem ao estabelecimento ou estabelecimentos em que terá tido lugar;
- quanto aos botões de punho de homem em ouro, disse a testemunha BB que os mesmos eram dos seus irmãos e disse a testemunha EE que eram do seu irmão FF.
O tribunal recorrido motivou assim a sua decisão de não prova dos factos atinentes aos objetos referidos na alínea em análise: “(…) nenhuma prova foi produzida quanto à sua existência, nomeadamente documental, fotográfica ou testemunhal para além das declarações das filhas da Autora, pelo que o tribunal ficou com sérias dúvidas relativamente à sua existência, ao seu depósito no cofre da Banco 1... e ao seu valor, pelo que tal matéria foi considerada não provada”.
Quanto a nós, também não podemos deixar de sufragar tal entendimento.
Por um lado, estão em causa bens de valor individual expressivo e não há qualquer rasto documental relativo à sua aquisição, nem naqueles depoimentos se identifica sequer um qualquer concreto estabelecimento ou uma qualquer concreta e identificada pessoa junto do qual ou da qual tenha ocorrido a sua compra.
Também não há, ao contrário do que acontece quanto aos bens referidos sob o nº7 dos factos provados (e como se considerou na sentença recorrida quanto a eles), quaisquer fotografias dos mesmos que se pudessem conjugar com os depoimentos supra aludidos.
Além disso, além daqueles depoimentos das filhas da autora – especialmente interessadas, como é natural, no desfecho da ação a favor da autora –, nenhuma outra prova testemunhal, designadamente de pessoas estranhas à família da autora, foi produzida quanto à existência de tais objetos (por exemplo, de qualquer pessoa que tenha vendido qualquer de tais objetos ou de qualquer pessoa que pertencesse ou trabalhasse em ourivesaria onde qualquer de tais objetos tenha sido comprado).
Assim, é de concluir que não se fez prova segura da factualidade em apreço, ou, no limite, que há dúvida sobre a ocorrência da mesma.
Como tal, sempre haverá que dar tal factualidade como não provada – e isto quer pelo raciocínio de não prova segura da mesma a que se chegou nos termos que explicámos, quer mesmo por aquele raciocínio residual a título de dúvida, pois, como expressamente se prevê no art. 414º do CPC, “a dúvida sobre a realidade de um facto (…) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (parte esta que, no caso, é inequivocamente a autora, que alegou a seu favor aquela factualidade na ação).
Assim, é de manter nos seus precisos termos a alínea dos factos não provados em apreço.

Quanto à alínea j) dos factos não provados
Dá-se aqui como não provado que a autora tenha colocado no cofre a quantia de 200.000 euros.
A recorrente defende que deve ser dada como provada tal factualidade com base em documentos juntos aos autos que dão conta da faturação e lucros das empresas do universo familiar da autora e nos depoimentos das testemunhas EE e BB, suas filhas, e GG, funcionária daquelas empresas, cujos excertos que considera pertinentes transcreveu.
O tribunal recorrido motivou assim a sua decisão de não prova da factualidade em referência:
“Pelas filhas da Autora foi ainda dito que no referido cofre também se encontrava a elevada quantia de 200 mil euros em numerário.
Sucede que a própria Autora, nas declarações que prestou, apenas referenciou de forma vaga a existência de dinheiro no cofre, sem sequer precisar o seu valor, descrevendo, de forma absolutamente credível, a sua angústia e tristeza com o desaparecimento das joias da família (pertencentes aos pais e à madrinha) e, estranhamente, em nenhum momento, referiu que o desaparecimento do dinheiro em causa lhe tivesse causado qualquer sentimento de tristeza, tanto mais, que segundo a sua alegação na petição inicial, se tratava das suas poupanças de avultado valor.
Contraditoriamente com a alegação da Autora nos seus articulados, as filhas desta referem que tal dinheiro não era o resultado das poupanças de sua mãe, mas de dinheiro das empresas que os filhos foram pondo de lado, resultante de vendas não faturadas, que foram depositados no cofre da Ré para fugir aos credores em caso de penhoras/arrestos, uma vez que a sua mãe e os quatro filhos eram avalistas, visando, deste modo, salvaguardar a mãe, em caso de insolvência das empresas.
Sucede que tal versão dos factos contraria a versão inicial da própria Autora, tudo indiciando que esta nova versão só surge em julgamento para contornar o registo de visitas relativo ao cofre nº 258 aqui em questão, datado de 15/9/2011, junto aos autos pela Ré, em 12/10/2023, que aqui se dá por reproduzido, que comprova que, não obstante o contrato de aluguer ter sido celebrado em 2006, a Autora apenas efetuou um único depósito em 2011, sendo que do documento 20, junto pela Ré na contestação, que aqui se dá por reproduzido, resulta que o capital social da sociedade E..., S.A., está dividido entre a Autora e os seus 4 filhos, sendo que que, em 2015 a própria Autora apresentou um Plano de Recuperação da E... (na qual era Presidente do Conselho de Administração) onde aquela refere que “Na análise dos últimos 10 anos (2004 a 2014), verifica-se que, até 2009, ocorreu um crescimento sustentado do volume de negócios. Contudo, a partir desse ano, fruto da severa crise em que o sector da construção civil mergulhou, e ainda se mantém, embora com ligeiras melhoria, ocorreu uma redução substancial do volume de negócios…”, tendo ação de insolvência da “E...” sido decretada por sentença proferida no dia 30/3/2016 (cfr. documentos 21 a 23 juntos na p.i., que aqui se dão por reproduzidos), o que indicia que as dificuldades financeiras da E... e da própria Autora antecedem em muito a data do assalto ocorrido em 18/11/2012 culminando com a insolvência daquela em 2016.
Resultando do documento 22, junto pela Ré na contestação, que aqui se dá por reproduzido, que em 03/10/2012, ocorreram notificações de penhora de saldos bancários da Autora, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Sendo duvidoso que, tendo a Autora depositado no cofre a avultada quantia de 200 mil euros, da mesma não se socorresse para pagar as suas dívidas às Finanças, ao ponto de ter que ver serem penhoradas as suas contas, ou de utilizar tais valores para acudir a frágil situação da sociedade familiar, que se verificava desde 2009, conforme resulta do documento 20 junto na contestação.
Acresce que os rendimentos da Autora são também eles totalmente inconsistentes com a fortuna que a mesma veio agora reclamar, atento o teor dos documentos juntos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativos às declarações de rendimentos da Autora entre 2005 e 2012, junto aos autos em 27/9/2023.
Ora, tais documentos comprovam os parcos rendimentos anuais da Autora o que, desde logo, afasta a sua versão dos articulados de que o avultado dinheiro em causa resultou de poupanças pessoais daquela.
Por outro lado, as filhas da Autora justificaram a necessidade de colocar as joias no cofre da Banco 1..., face à onda de assaltos ocorrida nas imediações da casa onde a sua mãe, de idade avançada, vivia sozinha, o que não justifica a necessidade de colocação de tal dinheiro no cofre, uma vez que este não se encontrava na casa da Autora, mas, alegadamente, no cofre das empresas.
Também não se compreende que a Autora tivesse demorado a propor a ação contra a Ré Banco 1... cerca de dez anos, caso estivesse em causa tal elevada quantia em dinheiro, sendo a justificação aventada pela filha da Autora, BB, de terem aguardado pelo fim da relação comercial que as empresas da família tinham com a Ré, manifestamente insuficiente, podendo justificar-se caso estivesse em causa apenas as joias dadas como provadas, mas nunca aquele elevado valor de 200 mil euros.
Sendo ainda mais estranho que a filha da Autora, EE, não referenciasse tal depósito de dinheiro no cofre da Ré à sua amiga, HH, bancária na Banco 1..., desde 1990, exercendo funções na agência ... desde 2017, conforme nos foi convictamente referenciado por esta, tendo ambas conversado sobre o assalto, sobre as joias da sua mãe que foram depositadas no cofre, nada referindo sobre o avultado depósito de 200 mil euros.
A conjugação da prova supra elencada suscitou sérias dúvidas ao tribunal relativamente ao referido depósito em dinheiro, sendo que tais dúvidas não foram minimamente afastadas pelas parciais declarações da testemunha GG, técnica administrativa, que trabalhou nas empresas da Autora e dos filhos desta desde 1996/1997 até 2018, quando refere que tinha acesso ao cofre das empresas, tendo recebido ordens da filha da Autora, EE, para guardar no cofre o dinheiro que resultava de obras particulares, de venda de vinhos das quinta, de vendas em dinheiro, referindo-lhe que não se podia mexer em tal dinheiro, destinando-se o mesmo a salvaguardar a sua mãe.
Mais referiu que por ordem dos seus patrões retirou a avultada quantia de 200 mil euros do cofre das empresas, contou o referido dinheiro e acondicionou-o para o mesmo ser transportado para o cofre da Banco 1....
Ora, tal atuação contraria as regras da normalidade e da experiência, não sendo razoável que a filha da Autora atuasse da forma descrita pela referida funcionária, tanto mais que as empresas estavam com grandes dificuldades financeiras, conforme foi reconhecido pelas filhas da Autora em tribunal, com risco elevado de penhoras/arrestos das próprias e da mãe, por serem avalistas pessoais dos credores, o que implica o sério risco dos trabalhadores das suas empresas poderem vir a ser credores. Sendo pouco credível que aquelas, neste cenário, confidenciassem a uma funcionária que iam dissipar a avultada quantia de 200 mil euros da empresa para ser escondida no cofre da Banco 1..., para servir de “pé de meia” à Autora, em detrimento dos credores.
Acresce que é duvidosa essa relação de total confiança e proximidade com a referida funcionária, já que a mesma, pouco tempo depois, foi trabalhar para outra empresa por ir receber um salário superior, não tendo as filhas da Autora efetuado qualquer contraproposta para impedir a saída da funcionária em causa, conforme foi reconhecido por esta.
Ora, tal situação é, no mínimo, insólita.
Por outro lado, também é estranho que, se assim fosse, a Autora não tivesse apresentada tal versão dos factos na petição inicial, e não tivesse sequer referenciado tal situação em julgamento.
Assim, atenta a conjugação da prova supra elencada, o tribunal ficou com sérias dúvidas se, de facto, no interior do cofre se encontrava a quantia de € 200.000,00, sendo factualidade considerada não provada.”
Também quanto ao item factual em apreço não podemos deixar de sufragar a motivação do tribunal recorrido.
Analisemos.
Na petição inicial, a autora alega que os bens e valores que alegou estarem no cofre da ré “correspondiam ao pé-de-meia que a mesma possuía para acudir a qualquer necessidade económico-financeira que a mesma pudesse vir a ter” (artigo 77 de tal peça) e no requerimento de que deu entrada nos autos a 9/5/2022, na sequência da notificação da contestação da ré, disse que aquele montante que alegou estar depositado no cofre da ré corporizava poupanças suas provenientes de “retribuições, lucros, gratificações, etc.” pagas pelas empresas do universo familiar e da alienação de dois imóveis (artigos 37 e 38 de tal peça).
Como se assinalou na sentença recorrida, e se subscreve, as declarações de rendimentos da autora referentes aos anos de 2005 a 2012, juntas aos autos a 28/9/2023, dão conta de montantes de rendimentos inconsistentes com a fortuna (os 200.000 euros em referência) que a autora alega ter colocado no cofre.
Também não se sabe – não vem alegado nem se vislumbram documentos juntos aos autos a tal alusivos – quando tiveram lugar aquelas alienações de dois imóveis, designadamente se as mesmas tiveram lugar antes da única ida ao cofre da ré por parte da autora, que ocorreu em 15/9/2011 (conforme registo de visitas a tal cofre junto aos autos a 12/10/2023), pois, como nos parece óbvio, para ali ser colocado dinheiro de tais alienações tinham estas que ter ocorrido antes daquela data.
Por sua vez, do depoimento de parte prestado pela autora resulta a alusão vaga a dinheiro (disse “fomos lá pôr o que tínhamos, o dinheiro e os valores”) sem alusão àquela quantia de 200.000 euros em dinheiro – o que resulta estranho, pois aquela é, de longe, a parcela de maior valor entre os valores dos variados objetos alegados na petição inicial e tendo aquela grandeza pecuniária seria mais do que natural que fosse o principal item a ser referido.
Por outro lado, dos depoimentos conjugados das testemunhas suas filhas resulta a afirmação por parte destas de que aquela quantia – que foram juntando ao longo dos anos, que era resultante de lucros e de vendas “particulares” (referentes a obras particulares) feitas pelas empresas do grupo familiar e que estava inicialmente no cofre da empresa – foi colocada no cofre da ré com vista a providenciar pela segurança económica futura da sua mãe e também com vista a fugir a eventuais penhoras (disse inclusivamente a testemunha EE que na altura em que colocaram o dinheiro no cofre da ré “estávamos a ser bastante pressionados com penhoras”), o que se mostra contraditório com a versão veiculada pela autora nas referidas peças processuais.
Na linha destes depoimentos das filhas da autora, que disseram que o dinheiro foi retirado do cofre da empresa com a ajuda da testemunha GG, disse esta testemunha (depois de esclarecer que trabalhou como técnica administrativa na empresa “E...”, do universo familiar da autora, entre 1996/1997 e até por volta de 2018): que tinha acesso ao cofre da empresa (deram-lhe o respetivo código) e que lá era guardado dinheiro, algumas vezes até por si lá colocado; que em determinado dia (cerca de um ano/ano e pouco antes do assalto) a filha da autora, EE, pediu-lhe para ir àquele cofre para de lá ser retirado dinheiro; tiraram dinheiro em notas, que ajudou a contar, no montante de 200.000 euros, para ser colocado no cofre da Banco 1....
Mas, para além de este depoimento entroncar na versão das filhas, já de si contraditória com a versão apresentada pela própria autora nos autos sobre a proveniência do dinheiro (nos termos que se referiram), também nos parece pouco crível que, numa altura em que as empresas do grupo familiar estavam a ser bastante pressionadas com penhoras (como referiu a testemunha EE), a autora e/ou as suas aquelas filhas se fossem pôr nas mãos de uma funcionária das empresas e “partilhar” com ela o desvio de dinheiro daquela avultada quantia, que integra uma autêntica sonegação de bens daquelas empresas relativamente aos credores.
Assim, é também de concluir quanto ao item de factualidade em apreço que não se fez prova segura da mesma, ou, no limite, que há dúvida sobre a sua ocorrência.
Como tal, e à semelhança do que aconteceu com o anterior item factual que se analisou, sempre haverá que dar tal factualidade como não provada, quer pelo raciocínio de não prova segura da mesma a que se chegou nos termos que explicámos, quer mesmo por aquele raciocínio residual a título de dúvida por via do disposto no art. 414º do CPC.
Deste modo, é também de manter nos seus precisos termos a alínea dos factos não provados em apreço.

Vamos agora às alterações à matéria de facto pretendidas pela recorrente ré.
Quanto à referida supra sob a alínea a)
O segmento factual pretendido aditar pela ré corresponde a matéria alegada no art. 76º da sua contestação.
Na sua primeira parte integra matéria que não é mais do que o que já consta do contrato celebrado entre autora e ré, o qual já está dado como integralmente reproduzido no nº1 dos factos provados.
Na sua segunda parte (a partir de “nesse cofre, a Autora podia…”) integra matéria conclusiva, pois traduz a interpretação dos termos do contrato.
Assim, porque em parte já constante da factualidade considerada e porque em parte integrante de matéria conclusiva, mostra-se inútil o aditamento do segmento factual em análise.
Assim, improcede esta pretensão da recorrente ré.

Quanto à referida sob a alínea b)
Defende a recorrente ré que devem ser eliminados dos factos provados os nºs 6 e 7, neste âmbito questionando que a data dada como provada sob o nº6 não foi alegada pela autora, ou, subsidiariamente, que as caraterísticas de peso e quilate referidos sob o nº7 devem dali ser eliminadas.
Para aquela sua primeira pretensão, baseia-se em depoimentos cujos excertos que entende pertinentes transcreve e em “documentos existentes nos autos” (pág. 17 da sua peça recursiva).
Porém, não pode proceder tal pretensão.
Por um lado, a data de 15/9/2011 referida sob o nº6 dos factos provados, ainda que não estritamente alegada na petição inicial, mais não integra do que um facto concretizador relativo à data da colocação dos bens no cofre (condizente com o registo de visitas a tal cofre junto aos autos a 12/10/2023). Como tal, e como previsto no art. 5º nº2 b) do CPC, ainda que não alegado, pode aquele facto ser considerado.
Por outro lado, quanto ao nº7, não podemos deixar de sufragar e subscrever a motivação do tribunal recorrido quanto aos mesmos (descrição dos objetos ali referidos pelas testemunhas filhas da autora e sua identificação por estas nas fotografias juntas aos autos e ali referenciadas, em conjugação com o facto de tais objetos já constarem da relação de bens apresentada pela autora à Polícia Judiciária em 21/5/2013, e tudo isto a par da consideração de a autora e suas filhas denotarem capacidade económica para os adquirir), sendo por isso de dar como provada a existência no cofre dos objetos ali referidos.
Resta agora ponderar, como subsidiariamente defende a ré, se as caraterísticas de peso e quilate referidos sob aquele no nº7 por referência aos objetos ali mencionados devem dali ser eliminadas.
Da prova testemunhal, das fotografias e da relação de bens ponderadas pelo tribunal para dar como provada a factualidade em causa não decorre, quanto aos objetos ali referidos, contributo probatório minimamente seguro quanto ao peso ali referenciado quanto a alguns objetos [os referidos sob as alíneas b), c), d), e), f) e h)] nem quanto aos quilates ali referenciados em relação a todos eles.
Note-se que, como se alcança de qualquer pesquisa que se faça na internet em sites relativos a objetos em ouro – por exemplo, valores.pt ou lojadoouro.pt, entre variados outros – os quilates de cada peça em ouro (que podem ser de 9, 14, 18, 19,2, 22 e 24, sendo que a grande maioria das joias nacionais são em ouro de 19,2 quilates, como também se retira da informação veiculada por aqueles sites) só são confirmáveis pela marcação de contrastaria correspondente a cada quantidade de quilates e esta só é percetível com a observação direta e de muito perto da peça em ouro.
Relativamente ao peso, detalhe de especial e decisivo relevo para uma substância como é o ouro, devido ao seu consabido elevado valor por grama, daqueles elementos probatórios nada decorre com segurança sobre ele.
Assim, na sequência de quanto se veio de analisar, quanto ao nº6 dos factos provados é de manter o mesmo como se encontra e quanto ao nº7 dos factos provados é de eliminar as caraterísticas de peso e quilate referidas na suas alíneas por reporte a cada um dos objetos nelas identificados, dando-as como não provadas.

Quanto à referida sob a alínea c)
Pretende a ré que deve ser eliminado o ponto f) dos factos não provados.
Como dele se vê, tal ponto integra matéria claramente conclusiva, e, por isso, nem deveria constar da matéria de facto da sentença.
Para além disso, sendo factualidade não provada, a mesma é inútil para o mérito da ação.
Efetivamente, como se refere no Acórdão desta mesma Relação de 24/2/2025 (proc. nº2494/18.9T8PNF.P1, relatado por Carlos Gil, disponível em www.dgsi.pt) “[é] jurisprudência corrente que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se tal facto não existisse, não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário”.
Sendo a referenciada factualidade irrelevante nos termos sobreditos, e a fim de não se praticar atos inúteis no processo (o que sob o art. 130º do CPC até se proíbe), não há que conhecer da impugnação sobre ela deduzida [neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2008, págs. 285 e 286; no mesmo sentido, vide, entre variados outros, o Acórdão do STJ de 23/1/2020 (proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1, relator Manuel Tomé Soares Gomes), in CJ, Acórdãos do STJ, ano XXVII, tomo I/2020, págs. 13/16, e ainda o Acórdão do STJ de 22.06.2022 (proc. n.º 2239/20.3T8LRA.C1.S1, relator Mário Belo Morgado), também disponível em www.dgsi.pt].
Assim, não se conhece da impugnação quanto à mesma.

Quanto à referida sob a alínea d)
A matéria alegada nos artigos 110º a 117º e 121º a 124º da contestação é atinente à movimentação da empresa de segurança “A...” e da GNR na sequência do acionamento dos alarmes das instalações da ré, sendo que tal movimentação daquela empresa e da GNR já se mostra descrita, na sequência da sua alegação pela autora na p.i., nos nºs 23, 24, 26, 27, 28 e 30 dos factos provados, os quais não foram impugnados quanto ao seu conteúdo.
Como tal, mostra-se inútil a consideração daquela matéria e, assim, não há sequer que ponderar da sua inclusão na factualidade da sentença.

Quanto à referida sob a alínea e)
Quanto à substituição das expressões constantes dos nºs 27, 30 e 33 dos factos provados ali referidas pela expressão propugnada pela recorrente também ali referida (“vistoria do exterior e do interior feita pelo exterior”), não vemos qualquer apoio para a mesma: além de não corresponder a matéria assim alegada, não se vislumbra sequer pertinência ou razoabilidade para a expressão propugnada, pois, desde logo, do ponto de vista da realidade das coisas, não vemos como pode ter lugar uma vistoria do interior de umas instalações durante a noite feita pelo exterior… (pode-se olhar para o interior, mas isso será bem diferente de uma vistoria desse interior, que só lá mesmo dentro poderia ser feita).
Também a alteração propugnada ao nº34 dos factos provados não pode lograr qualquer acolhimento: além de se propugnar inserir aqui expressão idêntica à pretendida para os nºs 27, 30 e 33 que não faz sentido, já naquele nº34 se faz constar “que pela parte exterior se encontrava tudo normal” e, naturalmente, neste “tudo” inclui-se a porta de emergência (cujo acionamento do respetivo alarme também por sua vez já está dado como provado sob o nº31 dos factos provados).
Assim, improcedem tais alterações.

Quanto à referida sob a alínea f)
A recorrente, com base em excerto de depoimento de DD que identifica por referência aos minutos da sua gravação, o qual depôs como declarante de parte por via da sua qualidade de representante da ré ao tempo dos factos (vide despacho proferido em ata da sessão de julgamento de 15/1/2024), defende que devem ser eliminados os nºs 3 e 4 dos factos provados.
O tribunal recorrido motivou assim a sua decisão quanto a tais pontos:
Relativamente à matéria constante dos pontos 3 e 4, atendeu-se às declarações da testemunha DD supra identificado, ao próprio contrato em conjugação com as regras da normalidade e da experiência neste tipo de situações em que o contrato é totalmente elaborado pela instituição bancária (…)”.
No seu depoimento, aquele depoente, conforme assentada lavrada em ata, disse que o contrato de locação de caixa forte é redigido pela Banco 1..., que são minutas que não são todas iguais e que foram sendo atualizadas ao longo dos tempos, sendo que, por vezes, eram introduzidas certas cláusulas de acordo com os clientes, e, portanto, a minuta não era estanque.
Ora, do teor de tal depoimento não decorre qualquer subsídio probatório no sentido de, no caso do concreto contrato dos autos, ter havido introdução de qualquer cláusula no mesmo diferente da correspondente ao clausulado que habitualmente a ré redigia.
Como tal, improcede a pretensão da ré quanto a tais números dos factos provados.

Quanto à referida sob a alínea g), no sentido de que devem ser eliminados dos factos provados os nºs 51 e 52.
O tribunal recorrido motivou assim sua decisão quanto a tais pontos:
No que se reporta à factualidade constante dos pontos 51 e 52, o tribunal baseou-se nas declarações prestadas pela própria Autora, pelas filhas desta, familiares diretos, em conjugação com as regras da normalidade e da experiência, sendo inequívoco, atenta a ligação sentimental que a Autora tinha com as joias de família furtadas, geradora de sentimentos de tristeza e amargura com afetação emocional.
A recorrente, quanto a tais factos, limita-se a tecer considerações genéricas sobre eles, dizendo que “nenhuma referência relevante a tais pretensos danos foi feita em audiência de julgamento”, mas não indica qualquer elemento probatório concreto e/ou sua interpretação no sentido da sua pretensão de não prova de tais factos, assim não cumprindo quanto a eles o ónus de impugnação da matéria de facto previsto na alínea b) do nº1 do art. 640º do CPC.
Como tal, e como se prevê no nº1 daquele preceito, rejeita-se a impugnação da matéria de facto quanto aos números dos factos provados em referência.


Na sequência de tudo quanto se veio de analisar e decidir sobre as questões de factualidade da sentença anteriormente referidas, há que alterar o nº7 dos factos provados e a alínea h) dos factos não provados aproveitando-se para corrigir esta alínea quanto às letras das alíneas do nº7 para que remete –, que passam a ter a seguinte redação:
- nº7 dos factos provados:
No dia 18 de novembro de 2012, quando ocorreu o assalto, a Autora mantinha guardados no interior do respetivo cofre os bens que lhe pertenciam e se passa a discriminar:
a) Um colar de pérolas de senhora de 3 voltas com o fecho em ouro antigo e brilhantes, de valor não concretamente apurado.
b) Um colar de pérolas de senhora, enfiadas num fio de ouro, com um fecho também em ouro, de valor não concretamente apurado.
c) Um cordão de senhora em ouro antigo, de valor não concretamente apurado.
d) Um conjunto de senhora em ouro, composto por fio em ouro e libra em ouro com aro à volta, de valor não concretamente apurado.
e) Uma pulseira de senhora em ouro (em formato argolas), de valor não concretamente apurado.
f) Uma pulseira de senhora em ouro rendilhada em estilo cesto, com fecho especial em ouro, de valor não concretamente apurado.
g) Uma pulseira de senhora composta por seis libras em ouro antigo, as quais tinham um aro a toda a volta também em ouro e unidas entre si com elos em ouro, com fecho também em ouro, de valor não concretamente apurado.
h) Duas alianças de casamento em ouro, de valor não concretamente apurado.
i) Um par de brincos de senhora composto com uma pérola (pérola australiana) e um brilhante cada um, com fecho em ouro branco, de valor não concretamente apurado.
j) Um par de brincos de senhora com uma pérola cada um, ambas encrostadas em ouro, de valor não concretamente apurado.
k) Um alfinete /broche de senhora em ouro antigo, trabalhado com pedras preciosas (brilhantes e esmeraldas), de valor não concretamente apurado.”

- alínea h) dos factos não provados:
Para além do referido no ponto 7 que:
- O colar identificado em a) teve um custo de aquisição de € 6.500,00 e o fecho de ouro do mesmo tinha 11 quilates;
- O colar de pérolas de senhora identificado em b) tem o valor de € 1.500,00, tendo o fio de ouro ali referido o peso de 10 gr, sendo de 18 quilates o ouro do fecho e o peso deste de 8 gr;
- O cordão de senhora identificado em c) tem o valor de € 6.500,00, sendo o ouro de 18 quilates e o seu peso de 125 gr;
- O conjunto de senhora em ouro identificado em d) tem o valor de € 3.000,00, sendo o ouro de 18 quilates e o peso do fio de 50 gr;
- A pulseira identificada em e) tem o valor de €2.500,00, sendo o ouro de 18 quilates e o seu peso de 35 gr;
- A pulseira identificada em f) tem o valor de €5.000,00, sendo o ouro de 18 quilates e o seu peso de 50 gr;
- A pulseira de senhora identificada em g) tem o valor de €3.000,00, sendo de 18 quilates o ouro do aro, dos elos e do fecho;
- As alianças de casamento identificadas em h) têm o valor global de € 1.200,00, tendo o peso de 5 gr cada uma;
- O par de brincos de senhora identificado em i) teve um custo de aquisição de € 2.000,00, sendo de 18 quilates o ouro do fecho;
- O par de brincos de senhora identificado em j) tem o valor de € 500,00, sendo o ouro de 18 quilates;
- O alfinete /broche de senhora identificado em k) tem o valor de € 3.500,00, sendo o ouro de 18 quilates.

Deste modo, a factualidade a ter em conta passa a ser a seguinte:
Factos provados
- nºs 1 a 6 da sentença recorrida, que supra se transcreveram e a aqui se dão por reproduzidos;
- nº7: “No dia 18 de novembro de 2012, quando ocorreu o assalto, a Autora mantinha guardados no interior do respetivo cofre os bens que lhe pertenciam e se passa a discriminar:
a) Um colar de pérolas de senhora de 3 voltas com o fecho em ouro antigo e brilhantes, de valor não concretamente apurado.
b) Um colar de pérolas de senhora, enfiadas num fio de ouro, com um fecho também em ouro, de valor não concretamente apurado.
c) Um cordão de senhora em ouro antigo, de valor não concretamente apurado.
d) Um conjunto de senhora em ouro, composto por fio em ouro e libra em ouro com aro à volta, de valor não concretamente apurado.
e) Uma pulseira de senhora em ouro (em formato argolas), de valor não concretamente apurado.
f) Uma pulseira de senhora em ouro rendilhada em estilo cesto, com fecho especial em ouro, de valor não concretamente apurado.
g) Uma pulseira de senhora composta por seis libras em ouro antigo, as quais tinham um aro a toda a volta também em ouro e unidas entre si com elos em ouro, com fecho também em ouro, de valor não concretamente apurado.
h) Duas alianças de casamento em ouro, de valor não concretamente apurado.
i) Um par de brincos de senhora composto com uma pérola (pérola australiana) e um brilhante cada um, com fecho em ouro branco, de valor não concretamente apurado.
j) Um par de brincos de senhora com uma pérola cada um, ambas encrostadas em ouro, de valor não concretamente apurado.
k) Um alfinete /broche de senhora em ouro antigo, trabalhado com pedras preciosas (brilhantes e esmeraldas), de valor não concretamente apurado”.
- nºs 8 a 53 da sentença recorrida, que supra se transcreveram e a aqui se dão por reproduzidos.
*

Factos não provados:
- alíneas a) a g) da sentença recorrida, que supra se transcreveram e a aqui se dão por reproduzidas;
- alínea h): “Para além do referido no ponto 7 que:
- O colar identificado em a) teve um custo de aquisição de € 6.500,00 e o fecho de ouro do mesmo tinha 11 quilates;
- O colar de pérolas de senhora identificado em b) tem o valor de € 1.500,00, tendo o fio de ouro ali referido o peso de 10 gr, sendo de 18 quilates o ouro do fecho e o peso deste de 8 gr;
- O cordão de senhora identificado em c) tem o valor de € 6.500,00, sendo o ouro de 18 quilates e o seu peso de 125 gr;
- O conjunto de senhora em ouro identificado em d) tem o valor de € 3.000,00, sendo o ouro de 18 quilates e o peso do fio de 50 gr;
- A pulseira identificada em e) tem o valor de € 2.500,00, sendo o ouro de 18 quilates e o seu peso de 35 gr;
- A pulseira identificada em f) tem o valor de € 5.000,00, sendo o ouro de 18 quilates e o seu peso de 50 gr;
- A pulseira de senhora identificada em g) tem o valor de € 3.000,00, sendo de 18 quilates o ouro do aro, dos elos e do fecho;
- As alianças de casamento identificadas em h) têm o valor global de € 1.200,00, tendo o peso de 5 gr cada uma;
- O par de brincos de senhora identificado em i) teve um custo de aquisição de € 2.000,00, sendo de 18 quilates o ouro do fecho;
- O par de brincos de senhora identificado em j) tem o valor de € 500,00, sendo o ouro de 18 quilates;
- O alfinete /broche de senhora identificado em k) tem o valor de € 3.500,00, sendo o ouro de 18 quilates.”
- alíneas i) a j) da sentença recorrida, que supra se transcreveram e a aqui se dão por reproduzidas.


Passemos agora para as questões enunciadas sob a alínea c).

Comecemos por analisar se é de responsabilizar a ré.
Não podemos deixar de dizer o seguinte: a responsabilização contratual da ré perante clientes com contratos de locação de cofre-forte situados nas instalações do seu balcão em ... na sequência do evento referido nos autos – o assalto e roubo de valores ocorrido em 18/11/2012 naquelas instalações – já foi objeto de decisão em vários processos e todos no sentido da sua afirmação, tendo no seu âmbito e perante a mesma factualidade apurada nestes autos quanto à atuação da ré sido proferidos, por exemplo, os Acórdãos do STJ de 8/3/18 (proc. nº351/14.7TBPNF.P1.S1) e de 17/10/2019 (proc. nº1565/16.0T8PNF.P1.S1) e os Acórdãos deste Tribunal da Relação de 4/6/2019 (proc. nº812/17.6T8PNF.P1) e de 26/9/2019 (proc. nº3039/15.8T8PNF.P2), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Nesta linha, e porque será difícil dizer mais e/ou melhor do que já se analisou nestas peças quanto à responsabilização da ré, não podemos deixar de seguir de perto e mesmo de transcrever o que num ou noutro de tais arestos se diz (e que, como é óbvio, a ré já bem conhece…), o que iremos fazer conforme se nos afigure oportuno.
Para já, cumpre referir que o contrato de locação de cofre-forte referido nos autos (nº1 dos factos provados), permitido pelo art. 4º nº1, alínea o), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, “combina elementos do depósito e da locação e, na essência, caracteriza-se pelas obrigações da instituição bancária de ceder o uso do cofre e garantir a sua inviolabilidade e preservação da integridade dos bens ou valores lá guardados, mediante remuneração do cliente” (Ac. do STJ de 8/3/2018).
Como refere José Engrácia Antunes [“Os Contratos Bancários”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Volume II, Almedina, págs.152 -154], o banco, por via de tal contrato, coloca à disposição do cliente um cofre-forte dentro do próprio estabelecimento bancário para nele serem colocados em segurança objetos (jóias, documentos, metais preciosos, títulos, etc.), cofre esse que, em regra, só pode ser aberto através de duas chaves diferentes, sendo que os funcionários do banco não podem assistir às operações de retirada e colocação dos objetos pelo cliente. Caracteriza-se pela concessão do uso do cofre e pela custódia, assumida pelo banco, da sua integridade, e, ao contrário do que sucede com o depósito de disponibilidades monetárias, o banco não adquire a propriedade do bem depositado, não o podendo utilizar e, na maioria dos casos, não tem conhecimento do objeto depositado. Daí que para alguns autores o contrato apresente um elemento de vigilância e um elemento de segredo, posto que o banco permanece alheio à retirada e colocação das coisas no cofre.
Neste mesmo âmbito, refere-se no Acórdão desta Relação de 4/6/2019 que supra se aludiu que o banco se obriga “a colocar à disposição dos clientes um local (cofre) e a garantir a integridade deste, apresentando esta obrigação de custódia um caráter principal e não acessório. O banco obriga-se a garantir a inviolabilidade do cofre e, reflexa ou indiretamente, o conteúdo do mesmo”, acrescentando-se mais à frente, depois de se concluir que a causa do contrato é a proteção e segurança excecionais dos valores depositados no cofre, que “[o] banco, ao celebrá-lo, actua como profissional de segurança, isto é, vende segurança, assumindo, portanto, uma obrigação de resultado, próxima ao risco integral. De outro modo, estaria desconfigurado o próprio contrato na sua finalidade precípua”.
Aquela obrigação de custódia enquanto obrigação principal do contrato, não é, como defende a ré, excluída pela conteúdo da cláusula 1ª de tal contrato, onde se refere, sob o nº1, que “[a] Banco 1... coloca à disposição da CLIENTE um cofre-forte, para nele serem colocados objectos em segurança” e, sob o nº2, que “a perda ou deterioração destes objectos serão sempre da responsabilidade da CLIENTE, pelo que a Banco 1... apenas se responsabiliza pela segurança dos mesmos” [nº1 dos factos provados, onde se dá por integralmente reproduzido o contrato].
Na verdade, sob a 2ª parte do seu nº2 consta que a ré se responsabiliza pela segurança dos objetos e, além disso, consta estipulado sob a sua cláusula 5ª como dever da ré o de “garantir a integridade exterior do cofre”.
Assim, como se refere na sentença recorrida e se subscreve, “essa cláusula contratual não exime a ré do seu dever contratual essencial de garantir a inviolabilidade, por via da guarda/custódia dos cofres alugados e, reflexa ou consequencialmente, o respetivo conteúdo; antes reafirma tal obrigação contratual”.
Além disso, tal cláusula, como se refere no Acórdão do STJ de 17/10/2019 também aludido supra, se interpretada, por via do segmento que constitui a primeira parte do nº2, no sentido de uma cláusula de exclusão da responsabilidade, “não poderia valer pela simples razão de que seria incompatível com o fim contratual prosseguido pelas partes”, pois “[a] razão que leva um cliente a concluir um contrato de cofre-forte com um banco para aí colocar bens que tem ou a que atribui valor em vez de os deixar em sua casa ou os colocar noutro local é o facto de este tipo de instituições apresentar condições superiores de segurança, gerando nele a expectativa (legítima) de que os bens estarão tão bem guardados como os valores do próprio banco, ou seja, estarão tão bem guardados quanto é possível. A obrigação de guarda e de vigilância dos cofres-fortes e das instalações em que estão situados é, portanto, uma obrigação essencial ao fim do contrato e não pode ser afastada sob pena de se frustrar a realização deste fim” [no sentido, também referido por aquele acórdão do STJ, da ineficácia de uma cláusula de não indemnização aposta em tal tipo de contrato “em virtude de a mesma ser excludente de obrigação essencial do contrato, que é de guardar o local dos cofres e implicitamente o seu conteúdo”, vide também o Acórdão desta Relação de 4/6/2019, também já supra aludido].
De resto, diga-se ainda, estando-se, no caso, na sequência da respetiva alegação e discussão nos autos (artigos 9 e 10 da petição inicial e artigos 57 a 60 da contestação) – do que decorre a falta de fundamento de violação do contraditório invocado pela ré sob a conclusão 57 – perante um contrato elaborado pela ré e cujo clausulado a autora não pôde influenciar (como decorre dos nºs 3 e 4 dos factos provados), sempre se aplicaria a tal cláusula, se interpretada no sentido acima referido, o regime das Cláusulas Contratuais Gerais (Lei 446/85, de 25/10) por via da previsão do nº2 do seu art. 1º, e neste, considerando o disposto nos arts. 12º, 15º e 16º b), que a mesma, por via da especial ponderação do objetivo negocialmente visado pelas partes (imposta por aquele último preceito), sempre seria nula, por contrária à boa-fé, na medida em que traduz uma cláusula de não indemnização excludente da já supra aludida obrigação essencial do contrato, que é de guardar o local dos cofres e implicitamente o seu conteúdo [neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 25/2/2025 proferido no proc. nº1939/20.2T8CBR.C1, igualmente disponível em www.dgsi.pt].
Aqui chegados, cumpre referir quanto ao contrato em análise, que, como se diz no Acórdão do STJ de 8/3/2018 acima aludido [citando-se Carlos Henrique Abrão, in “Cofres de Segurança”, editora Quartier Latin, São Paulo, 2006, pág. 145, e Paula Ponces Camanho, in “Do Contrato de Depósito Bancário”, Almedina, 1998, págs. 84 e 85 e diversa doutrina aí citada em notas de rodapé], “é unanimemente reconhecido que existe uma presunção de responsabilidade da entidade bancária relativamente ao desaparecimento ou deterioração dos bens e valores depositados, sendo aquela responsável pelos danos causados, a não ser que prove que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior e que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível, mas o cliente, por seu turno, tem o ónus da prova do conteúdo do cofre, para efeitos de determinação do dano ressarcível”.
No caso vertente, resulta o seguinte dos nºs 25 a 40 dos factos provados (que é exatamente o mesmo, quanto a tal factualidade, ao que se apurou e foi objeto de decisão no processo em que foi proferido o Acórdão do STJ de 17/10/2019 já acima aludido, em que se faz a análise que se transcreve): depois do acionamento do alarme, o funcionário da empresa de segurança tentou entrar em contacto com o funcionário do banco que figurava em primeiro lugar da lista de contactos, por mais do que uma vez, mas o contacto frustrou-se; contactado o administrador da ré, dirigiu-se este às instalações mas apenas efetuou uma vistoria exterior, tendo informado a empresa de alarmes de que estava tudo bem ou de que se encontrava tudo normal; este administrador não era, na ocasião em que se deslocou às instalações e realizou a vistoria, portador de chave das portas das instalações; recebendo nova chamada (segunda) da central de alarmes, a dar conhecimento de disparos de alarmes de intrusão noutras zonas do banco, o mesmo administrador deslocou-se de novo ao local e, mais uma vez, sem entrar dentro das instalações da ré e sem chamar as forças policiais, fez/realizou nova inspeção exterior às instalações, contactando depois a central de alarmes a informar que pela parte exterior se encontrava tudo normal; recebendo nova chamada da central de alarmes a informar “falha de (teste de) linha”, o administrador já não se deslocou ao local para ver a causa do problema; o administrador não entrou em contacto direto com a GNR.
No seguimento desta análise factual, não podemos, mais uma vez, deixar de acompanhar aquele Acórdão do STJ de 17/10/2019, quando ali se diz que “sendo certo que não consta da factualidade provada – porque seria muito difícil tal prova – o momento exacto do assalto e muito menos da subtracção dos bens dos cofre-forte, a verdade é que, com base na mesma factualidade, é razoável estabelecer-se que o assalto estaria em curso no período ou em parte do período em que a ré / recorrente podia e devia ter adoptado medidas para o impedir ou interromper. O assalto a um banco e, ainda para mais, um assalto como o assalto dos autos, não é, evidentemente, um acto instantâneo; é um acto cuja prática se estende ou está em curso durante certo tempo. É razoável dar relevância ao momento em que soaram os dois alarmes (pois que eles servem, justamente, para sinalizar este tipo de eventos) e entender que algures durante este período o assalto estaria a decorrer no interior do edifício. Durante o mesmo período foi o primeiro funcionário da ré / recorrente contactado em vão, foi o segundo funcionário da ré / recorrente contactado por duas vezes, tendo-se deslocado, por duas vezes, ao banco e feito vistoria exterior. Com toda a probabilidade, teria sido possível ao primeiro funcionário (mais cedo) ou ao segundo funcionário (mais tarde) evitar o furto do cofre (sobretudo se os assaltantes tivessem sido surpreendidos logo após a intrusão no edifício e antes de consumado o assalto) ou, pelo menos, minimizá-lo (se o assalto estivesse já em curso, sempre se teria interrompido o assalto e, mesmo que os assaltantes conseguissem fugir, ter-se-ia evitado que ele se consumasse na íntegra).”.
Dado que sob análise está a obrigação contratual de a ré velar pela segurança do cofre-forte, os comportamentos dos funcionários da ré supra analisados mostram que estes, em vista dela (e mais uma vez acompanhando o acórdão do STJ em referência), não atuaram com a diligência, o cuidado e o zelo que lhes era exigível: o primeiro funcionário contactado não estava, de facto, contactável; o segundo funcionário contactado (o administrador) deslocou-se ao local duas vezes, é certo, mas limitou-se sempre a uma vistoria exterior do edifício, mesmo quando foi informado, pela empresa de alarmes, de que o alarme disparara, pela segunda vez, em zonas diferentes (interiores) do banco; nunca teve a chave das instalações consigo; não entrou em contacto direto com a GNR; e depois de um terceiro contacto da empresa de alarmes, já não se deslocou ao banco.
Como neste mesmo sentido se refere no Acórdão do STJ de 8/3/2018, a ré, confrontada com os sucessivos disparos dos alarmes, não deveria satisfazer-se com o mero registo destes e comunicação à GNR que realizou, tão só, inspeção exterior às instalações bancárias, quando pela persistência daqueles disparos, a denotar que algo de estranho e intrusivo se estava a passar no interior, se impunha que outras medidas de segurança fossem tomadas (e não foram), em ordem a salvaguardar os bens e valores que ali se encontravam depositados pelos clientes, confiantes de que a mesma os manteria em segurança.
Estando em causa responsabilidade contratual decorrente da violação daquela referida obrigação de velar pela segurança do cofre, presume-se a culpa da ré (art. 799º nº1 do C. Civil), presunção esta que, como decorre dos comportamentos dos seus funcionários que supra se analisaram, não foi por si ilidida (art. 350º nº2 do C. Civil).
Assim, é de responsabilizar a mesma pelos danos ocasionados.

Apuremos agora em que termos é que esta responsabilidade se traduz do ponto de vista indemnizatório.
A título de danos patrimoniais, face à não alteração da matéria de facto provada quanto aos bens constantes do cofre e não recuperados [as pequenas alterações introduzidas no nº7 dos factos provados e na alínea h) dos factos não provados não se repercutem na expressão dos mesmos que já tinha sido dada como provada sob aquele nº7] e quanto aos bens cuja alegada retirada do cofre não se provou [alíneas i) e j) dos factos não provados], é de manter quanto a eles o decidido pela sentença recorrida, pois não é posto em causa em qualquer dos recursos a construção jurídica que a tal subjaz.
Já quanto a danos não patrimoniais cumpre referir o que se passa a expor.
Como se analisa e considera na sentença recorrida, referindo-se nesse sentido jurisprudência e doutrina dominante, na responsabilidade contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito (art. 496º nº1 do C. Civil).
No caso, mercê da factualidade constante do nº52 dos factos provados, ocorre tal tipo de danos na autora, integrados pela tristeza e mágoa que a mesma sofreu pela perda de bens de grande valor estimativo, associados a memórias pessoais e familiares.
Efetivamente, a memória familiar, os afetos e a recordação destes ao longo dos anos por via da posse de objetos em ouro como os referidos sob os nº7 dos factos provados – muitas vezes adquiridos e/ou oferecidos por pessoas da família mais próxima e pela quais se nutrem fortes laços de amor ou amizade –, ficam, naturalmente, bastante atingidos pela sua perda.
Neste conspecto, a indemnização arbitrada, considerando o critério da equidade previsto no art. 496º nº3 do C. Civil, parece-nos algo exígua, parecendo-nos mais adequada a compensar tais danos não patrimoniais a quantia de 5.000 euros em vez dos 1.000 euros fixados pela primeira instância.
A tal quantia acrescem juros contados nos termos fixados na sentença recorrida, pois o critério da sua fixação não se mostra questionado no recurso.

Perante tudo quanto se veio de expor, há que julgar parcialmente procedente o recurso da autora, alterando-se a indemnização por danos não patrimoniais de 1.000 para 5.000 euros, e improcedente o recurso da ré [pois apesar da alteração decidida em relação ao nº7 dos factos provados e à alínea h) dos factos não provados, tal não se traduz em qualquer vencimento em termos de valor da ação], mantendo-se no restante a sentença recorrida.

As custas do recurso da autora ficam a cargo desta e da ré na proporção do respetivo decaimento (art. 527º nºs1 e 2 do CPC).
As custas do recurso da ré ficam a seu cargo, pois nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
As custas da ação ficam a cargo da autora e da ré na proporção do respetivo decaimento, salvo na parte em que é relegada a liquidação de parte da indemnização para momento ulterior, caso em que a responsabilidade tributária é a cargo de tais partes, a meias, e sem prejuízo da sua ulterior correção em face dos resultados daquela liquidação (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
*

Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso da autora e improcedente o recurso da ré e, alterando-se parcialmente a sentença recorrida, decide-se:
- condenar a ré a pagar à autora, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 5.000 euros, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a data da sentença da primeira instância até efetivo e integral pagamento;
- manter a sentença recorrida quanto ao demais.

Custas do recurso da autora a cargo desta e da ré na proporção do respetivo decaimento (art. 527º nºs1 e 2 do CPC).

Custas do recurso da ré a seu cargo, pois nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).

Custas da ação a cargo da autora e da ré na proporção do respetivo decaimento, salvo na parte em que é relegada a liquidação de parte da indemnização para momento ulterior, caso em que a responsabilidade tributária é a cargo de tais partes, a meias, e sem prejuízo da sua ulterior correção em face dos resultados daquela liquidação (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).

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Porto, 28/4/2025.

Mendes Coelho
Manuel Domingos Fernandes
José Nuno Duarte