EXECUÇÃO
DÍVIDA EMERGENTE DE SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE EM RAZÃO DA MATÉRIA
Sumário

I - Através das alterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ETAF introduzidas pela Lei n.º 114/2019 de 12/09, alterando o disposto na alínea e) do n.º 4 do artigo 4.º, os litígios «emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva foram excluídos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, passando a integrar a competência dos tribunais judiciais.
II - O tribunal competente para a execução não pode deixar de ser o competente para julgar a oposição, como incidente que é de um processo executivo.
III - Tendo-se a execução iniciado na jurisdição tributária, vigoram as normas processuais respeitantes à sua cobrança coerciva, designadamente o disposto no art.º 88.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de acordo com o qual o processo de execução fiscal se inicia com a extracção das certidões de dívida pelos serviços competentes findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, não sendo obrigatória a apresentação de requerimento executivo mediante modelo ou formulário aprovado pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, por se encontrar dispensada a apresentação de requerimento executivo, conforme estabelece o art.º 188.º n.º 3 do CPPT.
IV - Sendo os elementos que devem constar das certidões de dívida, enunciados no art.º 88.º n.º 2, do CPPT, os mesmos que, para a execução comum, o n.º 1 do art.º 724.º do CPC exige para o requerimento executivo, só a ausência de algum ou alguns deles, indispensáveis ao prosseguimento da execução, poderia justificar o indeferimento liminar.

Texto Integral

Processo: 11419/24.1T8PRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Sumário:
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A..., E.M., instaurou em 21/02/2024 no TAF-Porto, Unidade Orgânica 5, contra AA, com os sinais dos autos, processo de execução fiscal para o qual foram emitidas as certidões de dívida nº. ..., ..., ... e ..., para cobrança da quantia global de €3.997,22, por débito emergente de fornecimento de água e outros serviços.
Citada, a executada deduziu oposição à execução em 04/04/2024, tendo, por decisão de 12/06/2024, o TAF-Porto Unidade Orgânica 5, julgado procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, podendo o interessado no prazo de 15 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão que declara a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com a indicação do mesmo. Notificada da decisão, e antes mesmo do respectivo trânsito em julgado requereu a executada ao TAF-Porto, Unidade Orgânica 5, a remessa dos presentes autos para os Juízos Locais Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto a fim de lá serem distribuídos, o que foi deferido.
Tendo os autos sido distribuídos ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto - Juiz 2, proferiu a Mma. Juíza despacho, declarando a nulidade do processado e indeferindo liminarmente a execução, com os seguintes fundamentos, que se transcrevem:
Compulsados os autos verifico que flui do despacho proferido no TAF do Porto, e junto no apenso A - oposição à execução fiscal, que aquele tribunal julgou-se materialmente incompetente para a tramitação da execução fiscal, mais declarando competentes os Juízos de Execução do Porto.
Nessa senda, remeteu os autos aos Juízos de Execução do Porto.
Urge em primeira linha chamar à colação o disposto no art.º 129º, nº 1, da Lei de Organização do Mapa Judiciário que-" Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil, (sublinhado nosso) e que são as previstas nos art°s 85° a 90o."
Temos, ainda, de ter em atenção o que dispõe o C.P.C quanto à incompetência absoluta n seu art° 96°: "Determinam a incompetência absoluta do tribunal: a) A infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional; b) A preterição de tribunal arbitral.
Por outro lado, dispõe o art.º 99.° do CPC que "1 - A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar. 2 - Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada."
Ora, os autos foram remetidos no apenso de oposição à execução fiscal, e aqui autuados como "embargos de executado" sendo certo que a oposição à execução constitui incidente e corre por apenso à execução.
A execução fiscal foi instaurada por despacho do Vice Presidente do Conselho de Administração de A..., EM com base em seis certidões de divida, e corre termos nessa entidade exequente.
Citada a executada nessa execução fiscal, veio aquela deduzir oposição nos termos do disposto no art.º 204.º do CPPT, e foi distribuído o processo no TAF do Porto, como "oposição à execução fiscal".
No processo de execução com regulamentação prevista no CPC, desde logo, podem servir de títulos executivos, nos termos do disposto no art.º 703.º do CPC, os seguintes:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
Em segundo lugar, a execução tem que ser instaurada, nos precisos termos do disposto no art.º 724.º do CPC,
1 - No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente:
a) Identifica as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e números de identificação fiscal, e, sempre que possível, profissões, locais de trabalho, filiação e números de identificação civil;
b) Indica o domicílio profissional do mandatário judicial;
c) Designa o agente de execução ou requer a realização das diligências executivas por oficial de justiça, nos termos das alíneas c), e) e f) do n.º 1 do artigo 722.º;
d) Indica o fim da execução e a forma do processo;
e) Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges;
f) Formula o pedido;
g) Declara o valor da causa;
h) Liquida a obrigação e escolhe a prestação, quando tal lhe caiba, e alega a verificação da condição suspensiva, a realização ou o oferecimento da prestação de que depende a exigibilidade do crédito exequendo, indicando ou juntando os meios de prova;
i) Indica, sempre que possível, o empregador do executado, as contas bancárias de que este seja titular e os bens que lhe pertençam, bem como os ónus e encargos que sobre eles incidam;
j) Requer a dispensa da citação prévia, nos termos do artigo 727.º;
k) Indica um número de identificação bancária, ou outro número equivalente, para efeito de pagamento dos valores que lhe sejam devidos.
Ressalta à evidência, com meridiana clareza, que apesar da remessa dos autos, com base na decisão de incompetência decidida no TAF, inexiste processo executivo, titulo executivo válido, e inexiste requerimento executivo, o que obsta ao prosseguimento da execução.
Não olvidamos o Acórdão proferido pelo Tribunal de Conflitos em 18.01.2022, in www.dgsi.pt, nos termos do qual "I - A presente oposição, enquanto se dirige contra a cobrança coerciva de fornecimento de água, respeita à prestação de serviços essenciais, na acepção da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.
II - Não obstante tratar-se do fornecimento por uma entidade pública, no exercício das atribuições que legalmente lhe são deferidas, e estar em causa uma taxa unilateralmente fixada como contrapartida do serviço, a competência para conhecer a oposição encontra-se subtraída à jurisdição administrativa e fiscal pela al. e) do n.º 4.º do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que foi acrescentada pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, lei posterior ao n.º 1 do artigo 151.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
III - Compete, portanto, aos Tribunais Judiciais a correspondente apreciação, tendo em conta a respectiva competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei n.º 62/2013)."
Porém, não podemos deixar de referir que aquele Tribunal não foi chamado a decidir conflito negativo quanto `execução propriamente dita, mas apenas quanto à matéria de oposição à execução, pelo que o conhecimento da incompetência quanto a esta estava subtraída à sua apreciação.
Todavia sempre se dirá que tendo aquele Tribunal concluído que a matéria referente ao fornecimento por uma entidade pública, no exercício das atribuições que legalmente lhe são deferidas, e estar em causa uma taxa unilateralmente fixada como contrapartida do serviço, a competência para conhecer a oposição encontra-se subtraída à jurisdição administrativa e fiscal pela al. e) do n.º 4.º do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que foi acrescentada pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, lei posterior ao n.º 1 do artigo 151.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, necessariamente temos de concluir que aquele Tribunal também não é competente para o conhecimento da execução, conclusão que sai reforçada da leitura do artº 4º, nº 4, al. e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos teros do qual " A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva."
O artº 4º, nº 4, al. e), não faz qualquer distinção consoante se trate de competência para a execução ou para a oposição. É uma norma, que salvo o sempre devido respeito por opinião contrária, estabelece um limite negativo à competência em razão da matéria dos litígios ali mencionado, pelo entender que apenas a matéria de oposição à execução fiscal estava subtraída à competência daqueles Tribunais, redundava na ofensa daquela norma, dos sistema jurídico entendido como uma unidade jurídica. A entender-se de outra forma teríamos a ingerência dos Tribunais Judiciais em matérias da competência dos Tribunais Administrativos, uma vez que do conhecimento da matéria de oposição podem resultar consequências em matéria da execução.
Acrescente-se, ainda, não se vislumbrar qualquer razão lógica, legal, para se entender que a oposição reconduz-se uma relação em que o Estado actua despido do seu jus imperium, e na execução na relação jurídica subjacente, actua na sua veste publica.
Retomando a apreciação do caso em análise à luz da competência e das regras do Código de Processo Civil para o processo de execução acima exaradas, a mera remessa sem mais, não constitui processualmente o meio adequado a dar inicio à execução, nos termos dos preceitos legais assinalados, pois que os embargos de executado pressupõe a instauração de execução, nos precisos termos previstos nos artigos 703.º e 724.º do CPC, e mediante titulo executivo, um dos previstos no art.º 703.º do CPC. Essa execução inexiste no caso dos autos.
Verifica-se, assim, a existência de erro na forma de processo, nos termos do disposto no art.º 193.º do CPC.
Pese embora o disposto no artigo 193º do Código Processo Civil, donde resulta a necessidade de praticar os actos estritamente necessários para que o processo se aproxime, dentro do possível, da forma estabelecida pela lei, não é possível aproveitar os termos da execução, pelas razões acima apontadas.
Pelo exposto, ao abrigo do artigo 590º, 196º e 577º, al. b) do CPC declaro a nulidade do processado e indefiro liminarmente a execução.

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Inconformada com o decidido, interpôs a exequente recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
A) O presente recurso visa a sindicância da sentença proferida a 26 de Junho de 2024 que declarou a nulidade do processado e indeferiu liminarmente a execução.
B) Com a entrada em vigor da Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro (em 11/11/2019, por força do artigo 6.º desta Lei), que procedeu à alteração do artigo 4.º, n.º 4 do ETAF, aditando-lhe a alínea e), passou a estar excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva.
C) O processo de execução fiscal a que se reportam os presentes autos de oposição foi instaurado em 21/02/2024, data em que já se encontrava em vigor o mencionado artigo 4.º, n.º 4, alínea e) do ETAF, pelo que, por via disso, o presente litígio está subtraído à competência da jurisdição administrativa e fiscal, pertencendo, ao invés, aos tribunais judiciais, tal como preceituam os artigos 211.º, n.º 1, in fine da CRP, 64.º do CPC e 40.º, n.º 1 da citada Lei da Organização do Sistema Judiciário.
D) A sentença recorrida violou o disposto no art.º 4.º, n.º 4 e) do ETAF.
E) Sendo a sentença recorrida nula, deve a mesma ser revogada e substituída por decisão que admita a execução, prosseguindo os autos a sua normal tramitação.
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Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.ºs 5.º, 635.º n.º 3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), a únicas questões que decorre das conclusões formuladas pela recorrente e a decidir no presente recurso resume-se a saber se o tribunal comum é competente, em razão da matéria, para os termos da execução e da oposição, e se ocorre a nulidade de todo o processado.
Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra, bem como do despacho judicial transcrito, para que ora se remete.
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A competência em razão da matéria é um pressuposto processual, constituindo condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, julgando da procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor. Representa a medida de jurisdição de cada tribunal para conhecer de determinado litígio e é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, ou seja, em função da relação jurídica subjacente ao litígio, tal como o autor a configura, não importando para tal saber se, em substância, ao autor assiste ou não o direito que se arroga.
Como é sabido, o momento a atender para fixar a competência do Tribunal é o da propositura da acção, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, conforme dispõe o artigo 38.º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
A Constituição da República (CRP), no seu art. 211º, n° 1 estabelece a regra de que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, delimitando o seu art. 212°, n° 3, a jurisdição administrativa pelo objectivo de dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. A atribuição da competência aos tribunais da jurisdição comum, como jurisdição residual que é (artigos 211.º, n.º 1, da CRP e 40º, n.º 1, da LOSJ), depende da inexistência de norma específica atributiva de competência a outra ordem jurisdicional.
Ora, à data em que foi instaurada a execução, vigorava já o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei n° 13/2002, de 19/02, e sucessivas alterações até à Lei n.º 114/2019 de 12/09, a qual veio excluir do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, conforme o disposto na alínea e) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF os litígios «emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva», na redacção introduzida pela referida Lei n.º 114/2019. Na Exposição de Motivos, que acompanhou a Proposta de Lei nº 167/XIII e que deu origem à referida Lei nº 114/2019 (acessível in www.parlamento.pt), consta o seguinte: “A necessidade de clarificar determinados regimes, que originam inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição. Esclarece-se que fica excluída da jurisdição a competência para a apreciação de litígios decorrentes da prestação e fornecimento de serviços públicos essenciais. Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de Julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo.”
De resto, do que acaba de expor-se parece ter-se dado conta a Mma. Juíza a quo que, não obstante o alongado exórdio que desenvolve a respeito da competência material, não chega a colocar em causa a competência dos tribunais comuns para tramitar as execuções para cobrança de dívidas relativas à prestação de serviços públicos essenciais. A única dúvida, ou reserva, que parece merecer-lhe, será a da competência para a oposição à execução. Mas ainda aqui afigura-se não oferecer qualquer dúvida que o tribunal competente para a execução não pode deixar de ser o competente para julgar a oposição, como incidente que é de um processo executivo. “1. Embora enxertada numa acção executiva, a oposição à execução traduz-se numa acção declaratória que tem por objectivo, no caso de o executado querer pôr em causa o direito de crédito invocado pelo exequente, a declaração da sua não existência, através da invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, com a amplitude de que disporia se estivesse a defender-se numa acção declarativa, caso a execução se não baseie em sentença. 2. No contexto da execução, a oposição desempenha a função de contestação. 3. Assim, assente a competência do tribunal para julgar a execução, a competência para apreciar a oposição estende-se ao conhecimento dos fundamentos nela invocados, por aplicação do regime definido no nº 1 do artigo 96º do Código de Processo Civil, aplicável à acção executiva nos termos do disposto no nº 1 do artigo 466º respectivo” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-2011, Processo 1947/07.9TBAMT-B.P1.S1, in dgsi.pt).
Não será, pois, a ausência de competência material que poderá justificar o indeferimento liminar, quer da execução, quer da oposição.
No mais, emerge ainda do despacho recorrido a identificação de dois supostos vícios que, na sua perspectiva, fundamentaram a decisão proferida:
- a falta de requerimento executivo - ou falta de instauração de execução, nos termos previstos nos artigos 703.º e 724.º do CPC - e
- o erro na forma de processo, nos termos do disposto no art.º 193.º do CPC.
No que concerne à obrigatoriedade de apresentação de requerimento executivo, mediante modelo ou formulário aprovado pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, ela não é obrigatória para as execuções para cobrança de dívidas relativas à prestação de serviços públicos essenciais. Não obstante tais execuções passarem a correr termos pelos tribunais comuns, tendo-se a mesma iniciado na jurisdição tributária, mantém-se em vigor as normas processuais respeitantes à sua cobrança coerciva, designadamente o disposto no art.º 88.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de acordo com o qual o processo de execução fiscal se inicia com a extracção das certidões de dívida pelos serviços competentes findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias. A certidão de dívida constitui título executivo e serve de base à execução fiscal, nos termos do art.º 162.º, al. a), do mesmo diploma. Tratando-se, em qualquer caso, de documento a que, “por disposição especial, seja atribuída força executiva”, para efeitos da al.. d) do n.º 1 do n.º 1 do art.º 703.º do Código de Processo Civil (CPC). Por outro lado, na execução fiscal é dispensada a apresentação de requerimento executivo, conforme estabelece o art.º 188.º n.º 3 do CPPT: "Nos processos informatizados, a instauração é efectuada electronicamente, com a emissão do título executivo, sendo de imediato efectuada a citação". De notar ainda que, sendo os elementos que devem constar das certidões de dívida, enunciados no art.º 88.º n.º 2, do CPPT, os mesmos que, para a execução comum, o n.º 1 do art.º 724.º do CPC exige para o requerimento executivo, só a ausência de algum ou alguns deles, indispensáveis ao prosseguimento da execução, poderia justificar o indeferimento liminar.
Quanto ao erro na forma de processo, é um vício que se encontra definido e regulado na secção das nulidades processuais, que ocorre quando se utiliza um meio processual inadequado para a tutela jurídica pretendida. Isso pode acontecer ao se utilizar a forma errada do processo comum, a forma comum em vez da especial (ou vice-versa), ou a forma errada de um processo especial. A consequência é a nulidade dos actos que não podem ser aproveitados, com a possível necessidade de se praticarem novos actos para se aproximar da forma de processo correcta. Tal nulidade possui um regime próprio consagrado no artigo 193.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. Trata-se, portanto, em primeiro lugar de um vício sanável através da prática dos actos necessários à recondução do processo à forma adequada, sanação essa que só será inviável nos casos em que face às especificidades da forma adequada e da forma até aí seguida não seja possível aproveitar os actos já praticados. Depois, trata-se de um vício que, excepto quando for insanável, não determina a nulidade de todo o processo uma vez que nos termos expressos do n.º 1 do artigo 186.º do Código de Processo Civil esta só ocorre quando for inepta a petição inicial. Por conseguinte, o erro na forma de processo também não é uma excepção dilatória, em cujo elenco se inclui de facto a nulidade de todo o processo (artigo 577.º, alínea b) do Código de Processo Civil) mas no que, como vimos, não está compreendido o erro na forma de processo (cfr. Acórdão do Tribunal desta Relação do Porto de 08-03-2019, Processo 7829/17.9T8PRT.P1, in dgsi.pt).
Ora, no caso vertente a exequente usou inicialmente o processo de execução fiscal, que era o que lhe corresponderia na jurisdição tributária. Remetidos os autos à jurisdição comum, por decisão do TAF-Porto, e passando os mesmos a seguir a forma de execução comum, não ocorreu o emprego de qualquer meio processual inadequado, nem os actos já praticados sequer se mostram inadequados aos termos da execução comum.
Não podendo, consequentemente, manter-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus normais termos, ressalvada a verificação de outra causa de extinção da instância.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, em função do que revogam o despacho recorrido, devendo substituir-se por outro que ordene o prosseguimento dos termos normais da instância.
Sem custas, por não serem devidas.

Porto, 29/04/2025
João Proença
Rodrigues Pires
Maria da Luz Seabra