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EMPREITADA DE CONSUMO
CADUCIDADE
Sumário
I. Destinando-se a Empreitada a uso não profissional do dono da obra, a par do regime legal geral da empreitada, aplicar-se-ão (atenta a data dos factos) as normas do DL nº 67/2003, de 8 de Abril, na redação dada pelo DL nº 84/2008, de 21 de Maio. II. O direito de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da realização de obras defeituosas, nas relações de consumo, tem a sua previsão no art. 12º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), incluindo-se no “Direito à reparação de danos”.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
AA e BB, Autores nos autos de acção declarativa, com processo comum, em curso, instaurados contra EMP01..., Lda, vieram interpor recurso de apelação do despacho saneador sentença proferido nos autos que decidiu julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção dos AA., invocada pela Ré, e, consequentemente, julgou caduco o direito dos AA. em propor a presente acção.
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O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.
Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes Conclusões:
1ª - Jamais os recorrentes se poderiam conformar com a decisão aqui em crise, de julgar procedente a excepção da caducidade, tanto mais que a mesma viola, de modo grosseiro, o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 25º do Dec.-Lei nº 84/2021, de 18/10.
2ª - Antes de mais importa referir que a recorrida afirmou na sua douta peça processual, tal como vai referido na decisão aqui em crise, invocando a caducidade do direito de denúncia por nunca lhe terem sido comunicados fossem que defeitos fossem.
3ª - Por isso, e com o devido respeito, mal se percebe que se tenha vertido na decisão aqui em crise o seguinte: “Logo, o prazo de caducidade ter-se-á iniciado, segundo os próprios AA., em Novembro de 2019.
4ª - Ao contrário do que se afirma na decisão aqui em crise, em local algum do alegado pelos recorrentes se pode ler que os mesmos comunicaram os defeitos ao legal representante da recorrida no mês de Novembro de 2019.
5ª - Bem pelo contrário.
Como decorre do alegado nos artigos 13º, 14º e 15º da petição inicial o legal representante da recorrida esteve na residência dos recorrentes por alturas de Novembro de 2019, para perceber aquilo que tinha já surgido.
6ª - E ainda que se não tenham grandes conhecimentos da área de Engenharia Civil jamais se poderia entender que defeitos como humidades, rachadelas ou fungos pudessem ter surgido escassos dois (2) meses depois de terem sido dadas por terminadas as obras na residência dos recorrentes.
7ª - Isso só seria possível, o que se ventila por mera necessidade de raciocínio, se desde Julho de 2019 a apenas até Outubro/Novembro desse mesmo ano tivesse chovido de forma ininterrupta e diluviana…!
8ª - Como as mais elementares regras de experiência comum nos informam esse tipo de patologias, esse tipo de defeitos surge ao fim de vários meses ou anos.
Jamais se conseguiu perceber numa obra acabada de realizar a existência, nomeadamente, de fungos!!!
9ª - Ficaram os recorrentes sem perceber de onde teria a Meritíssima Juíza a quo retirado a ideia de que o prazo de caducidade se iniciou em Julho de 2019.
Só pelo facto de os recorrentes terem afirmado, sem especificar, que ali solicitaram a presença do legal representante da recorrida para perceber o que não estava conforme?
10ª - Corresponderá isto a uma comunicação dos defeitos? E já agora, por não haver qualquer documento que represente essa “comunicação”, que defeitos?
Seguramente, e como já supra deixamos referido, não seriam certamente as humidades ou os fungos como alegado nos artigos 21º a 28º da petição inicial…!
11ª - Se bem se percebe daquilo que vai previsto, também como referido na decisão aqui em crise, no Dec.-Lei nº 84/2021, de 18/10, no seu preâmbulo eliminou-se a obrigação que pendia sobre o consumidor - no caso os aqui recorrentes - de denunciar o defeito dentro de determinado prazo após o seu conhecimento.
12ª - Porém, e como é sabido, gozam os bens imóveis de dois prazos de garantia:
- 10 (dez) anos em relação às faltas de conformidade relativas a elementos construtivos estruturais e
- 5 (cinco) anos em relação às restantes faltas de conformidade,
como, aliás, decorre do disposto na alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 23º do Dec.-Lei nº 84/2021, de 18/10.
13ª - Por isso, ao contrário do que se afirma na decisão aqui em crise, em local algum do alegado pelos recorrentes se pode ler que os mesmos comunicaram os defeitos ao legal representante da recorrida no mês de Novembro de 2019.
14ª - Não deixa de ser curioso que o legal representante da recorrida, confrontado com a existência de alguns defeitos em obra, que à data estavam orçados em 12.420,00 €, tenha devolvido aos recorrentes a quantia de 5.000,00 € do que recebeu.
15ª - E o que disse o mesmo nos autos a este propósito na sua douta contestação?
Limitou-se, no artigo 19º dessa sua peça processual, em relação ao artigo 16º da petição inicial (onde estava alegada essa matéria de facto) que o impugnava por falso, inexacto!
16ª - A única comunicação de defeitos que se encontra junta aos autos pelos aqui recorrentes e ali demandantes é uma carta que foi remetida no mês de Dezembro de 2022, mais concretamente no dia 21.12.2022, pelo mandatário dos recorrentes à recorrida.
17ª - E o que referiu, de novo, a recorrida a propósito do que estava inserto nessa carta, nesse documento?
Decorre dos artigos 50º a 55º que a recorrida se limitou a impugnar ou por falsidade, ou por inexactidão, ou por representarem versões destorcidas da realidade ou mesmo desconhecendo se seu conteúdo (dos documentos, nomeadamente o nº 5 junto com a petição inicial) era verdadeiro ou não.
18ª - Então, refere-se ali que o legal representante da recorrida tomou uma posição - devolução da quantia de 5.000,00 € - e o mesmo nada diz?
Como diz o sábio Povo: - Gato escondido com o rabo de fora!!!
19ª - Curiosamente a recorrida, na sua douta contestação, não procede à junção seja de que auto de entrega de obra seja que pudesse demonstrar que a obra teria sido entregue aos recorrentes nas datas apontadas pela mesma.
20ª - Não juntou mas poderia, não tivesse sido a precipitação do Tribunal a quo, juntá-los a pedido dos recorrentes em sede de Audiência Prévia ou mesmo após esta se fosse dispensada, como o foi.
21ª - Ora, se não existe qualquer disposição legal que imponha aos recorrentes a denúncia dos defeitos em determinado prazo, salvo o devido respeito por opinião diversa, o prazo de que os mesmos dispõem para os denunciar será aquele que consta das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 23º do Dec.-Lei nº 84/2001, de 18/10, isto é, 10 ou 5 anos consoante se trata de desconformidades estruturais ou não.
22ª - Por isso, e tendo essa comunicação sido remetida no dia 21.12.2022, o dies ad quem da caducidade do direito de acção dos recorrentes ocorreria, na melhor das hipóteses, a 21.12.2025.
Jamais em Novembro de 2022!!!
23ª - Ora, se os recorrentes intentaram a presente lide a 20.06.2024 estavam mais do que em prazo para o fazerem, não estando de modo algum esse seu direito à acção caducado.
24ª - Mas mais.
Como decorre de modo cristalino dos autos a recorrida não procedeu fosse a que reparação e/ou substituição fosse dos defeitos que lhe foram apontados fosse em Novembro de 2019, fosse em Dezembro de 2022, motivo por que, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 25º do Dec.-Lei nº 84/2021, de 18/10, a contagem do prazo para uma eventual caducidade estava suspensa.
25ª - Tivesse a recorrida tomado a atitude que lhe era devida - e que se lhe impunha - de proceder à reparação dos defeitos que lhe foram apontados e jamais os recorrentes teriam intentado a presente demanda.
26ª - Repete-se, o único documento que demonstra nos autos que foi comunicado à recorrida a existência de defeitos é o que está representado pelo doc. nº 5 junto com a petição inicial, datado de 21.12.2022.
27ª - Assim sendo - como inquestionavelmente é - jamais o direito dos recorrentes à presente demanda está caducado.
28ª - Finalmente, e por se tratar de matéria de facto que estava - como está - absolutamente controvertida, melhor teria andado a Meritíssima Juíza a quo se tivesse relegado para a decisão final o conhecimento da caducidade invocada pela recorrida na sua douta contestação ao invés de ter decidido a verificação de uma caducidade que, como vimos, nem tampouco ocorreu.
Pelo exposto,
deve a decisão aqui em crise ser revogada e, em sua substituição, ser proferido douto acórdão que julgue a caducidade do direito da acção improcedente ou, quando muito, relegue o seu conhecimento para a decisão final, devendo os presentes autos baixar à 1ª Instância e prosseguirem os ulteriores termos Foram proferidas contra-alegações O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “ (artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do Código de Processo Civil) - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19. E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Nestes termos, atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar:
- da excepção de caducidade do direito de acção dos AA
FUNDAMENTAÇÃO( de facto e de direito )
I. a) AA e BB, Autores nos autos de acção declarativa, com processo comum, em curso, instaurados contra EMP01..., Lda., vieram interpor recurso de apelação do despacho saneador sentença proferido nos autos que decidiu julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção dos AA., invocada pela Ré, e, consequentemente, julgou caduco o direito dos AA. em propor a presente acção.
b) O Tribunal “a quo“ julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção dos AA., invocada pela Ré, fundamentando-se na decisão recorrida:
“Da caducidade do direito dos AA. Na sua contestação invocou a R. quer a caducidade do direito de denúncia dos defeitos, por, afirma, nunca os defeitos invocados lhe terem sido comunicados, quer a caducidade do direito de acção dos AA., por, ainda que se tivesse verificado a referida denúncia, ter já decorrido o prazo de 1 ano previsto no art. 1225.º/2/II parte CC. O instituto da caducidade tem por fundamento específico a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei, negligência essa que faz presumir ter o referido titular querido renunciar ao direito, ou que pelo menos o torna indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit ius). Outras razões, porém, se costumam invocar, num plano secundário, para justificação do instituto da caducidade: uma consideração de certeza ou segurança jurídica, a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas, se mantenham, não podendo ser atacadas por anti-jurídicas; a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica; e ainda uma razão de pressão ou estímulo educativo exercido sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles. Efectuado este intróito, cumpre dizer, antes de mais, que ao contrário do defendido pela R., o regime aplicável é o previsto do DL84/2021, ante o preceituado no seu art. 3.º/1/al. b), e não o regime previsto no CC. Com efeito, os AA. terão de ser entendidos como “consumidores” nos termos e para os efeitos do disposto no referido diploma legal (cfr. respectivo art. 2.º/al. g)). Quanto à invocada caducidade do direito de denúncia, cumpre dizer que o DL84/2021 não prevê qualquer prazo de denúncia de defeitos. Aliás, no seu preâmbulo expressamente se consignou que “Eliminou-se ainda a obrigação que pendia sobre o consumidor de denunciar o defeito dentro de determinado prazo após o seu conhecimento, restabelecendo-se a inexistência de obstáculos ao exercício de direitos de que o consumidor dispõe durante o prazo de garantia dos bens.”. Como tal, improcede, nesta parte, a invocada caducidade do direito dos AA. em denunciarem os defeitos. Quanto à caducidade do direito de acção, há que atender ao disposto nos arts. 24.º e 25.º DL84/2021. Prescreve o art. 24.º/1 DL 84/2021 que “Em caso de falta de conformidade do bem imóvel, o consumidor tem direito a que esta seja reposta a título gratuito, por meio de reparação ou de substituição, à redução proporcional do preço ou à resolução do contrato.”. Tais direitos caducam decorridos 3 anos a contar da data de comunicação da falta de conformidade (art. 25.º/1 DL 84/2021), suspendendo-se, designadamente, desde a data de comunicação da falta de conformidade até à conclusão das operações de reparação ou substituição (art. 25.º/2/al. a) DL 84/2021). No caso dos autos, não se verifica qualquer causa de suspensão do prazo previsto no art. 25.º/1 DL84/2021, já que são os próprios AA. quem alega nos arts. 14.º a 18.º que nunca a R. revelou pretender reparar a obra efectuada. Logo, o prazo de caducidade ter-se-á iniciado, segundo os próprios AA., em Novembro de 2019 (cfr. alegação constante do art. 1.º do requerimento de 14.11.2024, a fls. 54ss), alcançando-se o seu dies ad quem em Novembro de 2022. Acontece que os prazos de caducidade estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 02.06.2020 (cfr. arts. 7.º/3 e 4 L1-A/2020, na redacção originária, e 6.º e 10.º L16/2020, de 29.05) e novamente entre 22.01.2021 e 05.04.2021 (cfr. arts. 6.º-B/3 L1-A/2020, na redacção introduzida pela L4-B/2021, de 01.02, 4.º L4-B/2021, de 01.02 e 6.º e 7.º L13-B/2021, de 05.04), pelo que esses 129 dias acrescerão ao período de caducidade. Ainda que se admitisse como dia da denúncia dos defeitos o dia 30.11.2019, os 129 dias que deverão acrescer ao prazo de caducidade fariam com que o dies ad quem do prazo se tivesse alcançado no dia 09.04.2023. Tendo a presente acção sido intentada somente em 20.06.2024, há muito havia decorrido o prazo previsto no art. 25.º/1 DL84/2021. Pelo exposto, o Tribunal julga procedente a excepcionada caducidade do direito de acção dos AA. e consequentemente julga caduco o direito dos AA. em propor a presente acção.”
c) 1. Os Autores alegam nos artº 12º e 13º da petição inicial que, tendo a obra terminado em finais de Julho de 2019 – (artº 12º) nos meses de Outubro/Novembro desse mesmo ano os demandantes começaram a aperceber-se de uma série de defeitos, tendo tal alegação sido aceite pela Ré cfr. artº 10º da contestação, e, novamente reiterada pelos Autores no artº 7º do Requerimento de 14/11/2024, a fls.54 dos autos;
2. e, cfr. artº 14º a 16º da petição inicial - mais alegam os Autores que deram conta da existência dos defeitos ao representante da demandada e este como forma de resolução do problema devolveu a quantia de € 5.000,00 – factualidade impugnada pela Ré no artº 19º da contestação, a fls. 38 dos autos.
3. mais alegando os Autores que a reclamação junto da Ré ocorreu em Outubro de 2019 – cfr. artº 7º do Requerimento de 14/11/2024, Refª Citius 50467660, a fls.54 dos autos, e, referindo a data de Novembro de 2019 no artº 1º do Requerimento de 14/11/2024, Refª Citius 50467401, a fls.55 dos autos – mantendo a Ré a impugnação deduzida na contestação cfr. nº 8 e 9 do Requerimento de resposta de 22/11/2024, a fls. 66vº dos autos.
4. Pela presente acção veem os Autores demandar a Ré pedindo a condenação desta a pagar aos Autores a quantia de € 41.000,00, acrescida dos juros legais a contar da citação, a título de indemnização pelo preço estimado para a reparação dos defeitos que a obra apresenta e danos morais sofridos pelos Autores.
II. O Direito
A) Requer a apelante seja a decisão recorrida revogada, julgando-se a caducidade do direito da acção improcedente ou, quando muito, se relegue o seu conhecimento para a decisão final, por conterem os autos matéria controvertida, devendo os presentes autos baixar à 1ª Instância e prosseguirem os ulteriores termos, alegando que a decisão viola o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 25º do Dec-Lei nº 84/2021, de 18/10, diploma aplicado na decisão.
B) Relativamente à aplicação ao caso dos autos das normas do Dec-Lei nº 84/2021, de 18/10, salienta-se que nos termos dos artº 53º - nº3 e 55º do indicado diploma legal, o mesmo só se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, a qual se reporta a 1/1/2022.
Termos em que, sendo anteriores os contratos de empreitada em apreciação nos autos, é inaplicável o indicado diploma legal.
In casu, atenta a data dos factos e contratos em análise, a par do regime legal geral da empreitada, e, considerando-se que a empreitada dos autos se destina a uso não profissional dos Autores (dono da obra), aplicar-se-ão as normas do DL nº 67/2003, de 8 de Abril, na redação dada pelo DL nº 84/2008, de 21 de Maio. “Ao caso aplicar-se-á o regime geral do contrato de empreitada resultante do Código Civil, sem prejuízo das ressalvas que justifiquem a aplicação, com as devidas adaptações, do que resulta do DL n.º 67/2003 de 08-04 e da Lei n.º 24/96 de 31-06, na medida em que o autor agiu, nesta relação contratual, como consumidor, sendo a parte contrária um profissional que, no quadro da sua prestação, terá também fornecido bens para cumprimento adequado da empreitada” - Ac. STJ, de 28/1/2025 17878/19.7T8LSB.L1.S1
Nas palavras de João Cura Mariano, a relação de empreitada de consumo é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada atividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (art. 2º, n.º 1 da lei n.º 24/96, de 31/07 e art. 1º-B, al. a), do Dec. Lei n.º 67/2003). – (cfr. Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª ed., Almedina, 2017, p. 258).
A ré (sociedade comercial) obrigou-se perante os autores a executar obras de construção civil, com vista à reparação de um prédio urbano, que corresponde à casa de habitação dos autores, mediante um preço a suportar pelos beneficiários desses trabalhos.
O art. 1º-A, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003, na redação do Dec. Lei n.º 84/2008, prevê expressamente a aplicação do regime previsto no referido diploma legal aos contratos de empreitada que tenham por objeto o fornecimento de bens de consumo, pelo que, não excluindo os bens imóveis (art. 3º, n.º 2), permite incluir a empreitada, seja ela de construção de uma nova casa de habitação do consumidor, bem como de simples conservação, reparação, limpeza, remodelação, transformação/modificação ou demolição de um imóvel pré-existente (c.fr. João Cura Mariano, obra citada, p. 253 e ss., Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 13ª ed., Almedina, 2019, p. 555, José Engrácia Antunes, Direito do Consumo, 2ª ed., 2024, Almedina, pp. 300/301).
C) Relativamente à Verificação e Denúncia dos defeitos no contrato de Empreitada, a mesma incumbe ao dono da obra (artº 1218º, 1219º e 1220º do Código Civil).
No contrato de empreitada incumbe ao dono da obra o ónus de alegação e prova da existência dos defeitos, bem como da data do seu descobrimento e efectivação da denúncia.
Sendo o descobrimento dos defeitos e consequente exercício da denúncia “pressuposto legal” da instauração de qualquer das acções previstas nos artº 1221º e sgs. do Código Civil ( v. P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, Volume II, pg. 732 ), A. STJ de 13/5/2014, P. 16842/04.5TJPRT.P1:S1, in www.dgsi.pt “ A detecção e denúncia da verificação e existência de uma situação de cumprimento defeituoso, consubstanciada num desvio ao aos cânones estabelecidos e convencionados no negócio jurídico, constitui a causa donde emerge a faculdade/direito do lesado pelo cumprimento defeituoso pelo que, pretendendo o accionamento da respectiva pretensão, em juízo, deverá, nos termos do artigo 342.º do Código Civil, invocar os factos (concretos e específicos) donde decorre o direito para que tenciona obter a respectiva tutela jurídica”, e, Ac. STJ de 20/10/2010, P. 571/2002.P1.S1.
Estando assente, cfr. acima exposto e artº 574º-nº2 do CPC, que tendo a obra terminado em finais de Julho de 2019 (anexos), nos meses de Outubro/Novembro desse mesmo ano os demandantes começaram a aperceber-se de uma série de defeitos;
mostrando-se impugnada e controvertida a factualidade alegada pelos Autores referente à denúncia dos defeitos à Ré em Outubro/Novembro de 2019.
D) Estando em apreciação, no presente recurso, o direito de acção dos Autores, dir-se-à que relativamente aos direitos de “reparação” dos defeitos, e, em particular no tocante aos direitos conferidos pelos artº 1223º e 1224º do Código Civil, designadamente, “os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização “cumulativa” a tais direitos (indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato, cumulável), se verifica a caducidade do respectivo direito de acção nos termos do artº 1224º-nº2, parte final, do Código Civil, na medida em que se prova terem já decorrido mais de dois anos sobre a entrega da obra, reportada a Julho de 2019 (anexos), tendo a acção sido instaurada em 20/6/2024.
Nos termos da aplicação das disposições legais do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, v. cfr. Ac. STJ de 26/11/2024, P.3231/22.9T8PTM.S1, in www.dgsi.pt:
- “O dono da obra que seja consumidor, no âmbito da empreitada de consumo, tratando-se de bem imóvel (como é o caso), dispõe de três tipos de prazo para o exercício dos seus direitos, sob pena de caducidade:
em primeiro lugar, o prazo de 1 (um) ano para a denúncia dos defeitos da obra, contado desde o momento em que tiver detectado esse mesmo defeito, nos termos do artigo 1225º, n.º 2, do Código Civil e do artigo 5º-A, n.º 2 do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril;
em segundo lugar, o prazo de 3 (três) anos para a instauração da competente acção judicial em que pedirá a eliminação/reparação dos defeitos, e que se conta desde a denúncia, atempadamente apresentada, dos defeitos (artigo 5º-A, n.º 3, do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril);
finalmente, o prazo de 5 (cinco) anos, correspondente à garantia legal de conformidade da obra, o qual deve contar-se desde que aconteceu a entrega do imóvel ( artigo 1225º, n.º 1, do Código Civil, e artigo 5º, n.º 1, do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril)”;
todos os indicados prazos se mostrando esgotados, sendo que relativamente ao prazo legal de garantia corresponde ao prazo durante o qual, após entrega da obra, podem ser denunciados os defeitos, após sua verificação, no caso reportada a Outubro/Novembro de 2019.
Já relativamente ao direito de indemnização decorrente do não cumprimento ou cumprimento defeituoso nos termos do artº 12º do DL nº 24/96, de 31 de Julho, incluindo-se no “Direito à reparação de danos”, estabelece o nº1, do indicado preceito legal, que “O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”.
- “Apesar do Dec. Lei n.º 67/2003, não incluir no seu regime o direito de indemnização, isso não impede a sua utilização pelo dono da obra consumidor.
Com efeito, o direito de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da realização de obras defeituosas, nas relações de consumo, continua a ter a sua previsão no art. 12º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores). – (cfr. João Cura Mariano, obra citada, p. 288 e José Engrácia Antunes, obra citada, p. 156).
Apesar de se encontrar autonomamente previsto na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, como direito colocado à disposição do dono da obra consumidor, o seu exercício não deixa de estar sujeito aos requisitos gerais previsto no Código Civil para as consequências da realização de uma obra defeituosa, nomeadamente a necessidade de denúncia atempada dos defeitos e a aplicação dos prazos de caducidade dos arts. 1224º, n.º 1 e 1225º do CC, quando o mesmo visa ressarcir o prejuízo da existência da desconformidade (cfr. João Cura Mariano, obra citada, p. 288)”.
Logo, considerando que os AA. alegaram que deram conhecimento ao legal representante da demandada da existência dos defeitos no mês de novembro de 2019 (cfr. art. 1º do requerimento de resposta ao despacho convite) – e ainda que se admitisse como dia da denúncia dos defeitos o dia 30.11.2019 –, considerando ainda os 129 dias que deverão acrescer ao prazo de caducidade de um ano previsto no n.º 2, 2ª parte, do art. 1225º do CC – porquanto os prazos de caducidade estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 02.06.2020 (cfr. arts. 7.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, na redacção originária, e arts. 6.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05) e novamente entre 22.01.2021 e 05.04.2021 (cfr. arts. 6.º-B/3 da Lei n.º 1-A/2020, na redacção introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, e 6.º e 7.º Lei n.º 13-B/2021, de 05.04) –, faria com que o dies ad quem do prazo de caducidade se tivesse alcançado no dia 9.04.2023, ou, no dia 10/5/2021 nos termos do nº2 do artº 1225º do Código Civil, consoante a classificação da natureza do defeito.
Verificando-se que à data de propositura da acção se encontrava esgotado o prazo de direito de acção dos Autores.
Termos em que se conclui pela improcedência do recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida, embora por fundamentos não inteiramente coincidentes.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida, embora por fundamentos não inteiramente coincidentes.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 2 de Abril de 2025
( Luísa D. Ramos ) ( Paulo Reis ) ( Alcides Rodrigues )