EMPREITADA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
DEFEITOS DA OBRA
CULPA
Sumário

Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Na empreitada compete ao dono da obra a alegação e prova, não só de que contratou com o empreiteiro, a realização da obra, como das condições acordadas, no caso, que a execução seria feita de acordo com os projectos da obra que apresenta, o que pressupõe também que deu conhecimento ao empreiteiro desses projectos.
II. Verificada a desconformidade entre os projectos e a obra executada, presume-se a culpa do empreiteiro, incumbindo-lhe, então, a prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação não procede de culpa sua, nos termos do artigo 799º, n.º 1, do Código Civil.
III. Provando-se que a obra foi executada em desconformidade com os projectos de estabilidade, de drenagem de águas pluviais e de segurança contra incêndios, que haviam sido acordados com o dono da obra e de que este deu conhecimento ao empreiteiro, e não tendo o empreiteiro logrado demonstrar que aquele facto não deriva de culpa sua, nem que as alterações efectuadas foram aceites pelo dono da obra, é o empreiteiro responsável pela eliminação das referidas desconformidades.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 897/18.8T8TNV.E2

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. AA e mulher, BB, intentaram a acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Tecnoferro – Novas Industrias e Tecnologias Metálicas, Lda., pedindo a condenação da R. a reparar, por si ou à sua custa, os defeitos indicados e os que vierem a notar-se no seguimento dessa reparação, tudo de forma a respeitar-se inteiramente o projecto aprovado, e a indemnizar os AA. pelos prejuízos que lhes causou, valor esse a liquidar em execução de sentença.


2. Para tanto, alegaram, em síntese, que, em Maio de 2015, o A. contratou com a R. a construção e montagem da cobertura metálica de um pavilhão, destinado a oficina de automóveis, localizado na Zona Industrial de Local 1, contratou a construção e montagem de escada metálica de acesso ao piso 1 e a construção e montagem da laje colaborante. Referem que, posteriormente, na execução da obra, foi efectuada uma alteração à estrutura do edifício para construção de uma pala no alçado posterior do corpo do edifício, e que a R. efectuou essa construção.


Mais alegaram, que, após a execução dessa obra pela R., verificaram-se deficiências de construção e aplicação da cobertura que causam infiltrações de águas pluviais no interior do edifício e oscilação da cobertura, e que se verificam desconformidades na obra, em relação aos projectos de estabilidade do edifício e ao projecto de drenagem de águas pluviais, porque a obra não foi executada em conformidade com esses projectos.


Além destas desconformidades, dizem que a obra apresenta outros defeitos de construção, nomeadamente ao nível da falta de cuidado no remate em chapas de cobertura, na selagem dos atravessamentos do revestimento da cobertura, nas clarabóias, nos remates das platibandas e nas saídas de caleiras para tubos de queda; que esses erros de execução originam infiltrações de águas pluviais e alteram o comportamento da construção às acções do vento; que a cumeeira do corpo do edifício destinado a oficina foi executada em desconformidade com o previsto no projecto de segurança contra incêndios em edifícios, não permitindo a desenfumagem prevista nesse projecto; que a pala construída no alçado posterior do corpo destinado a oficina apresenta fragilidades que colocam em risco a estabilidade da estrutura da pala; que as janelas de ventilação não têm protecção contra intrusos (aves), por não ter sido colocada pela R.; e que o portão principal não funciona, tendo problemas nas calhas e molas.


Concluíram, invocando que esses defeitos causam graves prejuízos, que quantificam em € 35.000,00, e peticionando que a R. proceda à sua eliminação.


3. Regularmente citada, a R. apresentou contestação, por via da qual impugnou os factos alegados pelos AA., invocando que os AA. nunca lhe deram a conhecer qualquer projecto, uma vez que a obra realizada teve subjacente um acordo entre o A. e o legal representante da R., no qual estipularam que o pavilhão a construir seria igual ao das instalações da R., e que, no decurso da execução do pavilhão, as peças metálicas a aplicar nessa construção eram apresentadas previamente ao A. e ao fiscal da obra, o Eng. CC, e estes sempre aprovaram essas peças, e após a R. aplicava-as na construção.


Invocou ainda, que a execução desse pavilhão foi diariamente acompanhada e fiscalizada pelo Eng. CC e este e o A. sempre aprovaram o método construtivo desenvolvido pela R. e todos os materiais aplicados na obra; que a cumeeira foi executada e aplicada pela R. com os materiais e nos exactos termos que foram solicitados pelo A.; que o A. assinou o livro de obra, onde consta que a obra foi executada em conformidade com o projecto apresentado, e o alegado na petição inicial constitui um manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium; que fabricou as caleiras e os pontos de descarga e as aberturas das mesmas foram executados nos pontos ordenados e marcados pelo dono da obra e pela empresa que efectuava a parte da construção civil da obra; e que a hipotética água visualizada no interior do edifício decorre da condensação e do local onde o pavilhão se encontra localizado.


4. Por despacho de 30/01/2019, foram os AA. convidados a proceder ao aperfeiçoamento de imprecisões factuais da petição inicial, nos termos e com os fundamentos expostos nesse despacho, tendo os AA. apresentado articulado aperfeiçoado dos factos alegados na petição inicial (cf. ref. citius 5681546), ao qual a R. respondeu, impugnando os mesmos (ref. citius 5723406).


5. Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho a identificar o objecto do litígio e foram seleccionados os temas da prova carecidos de instrução.


Foi determinada a realização de perícia colegial.


Junto aos autos o relatório pericial, foram pedidos e prestados esclarecimentos pelos peritos, e foi designada data para realização da audiência de discussão e julgamento.


6. Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:

a. Condenar a ré a reparar os defeitos referenciados nos pontos 5), 9), 10), 11), 12), 13), 17), 18), 19), 20), 23), 24), 25), 28), 29), 30) e 32) da factualidade provada;

b. Absolver a ré dos demais pedidos formulados pelos autores.

7. Inconformada com a sentença, apelou a R., tendo o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 25/11/2021, decidido “julgar parcialmente procedente a apelação e anular a sentença recorrida para ampliação da matéria de facto, nos termos supra referidos”, ou seja, com vista a apurar se foi acordado com a R., no âmbito da empreitada de construção indicada no ponto 3 dos factos provados, que a execução da obra devia ser realizada de acordo com os projectos indicados pelo A. na petição inicial, em relação aos quais são apontadas desconformidades de execução.


8. Tendo os autos baixado à 1ª Instância, por despacho proferido em 28/02/2022, foi determinada a notificação dos AA. e da R. para indicarem as diligências probatórias necessária para elucidar os factos necessários à ampliação da matéria de factos nos termos determinados no referido acórdão.


Os AA. e a R. apresentaram novos meios de prova constantes dos requerimentos juntos, respectivamente, sob as ref.ªs. Citius 8537981 e 8538807 (de 17/03/2022).


Por despacho proferido em 26/04/2022, foram admitidos os meios de prova apresentados pelas partes e foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.


Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida nova sentença, na qual se decidiu julgar parcialmente procedente a acção, por parcialmente provada, e em consequência:

a. Condenar a ré a reparar os defeitos referenciados nos pontos 5), 9), 10), 11), 12), 13), 17), 18), 19), 20), 23), 24), 25), 28), 29), 30) e 32) da factualidade provada;

b. Absolver a ré dos demais pedidos formulados pelos autores.


9. Inconformada, recorreu novamente a R., pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que considere procedente o pedido da apelante, nos termos e com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões:

1. A decisão da matéria de facto não se adequa, quer aos depoimentos das testemunhas, aos documentos juntos pelas partes, quer à posição das partes nos articulados, quer, ainda, às regras de experiência comum.

2. Na sua Douta fundamentação, a Meritíssima Juiz “a quo” partiu de vários pressupostos que, do modesto ponto de vista da ora apelante, são incorrectos.

3. A prova testemunhal e documental, oferecida pela Apelante, a prova pericial e a ausência de contra prova pelos Autores, e ainda a própria prova testemunhal oferecida pelos Autores seria suficiente para demonstrar à saciedade o alegado na contestação no que, concluindo-se pela procedência parcial da contestação e absolvição parcial da Ré no que respeita à eliminação dos alegados defeitos constantes dos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20 e 28.

4. Subsiste um erro notório na apreciação e na valoração dos depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, FF, bem como nos esclarecimentos dos peritos GG e HH, bem como na apreciação e interpretação dos documentos constantes dos autos, e interpretação das normas jurídicas aplicáveis.

5. Não competia à Ré a prova de um facto negativo, ou seja de que os projectos de especialidades e arquitectura nunca lhe foram entregues, até devido à dificuldade que acarreta tal prova, cabendo-lhe somente alegá-lo, incumbindo à parte contra quem é o mesmo alegado, neste caso em concreto dos Autores, fazer a prova do facto inverso, nomeadamente que os projectos foram entregues à Ré, o que face à prova testemunhal e documental produzida, não lograram fazer.

6. Ao contrário do constante na Motivação de Facto e de Direito aduzida na douta Sentença, à Ré nunca foram entregues os projectos de arquitectura e especialidades, onde estavam incluídos estabilidades, águas pluviais, segurança contra incêndios, etc. concernentes à obra propriedade dos Autores.

7. A prova da entrega dos mencionados projectos à Ré, impendia sobre os Autores e constitui e constituía uma premissa obrigatória para que à Ré, pudesse num primeiro momento ser imputada a eventual responsabilidade por ter efectuado alterações ao projecto convencionado, prova essa que, repete-se, os Autores não lograram fazer.

8. Por forma a responsabilizar a Ré pela eliminação dos alegados defeitos concernentes às alterações ao projecto, assenta a Meritíssima Juiz “à quo”, a sua fundamentação no facto de a Ré não ter logrado demonstrar que o Dono de Obra e o Director de Fiscalização pelo mesmo contratado, sempre aprovaram o método construtivo desenvolvido pela Ré, e todos os materiais aplicados (alínea P dos factos não provados)

9. Ficou demonstrado que ocorreram alterações ao projecto, mas que a Ré desconhecia que o que estava a executar se tratava de alterações ao projecto, até porque repete-se a Ré desconhecia os projectos.

10. A Ré provou e demonstrou inequivocamente que as alterações ao projecto foram sempre de conhecimento do Dono de Obra e do Director de Fiscalização, que nelas sempre anuíram.

11. Não obstante os Autores terem insistentemente procurado demonstrar que as alterações ao projecto já supra e exaustivamente elencadas, excluem ou reduzem o valor da obra ou sua aptidão para o uso ordinário ou previsto, não o lograram fazer, até porque as mesmas foram pelo Dono de Obra e pelo Director de Fiscalização, Engenheiro CC, pelo Coordenador Técnico da Obra, Engenheiro DD consideradas alterações equivalentes ao previsto.

12. O relatório pericial, os esclarecimentos prestados pelos peritos, e a prova testemunhal produzida, revelam unanimidade no que respeita ao facto de as alterações ao projecto inicial e melhor especificadas nos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20, e 28, da matéria de facto provada não terem qualquer influência na resposta da estrutura da obra às acções externas, nomeadamente ao vento, sendo unanime igualmente a opinião que as alterações introduzidas, não são piores, nem melhores, são apenas diferentes.

13. Face aos documentos juntos e constantes dos autos, e à prova testemunhal e pericial, é manifestamente imperceptível e, com o devido respeito, desprovida de razão de ciência, a fundamentação da Meritíssima Juiz “à quo” para considerar que a Ré incumpriu a obrigação nos termos convencionados.

14. Deste modo, deveria a Meritíssima Juiz “à quo”, ter julgado parcialmente improcedente por não provada a Acção proposta pelos Autores, e consequentemente absolver a Ré da obrigatoriedade de eliminação dos alegados “defeitos” especificadas nos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20, e 28, da matéria de facto provada.

15. A Douta Sentença ora recorrida, violou, entre outros, os art.ºs 342 n.º 2, 762º, 799º, 1207º, 1208º, 1209º 1214º, 1218º, 1219, 1221º, todos do Código Civil.

10. Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.


11. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Da alteração da matéria de facto;

ii. Da reapreciação jurídica da causa, no sentido de apurar se deve a R. ser responsabilizada pela reparação dos defeitos referenciados nos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20, e 28, da matéria de facto provada [cf. conclusão 14ª].


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:


1. O autor é empresário em nome individual, dedicado à actividade de manutenção e reparação de veículos automóveis.


2. A ré tem por objecto indústrias metálicas e produtos metalomecânicos, serralharia civil e tornearia.


3. Em data não concretamente apurada, o autor acordou com a ré a construção e montagem da cobertura metálica de um pavilhão, destinado a oficina de automóveis, localizado na Zona Industrial de Local 1, lote 63, freguesia de Local 1, concelho de Local 2, e acordou com a ré a construção e montagem de escada metálica de acesso ao piso 1, e construção e montagem de laje colaborante.


4. Posteriormente a Maio de 2015, foi efectuada uma alteração à estrutura do edifício referido em 3) para construção de uma pala no alçado posterior do corpo do edifício destinado à oficina e essa construção foi efectuada pela ré, por acordo com o autor.


5. Decorrente das chuvas e ventos ocorridos após a construção do edifício referido em 3), verificaram-se infiltrações de águas pluviais no interior desse edifício.


6. Em termos de concepção estrutural o projecto de estabilidade do edifício referido em 3), datado de 24.04.2015, previa: “O estudo da distribuição dos elementos estruturais foi executado com uma intenção constante de respeitar a arquitectura prevista, garantindo simultaneamente as exigências regulamentares em vigor.


A unidade a construir é em estrutura metálica sendo a cobertura de duas águas, com uma área total coberta de 575m2, a estrutura vai ficar fundada em sapatas e vigas de fundação de betão armado.


A cobertura será em painel sandwich da “ALAÇO”, com inclinação de 7.º, que descarregará sobre madres em perfil “Cê” de 200x2,0mm de espessura devidamente atirantadas com tarugos em perfil tubular, por sua vez as madres vão descarregar sobre as vigas em perfilados metálicos em IPE270, apresentando uma área de influência média de 5,02m. As vigas serão devidamente travadas com a madre de forma a verificarem o bombeamento, também serão devidamente contraventadas em cruz de Stº André e perfil LNP90, de forma a transmitir convenientemente as acções horizontais produzidas na cobertura por actuação do vento. As acções das vigas serão transmitidas a pilares metálicos, perfil HEA240 no piso IPE300 nos pórticos”.


7. O projecto de estabilidade do edifício referido em 3) previa o seguinte:

• Uma solução estrutural constituída por pórticos metálicos paralelos, com forma rectangular, com dois pisos destinados a oficina, escritório, instalações sanitárias, balneários e sala de exposições;

• Na zona da oficina, os pórticos metálicos do alçado posterior estão contraventados;

• Na estrutura do pavilhão está prevista a aplicação de madres de perfil C;

• O piso elevado do corpo do edifício destinado às instalações administrativas e sociais é constituído por uma laje de cofragem colaborante, de betão e aço, assente em vigas metálicas de tipo I;

• A ligação das vigas da cobertura aos pilares é reforçada com cartelas aplicadas nas vigas por ½ IPE270;

• As madres aplicadas na estrutura possuem perna de travamento de asna IPE270;

• As vigas que interligam os pórticos da estrutura do pavilhão destinado a oficina, estão projectadas com secção HE-120A.


8. Em 20.01.2016, foi efectuado um aditamento ao projecto de estabilidade referido em 6) que previa “a alteração proposta resume-se à construção de uma cobertura suspensa (pala), fixada aos pilares do alçado de tardoz do pavilhão.


Nesse sentido, dimensionam-se as vigas e tirantes que sustentarão a cobertura, mantendo toda a estrutura prevista no projecto inicial.


O revestimento será em painéis sandwich da “ALAÇO” que apoiarão sobre madres em perfil “Ω” de 150x2,00mm. Por sua vez as madres vão descarregar sobre as vigas em perfilados metálicos IPE240. As vigas serão atirantadas aos pilares com perfil 80x80x4mm”.


9. A ré não executou as ligações pilar-viga conforme previsto no projecto de estabilidade do edifício, referido em 6) e em 7), não aplicou cartelas de reforço das vigas da cobertura do edifício referido em 3) conforme previsto no projecto de estabilidade e as ligações pilar-viga estão aparafusadas.


10. Na execução da obra referida em 3), a ré não aplicou pernas de travamento de asna nas madres da cobertura sobre as quais assenta o tapamento exterior, essas madres de cobertura não foram executadas com perfil de secção “C” e foram executadas com perfil de secção tipo “Omega”.


11. Na execução da obra referida em 3), a ré não aplicou os travamentos das madres de cobertura de secção circular com 30 mm de diâmetro, que estavam previstos no projecto de estabilidade.


12. Na execução da obra referida em 3), a ré não aplicou contraventamentos na estrutura construída e não executou os contraventamentos ao nível da cobertura e dos alçados laterais entre os dois últimos pórticos da estrutura da zona da oficina, contrariamente ao previsto no projecto de estabilidade.


13. Na execução da obra referida em 3), a ré não aplicou as vigas que interligam todos os pórticos da estrutura do pavilhão destinado a oficina de acordo com o projecto de estabilidade do edifício, sendo que essas vigas foram executadas com perfil metálico de secção tubular com ligação aparafusada aos pilares.


14. Em consequência das alterações efectuadas pela ré, descritas em 9) a 13), a resposta da estrutura do edifício construída pela ré às acções a que está sujeita (referentes à acção do próprio peso, sobrecarga, acção do vento, acção sísmica) é diferente da prevista no projecto de estabilidade desse edifício.


15. O projecto de drenagem de águas residuais do edifício referido em 3) previa que “(…) 2.5. Águas pluviais e pluviais contaminadas


A drenagem das coberturas será assegurada por caleiras que conduzirão as águas pluviais até ao nível do solo, através de tubos de queda em PVC.


Estas caleiras devem ter orifícios de descarga, de modo que o transbordo se faça para o exterior do edifício, caso os caudais de precipitação sejam superiores aos previstos ou caso os tubos de queda se encontrem acidentalmente obstruídos.


A secção dos orifícios de descarga deverá ser pelo menos igual à do correspondente tubo de queda, com um mínimo de 50 cm2.


Os pavimentos terão pendente única com declive de 2%, de modo que a água das chuvas seja encaminhada para canais com grelha e sumidouros, posicionados estrategicamente junto ao muro do lado da menor cota.


(…)


2.7. Materiais


Os ramais de descarga e tubos de queda dos aparelhos do tipo doméstico, assim como os colectores enterrados, serão executados em tubagem de PVC rígido com juntas elásticas (PVC-U) devidamente homologada.


As caleiras da cobertura serão em chapa metálica com 1% de inclinação. A inclinação dos ramais e colectores das águas residuais do tipo doméstico e industrial será de 2%. A inclinação dos ramais e colectores das águas residuais do tipo pluvial será de 1% (…)”.


16. O projecto de drenagem de águas residuais do edifício referido em 3) previa o seguinte:


- As águas provenientes da cobertura sejam colectadas em caleiras localizadas junto aos respectivos beirados e transportadas através de tubos de queda para os colectores prediais localizados no piso térreo;


- O corpo do edifício destinado a oficina possui duas caleiras com desenvolvimento paralelo aos respectivos beirados, ambas com dois sentidos de escoamento, drenado para tubos de queda com diâmetro de 110mm em PVC;


- Estas caleiras estão projectadas com uma secção transversal rectangular de 300mm de largura por 100mm de altura, com uma inclinação no sentido do escoamento de 1%.


17. A ré não executou o sistema de drenagem de água pluviais da cobertura do edifício referido em 3) conforme previsto no projecto de drenagem de águas residuais, referido em 15) e em 16), sendo que a drenagem de águas pluviais ao nível da cobertura foi executada com caleiras em chapa galvanizada de secção rectangular, ligadas a tubos de queda.


18. No corpo do edifício destinado à oficina, as caleiras não possuem a secção transversal nem as pendentes previstas no projecto de drenagem de águas residuais do edifício.


19. No corpo administrativo e social do edifício referido em 3), as caleiras não possuem secção transversal nem as pendentes previstas no projecto de drenagem de águas residuais e foi reduzido o número de tubos de queda em relação ao número previsto no projecto.


20. As caleiras executadas pela ré não possuem pendentes e as juntas não se encontram correctamente seladas.


21. As caleiras do edifício referido em 3) não apresentam aplicação de impermeabilização.


22. As situações referidas em 18) a 21) causam degradação/corrosão das caleiras e infiltrações de águas pluviais.


23. A ré não executou de forma adequada a selagem dos atravessamentos do revestimento da cobertura e as chapas de cobertura dos elementos verticais que a atravessam não se encontram rematados de forma a evitar a infiltração de águas pluviais no interior do edifício.


24. A ré não executou de forma adequada a selagem da clarabóia que não se encontra rematada de forma a evitar infiltrações de água no interior do edifício.


25. A ré não executou de forma adequada a selagem nos remates das platibandas na zona dos escritórios, sendo que as sobreposições das chapas não estão correctas.


26. As situações referidas em 23) a 25) têm como consequência a infiltrações de águas pluviais no interior do edifício referido em 3).


27. O projecto de segurança contra incêndios do edifício referido em 3) previa a colocação de uma cumeeira dupla ventilada: AT FDA1, nesse edifício.


28. A cumeeira executada pela ré no edifício referido em 3) foi executada em desconformidade com o projecto de segurança contra incêndios desse edifício, foi colocada sem sistema de ventilação e fecha totalmente as aberturas de ventilação previstas no projecto de segurança contra incêndios.


29. Da forma como está executada, a cumeeira do edifício não permite a desenfumagem do edifício, prevista no projecto de segurança contra incêndios desse edifício, e não permite a circulação de ar.


30. A ligação da pala colocada no alçado posterior do edifício ao topo da fachada do edifício, efectuada pela ré, apresenta fragilidade e está deformada e essa situação coloca em risco a estabilidade da pala.


31. As janelas de ventilação natural do edifício referido em 3) não têm protecção contra intrusos.


32. O portão principal do lado poente, aplicado pela ré, apresenta problemas nas calhas que não possuem rigidez suficiente para suportar o movimento do portão.


33. As infiltrações de águas pluviais pela cobertura, no interior do edifício referido em 3), obriga a que o autor tenha de proteger os equipamentos existentes na oficina, designadamente a estufa e a cabine de pintura da oficina e coloca em risco a instalação eléctrica do edifício.


34. O Engenheiro CC foi contratado pelo autor para efectuar a fiscalização da construção do edifício referido em 3).


35. Em 16.05.2016, CC, engenheiro técnico civil e na qualidade de director de fiscalização da obra de construção de edifício para manutenção, reparação e comércio de veículos ligeiros e desmantelamento de VFN, localizada na Zona Industrial de Local 1, lote 63, em Local 2, subscreveu termo de responsabilidade do técnico, apresentado na Câmara Municipal de Local 2 em 03.06.2016, e declarou que essa obra “se encontra concluída desde 04.05.2016, em conformidade com o projecto apresentado, com as condicionantes da licença, com a utilização prevista no título de comunicação prévia, e que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis”.


36. Em 16.05.2016, II, engenheiro técnico civil e na qualidade de director da obra de construção de edifício para manutenção, reparação e comércio de veículos ligeiros e desmantelamento de VFN, localizada na Zona Industrial de Local 1, lote 63, em Local 2, subscreveu declaração apresentada na Câmara Municipal de Local 2 em 03.06.2016, por via da qual declarou que essa obra “se encontra concluída desde 04.05.2016, em conformidade com o projecto apresentado, com as condicionantes da licença, com a utilização prevista no título de comunicação prévia, e que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis”.


37. No livro de obra da obra referida em 35) e em 36) não foi anotada qualquer alteração quanto aos materiais e peças metálicas executadas e aplicadas pela ré e desse livro de obra consta que “a obra encontra-se concluída desde 04.05.2016, em conformidade com o projecto apresentado, com as condicionantes da licença, com a utilização prevista no título de comunicação prévia, e que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis”.


38. O termo de encerramento do livro de obra referido em 37) foi assinado pelo autor.


39. O autor acordou com a ré que a execução da obra referida em 3) deveria ser realizada de acordo com os projectos de estabilidade, de drenagem de águas pluviais e de segurança contra incêndio e o autor deu conhecimento desses projectos à ré.


A.2. E foram considerados como não provados os seguintes factos:


A. A ré efectuou de forma descuidada o remate das chapas de cobertura do edifício, que foi feito sem a sobreposição necessária que impeça as infiltrações de águas pluviais no interior do edifício;


B. A ré efectuou de forma descuidada o remate das saídas das caleiras para os tubos de queda e estas não foram rematadas de forma a evitar a infiltração de águas pluviais no interior do edifício;


C. A falta de protecção contra intrusos das janelas de ventilação natural permite a entrada de aves no interior do edifício referido em 3);


D. A colocação de protecção a intrusos nas janelas de ventilação resulta das práticas de construção;


E. O portão principal apresenta problemas nas molas que, em caso de ocorrência de uma falha que leve a uma descida rápida, não são adequadas a evitar que o portão fique descontrolado e provoque estragos;


F. As infiltrações de águas pluviais pela cobertura, no interior do edifício referido em 3) coloca em causa a segurança dos funcionários e demais utilizadores do espaço e tem como consequência a deformação do material aplicado;


G. Previamente ao inicio da construção do edifício referido em 3), o autor já tinha mantido relações comerciais com a ré, tinha conhecimento da experiência da ré na construção de pavilhões industriais metálicos e acordou com JJ, representante da ré, uma visita ao pavilhão industrial da ré, sito na Zona Industrial de Local 3, e solicitou a construção de um pavilhão com projecto igual a esse pavilhão da ré;


H. O autor solicitou a construção de um pavilhão com o mesmo método construtivo e de execução e com os mesmos materiais usados no pavilhão da ré, alterando apenas as suas dimensões por o terreno onde o autor pretendia implantar o pavilhão ser de dimensões inferiores ao terreno onde se encontrava implantado o pavilhão da ré, sito na Zona Industrial de Local 3, e teria de ser calculado o dimensionamento do pavilhão a construir para os autores em função da distância entre pilares;


I. Antes do início da construção do pavilhão, o autor e o engenheiro CC deslocaram-se à sede da ré, onde a mesma executa e prepara os materiais para aplicar na construção, e visualizaram e aprovaram os materiais, ferros e perfis que se encontravam em preparação;


J. O autor sempre administrou por sua única e exclusiva vontade a execução da obra, foi sempre ele quem aprovou os materiais a aplicar e o método construtivo;


L. A ré iniciou a construção do pavilhão, baseando-se no assentamento já efectuado pelo construtor civil e na marcação dos pilares feita pelo construtor civil;


M. O método construtivo do pavilhão iniciou-se pela colocação dos pilares metálicos, cujos materiais e forma foram previamente aprovados pelo autor e pelo Engenheiro CC e esse processo foi repetido na fase de execução e colocação da cobertura e de todas as restantes fases da obra;


N. A ré já se encontrava a construir as peças e as estruturas metálicas para o pavilhão cerca de dois meses antes de os autores apresentarem o projecto na Câmara Municipal de Local 2 e, aquando do início da construção do pavilhão, os autores não possuíam qualquer projecto;


O. No decurso da construção do pavilhão, as peças metálicas a aplicar na construção eram, previamente, apresentadas ao autor e ao engenheiro CC, que as aprovaram sempre, nomeadamente, a ré apresentava na sua sede ao autor e ao engenheiro CC as chapas, os perfis, os pilares, as asnas, os ferros e todas as estruturas e peças a aplicar na construção do pavilhão e aqueles aprovaram-nas sempre, quer na sede da ré, quer aquando e depois da sua aplicação na construção do pavilhão;


P. Após a aprovação pelo autor e pelo Engenheiro CC, a ré executava as peças e aplicava-as na construção e a execução da construção do pavilhão foi diariamente acompanhada e fiscalizada pelo engenheiro CC que, tal como o autor, sempre aprovaram o método construtivo desenvolvido pela ré e todos os materiais aplicados;


Q. Após a colocação dos pilares metálicos, ocorreu uma reunião na sede de Ambialca – Engenharia do Ambiente, Unipessoal, Lda., onde estiveram presentes o autor, o engenheiro CC, o arquitecto DD, o director da obra KK e LL, representante da ré, e essa reunião foi agendada para definir os revestimentos de fachadas e coberturas;


R. Para efeito de revestimentos de fachadas, o representante da ré exibiu ao autor e a todos os presentes na reunião referida em Q) uma chapa lateral trapezoidal (chapa simples conforme tinha no pavilhão da ré sito na Zona Industrial de Local 3), tendo o autor discordado e solicitado que a chapa lateral trapezoidal fosse alterada para painel Sandwich de 40 mm, o que foi respeitado pela ré, apesar de tal implicar um acréscimo do custo para a ré, em cerca de € 8,00 por metro quadrado;


S. No decurso da reunião referida em Q), o autor solicitou a MM, representante da ré, que a cumeeira tinha de ser sobre-elevada no telhado, ventilada com entrada de ar lateral, o que foi aceite pela ré e aprovado pelo engenheiro CC;


T. Na reunião referida em Q), MM forneceu amostras dos materiais a aplicar nos revestimentos e esses materiais e forma de aplicação foram aprovados por todos os presentes;


U. A cumeeira foi executada e aplicada com os materiais nos exactos termos que lhe foram solicitados pelo autor na reunião referida em Q);


V. Em Outubro de 2015, quando a área laboral do pavilhão se encontrava concluída, o autor deu a conhecer a MM um desenho, de forma a que a ré pudesse ter conhecimento que o autor pretendia instalar no pavilhão uma zona de lavagem de carros e pretendia que a zona de escritórios fosse colocada no exterior do pavilhão, o que implicava una alteração ao inicialmente idealizado e acordado com a ré;


X. Aquando da aplicação dos materiais e peças executadas pela ré, era explicada ao autor e ao engenheiro CC a metodologia de aplicação e qual o efeito pretendido e foram sempre aprovadas pelo autor e pelo director de fiscalização da obra;


Z. Os pontos de descarga e as aberturas das caleiras foram executados nos pontos ordenados e marcados pelo autor e pela empresa que efectuava a parte da construção civil da obra, denominada NN, Lda.;


AA. A água visualizada no interior do pavilhão em forma de gotas decorre de dois factores: condensação resultante das máquinas que estão a funcionar que causam o chamado “choque térmico”, por as máquinas emitirem calor que, em contraste com o frio exterior e das superfícies de chapa da cumeeira, causam condensação; localização do pavilhão na zona denominada de “Polje de Local 1”, zona de forte infiltração de humidade, que promove correntes de ar e ventos predominantes de norte transversais à cumeeira e que promove o arrastamento de gotas de água depositadas na cobertura para o interior do pavilhão;


AB. A solução para impedir a formação das gotas de água referidas em AA) consiste na criação de um sistema de desenfumagem mecânica com insuflação e extracção;


AC. Em consequência da actuação da ré, os autores sofreram prejuízos no valor de € 35.000,00.


*


B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. A R./recorrente discorda da sentença proferida que a condenou a ré a reparar os defeitos referenciados nos pontos 5), 9), 10), 11), 12), 13), 17), 18), 19), 20), 23), 24), 25), 28), 29), 30) e 32) da factualidade provada.


Porém, como se vê das conclusões, a discordância da R. para com o decidido, reside apenas quanto aos “defeitos” enunciados nos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20 e 28 dos factos provados, e não quanto aos demais enunciados na sentença, entendendo que não devia ter sido condenada a proceder à reparação daqueles, manifestando a sua discordância para com a decisão da matéria de facto e tecendo considerações sobre a valoração da prova e quanto ao ónus probatório.


2. Porém, como já se disse no anterior acórdão, face ao disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1, alínea a)); - os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b)); e – a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1, alínea c)).


Acresce que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respectiva, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (cf. n.º 2, alínea a)).


Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/10/2015 (proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), disponível, como os demais citado sem outra referência, em www.dgsi.pt: «Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do n°1 do art. 640° do CPC; e um ónus secundário - tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do artigo 640°, n°2, al. a) do CPC).»


Em idêntico sentido, concluiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/06/2020 (proc. n.º 8670/14.6T8LSB.L2.S1):


«III- O art. 640.º do CPC estabelece que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem contudo fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação.


IV - Nesse conspecto tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo art. 640.º do CPC devem constar do corpo das alegações.» [sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2021/05/sumarios_civel_2020.pdf]


E, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/11/2020 (proc. n.º 294/08.3TBTND.C3.S1), «…, se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, entende-se facilmente que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto por si considerados incorrectamente julgados sejam devidamente identificados nas conclusões, pois só assim se coloca ao tribunal ad quem uma questão concreta e objectiva para apreciar, sendo que, via de regra, apenas sobre estas se poderá pronunciar. Assim, se nas conclusões não forem indicados os pontos de facto que o recorrente pretende impugnar, o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles [Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil. Novo regime, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 141-146; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Coimbra, Almedina, 2005, p. 466; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2007 (Pinto Hespanhol), proc.06S3405; de 13 de Julho de 2006 (Fernandes Cadilha), proc.06S1079; de 8 de Março de 2006 (Sousa Peixoto), proc.05S3823 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt].» (destaque nosso)


Acresce, que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão de 17/10/2023 (proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1), decidiu uniformizar a jurisprudência, consignando que, “[n]os termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, e o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 148/2025, de 27 de Março, decidiu “[n]ão julgar inconstitucional o artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de que ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto se impõe o ónus suplementar de, no tocante à especificação dos pontos de facto que considera mal julgados, referenciar cada um com o correspondente meio de prova que se indica para o evidenciar” (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).


3. Volvendo ao caso concreto, verifica-se que a recorrente apresentou conclusões nos exactos termos em que havia feito no anterior recurso, sendo que, no que se reporta à matéria de facto, limita-se nas conclusões a dizer que a matéria de facto não se adequa à prova testemunhal e documental produzida, que na fundamentação o tribunal a quo partiu de pressupostos errados, que a prova produzida seria suficiente para se concluir pela procedência parcial da contestação, absolvendo-se a R. no que respeita à eliminação dos defeitos constantes dos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20 e 28, invocando ter havido erro notório na apreciação da prova, continuando a referir que não era sobre si que impendia o ónus da prova do facto negativo relativo ao conhecimento dos projectos de arquitectura e especialidades (apesar de esta Relação, no acórdão anulatório da 1ª sentença, ter dito que tal ónus recaía sobre o A., dono da obra, e nessa medida ter mandado ampliar a matéria de facto para apuramento da matéria em causa), que, ao contrário do referido na motivação de facto e de direito nunca foram entregues à R. os ditos projectos de arquitectura e especialidades, e que a decisão assentou no facto de a R. não ter demonstrado que o dono da obra e o director sempre aprovaram o método construtivo desenvolvido pela R..


Em suma, a recorrente, não obstante manifestar discordância para com a decisão de facto, não indica nas conclusões nas conclusões do recurso quais os concretos factos que pretende impugnar, limitando-se a invocar o erro notório na apreciação das provas e a discordar dos pressupostos em que assentou a decisão condenatória e a livre convicção do julgador.


Note-se que, apesar de a recorrente concluir que deve ser absolvida no que respeita à eliminação dos defeitos constantes dos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20 e 28 dos factos provados, que se reportam às divergências entre os projectos de estabilidade, de drenagem de águas pluviais e de segurança contra incêndios – que a R. diz não lhe terem sido entregues, mas que se provou que o foram –, e os trabalhos executados, não pede a apreciação daquela matéria, antes referindo que não teve conhecimento destes projectos. E o que se retira das alegações é que a recorrente entende que não lhe pode ser imputada a responsabilidade pelas alterações aos projectos que consubstanciam a condenação na reparação dos referidos defeitos.


Assim, não tendo a recorrente indicado nas conclusões do recurso, as quais delimitam o objecto do mesmo, como se referiu, os concertos pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, não deu adequado cumprimento ao ónus de especificação previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, o que implica a rejeição do conhecimento do recurso quanto à matéria de facto, o que se determina.


4. No que se reporta à apreciação jurídica da causa, não subsistem dúvidas de que, em face dos factos alegados e provados, o acordo entre A. e R., com vista à construção da cobertura metálica de um pavilhão, destinado a oficina de automóveis e construção e montagem de escada metálica de acesso ao piso 1, e construção e montagem de laje colaborante, a que se refere o ponto 3 dos factos provados, com a alteração mencionada no ponto 4, para a construção de uma pala no alçado posterior do corpo do edifício, obra a realizar pela R., constitui um contrato de empreitada.


“Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” (cf. artigo 1207º do Código Civil).


A empreitada é considerada pelo nosso legislador como uma modalidade de contrato de prestação de serviços (cf. artigo 1155º e segs. do Código Civil), tendo por objecto especificamente uma obra, “que se traduz num resultado material, correspondente à criação, modificação ou reparação de uma coisa, como o fabrico, manufactura, construção, benfeitorias, etc.” (Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações – Contratos em Especial, Vol. III, 6.ª ed., Almedina, 2009, pág. 513).


Com a celebração de um contrato de empreitada, o dono da obra tem direito a que a obra venha a ser por ele adquirida e recebida. E, face aos princípios vigentes em sede de cumprimento (artigos 762.º e 406.º, n.º 1 do Código Civil), a obra deve ser integralmente realizada, em conformidade com o contrato, no prazo convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (cf. artigo 1208.º do Código Civil).


Com a realização do contrato de empreitada, o empreiteiro assume a realização de uma obrigação de resultado, o que significa que, neste tipo de contrato, o empreiteiro não se obriga apenas a adoptar um procedimento diligente, hábil à consecução de um resultado, mas garante igualmente a verificação do resultado que foi objecto do contrato.


No que se reporta à execução da obra, prescreve-se no artigo 1208º do Código Civil, que [o] empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.”


Deste normativo resulta, assim, que, na execução da obra, o empreiteiro deve, em primeiro lugar, obedecer às condições convencionadas com o dono da obra, designadamente no que respeita às condições jurídicas e técnicas a que deve obedecer a execução da obra (incluindo plantas, desenhos, planos, perfis, alçados, cotas de referência), à qualidade dos materiais a empregar, etc. (neste sentido, v.g., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora 1997, pág. 868).


E deve também o empreiteiro executar a obra sem defeitos.


Como refere Cura Mariano, os «[d]efeitos, podem, pois, serem vícios da obra ou desconformidades entre a obra realizada e a obra projectada. (…)


Os vícios são anomalias objectivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas.


Essas deficiências na estrutura de composição da obra, para relevarem como defeitos, têm de provocar uma exclusão ou redução do valor daquela, ou da sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, ocorrendo muitas vezes estas duas consequências em simultâneo.” (…)


As desconformidades traduzem-se em desvios ao projecto de obra, expressa ou tacitamente convencionado. Nestes casos, o defeito resulta do facto do empreiteiro realizar uma obra diferente da que foi estipulada, independentemente de qualquer exclusão ou redução do seu valor, ou da adequação do fim a que se destina, sendo certo que podem coincidir as situações de vício com as de desconformidade com o projectado.


Nas características convencionadas, incluem-se todas aquelas qualidades da obra que o empreiteiro assegurou quer no momento da realização do contrato, perante a contraparte, quer aquelas que anteriormente publicitou por qualquer meio e que foram do conhecimento do dono da obra, desde que estas últimas reúnam os requisitos necessários à sua eficácia como declarações tácitas negociais e não tenham silo afastadas no texto contratual. As desconformidades podem também resultar da falta de correspondência entre os materiais previstos para a obra e os efectivamente utilizados e entre as técnicas de execução acordadas e as efectivamente aplicadas. (…)


Os defeitos da obra que se traduzam em desconformidades com o projectado, mais não são que alterações da obra sem autorização do dono desta e que não se revelem necessárias, conforme claramente indica o legislador no art.º 1214º, n.º 2, 1ª parte, do C.C..


Na verdade, o empreiteiro não pode efectuar alterações ao projecto da obra integrante do contrato de empreitada, sem o acordo do seu dono (art.º 1214º, n.º 1, do C.C.» (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª edição Revista e Aumentada, Almedina, págs. 54 a 60).


5. Para que se possa falar em desconformidades em relação ao projecto da obra integrante do contrato de empreitada, pelas quais o empreiteiro possa vir a ser responsabilizado, necessário é que se alegue e prove que a obra foi contratada para ser executada de acordo com os ditos projectos, caso contrário não se pode falar de desconformidade em relação aos mesmos nem de eventual responsabilidade do empreiteiro por inobservância dos ditos projectos, pois a desconformidade pressupõe a obrigação de proceder em conformidade, e esta tem que ser provada.


Assim, na empreitada compete ao dono da obra a prova, não só de que contratou com o R., empreiteiro, a realização da obra, como que acordou com ele que a execução seria feita de acordo com os projectos da obra que apresenta, o que pressupõe também que deu conhecimento ao empreiteiro desses projectos, caso em que, verificada a desconformidade entre os projectos e a obra executada, presume-se a culpa do empreiteiro, incumbindo-lhe, então, a prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação não procede de culpa sua, nos termos do artigo 799º, n.º 1, do Código Civil.


Em síntese, e no que para a situação em apreço releva, o ónus da prova relativamente à celebração do contrato de empreitada e condições convencionadas, que inclui os termos acordados para a sua execução, concretamente quanto aos projectos a que deve obedecer, e bem assim das desconformidades entre os projectos e a obra executada, recai sobre o dono da obra, como facto constitutivo do direito à reparação a que se arroga, nos termos do n.º 1 do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil.


6. De resto, como se refere na sentença, em caso de defeitos de obra, o artigo 1221.º, n.º 1 do Código Civil prescreve que, “[s]e os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção”, acrescentando-se no n.º 2 que “[c]essam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito”.


Ou seja, a reparação só deixa de ser exigível, no caso de não ser possível a sua eliminação ou a mesma se revele desproporcionada. Este juízo de proporcionalidade deve ser efectuado entre o custo das obras de reparação e o proveito para o dono da obra que reveste a eliminação do defeito, sendo que, neste caso, o dono da obra deve optar por outro direito que a lei lhe confere.


Não obstante, não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono da obra pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina (cfr. artigo 1222.º, n.º 1 do Código Civil).


De igual modo, o exercício dos direitos conferidos nos artigos 1221.º e 1222.º não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais (cf. artigo 1223.º do Código Civil).


A par disso, importa ainda referir que a doutrina e a jurisprudência são unânimes ao entender que o exercício dos direitos conferidos ao dono da obra pelos arts. 1221.º e 1222.º, não podem ser exercidos arbitrariamente, nem existe entre eles uma relação de alternatividade, existindo, ao invés, uma sequência de prioridades que o dono da obra terá de respeitar (neste sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.2009, Proc. n.º 08A4106).


7. No caso concreto, analisados os factos provados e os dados como não provados, constata-se que se deu como assente a existência do contrato de empreitada (pontos 3 e 4 dos factos provados), as especificações que constavam dos projectos de estabilidade (pontos 6, 7, 8), de drenagem de águas residuais (ponto 15 e 16), de segurança contra incêndios (ponto 27), e as desconformidades que se tiveram como assentes, em relação a estes projectos, enumeradas nos pontos 9 a 13, 17 a 21, 28 e 29, entre outros defeitos.


E resulta igualmente apurado, no que ao presente recurso interessa, que: - Em consequência das alterações efectuadas pela ré, descritas em 9) a 13), a resposta da estrutura do edifício construída pela ré às acções a que está sujeita (referentes à acção do próprio peso, sobrecarga, acção do vento, acção sísmica) é diferente da prevista no projecto de estabilidade desse edifício (facto 14); - As situações referidas em 18) a 21) causam degradação/corrosão das caleiras e infiltrações de águas pluviais (facto 22); e que - As situações referidas em 23) a 25) têm como consequência a infiltrações de águas pluviais no interior do edifício referido em 3) (facto 26).


E, na sequência da anulação do anterior julgamento, veio a provar-se que, ao contrário do alegado pela R., “[o] autor acordou com a ré que a execução da obra referida em 3) deveria ser realizada de acordo com os projectos de estabilidade, de drenagem de águas pluviais e de segurança contra incêndio e o autor deu conhecimento desses projectos à ré” (facto 39)


Deste modo, estando demonstrado que houve alterações aos projectos, concretamente, no que para o caso releva, as indicadas nos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20 e 28, dos factos provados, com as consequência acima referidas, e estando também provado que a obra era para ser executada de acordo com os referidos projectos, que o dono da obra deu a conhecer ao empreiteiro, impõe-se a conclusão de tais desconformidades são imputáveis ao procedimento do empreiteiro, no caso a R., na execução da obra.


8. E não se argumente que as ditas alterações foram sempre do conhecimento do dono da obra e do director de fiscalização, que nelas anuíram, pois a matéria de facto que levaria a tal conclusão não se mostra provada, assim como não está demonstrado que tais alterações tenham sido por aqueles consideradas como equivalentes ao previsto.


É certo que no livro de obra da obra referido em 35) e em 36) não foi anotada qualquer alteração quanto aos materiais e peças metálicas executadas e aplicadas pela R. e desse livro de obra consta que “a obra encontra-se concluída desde 04.05.2016, em conformidade com o projecto apresentado, com as condicionantes da licença, com a utilização prevista no título de comunicação prévia, e que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis”, e o termo de encerramento do livro de obra foi assinado pelo A. (cfr. factos 37 e 38).


Porém, não se aceita que daqui resulte o afastamento da responsabilidade da R., como, aliás, se explica na sentença a respeito do invocado abuso de direito, pois, estando as referidas desconformidades relacionados com questões técnicas de construção civil, não correspondem a defeitos aparentes, visíveis ou reconhecíveis ao homem médio, não tendo resultado alegado nem demonstrado que os AA. têm conhecimentos técnicos de construção civil.


De igual modo julgamos que a mera assinatura do termo de encerramento do livro de obra pelo autor não demonstra que, nessa data, o A. tinha conhecimento dos defeitos/desconformidades supra referenciados e que aceitou a obra sem reservas conhecendo essas desconformidades. Tanto mais que resultou demonstrado que, no livro de obra não foi anotada qualquer alteração quanto aos materiais e peças metálicas executadas e aplicadas pela R. naquele edifício e a deficiente fiscalização da obra pelo seu dono ou por comissário não exclui a responsabilidade do empreiteiro pela existência de defeitos, uma vez que o exercício dessa fiscalização corresponde a um direito e não a um dever (cfr. artigo 1209.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil).


9. Assim, tendo resultado provada a existência dos defeitos/desconformidades na obra executada pela R. para os AA., por inobservância dos projectos de estabilidade, de drenagem de águas pluviais e de segurança, que a R. estava obrigada a observar na execução da obra, e não tendo esta demonstrado que o dono da obra aceitou tais desconformidades, é o empreiteiro responsável pelo eliminação dos defeitos em causa (cfr. artigos 799.º, n.º 1, 1208.º e 1221.º, n.º 1 do Código Civil), como se decidiu.


Deste modo, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.


Custas a cargo da Apelada.


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Évora, 9 de Abril 2025


Francisco Xavier


Maria João Sousa e Faro


António Fernando Marques da Silva


(documento com assinatura electrónica)