IRRECORRIBILIDADE
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
DISTRIBUIÇÃO
JULGAMENTO
PRONÚNCIA
FACTOS DA ACUSAÇÃO
Sumário

É irrecorrível, por se tratar de despacho de mero expediente, o despacho que ordena a imediata remessa dos autos à distribuição no Tribunal competente para proceder ao julgamento, na sequência de acórdão que, julgando parcialmente procedente o recurso, pronuncia a arguida pela prática de um crime pelos factos que constam da acusação, e do despacho que determina a devolução dos autos à primeira instância a fim de ser remetido à distribuição para julgamento.

Texto Integral

AA veio, nos termos do art. 405.º do CPP, reclamar do despacho de 31.01.2025 do Juízo Central Criminal – Juiz 19, do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, que não admitiu, com fundamento em irrecorribilidade, o recurso que interpôs do despacho de 10.12.2024 proferido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 2, que “em momento instantâneo ao recebimento pela primeira vez dos autos, [os enviou] para distribuição e julgamento no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa”.
Alega, em síntese, que, com o despacho recorrido se põe termo à instrução sem a respectiva conclusão, ou seja, sem que tenha sido proferido o único acto previsto na lei para pôr termo à instrução, a decisão instrutória de pronúncia ou de não pronúncia. Entende que o acórdão deste Tribunal da Relação, de revogação parcial do despacho de não pronúncia, que sucedeu à acusação, gerou uma diferença nos factos constantes da acusação e, consequentemente, contradições que só poderiam ser dirimidas em sede de instrução, com as devidas garantias, nomeadamente de contraditório.
Sustenta ainda que o facto de o despacho recorrido se limitar a “remeter os autos” não preenche o conceito de despacho (irrecorrível) de mero expediente, pois que ao determinar a remessa dos autos para julgamento, com o consequente encerramento da instrução, não regula o normal andamento do processo, cfr. dispõe o art. 152.º, n.º4 do CPC, ex vi art. 4.º do CPP.
Reputando de inconstitucional a interpretação dos arts. 399.º e 400.º, n.º1, al. e) do CPP que impeça o recurso e valore como de mero expediente um despacho que, a pretexto de enviar para distribuição e julgamento um processo a ser tramitado em sede de instrução, ponha termo à respectiva instrução omitindo o despacho de pronúncia e respectivas garantias.
Apreciando:
No acórdão de 25.01.2024, que apreciou os recursos interpostos da decisão instrutória do Tribunal Central de Instrução Criminal, acordaram “as Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, decidindo:
(…)
III MANTER A DECISÃO INSTRUTÓRIA NA PARTE REFERENTE À NÃO PRONÚNCIA DOS SEGUINTES ARGUIDOS:
(…)
m) AA, pela prática de:
- Um crime de falsificação de documento, com referência aos contratos de prestação de serviços celebrados entra a ... e a arguida AA, que serviram de suporte ao recebimento de quantias por esta última com origem no arguido BB, crime p. e p. pelo art.º 256. °, n.º l, alíneas a), d) e e) do Código Penal;
(…)
IV REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E PRONUNCIAR OS ARGUIDOS INFRA IDENTIFICADOS PELA PRÁTICA DOS SEGUINTES CRIMES:
AA
Um (1) crime de branqueamento
1. Um crime de branqueamento, em co-autoria com os arguidos BB e CC, relativamente à aquisição de um imóvel, designado “...”, com intenção de que passasse a integrar o património familiar do arguido BB, com registo em nome de terceiro e montagem de operação de financiamento entre ... e ..., p. e p. pelo art.º 368.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal.
(…)
PELOS FACTOS QUE CONSTAM DA ACUSAÇÃO, PEÇA PARA A QUAL SE REMETE, DANDO O SEU TEOR COMO INTEGRALMENTE REPRODUZIDO, INCLUINDO OS MEIOS DE PROVA ALI INDICADOS, com excepção dos factos constantes dos artigos 13826, 13827, 13828, 13829, 13830, na parte em que se referem ao arguido DD e as referências feitas ao arguido EE nos artigos 13820, 13821, 13822, 13823 e 13824 no que respeita aos crimes de abuso de confiança que lhes eram imputados; dos artigos 338, 339, 3340, 342, 3844, 3846, 3853, 3916, 3918, 3921, 39324, 3931, 3945, 4101, 4103, 4128, 4200, dos artigos 13724, 13866, 13869, 14065, 14070, 14075 e 14078, na parte respeitantes à não pronúncia dos crimes de branqueamento 7 e 20 imputados à arguida FF; e dos artigos 3948 a 4016, 13870 a 13873 na parte respeitante à não pronúncia dos crimes de branqueamento imputados aos arguidos GG E DA HH.” (destaques nossos)
Por despacho de 9.12.2024 foi determinado que “Tendo sido proferida uma decisão de pronúncia (parcial), o processo terá de ser remetido ao tribunal "a quo", o Juiz 2 do Tribunal Central de Instrução Criminal, a fim de ser remetido à distribuição para julgamento no tribunal competente.” (destaque nosso)
Tendo em 10.12.2024 sido proferido, pela Juiz 2 do Tribunal Central de Instrução Criminal, o despacho recorrido: “Atentos os prazos prescricionais em curso, remeta os autos, de imediato, à distribuição no Juízo Central Criminal de Lisboa.”
Sendo o despacho reclamado, da Juiz 19 do Juízo Central Criminal de Lisboa, do seguinte teor: “Referência Citius 41769014
Vem a AA recorrer do despacho da Exm.ª Senhora Juiz de Instrução datado de 10.12.24 que determinou a remessa dos presentes autos à distribuição no Juízo Central Criminal de Lisboa.
Dispõe o art.º 399º do Código de Processo Penal que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei e o art.º 400º/1 al. a) do mesmo Código que não é admissível recurso de despachos de mero expediente.
Os despachos de mero expediente são actos processuais do juiz pelos quais ele regula o andamento normal do processo sem que se pronuncie sobre o mérito da causa ou de quaisquer incidentes ou questões interlocutórias suscitadas pelos outros sujeitos processuais.
Ora, o despacho em crise limitou-se a remeter os autos ao Juízo Central Criminal de Lisboa para distribuição na sequência do despacho do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.12.24 que assim o determinou, pelo que é manifesto que apenas se limitou a dar andamento ao processo na sequência das decisões tomadas pelo Tribunal Superior.
Assim sendo, sendo o despacho irrecorrível, não se admite o recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 399º e 400º/1 al. a) do Código de Processo Penal.
Notifique.”
Vejamos.
De acordo com o disposto no art. 152.º n.º 4 do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP, despachos de mero expediente são os que se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes.
Considerando o teor do acórdão de 25.01.2024, que apreciou os recursos interpostos da decisão instrutória de não pronúncia pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, esta decisão, no que à reclamante respeita, foi mantida na parte referente à sua não pronúncia pela prática de um crime de falsificação de documento e foi revogada e a arguida/reclamante pronunciada pela prática de um crime de branqueamento, em co-autoria com os arguidos BB e CC, relativamente à aquisição de um imóvel, designado “...”, com intenção de que passasse a integrar o património familiar do arguido BB, com registo em nome de terceiro e montagem de operação de financiamento entre ... e ..., p. e p. pelo art.º 368.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal. E foi-o, pelos factos que constam da acusação, peça para a qual se remeteu, dando o seu teor como integralmente reproduzido, incluindo os meios de prova ali indicados. Quanto aos factos constantes dos artigos 13826, 13827, 13828, 13829, 13830, apenas foram excepcionados daquela declaração na parte em que se referem aos arguidos identificados no acórdão, o que não inclui a arguida aqui reclamante ou os arguidos a quem é imputada a co-autoria do crime pelo qual foi pronunciada.
Tendo o processo sido remetido à primeira instância, a fim de ser remetido à distribuição para julgamento no tribunal competente (cfr. despacho de 9.12.2024), o despacho que ordena a imediata remessa dos mesmos à distribuição no Juízo Central Criminal de Lisboa constitui, claramente, um despacho de mero expediente. Limita-se a, na sequência da decisão do recurso e do subsequente despacho proferido pelo Senhor Juiz Desembargador, regular o andamento do processo. A única decisão propriamente dita é disciplinadora da tramitação processual e é dirigida à Secretaria, ordenando a remessa dos autos à distribuição no Juízo Central Criminal de Lisboa, competente para a realização do julgamento. Sem interferir na questão de mérito ou tocar nos direitos ou deveres da arguida.
Ora, de acordo com o disposto no art. 400.º, n.º1, al. a) do CPP, não é admissível recurso de despachos de mero expediente.
Invoca a reclamante a inconstitucionalidade, por violação do art. 32.º da CRP, da interpretação dos arts. 399.º e 400.º, n.º1, al. a) do CPP que impeça o recurso e valore como de mero expediente um despacho que, a pretexto de enviar para distribuição e julgamento um processo a ser tramitado em sede de instrução, ponha termo à respectiva instrução omitindo o despacho de pronúncia e respectivas garantias.
Sem razão, no entanto.
Pelo despacho reclamado não foi feita qualquer interpretação dos arts. 399.º e 400.º, n.º1, al. a) do CPP que “impeça o recurso”, tendo-se limitado a citar estas normas, que dispõem sobre o princípio geral de que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei e que não é admissível o recurso de despachos de mero expediente (art. 152.º, n.º4 do CPC).
Tendo o acórdão 25.01.2024 desta Relação pronunciado a arguida/reclamante pela prática de um crime de branqueamento, e sido depois determinada a devolução dos autos à primeira instância a fim de ser remetido à distribuição para julgamento no tribunal competente, o despacho recorrido, que se limitou a determinar a remessa dos autos à distribuição para julgamento no tribunal competente, constitui um despacho de mero expediente e, como tal, irrecorrível.
Improcede, pois, a presente reclamação.
*
Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada por AA.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC ( art. 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Notifique.
***
Lisboa, 10.03.2025
Eleonora Viegas
(Vice-Presidente, com poderes delegados pelo Despacho n.º 30/2025, de 28.02)