I - A tempestividade de recurso apresentado dentro do prazo acrescido a que alude o art. 638.º, nº7, do Código de Processo Civil, depende tão só da inserção nas suas alegações de um segmento em que, independentemente do seu mérito, seja efectivamente impugnadora de parte da decisão da matéria de facto com sustentação em prova gravada.
II - A indemnização apurada a título de perda da capacidade de trabalho no âmbito laboral não contempla a indemnização tuteladora do designado dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado.
I.
AA, divorciada, NIF ......, residente na Rua ..., n.º ..., 2.º A, ..., Porto, intentou ação declarativa de condenação, para efetivação de responsabilidade civil, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros A..., S. A., com o NIPC ..., com sede social na Rua ..., ..., Lisboa.
Pede a condenação da ré no pagamento de:
a. - a título de danos não patrimoniais sofridos até à data um montante nunca inferior a€ 40.000,00;
b. - a título de dano biológico até à data a quantia de €40.000,00;
c. a título de dano estético a quantia de €20.000,00;
d. a título de danos não patrimoniais futuros a quantia de €50.000,00.
Alega para o efeito o atropelamento por veículo segurado na ré, numa passadeira e com sinal verde para os peões.
Caracteriza de seguida os danos que entende deverem ser indemnizados
No mais impugna, considerando exagerados os valores pedidos.
A B... Cª de Seguros deduziu intervenção principal provocada, visando obter a condenação da Ré em valores que, no âmbito da responsabilidade por acidente de trabalho, pagou à A.
Foi admitida a intervenção, tendo a R. contestado, tendo ocorrido posteriormente ampliação do pedido, o qual foi deferido.
Foi proferido despacho saneador nele se identificando o objeto do litígio e fixando-se os temas de prova.
Agendada e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se a final:
«Tudo ponderado, nos termos expostos e ao abrigo das disposições legais acima referidas, julgo a acção interposta pela autora AA, parcialmente procedente, bem como julgo totalmente procedente o pedido formulado pela interveniente espontânea B... – Companhia de Seguros SA, e, consequentemente, decido condenar a ré, Companhia de Seguros A... SA, nos seguintes pedidos:
A- Condenar a ré a pagar à autora AA, a quantia global de 100.000,00€ (cem mil euros, sendo 50 mil euros a título de danos patrimonial, dano biológico, e 50 mil euros a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até pagamento;
B- Condenar a mesma ré a pagar à interveniente B... – Companhia de Seguros SA, a quantia global de 51.081,07€ (cinquenta e um mil e oitenta e um euros e sete cêntimos), quantia esta também acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a citação/notificação e até integral pagamento (juros contados desde a citação e desde a notificação de cada uma das quantias que foi sendo ampliada);
C- Absolvendo a ré dos demais pedidos formulados pela autora.»
1. Considerando:
a. Os concretos factos alegados pelas partes, especialmente nos artigos 17.º a 19.º do requerimento de intervenção principal espontânea de 20/05/2021, artigo 4.º da ampliação do pedido de 01/04/2024 e artigo 2.º da ampliação do pedido de 02/10/2024
b. as questões apresentadas nos articulados incluindo quanto à necessidade de dedução das quantias pagas à A. a título de pensão ao dano biológico na vertente patrimonial - artigos 13.º e 14.º da Contestação da Recorrente; e
c. a prova testemunhal e documental produzida, com especial atenção no depoimento da testemunha BB, nas tranches supra identificadas;
Sempre se dirá que devem os factos provados 12 e 27 ser objeto de ampliação, nos termos seguintes (realçados com vista a uma melhor perceção da matéria cujo aditamento se peticiona:
12- Em consequência da referida incapacidade parcial permanente de 26,88% fixada para o trabalho, e dos vencimentos pagos pela entidade empregadora, a autora recebe uma pensão anual e vitalícia no montante de Eur. 3.648,72, paga em duodécimos e anualmente atualizável, tendo pago entre 16 de dezembro de 2016 e 31 de outubro de 2024 o montante global de Eur. 30.487,13 a esse título;
27- Na sequência do processo especial por acidente de trabalho acima referido e em consequência da sentença aí proferida e transitada em julgado, a interveniente B... – Companhia de Seguros, pagou à autora, até ao momento, a quantia global de 51.081,07 euros, tendo pago, discriminadamente, os seguintes montantes:
n. Eur. 16.783,19 a título de pensões vencidas entre 16 de dezembro de 2016 e 31 de maio de 2021;
o. Eur. 4.338,58 a título de ajuda de terceira pessoa;
p. Eur. 911,59 a título de despesas com ambulatório;
q. Eur. 70,00 a título de despesas com EAD-TAC;
r. Eur. 9.192,16 a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta;
s. Eur. 919,21 a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Parcial de 40%;
t. Eur. 287,92 a título de despesas com juros;
u. Eur. 1.589,50 a título de despesas com medicina física e de reabilitação;
v. Eur. 1.040,73 a título de despesas com subsídios;
w. Eur. 5,25 a título de despesas com transporte próprios;
x. Eur. 2.239,00 a título de despesas com transporte de táxi;
y. Eur. 11.171,14 a título de pensões pagas entre 01 de junho de 2021 e 31 de março de 2024;
z. Eur. 2.532,80 a título de pensões pagas entre 01 de abril de 2024 e 31 de outubro de 2024.
3. Destarte, recorrendo a juízos de equidade e à jurisprudência em casos similares, deve ser fixada uma indemnização pelos danos não patrimoniais em valor não superior a Eur 25.000,00, quantia adequada e ajustada ao caso concreto.
6. Como é consabido, a teoria da diferença aponta para o conceito abstracto (objectivo) de dano, que considera que a reparação perfeita é em espécie (“in natura”) ou de reintegração, tendo a indemnização em dinheiro carácter subsidiário, por haver conversão da obrigação de reparar em obrigação pecuniária.
7. A medida a ser utilizada pela teoria da diferença é fixada pelo artigo 566.º n.º 2 do Código Civil, de onde resulta que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
8. Quanto a um dano patrimonial, impõe-se a prova do património do lesado e a análise da sua diferença provocada pela incapacidade permanente, sendo que quanto aos danos futuros, em caso de indeterminabilidade, resta o recurso ao artigo 566.º n.º 3 do Código Civil, ou seja, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
9. Levanta a Recorrente a seguinte hipótese académica: em casos em que existe um acidente de viação em que o sinistrado sofre um dano corporal permanente, o mesmo afeta a sua capacidade laboral, mas o sinistro não é simultaneamente um acidente de trabalho, não é o sinistrado indemnizado na íntegra pelos Tribunais Civis? Existe uma tranche indemnizatória de dano futuro em que, nesses casos, os sinistrados encontram-se a ser prejudicados quanto ao dano futuro por via da sua perda de capacidade de ganho?
10. É que note-se que, seja ou não um acidente de trabalho, no âmbito civil os Tribunais encontram-se adstritos a um dever de análise do dano patrimonial futuro dos lesados como um todo.
11. Sendo a indemnização no âmbito civil analisada como um todo, é forçoso concluir que quando sejam fixadas indemnizações quanto ao mesmo acidente, no âmbito de outras normas legais, necessariamente estarão a ser considerados os mesmos danos.
12. Quanto a análise da pensão de acidentes de trabalho e a análise da sua cumulação com a indemnização civilística, vejam-se os acórdão com tranches supra transcritos e infra identificados, todos disponíveis in www.dgsi.pt:
a) o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2016, por unanimidade, no processo 1255/07.5TTCBR-A.C1.S1;
b) o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 18/04/2017, no processo 461/13.8TBPVZ.P1;
c) o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 08 de junho de 2022, no processo n.º 2044/18.7T8OAZ-B.P1.
13. O facto de o sinistro ser ou não um acidente de trabalho jamais poderá ser fundamento para que um sinistrado não aufira uma indemnização civilística de forma plena, e, por outro lado, o facto de o acidente civilístico ser também um acidente de trabalho, tal não gera qualquer dano adicional na esfera jurídica do lesado.
14. Efetivamente, as indemnizações fixadas a nível laboral e civil não são cumuláveis, e quanto à sua complementaridade impõe-se que sejam analisadas sobreposições, de modo a evitar um qualquer enriquecimento ilegítimo.
15. Assim, com o devido respeito por opinião contrária, sempre se dirá que não devem as indemnizações serem consideradas como cumuláveis, e a sua complementaridade deve ser analisada de forma a que o dano seja indemnizado como um todo, uma vez que a sua fixação autónoma e independente sempre levaria à duplicação da indemnização quanto a um mesmo dano, de forma total ou parcial.
16. No caso concreto, a Recorrida não se encontra numa situação em que tem um dano a 100% na sua esfera patrimonial, uma vez que já recebeu pelo menos o montante identificado no ponto 12 da matéria de facto dada como provada, na versão cuja alteração se peticiona, bem como continuará a receber uma pensão vitalícia referente ao mesmo dano.
17. Assim, considera a Recorrente que o Tribunal que fixa uma indemnização com o conhecimento prévio de uma indemnização já fixada, tem a responsabilidade de criar as condições necessárias para evitar que a sua decisão não crie uma situação de enriquecimento sem causa.
18. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 562.º do Código Civil.
19. Considerando os montantes já recebidos e a receber pela Recorrida, é manifesto que a mesma será integralmente ressarcida na sua esfera patrimonial através da pensão referida no ponto 12 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, pensão fixada de forma prévia à decisão proferida pelo Tribunal a quo, razão pela qual deve a indemnização fixada pelo Tribunal Civil ser compensada pela mesma e reduzida em conformidade, considerando o valor que venha a ser fixado a título de dano biológico na vertente patrimonial, considerando a alteração supra peticionada quanto a essa tranche indemnizatória.
20. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
a) Considerando que a sentença recorrida foi notificada no dia 14-10-2024, e não incidindo o recurso interposto pela Ré verdadeira e efetivamente sobre reapreciação de prova gravada, porquanto a factualidade colocada em evidência está demonstrada por documento, não carecendo de prova testemunhal, o recurso interposto a 25-11-2024 é manifestamente intempestivo, não podendo aproveitar a extensão do prazo de 10 dias previsto no artigo 638º, nº 1 e 7, do Código de Processo Civil, pelo que deve o mesmo ser liminarmente indeferido, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 641º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Sem prejuízo do que antecede, quanto ao recurso subordinado:
b) A sentença recorrida violou o princípio da reparação integral, ao não autonomizar as diferentes categorias de danos peticionadas pela Autora, ora Recorrente, designadamente:
- Danos não patrimoniais sofridos até à data da propositura da ação;
- Dano biológico sofrido até à data da propositura da ação;
- Dano estético; e
- Danos não patrimoniais futuros.
c) Os danos não patrimoniais sofridos até à data da propositura da ação e os danos não patrimoniais futuros têm fundamentos, gravidade e projeções temporais distintas, pelo que devem ser tratados como categorias autónomas de danos não patrimoniais, em conformidade com o disposto nos artigos 496º, nº 1, e 562º do Código Civil, e com a jurisprudência dos tribunais superiores, acima referenciada.
d) O dano biológico constitui uma categoria autónoma de dano patrimonial, que se distingue de outros danos nãopatrimoniais e deve ser indemnizado especificadamente, não se fundindo com a categoria do dano estético.
e) De igual modo, o dano estético tem sido reconhecido pelos tribunais superiores portugueses como uma categoria autónoma de dano, em face do impacto direto na imagem e na dignidade da pessoa, apresentando repercussões no plano pessoal e social que exigem tratamento autónomo e reparação adequada.
f) A fusão dos danos não patrimoniais sofridos até à data da propositura da ação com os danos não patrimoniais após a propositura da ação e futuros adotada pela sentença recorrida resulta na desconsideração da especificidade de cada categoria de dano, violando o artigo 562º do Código Civil e o princípio da reparação integral dos danos sofridos pelo lesado.
g) A Autora, ora Recorrente, peticionou, de forma clara e fundamentada, as quantias de:
- € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos até à data da propositura da ação;
- € 40.000,00, a título de dano biológico sofrido até à data da propositura da ação;
- € 20.000,00, a título de dano estético; e
- € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais futuros (incluindo os sofridos após a propositura da ação).
h) Os valores peticionados são proporcionais e ajustados à gravidade e à extensão dos danos sofridos pela Autora, aqui Recorrente, em consonância com a matéria de facto dada como provada, designadamente os factos 1 a 8, 13 a 25, com realce, além do mais, para o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 13 pontos, o quantum doloris fixado no grau 4/7, o dano estético permanente fixado em grau 3/7 e as consequências permanentes na qualidade de vida da Autora, em linha com a matéria factual referida nos artigos 1º a 9º, 19º, 22º a 55º e 57º da petição inicial.
i) A sentença recorrida violou os artigos 483º, 496º, 562º e 564º do Código Civil, bem como os princípios da equidade e da adequação na fixação da indemnização por responsabilidade civil extracontratual, pelo que deve a Ré seguradora ser responsabilizada também com base no disposto nos artigos n.º 483.º, 487.º, 496.º, nº 1, 2 e 4, 495º, nº 3, 500º, nº 1 e 2, 562º, 563º, 564º, nº 1 e 2, e 566º do Código Civil, e artigos 4º, nº 1, 15º, nº 1, 6º, nº 1, 11, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto, alterado pelo Decreto-lei nº 153/2008, de 6 de agosto (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel).
Termina:
Termos em que, e nos mais de Direito a suprir superiormente por V. Exas., deve o presente recurso subordinado ser julgado integralmente procedente e, nessa sequência, ser a Ré condenada a pagar à Autora, aqui Recorrente, a quantia global de € 150.000,00, sendo:
A) a título de danos não patrimoniais sofridos até à data da propositura da ação (em 2020) o montante de € 40.000,00;
B) a título de dano biológico até à data da propositura da ação a quantia de € 40.000,00;
C) a título de dano estético a quantia de € 20.000,00;
D) a título de danos não patrimoniais futuros a quantia de € 50.000,00.
«Por estar em tempo, ter legitimidade para o efeito e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pela ré, bem como, por também legal e tempestivo, admito o recurso subordinado da autora, recursos que são de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 627; 629 nº 1; 631 nº 1; 633; 637; 638 nº 1 e nº 7; 639; 644 nº 1 al. a); 645 nº 1 al. a); e 647 nº 1; todos do Código de Processo Civil).
Com efeito, como alega a autora/recorrida, os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto (art. 637 do Código de Processo Civil).
Porém, apenas é obrigatório juntar com o requerimento de interposição do recurso, as respectivas alegações (nº 2 do mesmo preceito legal), sendo que a falta ou errada indicação do tipo de recurso apenas tem como consequência a sua correcção, mas não o seu imediato indeferimento (art. 652 nº 1 al. a) do Código de Processo Civil).
O mesmo se diga relativamente à tempestividade do recurso.
Nos termos do art. 638 nº 1 e 7 do Código de Processo Civil, da sentença cabe recurso de apelação, a interpor no prazo de 30 dias, a que acrescem 10 dias, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova.
Nas suas alegações de recurso, a ré invoca factos que considera incorrectamente julgados, o que, em nosso entendimento, é quanto basta para que esta primeira instância considere que o recurso tem por objecto a reapreciação da prova, nos termos do disposto no art. 640 do Código de Processo Civil (sem prejuízo, obviamente, de assim não vir a ser considerado pelo tribunal de recurso).
Remetam-se os autos ao Tribunal da Relação do Porto.»
O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:
1- No dia 16 de Dezembro de 2015, pelas 9.50 horas, a autora AA, foi vítima de atropelamento por veículo automóvel, na cidade do Porto;
2- Com efeito, quando atravessava a passadeira com sinal verde para peões, ao cimo da Rua ... no cruzamento com a Rua ..., a autora sofreu um embate causado por um veículo automóvel que surgiu pelo seu lado direito, atingindo os seus membros inferiores e provocando-lhe imediata queda no solo (cfr. participação de acidente elaborada pela PSP junto aos autos como doc. nº 1 da petição inicial;
3- O veículo automóvel com matrícula ..-IL-.., Furgão de marca IVECO, modelo ..., que estava na posse da empresa de transportes "C... Lda." e era conduzido por CC, motorista profissional e seu trabalhador, provinha da Rua ..., no cruzamento com a Rua ..., com perfeita visibilidade e com o piso em bom estado e com o tempo seco;
4- Tendo o seu condutor virado à esquerda com sinal verde para os veículos, mas totalmente desatento e sem o cuidado de respeitar a circunstância de o semáforo na Rua ... se encontrar, naquele momento, com sinal verde para peões que ali atravessavam a rua na passadeira, vindo a atingir a autora, prostrando-a no piso de paralelepípedo em granito;
5- Mediante o embate e as lesões sofridas, foi accionada a emergência médica e providenciado transporte imediato da autora para o Hospital ..., no Porto, onde foi alvo de exames de diagnóstico (diversos Raios X e análises clínicas), mediante queixas dirigidas especialmente a “ambos os membros inferiores” (doc. nº 2 junto com a petição inicial);
6- No dia seguinte, autora foi submetida a intervenção cirúrgica a fractura nos pratos tibiais externos do membro inferior esquerdo, com osteossíntese com placa (doc. nº 2 junto com a petição inicial);
7- No dia 19.12.2015, aquando do internamento subsequente, mediante uma dor muito forte que persistia no joelho direito, foi chamado médico-ortopedista que assinalou “Chamada por gonalgia direita” e detetou “Dor à palpação do LLI [ligamento lateral interno] no seu trajecto”, pedindo raio X (doc. junto com a petição inicial);
8- A autora esteve internada no Hospital ... até 21.12.2015 (docs. 2 e 4 juntos com a petição inicial);
9- Em virtude de, no momento do acidente de viação, a sinistrada se encontrar a caminho do seu local de trabalho, sito no D..., na Rua ..., no Porto, o sinistro foi qualificado também como acidente de trabalho, pelo que a autora teve acompanhamento clínico subsequente no Hospital 1..., no Porto, a cargo da seguradora B..., para a qual, mediante a apólice n.º ..., a sua entidade empregadora (D... S. A.) tinha transferido a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho;
10- Na sequência de tratamentos e sessões de fisioterapia nos serviços clínicos do Hospital 1..., a A. recebeu declaração de alta no dia 16.12.2016;
11- No processo especial de acidente de trabalho com o n.º 23458/16.1T8PRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 1, ficou fixada à autora uma IPP para a actividade laboral de 26,88%, em adesão ao laudo do perito de Medicina Legal (docs. 5 e 6 juntos com a petição inicial);
12- Em consequência da referida incapacidade parcial permanente de 26,88% fixada para o trabalho, e dos vencimentos pagos pela entidade empregadora, a autora recebe uma pensão anual, paga em duodécimos (docs. 7 e 8 juntos com a petição inicial;
13- Em virtude do acidente de viação acima relatado, resultaram para a autora as lesões e consequências melhor descritas no relatório do INML junto aos autos, datado de 28.09.2023, que aqui se considera por integrado nos seus dizeres e que assim conclui:
“− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/10/2016.
− Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 6 dias
− Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 310 dias
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 301.
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável em 15 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 4/7.
− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos.
− As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares
− Dano Estético Permanente fixável no grau 3/7.
− Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7.
− Ajudas técnicas permanentes: ajudas técnicas - auxiliar de marcha.”
14- Posteriormente, em esclarecimentos solicitados, o INML, em “aditamento” de 29.02.2024, admitiu
“dano sequelar em ambos os joelhos, com limitação da flexão do joelho esquerdo e instabilidade anterior e posterior do joelho direito.
Tendo em conta o atrás exposto, os médicos peritos mantêm o parecer de que a Examinada necessita de um auxiliar da marcha”;
15- Em consequência do sinistro, a autora sofreu danos não patrimoniais, sofrendo ainda hoje de sequelas permanentes, quer do ponto de vista físico/biológico, quer do ponto de vista psicológico/moral;
16- A autora tinha, à data do acidente, 54 anos, porquanto nasceu a ..-..-1961;
17- Sentia-se bem consigo própria, era uma pessoa bem-disposta, com alegria de viver e com saúde;
18- Exercia a profissão de técnica administrativa na sociedade D... S. A., grupo proprietário de diversos títulos de comunicação social, gostando muito que fazia;
19- Apesar de divorciada e de viver sozinha, mantinha vida social, convivendo com amigos;
20- Tudo mudou após o acidente, passando a autora a sofrer de dores/incómodos permanentes;
21- Coisas simples como estar de pé, imprescindível, por exemplo, para quem cozinha ou trata das diversas lides domésticas, o que lhe tem exigido um significativo esforço acrescido e obrigado a andar constantemente de canadiana e/ou a solicitar ajuda de terceiros, de forma a atenuar as dificuldades que passou a sentir na respectiva execução;
22- No momento do acidente, imediatamente após, durante o internamento, no regresso a casa e tentativa de adaptação à incapacidade, durante os tratamentos subsequentes de fisioterapia e mesmo depois da alta médica e regresso ao trabalho, a autora tem atravessado períodos de sofrimento e instabilidade emocional;
23- Quando sofreu o embate e após o mesmo, durante a assistência que lhe foi dada, a autora receou pela sua própria vida;
24- Sofreu dores durante o acidente, após o mesmo, bem como nos tratamentos a que foi submetida, tendo necessitado e continuando a necessitar de tomar medicação, incluindo analgésica;
25- Antes do acidente, a autora era vista como uma pessoa saudável, independente, bem-disposta, com alegria de viver, vendo-se obrigada a alterar por completo as rotinas diárias e sociais anteriores ao acidente, deixando de se deslocar com frequência a estabelecimentos comerciais, como ir a estabelecimentos de diversão ou sair para caminhadas, sendo que, a nível profissional, a carreira da autora também resultou afectada, na medida em que obrigou a esforços físicos acrescidos em deslocações, limitando a sua progressão na carreira profissional;
26- Antes do acidente, no ano de 2015, a autora auferia o montante anual ilíquido de €17.840,35 a título de rendimentos do trabalho (doc. 14 junto com a petição inicial);
27- Na sequência do processo especial por acidente de trabalho acima referido e em consequência da sentença aí proferida e transitada em julgado, a interveniente B... – Companhia de Seguros, pagou à autora, até ao momento, a quantia global de 51.081,07 euros (docs. juntos aos autos, incluindo os juntos pela interveniente com os seus requerimentos de ampliação do pedido).
Que a autora tivesse contratado terceira pessoa para apoio doméstico em consequência do acidente.
É consabido que resulta dos art.635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[1], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar as seguintes questões:
a. questão prévia: tempestividade do recurso da Companhia de Seguros A..., S. A.
Do recurso da Companhia de Seguros A..., S.A.
b. Impugnação dos factos constantes dos pontos 12 e 27 dos dados como assentes.
c. Matéria de direito
c.1. do valor fixado a título de danos não patrimoniais – €25.000,00[2];
c.2. do valor fixado a título de dano biológico - €30.000,00;
c.3.da cumulação indevida da indemnização fixada a título de danos futuros com a indemnização paga pela seguradora interveniente a título de pensão por incapacidade em decorrência do acidente em causa ser também acidente de trabalho.
Do recurso da AA.
c.4.. da autonomização da indemnização pelo dano biológico e dimensão da mesma: de €40.000,00;
c.5. da autonomização da indemnização pelo dano estético: €20.000,00;
c.6. da autonomização dos danos não patrimoniais até à propositura da acção (€40.000,00) e dos futuros (€50.000,00).
A A. levanta a questão epigrafada por entender que a impugnação da matéria de facto produzida pela R., assim beneficiando do prazo acrescido de 10 dias a que se refere o art.638.º, n.º 7, do CPC, visou contornar o prazo peremptório de 30 dias para o recurso.
Funda tal conclusão na circunstância do depoimento testemunhal utilizado invocada pela R. ser inócuo, nessa medida não existindo verdadeira e efectiva reapreciação da prova gravada.
Assim desconsiderado os referidos 10 dias, o prazo para recurso cessou no dia 13.11.24, entendendo intempestivo o recurso da R.
Vejamos.
Decorre do recurso da R. Cª de seguros que impugna os factos 12 e 27, pretendendo que sejam «completados».
Para o efeito apoia-se em documentos invocados pelo tribunal na sua fundamentação e num depoimento testemunhal gravado.
Nos termos do art. 638.º, nº 1 e 7, do Código de Processo Civil, da sentença cabe recurso de apelação, a interpor no prazo de 30 dias, a que acrescem 10 dias, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova.
De facto, sendo ou não expediente, sendo ou não necessário, o depoimento da testemunha indicada na peça recursória, foi de facto utilizada com vista a para tutelar o que se pretende, ou seja, completar os citados factos impugnados.
Acompanhando o recurso do STJ de 14.9.21 (proc.18853/17.1) diremos:
«Refere Abrantes Geraldes na sua obra Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 172, que «o recorrente apenas poderá beneficiar daquele prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efectivamente a impugnação da decisão da matéria de facto, tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art. 640º, nº2, al. a), independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respectivo mérito».
No Ac. do STJ de 28-04-2016, Proc. 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relatado também por Abrantes Geraldes, publicado em www.dgsi.pt, considerou-se que: «Para os casos em que o recurso de apelação tenha por objecto a decisão da matéria de facto, implicando a reapreciação de meios de prova oralmente produzidos e que tenham sido gravados a lei concede ao recorrente um prazo adicional de 10 dias, nos termos do art. 638º, nº 7, do CPC.
Constitui uma medida de fácil compreensão e que tem como justificação as maiores dificuldades inerentes ao cumprimento do ónus de apresentação de alegações, o que implica necessariamente com o conteúdo de gravações que foram realizadas e a que a parte terá de aceder.
Resulta claro do preceito que a aplicabilidade da extensão temporal não se basta com o facto de terem sido produzidos oralmente meios de prova na audiência de julgamento, sendo imprescindível que a impugnação da decisão da matéria de facto (relativamente a todos ou alguns dos pontos impugnados) implique, de algum modo, a valoração desses meios de prova. Aliás, não é suficiente que os depoimentos gravados tenham interferido potencialmente na formação da convicção, sendo necessário que o recorrente efectivamente se sirva do teor de depoimentos ou declarações prestadas e gravados para sustentar, perante a Relação, a modificação da decisão da matéria de facto.
É isto - e só isto - o que decorre do art. 638º, nº 7, do CPC, sendo inconcebível uma outra interpretação que, sem o menor respeito pelas regras de interpretação, acabe por redundar na negação da apreciação do mérito da apelação procurado pelos recorrentes.
Repare-se que no sistema que vigora desde a Reforma do regime dos recursos de 2007, em que as alegações são apresentadas conjuntamente com o requerimento de interposição de recurso, nem sequer existe a possibilidade de a parte pré-anunciar que pretende impugnar a decisão da matéria de facto. Por isso, após ser proferida e notificada a sentença, há que aguardar pelo decurso do prazo de 30 dias, a que acrescerão 10 dias se acaso existir a possibilidade de a sentença ser impugnada também no que concerne à decisão da matéria de facto sustentada em prova gravada.
Assim aconteceu no caso concreto.
Tendo o recurso sido apresentado dentro do prazo acrescido, a sua tempestividade ficou unicamente dependente da inserção nas respectivas alegações de um segmento em que, independentemente do seu mérito, seja efectivamente impugnada uma parte da decisão da matéria de facto com sustentação em prova gravada.»
Pelo que ficou dito estão reunidas as condições para a R. recorrente beneficiar do prazo adicional de 10 dias, assim sendo tempestivo o recurso que interpôs.
b. Impugnação dos factos constantes dos pontos 12 e 27 dos dados como assentes – Conclusão 1.
Antes de mais, importa algum enquadramento em que termos se deve laborar na impugnação da matéria de facto e os moldes em que a mesma é atendível, tudo apesar da simplicidade da mesma no caso vertente.
Acompanhando o que se afirmou no acórdão da Relação do Porto de 5.12.24 e proferido no processo 245/22.2T8PRD-C.P1[3], diremos:
«O presente recurso versa sobre o sentido da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida.
Os termos em que a Relação pode conhecer da matéria de facto impugnada em sede de recurso constam, no essencial, do art.º 662.º do Código de Processo Civil.
De acordo com o disposto no n.º 1 deste preceito, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, nos termos do n.º 2, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) ordenar a renovação da produção da prova quando houve dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) anular a decisão proferida na 1.ª Instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração proferida sobre a decisão da matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) determintar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1º instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Da leitura de tais dispositivos legais resulta que à Relação é, em sede de recurso em que esteja em causa a impugnação da matéria de facto, conferido um grau de autonomia especialmente relevante.
Na realidade, se, confrontada com a prova globalmente produzida, o seu juízo decisório for diverso do da 1.ª Instância, à Relação incumbe hoje, não a faculdade ou a simples possibilidade, mas um verdadeiro dever de introduzir as alterações que tenha por convenientes ou acertadas.
Por outro lado, se, confrontada com essa mesma prova, reputá-la insuficiente ou mesmo inconsistente, deverá, mesmo sem impulso das partes nesse sentido, o mesmo é dizer oficiosamente, ordenar a renovação de prova já produzida ou mesmo a produção de novos meios de prova.
Em sede de reapreciação da matéria de facto, cabe à Relação, por conseguinte, formar a sua própria convicção quanto à prova produzida, convicção essa que, caso divirja da firmada em 1.ª instância, prevalecerá sobre esta.
Ou seja, e como refere António Santos Abrantes Geraldes, a Relação atua nesta sede com “autonomia decisória” e “como verdadeiro tribunal de instância”, ao qual compete “introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal” (in Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, p. 334).
A posição que a Relação deve adotar quando confrontada com um recurso em matéria de facto deve, pois, ser a mesma da 1.ª Instância aquando da apreciação da prova após o julgamento, valendo para ambos o princípio da livre apreciação da prova, conforme resulta, aliás, do disposto nos art. ºs 607.º, n.º 5 e 663.º, n.º 2 do CPC.
O mesmo é dizer, com Remédio Marques, que a “Relação tem o poder-dever de formar a sua convicção própria sobre a prova produzida e sobre a correção do julgamento da matéria de facto, não se devendo escusar a fazê-lo com base no princípio da livre convicção do julgador da 1.ª instância” (in Acção declarativa à luz do Código revisto, p. 637-638, apud José Lebre de Feitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, p. 172).
Só assim se garantirá, de resto, a efetiva sindicância, por parte da Relação, do julgamento da matéria de facto levado a cabo em 1.ª instância e, com isso, o princípio fundamental do duplo grau de jurisdição (v., neste sentido, e entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2013, de 26-05-2021 e de 04-11-2021, todos disponíveis na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
A autonomia decisória com que a Relação deve encarar a reapreciação da matéria de facto não pode implicar, contudo, a consideração genérica e indiscriminada de todos os factos e meios de prova já tidos em conta pela 1.ª Instância, como se aquela reapreciação impusesse a realização de um novo julgamento.
Dispõe, com efeito, o art.º 640.º, n.º 1 do CPC que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
.- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (alínea a);
.- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (alínea b);
.- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c).
Por outro lado, de acordo com a alínea a) do n.º 2, sempre que os meios de prova que, nos termos da alínea b) do n.º 1 devem ser especificados, tenham sido gravados, incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Resulta de tais normativos legais que sobre o recorrente que pretenda ver sindicado pela Relação o julgamento da matéria de facto feito em 1.ª instância recai o ónus de, não só circunscrever e delimitar a concreta matéria de facto de cujo julgamento discorda, como o de enunciar os meios de prova que deveriam ter conduzido a decisão diversa - apontando, neste caso, em se tratando de depoimentos gravados, as passagens da gravação ou procedendo à transcrição dos excertos relevantes - e, ainda, o de indicar o sentido da decisão que, na sua perspetiva, deve ser proferida.
O sistema adotado pelo legislador quanto ao julgamento da matéria de facto pela Relação, ao invés de uma solução pautada pela simples “repetição dos julgamentos” e “pela admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto”, consiste, pois, num sistema caracterizado “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, como corolário do “princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objeto do recurso (da matéria de facto) através das alegações” (v., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 195 e 341).
Isto, aliás, com reflexos na aferição da própria admissibilidade do recurso em matéria de facto, já que, como decorre expressamente do corpo do preceito que acaba de ser transcrito, o ónus que recai sobre o recorrente deve ser cumprido sob pena de rejeição do próprio recurso.
Do sistema assim concebido pelo legislador podemos entrever, em suma, e como se referiu no Acórdão do STJ de 29-10-2015, um “ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação”, bem como de “um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes” (sublinhados nossos; Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
Sublinhe-se, ainda, que com a impugnação da decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância pretende-se, passe a redundância, alterar o julgamento feito quanto aos factos que, por via da impugnação, se reputam mal julgados.
Isto, contudo, não como fim em si mesmo, mas como meio ou instrumento de, mediante a alteração do julgamento dos factos impugnados, se poder concluir que - afinal - existe o direito que em 1.ª instância não foi reconhecido ou, pelo contrário, que não existe o direito que o foi; o mesmo é dizer, como meio de provocar um diverso enquadramento jurídico dos factos do levado a cabo em 1.ª instância e, com isso, obter uma decisão diversa da nele proferida quanto ao fundo da causa.
A impugnação da decisão da matéria de facto tem, por conseguinte, como referido no Acórdão da Relação de Guimarães de 15-12-2016, “carácter instrumental”, “não se justifica(ndo) a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo um carácter instrumental face à mesma” (Acórdão proferido no processo n.º 86/14.0T8AMR.G1, disponível na internet, no local já antes citado).
O seu fim último é, assim, como também referido no Acórdão da Relação de Coimbra de 24-04-2012, naquele citado, “conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada”, não com esse único intuito, mas sim “de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante”.
Por este motivo, o tribunal de recurso não deve conhecer a impugnação da matéria de facto sempre que, como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 27-05-2014, também citado naqueloutro, “o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (sublinhado nosso).»
A benefício da decisão que se impõe, importa também afirmar o seguinte, transcrevendo o escrito no Ac. da Relação de Guimarães de 2.11.27[4]:
«(…) o âmbito de apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
Pretende a R. provados os factos 12 e 27 nos termos seguintes[5]:
12- Em consequência da referida incapacidade parcial permanente de 26,88% fixada para o trabalho, e dos vencimentos pagos pela entidade empregadora, a autora recebe uma pensão anual e vitalícia no montante de Eur. 3.648,72, paga em duodécimos e anualmente atualizável, tendo pago entre 16 de dezembro de 2016 e 31 de outubro de 2024 o montante global de Eur. 30.487,13 a esse título;
27- Na sequência do processo especial por acidente de trabalho acima referido e em consequência da sentença aí proferida e transitada em julgado, a interveniente B... – Companhia de Seguros, pagou à autora, até ao momento, a quantia global de 51.081,07 euros, tendo pago, discriminadamente, os seguintes montantes:
a. Eur. 16.783,19 a título de pensões vencidas entre 16 de dezembro de 2016 e 31 de maio de 2021;
b. Eur. 4.338,58 a título de ajuda de terceira pessoa;
c. Eur. 911,59 a título de despesas com ambulatório;
d. Eur. 70,00 a título de despesas com EAD-TAC;
e. Eur. 9.192,16 a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta;
f. Eur. 919,21 a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Parcial de 40%;
g. Eur. 287,92 a título de despesas com juros;
h. Eur. 1.589,50 a título de despesas com medicina física e de reabilitação
i. Eur. 1.040,73 a título de despesas com subsídios;
j. Eur. 5,25 a título de despesas com transporte próprios;
k. Eur. 2.239,00 a título de despesas com transporte de táxi;
l. Eur. 11.171,14 a título de pensões pagas entre 01 de junho de 2021 e 31 de março de 2024;
m. Eur. 2.532,80 a título de pensões pagas entre 01 de abril de 2024 e 31 de outubro de 2024.
O Tribunal a quo considerou provado:
12- Em consequência da referida incapacidade parcial permanente de 26,88% fixada para o trabalho, e dos vencimentos pagos pela entidade empregadora, a autora recebe uma pensão anual, paga em duodécimos (docs. 7 e 8 juntos com a petição inicial;
27- Na sequência do processo especial por acidente de trabalho acima referido e em consequência da sentença aí proferida e transitada em julgado, a interveniente B... – Companhia de Seguros, pagou à autora, até ao momento, a quantia global de 51.081,07 euros (docs. juntos aos autos, incluindo os juntos pela interveniente com os seus requerimentos de ampliação do pedido).
Convoca a R. para completar estes factos nos termos que propõe os documentos considerados pelo tribunal a quo e o depoimento da testemunha BB, funcionário de seguros da interveniente, que confirmou os documentos juntos por esta.
Relevado tais documentos, confirmados pela citada testemunha, outrossim inexistente oposição da apelada, defere-se a pretendida completação e nos termos propostos.
Destarte é a seguinte a matéria de facto a relevar na apreciação do remanescente recurso:
1- No dia 16 de Dezembro de 2015, pelas 9.50 horas, a autora AA, foi vítima de atropelamento por veículo automóvel, na cidade do Porto;
2- Com efeito, quando atravessava a passadeira com sinal verde para peões, ao cimo da Rua ... no cruzamento com a Rua ..., a autora sofreu um embate causado por um veículo automóvel que surgiu pelo seu lado direito, atingindo os seus membros inferiores e provocando-lhe imediata queda no solo (cfr. participação de acidente elaborada pela PSP junto aos autos como doc. nº 1 da petição inicial;
3- O veículo automóvel com matrícula ..-IL-.., Furgão de marca IVECO, modelo ..., que estava na posse da empresa de transportes "C... Lda." e era conduzido por CC, motorista profissional e seu trabalhador, provinha da Rua ..., no cruzamento com a Rua ..., com perfeita visibilidade e com o piso em bom estado e com o tempo seco;
4- Tendo o seu condutor virado à esquerda com sinal verde para os veículos, mas totalmente desatento e sem o cuidado de respeitar a circunstância de o semáforo na Rua ... se encontrar, naquele momento, com sinal verde para peões que ali atravessavam a rua na passadeira, vindo a atingir a autora, prostrando-a no piso de paralelepípedo em granito;
5- Mediante o embate e as lesões sofridas, foi accionada a emergência médica e providenciado transporte imediato da autora para o Hospital ..., no Porto, onde foi alvo de exames de diagnóstico (diversos Raios X e análises clínicas), mediante queixas dirigidas especialmente a “ambos os membros inferiores” (doc. nº 2 junto com a petição inicial);
6- No dia seguinte, autora foi submetida a intervenção cirúrgica a fractura nos pratos tibiais externos do membro inferior esquerdo, com osteossíntese com placa (doc. nº 2 junto com a petição inicial);
7- No dia 19.12.2015, aquando do internamento subsequente, mediante uma dor muito forte que persistia no joelho direito, foi chamado médico-ortopedista que assinalou “Chamada por gonalgia direita” e detetou “Dor à palpação do LLI [ligamento lateral interno] no seu trajecto”, pedindo raio X (doc. junto com a petição inicial);
8- A autora esteve internada no Hospital ... até 21.12.2015 (docs. 2 e 4 juntos com a petição inicial);
9- Em virtude de, no momento do acidente de viação, a sinistrada se encontrar a caminho do seu local de trabalho, sito no D..., na Rua ..., no Porto, o sinistro foi qualificado também como acidente de trabalho, pelo que a autora teve acompanhamento clínico subsequente no Hospital 1..., no Porto, a cargo da seguradora B..., para a qual, mediante a apólice n.º ..., a sua entidade empregadora (D... S. A.) tinha transferido a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho;
10- Na sequência de tratamentos e sessões de fisioterapia nos serviços clínicos do Hospital 1..., a A. recebeu declaração de alta no dia 16.12.2016;
11- No processo especial de acidente de trabalho com o n.º 23458/16.1T8PRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 1, ficou fixada à autora uma IPP para a actividade laboral de 26,88%, em adesão ao laudo do perito de Medicina Legal (docs. 5 e 6 juntos com a petição inicial);
12- Em consequência da referida incapacidade parcial permanente de 26,88% fixada para o trabalho, e dos vencimentos pagos pela entidade empregadora, a autora recebe uma pensão anual e vitalícia no montante de Eur. 3.648,72, paga em duodécimos e anualmente atualizável, tendo pago entre 16 de dezembro de 2016 e 31 de outubro de 2024 o montante global de Eur. 30.487,13 a esse título;
13- Em virtude do acidente de viação acima relatado, resultaram para a autora as lesões e consequências melhor descritas no relatório do INML junto aos autos, datado de 28.09.2023, que aqui se considera por integrado nos seus dizeres e que assim conclui:
“− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/10/2016.
− Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 6 dias
− Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 310 dias
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 301.
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável em 15 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 4/7.
− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos.
− As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares
− Dano Estético Permanente fixável no grau 3/7.
− Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7.
− Ajudas técnicas permanentes: ajudas técnicas - auxiliar de marcha.”
14- Posteriormente, em esclarecimentos solicitados, o INML, em “aditamento” de 29.02.2024, admitiu
“dano sequelar em ambos os joelhos, com limitação da flexão do joelho esquerdo e instabilidade anterior e posterior do joelho direito.
Tendo em conta o atrás exposto, os médicos peritos mantêm o parecer de que a Examinada necessita de um auxiliar da marcha”;
15- Em consequência do sinistro, a autora sofreu danos não patrimoniais, sofrendo ainda hoje de sequelas permanentes, quer do ponto de vista físico/biológico, quer do ponto de vista psicológico/moral;
16- A autora tinha, à data do acidente, 54 anos, porquanto nasceu a ..-..-1961;
17- Sentia-se bem consigo própria, era uma pessoa bem-disposta, com alegria de viver e com saúde;
18- Exercia a profissão de técnica administrativa na sociedade D... S. A., grupo proprietário de diversos títulos de comunicação social, gostando muito que fazia;
19- Apesar de divorciada e de viver sozinha, mantinha vida social, convivendo com amigos;
20- Tudo mudou após o acidente, passando a autora a sofrer de dores/incómodos permanentes;
21- Coisas simples como estar de pé, imprescindível, por exemplo, para quem cozinha ou trata das diversas lides domésticas, o que lhe tem exigido um significativo esforço acrescido e obrigado a andar constantemente de canadiana e/ou a solicitar ajuda de terceiros, de forma a atenuar as dificuldades que passou a sentir na respectiva execução;
22- No momento do acidente, imediatamente após, durante o internamento, no regresso a casa e tentativa de adaptação à incapacidade, durante os tratamentos subsequentes de fisioterapia e mesmo depois da alta médica e regresso ao trabalho, a autora tem atravessado períodos de sofrimento e instabilidade emocional;
23- Quando sofreu o embate e após o mesmo, durante a assistência que lhe foi dada, a autora receou pela sua própria vida;
24- Sofreu dores durante o acidente, após o mesmo, bem como nos tratamentos a que foi submetida, tendo necessitado e continuando a necessitar de tomar medicação, incluindo analgésica;
25- Antes do acidente, a autora era vista como uma pessoa saudável, independente, bem-disposta, com alegria de viver, vendo-se obrigada a alterar por completo as rotinas diárias e sociais anteriores ao acidente, deixando de se deslocar com frequência a estabelecimentos comerciais, como ir a estabelecimentos de diversão ou sair para caminhadas, sendo que, a nível profissional, a carreira da autora também resultou afectada, na medida em que obrigou a esforços físicos acrescidos em deslocações, limitando a sua progressão na carreira profissional;
26- Antes do acidente, no ano de 2015, a autora auferia o montante anual ilíquido de €17.840,35 a título de rendimentos do trabalho (doc. 14 junto com a petição inicial);
27- Na sequência do processo especial por acidente de trabalho acima referido e em consequência da sentença aí proferida e transitada em julgado, a interveniente B... – Companhia de Seguros, pagou à autora, até ao momento, a quantia global de 51.081,07 euros, tendo pago, discriminadamente, os seguintes montantes:
a. Eur. 16.783,19 a título de pensões vencidas entre 16 de dezembro de 2016 e 31 de maio de 2021;
b. Eur. 4.338,58 a título de ajuda de terceira pessoa;
c. Eur. 911,59 a título de despesas com ambulatório;
d. Eur. 70,00 a título de despesas com EAD-TAC;
e. Eur. 9.192,16 a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta;
f. Eur. 919,21 a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Parcial de 40%;
g. Eur. 287,92 a título de despesas com juros;
h. Eur. 1.589,50 a título de despesas com medicina física e de reabilitação
i. Eur. 1.040,73 a título de despesas com subsídios;
j. Eur. 5,25 a título de despesas com transporte próprios;
k. Eur. 2.239,00 a título de despesas com transporte de táxi;
l. Eur. 11.171,14 a título de pensões pagas entre 01 de junho de 2021 e 31 de março de 2024;
m. Eur. 2.532,80 a título de pensões pagas entre 01 de abril de 2024 e 31 de outubro de 2024.
A indemnização respeitará tanto aos danos patrimoniais - procurando-se colocar o lesado, na medida do possível, na situação que estaria se o acidente não tivesse ocorrido (teoria da diferença), computando-se a indemnização em dinheiro se a reconstituição in natura não for possível -, como aos danos não patrimoniais - Cfr. artº 562º, 564º, 566º e 496º, todos do Cód. Civil.
A reconstituição material é o fim da lei e consiste na remoção directa do dano real à custa do responsável visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens e dos direitos sobre estes.
Todavia, nem sempre a reconstituição material é opção ou é possível[6]. Quando tal sucede há que substituí-la por indemnização em dinheiro tal como se dispõe no artº566 nº1 do C.C..
O caso dos autos, em nenhum dos seus segmentos indemnizatórios agora postos em crise, se optou por essa possibilidade (impossível, de resto, quanto ao danos não patrimoniais), donde ter-se quantificado a indemnização substitutiva.
c.1. do valor fixado a título de danos não patrimoniais: €25.000,00 - conclusões 1, 2 e 3.
Do recurso da A.
c.5. da autonomização da indemnização pelo dano estético: €20.000,00 - conclusão e) e g).
c.6. da autonomização dos danos não patrimoniais até à propositura da acção (40.000,00) e dos futuros (€50.000,00) – conclusões c), f), g).
Entende a R. apelante que se mostra excessivo o valor arbitrado pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais (€ 50.000,00), entendendo-se ajustado o valor de €25.000,00.
Por seu turno a A. pretende ser de tratar de forma autónoma o dano estético (incluído no dano biológico pelo tribunal a quo) e em relação a eles arbitrar-se a quantia de €20.000,00.
Nos mesmos termos pretende tratado os danos não patrimoniais até à propositura da acção e os futuros. Reputa ajustado fixar-se quanto aos primeiros a indemnização de €40.000,00 e quanto aos segundos a indemnização de €50.000,00
Decidiu o tribunal a quo:
«A- Condenar a ré a pagar à autora AA, a quantia global de 100.000,00€ (cem mil euros, sendo 50 mil euros a título de danos patrimonial, dano biológico, e 50 mil euros a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até pagamento;
B- Condenar a mesma ré a pagar à interveniente B... – Companhia de Seguros SA, a quantia global de 51.081,07€ (cinquenta e um mil e oitenta e um euros e sete cêntimos), quantia esta também acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a citação/notificação e até integral pagamento (juros contados desde a citação e desde a notificação de cada uma das quantias que foi sendo ampliada).»
É a seguinte a fundamentação do Tribunal a quo a propósito dos danos não patrimoniais e sua quantificação:
«No que respeita a danos não patrimoniais, preceituam os arts. 494 e 496 do Código Civil que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo-se em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A gravidade dos danos não patrimoniais mede-se por um padrão objectivo (levando-se em linha de conta as circunstâncias concretas de cada caso), em função da tutela do direito, e devendo o dano ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma quantia pecuniária ao lesado (no caso presente, tal como acima consta, têm de se considerar uma muito acentuada gravidade).
Assim, afigura-se-nos também justo e equilibrado, face aos elementos e circunstâncias supra expostas nos factos provados (o acidente em si, dores resultantes do mesmo, angústias e incómodos com os tratamentos a que teve de se submeter, quantum doloris, dano estético, repercussão permanente na actividade social), fixar tal indemnização na quantia de 50.000,00 euros (danos patrimoniais passados, actuais e futuros, entendendo o tribunal que a quantificação de tal dano não patrimonial deve ser valorizado como um único dano, não havendo que distinguir entre presente e futuro dano).»
Quanto ao dano estético, englobando-o no dano biológico, fundamentou-se:
«No caso concreto, relativamente a tais danos patrimoniais, porque as fórmulas a que habitualmente se fazem referência, nada têm de rigor científico (sendo o único critério legal o que resulta do art. 566 do Código Civil que consagra a teoria da diferença), é de recorrer a um juízo de equidade e, considerando a idade da vítima bem como o tempo de vida útil previsível e como ponto de partida o seu rendimento mensal, tem-se por justo e equilibrado fixar tal perda a título de “dano biológico, na quantia de 50.000,00 euros (que engloba ainda, como dano biológico, o pedido relativo a dano estético, que consideramos aqui enquadrável).»
Quanto aos danos não patrimoniais entende o tribunal a quo pela desnecessidade de autonomizar os danos actuais dos futuros, impondo-se uma avaliação global e assim se arbitrando a indemnização devida.
Não vemos qualquer patologia nesse procedimento desde que, no computo geral, se releve toda a dimensão dos danos não patrimoniais tuteláveis, incluindo os futuros, projectando-os com previsíveis e trabalhando a indemnização por eles devida à luz de um critério de equidade conjuntamente com os passados e actuais.
Na verdade «[q]ualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar à responsabilidade civil, é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial»[7], independentemente do tratamento da mesma.
Configuramos a decisão posta em crise, quanto aos danos não patrimoniais, actuais e futuros, como uma decisão rigorosa e com arrimo no que resulta, na nossa óptica, da melhor doutrina e jurisprudência.
Não obstante deve considerar-se o dano estético como um dano autonomizável dentre os danos não patrimoniais destacando-os, naturalmente, do dano biológico (o tribunal relevou no computo deste dano).
Mas vejamos.
«A lei não define o dano não patrimonial. Doutrinariamente o conceito é recortado pela negativa. O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual; o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro; é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária.»[8]
Segundo o artigo 496º nº 1 do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Avaliar pecuniariamente estes danos é tarefa melindrosa[9] que reclama o apego à equidade como decorre do artº496 nº4 do CC.
Todavia, na sua fixação, para além das circunstâncias do artigo 494º do Código Civil, há que ter em conta os padrões definidos pela jurisprudência.
Os traços fundamentais necessários para individualizar a situação vertente está resumida nos factos que a 1º instância alinhou e que atrás se convocaram.
4- (….) vindo a atingir a autora, prostrando-a no piso de paralelepípedo em granito;
5- Mediante o embate e as lesões sofridas, foi accionada a emergência médica e providenciado transporte imediato da autora para o Hospital ..., no Porto, onde foi alvo de exames de diagnóstico (diversos Raios X e análises clínicas), mediante queixas dirigidas especialmente a “ambos os membros inferiores” (doc. nº 2 junto com a petição inicial);
6- No dia seguinte, autora foi submetida a intervenção cirúrgica a fractura nos pratos tibiais externos do membro inferior esquerdo, com osteossíntese com placa (doc. nº 2 junto com a petição inicial);
7- No dia 19.12.2015, aquando do internamento subsequente, mediante uma dor muito forte que persistia no joelho direito, foi chamado médico-ortopedista que assinalou “Chamada por gonalgia direita” e detetou “Dor à palpação do LLI [ligamento lateral interno] no seu trajecto”, pedindo raio X (doc. junto com a petição inicial);
8- A autora esteve internada no Hospital ... até 21.12.2015 (docs. 2 e 4 juntos com a petição inicial);
(…)
10- Na sequência de tratamentos e sessões de fisioterapia nos serviços clínicos do Hospital 1..., a A. recebeu declaração de alta no dia 16.12.2016;
11- No processo especial de acidente de trabalho com o n.º 23458/16.1T8PRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 1, ficou fixada à autora uma IPP para a actividade laboral de 26,88%, em adesão ao laudo do perito de Medicina Legal (docs. 5 e 6 juntos com a petição inicial);
(…)
13- Em virtude do acidente de viação acima relatado, resultaram para a autora as lesões e consequências melhor descritas no relatório do INML junto aos autos, datado de 28.09.2023, que aqui se considera por integrado nos seus dizeres e que assim conclui:
“− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/10/2016.
− Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 6 dias
− Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 310 dias
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 301.
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável em 15 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 4/7.
− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos.
− As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares
− Dano Estético Permanente fixável no grau 3/7.
− Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7.
− Ajudas técnicas permanentes: ajudas técnicas - auxiliar de marcha.”
14- Posteriormente, em esclarecimentos solicitados, o INML, em “aditamento” de 29.02.2024, admitiu “dano sequelar em ambos os joelhos, com limitação da flexão do joelho esquerdo e instabilidade anterior e posterior do joelho direito.
Tendo em conta o atrás exposto, os médicos peritos mantêm o parecer de que a Examinada necessita de um auxiliar da marcha”;
15- Em consequência do sinistro, a autora sofreu danos não patrimoniais, sofrendo ainda hoje de sequelas permanentes, quer do ponto de vista físico/biológico, quer do ponto de vista psicológico/moral;
16- A autora tinha, à data do acidente, 54 anos, porquanto nasceu a ..-..-1961;
17- Sentia-se bem consigo própria, era uma pessoa bem-disposta, com alegria de viver e com saúde;
18- Exercia a profissão de técnica administrativa na sociedade D... S. A., grupo proprietário de diversos títulos de comunicação social, gostando muito que fazia;
19- Apesar de divorciada e de viver sozinha, mantinha vida social, convivendo com amigos;
20- Tudo mudou após o acidente, passando a autora a sofrer de dores/incómodos permanentes;
21- Coisas simples como estar de pé, imprescindível, por exemplo, para quem cozinha ou trata das diversas lides domésticas, o que lhe tem exigido um significativo esforço acrescido e obrigado a andar constantemente de canadiana e/ou a solicitar ajuda de terceiros, de forma a atenuar as dificuldades que passou a sentir na respectiva execução;
22- No momento do acidente, imediatamente após, durante o internamento, no regresso a casa e tentativa de adaptação à incapacidade, durante os tratamentos subsequentes de fisioterapia e mesmo depois da alta médica e regresso ao trabalho, a autora tem atravessado períodos de sofrimento e instabilidade emocional;
23- Quando sofreu o embate e após o mesmo, durante a assistência que lhe foi dada, a autora receou pela sua própria vida;
24- Sofreu dores durante o acidente, após o mesmo, bem como nos tratamentos a que foi submetida, tendo necessitado e continuando a necessitar de tomar medicação, incluindo analgésica;
25- Antes do acidente, a autora era vista como uma pessoa saudável, independente, bem-disposta, com alegria de viver, vendo-se obrigada a alterar por completo as rotinas diárias e sociais anteriores ao acidente, deixando de se deslocar com frequência a estabelecimentos comerciais, como ir a estabelecimentos de diversão ou sair para caminhadas, sendo que, a nível profissional, a carreira da autora também resultou afectada, na medida em que obrigou a esforços físicos acrescidos em deslocações, limitando a sua progressão na carreira profissional;
(…)»
Com respaldo neles dizer com o Ac. do STJ de 22.02.2017 (Lopes do Rego) que «ponderadas adequadamente tais circunstâncias do caso e os critérios jurisprudenciais que – numa jurisprudência actualista – devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, não se vê que o critério se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, ponderadas a gravidade da lesão sofrida (…), envolvendo» tudo quanto atrás se deixou enunciado: «pelo contrário, neste quadro factual, o que seria totalmente desproporcionado e incompatível com tais critérios jurisprudenciais actualmente prevalecentes seria o arbitramento de uma quantia do tipo da proposta pela seguradora /recorrente(….) » de €25.000,00.
«Deste modo, perante a manifesta insuficiência do valor indemnizatório proposto pela seguradora e seguindo a via metodológica atrás enunciada, considera-se - ponderada também a culpa exclusiva do segurado no acidente - que não merece censura, perante a especificidade do caso concreto, o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de (…)» €50.000,00[10].
A este valor deve acrescer o que se apurar a título de dano estético como categoria autonomizável dentre os danos não patrimoniais, retirando-o do cômputo indemnizatório que o tribunal a quo fez a título de dano biológico (não obstante, na fundamentação a propósito dos danos não patrimoniais também faz menção fugaz ao dano estético[11]).
«De facto o dano estético é, em regra, simplesmente, uma espécie particular de dano não patrimonial.
É irrecusável que toda a pessoa titula um fundamental direito à integridade pessoal, que abrange as duas componentes fundamentais da sua pessoa: a integridade física e a integridade moral (artº 25 nº 1 da Constituição da República Portuguesa).
Qualquer facto que atente contra essa integridade pessoal deve, portanto, ser considerado um dano, não constituindo obstáculo a essa consideração a circunstância de, no tocante à reparação da violação do corpo humano, a restitutio in integrum se mostrar impossível.
Está nessas condições, precisamente, o chamado dano estético.
Como dano estético pode ser considerado o dano corporal ou dano da integridade física, independentemente de qualquer repercussão funcional, laboral ou social, que afecta a beleza e a harmonia biológica da pessoa. Trata-se de um verdadeiro dano corporal, que deve ser reparado de per se, independentemente das concretas repercussões funcionais ou laborais que da sua verificação possam decorrer para o lesado; em caso de coexistência, como é comum, de uma e de outra espécie de dano, cada um dele deve ser objecto, por aplicação dos respectivos parâmetros de determinação, de reparação autónoma.
Neste contexto, por exemplo, a cicatriz, sequela de uma lesão corporal, é nitidamente um dano estético e, como tal, susceptível de compensação. Todavia, se a afirmação da ressarcibilidade do dano estético se impõe com facilidade, mais difícil é, naturalmente, a sua avaliação, quer dizer, a determinação do valor da compensação a que aquele dano deve dar lugar.
Sem preocupação de exaustão, na avaliação do dano estético, devem ser ponderados, tanto elementos objectivos – v.g., a natureza da sequela, o lugar anatómico em que se situa e o seu carácter estático ou dinâmico – como aspectos subjectivos, por exemplo, a idade e o género do lesado, a sua personalidade, a profissão que exerce e a sua repercussão sócio-familiar e relacional. A valoração deste dano deve, porém, relevar fundamentalmente da aplicação de critérios objectivos – como, v.g., a localização, a dimensão e a característica da sequela - sem prejuízo, contudo, por exemplo, da ponderação da apreciação íntima e, portanto, subjectivizante do lesado, quanto à sua repercussão. Realmente – como aliás se sublinha na relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil – o dano estético permanente deve ser avaliado tendo em conta as repercussões das sequelas, numa perspectiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afectação da imagem da vítima, quer em relação a si própria, quer na relação com os outros.»[12]
Destaca-te da matéria de facto provada como elemento crucial e dominante a fixação de um dano estético permanente fixável no grau 3/7.
Além deste dado releva-se um conjunto de factos que servem também propósito de avaliar o dano em causa de acordo com os parâmetros atrás referidos, retirando-se deles os referidos elementos objectivos e subjectivantes:
13.
(….)
− Dano Estético Permanente fixável no grau 3/7.
(…)
15- Em consequência do sinistro, a autora sofreu danos não patrimoniais, sofrendo ainda hoje de sequelas permanentes, quer do ponto de vista físico/biológico, quer do ponto de vista psicológico/moral;
16- A autora tinha, à data do acidente, 54 anos, porquanto nasceu a ..-..-1961;
17- Sentia-se bem consigo própria, era uma pessoa bem-disposta, com alegria de viver e com saúde;
18- Exercia a profissão de técnica administrativa na sociedade D... S. A., grupo proprietário de diversos títulos de comunicação social, gostando muito que fazia;
19- Apesar de divorciada e de viver sozinha, mantinha vida social, convivendo com amigos;
22- No momento do acidente, imediatamente após, durante o internamento, no regresso a casa e tentativa de adaptação à incapacidade, durante os tratamentos subsequentes de fisioterapia e mesmo depois da alta médica e regresso ao trabalho, a autora tem atravessado períodos de sofrimento e instabilidade emocional;
23- Quando sofreu o embate e após o mesmo, durante a assistência que lhe foi dada, a autora receou pela sua própria vida;
24- Sofreu dores durante o acidente, após o mesmo, bem como nos tratamentos a que foi submetida, tendo necessitado e continuando a necessitar de tomar medicação, incluindo analgésica;
25- Antes do acidente, a autora era vista como uma pessoa saudável, independente, bem-disposta, com alegria de viver, vendo-se obrigada a alterar por completo as rotinas diárias e sociais anteriores ao acidente, deixando de se deslocar com frequência a estabelecimentos comerciais, como ir a estabelecimentos de diversão ou sair para caminhadas, sendo que, a nível profissional, a carreira da autora também resultou afectada, na medida em que obrigou a esforços físicos acrescidos em deslocações, limitando a sua progressão na carreira profissional;
(…)»
Em face destes elementos, outrossim os que constam dos relatórios periciais que se deram por reproduzidos na matéria de facto,[13] dos quais se destaca uma cicatriz nacarada linear cirúrgica oblíqua inferiomedialemente que se estende desde a face externa do joelho até à face anterolateral do 1/3 superior da perna com 13cm de comprimento, à luz de um critério ponderado de equidade, considera-se ajustada a título de dano estético o valor de €5.000,00, valor este que terá de ser retirado do computo do dano biológico por o tribunal nele o tiver considerado.
Em face do exposto, improcede nesta parte o recurso da R. (c.1.), como improcede o da autora quanto aos valores pretendidos a título de danos patrimoniais (c.6). Quanto ao dano estético (c.5), procedendo a pretendida autonomização, procede apenas parcialmente quanto ao valor pedido a esse título[14].
c.2. do valor fixado a título de dano biológico: €30.000,00 – conclusão 4.
Do recurso da A.
c.4. da autonomização da indemnização pelo dano biológico (nele não se fundindo o dano estético) dele e dimensão da mesma: de €40.000,00- conclusões d) e g)
Entende a R. que a indemnização fixada a título de dano biológico é excessiva, reputando adequado o valor de €30.000,00.
Por seu turno a A., destacando do valor global atribuído pelo tribunal a quo a título de danos patrimoniais (€50.000,00) o valor devido pelo dano estético (que se concedeu e supra fixámos em €5.000,00 - a autora reputava dever ser de €20.000,00), pugna pela fixação de uma indemnização de €40.000,00 a título de dano biológico.
Vejamos, citando o que se escreveu no acórdão da RP de 21.11.24 de que fomos adjunto[15]:
«Em causa já a questão da ressarcibilidade da perda de capacidade laboral geral, do denominado dano biológico, sob a vertente patrimonial. Recorre-se já à terminologia de Maria da Graça Trigo, a quem se deve a reflexão mais completa sobre a jurisprudência portuguesa que sobre este particular vem versando, vg em Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, ROA, Ano 72, I, Jan-Mar 2012 e em Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Lisboa, UC, 2015.
Os Tribunais superiores têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, porquanto se entende que a existência de incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, pode determinar a necessidade de desenvolver um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido.
Com efeito, conforme se escreve no já longínquo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2012[16] “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”. Mais adiante desenvolve “ na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira capitis deminutio num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”.
Neste contexto, os lucros cessantes não decorrem apenas de uma incapacidade que implique uma perda total ou parcial de rendimentos auferidos pelo lesado no exercício da sua atividade profissional, mas igualmente prejuízos que incidem na sua esfera patrimonial[17], relacionados com a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[18].
Noutra perspetiva, o dano biológico tem sido configurado como um tertius genus, com autonomia relativamente ao dano não patrimonial, pois se pondera que se trata de um dano de natureza específica, que envolve prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado[19], que implica uma perda genérica de potencialidades funcionais do lesado das quais deriva penosidade acrescida no exercício das tarefas do dia a dia[20]/[21]. Essa a dimensão que acresce ao reflexo na actividade profissional exercida ou a exercer futuramente. Nessa medida, entende-se que mesmo não sendo perspetiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, aquela perda constitui um dano ressarcível, o qual, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito[22].
Por outras palavras, o dano biológico enquanto dano-evento, integrado por uma lesão de bens eminentemente pessoais, concretamente, da saúde, coloca a ênfase num aspeto importante: tratando-se de uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, traduz-se numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando (ou podia desempenhar), com regularidade[23]. Este enquadramento permite valorizar o dano biológico em lesados que não entraram ainda no mercado de trabalho ou que, por via da idade ou de outras vicissitudes, não exercem uma atividade profissional.
O dano em causa é entendido como tendo um cariz dinâmico compreendendo vários fatores, sejam atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais[24], tanto mais que se traduz numa “diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”[25]. Por outras palavras, o dano biológico reflete a afetação da potencialidade física do lesado determinando uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará, com perda de qualidade de vida.
[Aqui se consigna que o recurso a jurisprudência já longínqua no tempo visa reforçar a noção acima de estar em causa na fixação equitativa da indemnização um complexo de conceitos, noções ou aquisições sedimentadas e fundamentadas ao longo do tempo pela jurisprudência, mormente dos tribunais superiores.]
Mais do que a respectiva qualificação — como dano patrimonial, não patrimonial ou como um tertium genus —, o que verdadeiramente se revela complexo é atribuir a soma justa tendente a ressarcir um dano que, na jurisprudência dos tribunais superiores, é tratado de modo díspar.
Quando esteja em causa uma incapacidade que não implique abandono da profissão ou perda de capacidade de ganho, mas antes acréscimo dos esforços para o desempenho das mesmas tarefas profissionais, as indemnizações arbitradas divergem substancialmente, apesar de a esmagadora maioria das mesmas recorrer ao mesmo tipo de cálculo e de todas elas se socorrerem da equidade, com a consequente desigualdade no tratamento dos titulares do direito a uma indemnização.
Como se refere no Ac. do STJ de 26.01.2012 (na base de dados da dgsi), «[o] conceito de “dano biológico” “dano à pessoa”, “dano à saúde”, “dano corporal” ou ainda “dano à integridade psicofísica” (…) emergiu, com particular relevância, com a sentença 184/86 do Tribunal Constitucional italiano, o qual, em interpretação dos artigos 32.º da Constituição e 2043.º do Código Civil [italiano], o considerou como um tertium genus a demandar indemnização por si, independentemente dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que lhe estejam associados».
Essa construção veio a ter tradução legislativa em Itália, sendo que, em Portugal, onde os danos estão codificados como patrimoniais ou não patrimoniais, a jurisprudência foi seguindo um caminho onde, apesar de se ir firmando a ideia da ressarcibilidade do dano biológico independentemente da sua repercussão ou não na capacidade de ganho, não chegou a uma qualificação unânime.
Assim se afirma no Ac. do TRL de 22.11.2016 que «(…) inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico. Enquanto uma parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística. Assim, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) variará também o próprio dano biológico. Existe também uma terceira posição que o qualifica como dano base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente».
Ainda assim, com excepção da corrente que defende que a ofensa à integridade física e psíquica da vítima, quando dela não resulte perda da capacidade de ganho, apenas tem expressão nos danos não patrimoniais[26], para as demais correntes, este dano, na vertente patrimonial, deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso consistindo o prejuízo a indemnizar.
Sufraga-se, a exemplo do Ac. do TRL de 22.11.2016, na base de dados da dgsi, o pressuposto de que «(…) o dano biológico constitui uma lesão da integridade psicofísica, susceptível de avaliação médico-legal e de compensação, estando a integridade psicofísica tutelada directamente no artigo 25.º, n.º 1, da Constituição («a integridade moral e física das pessoas é inviolável») e no artigo 70.º, n.º 1, do Código Civil».
Assume-se, como naquele mesmo Acórdão, que o dano consiste «[n]uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade».
Reconhece-se que tal dano tem expressão patrimonial, por se admitir que a respectiva integração no dano não patrimonial tende à subvalorização do mesmo: é a avaliação médico-legal e o respectivo enquadramento tabelar que fornecem a base para que a jurisprudência possa partir de elementos objectivos para a determinação do valor da indemnização. Reportar o dano da afectação psicofísica à categoria de dano não patrimonial, a mais de desconsiderar que a capacidade de obter rendimento, que fica prejudicada, constitui um dano de natureza patrimonial, acrescenta nas mãos do julgador o encargo de materializar o que não é material, aumentando a álea e, com isso, a potencial desigualdade entre lesados[27].
Quanto à quantificação deste dano, sublinha-se no Ac. do TRP de 30.09.2014 (no mesmo lugar) que tal «(…) constitui uma espinhosa tarefa (…). A percepção das dificuldades e, mais do que isso, a apreciação crítica da diversidade dos resultados decorrente do recurso a critérios rodeados de elevada dose de subjectividade levou a que em alguns sistemas se tenha avançado para a introdução de outros potenciadores de maior objectividade. Assim aconteceu, por exemplo, em Espanha, com a introdução de medidas de “baremacion”, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 8-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em “barémes” que se encontra implantado em França (…). É de reconhecer também o esforço do legislador português no sentido da uniformização de critérios de cálculo e defesa do interesse das vítimas de acidentes de viação, designadamente através da publicação de vários diplomas, como sejam o Decreto-Lei n.º 83/2006, de 3 de Maio, o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro — que introduziu na ordem jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil —, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente de automóvel e a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que, além do mais, veio actualizar os valores daqueloutra, de acordo com o índice de preços ao consumidor de 2008».
No que concerne aos factores a ponderar no respetivo cálculo, com vista à maior uniformidade na sua quantificação, têm sido apontados os seguintes[28]:
- a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
- no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
- os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação que se impõe fundada na equidade;
- deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos[29] introduzindo um desconto no valor encontrado;
- deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa do lesado, a respetiva esperança média de vida do lesado, enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para além do tempo da reforma[30];
- a idade do lesado;
- o grau de défice funcional permanente;
- as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou atividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações.
A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, sendo que a prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente incompatível com as circunstâncias do caso (Acórdão do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt).
Ora “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” (Acórdão do STJ, de 21 de fevereiro de 2013, acessível em www.dgsi.pt), cumprindo não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes (Ac. do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt).
Desde logo, se encararmos o dano biológico como uma lesão da integridade psicofísica, não podemos recusar a premissa de que esta é igual para todos. Princípio da igualdade expressamente assumido, desde logo no Ac. do TRL de 22.11.2016, já citado, e no Ac. do STJ de 26.01.2012, no mesmo lugar, neste último se referindo, aliás, que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da «(…) irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento».
Na busca do tratamento paritário, no cálculo que efectue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correcção, com base na equidade. Só assim será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados.
Temos como adequada, pois, a consideração do salário médio nacional.
Assim é que, quanto ao valor de referência para o cálculo, o mesmo critério uniformizador e a ponderação de que idêntico grau de défice funcional permanente não é maior nem menor consoante o valor do vencimento, sucedendo, com frequência, serem as profissões produtoras de menores rendimentos, relacionadas com funções indiferenciadas por via da inexistência de formação técnica ou superior, aquelas onde se encontram os lesados mais afetados, vem-se defendendo que importa partir do valor do salário médio nacional.
Nesse sentido, vide Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 852/17.5T8AGH.L1-2.; Ac. RC de 29.01.2019 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 342/17.6T8CBR.C1, com os quais concordamos.»
Isto posto, ponderado o valor salarial mensal médio à data da consolidação médico-legal das lesões, acessível em www.pordata.pt/Portugal, o défice funcional permanente de 26,88%, a idade da Autora, a esperança média de vida até aos 83 anos (e todos os demais elementos pertinentes retirados da matéria de facto assente), as taxas de juro das aplicações financeiras e a inflação, recorrendo à equidade[31], afigura-se que o montante de € 45.000,00 é adequado para o ressarcimento do dano em causa (destacado fica deste valor a quantia devida a título de dano estético, conclui-se pela mesma indeminização fixada pelo tribunal a quo:€50.000,00).
c.3.da cumulação indevida da indemnização fixada a título de danos futuros com a indemnização paga pela seguradora interveniente a título de pensão por incapacidade em decorrência do acidente em causa ser também acidente de trabalho – conclusões 6 – 19.
Entende a recorrente Cª de seguros que não podem ser cumuladas a indemnização atribuída a autora, com base no acidente de viação, e a que já lhe foi atribuída em sede de processo de trabalho pela respectiva incapacidade, pois tal implicaria uma cumulação de indemnizações pelo mesmo dano, determinante de um locupletamento injusto à custa do seu património.
Considera que as duas indemnizações devem ser complementadas até ao ressarcimento integral do dano causado, motivo pelo qual, sustenta, no cálculo da indemnização devida pelo acidente de viação deve ser descontado o valor já recebido e receber em sede de acidente de trabalho.
Argumenta a A. que:
«22. A este respeito, a título de parêntesis, mas com pertinência, há que desmistificar um aspeto que, nos presentes autos, tem vindo a ser indevidamente aduzido pela Ré, ao trazer à colação a indemnização arbitrada no processo de acidente de trabalho: a Autora não está a exigir uma dupla indemnização pelo mesmo dano, na medida em que, na presente ação cível, não peticiona qualquer indemnização por incapacidade profissional.
23. Aliás, o comportamento processual da Autora, traduzido desde logo na formulação dos pedidos e na consubstanciação da causa de pedir, deixou sempre bem claro que apenas peticiona os danos decorrentes do acidente de viação, a título complementar, tal como tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores.»
Acompanhamos a propósito desta questão o A. do STJ de 17.9.24[32].
«Em acidente simultaneamente de viação e de trabalho cada uma das indemnizações assenta em critérios distintos e têm funções e objectivos próprios, e por isso se apresentam como complementares, a jurisprudência vem entendendo que “A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente” (cf., Ac STJ de 11/12/2012 (proc nº 40/08), Ac STJ de 12/7/2018 (proc nº 1842/15), Ac STJ 5/5/2020 (proc nº 30/11), Ac STJ de 30/4/2020 (proc nº 6918/16), Ac STJ de 17/11/2021 (proc nº 3496/16), Ac STJ de 7/5/2024 (proc nº 807/18 ), disponíveis em www dgsi.pt).
Por isso, “[s]ão de considerar como danos diferentes o que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição, e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que – embora não determinem perda de rendimento laboral - envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as actividades da vida pessoal e corrente” (Ac STJ de 11/12/2012) e “[a]indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente” (Ac STJ de 12/7/2018 ).»
Foi esta linha de entendimento, bem interpretada, cremos, ter seguido a decisão posta em crise.
Não merece reparo, assim se mantendo a mesma a propósito da questão ora abordada.
- danos não patrimoniais, actuais e futuros: €50.000,00;
- dano estético: €5.000,00;
- dano biológico: 45.000,00.
Pelo exposto, acorda este tribunal julgar os recursos não providos, e, por via disso, confirma-se a decisão recorrida no enquadramento jurídico que fez da responsabilidade da apelante R. mas com nova conformação do valor arbitrado nos termos que consta da parte final da motivação que antecede.
Custas pelos recorrentes quanto ao recurso interposto por cada uma delas.
………………………………
………………………………
………………………………