CONTRATO DE ARRENDAMENTO
HABITAÇÃO DO AGREGADO FAMILIAR DO LOCATÁRIO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO
INEFICÁCIA
Sumário

(elaborado ao abrigo do artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
- Tendo em conta que o arrendatário é casado e que o locado se destina à habitação do agregado do requerido, constituindo casa de morada de família, a comunicação remetida pela requerente destinada a operar a oposição à renovação do contrato de arrendamento devia ter sido dirigida separadamente a cada um dos cônjuges;
- A inobservância desta regra determina a ineficácia daquela comunicação, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 12º, nº 1, art.º 10º, nº 2, al. b) e 15º, nº 2, al. c) do NRAU.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
MM apresentou requerimento de despejo contra KK, com fundamento em “cessação por oposição à renovação pelo senhorio”, juntando para o efeito cópia do contrato de arrendamento (ref. 40758349), cópia do comprovativo da comunicação a que se refere o nº 1 do artigo 1097º do Código Civil (ref. 40758351) e comprovativo do pagamento de imposto de selo (ref. 40758350). Foi paga a taxa de justiça (ref. 40758355).
Notificado, o requerido apresentou a oposição (ref. 40758370), alegando, em síntese, a ineficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, uma vez que o locado constitui casa de morada de família e a oposição não foi remetida também à sua mulher, mais alegando que a autora recebeu rendas posteriores à pretensa produção de efeitos da oposição à renovação. Requer, ainda, o diferimento da desocupação do locado.
Notificada para se pronunciar quanto à oposição, a requerente pugnou pela sua improcedência, por desconhecer se o requerido é ou não casado e que este não o prova por documento, sendo certo que na oposição não identificou ninguém, nem nunca deu a conhecer tal facto à senhoria. Assim, a requerente sempre estaria impossibilitada de deduzir o incidente de intervenção provocada previsto no art.º 15º H, nº 2 do NRAU. Mais pugna pelo indeferimento do diferimento da desocupação do imóvel.
Por despacho de 23/12/2024, foi o requerido notificado para juntar aos autos o documento comprovativo do seu estado civil.
A requerente, notificada do documento em causa, no exercício do seu direito do contraditório, insurgiu-se quanto ao facto de ter sido apresentado documento em língua inglesa e que do mesmo resulta que o Requerido “was married” o que significa “foi casado”, não resultando do mesmo que o Requerido ainda é casado.
Devidamente notificado, o Requerido juntou, com o requerimento de 20/1/25, a tradução para a língua portuguesa da referida certidão.
Notificada do documento, a Requerente não se pronunciou.
A 10/2/2025 foi, então, proferida sentença que julgou procedente a oposição deduzida e, em consequência, absolveu o requerido do pedido de despejo.
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Inconformada com a referida decisão, veio a Requerente interpor recurso, concluindo da seguinte forma:
“a) O ora Apelado nunca referiu à Apelante, seja oralmente ou por escrito, ser casado, e tanto assim é que no âmbito do contrato celebrado não indicou qualquer nome de cônjuge ou pediu a sua inserção posteriormente;
b) O ora Apelado não juntou qualquer prova do seu estado civil, isto é, não diligenciou pela demonstração dessa realidade (casamento);
c) A prova do casamento faz-se pela certidão extraída do assento ou pelo acesso à base de dados do registo civil;
d) Em cumprimento de Despacho proferido pelo Tribunal a quo o Apelado juntou um documento em língua estrangeira, sem a devida tradução que se impõe, e do qual resulta que o mesmo “was married” ou ainda “foi casado”;
e) Do novo requerimento junto pelo Apelado resulta que se trata de documento emitido pelo Bangladesh, e não por Portugal;
f) A Apelante não foi convidada a pronunciar-se quanto a tal novo requerimento junto;
g) O documento traduzido pelo Apelado data já de 2017, e a tradução do mesmo data de 03.12.2018, nada provando, portanto, que se mantém tal como o atual estado do Apelado;
h) Ainda que o Apelado se mantenha casado no Bangladesh, não resulta que o mesmo é casado em Portugal;
i) O Apelado não sendo português, não é possível obter o assento de nascimento / casamento do mesmo;
j) Não está transcrito para a nossa ordem jurídica portuguesa qualquer casamento.
k) Agir nos termos pretendidos pelo Apelado na sua oposição é agir em claro abuso de direito, totalmente condenável,
l) O Tribunal a quo não conheceu da exceção invocada pela Apelante do abuso de direito – determinando tal a nulidade da sentença;
m) O Apelado apenas poderia invocar tal casamento, como forma de determinar a ineficácia da oposição à renovação, depois de registado o mesmo em Portugal, o que não sucede no caso em apreço;
n) não está demonstrado nos autos o alegado casamento, não sendo a falta do documento substituível por confissão – cf. art.ºs 1º, n.º 1, d), 4º e 211º, n.ºs 1 e 2 do Código do Registo Civil e art.º 364º do Código Civil;
o) Está afastada a possibilidade de comunicação do direito do arrendatário ao cônjuge, nos termos do art.º 1068º do Código Civil;
p) não sendo o Apelante casado em Portugal, não é possível concluir pela necessidade de envio de uma outra carta para comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento, pois esta exigência apenas se coloca relativamente a quem é cônjuge do arrendatário;
q) não se verifica no caso sub judice qualquer violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1 do NRAU, por não estar demonstrado que à data da comunicação existia um cônjuge do arrendatário a quem se tivesse comunicado o direito ao arrendamento ou o locado constituísse casa de morada de família desse casal;
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogar-se a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando-se totalmente improcedente a Oposição pelo Apelado, com o consequente decretamento do despejo, com o que se fará a objectiva e costumada JUSTIÇA!”.
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O Requerido apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
“a) Do contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, junto aos autos, o Apelado aparece identificado com o estado civil de “casado”;
b) Não existe qualquer rasura sobre a palavra “casado”;
c) A palavra “casado” está datilografa e bastante legível;
d) Não restando qualquer dúvida que aquele é o estado civil do Apelado;
e) A Apelante, quando leu e assinou o contrato de arrendamento, tomou conhecimento que o Apelado era casado;
f) O Apelado juntou aos autos comprovativo do seu assento de casamento com a respetiva tradução (Ref.ª 50986803 de 13/01/2025 e Ref.ª 51073743 de 20/01/2025);
g) A transcrição do casamento para o ordenamento jurídico, nada mais é do que dar validade a um ato praticado no estrangeiro, em território português, alterando-se as informações civis do respetivo cidadão português;
h) Isto é, a transcrição do registo de casamento deve ser realizada por todo cidadão português que se casou no estrangeiro, ou seja, fora dos territórios de Portugal;
i) O Apelado é de nacionalidade bengali;
j) A sua esposa é, igualmente, de nacionalidade bengali;
k) Estamos, por isso, perante um casamento entre dois cidadãos estrangeiros, naturais do Bangladesh, cujo casamento foi realizado no seu país de origem e de acordo com a legislação nele em vigor;
l) Nenhum dos elementos do casal é Português ou veio, até à presente data, a adquirir a cidadania portuguesa;
m) Não impendia sobre o Apelado nenhuma obrigação de transcrição do casamento para o ordenamento jurídico;
n) O abuso de direito é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal apreciá-lo enquanto obstáculo legal ao exercício do direito, quando, face às circunstâncias do caso, concluir que o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito;
o) O tribunal está vinculado a tomar conhecimento do abuso de direito se do conjunto dos factos alegados e provados resultarem provados os respectivos pressupostos legais;
p) Constitui ato inútil proibido pela lei ordenar que os autos baixem para que o tribunal recorrido se pronuncie sobre o abuso de direito de que não conheceu oficiosamente, se dos factos definitivamente considerados provados não resultar sequer minimamente indiciado que qualquer das partes atuou em abuso de direito;
q) Sendo o Apelado casado e o locado constituir casa de morada de família, as comunicações de oposição à renovação do contrato de arrendamento devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se, na íntegra, a douta Sentença apelada.
Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez, mais se fará a costumada e esperada Justiça”.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).
No caso vertente, as questões a decidir, que ressaltam das conclusões do Recurso interposto são as seguintes:
- Se o Tribunal a quo não conheceu da excepção do abuso de direito invocada pela Apelante, determinando tal a nulidade da sentença;
- Se a decisão da matéria de facto deve ser alterada;
- Se a oposição à renovação operada pela Apelante foi válida e eficaz.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de Facto
Foi esta a factualidade considerada pela primeira instância:
“Com fundamento nos documentos juntos aos autos e na posição das partes assumidas nos articulados, com relevância para a decisão está demonstrado que:
1. Requerente e requerido celebraram em 28.02.2019 contrato de arrendamento com, entre outros, os seguintes termos:
 (documento de ref.ª 40758349).
2. No mencionado contrato, o requerido é identificado nos seguintes termos:
(…)
 (documento de ref.ª 40758349).
3. Em 31.07.2023 a requerente remeteu ao requerido uma carta registada com aviso de receção com, entre outro, o seguinte teor:
 
(documento de ref.ª 40758351).
4. O requerido é casado com RR desde 04.05.2004 (documentos de ref.ª 41578762 e 41664296) .
5. O requerido reside no imóvel objeto do contrato de arrendamento acima identificado com a sua mulher e as quatro filhas menores de ambos (documentos de ref.ª 40758373 e 40758375).
Com relevo para a decisão não ficaram factos por provar”.
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Revelam, ainda, para a decisão os factos constantes do Relatório, que aqui se dão por reproduzidos.
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Fundamentação de Direito

Inicia a Apelante por suscitar uma nulidade da sentença, invocando que Tribunal a quo não conheceu da excepção do abuso de direito invocada pela Apelante na resposta à oposição.
Nos termos do art.º 615º, 1, d) do CPC, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta causa de nulidade está directamente relacionada com o art.º 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Nas alegações de recurso, a Apelante defende que, não estando transcrito o casamento do Requerido no ordenamento jurídico português, não podia opor-se à renovação junto da suposta cônjuge deste e que a defesa do Requerido, ao suscitar a falta dessa comunicação está a agir em “claro abuso de direito, conforme já alegou em sede de resposta à Oposição apresentada e que o Tribunal não conheceu”.
Ora, perscrutada a resposta à oposição, não se vislumbra que a Apelante tenha suscitado a mencionada excepção de abuso de direito por parte do requerido, assim como também não o fez na resposta à oposição ou no requerimento apresentado em resposta à certidão de casamento junta aos autos pelo Requerido.
Deste modo, não ocorre a nulidade apontada à decisão sob recurso.
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Da impugnação da Matéria de Facto.
Em sede de recurso, os recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, designadamente aos pontos 4 e 5 dos factos provados.
O artigo 640º do CPC impõe ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Entendemos que o recurso interposto, no que respeita à impugnação da matéria de facto (pontos 4 e 5 dos factos provados) cumpre o ónus imposto pelo art.º 640º do CPC, pelo que passaremos à análise da referida impugnação.
Do ponto 4 resulta que o “Requerido é casado com RR desde 04.05.2004 (de acordo com os documentos de ref.ª 41578762 e 41664296)”.
A Apelante entende que este facto não está demonstrado nos autos (al. n) das conclusões).
A Requerente, em resposta à oposição, declarou desconhecer se o Requerido é ou não casado e que juntamente com a Oposição não juntou qualquer documento que o comprove.
Notificada da certidão de casamento junta aos autos pelo requerido em 13/1/25, a Requerente insurgiu-se quanto ao facto de ter sido apresentado documento em língua estrangeira, defendendo que do mesmo resulta apenas que o Requerido “was married” o que significa “foi casado”, não resultando do mesmo que o Requerido ainda é casado.
Devidamente notificado, o Requerido juntou, com o requerimento de 20/1/25, a tradução para a língua portuguesa da referida certidão. Notificada do documento, a Requerente não se pronunciou.
A Requerente, nas suas alegações de recurso defende que o documento junto pelo Requerido foi emitido em Bangladesh e não por Portugal, pelo que Apelado apenas se encontrará ainda casado naquele país e não em Portugal, uma vez que o seu casamento não se encontra transcrito na ordem jurídica Portuguesa.
Quanto à certidão junta aos autos pelo Requerido, cuja tradução se encontra junta aos autos, resulta com clareza que se trata da sua certidão de casamento. Na sua versão original, as expressões “was married” (que na tradução corresponde a um “foi casado”) e “and the marriage was solemnized”, significam que no dia 4/5/2004 o Requerido “casou”, pois na verdade trata-se de uma certidão de casamento. O sentido que a Requerente pretende atribuir à expressão “was married” não faz, por isso, qualquer sentido.
Tratando-se de documento autêntico passado em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, faz prova como faria um documento da mesma natureza exarado em Portugal – art.º 365º, nº 1 do CC.
Por outro lado, prescreve o art.º 440º, nº 1 do CPC, que “Sem prejuízo do que se encontrar estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respetivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo”.
A legalização não é indispensável para que um documento passado em país estrangeiro faça prova em Portugal. Desde que seja elaborado em conformidade com a lex loci, o documento reveste a mesma força probatória que têm os documentos da mesma natureza elaborados em Portugal, só sendo de exigir a respectiva legalização se houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do seu reconhecimento” – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 552).
À data em que foi emitida a certidão em causa, a República Popular de Bangladesh ainda não tinha aderido à Convenção de 5 de Outubro de 1961 sobre a Abolição da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, pelo que a apostila não era necessária para respectiva validação (este país só em 29 de Julho de 2024 depositou o seu instrumento de adesão à Convenção, que entrará em vigor apenas no dia 30 deste mês – consulta disponível em www.hcch.net/en/news-archive/details/?varevent=997).
Ora, o documento junto aos autos (“certidão de casamento”), provém do Departamento de Registo de casamento Muçulmano e Quazi do Governo da República do Bangladesh, com selo do “Muslim Registrar”, carimbo do notário público do Bangladesh, com o selo e assinatura do secretário assistente (consular) do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Dhaka e selo e assinatura do secretário assistente do Departamento de Lei e Justiça do Ministério de Justiça e Assuntos Parlamentares de Bangladesh, pelo que não se suscitam dúvidas quanto à sua autenticidade, sendo tal documento válido em Portugal, nos termos das supra citadas normas.
Quanto à questão de o casamento do Requerido não se encontrar registado no ordenamento civil português, também não assiste razão à Apelante, na medida em que apenas aos cidadãos portugueses é imposto o registo do casamento (art.º 1º, 1, d) e 2 do CRC).
Como resulta da certidão de casamento junta aos autos, o Requerido e sua mulher são ambos de nacionalidade bengali (ele natural de Beanibazar e ela de Sunamganj). Assim, o seu casamento, realizado no país de origem, não tinha de estar registado em Portugal, nem tinha de ser transcrito para o nosso registo civil para poder valer como tal (a transcrição de casamento realizados em território estrangeiro apenas se aplica igualmente a nacionais portugueses – art.º 6º, nº 4 do CRC).
Concluindo, o Requerido, tal como consta dos factos provados, em resultado da certidão junta aos autos, é casado com RR desde 4/5/2004, pelo que improcede, nesta parte, a impugnação do referido ponto da matéria de facto.
O ponto 5 dos factos provados tem a seguinte redacção: “O requerido reside no imóvel objeto do contrato de arrendamento acima identificado com a sua mulher e as quatro filhas menores de ambos (documentos de ref.ª 40758373 e 40758375)”.
A Apelante defende que não podia o tribunal a quo dar como provado, “atenta a prova junta que o ora Apelado reside no imóvel objeto do contrato de arrendamento acima identificado com a sua mulher e as quatro filhas menores de ambos”, ou que “o locado constituísse casa de morada de família desse casa” (ponto 59 das alegações e al. q) das conclusões).
Para prova do alegado, o Requerido juntou com a Oposição a declaração de IRS relativa ao ano de 2023 (doc. ref. 40758373), em que aparece como sujeito passivo A, casado e, como sujeito passivo B, a mulher RR; no campo destinado ao agregado familiar, dependentes, indica três números de identificação fiscal. Juntou, ainda, documento emitido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, “Informação Social” (doc. ref. 40758375), de onde consta a composição do agregado familiar do requerido, com a mulher RR e as quatro filhas do casal (a mais nova nascida no ano de 2024), cuja residência coincide com o arrendado.
Notificada para se pronunciar quanto à Oposição, a Requerente afirmou desconhecer o estado civil do Requerido. Na verdade não impugnou o facto de ser no arrendado que o Requerido reside com a “esposa” e as quatro filhas menores, tão pouco impugnou os documentos juntos, como devia, pelo que teria necessariamente de se considerar a autenticidade e relevância probatória desses documentos, como o fez a primeira instância.
Pelo que se expôs, e porque os documentos considerados pelo tribunal a quo permitem, efectivamente, concluir que no arrendado reside o requerido com a sua mulher e as quatro filhas de ambos, improcede, também aqui, a impugnação da matéria de facto.
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Apreciemos, agora, se a oposição à renovação operada pela Apelante foi válida e eficaz.
Como resulta do ponto 3 dos factos provados, por carta registada, com aviso de recepção, datada de 31/7/2023, a Requerente, como senhoria, comunicou ao Requerido que se opunha à renovação automática do contrato, pelo que o Requerido devia proceder à entrega das chaves e “do andar livre e devoluto até ao próximo dia 29 de Fevereiro de 2024”.
Nos termos do disposto no art.º 9º, nº 1 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (doravante NRAU), “salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção”.
Por seu turno, o art.º 12º, nº 1 do NRAU, prevê que “se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações previstas no nº 2 do artigo 10º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia”.
Dispõe o art.º 10º, nº 2 do NRAU que: “O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais”.
E o art.º 15º, nº 2, al. c) dispõe que “apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento, em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil”.
Ora, a comunicação remetida pela Requerente ao Requerido visou a oposição à renovação do contrato, tendo servido como pressuposto para o presente procedimento especial de despejo.
Cabe aqui referir que, ao contrário do alegado pela Requerente, no contrato de arrendamento celebrado consta que o Requerido é “casado”, facto que aquela não podia assim ignorar.
Tendo em conta que o arrendatário é casado e que o locado se destina à habitação do agregado do requerido, constituindo casa de morada de família, a conclusão necessária a tirar é que a comunicação remetida pela requerente destinada a operar a oposição à renovação do contrato de arrendamento é ineficaz, ou seja, não produziu o efeito a que se destinou, pois, como se viu, as comunicações respeitantes a oposição à renovação por iniciativa do senhorio, devem ser dirigidas separadamente aos cônjuges, não bastando uma única comunicação dirigida a ambos.
A inobservância desta regra determina a ineficácia daquela comunicação, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 12º, nº 1, art.º 10º, nº 2, al. b) e 15º, nº 2, al. c) do NRAU.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 10/4/2025
(o presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam)
Carla Figueiredo
Cristina Lourenço
Carla Matos