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ARTICULADOS
ERRO DE CÁLCULO
ERRO DE ESCRITA
RECTIFICAÇÃO
Sumário
4.1. – É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada- cfr. artº 146º,do CPC. 4.2 – O lapso material referido em 4.1. e passível de rectificação, ocorre quando resulta manifesto que se escreveu algo diferente do que se pretendia escrever e há-de emergir da peça apresentada como uma divergência, clara e ostensiva, entre a vontade real do respectivo autor e o que acabou por ser exarado no texto. 4.3 – Não obstante o referido em 4.1. e 4.2., o erro material cometido pela parte no respectivo articulado só poderá ser rectificado se tal não implicar a anulação de actos processuais que já não estão em tempo de ser anulados, isto é, a rectificação não é de atender quando conduz necessariamente a mesma à invalidação de decisões relativamente às quais se formou-se já nos autos “ caso estabilizado”. 4.4. – A inadmissibilidade de rectificação nos termos indicados em 4.3. acontece v.g. quando obriga a mesma à invalidação de actos e/ou decisões do agente de execução que, porque não objeto de, respetivamente, reclamação ou impugnação para o juiz da execução, devem considerar-se estabilizadas na ordem jurídica, adquirindo uma força vinculativa e de incontestabilidade/inalterabilidade semelhante à que cobre as decisões judiciais transitadas em julgado, falando-se então de “caso estabilizado”.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de LISBOA
*
1.- Relatório Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A. , moveu em 2003 execução [ com base em Livrança ] contra A, Lda , B e C, com vista à cobrança coerciva da quantia total de 41.445,89€ .
1.2. - Prosseguindo a execução a respectiva e normal tramitação legal, vieram os executados B e C, em 5/11/2003, deduzir oposição à execução, sendo que, em 3 de Março de 2005, no âmbito de AUDIÊNCIA PRELIMINAR, os executados/embargantes desistiram [ desistência homologada por sentença ] dos embargos deduzidos e, concomitantemente, embargantes e embargada/exequente acordaram [ nos termos do disposto no art.º 882 do C.P.Civil ] nos seguintes termos : “ Pelos Ilustres mandatários das partes, …disseram que chegaram a acordo nos autos de execução nos seguintes termos: 1 - Consolidação da dívida em € 38.846,00. 2 - O pagamento da mesma será efectuado em 37 prestações mensais e sucessivas, de Março de 2005 a Março de 2008, conforme plano de pagamento ora apresentado que se junta, encontrando-se a 1ª já paga. 3 - As prestações serão pagas até 28º dia do mês a que disserem respeito.”
1.3. – Não obstante o referido em 1.2., em 14-11-2007, atravessou a exequente Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A., instrumentos nos autos informando que os executados não cumpriram o acordo identificado em 1.2. [ alegando terem os executados apenas pago em cumprimento do ACORDO formalizado a quantia de €4.400,00 + 1.050,00€ ], e solicitando em UM dos referidos instrumentos o prosseguimento dos autos com vista à cobrança do valor de capital de €10.261,60, acrescido de juros de mora e imposto de selo, tudo num total de €11.254,71.
1.4. – Em razão do referido em 1.2. e 1.3., por despacho proferido a 29/11/2007, foi determinado o prosseguimento da execução e, concomitantemente, ordenou-se a notificação dos executados para se pronunciarem sobre o valor quantificado pela exequente - nada tendo vindo dizer - , sendo o referido Despacho do seguinte teor : “Requerimento de fls. 83 e 84: Atento o acordo celebrado entre exequente e os executados no que respeita ao pagamento em prestações da quantia exequenda nos termos do disposto no artigo 882º do Código de Processo Civil, e não obstante a instância executiva não ter sido declarada suspensa determina-se o prosseguimento dos autos. Notifique os executados para, no prazo de dez dias, se pronunciarem, querendo, sobre a quantificação da dívida exequenda, atentos os pagamentos referidos a fls. 83 e 84.” .
1.5. – Já por despacho de 19-03-2009, e aludindo a requerimento da exequente Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A., identificado em 1.3. , foi proferido o seguinte despacho : “ Requerimento de fls. 84 Tome-se em consideração os pagamentos mencionados para efeitos de cálculo da quantia exequenda ”. * Proceda à penhora dos bens móveis existentes na residência dos 2.º e 3.º Executados, suficientes para garantir o pagamento da quantia exequenda e custas judiciais, levando-se em consideração o disposto no art. 822.º, al. f) e 848.º, ambos do Código de Processo Civil. Efectuada a penhora, notifique-se os Executados, nos termos dos artigos 838.º, n.º 1 e 855.º do Código de Processo Civil. Notifique. ”.
1.6. – Prosseguindo a execução com a realização de actos de penhora, por despacho de 21/2/2013 foi determinado que se procedesse à contagem e à liquidação intercalares dos autos, o que foi efectuado por conta nº 9588000088, de 5/3/2013, aludindo a mesma a uma Qtª Exeq. e juros até à data no montante total de 13.449,85€, e permanecendo ainda em dívida o montante de 9.652,52 €.
1.7. – Já em 11/4/2018, e no pressuposto de se mostrar paga a quantia exequenda e as custas [ com base em conta-corrente elaborada e com o nº 375415456 ], considera a Agente de Execução como extinta a execução [ cfr. art.º 849.º do CPC ], o que foi Notificado à exequente na mesma data [ cfr. certificação Citius elaborado em 11-04-2018 ].
1.8. – No seguimento do referido em 1.7., atravessa nos autos – a 23/4/2018 - a exequente Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A., instrumento de RECLAMAÇÃO da decisão de extinção, de 11/04/2018, com a referência 375415697, nele esclarecendo que permanece ainda em dívida o valor de capital de €40.561,75, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal desde 03/05/2005 [ que na data se cifram em € 3.941,23 ], solicitando assim a exequente que não deve manter-se a decisão de extinção pelo pagamento de 11/04/2018, com a referência 375415697 e , consequentemente, o prosseguimento dos autos pelo valor de €44.660, e respectivo imposto de selo de €157,65, num total de €44.660,63.
1.9. – Apreciando o requerimento identificado em 1.8, é proferido nos autos – em 23/3/2023 – a seguinte Decisão [ refª 424176113 ] :
“ (…) Na sequência da acordo de pagamento em prestações e seu incumprimento, por requerimento datado de 14.11.2007 veio a exequente dar conhecimento do pagamento parcial, e dizer ser credor dos executados do valor capital de 10 261,60€, acrescido de juros de mora e imposto de selo, tudo num total de 11 254,71€. Cumpre aqui referir que, com a reclamação ora em análise, a exequente veio juntar cópia de um requerimento ( sem carimbo de entrada no Tribunal e sem data ) no qual pede o prosseguimento da execução pelo valor de 44 298,62€, dizendo que o requerimento de 14.11.2007 se trata de um lapso. Porém, tal requerimento não consta do processo, sendo que a exequente, notificada, veio dizer que não dispõe de cópia carimbada, existindo a possibilidade do documento se ter extraviado. Posto isto, o certo é que o requerimento que consta do processo ( o referido, de 14.11.2007 ) foi objecto de despacho, proferido em 19.03.2019, que determinou fossem tidos em consideração os pagamentos mencionados pela exequente, para efeitos de cálculo da quantia exequenda. Como tal, a execução prosseguiu, tendo em conta o valor em dívida indicado pela exequente. E foi tendo em consideração tal valor que se procederam às penhoras. E também foi perante esse valor que foi elaborada conta em 5.03.2013, notificada à exequente e que não mereceu reclamação. E em 9.07.2015 foi elaborada nova conta, notificada à exequente e que não mereceu reclamação. Em 31.05.2016 foi elaborada a conta final, notificada à exequente e que não mereceu reclamação. Face ao pagamento – tendo em conta o valor referido pela exequente no requerimento de 14.11.2007 – foi a execução extinta. Face a tudo quanto se vem expor, resulta que os autos prosseguiram considerando o valor indicado pela exequente. Assim, a única conclusão a retirar é a de que a execução foi devidamente extinta, perante o pagamento da quantia que foi indicada pela própria exequente e liquidação feita em consequência de tal indicação. Não obstante ter sido a exequente a indicar o valor remanescente da dívida, ainda se poderia considerar a reclamação de conta de custas ( designadamente da conta final ), caso tivesse sido oportunamente feita. Sucede que a exequente não reclamou de qualquer das contas, pelo que as mesmas se consolidaram. Ora, a extinção da execução foi efetuada na sequência da conta elaborada (e consolidada), da qual resulta o pagamento da dívida, considerando os valores pagos extrajudicialmente e os decorrentes de penhora. Desta forma, nesta fase não é possível o prosseguimento da execução pelo valor que agora veio a exequente indicar como sendo devido. Assim, indefere-se reclamação. Custas pela exequente”.
1.10. - Inconformada com o teor do despacho/Decisão identificada em 1.9., do mesmo veio [ em 8/11/2023 ] a exequente Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A., interpor recurso de apelação, formulando na respectiva peça recursória as seguintesconclusões :
A) Não assiste razão ao Tribunal a quo no que respeita ao indeferimento da reclamação apresentada pelo exequente e que manteve a extinção da execução pelo pagamento declarada pela Secretaria.
B) O exequente juntou aos autos no mesmo dia (14.11.2007) 2 (dois) requerimentos, onde informa os autos de pagamentos realizados extrajudicialmente pelo executado no âmbito do acordo celebrado ao abrigo do então 882º do CPC e requer o prosseguimento dos autos, cf. fls. 83 fls. 84 dos autos respetivamente.
C) Os dois requerimentos divergem quanto aos valores pagos e quanto ao valor total pelo qual o exequente requer o prosseguimento da execução.
D) O exequente na mesma data apercebeu-se do lapso e terá junto (apenas agora com a reclamação apresentada se deu conta que não consta junto aos autos) requerimento a dar conta do lapso e de qual o requerimento que deveria ser atendido nestes autos, já que o outro se destinava a outra execução.
E) Sendo verdade que este último requerimento do exequente não foi localizado junto ao processo nem o exequente localizou cópia carimbada, o que atentos os anos decorridos, dificulta sobremaneira tal tarefa, não é menos verdade que tal contrariedade não era impeditiva de o Tribunal apreciar corretamente a questão, relevando o lapso e ordenando o prosseguimento da execução pela quantia ainda em dívida.
F) Após ter dado entrada dos aludidos requerimentos a fls. 83 e 84 dos autos, o MM Juiz de Direito profere dois despachos, o primeiro a 29.11.2007 aludindo aos requerimentos de fls. 83 e 84 e o segundo despacho a 19.03.2009 onde alude apenas ao requerimento junto a fls. 84.
G) No despacho de 29.11.2007 o MM Juiz de Direito ordena que se atenda aos dois requerimentos de fls. 83 e 84 onde constam valores de pagamento parciais diferentes e um valor total para prosseguimento dos autos também diferente.
H) Já no despacho datado de 19.03.2009 decide o MM Juiz a quo que se tome em consideração os pagamentos mencionados pelo exequente, o que é diferente de tomarem consideração a liquidação feita pelo exequente em tal requerimento.
I) Desconhece-se o motivo pelo qual o MM Juiz de Direito desconsiderou o requerimento de fls. 83 e apenas atendeu ao de fls. 84, sendo certo que o Tribunal também não o diz na fundamentação da sua decisão, focando-se apenas no lapso do exequente.
J) Se a secretaria tivesse atendido apenas aos pagamentos mencionados no requerimento de fls. 84 – como ordenado pelo MM Juiz de Direito – facilmente teria verificado que o valor de 11.254,71€ padecia de erro de cálculo, erro esse aliás manifesto.
Veja-se:
a) Quantia exequenda inicial: €41.445,89
b) Pagamentos indicados pelo exequente através do requerimento a fls. 84:
24.06.2007 €525,00
24.07.2007 €525,00
Num total de €1.050,00
Ora, 41.445,89 menos €1.050,00 perfaz o total de €40.395,89!
Muito superior aos €10.261,60 indicados como capital e/ ou ao valor total acrescido de juros indicados de €11.254,71 no requerimento em causa.
K) É por demais óbvio que o exequente se enganou nos cálculos que fez, pois, tais pagamentos não reduziriam da forma indicada o valor de capital em dívida e/ ou a quantia exequenda.
L) O MM Juiz de Direito ordenou à secretaria que atendesse aos pagamentos referidos no requerimento, isto é, a €525,00+€525,00 e não à liquidação da dívida realizada pelo exequente, pelo que a Secretaria errou, ao limitar-se a reduzir a quantia exequenda para €11.254,71 atendendo à liquidação e não aos pagamentos indicados pelo exequente e, a partir daí, efetuar os posteriores cálculos.
M) Donde a secretaria ao elaborar a conta incorreu em manifesto lapso, já que não atendeu aos pagamentos mencionados pelo exequente para calcular a quantia exequenda.
N) Chegados aqui fácil se torna a conclusão que estamos perante um mero lapso de cálculo e de escrita, que nos termos do artigo 249º do Código Civil apenas dá lugar à sua retificação.
O) São lapsos que se sucederam por todos os intervenientes e para os quais contribuiu certamente o tempo decorrido entre estes acontecimentos que não permitiu aos mesmos uma memória e consulta do processo que lhes permitisse detetar o erro antes desta data.
P) Acresce que a situação supra descrita é potencialmente diferente da que seria se ao processo apenas estivesse junto um requerimento (o de fls. 84). Mas não é o caso! O exequente juntou dois requerimentos, o correto e o que era destinado a outro processo.
Q) Errou o Tribunal a quo ao decidir que a execução foi devidamente extinta “(…) perante o pagamento da quantia que foi indicada pela própria exequente e liquidação feita em consequência de tal indicação”.
R) Como se deixou à saciedade demonstrado os pagamentos indicados pela exequente não foram, por um lado, só os indicados a fls. 84 mas (pelo menos) também os indicados a fls. 83. Mesmo que somados uns e outros não se chegaria à redução para €11. 254,71.
E não os somando e tomando em consideração apenas os de fls. 84 é flagrante o lapso de cálculo no que respeita à redução da quantia exequenda com base em tais singelos pagamentos.
S) Pelo que a decisão do Tribunal a quo para além de ilegal é manifestamente irrazoável, pois decidiu manter uma extinção de execução pelo integral pagamento, com tão flagrante erro, bastando um mero despacho para retificação do lapso e prosseguimento da execução para que tudo ficasse regularizado.
T) O Tribunal a quo ao ter decidido como decidiu violou o disposto no artigo 249º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente com a consequente revogação do despacho sob recurso, deferindo-se a reclamação e ordenando-se o prosseguimento da execução pelo valor em dívida.
1.11.- Dos autos não decorre que tenham os executados apresentado contra-alegações. * Thema decidendum
2. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
I - Aferir se decisão apelada se impõe ser revogada, porque para todos os efeitos a reclamação pela apelante deduzida merece ser atendida e isto porque : a) Pacífico é que a referência no requerimento da exequente ao prosseguimento da execução pelo valor de 11.254,71€ , padece de evidente erro de cálculo da ora apelante, erro de resto manifesto ; b) Logo, porque podia/devia o tribunal da execução - nos termos do artigo 249º do Código Civil – ter enveredado pela rectificação do apontado erro/lapso de cálculo e de escrita, impunha-se o prosseguimento da execução pela quantia correcta e exacta ainda em dívida ;
II - Aferir se à rectificação referida em I não deve obstar a não reacção [ através de pertinente reclamação ] da exequente apelante às diversas liquidações efectuadas nos autos pela agente de execução;
*
2.- Motivação de Facto
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da apelação pela exequente interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete, justificando-se à mesma adicionar ainda e também a seguinte [ a qual decorre outrossim do processado na execução ] ;
2.1. – Em 12/3/2013 notificou a Secção [ cfr. Certificação CITIUS: Elaborado em: 12-03-2013 ] a Exequente Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A, da conta supra referida em 1.6. [ nº 958800008812013 ] e para, querendo, no prazo de 10 dias, reclamar , o que não fez ;
2.2. - Em 9/7/2015 pela Secção foi efectuada a conta nº 920400131352015, aludindo a mesma em sede de liquidação do julgado à existência de um depósito autónomo no montante de 11.103,29€, ao valor de 10.301,59€ com referencia à quantia exequenda e juros até 17/10/14 e a um remanescente no montante de 801,70;
2.3. – A exequente Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A., foi notificada em 9/7/2015 da conta identificada em 2.1. e para [ cfr. art.º 31.º nº 3 do Regulamento das Custas Processuais], querendo, no prazo de 10 dias, pedir a reforma ou reclamar da conta, o que não fez ;
2.4. – Em 7-10-2015, A exequente Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A, atravessa nos autos de execução instrumento com o seguinte teor : “ Sofivenda, S.A., exequente nos autos à margem referenciados, notificado da conta vem requerer a transferência do valor depositado de €10.301,59 para a conta indicada no requerimento apresentado em 16/12/2013.”;
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3.-Motivação de Direito
3.1. – Se decisão apelada se impõe ser revogada, porque para todos os efeitos a reclamação pela apelante deduzida merece ser atendida e isto porque pacífico é que a alusão – no requerimento da exequente - ao prosseguimento da execução pelo valor de 11.254,71€ - padece de evidente/manifesto erro de cálculo da ora apelante.
Vem a exequente/apelante insurgir-se contra a decisão recorrida, para tanto aduzindo que caso a secretaria/tribunal tivesse atendido apenas aos pagamentos por si mencionados no requerimento de fls. 84 ,facilmente ter-se-ia verificado que o valor de 11.254,71€ que indicou – e pelo qual deveria prosseguir a execução - padecia de erro de cálculo, erro esse aliás manifesto.
Logo, no entender da apelante, e sendo por demais óbvio que a exequente se enganou nos cálculos que fez [ pois, tais pagamentos não reduziriam da forma indicada o valor de capital em dívida e/ ou a quantia exequenda ], também a secretaria - ao elaborar a conta – acabou por incorrer em manifesto lapso, o qual, nos termos do artigo 249º do Código Civil apenas dá lugar à sua retificação. Apreciando
Com relevância para a questão ora em apreciação [ rectius, aferir se a peça da exequente supra identificada em 1.3. e na qual solicita a exequente o prosseguimento dos autos com vista à cobrança do valor de capital de €10.261,60, acrescido de juros de mora e imposto de selo, tudo num total de €11.254,71 ], recorda-se que o actual CPC dispõe agora de dispositivo específico [ o com o nº 146º ] que sob a epígrafe de “ Suprimento de deficiências formais de actos das partes ”, reza que : 1- É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada . 2- Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa .
Porém, já o art.º 249º do CC [ dispondo o mesmo - a propósito do erro de cálculo ou de escrita nas declarações de vontade negociais - e sob a epígrafe de “ Erro de cálculo ou de escrita ”, que “ O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta” ], vinha servindo – por aplicação do artº 295º, do CC - como regra e/ou princípio geral, aplicável, nomeadamente, aos actos judiciais e das partes . (1)
Ainda no âmbito da lei adjectiva, é o artº 614º, nº1, do CPC, assertivo em permitir a rectificação de erros materiais ocorridos em Sentença, dispondo o mesmo que “ Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.”.
Isto dito, e a propósito do conceito de erro material, ensinava JOSÉ ALBERTO dos REIS (2) que o mesmo tem lugar quando se escreve coisa diversa do que queria escrever, quando o teor do “despacho” não coincide com o que se tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real.
Ademais, chamava ainda à atenção JOSÉ ALBERTO dos REIS (3) para as palavras “lapso manifesto” ( as quais integram ainda a parte final do actual nº1, do artº 614º, do CPC ), frisando que apelam as mesmas para que, em face das circunstâncias, exigível é que seja manifesto e claro que foi o autor do acto vítima de um erro material, ou seja , que “ necessário que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreenda claramente que se escreveu manifestamente coisa diferente do que se queria escrever....”.
Socorrendo-nos de seguida dos ensinamentos do Prof. CASTRO MENDES (4), “ o erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito”.
Em conclusão, no erro material existe uma divergência, clara e ostensiva, entre a vontade real do decisor e o que veio a ser exarado no texto, tratando-se de erro que ( cfr. artigo 249.° do Código Civil) se revela e ou evidencia do próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita.
Tudo visto e ponderado, temos assim que o erro material na vertente de erro de cálculo ou de escrita cometido em peça processual da parte é actualmente e de forma expressa susceptível de simples rectificação [ nos termos da norma do nº 1 , do artº 146º, do CPC, em moldes idênticos ao que já ocorria, antes da entrada em vigor do novo CPC, por recurso ao disposto no artº 249º do CC, ex vi do artº 295 do mesmo diploma ] desde que o mesmo se revele no próprio contexto da peça processual, isto é, pelo seu teor ou pelo teor de peças ou documento com que tenha conexão (5).
Já no nº 2, do mesmo dispositivo legal [ o artº 146º, do CPC ] , consagra-se a possibilidade de suprimento ou correção de vícios ou omissões puramente formais [ o que equivale a dizer que , a contrario, estão excluídos os vícios ou omissões substanciais, materiais ], o que acontece v.g. no âmbito de “ vícios ou omissões puramente formais: há uma omissão ou uma ininteligibilidade, total ou parcial, da vontade expressa por escrito, em razão de um impedimento técnico. Dito de outro modo, uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real causada pelo próprio corpus mechanicum de comunicação do ato, e não pela vontade da parte, como é o caso dos erros materiais do nº 1. (…) Trata-se de gralhas, truncagens, omissões e incompletudes, originadas em qualquer momento do ciclo de edição e apresentação do texto do ato processual escrito: na composição, impressão, anexação, apresentação e transmissão, seja em suporte de papel, seja em suporte informático”. (6)
Postas estas breves considerações, e incidindo agora a nossa atenção sobre o conteúdo dos instrumentos atravessados nos autos pela apelante e identificados em 1.3. supra , ostensivo e manifesto nos parece que em ambos está a ora recorrente a aludir a um ACORDO formalizado pela exequente e executados em sede de instância de natureza declaratória inserido na tramitação da acção executiva , acordo no qual, como sabemos [ e decorre do item nº 1.2. do presente Acórdão ] , os respectivos outorgantes deliberaram pela “Consolidação da dívida em € 38.846,00”.
Ora, alegando em ambos aludidos instrumentos que, apesar do acordado, os executados não o cumpriram tal como se obrigaram e, apenas – com referência à dívida de € 38.846,00” – procederam ao pagamento de um montante não superior a 5.450,00 no total, é ÓBVIO/MANIFESTO que apenas por erro de cálculo e/ou de escrita terá a ora apelante vindo – em um instrumento atravessado nos autos – declarar que, em razão do aludido pagamento, continuava a exequente credora dos executados do valor de capital de €10.261,60, acrescido de juros de mora e imposto de selo, tudo num total de €11.254,71.
Convenhamos que, em razão do alegado - quanto aos pagamentos atribuídos aos executados - em qualquer dos instrumentos pela exequente atravessados nos autos e, pelo teor de documento com o qual têm inequívoca e necessária conexão - o Acordo concretizado nos embargos de executado -, difícil não é concluir-se que em um dos aludidos instrumentos da exequente incorre a mesma em claro erro de cálculo ou de escrita, erro de resto que se revela no contexto da peça processual apresentada, logo, erro passível de rectificação nos termos do artº 146º,nº1, do CPC.
Porque ostensivo – ainda que cometido em apenas um dos instrumentos atravessados nos autos de execução - , e porque prima facie de erro se trata que incide sobre a quantificação da dívida exequenda - atentos os pagamentos referidos pela exequente em instrumentos de fls. 83 e 84 – , mal se compreende que, perante o mesmo, se tenha determinado a notificação “apenas” dos executados [ que não também da exequente ] para, no prazo de dez dias, se pronunciarem, querendo, sobre a quantificação da dívida exequenda, atentos os pagamentos referidos a fls. 83 e 84 .
Seja como for, se por despacho de 19-03-2009, e aludindo a requerimento da exequente Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A., identificado em 1.3. , limita-se o Exmº Julgador a determinar que seja tomado “em consideração os pagamentos mencionados para efeitos de cálculo da quantia exequenda” [ já não determinando de todo que v.g. seja tomado “em consideração a quantia exequenda de €11.254,71pela exequente indicado ] e, porque no âmbito dos pagamentos reconhecidos limita-se a exequente a indicar que não ultrapassaram os mesmos o montante total de 5.450.00€, nada justificava também que, posteriormente à prolação do aludido despacho judicial de 19-03-2009, passasse doravante a execução a indicar/assinalar como correspondendo – apenas - ao valor € 11254,71 a quantia exequenda ainda em dívida à data [ valor pela exequente indicado – por mero lapso – em apenas UM dos instrumentos indicados em 1.3. supra ].
Tudo visto e ponderado, tudo aponta para que, em razão de erro de cálculo ou de escrita da exequente [ qual “pecado original/inicial” ], não prontamente alertado/notado pelo tribunal [ através do Exmº Juiz titular dos autos ], e a partir de determinado momento fomentado pelo processado/ actuação da própria Secção [ ou oficial de justiça no âmbito de diligências/actos próprios da competência de agente de execução ], acabou a execução por se desenvolver com vista à cobrança coerciva de uma quantia exequenda claramente inferior à devida à exequente.
Porque em rigor, a prematura extinção da execução assenta claramente em inicial erro de cálculo ou de escrita da exequente, o que doravante se impõe aferir é se, pode e deve a rectificação daquele - erro de cálculo ou de escrita da exequente – desencadear a “revogação” da decisão da Agente de Execução de extinção da execução e, concomitantemente, a revogação da decisão recorrida.
É o que vamos ver já de seguida.
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3.2 - Se à reclamada rectificação não deve obstar a não reacção [ através de pertinente reclamação ] da exequente apelante às liquidações efectuadas nos autos pela agente de execução.
Não obstante o vício aflorado em 3.1. [ erro de cálculo ou de escrita da exequente e o desenvolvimento posterior da instância executiva com vista à cobrança coerciva de uma quantia exequenda claramente inferior à devida à exequente ], o que agora importa aferir é se, porque não corrigido o mesmo [ a requerimento da exequente e /ou oficiosamente pelo tribunal ] e, porque de alguma forma posteriormente arrimado em actos processuais nos autos praticados [ v.g. em liquidações elaboradas por oficial de justiça/agente de execução ] e não “impugnados, pode/deve ainda assim ser objecto de rectificação.
Mais exactamente, importa indagar se um erro material cometido pela parte em articulado nos autos atravessado pode/deve ser corrigido não obstante a rectificação desencadear/implicar forçosamente a anulação de actos processuais [ posteriores , maxime as “liquidações” identificadas em 2.1. a 2.3. da Motivação de facto ] nos autos praticados e relativamente aos quais as partes – mais exactamente a exequente - não reagiram em momento oportuno e, ademais, já não estão sequer em tempo de pelas mesmas partes interessadas serem objecto de impugnação/reclamação. Vejamos.
Reza o artigo 719.º, n.º 1, do CPC [ sob a epígrafe de “ Repartição de competências” ], que “Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidaçõese pagamentos. ”.
Nas execuções instauradas [ como o é a que diz respeito a instância recursória ora em apreciação ] antes de 15 de setembro de 2003 , e tal como dispõe o nº2, do artº 6º, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, os actos que, ao abrigo do Novo Código de Processo Civil, são da competência do agente de execução, competem a oficial de justiça, a este último incumbindo a realização das diligências próprias da competência do agente de execução – cfr. artº 722º,nº1, do CPC.
Isto dito, pacífico é que da conjugação dos artºs 719º e 723º [ este último sob a epigrafe de “ Competência do Juiz” ], ambos do CPC, decorre que a intervenção do agente de execução no processo executivo é subsidiária, em relação à secretaria e ao juiz, sendo que a este último compete designadamente – cfr. artº 723º,nº1, do CPC : a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar; b) Julgar a oposição à execução, e penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação ; c)Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias ; d)Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.
Em face da conjugação de todas as disposições legais adjectivas supra indicadas, temos assim que, consumado por agente de execução/oficial de justiça um qualquer acto/diligência no âmbito da respectiva competência [ como o é uma liquidação/pagamento ] funcional/legal, incumbe doravante ao sujeito [ seja parte, interveniente ou mesmo terceiro – cfr. artºs 631.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1., ambos do CPC ] directa e efectivamente pelo mesmo afectado e interessado na respectiva eliminação, do mesmo RECLAMAR para o Juiz [ cfr. artº 723º,nº1, alínea c), do CPC ], cabendo a este último – e só a ele - o poder de revogação dos actos e decisões do agente de execução em termos correspondentes à revogação anulatória. (7)
Não o fazendo, ou seja, se depois de notificado às partes, estas não reclamarem do acto notificando ou não impugnarem uma qualquer decisão perante o juiz, nos termos do artigo 723.º, n.º 1, alíneas c) ou d), do nCPC [ obrigatoriamente dentro do prazo perentório que dispõem para esse efeito - cfr. artigo 149.º, n.º 1, do nCPC ], inevitável é que ambos [ o acto e/ou a decisão do agente de execução , sendo que, é a própria alínea c) do n.º 1 do art. 723º do CPC que prevê dois meios distintos de defesa contra a actuação do agente de execução: a reclamação de actos deste e a impugnação das suas decisões ] se tornem definitivos , incontestáveis e inalteráveis, sendo já inatacáveis por iniciativa de qualquer das partes, podendo então falar-se a este propósito de um efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial. (8)
O entendimento acabado de assinalar, é aquele que, estamos em crer, vem sendo sufragado consensualmente pelos tribunais de 2dª instância, para tanto recordando-se que este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa e em recente Acórdão de 12/5/2022 (9) , decidiu/conclui nos seguintes termos : “ I - No âmbito do incidente de Reclamação dos Actos Executivos e Impugnação de Decisões do Agente de Execução, a conhecer pelo juiz de execução nos termos da alínea c), do nº. 1, do artº. 723º, do Cód. de Processo Civil, recai sobre o interessado requerente um ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos do meio impugnatório ou de oposição, ou seja, deve o interessado, aquando da apresentação da reclamação, concentrar todos os fundamentos susceptíveis de contradizerem o teor do acto ou do decidido pelo agente de execução ; II– Pelo que, não o fazendo, ocorre o denominado efeito preclusivo temporal e consumativo desses fundamentos, conducente à estabilização do até então decidido, ou seja, forma-se caso estabilizado, tornando, neste segmento, definitiva a decisão do Agente de Execução, bem como inviabilizando a tempestividade da sua posterior invocação.(…)”.
Alinhando por semelhante entendimento, é também o Tribunal da Relação de Coimbra bastante incisivo [ em Acórdão de 11/12/2024 (10) ] em concluir que “ A liquidação da responsabilidade do executado (…), é um acto da competência do agente de execução, conforme disposto no artº 719, nº1 do C.P.C. a que se aplicam, assim, as regras gerais referentes às reclamações e aos recursos constantes dos artºs 723, nº 1, al c) e 852 e segs. do C.P.C”.
Em suma, pacífico é portanto que incumbindo ao agente de execução/oficial de justiça proceder no âmbito de instância coerciva à prática do acto de liquidação da responsabilidade do executado, o qual é notificado ao exequente, e ,padecendo o aludido acto de uma qualquer desconformidade em “prejuízo” deste último – exequente - , nada obstava a que fosse o mesmo objecto de oportuna rectificação a requerimento , ou até de uma reclamação deduzida ao abrigo do artº 723º,nº1, alínea c), do CPC .
Aqui chegados e, incidindo de seguida a nossa atenção sobre o processado nos autos coercivos com relevância para a questão decidenda ora em apreciação, verificamos que [ cfr. itens nºs 2.1 a 2.4. da Motivação de Facto ] notificada a exequente de diversas contas/liquidações elaboradas no âmbito de liquidação da responsabilidade do executado e para, querendo, no prazo de 10 dias, deduzir competente reclamação, nunca o veio a fazer.
Acresce que, se subsequente a concreta notificação [ levada a efeito em observância do disposto no artº 31º,nº1, do DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro ] vem a exequente a atravessar nos autos de execução um requerimento, é verdade [ cfr. item nº 2.4. da Motivação de Facto ], mas nele não manifesta também uma qualquer crítica à liquidação efectuada da responsabilidade do executado, limitando-se tão só a requerer a transferência do valor depositado de €10.301,59 para uma conta oportunamente indicada.
Ou seja, a admitir-se [ cfr. o exposto em 3.1. supra ] que incorreu a exequente em efectivo erro material cometido em acto processual praticado nos autos de execução, certo é que não veio em momento algum solicitar a respectiva rectificação, como, sendo posteriormente notificada de outros actos nos autos praticados [ v.g. diversas liquidações/contas alusivas à responsabilidade dos executados ] e os quais “incorporavam” o aludido erro material [ respeitante ao montante da quantia exequenda em dívida pelos executados ], igualmente não reagiu, não deduzindo qualquer reclamação quando o poderia – e devia, porque prima facie dispunha de motivos para o fazer – ter feito.
Perante o referido, tudo conduz à pertinência – e respectiva aplicação à situação dos presentes autos - das conclusões vertidas no Acórdão de 12/5/2022 deste Tribunal da Relação de Lisboa [ acima indicado ], ou seja, que ao não Reclamar a exequente das diversas liquidações/contas alusivas à responsabilidade dos executados, tal conduziu à estabilização do até então decidido, ou seja, formou-se caso estabilizado.
Sobre a questão, nada como recordar o que bem a propósito esclarecem sobre a questão ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA (11), dizendo v.g. que : “Recai sobre os interessados um ónus de reclamação dos atos e de impugnação das decisões judiciais do agente de execução, quer o meio processual de reação seja nominado (v.g., embargos de terceiro), quer tenha natureza residual, nos termos das als. c) e d) do n.º 1 do art. 723º. Ademais, existe “um ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos do meio impugnatório ou opositivo, conduzindo a sua preterição a um efeito preclusivo temporal e consumativo desses fundamentos”. Consequentemente, “uma vez que existe o ónus de impugnação dos atos e decisões daquele agente, a omissão pelos interessados do meio processual de ataque ou reação a esses atos ou decisões impede que a parte ou o terceiro interveniente, que não se tenha defendido tempestivamente no processo de execução, possa mais tarde invalidar a decisão, quer no processo pendente, quer numa nova execução em que intervenha. Quer dizer: a estabilização está indissociavelmente ligada ao efeito preclusivo decorrente da omissão dos meios de defesa num processo de execução anterior”.
Acresce que, tal como o decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 20-06-2006 (12), “o erro material cometido pela parte no respectivo articulado só poderá ser rectificado se isso não implicar a anulação de actos processuais que já não estão em tempo de ser anulados, isto é, cuja (eventual) nulidade já estaria sanada”.
Tudo visto e ponderado, e em face de tudo o supra exposto, a apelação improcede in totum, impondo-se a confirmação da decisão/despacho recorrida.
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4 – Sumariando ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) . (…)
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5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em, não concedendo provimento à apelação de Sofivenda - Sociedade de Financiamento de Vendas A Crédito, S.A.:
5.1. - Confirmar a decisão apelada;
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Custas pela apelante.
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(1) Vide, designadamente, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/11/83 - B.M.J., 332º-518 - , de 18/6/1991 – em BMJ 408º/659 - e de 7/3/1995, em B.M.J., 445º-627 e, ainda VAZ SERRA [ em RLJ, ano 112º, pág. 6 ] e Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, 1974, página 255..
(2) Em C.P.Civil anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, págs. 129 e segs. ..
(3) Ibidem, pág. 130.
(4) Em Direito Processual Civil, 1969, II, pág. 313).
(5) Cfr. v.g. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires Sousa, em CPC Anotado, vol I, pág. 186.
(6) Cfr. RUI PINTO, em Código de Processo Civil, Anotado, Almedina, vol. I, pág. 283 .
(7) Cfr. J. H. DELGADO DE CARVALHO, em Jurisdição e Caso Estabilizado, Quid Juris, 2017, págs. 158,159 e 187
(8) Cfr. J. H. DELGADO DE CARVALHO, ibidem, págs. 184/187.
(9) Acórdão proferido no Processo nº 2554/15.8T8PDL-E.L1-2, e acessível em www.dgsi.pt.
(10) Acórdão proferido no Processo nº 331/22.9T8ANS-B.C1, e acessível em www.dgsi.pt.
(11) Em Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 62,nota 11 e citados em Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/2/2024, Processo nº 6874/16.6T8VNF-F.G1 e acessível em www.dgsi.pt.
(12) Proferido em Agravo n.º 1702/06 - 6.ª Secção Salreta Pereira (Relator) João Moreira Camilo e Fernandes Magalhães, em Sumários do STJ (Boletim) – Cível.
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Lisboa, 10/4/2025 António Manuel Fernandes dos Santos Eduardo Petersen Silva Maria Teresa F.Mascarenhas Garcias