QUALIFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
PRAZO
EXTEMPORANEIDADE
ASSEMBLEIA DE APRECIAÇÃO DO RELATÓRIO
INSOLVÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
CREDOR
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
PROCESSO URGENTE
REQUERIMENTO
PRESSUPOSTOS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário


O prazo de 15 dias a que alude o artigo 188.º, 1 do CIRE, para qualquer interessado requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência, no caso de dispensa da realização da assembleia de apreciação do relatório a que se refere o artigo 155.º, inicia-se com a junção aos autos desse relatório.

Texto Integral


Acordam do Supremo Tribunal de Justiça

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Stoneseeds Compra, Venda e Administração de Propriedades, Lda. e A..., Lda. requereram, nos termos do disposto no artigo 188º do C.I.R.E., que fosse declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência de AA.

O tribunal indeferiu esse pedido, por extemporâneo.

Inconformados, interpuseram os requerentes competente recurso de apelação, julgado improcedente pela Relação, primeiro em decisão singular, depois mantida per acórdão, com voto de vencido.

De novo inconformada, Stoneseeds Lda. interpôs recurso de revista, cuja minuta, retomando argumentação anterior, concluiu da seguinte forma:

A. O presente recurso é admissível porquanto existem decisões sobre o mesmo assunto, nos termos do art.º 14.º do CIRE a decisão proferida pelo tribunal da Relação é irrecorrível, salvo nos casos em que o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça.

B. Vem a Recorrente interpor recurso da decisão proferida que entende que a abertura de incidente de qualificação da insolvência foi requerida intempestivamente.

C. O douto despacho assenta em lapso manifesto de cálculo.

D. Com o devido respeito, não pode o douto tribunal considerar que a notificação foi efectuada aos mandatários dos credores no dia 12.08.2024.

E. Assim e sabendo de qual lacuna no sistema de notificações electrónicas, o Sr. Administrador de Insolvência enviou e-mail no dia 13.08.2024, comprovativos de envio juntos nesse mesmo dia na plataforma CITIUS.

F. Ora, o dia efectivo de envio da notificação do relatório é o dia 13.08.2024 e não o dia 12.08.2024.

G. Sendo uma notificação por email, o seu regime mais aproximado quanto à notificação é o da notificação electrónica que se presume recebida no 3.º dia útil posterior ao envio, conforme o disposto no art.º 248.º do CPC.

H. Pelo que, o 3.º dia útil foi o dia 16.08.2024, iniciando-se o prazo no dia 17.08.2024.

I. Sendo o prazo para requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência 15 dias – art.º 188.º CIRE, o mesmo terminava no dia 31.08.2024 sábado, pelo que, se transferia para o dia útil seguinte 02.09.2024.

J. Não obstante o já discorrido anteriormente, o que distingue este processo dos demais é a incerteza da entrega do relatório do Administrador de Insolvência.

K. A data de início para a contagem do prazo de 15 dias para apresentação de requerimento de qualificação da insolvência dolosa, não é uma data fixa.

L. Tal não sucede nos casos em que, tal como na situação em apreço, o juiz dispensa a realização da assembleia.

M. O Sr. Administrador da Insolvência procedeu à junção do relatório depois da data prevista na lei para o efeito.

N. Não havendo um prazo certo para a junção do relatório, mas apenas um termo final (e mesmo este, nem sempre é cumprido).

O. Não há uma data pré-definida para o AI juntar o relatório, a partir da qual os interessados possam, em abstrato, contar o prazo que lhes é concedido requerer a insolvência culposa.

P. Atentar-se-á, ainda que, no caso em apreço, o relatório até foi apresentado 16 dias depois de decorrida a data limite concedida para o efeito – apenas no 61º dia após a prolação da sentença que declarou a insolvência (no dia 12 de agosto de 2024).

Q. Pelo que, não poderia ser aplicada a normal contagem, pois o relatório a que alude o art. 155º foi apresentado fora do prazo legal, caso em que se impunha a notificação do relatório aos interessados.

R. Impondo-se, que aquele prazo de 15 dias se conte desde a sua notificação e não da data da junção aos autos do relatório a que alude o art. 155º do CIRE.

S. Encontrando-se a data de início do prazo para requerer o incidente de qualificação de insolvência, dependente de um evento incerto quanto ao momento da sua ocorrência, o prazo de 15 dias após a junção do relatório previsto para o efeito, pressuporá que seja dado conhecimento da sua junção aos interessados, sob pena de se estar a exigir que, durante mais de um mês, os credores (ou outros interessados) sejam obrigados a consultar diariamente o processo.

T. Concluindo, entenderia que, sobretudo tendo em consideração que o relatório foi junto pelo Administrador depois da data limite para o efeito, o prazo de 15 dias se contaria, não do dia da junção do relatório, mas da sua notificação aos credores, deve o requerimento ser considerando tempestivo.

U. Tendo submetido o requerimento a 03.09.2024, o mesmo foi apresentado no 1.º dia de multa.

V. Multa esta liquidada e junta com o requerimento, bem como, a taxa de justiça.

W. Nesse sentido o ato poderia ser praticado até ao dia 04.09.2024.

X. Pelo que a sua prática no dia 03.09.2024 é tempestiva.

Y. Pelo que, a notificação efectuada por email pelo Administrador de Insolvência, coadjuvada da não publicação do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, sempre resultará na aplicação da norma relativa às notificações.

Z. Pois sempre bastaria pensar que o credor não se fizesse acompanhar de mandatário, o mesmo não qualquer teria acesso ao relatório que inicia o prazo de contagem para abertura do incidente, que poderia requerer.

AA. Tal sempre resulta em violação do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP;

BB. Assim, uma vez mais, o ato foi praticado em tempo, devendo o incidente ser aberto.

CC. Deve, por isso, com o muito e elevado respeito, a decisão de indeferimento ser revertida e aceite o recurso interposto.

Termos em que deve ser revogado o Acórdão dos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra. SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA».

A insolvente apresentou contra-alegações em que pugna pela confirmação do acórdão.

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A única questão decidenda consiste em saber se o requerimento para efeito da qualificação da insolvência é ou não extemporâneo.

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É relevante, em sede de matéria de facto, levar em consideração o relatório supra.

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Conforme preceitua o artigo 188.º, 1 do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei 9/2022, de 11 de Janeiro, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação, no prazo peremptório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias posteriores.

Na sua versão originária – a do Decreto-Lei n.º 53/32004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE -, este artigo 188.º, 1 dispunha que até 15 dias depois da realização da assembleia de apreciação do relatório, qualquer interessado pode alegar, por escrito, o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa.

Podendo, ou devendo, ter estado naquela assembleia, tornava-se fácil a qualquer interessado determinar o termo ad quem para requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência.

A nova redacção dada ao preceito pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, nada de significativo modificou, quanto a este regime dos prazos, pois a proposição normativa passou a ter a seguinte redacção: Até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.

Posteriormente, o Decreto-Lei 79/2017, de 30 de Junho, entre outras alterações ao CIRE, implementou, como se lê no preâmbulo, «as recomendações resultantes de avaliação efectuada no terreno do funcionamento de diversos institutos, com intervenções em áreas como a assembleia de credores nos processos de insolvência de pessoas singulares e prazo para o requerimento de abertura de incidente de qualificação da insolvência».

O artigo 188.º passou a ter a seguinte redacção: «Até 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes».

Este artigo sofreu ainda as alterações operadas pela Lei 9/2022 acima referida, a qual estabilizou a redacção do preceito.

Sendo assim as coisas, como no caso não houve assembleia de apreciação do relatório, uma interpretação declarativa da proposição legal conduz à conclusão de que o prazo para qualquer credor da insolvente requerer a abertura do incidente de qualificação começa a correr a partir da «junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º».

Este artigo, recorde-se, prescreve que o administrador deve elaborar um relatório contendo determinados elementos, que se indicam, o qual deve ser junto aos autos, pelo menos oito dias antes da data marcada para a apreciação dele, destinada a permitir a deliberação sobre os termos ulteriores do processo.

Foi aquela a interpretação feita pelas instâncias.

O primeiro grau escreveu: «No caso em apreço, não foi convocada assembleia de credores, pelo que o prazo de 15 dias conta-se desde a apresentação do relatório e não da sua notificação, como decorre cristalino do referido preceito legal. Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º8602/22.8T8LSB-B.L1-1, disponível em dgsi.pt, “São, pois, razões de celeridade que se encontram na base do estabelecimento do prazo de 15 dias para a dedução do incidente de qualificação da insolvência, a contar da junção aos autos do relatório a que alude o art.º 155º do CIRE e não da notificação aos interessados do teor desse relatório, impondo-se a estes o ónus de acompanhamento da marcha do processo, devendo, agindo com a diligência devida, estar atentos à sequência dos prazos, de molde a poderem deduzir, aquele incidente, em conformidade com o disposto no art.º 188º, n.º 1 do CIRE”.

Tendo o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE sido junto aos autos no dia 12.08.2024, o prazo de 15 dias para qualquer interessado alegar o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa terminou no dia 27.08.2024, sem que tenha sido requerida qualquer prorrogação. Poderia ainda o mesmo ser junto aos autos até ao dia 30.08.2024 mediante o pagamento da multa a que alude o artigo 139.º do Código de Processo Civil. Porém, apenas no dia 03.09.2024 as referidas credoras apresentaram o requerimento a que alude o artigo 188.º, n.º 1 do CIRE, pelo que se mostra o mesmo extemporâneo.

Dado o carácter facultativo do incidente de qualificação da insolvência (é aberto quando o juiz assim o decida, nomeadamente em sede de sentença de declaração de insolvência, ou quando, no prazo previsto para o efeito, interessados ou o Administrador da Insolvência vêm apresentar alegações no sentido da qualificação da insolvência como culposa), o decurso do prazo previsto no citado artigo 188.º, n.º 1 extingue o direito de praticar o acto, ou seja, de apresentar alegações e de espoletar a apreciação do juiz – artigo 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

Ora, sendo o requerimento apresentado manifestamente extemporâneo, não dará lugar à apreciação dos respectivos factos alegados para o efeito de decisão de abertura do respectivo incidente.

Pelo exposto, não se declara aberto o incidente de qualificação da insolvência de AA».

O tribunal da Relação confirmou integralmente a decisão da primeira instância, sem analisar as regras de notificação electrónica, invocadas pela recorrente, com o argumento de que tal questão ficou prejudicada pelo entendimento de que, no caso em apreço, o prazo de 15 dias conta-se desde a apresentação do relatório e não da sua notificação.

O acórdão tem um voto de vencido que concorda com o entendimento da recorrente.

No essencial, avança os seguintes argumentos:

i) A regra geral é a de que relatório do administrador de insolvência tem de ser junto ao processo com, pelo menos, 8 dias de antecedência relativamente à data da realização da assembleia (artigo 155º, nº3, do CIRE). Em tal caso, o prazo concedido aos credores para se pronunciarem sobre a qualificação de insolvência conta-se a partir da data da realização da assembleia.

ii) Nos casos em que é dispensada a realização da assembleia, não há uma data pré-definida para o AI juntar o relatório, a partir da qual os interessados possam, em abstracto, contar o prazo que lhes é concedido requerer a insolvência culposa.

iii) Assim sendo, encontrando-se a data de início do prazo para requerer o incidente de qualificação de insolvência, dependente de um evento incerto quanto ao momento da sua ocorrência, o prazo de 15 dias após a junção do relatório previsto para o efeito, pressuporá que seja dado conhecimento da sua junção aos interessados, sob pena de se estar a exigir que, durante mais de um mês, os credores (ou outros interessados) sejam obrigados a consultar diariamente o processo.

iv) Concluindo: tendo em consideração que o relatório foi junto pelo Administrador depois da data limite para o efeito, o prazo de 15 dias

conta-se não do dia da junção do relatório, mas da sua notificação aos credores.

Não podemos acompanhar esta posição.

Estamos diante de um prazo processual preclusivo prorrogável.

Prazo é o período de tempo que se refere a um determinado número de unidades de tempo para se produzir certo efeito processual (José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945:52 ss.).

O artigo 139.º distingue duas categorias de prazos: os prazos dilatórios, que diferem para certo momento a possibilidade de realização do acto ou do início da contagem de um outro prazo, e os peremptórios, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (artigo 139.º, 1).

Hoje todos os prazos são prorrogáveis (artigo 141.º). Não há, pois, lugar a distinguir entre prazos preclusivos peremptórios stricto sensu e prazos preclusivos prorrogáveis, á maneira da classificação proposta por Emilio Betti (Diritto processuale cicile italiano, ESI, Napoli, 2018:187, nota 6).

Faz, porém, sentido justapor àquela primeira subcategoria, a dos prazos preclusivos ordenadores, isto é, prazos estabelecidos apenas para a regularidade do procedimento, cuja inobservância não acarreta a extinção de praticar o acto, o que pode acontecer mesmo depois de esgotada a duração inicial do prazo.

Foi precisamente em torno destas duas categorias –prazos processuais peremptórios versus prazos processuais ordenadores-, que a jurisprudência se dividiu quanto à natureza do prazo do artigo 188.º,1 do CIRE, até à redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.

Esta lei estabeleceu medidas de apoio e agilização dos processos de reestruturação das empresas e de acordos de pagamento, transpôs a Directiva (EU) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Julho de 2019, e alterou, entre outros, o Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), designadamente, o artigo 188.º, 1 deste diploma, estabelecendo que o prazo é peremptório, mas prorrogável (cfr. Ac. STJ, de 17.10.2024, Processo 40/21).

Não se podendo afastar, por via da dilação, o dies a quo do dies ad quem, durante o qual é possível praticar o acto, a questão suscitada, consiste, como dissemos, em saber se o prazo de requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência se deve contar, como a lei dá a entender, da junção aos autos pelo administrador de insolvência do relatório, ou da notificação deste ao credor requerente.

Não temos dúvidas em considerar, de direito constituído, que é a primeira a solução correcta.

Vejamos porquê.

1. Desde logo, reitere-se, porque a letra da lei assim o impõe (elemento literal).

2. Por outro lado, o incidente tem natureza urgente (artigo 9.º CIRE). Segue-se que além dos prazos curtos previstos para a prática dos actos (desde logo e v.g. prazo de 24 horas para proferimento de decisões de prorrogação do prazo, artigo 188.º, 4 CIRE), está vedada, em muitos casos, a interposição de recurso (artigo 188.º, 5 e 8 CIRE). Esta natureza não parece conforme com a admissão do afastamento do termo ad quem do prazo, que resultaria da contagem do prazo a partir da notificação do relatório.

3. Esta opção pela economia e urgência processuais, manifesta-se também na consagração de prazos uniformes para todos os credores, como decorre, entre outras disposições legais, do artigo 14.º, 2 do CIRE, o que seria contrariado pela tese da recorrente.

4. Quando o legislador entendeu que seria necessária essa notificação ou outra forma de comunicação dos actos, disse-o expressamente (v.g. artigos 37.º, 1, 39.º, 2, 40.º, 2, 41.º, 2, 44.º, 54.º, 128.º, 3, 129.º, 4, 208.º, 222.º-I, 2, 230.º, 2).

5. Tal foi feito expressamente no próprio artigo 188.º, 4 e 9, como tarefa da secretaria ou por ordem do juiz.

6. Em inúmeras situações, o CIRE prevê o dies a quo para a produção dos efeitos processuais, sem necessidade de notificação dos interessados (v.g. artigos 134.º e 141.º, 2, alínea a)).

7. Esta solução é o preço a pagar pela celeridade do processo e pela natureza concursal do mesmo.

8. O artigo 188.º, 1 deve conjugar-se com o artigo 155.º, 3 que também não prevê a notificação do relatório.

A conclusão destas premissas é fácil de tirar: o prazo de 15 dias a que alude o artigo 188.º, 1 do CIRE inicia-se com a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º.

A primeira instância fez uma correcta contagem do prazo, como decorre do excerto acima citado, e concluiu bem que o requerimento da recorrente tinha sido extemporâneo.

Sendo assim as coisas, irreleva prosseguir, por prejudicada, com análise das regras das notificações electrónicas.

E não se diga que, ao assim concluir, se está a violar o artigo 20.º da CRP. Impendendo sobre o legislador a conformação jurídica-normativa do regime dos prazos e das notificações processuais, encontrando-se o mesmo dotado de um amplo poder discricionário nessas matérias, como tem sido decidido pelo Tribunal Constitucional, não se vislumbra em que medida a interpretação do artigo 188.º, 1 do CIRE acima feita, viola princípios ou outras normas constitucionais.

Pelo contrário: seguir a interpretação proposta, por ser alegadamente a que está conforme com a lei fundamental, é que conduziria a abater todo o edifício do CIRE que, como se viu, assenta, por razões de economia e celeridade, em muitos pilares que não impõe para o desenvolvimento do processo a prévia e sistemática notificação de todos os credores.

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Vencida, a recorrente suportará a totalidade das custas (artigo 527.º,1e2 CPC).

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Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso, e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

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9.4.2025

Luís Correia de Mendonça (Relator)

Luís Espírito Santo

Anabela Luna de Carvalho