PARTILHA DA HERANÇA
FRUTOS
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
Sumário

I. Tendo o autor, herdeiro preterido na herança aberta por óbito de seu pai, recebido o seu quinhão em dinheiro nos termos previstos no artigo 1389.º, mantendo-se a distribuição dos bens em conformidade com a partilha inicial, daqui não resultou qualquer efeito preclusivo, impeditivo de reclamar posteriormente os frutos produzidos pelos bens da herança e que no inventário não chegaram a ser considerados.
II. Nos termos do artigo 2069.º do Código Civil fazem parte da herança também os frutos percebidos até à partilha (cfr. alínea d)).
III. Não estando especificamente previstos os termos em que os frutos produzidos pela herança desde a data da abertura da sucessão até à partilha devem ser considerados no caso de haver lugar à reconformação da partilha para apurar o quinhão do herdeiro preterido nos termos do aplicado artigo 1389.º, dadas as semelhanças entre a posição do interessado de boa fé e do donatário obrigado a conferir os bens doados, afigura-se que a solução há-de ser idêntica, ficando os interessados obrigados a “conferir” os frutos dos bens adjudicados.
IV. Não podendo deixar de se reconhecer que os frutos produzidos pela herança beneficiaram da administração das interessadas a quem os mesmos bens foram adjudicados ao longo de mais de 30 anos, em ordem a obviar ao enriquecimento do aqui apelado à sua custa, importa deduzir aos valores dos frutos percebidos, liquidados e a liquidar, a importância que seria devida a um gestor diligente pela administração dos bens que compunham a herança durante o período em referência, e que dela constitui encargo nos termos do artigo 2068.º.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 815/17.0T8PTG.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre
Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre - Juiz 3


I. Relatório
(…) instaurou contra (…) e (…), esta última falecida na pendência da acção, tendo sido julgada habilitada para com ela prosseguir os termos da causa sua única herdeira (…), a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação das demandadas a pagar a quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença:
a) correspondente aos frutos percebidos, rendas obtidas e subsídios pagos por entidades estatais com referência aos prédios constantes da relação de bens por óbito de (…) desde 13.05.1977 até ao termo do Inventário nº. 965/15.8T8PTG do Juízo Local Cível – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, por ser esse o momento do termo da comunhão;
b) valor resultante da venda do prédio rústico cuja escritura foi celebrada entre a data do óbito e o Processo de Inventário Facultativo n.º 97/80 (25.01.1978), tudo na proporção do quinhão hereditário que lhe pertence de 1/6, a que devem acrescer juros à taxa legal desde da data da citação até integral e efectivo pagamento com custas a seu cargo.
Em fundamento alegou, em síntese, que por sentença proferida em 21 de Janeiro de 2014, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 692/11.5TBPTG pelo então 2.º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Portalegre, confirmada por acórdãos deste TRE de 5 de Junho de 2014 e do STJ de 24 de Fevereiro de 2015, foi reconhecido como filho de (…) , falecido em 13 de Maio de 1977, por óbito do qual correu termos processo de inventário sob o n.º 97/80 na antiga 2.ª secção daquele mesmo tribunal.
Mais alegou ter dirigido requerimento àqueles autos, que passaram a ser tramitados com o n.º 965/15.8T8PTG pela então Instância Local, Secção Cível, J1, do Tribunal Judicial de Portalegre e, não tendo requerido anulação da partilha nos termos do artigo 1388.º do CPCivil, na versão aqui aplicável, foi a sua quota composta em dinheiro, com exclusão dos frutos naturais e civis produzidos pelos bens da herança e de um imóvel vendido antes da partilha inicial, valores que lhe são devidos na proporção do seu quinhão na herança do falecido pai, a que concorreram as suas meias-irmãs, aqui RR, e que aqui reclama.
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Citadas as RR, apresentaram contestação na qual se defenderam “por excepção”, invocando que o autor não está em tempo para formular tal pretensão, uma vez que não pediu a emenda da partilha, nem tão pouco a anulação da mesma, estando “esgotados os prazos legalmente previstos” para tanto, tendo ainda invocado a falta de causa de pedir. Em todo o caso, acrescentam, no que se refere aos bens que constituem a meação do cônjuge sobrevivo, de quem o autor não é herdeiro, sempre teriam que se ter por excluídos da pretensão formulada.
Finalmente, porque, dizem, os rendimentos a que o autor pretende deitar mão são fruto do muito trabalho e investimento desenvolvido pelas RR, sem qualquer participação daquele, sempre a acção terá que ser julgada improcedente.
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O autor veio a desistir do pedido formulado em b), desistência homologada por sentença proferida em 09-04-2019.
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Teve lugar audiência prévia e nela, frustrada a tentativa de conciliação, foi dada às partes a possibilidade de exercerem o contraditório “quanto à excepção arguida pelas RR na contestação e quanto à eventual existência da exceção do caso julgado” e ainda quanto “a eventual relação de prejudicialidade entre os presentes autos e o processo de inventário n.º 965/15.8T8PTG”.
Encerrada a audiência foi de seguida proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes a exceção do caso julgado e ainda “as excepcões inominadas” invocadas pelas RR, por se considerar “que o regime da emenda à partilha consagrado no artigo 1387.º do (antigo) CPCivil não é aplicável à situação em análise (…), não abrangendo na sua previsão o exercício do direito de indemnização pelos frutos da herança não incluídos na composição da quota do herdeiro preterido”.
Havendo os autos de prosseguir, foi proferido despacho a delimitar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, dos quais reclamaram as demandadas nos termos do seu requerimento com a Ref.ª 32301792 (a fls. 210-211 do PF), em consequência do que foi designada data para a (continuação da) audiência prévia, que teve lugar em 6/2/2020, conforme consta da acta respectiva (fls. 232-233).
Realizou-se por fim a audiência de julgamento, no termo da qual veio a ser proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decretou como segue:
a) Reconheceu a existência de frutos, não partilhados em sede da processo de inventário que correu termos sob o n.º 965/15.8T8PTG, no Juízo Local Cível de Portalegre – Juiz 1, respeitantes ao período de 13-05-1977 a 05-09-2019, provenientes dos imóveis que integravam anteriormente a herança de (…), nomeadamente: o Prédio misto, denominado “Herdade da (…)”, sito na freguesa de (…), concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial a parte rústica sob o Artigo (…), Secção (…), e a parte urbana sob os Artigos (…) e (…); Prédio misto, denominado “Vale (…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial a parte rústica sob o Artigo (…), Secção (…) e a parte urbana sob o Artigo (…); Prédio rústico, denominado “(…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na respectiva matriz sob o Artigo (…), Secção (…); Prédio misto, denominado “Herdade da (…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial, a parte rústica sob o Artigo (…), Secção (…) e a parte urbana sob os Artigos (…) e (…); Prédio rústico, denominado “(…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na respectiva matriz sob o Artigo (…), Secção (…); Prédio urbano para habitação, sito na Av. da (…), n.º 105 e 107, freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…); Prédio rústico, denominado “(…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Crato, inscrito na respectiva matriz sob o Artigo (…), Secção (…);
b) Reconheceu que o valor dos aludidos frutos gerados durante o período circunscrito aos anos de 2010 a 2019 corresponde à quantia global de € 336.003,79 (trezentos e trinta e seis mil e três euros e setenta e nove cêntimos);
c) Relegou o apuramento do valor dos frutos gerados durante o período circunscrito aos anos de 1977 a 2009 para incidente de liquidação de sentença.
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Inconformadas, apelaram as RR e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentaram os fundamentos da sua discordância com a decisão proferida, formularam a final as seguintes conclusões:
“1.ª O Recorrido requereu nos Autos 965/15.8T(PTG do Juízo Local Cível de Portalegre – Juiz 1, simplesmente a composição da sua quota hereditária nos termos do disposto pelo, então, artigo 1389.º, n.º 1, do CPC;
2.ª O Recorrente, tendo-se conformado com a relação de bens, com o mapa da partilha e com a partilha (re)composta e que havia sido decretada em 1981 e com as decisões prolatadas, por despacho e sentença no processo referido em 1, não tem direito a qualquer ressarcimento respeitante a “frutos pendentes”;
3.ª Ao não entender assim, e como devia ter entendido, o Mm.º Juiz a quo, salvo o devido respeito, acabou por violar, aplicando-os, os artigos 2068.º e 2069.º, bem como os artigos 212.º, 1 e 2, 2132.º e 2133.º, todos do Código Civil.
4.ª Decisão que a manter-se proporcionaria ao Recorrido, depois de ter recebido a totalidade do seu quinhão hereditário, no valor de € 656.833,33, um verdadeiro enriquecimento sem causa”.
Com tais fundamentos pretendem a revogação da decisão recorrida, devendo a acção ser julgada totalmente improcedente.
Contra alegou o autor, pugnando pela confirmação do decidido.
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Questão prévia
As apelantes fizeram acompanhar as suas alegações de um conjunto de documentos que, conforme logo informaram, se encontravam já juntos aos autos, visando com tal junção facilitar a explanação dos factos e do direito.
O autor apelado deduziu oposição à referida junção, com o fundamento de que é a mesma extemporânea. Não tem, porém, razão. Vejamos:
As restrições à apresentação de documentos cem momento posterior ao fixado no artigo 424.º do CPCiv. tem como claro escopo remover eventuais obstáculos à célere tramitação dos autos, por implicar sempre a concessão de prazo à parte contrária para exercer o contraditório, dando eventual aso a incidentes com complexidade, tal como eventual impugnação da respectiva genuinidade ou outros. Não é, todavia, aqui o caso: os documentos encontravam-se já nos autos, tendo sido escrutinados e fixado o respectivo valor probatório, destinando-se a sua junção com as alegações a facilitar a exposição, obviando a que seja feita remissão para a sua localização no processo, o que facilita igualmente o trabalho deste TR, uma vez que nem sempre coincide o que se encontra no processo físico com a sua versão electrónica.
Em face do exposto, e porque se tem por inaplicável o disposto no artigo 425.º do CPCiv., nada obstava a que os documentos em causa acompanhassem a alegação das recorrentes.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se o autor tem, conforme lhe foi reconhecido, o direito a ser compensado, na medida do seu quinhão, pelos frutos produzidos pelos bens que constituíam o acervo hereditário deixado por óbito de (…), de que também são herdeiras as aqui RR.
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II. Fundamentação
De facto
Não tendo as partes impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, é a seguinte a factualidade a atender:
1. No âmbito do processo n.º 692/11.5TBPTG, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Portalegre, foi proferida douta sentença, transitada em julgado no dia 10-04-2015, por via da qual se reconheceu a paternidade de (…) em relação ao autor.
2. Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, 2.ª secção, entretanto extinta, o processo de inventário facultativo n.º 97/80, em que foi inventariado o supra referido (…), falecido em 13-05-1977, e inventariante a sua esposa … (casados sob o regime da comunhão geral de bens) e interessadas a ré (…) e a primitiva ré (…).
3. O processo em causa terminou com a prolação da douta sentença de 15-01-1981, entretanto transitada em julgado, que homologou o respectivo mapa de partilhas, a que correspondia o seguinte activo:
- Verba 1: Prédio misto, denominado “Herdade da (…)”, sito na freguesa de (…), concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial a parte rústica sob o Artigo (…), Secção (…), e a parte urbana sob os Artigos (…) e (…);
- Verba 2: Prédio misto denominado (…), sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial a parte rústica sob o Artigo (…), Secção (…) e a parte urbana sob o Artigo (…);
- Verba 3: Prédio rústico, denominado “(…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na respectiva matriz sob o Artigo (…), Secção (…);
- Verba 4: Prédio misto, denominado “Herdade da (…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial, a parte rústica sob o Artigo (…), Secção (…) e a parte urbana sob os Artigos (…) e (…);
- Verba 5: Prédio rústico, denominado “(…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na respectiva matriz sob o Artigo (…), Secção (…);
- Verba 6: Prédio urbano para habitação, sito na Estrada da (…), n.º 39, freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na respectiva matriz sob o Artigo (…);
- Verba 7: Prédio urbano para habitação, sito na Av. da (…), n.º 105 e 107, freguesia de (…), concelho de Portalegre, inscrito na respectiva matriz sob o Artigo (…);
- Verba 8: Prédio rústico, denominado “(…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Crato, inscrito na respectiva matriz sob o Artigo (…), Secção (…);
4. (…) faleceu no estado de viúva em 22-05-2011[1].
5. Posteriormente, no âmbito do mencionado processo de inventário (agora identificado pelo n.º 965/15.8T8PTG), que correu termos na então Instância Local – Secção Cível – J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, na sequência do impulso processual do autor, na qualidade de herdeiro preterido, procedeu-se à composição do seu quinhão.
6. Através do douto despacho de 06-01-2017 (processo n.º 965/15.8T8PTG), o Tribunal ordenou se procedesse à avaliação dos imóveis referidos em 3), de modo a apurar «o valor de mercado actual de cada propriedade com a composição e características existentes à data do falecimento do inventariado», devendo os Srs. Peritos para o efeito, «investigar e identificar quais as benfeitorias úteis e voluptuárias que terão sido efectuadas depois dessa data, com recurso ao respectivo processo camarário e quaisquer outros elementos de prova, e abater o seu montante, devidamente individualizado, ao valor de cada prédio.»
7. Por via da douta sentença proferida na aludida acção de inventário em 05-09-2019, entretanto transitada em julgado, foi homologada a respectiva partilha, cabendo ao autor a quantia de € 656.833,33.
8. Durante o período compreendido entre 13-05-1977 e 05-09-2019, a exploração dos imóveis referidos em 3), à excepção do imóvel identificado como verba 6, produziu rendimento bruto resultantes da venda de bens e produtos, nomeadamente animais, cortiça e subsídios à exploração e investimento nos seguintes termos:
- Desde o ano de 1977 a 2009: receita de valor não concretamente apurado;
- 2010: € 117.179,20;
- 2011: € 124.412,23;
- 2012: € 80.782,04;
- 2013: € 95.782,04;
- 2014: € 107.296,07;
- 2015: € 190.494,23;
- 2016: € 135.065,56;
- 2017: € 142.405,56;
- 2018: € 153.963,30;
- 2019: € 167.643,38.
9. Durante o período compreendido entre 13-05-1977 e 05-09-2019, a exploração dos imóveis referidos em 3), à excepção do imóvel identificado como verba 6, exigiu o pagamento de despesas, nomeadamente a aquisição de bens e serviços para a realização de operações agrícolas e florestais; aquisição de factores de produção para a realização dos trabalhos (sementeiras, adubações, colheitas), custos com alimentação animal, custos com pessoal (colaboradores e gestão agrícola, custos com energia e combustíveis e custos de natureza administrativa, gestão e de contabilidade, nos seguintes termos:
- Desde o ano de 1977 a 2009: despesa de valor não concretamente apurado;
- 2010: € 59.143,97;
- 2011: € 62.393,05;
- 2012: € 51.879,15;
- 2013: € 56.777,20;
- 2014: € 60.667,18;
- 2015: € 121.733,81;
- 2016: € 111.617,74;
- 2017: € 93.172,22;
- 2018: € 106.745,82;
- 2019: € 99.522,00.
10. Durante o período compreendido entre 13-05-1977 e 05-09-2019, a exploração dos imóveis referidos em 3), à excepção do imóvel identificado como verba 6, gerou um rendimento líquido após dedução de impostos (IRS), nos seguintes termos:
- Desde o ano de 1977 a 2009: valor não concretamente apurado;
- 2010: € 50.154,12;
- 2011: € 40.002,44;
- 2012: € 21.638,50;
- 2013: € 24.573,05;
- 2014: € 29.376,20;
- 2015: € 37.818,23;
- 2016: € 14.772,13;
- 2017: € 35.201,84;
- 2018: € 33.760,50;
- 2019: € 48.706,79.
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De Direito
Do direito do autor a ser compensado pelos frutos produzidos pela herança
O autor veio a juízo requerer a condenação das RR, também na qualidade de herdeiras do cônjuge meeiro, entretanto falecido, a entregar-lhe o valor correspondente aos frutos produzidos pelos bens da herança aberta por óbito do falecido progenitor de demandante e demandadas, e por estas percebidos entre a data da abertura da sucessão e a data da partilha, na proporção do seu quinhão.
Na sentença recorrida foi reconhecida a existência de frutos, produzidos pelos imóveis que integravam a herança do inventariado (…) no período definido pelas datas referidas, no montante já liquidado de € 336.003,79 relativo aos anos de 2010 a 2019 e o restante a liquidar em posterior incidente, determinando-se que a repartição pelos herdeiros na proporção do quinhão de cada um tivesse lugar em sede de partilha adicional.
As RR dissentem do decidido, apoiadas em duas razões fundamentais:
- tendo-se o autor conformado com a relação de bens, o mapa da partilha e a partilha recomposta, não tem direito a quaisquer frutos pendentes, sendo inaplicável o disposto nos artigos 2068.º e 2069.º, bem como os artigos 212.º, 1 e 2, 2132.º e 2133.º, todos do Código Civil;
- decisão contrária constitui um verdadeiro enriquecimento ilegítimo do autor/apelado à custa das apelantes.
Indaguemos da valia de tais fundamentos.
Conforme resulta dos autos, o autor, que viu a sua paternidade biológica reconhecida apenas em 2015, quase 40 anos decorridos sobre o óbito do progenitor, foi aos autos de inventário que correram termos para partilha dos bens por este deixados reclamar a composição do seu quinhão. E fê-lo ao abrigo do disposto no artigo 1389.º, n.º 1, do CPCiv. de 1961, na versão aqui aplicável, no reconhecimento de que as restantes interessadas não tinham agido com dolo ou má fé e, portanto, não tinha fundamento para anular a partilha efectuada, homologada por sentença há muito transitada. E percebe-se a solução legal: eventual anulação da partilha, decorridos mais de 30 anos sobre a data da sua homologação por sentença judicial, traria potenciais sérios embaraços, podendo envolver terceiros que sairiam afectados nos seus direitos, traindo o valor da segurança jurídica; daí que a lei tenha reservado tal possibilidade para os casos extremos de dolo ou má fé dos restantes interessados, o qual tem de verificar-se não só quanto à preterição, mas ainda, para usar as palavras da lei, “quanto ao modo como a partilha foi preparada”.
Deste modo, não tendo estado em causa, em momento algum, a emenda ou a anulação da partilha antes efectuada, é irrelevante a alusão feita pelas apelantes ao decurso do prazo estabelecido no artigo 1387.º ou ao regime do artigo 1388.º.
Isto dito, feita a composição da quota do autor enquanto herdeiro preterido, e tendo recebido o quinhão que lhe cabia em dinheiro, daqui resultará, conforme pretendem as recorrentes, que lhe estava vedada a instauração de acção autónoma para reclamar os frutos produzidos pelos bens da herança entre a data do óbito e a data da partilha agora efectuada?
Antes de mais, importa precisar que as apelantes não impugnam a decisão proferida em sede de despacho saneador, que julgou improcedente a excepção do caso julgado, com expressa declaração de que a pretensão aqui formulada não havia sido apreciada no processo de inventário, antes sustentando que ocorreu uma sorte de preclusão, por ter o autor optado por requerer a composição do seu quinhão nos termos do já citado no artigo 1389.º, cujo valor foi encontrado na sequência de rigorosa avaliação dos bens tendo por referência a data da (nova) partilha, valores actualizados, portanto, pelo que nada mais teria a receber.
Pois bem, no que respeita à invocada preclusão, não vemos que a mesma resulte da lei. Com efeito, a circunstância da composição da quota do herdeiro preterido ter tido lugar nos termos do artigo 1389.º do CPCiv, com preservação da partilha inicial -organizando-se apenas novo mapa da partilha apenas com as alterações impostas pela necessidade de acomodar o quinhão do herdeiro omitido, preenchido em dinheiro, em relação ao primitivo-, não obsta a que possa ter posteriormente lugar partilha adicional, caso se verifique que não foram relacionados todos os bens, tal como poderia ocorrer caso todos os herdeiros tivessem concorrido à partilha inicial.
Por outro lado, tal efeito preclusivo não resulta igualmente dos despachos proferidos naquele processo de inventário pela Sr.ª juíza em 13 de Julho de 2015 (Ref.ª 26279983) e 30 de Julho de 2016 (Ref.ª 27301906). Assim, enquanto no primeiro consignou concluir-se que “o requerente, na qualidade de herdeiro preterido, veio requerer a composição da quota a que tem direito nos termos do artigo 1389.º, n.º 1, do CPC", com a consequência de dever ser agendada a conferência de interessados, no segundo, apreciando requerimento conjunto apresentado por A e RR no qual requeriam o adiamento desta diligência, para o que alegaram a existência de “outras verbas” que deviam “passar a constar da relação de bens, entre as quais destaca-se um bem imóvel que foi vendido entre a data do falecimento do de cujus, portanto “post mortem”, e a data da realização daquela conferência de interessados, créditos da herança, benfeitorias realizadas nos imóveis, entre outros”, limitou-se a indeferir o requerido com o fundamento de que a partilha realizada não era objecto de anulação, não havendo por isso lugar a nova relacionação de bens, por tal fase há muito se encontrar encerrada.
Ora, sem discutir aqui o eventual desacerto do assim decidido, dos despachos em causa não se retira que não pudesse vir a ser requerida partilha adicional, contemplando bens não relacionados, ou que o autor tivesse prescindido dos frutos produzidos pelos bens da herança; ao invés, conforme resulta claro do requerimento que apresentou em 11 de Julho de 2016, logo declarou que, caso eventuais benfeitorias realizadas pelas interessadas nos bens da herança viessem a ser deduzidas na avaliação que iria ter lugar, não prescindiria dos frutos que os mesmos bens tivessem produzido ao longo dos anos.
Resulta do exposto que, tendo embora o autor recebido o seu quinhão em dinheiro nos termos previstos no artigo 1389.º, mantendo-se a distribuição dos bens em conformidade com a partilha inicial (e que, repete-se, não tinha fundamento para anular, dada a ausência de dolo por parte das restantes interessadas), daqui não resultou qualquer efeito preclusivo, impeditivo de reclamar posteriormente os frutos produzidos pelos bens da herança e que no inventário não chegaram a ser considerados.
Afastado que ao autor estivesse processualmente vedado reclamar os frutos produzidos, cabe agora sindicar a sentença recorrida no segmento em que declarou a existência de frutos, a ter em consideração em subsequente partilha adicional e a acrescer ao quinhão de cada um dos interessados, incluindo o apelado, abrangendo os produzidos desde a data da abertura da sucessão até à partilha que teve lugar em 2015.
Alegam as apelantes que tudo o que era devido ao autor foi por ele recebido, não tendo o direito de participar/ser compensado pelos rendimentos produzidos pelos prédios que integravam a herança, por terem tais proventos resultado do muito trabalho e investimento feito pelas suas proprietárias, únicas que assumiram o risco respectivo, resultando a atribuição de uma quota àquele num enriquecimento indevido à custa das recorrentes.
Indaguemos, pois, se tal fundamento é de julgar procedente.
Nos termos do artigo 2069.º do Código Civil fazem parte da herança também os frutos percebidos até à partilha (cfr. alínea d)), aqui relevando a data da última sentença homologatória proferida, visando colocar o autor na situação em que estaria caso tivesse concorrido à partilha inicial, mantendo-se embora a adjudicação dos bens que nesta teve lugar. No entanto, e conforme resulta do disposto nos artigos 2024.º do CC e 1345.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv., no processo especial de inventário só devem ser relacionados os bens que integram a respectiva herança no momento da morte do inventariado, logo, e no que concerne aos frutos, apenas os já existentes à data do óbito (cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. I, pág. 430). Deste modo, via de regra, o rendimento gerado pelos bens da herança entre a data da abertura da sucessão e a partilha não é relacionado no inventário, podendo/devendo ser afectado aos encargos da administração da herança pelo cabeça de casal e por este contabilizado, a fim de proceder anualmente à prestação de contas nos termos dos artigos 2093.º, n.º 1, do Código Civil e 941.º do Código de Processo Civil (cfr., neste preciso sentido, acórdão do STJ de 31 de Março de 2004, processo 04B1080, acórdão do TRL de 7/12/2021, processo 2435/20.3T8OER.L1-7, e deste mesmo TRE de 7/11/2024, processo 330/21.8T8OLH.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt), sendo distribuído pelos herdeiros, se for o caso, o saldo respectivo.
Tal solução não é, porém, aqui aplicável, posto que os bens se encontram, desde a data da partilha inicial, em poder das restantes interessadas, que procederam legitimamente à sua administração, fazendo seus os frutos gerados pelos bens que lhes foram adjudicados. Tais frutos, no entanto, como se assinala na decisão recorrida e as apelantes não impugnam, não foram considerados na partilha que teve lugar para efeitos de igualação dos quinhões, nada permitindo que se considerem “compensados” pelo facto de o cálculo do valor da quota do autor ter tido por base os valores actuais dos bens[2], e que se destinou a eliminar eventual enriquecimento daquelas interessadas em detrimento do herdeiro preterido, uma vez que, mantendo-se a primitiva adjudicação, foram as exclusivas beneficiárias da valorização dos imóveis que faziam parte da herança. Dito de outro modo, a consideração da valorização dos bens ocorrida durante período superior a 30 anos visou pois, apenas e só, garantir que o quinhão recebido pelo apelado correspondesse ao que estaria incorporado no seu património caso tivesse participado na primitiva partilha, sem que tenham sido considerados os frutos entretanto percebidos pelas adjudicatárias dos bens.
Já se referiu que nos termos do artigo 2069.º do CC fazem parte da herança os frutos percebidos até à partilha (vide al. e). Frutos, tal como os define o artigo 212.º, são tudo o que uma coisa produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância (n.º 1), distinguindo a lei entre os frutos naturais, aqueles que provêm directamente da coisa, e os civis, sendo estes constituídos pelas rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica (n.º 2).
Não estando especificamente previstos os termos em que os frutos produzidos pela herança no assinalado período devem ser considerados no caso de haver lugar à reconformação da partilha para apurar o quinhão do herdeiro preterido nos termos do aplicado artigo 1389.º, a solução há-de ser encontrada tendo como ponto de partida o citado artigo 2069.º, na sua alínea d). Assente este primeiro pressuposto, dadas as semelhanças entre a posição do interessado de boa fé e do donatário obrigado a conferir os bens doados, afigura-se que a solução há-de ser idêntica[3]. No caso de o autor da herança haver disposto em vida de alguns dos seus bens a favor de descendentes que à data eram seus presumíveis herdeiros legitimários, estes ficam sujeitos à colação, que mais não é do que “a restituição (as mais das vezes em valor, não em espécie ou substância) feita pelos descendentes, dos bens ou valores que o ascendente lhes doou, quando pretendam entrar na sucessão”[4] (cfr. artigos 2014.º e 2105.º do Código Civil). E tem por fim “igualar, na partilha, os descendentes donatários com os demais descendentes”.
Resulta assim da conjugação dos artigos 2069.º, alínea d) e 2111.º que, com a abertura da sucessão, nasce também a obrigação de conferir os frutos da coisa doada sujeita a colação e até à data da partilha.
Conforme explica o Prof. Oliveira Ascensão (Direito Civil Sucessões”, 5.ª edição revista pág. 536), “A partir do momento da abertura da sucessão, como dissemos, a igualdade deve ser assegurada quanto possível. Aceita-se a vantagem tida até então pelo donatário e, consequentemente, os frutos havidos não são atingidos pela colação. Mas aberta a sucessão, ele deve conferir, para que cesse a desigualdade. É esse o momento decisivo para toda a operação da colação (…) e é também o momento a partir do qual os frutos devem ser conferidos”.
Tal conferência “deverá ser efectuada em termos idênticos àquela que é feita para a conferência dos bens ou dos valores doados, isto é, “faz-se pela imputação do valor dos frutos recebidos desde a data da abertura da sucessão na quota hereditária do donatário“, exactamente com vista à referida igualação da partilha entre os descendentes do “de cujus“ – é a chamada colação em valor, também aplicável às coisas doadas, conforme artigo 2108.º, n.º 1, do Código Civil” (cfr. acórdão do TRC de 11 de Maio de 2004, processo 3822/03, acessível em www.dgsi.pt).
Tendo como aplicável a solução que decorre das normas citadas ao caso dos autos – à semelhança do que ocorre com os donatários, também neste caso as apeladas, porque de boa fé, puderam beneficiar, no que respeita às benfeitorias, do regime aplicável aos possuidores de boa fé, cfr. artigo 2115.º do Código Civil – as recorrentes estão, conforme ficou decidido, vinculadas a “conferir” os frutos produzidos pelos bens da herança desde a data da abertura da sucessão até à partilha, em ordem a igualar o quinhão do demandante. E esta reposição, ao invés do que pretendem as apelantes, abrange os frutos produzidos por todos os bens da herança, pois só assim se garante a integridade do quinhão do aqui autor.
Faz-se ainda notar que as apelantes não questionam que devam ser considerados frutos das herdades que compunham a herança, todas elas afectas à actividade agro-pecuária, quer as crias destinadas a venda, o leite produzido pelas vacas leiteiras, a cortiça (frutos naturais, portanto) ou ainda as ajudas destinadas a melhorar a eficácia das estruturas agrícolas, benefícios atribuídas no quadro dos diversos regulamentos da EU que se encontraram sucessivamente em vigor, na medida em que é conditio sine qua non para que alguém possa aceder a tais ajudas a existência de uma exploração agrícola e pecuária (cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 11/2/2010, processo n.º 79-K/1993.S1[5]), antes insistindo que o autor não tem direito a qualquer compensação, dado que o seu quinhão na herança foi antes determinado e recebido. Trata-se de entendimento que, conforme deflui do exposto, afigura-se não encontrar acolhimento na lei.
Não obstante, não pode deixar de se reconhecer que os frutos produzidos pela herança beneficiaram da administração das interessadas a quem os mesmos bens foram adjudicados. E se o artigo 2094.º é claro ao estatuir que o cargo do cabeça de casal é gratuito, tal regra não pode, a nosso ver, ser aplicada à situação dos autos: as apelantes, de boa fé, administraram ao longo de mais de 30 anos os bens que lhes foram adjudicados, neles investindo o seu tempo, saber e dedicação, pelo que em ordem a obviar ao enriquecimento do aqui apelado à sua custa, importa deduzir aos valores liquidados e a liquidar a importância que seria devida a um gestor diligente pela administração dos bens que compunham a herança durante o período em referência, e que dela constitui encargo nos termos do artigo 2068.º, considerando-se apenas o remanescente para efeitos de distribuição pelos interessados. Não dispondo este tribunal de elementos que permitam tal dedução, na parcial procedência do recurso, impõe-se remeter para posterior liquidação o valor que, nos termos da decisão, será objecto de partilha adicional – as partes não questionaram a “mutação” da acção declarativa de condenação instaurada em acção declarativa de simples apreciação – havendo em todo o caso que deduzir aos valores encontrados na alínea b) e a encontrar nos termos da alínea c) do dispositivo a importância devida às demandadas nos termos vindos de expor.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, determinam que ao valor liquidado na alínea b) do dispositivo e ao valor a liquidar nos termos determinados em c) seja deduzida a importância, também a apurar, que seria devida a um gestor diligente pela administração dos bens que compunham a herança durante o período em referência.
Custas provisoriamente a cargo do autor e das demandadas nesta e na primeira instância em partes iguais, procedendo-se a rateio após a liquidação.
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Évora, 27 de Março de 2025
Maria Domingas Simões (Relatora)
Eduarda Branquinho (1ª Adjunta)
Vítor Sequinho dos Santos (2º Adjunto)

Sumário: (…)
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[1] Como se alcança do alegado no artigo 4.º da petição inicial – que deu entrada em juízo em 2017 – o cônjuge supérstite terá falecido em 2011, e não em 2021, tendo o Sr. Juiz incorrido em lapso manifesto, que se rectificou.
[2] Conduzindo, em princípio, a resultado diverso daquele que resultaria da mera actualização dos valores fixados aquando da partilha definitiva.
[3] Sendo a nosso ver de afastar a aplicação do regime consagrado no artigo 1270.º do CC, por contrariar quanto dispõe especificamente o citado artigo 2069.º, resultando ainda numa injusta exclusão do herdeiro que já fora preterido aquando da partilha inicial. Acresce que fazendo a lei expressa remissão para o regime do possuidor de boa fé no que respeita a benfeitorias feitas pelos donatários nos bens doados (cfr. artigo 2115.º) não adoptou a mesma solução no que respeita aos frutos produzidos.
[4] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. V, comentário ao artigo 2104.º, pág. 173.
[5] Sumário acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/02/cadernoregimeprocessojudicialinventario.pdf).