CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDA CONDICIONADA
CADUCIDADE
Sumário

I – Ao contrato de arrendamento em causa nos autos aplicavam-se as regras constantes do DL36212, com excepção do prazo de caducidade, aplicável de imediato por força do art.º 1º, n.º 1 e n.º 2 e com as excepções previstas pelo art.º 50º do DL 608/73.
II - De facto, há que ter em conta que o DL 608/73 alterou o regime a que estavam sujeitos os contratos de renda limitada, nos termos constantes desse diploma; é quanto a estes aspectos do regime aplicável que a Lei estabelece a ressalva relativamente aos contratos anteriores, permanecendo nestes aspectos tais contratos sujeitos à legislação anterior.
III - Mas já assim não acontece quanto ao prazo de caducidade, este aplicável desde logo aos contratos em vigor; senão não faria qualquer sentido que a Lei estabelecesse o seu início da data da licença de habitação; a não ser assim, o legislador teria dito que o prazo de caducidade apenas se aplicaria aos contratos celebrados após a entrada em vigor do DL 608/73, o que não sucedeu.
IV - Fazendo a aplicação do prazo de caducidade previsto na lei, o ónus cessou em 19/4/1986.
V - Ainda que assim não se entendesse, há que ter em consideração o disposto pelo art.º 4º, n.º 3 do Decreto-Lei n.° 288/93 de 20 de Agosto; logo tendo a aquisição pela autora ocorrido em 2009, tendo sido registada em 21/5/2009, na data do envio da comunicação da transição para o NRAU, ocorrida em Setembro de 2014, já o ónus se teria extinguido e o contrato passaria a estar sujeito ao regime de renda livre.
VI - Com a caducidade do ónus de renda limitada/condicionada e com as comunicações efectuadas entre A. e R. tem que se entender que se fixou definitivamente que o montante da renda devida pelo R. era de €. 1.496,59 (mil quatrocentos e noventa e seis euros e cinquenta e nove cêntimos).
VII - Mais resulta que não pode desde essa data a R. sustentar que o depósito das rendas se deveu a erro indesculpável, uma vez que a R. estava na posse da informação que lhe permitia proceder à transferência do montante da renda para a conta da A. – como aliás passou a fazer desde a data da citação.
VIII - Desta forma, a R. constitui-se devedora das rendas por esse montante, desde Janeiro de 2015, o que confere à A. o direito à resolução do contrato, que pode ser efectuada judicial ou extrajudicialmente, conf. art.º 1047º do Código Civil.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível da Relação de Lisboa.

I. Relatório:
A Sociedade Imobiliária dos Arados, S.A. intentou contra AA a presente acção pedindo que:
- Seja decretada a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento sobre o imóvel sito na ...;
- A ré seja condenada a despejar o referido imóvel, e a entregá-lo à autora, livre de pessoas e bens;
- Condenação da ré no pagamento de indemnização igual ao valor da renda determinada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº2 do art.º 35º do NRAU, desde o termo do prazo para contestar e até entrega efetiva da habitação;
- Condenação da ré a pagar à autora o valor correspondente às rendas vencidas e referentes aos meses de janeiro de 2015 a maio de 2020, no valor de €97.278,35; acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos;
- Condenação da ré no pagamento das rendas que se forem vencendo na pendência da ação e até efetiva entrega do locado.
Fundamentou a sua pretensão invocando a mora da A. no pagamento de renda superior a três meses; o não uso do locado pela A. há mais de dois anos e ter proporcionado a outrem o gozo total do locado sem o conhecimento e autorização da A.
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A R. contestou invocando estar sujeito o locado ao regime de renda limitada; foi a partir do falecimento do então senhorio BB em 18/6/2002 que a R., após indagar, sem sucesso, qual a conta bancária do novo senhorio, passou a realizar o pagamento da renda mensal - € 4,39 (quatro euros e trinta e nove cêntimos). através de consignação em depósito, nos termos do disposto no artigo 22.º do Regime do Arrendamento Urbano (doravante, RAU), então em vigor, e do artigo 17.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (doravante, NRAU), na redacção originária, actualmente em vigor; o locado foi, e é, o lar da R. e o centro da sua vida pessoal e familiar há 47 (quarenta e sete) anos; invocou o abuso de direito e defendeu-se por impugnação.
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A R. veio responder à excepção de abuso de direito, entendendo que o mesmo não se verifica.
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Realizou-se audiência prévia e audiência de julgamento e a final foi proferida Sentença onde se decidiu julgar procedente por provada a presente acção e, em consequência:
1. Decretou-se a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento sobre o imóvel sito na ...;
2. Condenou-se a ré AA a despejar o referido imóvel, e a entrega-lo à autora Sociedade Imobiliária dos Arados, S.A., livre de pessoas e bens;
3. Condenou-se a ré AA a pagar à autora Sociedade mobiliária dos Arados, S.A. o valor correspondente às rendas vencidas e referentes aos meses de janeiro de 2015 a maio de 2020, no valor de €97.278,35; acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos;
4. Condenou-se a ré AA a pagar à autora Sociedade Imobiliária dos Arados, S.A. as rendas, valor de €1.496,59 mensal, que se venceram na pendência da ação;
5. Condenou-se a ré AA a pagar à autora Sociedade Imobiliária dos Arados, S.A. indemnização igual ao valor da renda, no valor de €1.496,59 mensal; desde o trânsito em julgado desta decisão e até entrega efetiva da habitação.
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Desta Sentença recorreu a R., formulando as seguintes Conclusões:
“D.1) Do objecto do recurso – efeito suspensivo
I. O presente recurso tem por objecto a sentença de 24/6/2024, que julgou a acção procedente, declarando a resolução do Contrato de Arrendamento supra identificado e condenando a Recorrente a desocupar o Locado, bem como no pagamento à Recorrida de rendas supostamente em dívida no valor mensal de € 1.496,59 e de indemnização no mesmo valor mensal por cada mês de ocupação do Locado a partir do trânsito em julgado da decisão.
II. O recurso tem efeito suspensivo da sentença recorrida, por força do disposto nos artigos 629.º n.º 3, alínea a), e 647.º n.º 3, alínea b, do CPC, pelo que se requer desde já que o mesmo seja, como tal, estabelecido no despacho que vier a admitir o presente recurso.
D.2) Impugnação da decisão sobre matéria de facto
III. Ficou expressamente alegado na contestação (artigos 218.º a 220.º) que a Recorrente procedeu à consignação em depósito, a favor da Recorrida, das rendas em dívida à mesma no valor mensal de € 4,39 – entenda-se: das rendas que, pelas razões expostas supra e sumariadas abaixo, não foram transferidas para a conta da Recorrida, mas antes consignadas em depósito a favor de terceiro.
IV. Esse facto ficou comprovado por documento junto a requerimento de 10/04/2023 (ref.ª 35629507), e admitido por despacho de 8/11/2023, mas acabou por ser indevidamente excluído do elenco de factos provados constante da sentença recorrida.
V. Por se tratar de um facto essencial à luz do artigo 1048.º n.º 1 do Código Civil e por se encontrar documentalmente comprovado, deverá o mesmo ser aditado à matéria assente, ao abrigo do disposto no artigo 640.º n.º 1, alíneas b) e c), do CPC, nos seguintes termos:
VI. - A Ré procedeu à consignação em depósito a favor da Autora da quantia de € 889,61, junto da Caixa Geral de Depósitos, em 25/9/2020.
D.3) Do Direito – Regime aplicável à renda do contrato de arrendamento
VII. Tal como é reconhecido pelo Tribunal a quo, o Contrato de Arrendamento foi celebrado em 7/11/1973 ao abrigo do DL 36212, que estabelece um regime de arrendamento social denominado de "renda limitada", sujeito a regras específicas no que à renda diz respeito – a renda é instituída ab initio por um valor fixo que é inscrito na licença de utilização, sem possibilidade de aumento por iniciativa do senhorio – sem prejuízo da aplicação supletiva do regime geral do inquilinato que a cada momento se encontrasse em vigor.
VIII. In casu, o valor de renda para o Contrato de Arrendamento foi fixado em 880$00 (facto provado n.º 18).
IX. O Tribunal a quo entendeu, erradamente, que o DL 608/73 e, seguidamente, a Lei 46/85, estabeleceram um prazo (25 anos) após o qual cessaria a aplicação do regime da renda limitada ao Contrato de Arrendamento, ficando aberta a possibilidade de aumento de renda do mesmo, ao abrigo dos artigos 30.º e segs. do NRAU (na redacção da Lei 31/2012).
X. Passemos a demonstrar que esse entendimento assenta num erro de julgamento manifesto e que as disposições dos referidos diplomas que regem a respectiva aplicação no tempo impõem conclusão contrária à da sentença recorrida.
XI. O DL 608/73 veio dar um novo impulso ao regime da renda limitada inicialmente instituído pelo DL 36212, estabelecendo-lhe novas regras, embora mantendo os aspectos essenciais desse regime e preservando os direitos dos inquilinos nos contratos de arrendamento em curso aquando da respectiva entrada em vigor.
XII. Nesse sentido, o artigo 50.º n.º 1 do DL 608/73 – que o Tribunal a quo, incompreensivelmente, desconsiderou em absoluto – estabelecia que as novas regras em matéria de "renda limitada" só se aplicariam aos imóveis construídos ao abrigo do pretérito DL 36212 logo que os mesmos vagassem – isto é, logo que cessassem os contratos de arrendamento em curso – e, em qualquer dos casos, sempre "com ressalva (…) dos direitos adquiridos à sombra do regime anterior".
XIII. E o artigo 1.º n.º 2 do mesmo DL 608/73, ao estabelecer um prazo de caducidade de 30 anos para o "ónus da renda limitada", inexistente no DL 36212, fazia uma ressalva expressa, em linha com o artigo 50.º: "sem prejuízo de continuarem sujeitos ao regime anterior os arrendamentos em vigor no seu termo".
XIV. Perpassa dos artigos 1.º n.º 2 e 50.º n.º 1 do DL 608/73 que o novo regime da renda limitada não acarretaria qualquer alteração aos direitos dos inquilinos constituídos ao abrigo do DL 36212, apenas se aplicando aos novos contratos de arrendamento, celebrados após a entrada em vigor do DL 608/73;
XV. Daí resultando, em concreto, que o prazo de caducidade de 30 anos aí estabelecido não tem aplicação ao Contrato de Arrendamento sub judice, e que este permaneceu sujeito ao regime do DL 36212, ao contrário do que erradamente supôs o Tribunal a quo.
XVI. A Lei 46/85 não revogou, total ou parcialmente, o DL 608/73, nem a ele se substituiu enquanto regime matriz do Contrato de Arrendamento em causa nestes autos: o DL 608/73 manteve-se em vigor (aliás, só veio a ser revogado a posteriori pela Lei 81/2014).
XVII. A regra de aplicação no tempo da Lei 46/85 encontra-se no artigo 8.º, cujo n.º 1 estabelece claramente que apenas ficam sujeitos ao novo regime das rendas condicionadas os contratos de arrendamento em curso que tivessem sido celebrados ao abrigo do DL 148/81, o que, claramente, não é o caso do Contrato entre a Recorrida e a Recorrente.
XVIII. Assim, o artigo 8.º n.º 1 e n.º 2 da Lei 46/85 excluem expressamente o Contrato de Arrendamento sub judice do âmbito de aplicação do novo regime da "renda condicionada".
XIX. Desse preceito resultou a aplicação ao Contrato de Arrendamento sub judice, apenas, das disposições da Lei 46/85 que não dissessem respeito ao regime da renda condicionada.
XX. Assim, e ao contrário do que entende o Tribunal a quo, erradamente, o artigo 7.º n.º 2, alínea d), da Lei 46/85 – que estabelece a obrigatoriedade da sujeição ao novo regime da renda condicionada dos arrendamentos sobre imóveis construídos ao abrigo do DL 608/73 – não se aplica ao Contrato de Arrendamento sub judice, mas apenas a novos contratos de arrendamento, celebrados após a entrada em vigor da referida Lei 46/85;
XXI. Caso contrário, a vingar o entendimento do Tribunal a quo, teríamos uma directa contradição com o artigo 8.º n.º 1 e n.º 2 da Lei 46/85, a qual não seria admissível ao abrigo das regras interpretativas do artigo 9.º n.º 3 do Código Civil.
XXII. Na mesma linha de raciocínio, o artigo 8.º n.º 3 da Lei 46/85 (a "obrigatoriedade imposta no número anterior cessa decorridos 25 anos") também não tem, nem poderia ter, aplicação aos contratos então em curso, como é o caso do Contrato de Arrendamento sub judice.
XXIII. Verifica-se, assim, que o artigo 7.º n.º 2 e n.º 3 da Lei 46/85 não é aplicável ao Contrato de Arrendamento, nem lhe aduz qualquer modificação de regime em matéria de rendas, o que evidencia o erro de julgamento em que assenta o entendimento do Tribunal a quo a este respeito.
XXIV. O RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, revogou a Lei 46/85, mas não revogou o DL 608/73.
XXV. Assim, com o advento do RAU, o regime especial do DL 608/73 manteve-se em vigor, a par do regime geral do próprio RAU, passando os mesmos a reger conjuntamente e com as devidas adaptações o Contrato de Arrendamento sub judice.
XXVI. Seguiu-se o NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que – diga-se – também não revogou o DL 608/73, mantendo-o plenamente em vigor.
XXVII. O artigo 61.º do NRAU, sob a epígrafe "manutenção de regimes", estabelece uma importante regra especial, que exclui do âmbito de aplicação do NRAU os contratos de arrendamento de "renda condicionada" e de "renda apoiada", mantendo-os submetidos ao regime dos artigos 77.º e segs. do RAU.
XXVIII. A ratio legis do artigo 61.º do NRAU foi no sentido de cingir a aplicação do novo regime – mormente a actualização das rendas previstas nos artigos 30.º e segs. do NRAU – aos contratos de arrendamento em regime de renda livre, já excluindo inteiramente do NRAU os arrendamentos de cariz social e previdencial, como é o caso do Contrato de Arrendamento sub judice.
XXIX. Não sendo o Contrato de Arrendamento sub judice de "renda livre" – pois, como vimos, a renda foi fixada de acordo com critérios legais imperativos – deve o mesmo ser excluído do âmbito de aplicação do NRAU à luz do artigo 61.º.
XXX. Segundo a mesma lógica, e para os efeitos da aplicação do artigo 61.º do NRAU, apenas seria possível inserir o Contrato aqui em causa nos regimes da "renda condicionada" ou da "renda apoiada", embora sempre com ressalva das regras do DL 36212, ao qual esse Contrato permanecia submetido à data da aprovação do NRAU em 2006.
XXXI. Se dúvidas houvesse quanto à aplicação do artigo 61.º NRAU ao Contrato de Arrendamento sub judice, as mesmas ficaram esclarecidas com a Lei 81/2014, que entrou em vigor em 1/3/2015 (artigo 40.º) e veio estabelecer o novo regime da "renda apoiada" que é mencionado naquele mesmo artigo 61.º NRAU.
XXXII. A Lei 81/2014 (artigo 38.º n.º 1, alínea c)) veio revogar expressamente o DL 608/73, e com ele os respectivos artigos 1.º n.º 2 e 50.º n.º 1, que ressalvadas os direitos adquiridos pela Recorrente na qualidade de inquilina ao abrigo do DL 36212.
XXXIII. A conjugação do disposto nos artigos 36.º n.º 2, alínea b), e 39.º n.º 2, alínea a), da Lei 81/2014 evidencia que a mesma se substituiu ao DL 608/73 e ao DL 36212 na disciplina do Contrato de Arrendamento, assim como confirma que esse Contrato se deve considerar excluído do âmbito de aplicação do NRAU por força do respectivo artigo 61.º, por se qualificar, para esses efeitos, como arrendamento de "renda apoiada".
D.4) Do direito – Inadmissibilidade do aumento de renda pretendido pela recorrida
XXXIV. Posto isto, considere-se que a Recorrida se propôs aumentar unilateralmente a renda devida pela Recorrente para o valor de € 1.496,59, através do envio de cartas, sucessivamente, em 9/9/2014 e em 3/11/2014, invocando o disposto no artigo 30.º e segs. do NRAU, na redacção dada pela Lei 31/2012 (cfr. factos provados n.º 19 e 21).
XXXV. À data do envio dessas cartas, o Contrato de Arrendamento sub judice estava sujeito ao regime do DL 36212 (ex vi artigos 1.º n.º 2 e 50.º n.º 1 do DL 608/73), e assim se manteve até à entrada em vigor da Lei 81/2014, em 1/5/2015.
XXXVI. O Contrato de Arrendamento encontrava-se, com se encontra ainda, excluído do âmbito de aplicação do NRAU por força do respectivo artigo 61.º, não lhe sendo aplicável o artigo 30.º e segs. do NRAU, tanto na redacção anterior à Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, como posterior.
XXXVII. Nem o DL 36212, nem a Lei 81/2014 (que, em qualquer dos casos, não estava em vigor aquando das aludidas comunicações da Recorrida) preveem a faculdade de aumento de renda por iniciativa do senhorio, na qual a Recorrida procura respaldar-se.
XXXVIII. Ainda que admitíssemos, por mera hipótese, que aquando do envio das cartas de 9/9/2014 e 3/11/2014 pela Recorrida o regime aplicável em matéria de rendas era o RAU, sempre haveria que concluir que tão pouco o RAU autoriza o aumento de rendas pretendido pela Recorrida.
XXXIX. Note-se ainda que a conclusão contrária – isto é, a de que os artigos 30.º e segs. do NRAU seriam aplicáveis ao Contrato de Arrendamento sub judice à data das comunicações da Recorrida em 9/9/2014 e 3/11/2014 – sempre seria incoerente e contraditória com o regime da Lei 81/2014;
XL. Pois, nesse caso, teria sido dada ao senhorio a possibilidade de aumentar a renda dos contratos de arrendamento de "renda limitada" nos termos dos artigos 30.º e segs do NRAU… mas apenas na janela temporal que mediou entre a entrada em vigor da Lei 31/2012 (que alterou o NRAU) e a entrada em vigor da Lei 81/2014,
XLI. Sendo certo que, com a entrada em vigor da Lei 81/2014, esse aumento de renda teria deixado, novamente, de ser admitido, por o mesmo não estar contemplado no regime dos contratos de "renda apoiada", que passou a disciplinar os contratos anteriormente de "renda limitada" – convenhamos que se trata de um cenário absurdo, inconcebível e de modo algum pretendido pelo legislador, quer da lei 31/2012, quer da Lei 81/2014.
XLII. Conclui-se que o aumento de renda desejado pela Recorrida não tem fundamento jurídico, devendo, por isso, ser declarado ineficaz.
XLIII. Consequentemente, a renda devida pela Recorrente à Recorrida permanece, desde 2014, no seu valor originário de € 4,39 por mês (quatro euros e trinta e nove cêntimos).
XLIV. O Tribunal a quo incorreu num patente erro decisório, ao supor que o DL 608/73 e a Lei 46/85 teriam introduzido alterações no regime do Contrato de Arrendamento, que implicariam o afastamento do regime das rendas limitadas (DL 36212) e o aumento da renda ao abrigo dos artigos 30.º e segs do NRAU – o qual desde já se invoca, para todos os efeitos.
D.5) Do Direito – Carácter não-culposo do incumprimento da Recorrente
XLV. É um facto, admitido pela Recorrente logo na contestação, que a mesma não procedeu ao depósito das rendas mensais devidas, no valor de € 4,39, tendo antes procedido à pontual consignação desse valor em depósito a favor de um terceiro, como vinha fazendo desde 2002 (v. factos provados n.º 13 e n.º 28).
XLVI. Essa actuação da Recorrente não decorre de uma intenção de não pagar, seja ela consciente ou meramente negligente, mas sim de um erro que se deve considerar, para todos os efeitos, desculpável.
XLVII. A Recorrente despendeu efectivamente o valor da renda, não pretendendo, por isso, conservá-lo ou fazê-lo seu – simplesmente, despendeu-o a favor da pessoa errada.
XLVIII. Esse erro deveu-se ao facto de a Recorrida, na carta de 3/11/2014, ter dado indicação do seu IBAN no pressuposto de que a renda devida fosse no valor de € 1.496,59 – que não é, como vimos já.
XLIX. E deveu-se igualmente à compreensível desconfiança da Recorrente em relação à Recorrida – tendo em conta que esta tentara já anteriormente 'despejá-la' do Locado sem qualquer fundamento, através de acção judicial que veio a ser julgada improcedente (cfr. factos provados n.º 25 a n.º 27).
L. Nestas circunstâncias, a Recorrente, que é pessoa idosa, receou que, ao alterar a forma de pagamento de renda que vinha adoptando desde 2002 pudesse estar a corroborar a intenção da Recorrida de aumentar a renda para € 1.496,59 e, desse modo, a cair numa armadilha
LI. … e por isso decidiu manter o referido procedimento (cfr. facto provado n.º 28), julgando assim estar a tomar a atitude mais cautelosa.
LII. A resolução de contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, nos termos do artigo 1083.º n.º 3 do Código Civil, depende de se verificar um incumprimento culposo por parte do inquilino – até porque só um incumprimento culposo revestiria a "gravidade" que, por sua vez, tornaria "inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento" (cfr. artigo 1083.º n.º 1).
LIII. A actuação da Recorrente evidencia um erro desculpável, não concitando o juízo de censura que subjaz à imputação de culpa e não justificando, como tal, a resolução do Contrato de Arrendamento em questão nos termos do artigo 1083.º n.º 3 do Código Civil.
LIV. Ao julgar procedente o fundamento resolutivo invocado pela Recorrida, com base na falta de pagamento de rendas, o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a acção inteiramente improcedente, absolvendo a Recorrente de todos os pedidos deduzidos na PI, o que se requer desde já.
LV. Sem prescindir do exposto, e admitindo por mera hipótese que se entenda que a actuação da Recorrente preenche o disposto no artigo 1083.º n.º 3 do Código Civil, sempre se considere o seguinte:
D.6) Do Direito – Da sanação da mora
LVI. A Recorrente exerceu, em sede de contestação, a faculdade de sanação da mora que lhe é concedida pelo disposto no 1048.º n.º 1 do Código Civil, através da consignação em depósito do valor das rendas devidas desde a aquisição do Locado pela Recorrida, em Março de 2009, até à instauração da presente acção em Junho de 2019, acrescidas da devida indemnização nos termos do artigo 1041.º n.º 1 do mesmo código, no valor total de € 889,61 – cfr. facto provado cujo aditamento se requereu supra.
LVII. Sendo certo que, desde a citação, a Recorrente passou a realizar o pagamento da renda por transferência para a conta bancária indicada pela Recorrida na carta de 3/11/2014.
LVIII. A (eventual) mora da Recorrente no pagamento da renda sempre se deveria considerar sanada, por aplicação do artigo 1048.º do Código Civil, com a consequente inadmissibilidade da resolução do Contrato de Arrendamento que é peticionada pela Recorrida.
LIX. A sentença recorrida, ao deixar de reconhecer a caducidade do (eventual) direito de resolução do Contrato de Arrendamento, nomeadamente em virtude do errado enquadramento do valor da renda devida, sempre teria incorrido num manifesto erro de julgamento,
LX. Devendo ser revogada com esse fundamento, e substituída por outra que declare a caducidade do eventual direito da Recorrida à resolução do contrato, ao abrigo do disposto no artigo 1048.º n.º 1 do Código Civil – o que se requer, a título subsidiário.
Nestes termos, requer a V. Exas. julguem o presente recurso inteiramente procedente e, em consequência:
i) determinem o aditamento do facto supra identificado à matéria assente constante da sentença recorrida;
ii) determinem a revogação da decisão condenatória constante da sentença recorrida, com fundamento em erros de julgamento;
iii) substituindo-a por outra que julgue a presente acção improcedente, com a consequente absolvição da Recorrente dos pedidos deduzidos pela Recorrida, nomeadamente, de desocupação do Locado e de pagamento de supostas rendas no valor de € 1.496,59.”
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Contra-alegou a A., Concluindo:
“1. A Recorrente não tem qualquer razão no que alega, nem de facto nem de direito, pelo que improcedem inteiramente todas as conclusões da alegação da Recorrente, constantes dos n.ºs I a LX das suas Conclusões.
2. A douta decisão da matéria de facto traduz com rigor a prova produzida, tendo ainda o Tribunal a quo feito corretamente a apreciação da matéria de facto e a determinação e interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
3. A Recorrente não tem razão quando alega que a Sentença recorrida não deu como assente que a Ré procedeu à consignação em depósito, a favor da Autora, da quantia de € 889,61, junto da Caixa Geral de Depósitos, em 25/09/2020, pois tal facto foi dado como assente e provado no n.º 28 dos Factos Provados.
4. Este facto foi dado como provado em resultado da análise e consideração do teor da guia de depósito de renda de fls. 79 dos autos, correspondente ao Doc. 3 da Contestação (Ref.ª: : 36625166), da qual se extrai que a Ré depositou a favor da Autora, na Caixa Geral de Depósitos, em 25/09/2020, rendas no valor mensal de € 4,39, vencidas até Setembro de 2020, no total de € 889,61.
5. A guia de depósito de renda de fls. 79 é a mesma guia de depósito de renda que a Ré voltou a juntar aos autos por requerimento de 10/04/2023 (Ref.ª: 35629507), a qual foi admitida por despacho do Tribunal a quo constante da ata da audiência de julgamento de 08/11/2023 e consta de fls. 565-B dos autos.
6. Este facto não é essencial no contexto do presente litígio, pois o valor da renda mensal é de € 1.496,59 e não de € 4,39 - como resulta da Sentença recorrida -, pelo que o mesmo nunca teria a virtude de acarretar a sanação da mora em que a Ré incorreu quanto ao pagamento das rendas devidas à Recorrida.
7. Um dos pressupostos alegados pela Recorrida para que fosse decretada a resolução do Contrato de Arrendamento em causa foi a falta de pagamento de renda. Como há divergência entre as partes acerca do valor da renda mensal devida, o Tribunal a quo começou, e bem, por apurar qual o valor da renda devida.
8. Não há dúvida de que o locado foi construído na modalidade de construção de prédios de rendimento – a casa de renda limitada – definido pelo Decreto-Lei n.º 36212, de 7 de Abril de 1974, tendo ficado sujeito ao regime de renda limitada (vd. Facto 33º dos Factos Provados).
9. O citado Decreto-Lei n.º 36212 (DL n.º 36212) veio definir uma nova modalidade de construção de prédios de rendimento, baseada na prévia fixação da renda total máxima a cobrar pelos andares destinados a habitação.
10. Com esta modalidade pretendia-se conceder incentivos à indústria da construção civil para a edificação de casas económicas de renda económica.
11. Este regime de incentivo à construção de casas de renda limitada tinha uma duração de 10 anos, de acordo com o estabelecido no artigo 1º do dito DL n.º 36212 (casas construídas até 31 de Dezembro de 1957).
12. Este prazo para construção de casas no regime de renda limitada, a que se refere o DL n.º 36212, de 7 de Abril, foi prorrogado por mais 10 anos (até 31 de Dezembro de 1967), pelo Decreto-Lei n.º 41532, de 18 de Fevereiro de 1958.
13. Decorridos os 10 anos fixados pelo mencionado Decreto-Lei n.º 41532, o prazo de vigência do regime especial de incentivo à construção de casas de renda limitada, definido pelos Decretos-Leis n.ºs 36212, de 7 de Abril de 1947, e 41532, de 18 de Fevereiro de 1958, não voltou a ser prorrogado, tendo cessado pelo decurso do seu prazo de vigência.
14. O regime aprovado pelos Decretos-Leis n.ºs 36212, de 7 de Abril de 1947, e 41532, de 18 de Fevereiro de 1958, era totalmente omisso quanto ao prazo de duração do ónus da renda limitada.
15. O Decreto-Lei n.º 608/73, de 14 de Novembro, veio repor em funcionamento o regime especial de casas de renda limitada definido pelos Decretos-Leis n.º 36212, de 4 de Abril de 1947, e 41532, de 18 de Fevereiro de 1958, mas com alterações, inovações e correções.
16. Por força do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 608/73, as casas de renda limitada passaram a ficar sujeitas ao regime estabelecido no referido diploma e o ónus da renda limitada que incidia sobre as referidas casas passou a ser limitado no tempo (30 anos contados da data da licença de habitação).
17. De acordo com a letra da referida norma, tendo em conta o objetivo que pretendeu atingir e o conjunto do sistema jurídico em que ela se integrou, ficaram sujeitos àquele prazo de caducidade do ónus da renda limitada, todas as casas construídas na modalidade de casas de renda limitada.
18. Pois, por um lado, o regime anteriormente aprovado já não estava em vigor (pois o seu prazo de vigência não foi prorrogado) e o mesmo não fixava o prazo de duração do ónus da renda limitada. Era totalmente omisso quanto a esta questão.
19. Por outro lado, se a intenção do legislador fosse a de sujeitar à limitação temporal de 30 anos apenas os novos contratos de arrendamento a celebrar após o termo desse prazo de 30 anos (como concluiu erradamente a Ré), o mesmo não teria estabelecido, como estabeleceu de forma expressa, clara e objetiva, que o referido prazo de caducidade seria a contar da data da licença de habitação.
20. É forçoso concluir que o legislador terá querido consagrar a solução mais acertada e a mais justa.
21. Pelo que, de acordo com o disposto nos artigos 9º e 12º, n.º 2, do CC, o Tribunal a quo fez uma interpretação e aplicação correta do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 608/73.
22. Do acima exposto resulta, em concreto, que o prazo de caducidade de 30 anos estabelecida no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 608/73 tem aplicação ao Contrato de Arrendamento em análise.
23. O Tribunal a quo concluiu corretamente quando concluiu o seguinte: “… se no regime anteriormente aprovado não era fixado prazo de sujeição do imóvel ao regime da renda limitada, o Decreto-Lei n.º 608/73, revogando a anterior legislação, veio estabelecer que tal ónus se extinguia passados 30 anos, contados desde a emissão da licença de habitação. No caso aqui em apreço, tal prazo iniciou-se em 18.04.1956, pelo que o ónus cessaria no ano de 1986.” (sublinhado e negrito nossos).
24. A Lei n.º 46/85 não pretendeu substituir nem afastar o Decreto-Lei n.º 608/73.
25. O Decreto-Lei n.º 608/73 (que repôs em funcionamento o regime especial de casas de renda limitada definido pelos Decretos-Leis n.º 36212, de 4 de Abril de 1947, e 41532, de 18 de Fevereiro de 1958, cujo prazo de vigência cessou por não ter sido prorrogado) definia o regime aplicável às casas de renda limitada, sujeitas ao ónus da renda limitada.
26. A Lei n.º 46/85, definia os regimes de renda livre, condicionada e apoiada nos contratos de arrendamento para habitação.
27. O artigo 8º deste diploma (Lei n.º 46/85) regulava a transição de regimes e, no seu n.º 2, estabelecia o seguinte: os arrendamentos de prédios destinados à habitação existentes à data da entrada em vigor da presente lei em regimede renda que não seja o referido no número anterior (o que é o caso), ficam sujeitos às disposições desta Lei (Lei n.º 46/85).
28. O Contrato de Arrendamento em análise, destinado a habitação, passou a ficar sujeito às disposições da Lei n.º 46/85, no que toca ao regime de renda.
29. De acordo com o disposto nos seus artigos 5º e 7º da citada Lei n.º 46/85, o Contrato de Arrendamento em causa passou a estar obrigatoriamente sujeito ao regime de renda condicionada.
30. É isso que também decorre da regra geral do artigo 12º, n.º 2, do CC, nos termos da qual as leis relativas às relações jurídicas de arrendamento ou locatícias aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso.
31. Assim, bem andou Tribunal a quo quando concluiu que, “Face a tal normativo, é de concluir que o imóvel dos autos, sujeito antes ao regime da renda limitada, passaria a estar obrigatoriamente sujeito ao regime de renda condicionada.”
32. Tendo em conta o disposto no n.º 3 do citado artigo 7º da Lei n.º 46/85, o Tribunal a quo não podia ter concluído de forma diferente da que concluiu quando afirmou que “… tal obrigatoriedade cessaria passados 25 anos da data da emissão da licença de utilização, ou seja, no ano de 1981 – anterior à entrada em vigor da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro – pelo que nunca chegou a constituir-se a obrigatoriedade de renda condicionada para este arrendamento (art.º 12º, n.º 1, do CC)” (sublinhado e negrito nossos).
33. Há que ter ainda em consideração o disposto no n.º 3 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 288/93, de 20 de Agosto, bem como o disposto no artigo único do Decreto-Lei n.º 23/95, de 8 de Fevereiro, normas que a Recorrente ignorou totalmente nas suas alegações e conclusões de recurso.
34. Destas normas resultava que o ónus da renda limitada cessa automaticamente decorridos cinco anos após a celebração da escritura de aquisição do imóvel, independentemente da titularidade do respetivo direito de propriedade.
35. Pelo que, face às citadas disposições legais, concluísse como o Tribunal a quo:
a) O ónus da renda limitada a que se encontrava sujeito o imóvel versado nos autos cessou, por caducidade, em Maio de 2014 (a aquisição a favor da Autora foi registada em 21/05/2009 n.º 2 dos Factos Provados);
b) No dia 09/09/2014, quando a Autora enviou à Ré a carta registada com aviso de receção a comunicar a sua intenção da transição para o NRAU do Contrato de Arrendamento versado nos atos e à atualização da respetiva renda mensal para a quantia de € 1.496,59 (n.º 19 dos Factos Provados), o Contrato de Arrendamento em causa já estava sujeito ao regime de renda livre;
c) À data de entrada em juízo da pressente ação (02/06/2020), o imóvel em causa já há muito se encontrava sujeito ao regime de renda livre, por extinção do ónus de renda limitada;
d) Ao contrato de arrendamento aqui em análise é aplicável o previsto no NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, designadamente no que ao caso importa, no que respeita a atualização da renda.
36. A conclusão de que o imóvel em causa já há muito se encontrava sujeito ao regime de renda livre, por extinção do ónus de renda limitada, também resulta do teor da descrição predial do imóvel em causa, junto da competente Conservatória do Registo Predial.
37. Por força dos artigos 10º do Decreto-Lei n.º 36212, de 7 de Abril, 15º do Decreto-Lei n.º 608/73, de 14 de Novembro, e 2º do Código do Registo Predial (na versão do atual e dos anteriores Códigos), na descrição inicial do prédio em análise (anterior a 1961), foi feito constar a declaração do carácter limitado da renda, assim como do montante desta.
38. Na descrição n.º 18600, fls. 175, do Livro B 68, da Primeira Conservatória do Registo Predial de Lisboa, consta o seguinte: “Prédio urbano e rústico sito na ... …… Está inscrito no artigo ... da matriz predial urbana da freguesia de Arroios. Tem limitado a 880$00 a sua renda global mensal ….”.
39. Na inscrição n.º 11, de 16 de Fevereiro de 1961, referente à transmissão por compra do imóvel em causa a favor de CC, casada sob o regime de completa e absoluta separação de bens com BB, pode ler-se a seguinte menção: “… do prédio descrito sob n.º ...8...00, sujeito ao condicionalismo de casas de renda limitada …” (vd. fls. 337, 338 e 339 dos autos – Certidão da Primeira Conservatória do Registo Predial de Lisboa, datada de 9 de Novembro de 1993, que faz parte do documento de fls. 284 e seguintes, correspondente ao Doc. 6 da Contestação, o qual foi valorado pelo Tribunal a quo na formação da sua convicção, como resulta da Motivação da decisão de facto da Sentença recorrida).
40. Anos mais tarde, em resultado da extinção do ónus da renda limitada, por caducidade, deixou de constar da descrição do prédio em causa qualquer declaração ou menção do carácter limitado da renda, assim como do montante desta, como resulta do teor da Certidão do Registo Predial de 06/04/2011, de fls. 328 dos autos, e de 27/01/2020, de fls. 9 e seguintes dos autos.
41. O teor dos sucessivos diplomas legais acima referidos evidenciam a preocupação do nosso legislador em colocar um limite temporal ao ónus da renda limitada a que estavam sujeitas as casas de renda limitada.
42. Pois, a falta desse limite temporal poderia contribuir para o desequilíbrio das relações locatícias, em violação do princípio da equivalência das atribuições patrimoniais, como se verifica no caso dos autos - arrendamento de uma moradia destinada a habitação, composta por cave, rés-do-chão, primeiro andar e garagem, com logradouro (terreno) com uma área de 664,49 m2, situada em pleno coração de Lisboa, na freguesia de Alvalade, com inicio em 1973, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 4,39 (quatro euros e trinta e nove cêntimos).
43. No caso concreto estamos perante uma relação locatícia desequilibrada, em que a verdadeira prejudicada é a Recorrida e não a Recorrente.
44. Com a extinção do ónus da renda limitada, o Contrato de Arrendamento versado nos autos passou a estar sujeito ao regime de renda livre.
45. O artigo 61º do NRAU excluía a aplicabilidade do novo regime dos contratos inseridos nos regimes de renda condicionada e apoiada, o que não era o caso do Contrato de Arrendamento sub judice, que se encontrava inserido no regime de renda livre.
46. Ao Contrato de Arrendamento em análise não é aplicável a Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, que estabeleceu o regime de renda apoiada, mas o NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
47. Bem andou o Tribunal a quo ao concluir que “ao contrato de arrendamento aqui em análise é aplicável o previsto no NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, designadamente, e no que ao caso importa, no que respeita a atualização de rendas.
48. O regime de aumento de renda disposto nos artigos 30º e seguintes do NRAU era e é o aplicável ao Contrato de Arrendamento em análise ex. vi. artigos 27º e 28º do NRAU.
49. Face aos factos dados como provados nos n.ºs 19, 20, 21 e 22 dos Factos Provados da Sentença recorrida, estava a Ré obrigada a proceder ao pagamento da renda atualizada no valor de € 1.496,59, a partir de Janeiro de 2015, como concluiu, e bem, o Tribunal a quo.
50. Não tendo pago a renda no valor devido (€ 1.496,59), a Ré constituiu-se em mora desde Janeiro de 2015, verificando-se causa de resolução do Contrato de Arrendamento, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 1083º do CC.
51. Os motivos alegados pela Ré para justificar este seu comportamento, não justificam tal comportamento, não o desculpam, nem lhe retiram “gravidade”, pois contrariamente ao alegado pela Ré, esta sempre soube a quem e como pagar a renda devida.
52. A Ré não tem qualquer razão quando alega que exerceu oportunamente a faculdade de sanação da mora que lhe é concedida pelo artigo 1048º, n.º 1, do CC, pois, como resulta do teor do documento designado por “Depósito de Renda”, junto com a Contestação como Doc. 3, de fls. 79 dos autos, as rendas que foram pagas mediante depósito na CGD, não correspondem às rendas devidas.
53. Os pagamentos efetuados pela Ré mediante consignação em depósito não são válidos, a Ré manteve-se em mora e o direito da Autora à resolução do Contrato de Arrendamento em causa não caducou, ao abrigo do disposto no artigo 1048º, n.º 1, do CC..
54. Assim, só podemos concluir que o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento quando julgou procedente o fundamento resolutivo invocado pela Autora, ora Recorrida, de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda (falta de pagamento da renda devida).
Face ao exposto, não há, consequentemente, fundamento de facto nem de direito para pôr em crise a Douta Decisão recorrida.”
***
O Recurso foi devidamente admitido com efeito suspensivo e modo de subida adequados.
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II. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que no caso concreto cumpre apreciar:
- Da reapreciação da matéria de facto;
- Do erro de julgamento, devendo considerar-se que o arrendamento está ainda sujeito ao regime de renda limitada;
- Da sanação da mora.
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III. Fundamentação de Facto:
Foi a seguinte a decisão sobre a Matéria de Facto na Sentença:
A. Factos Provados

A A. é a legítima proprietária do prédio urbano (vivenda) sito na Rua ..., em Lisboa, freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ..., da freguesia de São Jorge de Arroios, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o atual art.º ...º, da freguesia de Alvalade.

A aquisição do direito de propriedade da A. encontra-se registado pela Ap. ... de 2009/05/21, sendo a respetiva causa partilha, e sujeito passivo CC.

Pela Ap. ...de 1961/01/16 encontrava-se inscrita a aquisição a favor de CC, casada com BB, no regime da separação de bens.

BB faleceu em .../.../2002, no estado de viúvo de CC.

Por escrito datado de 07/11/1973 BB como senhorio e DD como inquilino declararam ajustar entre si o arrendamento do prédio descrito em 1º, pelo período de um ano sucessivamente renovável, com início em 01/11/1973, para habitação do inquilino, mediante o pagamento da renda mensal de Esc. 12.000$00.

DD e a ré AA casaram um com o outro em .../.../1982.

DD faleceu em .../.../1984 no estado de casado com a ré AA.

EE nasceu em .../.../1965e é filho de FF e de AA Mensurado.

A sociedade ...EE - Sociedade Unipessoal, Lda., é uma sociedade comercial unipessoal por quotas, sendo o seu único sócio EE, tendo por objeto o comércio a retalho de produtos alimentares e de nutrição e prestação de serviços relacionados com os mesmos, atividades cinematográficas e prestação de serviços relacionados com os mesmos.
10º
Não tendo quaisquer trabalhadores, sendo toda a sua atividade desenvolvida pelo sócio único.
11º
Atividade essa que é desenvolvida apenas em termos formais e burocráticos no locado, que funciona apenas como local onde a sede da sociedade se encontra domiciliada, não desenvolvendo materialmente aí a sua atividade.
12º
A R. e seu filho, EE, habitam no prédio descrito em 1º.
13º
Após o falecimento de BB, ocorrido em ... de ... de 2002, e até dezembro de 2010, a R., AA, tem procedido ao depósito das rendas junta da Caixa Geral de Depósitos, por desconhecer quem fosse o seu senhorio.
14º
Desde a data referida na alínea anterior os réus AA e EE habitam o prédio acima descrito sem qualquer oposição.
15º
Pelo menos desde a data referida em 6º a R. passou a residir, juntamente com o seu marido DD, na moradia identificada em 1º, sendo o imóvel a residência própria e permanente do casal.
16º
Em........1984, DD faleceu no estado de casado com a R.
17º
O direito ao arrendamento relativo à vivenda identificada em 1º foi transmitido à R.
18º
Foi acordada entre as partes inicialmente uma renda mensal de Esc. 12.000$00 (doze mil escudos) e posteriormente uma renda mensal de Esc. 880$00 (oitocentos e oitenta escudos), a ser paga adiantadamente em casa do senhorio ou no local que este indicar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda disser respeito.
19º
No dia 09/09/2014, a A. enviou à R. carta registada com aviso de receção a comunicar-lhe a intenção de transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano do contrato de arrendamento habitacional e a atualização da respetiva renda para a quantia mensal de €1.496,59.
20º
Em resposta àquela carta, a R., no dia 01/10/2014, enviou à A. uma carta a comunicar a sua oposição à transição do contrato de arrendamento para o NRAU e ao novo valor da renda proposto pela A., invocando para o efeito o seguinte:
“Conforme resulta da minha certidão de nascimento, emitida em 30 de setembro de 2014, pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, que anexo, possuo na presente data mais de 65 anos de idade.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 31º, n.º 1, n.º 4, alínea b), n.º 5, e 36º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, oponho-me à transição do contrato de arrendamento supra identificado para o NRAU, nomeadamente quanto ao tipo e prazo propostos por V. Ex.ª, mantendo-se o mesmo plenamente em vigor sem alteração do seu regime.
Acresce que, sendo o contrato de arrendamento supra identificado um contrato com renda condicionada, atento o disposto no artigo 61º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o seu regime mantém-se em vigor, pelo que me oponho ao valor de renda proposto por V. Exas.
Aproveito para solicitar a V. Exas que, querendo, indiquem NIB de conta bancária para que possa proceder ao pagamento da renda que tem vindo a ser depositada há mais de 10 anos na Caixa Geral de Depósitos.”
21º
Em resposta a esta carta, a A., no dia 03/11/2014, enviou à R. uma carta registada com aviso de receção, a comunicar-lhe o seguinte:
“(…)
Tendo V. Exa. invocado e comprovado ter idade igual ou superior a 65 anos e, opondo-se à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, mantém-se o contrato em vigor por tempo indeterminado – art.º 36º, n.º 1, NRAU.
No que respeita ao valor da renda, V. Exa. opôs-se ao valor que propusemos, por o contrato de arrendamento em causa ser um contrato de renda condicionada – o que não é exato, visto que o referido contrato de arrendamento não está, nem nunca esteve, sujeito ao regime de renda condicionada.
Pelo exposto, não aceitamos que o valor da renda se mantenha, pelo que a renda mensal é atualizada para o valor de €. 1.496,59 (mil quatrocentos e noventa e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), por aplicação do disposto no art.º 35º, n.º 2, a) e b), ex vi art.º 36º, n.º 6, NRAU.
A nova renda é devida a partir da que se vence no próximo dia 1 de janeiro de 2015, que deve já ser paga pelo indicado valor – art.º 36º, n.º8, NRAU.
O pagamento da renda deve ser efetuado por depósito ou transferência bancária a crédito da n/conta no Banco BIC com o NIB ...109.”
22º
Esta carta enviada em 03/11/2014, foi recebida pela R. em 05/11/2014.
23º
A R. não tem pago qualquer renda à A. pelo menos desde janeiro de 2015, nem a renda no valor anterior à atualização, nem no valor de €.1.496,59.
24º
A R. é proprietária dos seguintes prédios urbanos:
a) Fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao segundo andar, esquerdo, para habitação, do prédio urbano sito na ... Lisboa, freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º ...º;
b) Prédio urbano em propriedade total, com 5 pisos e 10 andares - direitos e esquerdos - ou divisões com utilização independente, todos elas para habitação, sito na ... ..., Queluz, Belas, União das Freguesias de Queluz e Belas, concelho de Sintra, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º ...º.
25º
A aqui A. intentou ação em que demandou a aqui R., e ainda EE e ...EE - Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo a condenação dos ali RR. a reconhecer a A. como proprietária do prédio identificado em 1º, e a restituí-lo à A., tudo com fundamento em ocupação do imóvel sem qualquer título.
26º
A referida ação correu termos na 3ª secção da 5ª Vara Cível da comarca de Lisboa, sob o nº de processo 2072/10.0TVLSB.
27º
Por sentença de 26.11.2011 foi tal ação julgada improcedente, visto ter-se dado como provada a existência de relação locatícia entre a autora e ré AA.
28º
Para além dos depósitos referidos em 13º, a R. tem vindo a depositar a renda na Caixa Geral de Depósitos, no valor de €4,39 mensais, entre janeiro de 2011 e pelo menos outubro de 2020.
29º
A aqui R. intentou contra a A., e outros, ação declarativa na qual pedia a declaração do direito de preferência da autora nos negócios que culminaram com a aquisição, pela aqui A., do direito de propriedade sobre o imóvel referido em 1º, e fosse ordenada a substituição da ali A. e aqui R. à ali R. e aqui A. como proprietária do imóvel.
30º
Tal ação correu termos na 3ª secção da 5ª Vara Cível da comarca de Lisboa, sob o nº de processo 756/11.5TVLSB
31º
Por decisão de 18/03/2014, foi julgada deserta a instância, por negligência da ali A. em promover o impulso processual, por mais de seis meses.
32º
Tal decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/06/2014.
33º
O imóvel identificado em 1º encontra-se licenciado para habitação pela licença nº216 de 18.04.1956, sob o regime da renda limitada, com o limite mensal de Esc.:880$00.
*
B. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, não resultou provado que:
- A R. não reside no locado.
- Há já mais de dois anos que a R. não mantém o centro da sua vida familiar no locado.
- Não pernoitando no espaço arrendado.
- Não confecionando ou tomando as suas refeições no locado.
- Não lavando, estendendo ou cuidando da sua roupa no espaço arrendado.
- Não recebendo amigos e visitas no espaço em causa.
- Não passando aí os seus momentos de lazer e de repouso.
- Não recebendo aí a sua correspondência.
- Deixando de ser vista a entrar e a sair do espaço arrendado.
- Tudo isto de forma continua, pelo menos há já mais de 2 anos.
- O locado passou a ser ocupado e usado por outras pessoas que não a arrendatária e foi-lhe dado um destino diferente do destino de “habitação”.
- A R. vive no locado desde 1973, para o qual foi morar com o seu então companheiro DD.
- A A. agiu de modo a prejudicar a permanência da R. no locado, pois o seu intuito desde o início foi forçar a desocupação do mesmo a todo o custo.
*
IV. Da Reapreciação da Matéria de Facto.
Cumprindo com os requisitos exigidos pelo art.º 640º do Código de Processo Civil, a Recorrente pretende que se adite à Matéria de Facto Provada o seguinte: “A Ré procedeu à consignação em depósito a favor da Autora da quantia de € 889,61, junto da Caixa Geral de Depósitos, em 25/9/2020.”
Para tanto invoca a prova documental junta aos autos, nomeadamente por documento junto ao requerimento de 10/04/2023 (ref.ª 35629507), e admitido por despacho de 8/11/2023, entendendo a recorrente que tal facto não consta do elenco de factos provados constante da sentença recorrida.
Tem razão a R., pois o que veio a ficar assente em 13º e 28º respeita ao pagamento mensal da renda por parte da R.; o documento junto com o requerimento de 10/4/2023 respeita ao depósito efectuado destinado a sanar qualquer eventual mora, nos termos conjugados dos artigos 1041.º n.º 1 e 1048.º n.º 2 do Código Civil, no montante de 889,61 € efectuado com a menção “com vista à caducidade do direito de resolução”.
Assim, adita-se aos Factos Assentes o seguinte:
“34º
A Ré procedeu à consignação em depósito a favor da Autora da quantia de € 889,61, junto da Caixa Geral de Depósitos, em 25/9/2020.”
***
V. Do Direito.
Nos presentes autos, em súmula, pretende a R. que em 2014, na data do envio das cartas pela A. das quais consta a actualização do valor da renda, o contrato de arrendamento se encontrava ainda sujeito ao regime do DL 36212 (ex vi artigos 1.º n.º 2 e 50.º n.º 1 do DL 608/73), e assim se manteve até à entrada em vigor da Lei 81/2014, em 1/5/2015, pelo que tal actualização de rendas não lhe é aplicável, falecendo em consequência, mercê da consignação das rendas em depósito, o fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
Não está posto em causa que o imóvel aqui em causa foi licenciado para habitação e sujeito ao regime de renda limitada, sendo a renda fixada em 880$00 e que o arrendamento celebrado por escrito datado de 7/11/1973, com início em 01/11/1973, o foi sujeito a este regime de renda, tal como estabelecido pelo DL 36212 de 7 de Abril de 1947.
Logo no dia 14/11/1973 foi publicado o Decreto-Lei n.º 608/73, o qual dispunha no seu preâmbulo do seguinte:
“1. Conhecem-se os benefícios que resultaram da adopção, durante apreciável período, do regime especial de casas de renda limitada, definido pelos Decretos-Leis n.ºs 36212, de 7 de Abril de 1944, e 41532, de 18 de Fevereiro de 1958, o qual permitiu a numerosas famílias a possibilidade de disporem de habitação condigna com rendas compatíveis com os seus rendimentos.
A par disso, porém, surgiram muitos abusos e casos manifestos de fraude à lei, e daí que não tivesse sido prorrogado o prazo de vigência de tal regime ao atingir-se o termo do período de dez amos fixado em 1958.
Acontece, no entanto, que, com a reorganização do Fundo de Fomento da Habitação, na âmbito da Secretaria de Estado do Urbanismo e Habitação, o Estado dispõe actualmente de um organismo destinado a pôr em acção meios de análise da situação habitacional que lhe permitirão intervir de forma adequada e com a conveniente rapidez sempre que se verifiquem distorções dos quadros legais estabelecidos.
Considera-se oportuno, portanto, repor em funcionamento o sistema de construção e locação de casas de renda limitada, corrigindo-o naqueles aspectos que a prática revelou carecidos de revisão.
2. O presente decreto-lei reproduz os preceitos dos dois diplomas já citados, com algumas alterações de pormenor, mas é inovador, porém, quanto ao modo como as casas de renda limitada devem ser oferecidas para venda ou arrendamento, ao processo de garantia do pagamento da renda e, consequentemente, quanto ao processo de despejo.
Importa especialmente destacar a criação de agências concelhias, ou «bolsas de habitação», que visam assegurar a publicidade de todos os actos pré-contratuais, por forma que os interessados neste tipo de locação tenham iguais possibilidades, e garantir que as casas de renda limitada sejam utilizadas por determinados estratos económicos, independentemente de prémios ou outros subterfúgios que se tornaram regra no regime legal anterior.
A bolsa de habitação terá o tempo de todas as casas de renda limitada e intervirá, directa e objectivamente, na selecção do inquilino e na formação do contrato.
Atribui-se aos municípios o encargo de assegurar o funcionamento das bolsas de habitação, pois se julga que será possível reforçar o papel das autarquias locais na realização deste tipo de interesses. Os encargos com a prestação dos serviços serão cobertos com as receitas previstas neste diploma.
Outro problema que se impunha resolver era o da dificuldade ou impossibilidade de conseguir habitação adequada por falta de fiador idóneo.
Segundo a fórmula aqui prevista, a Administração chama a si a garantia do pagamento das rendas que se venceram e não foram satisfeitas pelos inquilinos, através do sistema de depósito de caução.
A publicização dos contratos de locação tem como corolário a necessidade de que o despejo com fundamento em não pagamento de renda seja particularmente célere. O esquema estabelecido assegura os requisitos de rapidez, sem prejuízo dos interesses de ordem pessoal que importa proteger, ficando, no entanto, de reserva a hipótese, já em estudo, de vir a ser posto em prática um outro sistema de seguro a favor do inquilino colocado involuntariamente na situação de não poder pagar a renda e, consequentemente, sujeito ao despejo. Limita-se o novo diploma a utilizar, nestes casos, o processo de despejo administrativo.”
Logo no art.º 1º deste diploma dispunha-se que:
“1. as casas de renda limitada ficam sujeitas ao regime instituído pelo presente diploma.
2. O ónus da renda limitada é de trinta anos, contados da data da licença de habitação, sem prejuízo de continuarem sujeitos ao regime anterior os arrendamentos em vigor no seu termo.”
E dispunha o art.º 50.º do mesmo DL que:
“1. As casas de renda limitada construídas ao abrigo dos Decretos-Leis n.os 36212, de 7 de Abril de 1947, 36700, de 29 de Dezembro de 1947, e 41532, de 18 de Fevereiro de 1958, ficam sujeitas, quanto ao seu arrendamento, às disposições dos capítulos V e VI do presente diploma logo que vagarem, e, quanto à sua alienação, ao disposto no capítulo VII; com ressalva, porém, num e noutro caso, dos direitos adquiridos à sombra do regime anterior.
2. À alienação das casas unifamiliares construídas segundo o regime constante dos diplomas referidos no n.º 1 aplicam-se as disposições da lei geral.”
Pretende a recorrente que da parte final do n.º 2 do art.º 1º e deste artigo 50º resulta que o contrato de arrendamento em causa ficou sujeito à disciplina do DL 36212, logo, sem prazo de caducidade.
Não é assim.
Não há dúvida que o contrato de arrendamento estava em vigor na data da entrada em vigor do DL 608/73 e que no caso, o prazo de trinta anos, contados desde a emissão da licença de habitação iniciou-se em18/4/1956, pelo que não havia ainda decorrido, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 608/73 os 30 anos previstos na Lei.
Assim, aplicavam-se a este contrato as regras constantes do DL36212, com excepção do prazo de caducidade, aplicável de imediato por força do art.º 1º, n.º 1 e n.º 2 e com as excepções previstas pelo art.º 50º, que determinava a aplicação quanto ao seu arrendamento, das disposições dos capítulos V e VI do presente diploma logo que vagarem, e, quanto à sua alienação, ao disposto no capítulo VII; com ressalva, porém, num e noutro caso, dos direitos adquiridos à sombra do regime anterior.
De facto, há que ter em conta que o DL 608/73 alterou o regime a que estavam sujeitos os contratos de renda limitada, nos termos constantes desse diploma; é quanto a estes aspectos do regime aplicável que a Lei estabelece a ressalva relativamente aos contratos anteriores, permanecendo nestes aspectos tais contratos sujeitos à legislação anterior.
Mas já assim não acontece quanto ao prazo de caducidade, este aplicável desde logo aos contratos em vigor; senão não faria qualquer sentido que a Lei estabelecesse o seu início da data da licença de habitação; a não ser assim, o legislador teria dito que o prazo de caducidade apenas se aplicaria aos contratos celebrados após a entrada em vigor do DL 608/73, o que não sucedeu.
Fazendo a aplicação do prazo de caducidade previsto na lei, o ónus cessou em 19/4/1986.
Entretanto, entrou em vigor [nos termos do seu art.º 53º: “1 - A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação na parte em que tal não dependa da sua prévia regulamentação. 2 - A actualização das rendas resultante da aplicação, nos termos da presente lei, dos artigos 11.º e 12.º só poderá ter lugar após a regulamentação do subsídio previsto no artigo 22.º. 3 - Na parte restante a sua entrada em vigor coincide, com a da referida regulamentação] a Lei 46/85 que estabeleceu no seu artigo 1º que “Nos contratos de arrendamento para habitação podem estabelecer-se regimes de renda livre, condicionada e apoiada, de acordo com o estipulado na presente lei.”
De acordo com o art.º 7º desse diploma:
“(…) 2 - O regime de renda condicionada é também obrigatório nos arrendamentos: (…)
d) De fogos construídos por particulares e sujeitos ao ónus do Decreto-Lei n.º 608/73, de 14 de Novembro, designadamente os construídos ao abrigo de contratos de desenvolvimento para habitação.
3 - A obrigatoriedade imposta no número anterior cessa decorridos 25 anos, contados da data da primeira transmissão do prédio, nos casos das alíneas a) e b), e da data da emissão da licença de utilização, nos casos das alíneas c) e d), sem prejuízo do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 31/82, de 1 de Fevereiro, e no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 260/84, de 31 de Julho.”
De acordo com esta norma, o contrato ficou sujeito ao regime de renda condicionada, sendo que nos termos do n.º 3 a caducidade já se teria operado em 1981; porém há que fazer aplicação do disposto pelo art.º 297º, n.º 1 do Código Civil, logo, o decurso do prazo de caducidade ocorreu apenas 19/4/1986.
A regulamentação da renda condicionada foi efectuada pelo Decreto-Lei n.º 13/86, de 23 de Janeiro, com e.v. no dia seguinte ao da sua publicação.
Desta forma, o contrato ficou, com a entrada em vigor da Lei 46/85 sujeito ao regime de renda condicionada até ao termo do prazo da caducidade.
Em 19/4/1986 caducou este ónus.
E, aqui chegados, tal como se faz referência na Sentença agora em análise, ainda que assim não se entendesse, há que ter em consideração o disposto pelo art.º 4º, n.º 3 do Decreto-Lei n.° 288/93 de 20 de Agosto que estabeleceu que: “A alienação de fogos sujeitos ao ónus do Decreto-Lei n.º 608/73, de 14 de Novembro, e o ónus da renda económica cessam automaticamente decorridos cinco anos após a celebração da escritura de aquisição do imóvel.”
Tendo a aquisição pela autora ocorrido em 2009, tendo sido registada em 21/5/2009, na data do envio da comunicação da transição para o NRAU, ocorrida em Setembro de 2014, já o ónus se teria extinguido e o contrato passaria a estar sujeito ao regime de renda livre.
Ou seja, o contrato nessa data já estava sujeito ao regime do NRAU, Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro mais precisamente na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, nos termos do seu art.º 27º, não se aplicando a excepção prevista pelo art.º 61º.
Desta forma, falece a argumentação da recorrente expendida nas suas Conclusões XXXIV a XLIV relativamente à inadmissibilidade do aumento de renda pretendido pela A., uma vez que esta se fundamentava na manutenção do contrato sujeito ao ónus da renda condicionada, o que já se afastou conforme supra referido.
Desta forma, tendo a A. procedido às comunicações previstas pelo NRAU relativamente à actualização da renda, conclui-se como na Sentença recorrida: “Visto que o presente contrato de arrendamento foi celebrado em data anterior à de entrada em vigor do RAU, pelo que a transição para o NRAU se rege pelo disposto nos artigos 27º e seguintes deste diploma. Concretamente, e no que respeita a atualização do valor da renda, a iniciativa cabe ao senhorio, que deverá comunicar tal intenção ao inquilino, conforme previsto no art.º30º.
Tal comunicação foi realizada pela aqui autora em 09/09/2014, conforme resultou provado, (cf. 19º).
Conforme também resultou provado (cf. 20º), a ré respondeu alegando ter idade superior a 65 anos (art.º 31º nº3 al. c) e nº4 al. b do NRAU), e opondo-se à atualização de renda, com fundamento em o locado estar sujeito ao regime de renda condicionada.
Dado o que se concluiu supra, resulta que tal afirmação não é verdadeira, pelo que não tem razão a ré e arrendatária em opor-se à atualização de renda.
Com efeito, como se viu supra, extinguindo-se o ónus de renda limitada, o contrato de arrendamento passa a estar sujeito ao regime de renda livre, pelo que pode o senhorio proceder à atualização de renda, nos termos definidos no NRAU.
Ora conforme explica a aqui autora em comunicação posterior (cf. facto 21º), a renda foi calculada e é devida nos termos previstos no art.º 35º, n.º 2, a) e b), ex vi art.º 36º, n.º 6, NRAU, e é devida a partir da que se venceu no seguinte dia 1 de janeiro de 2015, (art.º 36º, n.º8, NRAU).
Estava a ré obrigada, portanto, a proceder ao pagamento da renda atualizada, no valor de €1.496,59; a partir de janeiro de 2015.”
Pretende a recorrente que o facto de não proceder ao pagamento da renda mas antes à sua consignação, no valor de 4,39 € mensais, a favor de um terceiro, como vinha fazendo desde 2002, se deve a erro que se deve considerar desculpável.
Mais invoca que se deve considerar a sanação da mora, nos termos do art.º 1048º, n.º 1 do Código Civil, tendo passado a efectuar, desde a citação, o pagamento da renda por transferência bancária para a conta indicada pela recorrida na carta de 3/11/2014.
Dispõe o art.º 1083.º, n.º 3 do Código Civil que “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.”
De acordo com o art.º 1084º do mesmo diploma:
“1 - A resolução pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no n.º 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei de processo.
2 - A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
3 - A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês.
4 - O arrendatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.
5 - Fica sem efeito a resolução fundada na oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública se, no prazo de 60 dias, cessar essa oposição.”
Como resulta do art.º 1038º, a) do Código Civil, o pagamento da renda é a principal obrigação do arrendatário.
A falta de pagamento da renda no tempo devido, por causa imputável ao devedor (que se presume – artigo 799º do Código Civil) determina a constituição em mora, por força do disposto no artigo 804º, n.º 2 do Código Civil.
Incumbe à R. a alegação e a prova do cumprimento da obrigação, ou seja, do pagamento da renda, por força do disposto no artigo 5º, n.º 1 do Código do Processo Civil e no artigo 342º, n.º 2 do Código Civil, por se tratar de exceção perentória, causa de extinção da obrigação cujo cumprimento se peticiona.
E esta obrigação diz respeito à totalidade da renda, uma vez que a prestação só se considera realizada e a obrigação cumprida, se o for integralmente, como exige o artigo 763º, n.º 1 do Código Civil.
Como evidenciam Soares Machado e Regina Santos Pereira, Arrendamento Urbano (NRAU), 3.ª ed., Petrony, 2014, p. 55: “o locatário incorre em mora sempre que não cumpra pontualmente a obrigação de pagar a renda, pelo montante total, no dia do vencimento e no lugar de pagamento. Basta que falte um destes três requisitos para que se considere em mora.
O pagamento parcial equivale, para todos os efeitos, ao incumprimento da obrigação de pagar a renda (…).
A obrigação de pagamento da renda é relativa à totalidade da renda. Donde, se o locatário pagar apenas uma parte da renda que for devida, deve ter-se a mesma como não paga, sendo lícito ao senhorio recusar-se a receber apenas a parte que lhe é oferecida e que não corresponde ao que lhe é devido (…)”.
Posto isto, resulta nos autos que com a caducidade do ónus de renda limitada/condicionada e com as comunicações efectuadas em 9/9/2014, em que a A. enviou à R. carta registada com aviso de receção a comunicar-lhe a intenção de transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano do contrato de arrendamento habitacional e a atualização da respetiva renda para a quantia mensal de €1.496,59, à qual a R. respondeu em 1/10/2014; e a comunicação em 3/11/2014, em que a A. enviou à R. uma carta registada com aviso de receção, a comunicar-lhe que tendo a R. invocado e comprovado ter idade igual ou superior a 65 anos e, opondo-se à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, mantém-se o contrato em vigor por tempo indeterminado – art.º 36º, n.º 1, NRAU e que no que respeita ao valor da renda, a oposição da R. não pode proceder, uma vez que o contrato de arrendamento em causa não está sujeito ao regime de renda condicionada, pelo que o valor da renda é atualizado para o valor de €. 1.496,59 (mil quatrocentos e noventa e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), por aplicação do disposto no art.º 35º, n.º 2, a) e b), ex vi art.º 36º, n.º 6, NRAU, com vencimento a partir de 1 de janeiro de 2015, que deve já ser paga pelo indicado valor – art.º 36º, n.º8, NRAU; mais indicando a A. o Banco e o NIB da conta - carta enviada em 03/11/2014, foi recebida pela R. em 05/11/2014 – tem que se entender que se fixou definitivamente que o montante da renda devida pelo R. era de €. 1.496,5959 (mil quatrocentos e noventa e seis euros e cinquenta e nove cêntimos).
Mais resulta que não pode desde essa data a R. sustentar que o depósito das rendas se deveu a erro indesculpável, uma vez que a R. estava na posse da informação que lhe permitia proceder à transferência do montante da renda para a conta da A. – como aliás passou a fazer desde a data da citação.
Desta forma, a R. constitui-se devedora das rendas por esse montante, desde Janeiro de 2015, o que confere à A. o direito à resolução do contrato, que pode ser efectuada judicial ou extrajudicialmente, conf. art.º 1047º do Código Civil.
Já na pendência da acção poderia a R. obviar à resolução do contrato, procedendo ao pagamento, nos termos do art.º 1042º, n.º 1 do Código Civil, das rendas em atraso acrescida da indemnização igual a 20% do que for devido, conforme art.º 1041º, n.º 1 do mesmo diploma, o que não sucedeu.
Desta forma tem a A. fundamento para a resolução do contrato, nos termos em que se decidiu na Sentença.
Pelo exposto conclui-se que o Recurso improcede, mantendo-se a decisão recorrida.
***
VI. Das custas do recurso.
As custas do recurso são a cargo da Recorrente, nos termos do art.º 527, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
***
DECISÃO:
Por todo o exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, mantendo-se a Sentença proferida.
Custas pela Recorrente.
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Registe e notifique.
Lisboa, 10-04-2025
Vera Antunes
Cláudia Barata
Nuno Luís Lopes Ribeiro