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PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
TÍTULO CONSTITUTIVO
ALTERAÇÃO
DELIBERAÇÃO
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
Sumário
Sumário (da responsabilidade do relator): I. É de admitir a possibilidade de constituição de dois condomínios num mesmo prédio que tenha áreas autonomizadas de habitação e de centro comercial, como é de admitir que um mesmo condomínio se divida em duas esferas de administração dessas áreas autónomas; II. Para que tal suceda exige-se uma verdadeira alteração do título constitutivo ou uma deliberação geral do condomínio que expressamente estabeleça uma efetiva cisão das esferas de administração; III. Não é de admitir, por outro lado, que apenas os condóminos da área habitacional a autonomizar, sem consentimento dos demais, segmente um espaço de administração e organize assembleia de condóminos apenas referente a esse espaço; IV. Uma assembleia assim convocada e constituída não é válida e, porque estão em causa razões de ordem pública relativas à situação da propriedade, do estatuto do condomínio e de proteção de terceiros, o vício das deliberações tomadas na mesma é a nulidade e não a mera anulabilidade; V. Não atua em abuso de direito o condómino que solicita declaração de invalidade de deliberações tomadas numa assembleia realizada nessas circunstâncias, mesmo que seja pessoalmente beneficiado com a cessação de eficácia das mesmas ou tenha aceitado participar em reuniões idênticas.
Texto Integral
Decisão:
I. Caracterização do recurso: I.I. Elementos objetivos: - Processo - 3655/22.1T8ALM - Apelação – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido – Juízo Local Cível de Almada - Juiz ...;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Declarativo comum; - Decisão recorrida – Despacho saneador-sentença; -Âmbito do recurso – De direito. -- I.II. Elementos subjetivos: - Recorrente (réu): - Condomínio do prédio sito na Av. ... Cacilhas, Almada; - Recorrida (autora): - Domus Valor, Lda.; -- I.III. Síntese dos autos:
- Instaurou a autora a presente ação pedindo:
- Declaração de inexistência, ou nulidade, da Ata n.º 1/2022 do condomínio réu, correspondente a reunião da assembleia de condóminos realizada a 24 de Março de 2022;
- Declaração de nulidade das deliberações tomadas na referida assembleia de condóminos;
- Subsidiariamente, que sejam anuladas tais deliberações.
- Diz, em síntese:
- Que apenas foram convocados, e estiveram presentes nessa assembleia, os condóminos da zona habitacional;
- Que foi deliberado ratificar contas de anos anteriores, já aprovadas;
- Que foi deliberado que todos os condóminos, incluindo a autora, deveriam comparticipar em despesa relativa à propositura de ação judicial contra a própria;
- Que foi deliberada a propositura de ação contra a autora sem que essa questão constasse da ordem de trabalhos;
- Que a ata não é fidedigna, fazendo constar uma maioria de condóminos presentes que não se mostra refletida na lista de assinaturas, não fazendo menção a qualquer discussão e votação.
Contestou o réu condomínio, concluindo pela improcedência total dos pedidos.
Diz, em síntese:
- Que o prédio que constitui o condomínio está dividido em duas áreas autónomas e independentes, uma afeta a habituação e a um escritório, e a outra a Centro Comercial e arrecadações;
- Que cada uma das áreas foi autonomizada na respetiva gestão;
- Que a ata vem acompanhada de uma lista de presenças assinada pelos condóminos presentes, sendo regular.
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- Foi proferido despacho convidando as partes a pronunciarem-se sobre dispensa de audiência, que foi objeto da sua pronúncia favorável;
- Na sequência, foi proferido despacho saneador-sentença, cujo tem o seguinte conteúdo dispositivo: Pelo acima expendido, julga-se a presente acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência, decide-se declarar a nulidade das deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 24 de Março de 2022 do prédio sito na Av. ... Cacilhas, Almada.
- Não se conformando, apelou o réu condomínio pelo presente recurso. – -- II. Objeto do recurso: II.I. Conclusões apresentadas pela recorrente nas suas alegações (sem atualização de grafia e assinalando a negrito as questões suscitadas):
1ª) – A autora e recorrida formulou várias pretensões com o objectivo de obter decisão que julgasse anulável um conjunto de deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 24 de Março de 2022, com base nos argumentos por si aduzidos, mas decaiu em todas elas atenta a fundamentação de direito que alegou.
2ª) – O tribunal de 1ª instância, porém, julgou procedente o pedido de anulação das decisões referidas, por fundamentação diversa, por entender que a predita assembleia reuniu sem quórum.
3ª) – E decidiu neste sentido porque o instrumento de constituição do regime de propriedade horizontal do prédio em causa identificou cento e dezasseis fracções e não tendo estado presentes condóminos que titulassem nem a maioria, nem sequer um quarto do capital investido.
4ª) – O tribunal de 1ª instância partiu, o que se diz com o devido respeito, de uma premissa incorrecta, na medida em que não aceitou a tese de que num determinado edifício pode coexistir mais de um condomínio.
5ª) – Na escritura pública notarial foram identificadas duas zonas autónomas e independentes de fracções – uma zona habitacional com um escritório e uma zona de centro comercial.
6ª) – Na douta sentença recorrida o tribunal de 1ª instância não deitou mão, nem aplicou, o previsto no artigo 1438º-A do Código Civil.
7ª) – O normativo enunciado na conclusão anterior não estava publicado quando foi outorgada escritura pública de constituição do regime da propriedade horizontal, sendo que a primeira data é facto público e notório e a segunda data está provada e dada como assente nos autos.
8ª) – Assim a questão que resta é saber qual o ”quorum” exigível para que a assembleia de condóminos visada decidisse validamente.
9ª) – É possível no quadro normativo positivado do regime da propriedade horizontal instituir no mesmo edifício dois condomínios atenta a funcionalidade e destinação finalística de diferentes blocos de edificações, áreas ou zonas de um edifício que e se revela como uma única unidade de construção.
10ª) – É este o objecto da presente apelação que vai, desta sorte, delimitado.
11ª) – Existem duas realidades de construções que podem ser submetidas ao regime da propriedade horizontal, sendo que uma é relativa à existência de conjuntos de prédios que integram o mesmo aglomerado de construção e outra relativa a prédios urbanos que se compõem de um só edifício.
12ª) – Nada na lei obriga que no título constitutivo se faça referência a qualquer uma destas especificidades.
13ª) – Também nada na lei proíbe que os condóminos num quadro de especialidade, de autonomia finalística e de funcionalidade que no mesmo edifício se constituam dois (ou mais) condomínios.
14ª) – E no caso do edifício que faz o objecto mediato dos autos, do ponto de vista físico o prédio urbano se revela materialmente como um só, porém, mesmo no título constitutivo, está dividido em “zonas” – “zona habitacional” e “zona comercial”
15ª) – O artigo 1438º-A do Código Civil salvaguardou os elementos essenciais do regime da propriedade horizontal, nomeadamente, a interdependência das fracções e a dependência funcional das partes comuns como características essenciais do condomínio.
16ª) – E nestas novas situações que a evolução dos tempos trouxe à vida o preceito contido no artigo 1438º-A do Código Civil foi o objectivo obter uma solução legal mais eficiente, facilitadora de uma concretizável, pragmática e eficaz gestão do condomínio.
17ª) – Dada a posição tomada pelo douto tribunal de primeira instância, foi possível documentar a presente discussão do pleito com a junção de actas dos dois condomínios que estão institucionalizados desde o ano de 1980.
18ª) – Existe desta sorte um acordo tácito, radicado no tempo e de prática inveterada de existirem dois condomínios no mesmo prédio.
19ª) – Importa, pois, concluir que é legal a constituição de dois condomínios no mesmo edifício e que, para o caso em apreço, do condomínio d a zona habitacional existia quórum na assembleia de 24 de Março de 2022.
20ª) – As especiais condições da constituição da propriedade horizontal verificam-se nos dois condomínios do prédio dos autos a saber tem saídas independentes para via pública para a Av. ... Cacilhas, Almada e para a ....
21ª) – O prédio tem descrição individualizada das fracções autónomas – entre fracções da zona de habitação zonas do centro comercial, estão bem definidas são independentes e consta da escritura do título constitutivo.
22ª) – Também no título constitutivo estão bem definidas as zonas e equipamentos comuns a todas as fracções, a quem servem e quem por elas se responsabiliza.
23ª) – No título estão preenchidos os requisitos do regime geral e abstracto do instituto da propriedade horizontal, por aplicação, como se sustenta desde o início, do previsto no artigo 1438º-A do Código Civil e que permite a convolação para o regime geral da propriedade horizontal, com as necessárias adaptações.
24ª) – No prédio do condomínio réu com a existência e organização de mais de um condomínio no mesmo edifício o conjunto dos condóminos respeita o respectivo regime legal da propriedade horizontal.
25ª) – E isto porque se trata de zonas do edifício que preenchem os requisitos determinantes do regime, como sejam, entradas próprias, com áreas comuns próprias delimitadas e totalmente autonomizadas, fisicamente definidas e isoladas, mormente porque individualizadas como grupos de fracções.
26ª) – A acta, agora junta, sob o número quatro – da zona habitacional do prédio – contém decisões de particular interesse para a recorrida.
27ª) – A acta circunscreve -se apenas à zona das habitações e na ordem de trabalhos, no ponto quatro, dizia-se que se tratava do pedido de alteração da afectação do décimo andar esquerdo, fracção “Q”, propriedade da recorrida de escritórios para habitação.
28ª) – A decisão foi de aprovação da alteração solicitada pela aqui recorrida, e identificando-se o condomínio como zona habitacional.
29ª) – A recorrida não atacou a acta nem as deliberações tomadas na assembleia de condóminos e não invocou a falta de quorum face às cento e dezasseis fracções.
30ª) – A recorrida nesta acção, em tempo útil, atacou por a assembleia ter decidido agir judicialmente contra obras ilegais efectuadas pela recorrida na fracção, decisão que lhe é desfavorável.
31ª) – Assim importa saber se há fundamento para, face à douta sentença recorrida, invocar a figura de “abuso de direito”.
32ª) – A figura tem uma finalidade de repor a justiça material, mas também de “punir” que age com base na má-fé que foi o que a recorrida fez.
33ª) – O recorrente entende que a recorrida abusou do direito de acção que invoca quanto à falta de quorum na modalidade de “venire contra factum proprium.“
34ª) – É certo que não existe no “edifício” jurídico português um princípio geral e expresso sobre este tipo de comportamento, mas tem-se entendido, e bem, que esta conduta configura um abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil.
35ª) – A recorrida teve um comportamento anterior em consonância com o que vinha sendo a “praxis” da administração do prédio em causa.
36ª) – A recorrida aceitou as deliberações de uma assembleia e impugnou as de outra, mas previamente criou a convicção objectiva nos seus “ pares” de que aderia à fórmula dos dois condomínios, estabelecendo uma relação de confiança no sentido de que nada tinha a opor à metodologia estabelecida.
37ª) – Os dois comportamentos contraditórios são comportamentos da mesma pessoa jurídica – a recorrida – que se aproveitou da boa -fé dos demais condóminos.
38ª) – São estes pressupostos que permitem concluir que a recorrida agiu, in casu, “venire contra factum proprium.”
39ª) – Age com abuso de direito a recorrida que aceitou uma decisão em acta que lhe é favorável e impugnou outra que contem deliberação que lhe é desfavorável, na modalidade de “ venire contra factum proprium”
40ª) – O abuso de direito é de conhecimento oficioso.
41ª) – O douto tribunal de 1ª instância fez incorrecta aplicação do Direito, nomeadamente, na aplicação dos artigos 1438º-A, 1414º, 1415º, 1418º e na não eleição e aplicação do artigo 334º todos do Código Civil.
42ª) – Entende o recorrente que a recorrida agiu, processualmente, sob a previsão do artigo 542º/1 alínea a) do Código de Processo Civil, ficando sujeita a multa e indemnização.
43ª) – A indemnização deve incluir as maiores despesas em que o recorrente incorreu incluindo honorários dos mandatários do réu que se fixam, dado o tempo gasto, a complexidade da causa e a prática da Comarca de Lisboa (núcleo de Almada), em estimativa, em € 5 000,00 (cinco mil euros). –
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A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
-- II.II. Questão a Apreciar:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões a apreciar:
a. Avaliar da licitude da convocação, e consequente realização, de assembleia de condóminos restrita a uma parte fisicamente autónoma do edifício, não individualizada no título constitutivo da propriedade horizontal;
b. Avaliar da existência de abuso de direito, sob forma de venire contra factum proprium, no pedido de anulação de assembleia de condóminos feita por condómino que tenha visto obras que realizou na sua fração deliberadas ilícitas nessa reunião. –
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
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II.III. Apreciação do recurso:
a) A validade da assembleia – convocação e quoruns de funcionamento e deliberação:
A questão que se impõe começar por apreciar reporta-se à validade da convocatória e da assembleia realizada, por falta de comunicação a todo o universo de condóminos e, consequentemente, por falta de presença dos não convocados para a mesma.
-- II.III.I. Matéria de facto estabelecida nos autos:
É a seguinte a factualidade assente (sem atualização de grafia):
1) Encontra-se descrito na conservatória do Registo Predial de Almada, freguesia de Cacilhas, sob o n.º ..., o prédio urbano sito na Av. ... Cacilhas, Almada, confinando com a ... inscrito na matriz urbana das freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas sob o n.º ..., composto por 17 pisos, 4 dos quais abaixo do solo (cave).
2) No dia 22 de Maio de 1979, foi outorgada escritura pública de constituição de propriedade horizontal do prédio acima descrito (que se dá por integralmente reproduzida), com cento e dezasseis fracções autónomas, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«As fracções têm saída para uma parte comum e também para a via pública, conforme a seguir se descriminam:
SAÍDAS PARA A AVENIDA VINTE E CINCO DE ABRIL:
Pelo número quarenta e oito comum às cinquenta e quatro facções designadas por Centro Comercial e às trinta e sete arrecadações no quarto piso – primeira cave; pelo número de polícia quarenta e oito-A, comum Às seis fracções destinadas a profissões liberais e ainda garantindo o acesso aos terraços onde de encontram unidades condicionadoras de ar de Centro Comercial e arrecadações situadas no quarto piso – primeira cave; pelo número cinquenta, comum às dezasseis fracções de habitação e a uma fracção de escritório (décimo andar) e ainda saída de emergência das fracções que constituem o Centro Comercial; pelos números cinquenta-A e cinquenta-B da fracção destinada a loja independente ocupando o lado poente quinto piso, rés-do chão e sexto piso, primeiro andar.
SAÍDAS PARA A ...:
Pelo número cento e vinte e sete fracção “AAAAA” independente, (quarto piso) – primeira cave; pelo número cento e vinte e nove da rampa de aparcamentos automóveis e arrecadações existentes nos primeiro piso – quarta cave e segundo piso – existentes no primeiro piso – quarta cave e segundo piso – terceira cave, pertencentes às dezasseis fracções de habitação e uma fracção de escritório, décimo andar, esquerdo, constituindo a segunda saída destas dezassete fracções e garantindo o acesso aos condóminos do Centro Comercial para manutenção e conservação das unidades condicionadoras de ar e central de bombagem, existente em arrecadações próprias situadas no primeiro piso – quarta cave e segundo piso – terceira cave; pelo número cento e trinta e um, segunda saída para as fracções do Centro Comercial e das arrecadações da primeira cave – quarto piso; pelo número centro e trinta e três da fracção comum, reservada às instalações camarárias do “Posto de Transformação” da rede pública.»
3) Nessa escritura pública consta, além do mais, que:
«DISCRIMINAÇÃO DAS FRACÇÕES AUTÓNOMAS: ZONA DE HABITAÇÕES E UM ESCRITÓRIO Composta por dezassete fracções, sendo dezassete destinadas a habitação e uma a escritório (décimo andar – décimo quinto piso – lado esquerdo), cujo acesso se faz pelos números de polícia cinquenta e vinte e nove: Fracção A – É constituída pelo terceiro andar, oitavo piso, lado direito (…). Para esta fracção fixam a permilagem de vinte e oito do valor do prédio (…). Fracção B – É constituída pelo terceiro andar, oitavo piso, esquerdo (…). Para esta fracção fixam a permilagem de vinte e oito do valor do prédio (…). Fracção C – É constituída pelo quatro andar (nono piso), lado direito.
Fracção D – É constituída pelo quatro andar (nono piso), lado esquerdo.
Fracção E – É constituída pelo quinto andar (décimo piso), lado direito.
Fracção F – É constituída pelo quinto andar (décimo piso), lado esquerdo.
Fracção G – É constituída pelo sexto andar (décimo primeiro piso), lado direito.
Fracção H – É constituída pelo sexto andar (décimo primeiro piso), lado esquerdo.
Fracção I – É constituída pelo sétimo andar (décimo segundo piso), lado direito.
(…) Para cada uma destas fracções fixam a permilagem de vinte e oito do valor do prédio (…).
Fracção J – É constituída pelo sétimo andar (décimo segundo piso), lado esquerdo.
Fracção L – É constituída pelo oitavo andar (décimo terceiro piso), lado direito.
Fracção M – É constituída pelo oitavo andar (décimo terceiro piso), lado esquerdo.
Fracção N – É constituída pelo nono andar (décimo quarto piso), lado direito.
Fracção O – É constituída pelo nono andar (décimo quarto piso), lado esquerdo.
Para cada uma destas fracções fixam a permilagem de vinte e oito do valor do prédio (…).
Fracção P – É constituída pelo décimo andar (décimo quinto piso), lado direito (…). Para esta fracção fixam a permilagem de vinte e oito do valor do prédio (…).
Fracção Q – É constituída pelo décimo andar (décimo quinto piso), lado esquerdo (…). Para esta fracção fixam a permilagem de vinte e oito do valor do prédio (…).
Fracção R – É constituída pelo décimo primeiro andar (décimo sexto piso), (…). Para esta fracção fixam a permilagem de quarenta e sete do valor do prédio (…).»
4) Na escritura pública lê-se, ainda, que: «É considerado de usos comum a estas dezassete fracções por servirem exclusivamente os condóminos das mesmas o seguinte: Cobertura da cada dos motores (terraço), casa dos motores, terraço com unidades condicionadores de ar, pertencentes a estas dezassete fracções, às cinquenta e quatro fracções do Centro Comercial e às trinta e sete arrecadações da primeira cave, quarto piso, circulação de estendais, escadas, rampa de acesso aos aparcamentos, elevadores, hall digo, motores, recepção do lixo e arrecadação de utensílios de limpeza».
5) Pela Ap. 74 de ...1979, foi inscrita a constituição do referido prédio em regime de propriedade horizontal, composto pelas seguintes 116 (cento e dezasseis) fracções:
- Fracção: A permilagem: 28;
- Fracção: B permilagem: 28;
- Fracção: C permilagem: 28;
- Fracção: D permilagem: 28;
- Fracção: E permilagem: 28;
- Fracção: F permilagem: 28;
- Fracção: G permilagem: 28;
- Fracção: H permilagem: 28;
- Fracção: I permilagem: 28;
- Fracção: J permilagem: 28;
- Fracção: L permilagem: 28;
- Fracção: M permilagem: 28;
- Fracção: N permilagem: 28;
- Fracção: O permilagem: 28;
- Fracção: P permilagem: 28;
- Fracção: Q permilagem: 28;
- Fracção: R permilagem: 47;
- Fracção: S permilagem: 64;
- Fracção: T permilagem: 38,37;
- Fracção: U permilagem: 4,6;
- Fracção: V permilagem: 7,45;
- Fracção: X permilagem: 3,27;
- Fracção: Z permilagem: 5,07;
- Fracção: AA permilagem: 3,67;
- Fracção: BB permilagem: 2,6;
- Fracção: CC permilagem: 20,24;
- Fracção: DD permilagem: 4,97;
- Fracção: EE permilagem: 3,09;
- Fracção: FF permilagem: 3,13;
- Fracção: GG permilagem: 4,7;
- Fracção: HH permilagem: 3;
- Fracção: II permilagem: 3,55;
- Fracção: JJ permilagem: 2,82;
- Fracção: LL permilagem: 2,47;
- Fracção: MM permilagem: 3,79;
- Fracção: NN permilagem: 4,07;
- Fracção: OO permilagem: 2,7;
- Fracção: PP permilagem: 2,97;
- Fracção: QQ permilagem: 2,97;
- Fracção: RR permilagem: 3,19;
- Fracção: SS permilagem: 15,55;
- Fracção: TT permilagem: 3,49;
- Fracção: UU permilagem: 3,01;
- Fracção: VV permilagem: 4,72;
- Fracção: XX permilagem: 3,07;
- Fracção: ZZ permilagem: 3,13;
- Fracção: AAA permilagem: 4,81;
- Fracção: BBB permilagem: 3,11;
- Fracção: CCC permilagem: 1;
- Fracção: DDD permilagem: 2,28;
- Fracção: EEE permilagem: 3,43;
- Fracção: FFF permilagem: 3,73;
- Fracção: GGG permilagem: 4,26;
- Fracção: HHH permilagem: 2,62;
- Fracção: III permilagem: 2,74;
- Fracção: JJJ permilagem: 5,67;
- Fracção: LLL permilagem: 5,94;
- Fracção: MMM permilagem: 2,85;
- Fracção: NNN permilagem: 3,71;
- Fracção: OOO permilagem: 3,80;
- Fracção: PPP permilagem: 3,53;
- Fracção: QQQ permilagem: 3,89;
- Fracção: RRR permilagem: 4;
- Fracção: SSS permilagem: 4,05;
- Fracção: TTT permilagem: 2,74;
- Fracção: UUU permilagem: 3,04;
- Fracção: VVV permilagem: 3,15;
- Fracção: XXX permilagem: 3,19;
- Fracção: ZZZ permilagem: 3,19;
- Fracção: AAAA permilagem: 10,17;
- Fracção: BBBB permilagem: 2,3;
- Fracção: CCCC permilagem: 0,45;
- Fracção: DDDD permilagem: 0,63;
- Fracção: EEEE permilagem: 0,3;
- Fracção: FFFF permilagem: 0,57;
- Fracção: GGGG permilagem: 0,32;
- Fracção: HHHH permilagem: 0,32;
- Fracção: IIII permilagem: 0,47;
- Fracção: JJJJ permilagem: 0,39;
- Fracção: LLLL permilagem: 0,37;
- Fracção: MMMM permilagem: 0,45;
- Fracção: NNNN permilagem: 0,43;
- Fracção: OOOO permilagem: 0,43;
- Fracção: PPPP permilagem: 0,43;
- Fracção: QQQQ permilagem: 0,43;
- Fracção: RRRR permilagem: 0,79;
- Fracção: SSSS permilagem: 0,45;
- Fracção: TTTT permilagem: 0,45;
- Fracção: UUUU permilagem: 0,45;
- Fracção: VVVV permilagem: 0,45;
- Fracção: XXXX permilagem: 0,45;
- Fracção: ZZZZ permilagem: 0,44;
- Fracção: AAAAA permilagem: 0,34;
- Fracção: BBBBB permilagem: 0,44;
- Fracção: CCCCC permilagem: 0,44;
- Fracção: DDDDD permilagem: 0,44;
- Fracção: EEEEE permilagem: 0,28;
- Fracção: FFFFF permilagem: 0,28;
- Fracção: GGGGG permilagem: 0,27;
- Fracção: HHHHH permilagem: 0,95;
- Fracção: IIIII permilagem: 0,95;
- Fracção: JJJJJ permilagem: 0,33;
- Fracção: LLLLL permilagem: 0,33;
- Fracção: MMMMM permilagem: 0,33;
- Fracção: NNNNN permilagem: 0,32;
- Fracção: OOOOO permilagem: 0,31;
- Fracção: PPPPP permilagem: 0,43;
- Fracção: QQQQQ permilagem: 0,43;
- Fracção: RRRRR permilagem: 8,05;
- Fracção: SSSSS permilagem: 8,93;
- Fracção: TTTTT permilagem: 7,59;
- Fracção: UUUUU permilagem: 9,53;
- Fracção: VVVVV permilagem: 9,53;
- Fracção: XXXXX permilagem: 7,17;
- Fracção: ZZZZZ permilagem: 106;
- Fracção: AAAAA permilagem: 9.
6) Através da Ap. 74 de ...1979, mostra-se, ainda, inscrito o seguinte:
«DIREITOS DOS CONDÓMINOS:
- É considerado de uso comum às cinquenta e quatro fracções do Centro Comercial e às trinta e sete fracções designadas por arrecadações, situadas na primeira cave (4.º piso) por servirem exclusivamente os condóminos das mesmas, o seguinte: - Recepção, instalações sanitárias, três elevadores, terraços, das duas casas dos motores, duas casas dos motores, quatro arrecadações dos quadros eléctricos, duas arrecadações, posto de transformação da rede pública, escritório situado na segunda cave (3.º piso) e montras situadas nos segundo andar, primeiro andar, rés-do-chão e segunda cave, respectivamente, sétimo, sexto, quinto e terceiro pisos.»
7) Através da Ap. ... de ...2018/27, encontra-se averbada a favor da DOMUS VALOR, LDA., a aquisição, por compra, da fracção autónoma denominada pela letra “Q” do referido prédio.
8) No dia 24 de Março de 2022, reuniu a “Assembleia Geral Ordinária de proprietários da zona habitacional do prédio sito na Av. ... Cacilhas, Almada, ..., Cacilhas, em Almada”, da qual foi lavrada a Acta n.º 1/2022 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Ratificação das contas do exercício do ano de 2019;
2. Ratificação do orçamento que vigorou no ano de 2020;
3. Contas do exercício do ano de 2020;
4. Ratificação do orçamento que vigorou em 2021;
5. Orçamento para o ano de 2022;
6. Eleição da administração. Conta bancária do condomínio, poderes de movimentação e domicílio do extracto;
7. Acções judiciais intentadas pela empresas Domus Valor, Lda. contra o condomínio;
8. Obras realizadas e por realizar no edifício;
9. Obras ilegais no 10.º andar esquerdo;
10. Outros assuntos de interesse geral.
9) Da mencionada acta consta, além do mais, que:
«A mesa constituída pelo Sr. AA, como Presidente da Mesa, e pelo Sr. BB, como Secretário.
Presentes os condóminos ou seus representantes constantes da lista de presenças que antecede a presente ata. A permilagem atinge setecentos e quatro, vírgula zero oito.»
10) No anverso da referida acta consta um documento denominado de “Lista de Presenças – Assembleia em 24.Março.2022”, com o seguinte teor:
Fracção Perm. Condómino Assinatura 3.º Dto. 56,57
CC Raposo/ DD [assinatura manuscrita]
3.º Esq. 56,57 EE [assinatura manuscrita]
4.º Dto. 56,57 FF [assinatura manuscrita]
4.º Esq. 56,57 GG e ...[assinatura manuscrita]
5.º Dto. 56,57 HH
5.º Esq. 56,57 II
6.º Dto. 56,57 AA [assinatura manuscrita]
6.º Esq. 56,57 JJ ... [assinatura manuscrita]
7.º Dto. 56,57 KK
7.º Esq. 56,57 LL
8.º Dto. 56,57 MM
8.º Esq. 56,57 NN [assinatura manuscrita]
9.º Dto. 56,57 OO
9.º Esq. 56,57 PP [assinatura manuscrita]
10.º Dto. 56,57 QQ [assinatura manuscrita]
10.º Esq. 56,57 Domus Valor, Lda.
11.º 94,95 RR [assinatura manuscrita]
11) Sob o ponto 1 (“Ratificação das contas do exercício do ano de 2019”), lê-se, além do mais, o seguinte: «(…) Após análise, as contas do exercício do ano de 2019 foram novamente submetidas à votação, tendo sido ratificadas por maioria dos presentes, tendo obtido o voto contra da representante nesta Assembleia dos proprietários do 11.º andar.»
12) Sob o ponto 2 (“Ratificação do orçamento que vigorou no ano de 2020”), lê-se, além do mais, o seguinte:
«Foi nesta Assembleia ratificado por maioria dos presentes, com a abstenção da representante nesta assembleia das proprietárias do 11.º andar, o orçamento que vigorou no ano de 2020, que previa uma previsão de despesas de € 14.847,62 e uma previsão de receitas de € 16.409,94, sendo 1237,38 euros de comparticipação extraordinária com pagamento no mês de Junho. Com base na deliberação agora tomada, confirmam-se os valores das quotas mensais de fracções habitacionais que vigoraram no ano de 2020, e que já tinham sido aprovados na Assembleia Geral de condóminos realizada em 20.02.2020, nos seguintes termos: (…) Confirmou-se também com a deliberação agora tomada o valor de quota extraordinária de reforço anual, com vencimento em Junho de 2020, com o valor de € 1117,38 para o 11.º andar e de 70,00 euros para as restantes fracções habitacionais.»
13) Sob o ponto 3 (“Contas do exercício do ano de 2020”), lê-se, além do mais, o seguinte:
«(…) Após análise, as contas do exercício do ano de 2020 foram submetidas à votação, tendo sido aprovadas por maioria dos presentes, com o voto contra da representante das proprietárias da fracção do 11.º andar.»
14) Sob o ponto 4 (“Ratificação do orçamento que vigorou em 2021”), lê-se, além do mais, o seguinte:
«Foram ratificadas nesta Assembleia e por maioria dos presentes, com a abstenção da representante das proprietárias do 11.º andar, as quotas que vigoraram no ano de 2021, nos seguintes termos: (…)»
15) Sob o ponto 5 (“Contas do exercício do ano de 2021”), lê-se, além do mais, o seguinte:
«(…) Após análise, as contas do exercício do ano de 2021 foram submetidas à votação, tendo sido aprovado por maioria dos presentes, tendo obtido o voto contra da representante das proprietárias da fracção do 11.º andar. Relativamente às dívidas existentes ao condomínio, foi decidido por maior dos presentes e com o voto de abstenção da representante das proprietárias do 11.º andar, avançar judicialmente contra os actuais proprietários das fracções do 9.º andar direito e 10.º esquerdo, cujas dívidas à data de seguida se descriminam: - 9.º andar direito (Dívida de € 3.150,00) (…) - 10.º andar esquerdo (Dívida de € 2.940,00) (…)»
16) Sob o ponto 6 (“Orçamento para o ano de 2022”), lê-se, além do mais, o seguinte:
«(…) Após análise a proposta para o orçamento para o ano de 2022 foi submetida à votação, tendo sido aprovado por maioria dos presentes, com o voto de abstenção da representante das proprietárias da fracção do 11.º andar.»
17) Sob o ponto 7 (“Eleição da administração. Conta bancária do condomínio, poderes de movimentação e domicílio do extracto”), lê-se o seguinte:
«Foi proposto, votado e eleito por maioria dos presentes, com o voto contra da representante das proprietárias da fracção do 11.º andar, o proprietário do Sr. KK, como Administrador Principal e único deste condomínio. A conta bancária do condomínio existente no Novo Banco, com o n.º ...5, obrigará a uma única assinatura para a respectiva movimentação, sendo essa assinatura do Administrador agora eleito, Sr. KK. O extracto bancário do condomínio será domiciliado na morada do edifício.»
18) Sob o ponto 8 (“Acções judiciais intentadas pela empresas Domus Valor, Lda. contra o condomínio”), lê-se, além do mais, o seguinte:
«Foram informados os presentes que a Sociedade proprietária do 10.º andar esquerdo deste edifício, denominada de Domus Valor, Lda., intentou duas Acções Judicicias contra o condomínio. Numa das Acções Judiciais, com o n.º de processo 3520/20.7TBALM (Tribunal de Almada – Juízo Local Cível Juiz ...), A Sociedade Domus Valor, Lda intentou acção declarativa contra o condomínio e outos para anulação da assembleia de condóminos realizada e 20.02.2020. (…) Na outra Acção Judicial intentada pela já referida Sociedade, com o n.º de processo 5843/20.6TBALM (Tribunal de Almada Juízo Local Cível – Juiz ...), foi intentada uma acção declarativa contra o condomínio e outros para obter uma indemnização emergente de uma avaria/inundação na cobertura do edifício. (…) Depois da discussão escrita (articulados), o Tribunal despachou no sentido de saber se os intervenientes dispensavam a audiência prévia. O Advogado das proprietárias do 11.º andar, também rés nesta Acção, pronunciou-se em sentido negativo e por essa razão aguarda-se a marcação de audiência prévia a levar a cabo pelo Tribunal.»
19) Sob o ponto 9 (“Obras realizadas e por realizar no edifício”) lê-se, além do mais, o seguinte:
«Foi dado aos presentes o ponto de situação das obras realizadas no condomínio, que devido à situação financeira do condomínio, limitaram-se a aceitar as propostas de reparação dos elevadores apresentada pela empresa OTIS, a intervenção no terraço sobre o 11.º andar, a parede da fachada na zona da casa de porteira e à cobertura da casa de porteira. (…) Para algumas das obras necessárias realizar no edifício, existem alguns orçamentos em posse da Administração do condomínio, nomeadamente da empresa Intemperrilsol, Lda para pintura da fachada tardoz e da empena da ..., da empresa Azoth Véles, Lda para pintura da fachada tardoz, e também um orçamento para obras na antiga casa da porteira. Existe também um orçamento da empresa OTIS para intervenção que considera premente realizar, com um valor de cerca de 30.000,00 euros. Para reparação do sistema de exaustão, existe um orçamento da empresa ASFCLIMA, com o valor de 2.880,00, mais IVA. Relativamente aos orçamentos que foram apresentados, os presentes decidiram o seguinte: - Das obras pretendidas realizar pelo condomínio, foi decidido dar prioridade à reparação do sistema de exaustão, à pintura das fachadas/empenas em falta do edifício e procurar resolver o problema das infiltrações do 10.º andar direito; - Para o sistema de exaustão, deverão também ser solicitados orçamentos de empresas de manutenção deste tipo de sistemas; - Para a pintura do edifício deverão também ser solicitados novos orçamentos, de preferência utilizando o sistema de “bailéu” (plataforma elevatória); - Reunidos esses orçamentos, deverá agendar-se assembleia extraordinária para análise e tomada de decisão sobre essas obras; - Também deverão ser solicitadas propostas a empresas de manutenção de elevadores para o trabalho proposto pela empresa ORIS, bem como proposta para a manutenção.»
20) Sob o ponto 10 (“Obras ilegais no 10.º andar esquerdo”), lê-se o seguinte:
«Considerando que o proprietário do 10.º andar esquerdo (fracção “Q”) concluiu a obra exterior que alterou a linha arquitectónica do edifício, tendo para o efeito destruído a nível da sua fracção a empena nascente do prédio, retirando o revestimento cerâmico, bem como, a sua impermeabilização, com implicações no 9.º andar esquerdo, nomeadamente infiltrações, não tendo respeitado os pedidos e o embardo da obra que atempadamente foi feito pela administração na presença de três testemunhas, o condómino do 6.º andar esquerdo propôs avançar-se com uma Acção Judicial contra a empresa Domus Valor, Lda., para que esta empresa seja obrigada a repor a empena tal como se encontrava antes das obras realizadas. Submetida à votação esta proposta do 6.º andar esquerdo, a mesma foi aprovada por maioria dos presentes, com o voto contra da representante nesta assembleia das proprietárias do 11.º andar.»
21) A final da referida acta, encontram-se a seguinte menção:
«Nada mais havendo a tratar, foi a presente assembleia encerrada (…), da qual se lavrou a presente acta, que irá ser assinada/rubricada pelo Presidente da Mesa e Secretário da presente reunião. PRESIDENTE DA MESA: [assinatura manuscrita] SECRETÁRIO: [assinatura manuscrita]»
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- Síntese da matéria provada por referência à questão decidenda:
Face ao objeto em apreço, sintetizando a matéria assente nos autos, devem ressaltar-se os elementos relevantes na decisão:
- O condomínio recorrente foi constituído por título datado de maio de 1979, onde consta uma composição em 116 (cento e dezasseis) frações autónomas;
- Tal condomínio foi constituído numa estrutura física correspondente a um edifício, que se divide em duas áreas autonomizadas: uma área habitacional (que inclui também um escritório) e uma área de Centro Comercial;
- A zona de habitações e escritório integra 17 (dezassete) frações autónomas;
- A zona de Centro Comercial é composta pelas restantes 99 (noventa e nove) frações;
- Para a assembleia de condóminos objeto dos autos foram convocados apenas os condóminos da área habitacional, e foram apenas condóminos desta área que estiveram presentes, sendo estabelecidos pela mesa da reunião os quóruns de funcionamento e deliberação sendo com base nessas presenças. –
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- Fundamentos de direito sustentados na sentença :
Face a este quadro, a decisão proferida a quo assentou nos seguintes juízos de direito:
Em primeiro lugar, que o art.º 1438.º-A permitiria, ante a realidade do condomínio em causa, a sua divisão em dois condomínios ou o estabelecimento de duas esferas de administração autonomizadas, algo que não foi concretizado pelos condóminos.
Assim, desenvolvendo este fundamento, diz-se na sentença recorrida; (...) no art. 1438.º-A do Cód. Civil, a lei prevê que, para além do edifício autónomo ou do grupo de edifícios estruturalmente ligados entre si, possam ser objecto de propriedade horizontal os conjuntos de imóveis urbanos materialmente descontínuos, mas funcionalmente ligados entre si através de elementos comuns, derrogando-se o destino jurídico unitário do prédio e permitindo a criação de um estatuto privativo para cada edifício – isto é, de um condomínio para cada edifício (...) «Para que um edifício ou conjunto de edifícios nas condições previstas no art. 1438º-A, possa ser submetido ao regime de propriedade horizontal é indispensável que as diversas fracções que o compõem sejam susceptíveis de constituir unidades ou fogos autónomos e independentes, distintos e isolados uns dos outros, tendo cada um deles saída própria para a via pública, ou seja, cada fogo terá de constituir uma unidade adequada a um determinado uso ou destino, constituindo assim uma unidade de utilização funcional». (...) Do que foi acima exposto resulta que a realidade predial retratada nos autos poderia, em abstracto, enquadrar a situação prevista no art. 1438.º-A do Cód. Civil. Contudo, não foi esta a opção que ficou reflectida tanto no título constitutivo, como no plano do registo predial. (...) Pelo contrário, do registo (e do título constitutivo, note-se) resulta um regime de propriedade horizontal unitário, que apesar de incidir sobre uma pluralidade de edifícios afectos, essencialmente, a duas finalidades distintas, assenta nitidamente num todo, não existindo qualquer autonomização das duas zonas em blocos ou lotes na qual se pudesse fundar duas administrações parcelares separadas. Ainda que se atenda à jurisprudência que firma o entendimento de que a unidade do título constitutivo (e, por inerência, do registo predial) não exclui o funcionamento de mais de um condomínio, sempre se diga que a autonomização de dois condomínios teria, ao menos, que resultar de uma deliberação tomada em assembleia de condóminos, sob pena de tal decisão ficar ao arbítrio do órgão de administração do condomínio ou de alguns dos condóminos que se pretendam autonomizar da gestão feita das partes comuns. Ora, o réu não alega, nem muito menos prova, a adopção de uma qualquer deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, limitando-se a referir que a zona habitacional se autonomizou e individualizou para gerir as partes que lhe dizem respeito. (...) Nos termos do art. 1432.º, n.º 2 do Cód. Civil, a assembleia de condóminos só pode reunir em primeira convocatória (como era o caso) na presença de quórum composto por uma maioria simples, isto é, na presença de condóminos que reúnam a maioria do capital investido, com referência à permilagem das respectivas fracções (art. 1418.º, n.º 1 do Cód. Civil), exigindo-se igual quórum deliberativo. Ora, a assembleia em crise apenas contou com a presença de 10 condóminos, (...) que apenas representam uma permilagem de 327 do valor total do prédio, pelo que não estava verificado o quórum constitutivo imposto por lei para que a assembleia pudesse reunir em primeira convocatória, nem muito menos quórum deliberativo.
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Quer isto dizer, sintetizando os argumentos sustentados na sentença, que foi relevada, em primeiro lugar, a circunstância de o título constitutivo não corresponder à divisão física e funcional do prédio e, portanto, não autorizar a segmentação do condomínio e, consequentemente, dos respetivos órgãos (no caso o deliberativo – a assembleia de condóminos).
Não deixa, todavia, a sentença de expressamente aludir à possibilidade de funcionamento autónomo dos órgãos do condomínio, assembleia e administração, mesmo perante um título constitutivo único, verificada que seja uma deliberação do órgão deliberativo que o autorizasse (leia-se, necessariamente, da assembleia de condóminos correspondente ao título constante do registo).
Ante a desconformidade da convocação e funcionamento da assembleia em causa com a estrutura do condomínio estabelecida no respetivo título, assim como a inexistência (facto sequer alegado) de uma tal deliberação anterior (de todo o condomínio) que autorizasse uma separação de administrações, retirou a decisão a quo conclusão que essa autonomização não está autorizada, de onde decorre omissão de convocação de grande número de condóminos para a assembleia realizada, assim como ausência de quórum para a mesma.
Dessas faltas estabelece a sentença um vício de nulidade, que declarou.
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- A convocação e o quorum da assembleia:
Olhando com rigor as conclusões de recurso, deve começar por dizer-se que, na sua quase integralidade, não põem em causa o sentido da decisão, na medida em que não apresentam fundamentos que contradigam diretamente os da sentença.
Na verdade, o recorrente pretende pôr em causa a decisão recorrida a partir de uma perspetiva expressamente afirmada na decisão.
Assim, diz-se nas conclusões que:
- O tribunal de 1ª instância partiu de uma premissa incorreta, na medida em que não aceitou a tese de que num determinado edifício pode coexistir mais de um condomínio.
- Na douta sentença recorrida o tribunal de 1ª instância não deitou mão, nem aplicou, o previsto no artigo 1438º-A do Código Civil.
– O normativo enunciado na conclusão anterior não estava publicado quando foi outorgada escritura pública de constituição do regime da propriedade horizontal, sendo que a primeira data é facto público e notório e a segunda data está provada e dada como assente nos autos.
– É possível no quadro normativo positivado do regime da propriedade horizontal instituir no mesmo edifício dois condomínios atenta a funcionalidade e destinação finalística de diferentes blocos de edificações, áreas ou zonas de um edifício que e se revela como uma única unidade de construção.
– Existem duas realidades de construções que podem ser submetidas ao regime da propriedade horizontal, sendo que uma é relativa à existência de conjuntos de prédios que integram o mesmo aglomerado de construção e outra relativa a prédios urbanos que se compõem de um só edifício.
– Nada na lei obriga que no título constitutivo se faça referência a qualquer uma destas especificidades.
– Também nada na lei proíbe que os condóminos num quadro de especialidade, de autonomia finalística e de funcionalidade que no mesmo edifício se constituam dois (ou mais) condomínios.
Esta argumentação, em síntese, traduz as seguintes ideias:
i. - Que sentença parte da premissa que não é possível constituir mais que um condomínio num edifício.
É um argumento manifestamente desconexo do sentido da decisão, dado que esta alude expressamente a essa possibilidade, aliás apresentando-a por duas vias (por alteração do título e por deliberação da assembleia de condóminos correspondente ao título que segmentasse as áreas de administração);
ii) – Que a norma contida no art.º 1438.º-A do CC não se encontrava em vigor à data de constituição do condomínio.
É também um argumento manifestamente infundado, na simples medida que os títulos são passíveis de alteração, desde que haja causa relevante para tanto, que pode ser física ou, como seria o caso, meramente decorrente de alteração do quadro regulador da matéria.
Nesse sentido, o título constitutivo que está em avaliação tem o teor que tem, e não foi objeto de qualquer alteração, que poderia ter sido introduzida (mas não foi).
iii) – Que o condomínio em causa permite constituir mais que um condomínio, sendo que corresponde a duas realidades autónomas.
Este argumento, também é insustentado e mesmo desfasado da questão em apreço.
Não está em causa saber se poderiam ser constituídos dois condomínios no prédio em causa, parecendo relativamente evidente que tal hipótese existe (o que, repete-se, a decisão expressamente refere).
O que está em causa nos autos é apenas o facto de, na data presente, o condomínio se manter juridicamente uno.
Se esta argumentação é manifestamente infundada, por não contradizer a decisão, poderão encontrar-se duas linhas argumentativas nas alegações que se desalinham com os fundamentos da sentença, ainda que seja necessário algum trabalho interpretativo para o fazer – a invocação que a sentença não aplicou o disposto no art.º 1438.º-A do CC e a invocação que existe um acordo tácito dos condóminos para a divisão do condomínio. --
Quanto ao primeiro dos argumentos – a aplicação direta do disposto no art.º 1438.º-A do CC como fundamento para cindir áreas de administração autónomas, ligando-o aos demais fundamentos apresentados, pode inferir-se que o recorrente pretende estabelecer a conclusão que, no seu entender, será lícito aos condóminos de uma área autonomizada segmentarem as suas deliberações em assembleia própria, e segmentarem a sua administração, sem qualquer ato ou permissão do conjunto do condomínio, algo que, uma vez discutido em tribunal, deve ser validado pela instância decisória.
Cumpre apreciar a sustentação destas razões.
Começando pela literalidade do preceito em causa (art.º 1438.º-A do CC), é evidente que não permite estabelecer essa conclusão.
Diz o preceito em causa: O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem
A sua literalidade nada alude ao sentido pretendido estabelecer pelo recorrente.
Diga-se que o que se retira diretamente do preceito em causa, introduzido no CC pelo Decreto-Lei n.º 267/94, é apenas um propósito regulador de uma tipologia de edificação que surgira em momento posterior ao de aprovação do CC e que, nesse momento (meados da década de noventa do século passado), se generalizara, causando dúvidas interpretativas sobre o regime jurídico aplicável – os comummente chamados condomínios fechados ou, na expressão da lei, conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si.
Será certo que a simples aplicação de um argumento ad maiori ad minus poderá permitir aplicar a norma a um mesmo edifício com espaços autónomos, sendo a respetiva ligação funcional a decorrente da sua unidade física e da existência de espaços em comum (os taxativamente indicados no art.º 1421.º n.º 1). Ainda que assim seja, não deixa de ser claro também que tal divisão pode criar dificuldades de administração que a simples pluralidade de edifícios não terá.
Em todo o caso, essa não é a questão em apreço.
O que está em causa é apenas saber se houve uma divisão do condomínio válida e eficazmente realizada pela simples separação voluntária concretizada por uma parte dos condóminos, claramente minoritária no conjunto do edifício ou, dizendo de outro modo, se o art.º 1438.º-A permite que um conjunto de condóminos, invocando uma autonomização física de uma parte do prédio, promova uma cisão sem consentimento dos demais.
Essa não é matéria regulada pelo art.º 1438.º-A e, portanto, não pode ser acolhido também este argumento – que uma simples aplicação direta do preceito legal, invocada pelas frações da parte a autonomizar, conferiria um verdadeiro direito potestativo à cisão de espaços de administração autónomos.
Atente-se, por outro lado, sendo este um forte argumento para não admitir sequer que uma cisão deste tipo possa fazer-se fora do quadro de uma verdadeira alteração do título constitutivo, que a divisão de um condomínio, em termos efetivos, equivale verdadeiramente à constituição de dois novos condomínios e não tem efeitos apenas internos, i.e., entre condóminos (atuais os futuros).
O condomínio, apesar de a lei não lhe conferir personalidade jurídica, relaciona-se juridicamente com terceiros, tendo personalidade judiciária e sendo representado pelo administrador. Por isso, a posição desses terceiros tem que ser devidamente acautelada e a publicidade do título é um elemento relevante para esse efeito.
Daí que que as regras relativas ao título constitutivo da propriedade horizontal, e sua modificação, sejam tão estritas – trata-se, não apenas de regular a situação da propriedade, direito cuja natureza e função impõe, só por si, especial cautela.
Admitir-se que as atas de assembleias de condóminos possam ser suficientes para a definição estrutural e funcional de um prédio, ou conjunto de prédios, será sempre uma restrição da publicidade de atos relevantes no conteúdo do direito de propriedade, princípio basilar de todo o sistema de registo predial.
Em todo o caso, esta é uma questão que não tem merecido resposta jurisprudencial uniforme, tendo os tribunais superiores oscilado entre orientações que reforçam a segurança jurídica da situação do condomínio, restringindo a possibilidade de cisão estrutural (ou simples cisão administrativa) e orientações que fazem sobrelevar critérios utilitários de boa organização e gestão, flexibilizando as possibilidades de criação voluntária de espaços de administração autonomizada.
Disse-se, assim, em acórdão desta Relação e Secção de 27/01/2022 (Pedro Martins – dgsi,pt) que a aplicação do art. 1438-A do CC, implica a constituição da propriedade horizontal e que um conjunto de fracções englobadas num centro comercial, (...) não constitui, sem mais, um condomínio.
Numa questão próxima à dos autos, disse-se noutro acórdão desta Relação de 10/2/2022 (Carla Mendes – dgsi.pt) que nada obsta à existência de um condomínio específico relativo a um Centro Comercial (parte de alguns blocos em propriedade horizontal), sito num bloco de edifícios contíguos, unificados pelo próprio centro comercial, constituindo este um espaço perfeitamente delimitado com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, precisando-se que a globalidade dos condóminos pode deliberar a constituição de órgãos autónomos de administração, visando a administração autónoma desse espaço (centro comercial), ainda que, no caso, tenha sido decidido que tal não carece de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
Em acórdão do STJ de 5/4/2022 (Ana Paula Boularot, dgsi.pt), em situação próxima, admite-se a existência de um regulamento interno referente à utilização e administração da parte comercial cuja gestão pertence aos condóminos lojistas.
Mais diz-se nesse aresto que se trata de questão de carácter legislativo lacunar, que não tem obtido por parte da jurisprudência uma resposta uniforme, embora mais recentemente, a questão se tenha vindo a pacificar, por força da interpretação e aplicação a estes casos do preceituado no art. 1438.º-A do CC.
Diga-se que este aresto dá algum corpo ao sentido pretendido afirmar pelo recorrente, ao concluir pela admissão da possibilidade de os proprietários das frações que integram o centro poderem dar origem a uma nova entidade, distinta dos seus membros, com a finalidade de gerir o centro: nesta perspectiva, o centro comercial revela-se em termos organizativos, semelhante à estrutura definidora da propriedade horizontal.
Esta linha tem, todavia, um pressuposto essencial, que não se verifica numa cisão concretizada pelos condóminos da área habitacional, que é exatamente a existência de uma realidade autónoma, cariz económico e organizativo, que será o tal centro comercial, visto como uma realidade que é mais que um mero conjunto de frações autónomas destinadas a fim comercial.
Seguindo esta linha jurisprudencial, sempre terá que se dizer que uma coisa será criar uma administração que suporte uma realidade social e economicamente autónoma, outra será fazer uma segregação da parte habitacional.
Mais que essa consideração, deve sobrelevar a anteriormente feita – a de que qualquer segregação de espaços de administração dever ter por base um ato inicial, ou genético, de todos os condóminos.
Admitir-se que um conjunto de condóminos possa, potestativamente, sem intervenção ou consentimento dos demais, afirmar uma realidade autónoma não consagrada no quadro fundacional do condomínio, que é o título constitutivo, seria abrir a porta a verdadeiras situações de esvaziamento da função jurídica deste instituto.
Nesta linha, adere-se também à linha jurisprudencial afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 21/05/2009 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza – dgsi.pt) que, para efeitos de constituição de propriedade horizontal, não há correspondência necessária entre prédio urbano e edifício e que a separação física não impede (...) que se realizem assembleias de condóminos em conjunto, ou que se institua uma administração conjunta.
Mais se aduz neste aresto que a aplicação do regime da propriedade horizontal a conjuntos de edifícios que obedeçam aos requisitos exigidos pelo artigo 1438º-A do Código Civil pressupõe a sua instituição em relação ao conjunto, nos termos do artigo 1417º do Código Civil (o mesmo se diria, no caso em apreço, por maioria de razão, relativamente a um edifício com espaços autónomos).
Especifica-se ainda, nesta linha, que esse regime pode ser aplicado ainda que tenha sido separadamente instituído o regime de propriedade horizontal para os diversos edifícios, quer substituindo-o, quer coexistindo com administrações parcelares separadas.
Sintetizando as asserções anteriores e as linhas jurisprudenciais que se acolhem, deve aceitar-se a possibilidade de separação de condomínios (a concretizar em modificação do título), ou a simples separação de espaços de administração (criando administrações parcelares exclusivas ou em coexistência com uma administração de todo o edifício).
Tal separação deve, todavia, ser inicialmente deliberada por todo o condomínio preexistente, não devendo admitir-se uma mera separação promovida parcialmente pelos condóminos do espaço que pretende autonomizar-se.
Na falta de uma deliberação desse tipo, independentemente das razões que o tenham sustentado que, repete-se, são estranhas a este processo, não existe uma separação validamente concretizada.
Assim, aparentemente haverá uma situação organizativa do prédio que, de facto, permitiria uma válida separação administrativa, decorrente de uma verdadeira autonomia entre a zona de habitação e de centro comercial, mas essa cisão não foi previamente decidida pelo condomínio.
Perante a constatação de tal não ter sido feito e perante a conclusão de não poder sê-lo apenas por impulso e decisão de uma parte dos condóminos, sem deliberação geral, a conclusão, inexorável, é a existência do apontado vício na constituição, convocação e deliberação da assembleia de condóminos em apreço, não tendo sustentação o recurso com este fundamento e devendo manter-se o decidido. –
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A segunda linha argumentativa identificada, ligada a esta primeira, mas bem autonomizada, é a afirmação de existência de um acordo tácito de separação.
A este propósito, deve começar-se por dizer, antes de mais, que a alusão assim apresentada em sede de recurso não tem suporte factual na alegação dos autos, nos fundamentos de facto da decisão e no próprio recurso (que não impugna a matéria dada por assente).
Trata-se, assim, de uma alusão meramente genérica de que o condomínio vem funcionando separadamente, há largos anos, entre espaços habitacionais e de centro comercial.
Ainda que assim possa ter sido, a verdade é que a matéria apurada nestes autos não permite afirmar qualquer acordo desse tipo, ou sequer uma prática reiterada de realização separada de assembleias e, muito menos, desde quando e em que circunstâncias tal teria sucedido.
Quer isto dizer, portanto, que a simples base factual estabelecida nos autos afasta a possibilidade de firmar esta conclusão.
Diga-se, todavia, que ainda que assim não fosse, i.e., que estivesse demonstrado nos autos, que, num dado momento histórico, os condóminos haviam decidido, informal ou tacitamente, segmentar as áreas de administração, passando a convocar e a realizar assembleias separadas e nomear administrações autónomas, sempre teria que se avaliar da licitude de tal acordo.
Importa, a este propósito, atentar no que dizem de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., p. 448) a propósito dos vícios das deliberações.
Assim, a despeito do vício tipicamente previsto para atos deliberativos ser a anulabilidade (cf. art.º 1433.º n.º 1 do CC), quando a Assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública as deliberações tomadas devem ser consideradas nulas, e como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286º. Se assim não fosse, estaria na mão dos condóminos derrogar os preceitos em causa(…).
Um acordo tácito, ou estabelecido fora de uma deliberação formal, seria, a esta luz, passível de merecer amplo questionamento sob esta perspetiva, na medida em que seria suscetível de pôr em causa a realidade e a publicidade da situação do condomínio, em detrimento da posição de condóminos (atuais e futuros), bem como de terceiros.
Assim sendo, também este fundamento recursório não merece acolhimento, devendo ser rejeitado.
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b) O invocado abuso de direito:
Subsidiariamente, convoca o recorrente o instituto do abuso de direito para pretender reverter o decidido.
O argumento, neste caso, em termos sintéticos, é o seguinte: - Na assembleia em causa foi declarada a ilegalidade de obras realizadas na sua fração pelo condómino autor e recorrido, que nada disse relativamente a outras assembleias convocadas e realizadas do mesmo modo, e, nessa medida, ao solicitar declaração de invalidade da assembleia está a atuar em abuso de direito, na forma de venire contra factum proprium.
Deve dizer-se, antes de mais, que o vício verificado, sendo relativo à própria constituição da assembleia e aos consequentes atos de convocação limitada de condóminos, de funcionamento sem quórum e de deliberação sem perfazer qualquer maioria, deve ser qualificado de nulidade, como estabelecido na decisão recorrida, inquinando todos os atos nela praticados com idêntico vício.
É o que decorre também do supra citado pensamento dos anotadores ao Código Civil – ante vícios que ofendam regras de ordem pública a sanção é verdadeira nulidade e não mera anulabilidade.
No caso, ante uma verdadeira cisão administrativa potestativa estar-se-á perante a criação de um órgão administrativo não previsto e perante uma verdadeira cisão não permitida do condomínio, circunstância que remete diretamente para tal vício.
Quer isto dizer que o que quer que tenha sido discutido e/ou deliberado não produz qualquer efeito na ordem jurídica, sendo absolutamente inócuas as circunstâncias em que tal se tenha produzido
Tal, só por si, conduz a que se deva considerar prejudicado o conhecimento do invocado abuso de direito.
Acresce, de modo relevante, que não decorre sequer da matéria de facto estabelecida nos autos que o recorrido tenha participado noutras assembleias com idêntica configuração e, muito menos, desde quando e em que circunstâncias.
Em todo o caso, mesmo que se considerasse tratar-se de uma anulabilidade potestativamente arguida por um beneficiário, nunca se poderia considerar abusivo o exercício de tal direito numa situação, como a dos autos, de uma assembleia convocada apenas por uma parte do condomínio.
As causas e motivações subjetivas que se pudessem ter participado na intenção de exercer o direito seriam irrelevantes, ante a gravidade do vício.
Diga-se ainda que, mesmo que a motivação subjetiva da autora-recorrida fosse a apontada pelo réu-recorrente, i.e., de colher um benefício indireto (pela realização de obras na sua fração qualificadas como ilegais - questão completamente estranha aos autos), sempre teria que se se dizer que essa linha de argumentação, ao invés de enfraquecer o vício, apenas o torna mais patente.
A impossibilidade de um grupo de condóminos, sem consentimento dos demais, constituir motu propriu um espaço deliberativo e administrativo autónomo é suscetível de permitir, precisamente, que um grupo restrito de condóminos assuma a condução de destinos gerais, potencialmente contra direitos e interesses de alguns condóminos individuais.
Em termos coloquiais, impor que a cisão de administração seja decidida em assembleia de todo o condomínio é um elemento limitador da possibilidade de "balcanização" do condomínio em conflitos movidos por divergências pessoais.
Também por estas considerações, sempre improcederia esta invocação.
É o que se decide. --
--- III. Decisão:
Face ao exposto, nega-se a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique-se e registe-se. –
--- Lisboa, 10-04-2025 João Paulo Vasconcelos Raposo Pedro Martins António Moreira