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ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
CESSAÇÃO DE EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
EXERCÍCIO DE DIREITOS PELOS CREDORES
VENDA EXECUTIVA
AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
TÍTULO DE TRANSMISSÃO
ABERTURA DA SUCESSÃO
ACEITAÇÃO
Sumário
I – Quanto à nulidade por falta de fundamentação – a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, do Código de Processo Civil – como é entendimento pacífico da Jurisprudência e Doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera tal nulidade. A mera fundamentação deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a sua nulidade; II – Encerrado o processo de insolvência , e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º do CIRE quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa, sendo que os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º; III – Na disciplina da venda executiva, quanto aos efeitos sujeita ao regime da compra e venda em geral, surgem em momentos separados e sucessivos a conclusão do contrato e a efectiva aquisição da propriedade. No caso da venda por negociação particular, como nas restantes modalidades e venda, o legislador parece ter querido autonomizar dois momentos: o da conclusão do contrato e o da aquisição da propriedade; uma vez aceite a melhor - ou a única - proposta, o contrato acha-se concluído - a declaração negocial gerará efeitos de natureza obrigacional, consubstanciados no direito do transmissário à exigência da prossecução das condutas idóneas à perfeição do negócio; IV – Não é pela emissão do título de transmissão a que se reporta o art.º 827.º do Código do Processo Civil – mostrando-se pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados – que se opera a transferência do direito de propriedade, pois este limita-se a comprovar essa transmissão; V – Só o efeito real ou translativo da propriedade da coisa vendida ou adjudicada é que fica dependente da verificação daquela condição, o que constitui uma excepção prevista na lei, embora não expressamente, ao princípio estatuído no art.º 408º nº 1 do Código Civil – a emissão de título de transmissão é uma mera formalidade que culmina o processo de transmissão da propriedade, mas não é com essa emissão que se conclui a venda; VI – O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação - art.º 2050.º, n.º 1, do Código Civil –, a qual tem lugar após a abertura da sucessão, ou seja, no momento da morte do de cujus – arts. 2031.º e 2032 do Código Civil –, momento a partir do qual se define o conteúdo patrimonial da herança a partilhar. Ora, é precisamente pelo momento da morte que se determina quem é chamado à sucessão, qual o valor dos bens deixados pelo autor da sucessão e qual o valor dos bens doados em vida por ele – aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
I – Relatório
A devedora, ora apelante, apresentou-se à insolvência em 22 de Maio de 2013, estando em causa dividas que totalizavam €6.610,61, a qual veio a ser declarada insolvente por sentença de 23 de Maio de 2013.
Por despacho proferido nos autos principais, em 8.11.2018, com a referência CITIUS nº 26478976, e transitado em julgado, foi deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pela devedora, o qual foi publicitado designadamente pelo edital de 12.11.2018.
A 25 de Maio de 2022, com a referencia CITIUS nº 29413228, foi proferido despacho final de exoneração do passivo, que considerou que se encontrava decorrido o período de cessão, o qual foi publicitado nos termos legais em 30 de maio de 2022 e transitou em julgado.
*
O Juízo Local Cível da Guarda - Juiz 1 determinou:
Através de requerimento junto com ref.ª n.º2489986 veio o AI informar que, encontrando-se a diligenciar pela venda do quinhão da herança da insolvente por óbito do seu pai, resultou no último leilão eletrónico uma proposta de compra do mesmo. Contudo, veio o marido da insolvente, Sr. AA, informar que pretendia exercer o direito de remição, tendo para o efeito, pago o valor da proposta apresentada. Mais informou o AI que antes da realização da escritura de compra e venda o indigitado adquirente viria a falecer.
Acontece que, remetida a habilitação de herdeiros do falecido, constatou o AI que a única herdeira é a insolvente BB e que o seu marido falecido, havia deixado testamento em que constituiu a insolvente a sua única e universal herdeira, não existindo outros herdeiros que possam tomar a posição do falecido no negócio.
Aduz ainda que em face do falecimento da mãe da insolvente, o quinhão que se encontrava em venda estaria desatualizado e com valor, também ele, desatualizado. Assim, veio informar que se encontra a diligenciar pelo apuramento dos bens existentes quer no quinhão que a insolvente tem direito pelo óbito do seu marido, quer no da sua mãe, a fim de proceder a venda dos mesmos e ainda que havia solicitado IBAN da herança de AA a fim de proceder à devolução do valor por este pago, no entanto o Sr. Mandatário recusou-se ao envio do mesmo, informando que a insolvente terá direito a adquirir o bem.
Conclui peticionando que seja notificada a insolvente a fim de remeter o IBAN da herança, para devolução do montante pago à MI pelo seu falecido marido, tendo em conta a impossibilidade da concretização do negócio e, que seja notificado o Serviço de Finanças competente para remeter o Imposto de Selo das heranças abertas pelas mortes da mãe CC, com o NIF ...95 e do marido da insolvente AA, com o NIF ...90, ou caso tais declarações não tenham sido apresentadas, que sejam remetidas informações quanto ao património registado a favor daqueles.
Por despacho proferido em 25.09.2024 determinou-se que se procedesse nos termos requerido pelo AI.
Notificado do referido despacho veio o Il. Mandatário da insolvente arguir a nulidade do despacho, porquanto não foi permitido à insolvente exercer o direito ao contraditório.
Cumpre apreciar:
Em primeiro lugar cumpre assinar que o despacho proferido em 25.09.2024 se limita, na parte que respeita à insolvente, a proceder à notificação daquela nos termos requeridos pelo AI.
Ora tal notificação à insolvente implica, desde logo, dar-lhe conhecimento do despacho proferido, que deverá cumprir nos seus precisos termos, estando sempre implícita, como o Il. Mandatário bem sabe, a possibilidade de, uma vez notificada vir requerer o que tiver por conveniente, pronunciando-se em conformidade, o que viria a fazer através de requerimento junto com ref.ª n.º 2515478. Pelo que a verificar-se a nulidade invocada a mesma sempre se consideraria sanada em face do exercício do contraditório.
Por outro lado, a insolvente já havia sido notificada por parte do AI nos termos assinalados, nada tendo requerido nos autos.
Conclui-se assim pela improcedência da arguição de nulidade invocada pela insolvente.
*
Mais se diga que no que tange ao pedido efectuado quanto à informação requerida à AT, tal pedido enquadra-se no âmbito das funções do administrador de insolvência, designadamente, no que tange à herança aberta por óbito de AA, uma vez, que resulta do teor da habilitação de herdeiros e do testamento junto com ref.ª n.º 2489989 que aquele faleceu sem deixar descendentes nem ascendentes, tendo instituído como única e universal herdeira a aqui insolvente. Assim, não havendo outros herdeiros, a averiguação do património existente em nome da referida herança mostra-se relevante para o prosseguimento dos autos pois constitui patrimonial da insolvente (pois ainda que tal como alegado a herança não tenha sido aceite, não foi junto aos autos qualquer escritura de repúdio), não se verificando qualquer abuso de direito.
Assim, e uma vez que em face do falecimento do marido da insolvente não se realizou a escritura de compra e venda, não pode a insolvente querer exercer um direito – de remição- que lei não lhe confere (cfr. artigo 842.º do CPC).
Por outro lado, como refere o Sr.ºAI o valor do quinhão apreendido mostra-se desactualizado em face do falecimento da mãe e do marido da insolvente, importando apurar o seu valor actual atendendo à finalidade do processo de insolvência.
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Guarda, 25.11.2024 (23.11 e 24.11 fim de semana)
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BB, insolvente nos autos à margem referenciados, notificada de tal despacho e não se conformando com o mesmo, interpõem o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões:
(…).
*
A MASSA INSOLVENTE DE BB, representada pelo Administrador nomeado, DR. DD, vem, em resposta à alegação trazida aos autos pela insolvente, pronunciar-se nos seguintes termos:
(…).
*
2. Do objecto do recurso
2.1 –Das nulidades;
A nulidade por ausência do contraditório encontra-se sanada pelo desenrolar da instância. Por despacho de 8/10/2024 com a referência CITIUS nº 31671763 o Senhor Juiz ordenou que fossem notificados o AI e os credores para querendo, no prazo de cinco dias se pronunciarem sobre aquele requerimento da apelante com a referência nº 2499228.
O Senhor A.I. por requerimento de 10/10/2024 com a referencia CITIUS nº 2507036 veio requerer que, não obstante o exercício do contraditório por parte da Insolvente, seja dado seguimento à apreensão dos bens herdados por esta, em conformidade com o disposto no artigo 46.0 do CIRE, integrando-os na massa insolvente, e que, após a apreciação dos elementos que venham a ser apresentados pelas partes, seja proferida decisão favorável à prossecução do processo de liquidação.
Como escreve a 1.ª instância:
“Em primeiro lugar cumpre assinar que o despacho proferido em 25.09.2024 se limita, na parte que respeita à insolvente, a proceder à notificação daquela nos termos requeridos pelo AI.
Ora tal notificação à insolvente implica, desde logo, dar-lhe conhecimento do despacho proferido, que deverá cumprir nos seus precisos termos, estando sempre implícita, como o Il. Mandatário bem sabe, a possibilidade de, uma vez notificada vir requerer o que tiver por conveniente, pronunciando-se em conformidade, o que viria a fazer através de requerimento junto com ref.ª n.º 2515478. Pelo que a verificar-se a nulidade invocada a mesma sempre se consideraria sanada em face do exercício do contraditório.Por outro lado, a insolvente já havia sido notificada por parte do AI nos termos assinalados, nada tendo requerido nos autos.
Conclui-se assim pela sua improcedência.
Mais, como alega a Apelante:
“O despacho de que se ora se apela contém duas decisões distintas, sendo a primeira relativa a uma nulidade arguida pela apelante pela circunstancia de não lhe ter sido possibilitado o exercício do contraditório, que havia sido suscitado no seu requerimento de 1/10/2024.Todavia, o que abaixo se alega, relativamente à segunda decisão contida no despacho sob apelação, deixa prejudicada a apreciação da decisão relativa à nulidade arguida pela apelante.
Por requerimento de 22/10/2024 - com a referência CITIUS nº 2515478 - veio então solicitar o seguinte:
1 – Nos autos de insolvência decorreu o período de cessão e também, por despacho de V. Exª de 25 de maio de 2022, foi concedido à devedora, BB, a exoneração do passivo restante que não for pago no processo de insolvência.
2 – No entanto, o incidente de liquidação não se encontra findo o que não obstou, contrariamente ao parecer do Fiduciário, a que tenha sido proferido por V. Ex.ª aquele despacho de 25 de maio de 2022.
3 – Nas circunstancias legais acima mencionadas a devedora passou a poder dispor de todos os seus rendimentos e bens que possa adquirir.
(…) Acresce que no requerimento da apelante de 22/10/2024 com a referência CITIUS nº 2515478 a mesma suscita a questão de se encontrar exonerada definitivamente do passivo, pelo que, não se encontra impedida de aceitar e adquirir a herança do seu falecido cônjuge mas, sobre esta questão, o Tribunal “quo” não se pronunciou diretamente no despacho de que ora se recorre, o que constitui a nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC. que se vem arguir.
Ora, quanto à nulidade por falta de fundamentação - a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, do Código de Processo Civil –como é entendimento pacífico da Jurisprudência e Doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera tal nulidade. A mera fundamentação deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a sua nulidade – neste preciso sentido, por ex. A. Varela, M. Bezerra, S. Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 687-688; Acórdão do STJ de 14.12.2016, pesquisável em www.dgsi.pt.
Desde logo, como salientam quer Alberto dos Reis, quer A. Varela, não basta para que exista falta de fundamentação de facto e/ou de direito que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta ou não convincente; é preciso que haja falta absoluta ou total de fundamentação, seja de facto, seja de direito.
Mais, a nulidade por omissão de pronúncia sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais suscitadas pelos litigantes - ou de que se deva conhecer oficiosamente -, cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, não se considerando como tal os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados, até porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Ora, neste particular, escreve a 1.ª instância:
Mais se diga que no que tange ao pedido efectuado quanto à informação requerida à AT, tal pedido enquadra-se no âmbito das funções do administrador de insolvência, designadamente, no que tange à herança aberta por óbito de AA, uma vez, que resulta do teor da habilitação de herdeiros e do testamento junto com ref.ª n.º 2489989 que aquele faleceu sem deixar descendentes nem ascendentes, tendo instituído como única e universal herdeira a aqui insolvente. Assim, não havendo outros herdeiros, a averiguação do património existente em nome da referida herança mostra-se relevante para o prosseguimento dos autos pois constitui patrimonial da insolvente (pois ainda que tal como alegado a herança não tenha sido aceite, não foi junto aos autos qualquer escritura de repúdio), não se verificando qualquer abuso de direito.
Assim, e uma vez que em face do falecimento do marido da insolvente não se realizou a escritura de compra e venda, não pode a insolvente querer exercer um direito – de remição- que lei não lhe confere (cfr. artigo 842.º do CPC).
Por outro lado, como refere o Sr.ºAI o valor do quinhão apreendido mostra-se desactualizado em face do falecimento da mãe e do marido da insolvente, importando apurar o seu valor actual atendendo à finalidade do processo de insolvência.
De facto, a julgadora não se refere expressamente à questão agora trazida em recurso - de a Apelante se encontrar exonerada definitivamente do passivo, não se encontrando, por isso, impedida de aceitar e adquirir a herança do seu falecido cônjuge -, mas não o fez porque tem o entendimento de que, em face do falecimento do marido da insolvente não se concretizou a transferência do “quinhão hereditário”, não podendo, por isso, a insolvente exercer o direito de remição, que lei não lhe confere (cfr. artigo 842.º do CPC) - O direito de remição configura-se como um direito de preferência legal de formação processual, exercitado por um dos familiares do executado, que seja terceiro relativamente à execução, tendo como finalidade a proteção do interesse do círculo familiar em evitar a saída do património da família dos bens alienados em processo executivo.
Improcedem, pois, as invocadas nulidades.
2.2-Dos factos;
a) A devedora, ora apelante, apresentou-se à insolvência em 22 de maio de 2013 estando em causa dividas que totalizavam €6.610,61, a qual foi declarada por sentença de 23 de maio de 2013.
b) Por requerimento com a referência Citius 16839249 no processo principal a insolvente veio justificar que só era devedora aos seus credores do valor de €4.029,95, sendo que por despacho do Senhor Juiz foi o senhor administrador notificado para diligenciar e apurar junto dos credores pelos concretos valores em causa, fazendo o ponto da situação no apenso de graduação de créditos.
c) Por despacho proferido nos autos principais, em 8/11/2018, com a referência CITIUS nº 26478976, e transitado em julgado, a Senhora Juiz deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pela devedora, o qual foi publicitado designadamente pelo edital de 12/11/2018.
d) Em 25 de maio de 2022, com a referencia CITIUS nº 29413228, foi proferido pelo Senhor Juiz o despacho final de exoneração do passivo, que considerou que se encontrava decorrido o período de cessão, o qual foi publicitado nos termos legais em 30 de maio de 2022 e não foi objecto de qualquer recurso.
e) A ora apelante casou em 10 de maio de 2024 com AA conforme certidão de casamento que foi junta aos autos com o requerimento do seu mandatário de 11/06/2024 com a referencia CITIUS nº 2434069.
f) O Administrador Judicial informou os autos de que foi apresentada em leilão electrónico de 5/04/2024 uma proposta no valor de 2.600,00€ para aquisição do quinhão hereditário e que esta proposta deveria ser aceite, conforme requerimento junto aos autos em 12/04/2024 com a referencia CITIUS 2393312.
g)Através de requerimento datado de 17/05/2024 com a referência CITIUS 2417697 foi manifestado nos autos que o cônjuge da apelante pretendia exercer o direito de remissão sobre o quinhão hereditário.
h)O senhor Juiz por despacho de 4/06/2024 com a referencia CITIUS nº 2417697 ordenou que fosse notificado o Sr. AI para que, no prazo de cinco dias, se pronuncie.
i)Em 22/08/2024 o A.I., com a referência CITIUS 2474881 ao abrigo do disposto no artigo 61.2 do CIRE, informou os autos que o quinhão hereditário foi adjudicado a AA, pelo montante de 2.600,00€, informando, ainda, que se encontrava a diligenciar pela marcação da escritura, sendo que a conta bancária em nome da massa insolvente de "BB" apresenta o saldo bancário no valor de 2.600,00€ (dois mil e seiscentos euros), conforme extrato que se junta (doc. n.2 1).
j) Por despacho de 17/09/2024 com a referência nº 31606759, o Senhor Juiz tomou conhecimento da mencionada adjudicação ao cônjuge da apelante (referencia 2474881) ordenando que os autos aguardassem informação atualizada.
k) O cônjuge da apelante, que já se encontrava nos cuidados intensivos quando casou com a mesma, veio a falecer em 19 de julho de 2024 e a apelante é a sua única herdeira.
l) Por requerimento de 23/09/2024 com a referencia 2489986 o Senhor A.I. veio aos autos dar conhecimento do seguinte:
- Tendo no último leilão eletrónico resultado uma proposta de compra do mesmo, veio o marido da insolvente, Sr. AA, informar que pretendia exercer o direito de remição, tendo para o efeito, pago o valor da proposta apresentada;
m) o Al diligenciava pela marcação de escritura de compra e venda, quando é informado de que o adquirente havia falecido, conforme certidão de óbito que se junta —Cfr- Doc. 1;
n) Foi ainda o Al informado pelo Sr. Mandatário do agora falecido que apenas após a habilitação de herdeiros seria possível formalizar a compra e venda, uma vez que os herdeiros estavam interessados em concretizar o negócio.
2.3- Do mérito;
Resulta do art.º 81, n.º 1, e 2 do CIRE, que a declaração de insolvência priva o insolvente, por si, e nos casos em que tem uma posição activa, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, abrangendo esta todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e os direitos que ele adquira na pendência do processo, com vista à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, n.º 1, do art.º 46, também do CIRE.
Decorre do mencionado art.º 81, n.º4, do CIRE, que o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos patrimoniais que interessem à insolvência. Assim a sentença que declara a insolvência decreta a apreensão de todos os bens do devedor, ainda que de alguma forma penhorados, apreendidos ou detidos, art.º 36, do CIRE, que passam a constituir a massa insolvente, abrangendo todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, excluídos em princípio, os que ainda que passíveis de avaliação pecuniária, estão isentos de penhora, ficando confiados em regra ao administrador da insolvência, artigos 46, 149, n.º1 e 150, n.º 1, do CIRE.
O administrador da insolvência tem competência exclusiva, além do mais, para decidir qual a modalidade da venda dos bens que integram a massa insolvente, bem como para fixar o preço base dos bens, como dispõe o artigo 164.º, n.º 1, do CIRE, apenas limitada, devendo ouvir o credor, nos casos em que este seja titular de garantia real sobre o bem a vender, como previsto no n.º 2 do mesmo preceito.
O administrador da insolvência goza de competência funcional autónoma para promover a liquidação do activo, dispondo dos amplos poderes para determinar quais são as diligências mais adequadas e convenientes com vista à venda dos bens e à cobrança dos créditos do insolvente, ainda que sujeito aos deveres estatutários e funcionais com que deve desempenhar tal função – Acórdão da Relação de Guimarães de 29.05.2024, pesquisável em www.dgsi.pt.
Finda a liquidação do activo do devedor e encerrado o processo de insolvência nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º, caso ingressem bens ou direitos susceptíveis de alienação no património daquele – apuramento posterior de bens que faziam parte do património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e os direitos adquiridos na pendência do processo-, o fiduciário deverá, com prontidão, proceder à sua apreensão e venda, sendo para o efeito aplicável o disposto no título vi, com as devidas adaptações, nos termos da norma do artigo 241.º - A do Cire - reporta-se à liquidação adicional (finda a liquidação) de novos bens, com prévia apreensão feita ao abrigo do art.º 149º, n.º 1, a), CIRE.
Refere-se na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 115/XIV/3ª que se prevê que finda a liquidação do ativo, possa ainda ser possível, durante o período de cessão, o fiduciário apreender e vender bens que ingressem então no património do devedor e, posteriormente, afectar o respectivo produto da venda aos credores, nos mesmos moldes do rendimento disponível, evitando situações de enriquecimento sem causa daquele, e, acrescentamos nós, de fraude à lei.
Como refere Fernando Taínhas - Revista Julgar n.º 48, “Liquidação (Velhos e Novos Problemas)”, págs. 69 e 70 - a liquidação superveniente do ativo surge como um “mecanismo excecional de liquidação ordenado à atribuição do fiduciário de competência liquidatária para os bens ou direitos com conteúdo patrimonial que o devedor adquira após o encerramento da fase de liquidação e do processo de insolvência, durante o período da cessão(…)é pressuposto da sua aplicação que a aquisição patrimonial seja, de jure et de facto, sobreveniente ao desfecho da liquidação e do processo. Porém, dado o objetivo da norma e considerando, por isso, o seu desiderato teleológico, parece ser de admitir o recurso à liquidação superveniente do ativo nos casos de apuramento posterior de bens ou direitos do devedor preexistentes, que o AI por qualquer razão, não logrou apurar enquanto estava em curso a normal fase de apreensão e liquidação, apelando para o efeito à ratio legis do preceito e mediante interpretação extensiva do mesmo.
Ora, nos termos do artigo 164º, nº 1, do CIRE, o administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão electrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.
Como é sabido, a insolvência liquidatária assume-se como acção executiva para pagamento de quantia certa, na qual a liquidação/venda dos bens da massa insolvente integra actividade e objetivo para proceder ao pagamento dos créditos reconhecidos sobre a insolvência - art.ºs 46º, nº 1, 55º, nº 1, al. a) e 172º do CIRE -, depois de satisfeitas as dívidas da massa.
A venda executiva não pode deixar de ser considerada como um fenómeno essencialmente processual e com os efeitos de direito substantivo do negócio típico da compra e venda – a venda realizada em sede de liquidação do activo no processo de insolvência é uma venda judicial, que visa satisfazer não um interesse próprio, mas sim um interesse alheio, o interesse do credor – e tem, por regra, os mesmos efeitos da compra e venda em geral - a propriedade transmite-se para o adquirente por mero efeito do contrato, como seu efeito real - arts. 879º-a) e 408º-1 Código Civil.
Porém, a compra e venda tem ainda como efeitos, também essenciais, as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço – efeitos obrigacionais (als. b) e c) do mesmo art. 879º). Todos esses efeitos – real e obrigacionais – podem ocorrer simultaneamente, caso em que a transmissão da posse ou do gozo da coisa é contemporânea da transmissão da propriedade. Mas pode também suceder que a aquisição do gozo resulte do cumprimento da obrigação de entrega só tenha lugar posteriormente.
Na disciplina da venda executiva, quanto aos efeitos sujeita, como se disse, ao regime da compra e venda em geral, surgem em momentos separados e sucessivos a conclusão do contrato e a efectiva aquisição da propriedade.
No caso da venda por negociação particular, como nas restantes modalidades e venda, o legislador parece ter querido autonomizar dois momentos: o da conclusão do contrato e o da aquisição da propriedade.
Uma vez aceite a melhor - ou a única - proposta, o contrato acha-se concluído - a declaração negocial gerará efeitos de natureza obrigacional, consubstanciados no direito do transmissário à exigência da prossecução das condutas idóneas à perfeição do negócio.
Temos para nós, que não é pela emissão do título de transmissão a que se reporta o art.º 827.º do Código do Processo Civil - mostrando-se pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados - que se opera a transferência do direito de propriedade, pois este limita-se a comprovar essa transmissão.
Só o efeito real ou translativo da propriedade da coisa vendida ou adjudicada é que fica dependente da verificação daquela condição, o que constitui uma excepção prevista na lei, embora não expressamente, ao princípio estatuído no art.º 408º nº 1 do Código Civil- a emissão de título de transmissão é uma mera formalidade que culmina o processo de transmissão da propriedade, mas não é com essa emissão que se conclui a venda.
Ora, resultando dos autos:
1. Que o administrador judicial informou de que foi apresentada em leilão electrónico de 5/04/2024 uma proposta no valor de 2.600,00€ para aquisição do quinhão hereditário e que esta proposta deveria ser aceite - conforme requerimento junto aos autos em 12/04/2024 com a referencia CITIUS 2393312 – e que, através de requerimento datado de 17/05/2024 com a referência CITIUS 2417697 foi manifestado nos autos que o cônjuge da apelante pretendia exercer o direito de remição sobre o quinhão hereditário;
2.Que o julgador, por despacho de 4/06/2024 com a referencia CITIUS nº 2417697, ordenou que fosse notificado o Sr. AI para que, no prazo de cinco dias, se pronuncie;
3. Que a 22.08.2024 o A.I., com a referência CITIUS 2474881 ao abrigo do disposto no artigo 61.2 do CIRE, informou os autos que o quinhão hereditário foi adjudicado a AA, pelo montante de 2.600,00€. E também informou no mesmo requerimento que se encontrava a diligenciar pela marcação da escritura, sendo que a conta bancária em nome da massa insolvente de "BB" apresenta o saldo bancário no valor de 2.600,00€ (dois mil e seiscentos euros), conforme extrato que se junta (doc. n.2 1);
Teremos de concluir que a venda do quinhão hereditário se transmitiu validamente ao falecido marido da Apelante.
Mais, como alega a Apelante:
“A adjudicação do quinhão hereditário em causa ao cônjuge da apelante constitui caso julgado, pois da mesma não houve qualquer recurso.
E também não foi proferido, até hoje, qualquer despacho fundamentado no sentido de declarar a invalidade do direito de remissão que foi exercido pelo falecido cônjuge da ora apelante e reconhecido pelo Senhor A.I. bem como a invalidade da adjudicação e do pagamento do valor, pelo que, a mesma mantém-se válida.
E, em qualquer caso, estando em causa a aquisição do bem por terceiro, cônjuge da apelante, e encontrando-se à data da mesma transitada em julgado a decisão judicial de exoneração definitiva da ora apelante, carece de fundamento legal a pretendida reversão desta venda pelo A.I.
4 – Sucede que no apenso de liquidação o Senhor Administrador Judicial informou que em leilão electrónico de 5/04/2024 foi apresentada uma proposta no valor de 2.600,00€ para aquisição do quinhão hereditário que se encontrava para liquidação, entendendo que a mesma deveria ser aceite.
5- Todavia, o cônjuge da insolvente, AA, em conformidade com o disposto no artigo 842º do CPC., em 17 de maio de 2024, deu conhecimento nos autos que pretendia exercer o direito de remição sobre aquele quinhão hereditário.
6 – Por requerimento, que deu entrada em Juízo em 28/08/2024, o Senhor Administrador Judicial deu conhecimento nos autos que o quinhão hereditário foi adjudicado a AA, pelo montante de 2.600,00€, tendo o valor sido depositado nos termos legais.
7 – Sucede que, posteriormente à mencionada adjudicação, o cônjuge da devedora veio a falecer, o que ocorreu em 19 de julho de 2024, conforme certidão de óbito que se encontra junta aos autos, designadamente, junta com o requerimento do Sr Administrador de Insolvência de 23/09/2024.
8 – O direito de remição, exercido em vida pelo falecido cônjuge da devedora “inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas.”
(Alberto dos Reis – Proc. Exec. – 2º vol. Pág. 478), o que também se aplica no processo de insolvência.
9 - Conforme resulta da habilitação de herdeiros, junta aos autos, a devedora é a única herdeira do seu falecido cônjuge, mas a herança ainda não foi aceite.
10 – Ora como o óbito do cônjuge da devedora ocorreu em 19 de julho de 2024, ou seja, já depois de decorrido o período de cessão e do acima mencionado despacho de exoneração do passivo restante, nada impede que a devedora aceite a herança do seu falecido cônjuge sendo-lhe transmitida a quota hereditária que lhe tinha sido adjudicada no apenso de liquidação, assim como pode já adquirir quaisquer outros bens ou rendimentos.
11 – A adjudicação do quinhão hereditário pelo Sr. Administrador Judicial ao falecido cônjuge da devedora, AA, foi válida.
12 – Assim, o quinhão hereditário adjudicado ao falecido cônjuge da devedora integra o património hereditário deste, pois nada obsta, em termos legais, que o mencionado quinhão seja adjudicado à herança do falecido AA.
13 – E, por último, também nada obsta legalmente que a adjudicação seja efetuada em conformidade com o disposto no artigo 827º do CPC, subsidiariamente aplicável pelo CIRE, pois foi pago o valor do quinhão hereditário, podendo o Senhor Administrador emitir o titulo de adjudicação à herança de AA, logo que se encontrem cumpridas as obrigações fiscais inerentes à transmissão.
(…)
Termos em que vem requerer a V. Ex.ª que seja ordenado ao Senhor Administrador Judicial que emita o titulo de adjudicação à herança de EE do quinhão hereditário, em conformidade com o disposto no artigo 827º do CPC”.
Avançando.
Como é sabido, se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo – artigo 235.º do CIRE.
E, encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa, sendo que os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência e os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos – artigo 233.º do CIRE.
A exoneração do devedor importa, pois, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º - artigo 245.º do CIRE.
Por isso, como escreve a Apelante:
2- Resulta do citado despacho que o Tribunal “a quo” vem autorizar que o Senhor A.I. venha a averiguar quais são os bens que poderão constituir herança da apelante, por óbito do seu cônjuge, ocorrido em julho de 2024, ignorando que a mesma pode aceitar tal herança pois não se encontra sujeita a apreensão de bens “a posteriori”, considerando o despacho final de exoneração definitiva de 25 de maio de 2022, com a referencia CITIUS nº 29413228, pelo que o despacho em causa viola o disposto nos artigos artigo 235º e 244º e 233º do CIRE.
3- Efectivamente resulta das citadas disposições legais que após a exoneração definitiva é permitido à apelante recuperar o pleno exercício dos seus direitos patrimoniais, devendo assim ser revogado o despacho que permite ao senhor A.I. averiguar da existência de património hereditário por óbito do cônjuge da apelante, não devendo o Senhor A.I. impedir a apelante de adquirir bens ou rendimentos após a sua exoneração definitiva do passivo.
4- Por outro lado, a adjudicação pelo Senhor A.I ao falecido cônjuge da apelante do quinhão hereditário, apreendido no processo de insolvência, pelo exercício do direito de remissão, constitui caso julgado formal, sendo contrários à lei todos os atos praticados designadamente pelo tribunal “a quo” que visem reverter a mencionada adjudicação, o que deverá suceder com todos os despachos posteriores.
5- Na verdade, a adjudicação do quinhão ao cônjuge da apelante foi consumada e reconhecida pelo Senhor A.I. e aceite pelo Tribunal “a quo” que, por despacho de 17/09/2024, com a referencia nº 31606759, tomou conhecimento da mesma (referencia 2474881), e a aceitou, pois limitou-se a mencionar que os autos aguardassem informação atualizada.
6- Por conseguinte, nos termos e para os efeitos do disposto no 620º do CPC o mencionado despacho de 17/09/2024, com a referencia nº 31606759, constitui caso julgado formal, e tem força obrigatória dentro do processo pois recaiu sobre a relação processual.
7 - Em qualquer caso, até ao presente não foi apresentado ao Tribunal qualquer fundamento válido que pudesse anular a adjudicação do quinhão ao cônjuge da apelante, pois nem o despacho de que ora se recorre, nem qualquer outro anterior determinou que a adjudicação em causa não era válida.
8 - Para todos os efeitos legais encontrando-se exonerada definitivamente do passivo não se encontra a apelante impossibilitada de receber a herança do seu falecido cônjuge onde se inclui o quinhão hereditário que foi adjudicado a este ainda em vida, face às citadas disposições legais.
9 – E contrariamente ao que consta do despacho de que se recorre a apelante não se encontra a exercer qualquer direito de remição, pois quem o exerceu foi o seu falecido cônjuge ainda em vida, e encontrando-se à data do exercício daquele direito transitada em julgado a decisão judicial de exoneração definitiva da ora apelante, pelo que, carece de fundamento legal a pretendida reversão desta venda.
10 – A decisão de exoneração definitiva constitui caso julgado com força obrigatória, não existindo assim qualquer obstáculo legal que impeça que o quinhão hereditário adquirido em vida pelo falecido cônjuge da apelante, faça parte do acervo patrimonial hereditário do mesmo, sendo para esse efeito irrelevante que a apelante seja a única herdeira”.
E o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação - art.º 2050.º, n.º 1, do Código Civil -, a qual tem lugar após a abertura da sucessão, ou seja, no momento da morte do de cujus - arts. 2031.º e 2032 do Código Civil -, momento a partir do qual se define o conteúdo patrimonial da herança a partilhar. Ora, é precisamente pelo momento da morte que se determina quem é chamado à sucessão, qual o valor dos bens deixados pelo autor da sucessão e qual o valor dos bens doados em vida por ele - aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade.
Como escreve a Apelante:
1 – Nos autos de insolvência decorreu o período de cessão e também, por despacho de V. Exª de 25 de maio de 2022, foi concedido à devedora, BB, a exoneração do passivo restante que não for pago no processo de insolvência.
2 – No entanto, o incidente de liquidação não se encontra findo o que não obstou, contrariamente ao parecer do Fiduciário, a que tenha sido proferido por V. Ex.ª aquele despacho de 25 de maio de 2022.
3 – Nas circunstancias legais acima mencionadas a devedora passou a poder dispor de todos os seus rendimentos e bens que possa adquirir.
4 – Sucede que no apenso de liquidação o Senhor Administrador Judicial informou que em leilão electrónico de 5/04/2024 foi apresentada uma proposta no valor de 2.600,00€ para aquisição do quinhão hereditário que se encontrava para liquidação, entendendo que a mesma deveria ser aceite.
5- Todavia, o cônjuge da insolvente, AA, em conformidade com o disposto no artigo 842º do CPC., em 17 de maio de 2024, deu conhecimento nos autos que pretendia exercer o direito de remição sobre aquele quinhão hereditário.
6 – Por requerimento, que deu entrada em Juízo em 28/08/2024, o Senhor Administrador Judicial deu conhecimento nos autos que o quinhão hereditário foi adjudicado a AA, pelo montante de 2.600,00€, tendo o valor sido depositado nos termos legais.
7 – Sucede que, posteriormente à mencionada adjudicação, o cônjuge da devedora veio a falecer, o que ocorreu em 19 de julho de 2024, conforme certidão de óbito que se encontra junta aos autos, designadamente, junta com o requerimento do Sr Administrador de Insolvência de 23/09/2024.
8 – O direito de remição, exercido em vida pelo falecido cônjuge da devedora “inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas.” (Alberto dos Reis – Proc. Exec. – 2º vol. Pág. 478), o que também se aplica no processo de insolvência.
9 - Conforme resulta da habilitação de herdeiros, junta aos autos, a devedora é a única herdeira do seu falecido cônjuge, mas a herança ainda não foi aceite.
10 – Ora como o óbito do cônjuge da devedora ocorreu em 19 de julho de 2024, ou seja, já depois de decorrido o período de cessão e do acima mencionado despacho de exoneração do passivo restante, nada impede que a devedora aceite a herança do seu falecido cônjuge sendo-lhe transmitida a quota hereditária que lhe tinha sido adjudicada no apenso de liquidação, assim como pode já adquirir quaisquer outros bens ou rendimentos.
11 – A adjudicação do quinhão hereditário pelo Sr. Administrador Judicial ao falecido cônjuge da devedora, AA, foi válida.
12 – Assim, o quinhão hereditário adjudicado ao falecido cônjuge da devedora integra o património hereditário deste, pois nada obsta, em termos legais, que o mencionado quinhão seja adjudicado à herança do falecido AA.
13 – E, por último, também nada obsta legalmente que a adjudicação seja efetuada em conformidade com o disposto no artigo 827º do CPC, subsidiariamente aplicável pelo CIRE, pois foi pago o valor do quinhão hereditário, podendo o Senhor Administrador emitir o titulo de adjudicação à herança de AA, logo que se encontrem cumpridas as obrigações fiscais inerentes à transmissão.
Procede, pois, a Apelação.
Sumariando:
(…).
*
3.Decisão
Na procedência do recurso revogamos a decisão proferida a 25.11.2024 no Juízo Local Cível da Guarda - Juiz 1.