SANEADOR-SENTENÇA
PRESCRIÇÃO
RENÚNCIA
DESERÇÃO
Sumário

I. Sendo o despacho saneador-sentença por definição, anterior à realização do julgamento sobre a matéria de facto, não pode conter no elenco dos factos provados matéria que se mostra controvertida e carente de prova.
II. Sem prejuízo da possibilidade de reapreciação do mérito da decisão, não padece de nulidade por omissão de pronúncia o saneador-sentença que, considerando factos controvertidos alegados na contestação insusceptíveis de interferir na apreciação de excepção peremptória de prescrição, a julga procedente sem os incluir na matéria de facto provada, justificando na fundamentação que dos referidos factos não resultaria a interrupção da contagem do prazo já findo, nem a renúncia à prescrição.
III. Ocorrendo o vencimento antecipado das quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros (cfr. artigo 781.º do CC), a prescrição opera no prazo de cinco anos (cfr. artigo 310.º, alínea e), do CC) incidindo o seu termo a quo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
IV. Com a extinção da instância executiva por deserção decorrente da falta de impulso processual das partes, a contagem do prazo prescricional interrompido com a sua propositura, reinicia-se na data em que ocorreu o acto interruptivo e não na data do trânsito em julgado da decisão que declarou a instância extinta.
V. Para haver renúncia à prescrição por parte do devedor, mostra-se necessário que este tenha conhecimento da prescrição do direito do credor.
VI. Enquanto contra-excepção da prescrição, impende sobre o credor a alegação e prova dos factos constitutivos da renúncia.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação 1556/23.5T8ENT-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1

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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)

Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: Sónia Moura;
2º Adjunto: António Fernando Marques da Silva.
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I. RELATÓRIO
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A.
Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa que em 12.05.2023 a sociedade “(…) – STC, S.A.” moveu contra (…) e (…), veio o primeiro deduzir embargos de executado, o que fez alegando a prescrição da obrigação fundamental subjacente à livrança exequenda, tanto no que se refere a capital como a juros, assim como a verificação de uma excepção dilatória inominada insanável decorrente da preterição da sujeição ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
Concluiu dever:
“- Declarar-se que ocorreu a prescrição do direito de crédito da requerente, tudo com as legais consequências.
- Que a Exequente não podia exercer o direito de acção (declarativa, executiva ou qualquer outra) relacionada com o crédito que assume deter sobre o Executado/Devedor na decorrência do incumprimento do contrato, sem que obrigatória e previamente o fizesse integrar no PERSI, pelo que há que julgar procedente a excepção dilatória e nessa base julgar improcedente a presente Acção Executiva, declarar-se extinta a instância, absolvendo-se, da mesma, o Executado”.
B.
Por despacho proferido 19.10.2023 (ref.ª Citius 94571392) foi a oposição liminarmente admitida e determinada a notificação da Exequente / Embargada para contestar, o que esta fez a 13.11.2023 (ref.ª Citius 10157161) alegando, em suma, que:
- Verificada a mora, foram os executados interpelados para o cumprimento do acordado conforme documento n.º 3 (cartas datadas de 15.05.2003);
- Após resolução do contrato por incumprimento, foi preenchida a livrança dada à execução em conformidade com a cláusula 11.ª das condições gerais do contrato de crédito subjacente e, em 11.07.2003, foi intentado nos Juízos Cíveis de Lisboa – 1º juízo – 2ª Secção, o processo executivo n.º 26864/03.8TJLSB, pelo que o artigo 39.º do DL 227/2012, de 25 de Outubro, não é aplicável in casu;
- No aludido processo executivo foram os executados validamente citados em 03.10.2004, citação que funcionou como interpelação para pagamento dos montantes em dívida;
- Sendo a embargada uma sociedade de titularização de créditos, não pode estar abrangida pelo Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro;
- Apesar de não ter intentado esta nova ação executiva dentro do prazo prescricional da relação cartular, prevista no artigo 70.º LULL, a embargada intentou dentro do prazo prescricional dos 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, que é o aplicável;
- A embargada promoveu várias tentativas e contactos para acordar a liquidação do processo que aqui se debate, sendo que em Junho de 2023, após contacto com explicação da dívida e titulação da mesma, o embargante e a co-executada, unidos de facto e vivendo em economia comum, iniciaram, sem qualquer alegação da prescrição de juros, pagamentos que ocorreram voluntariamente nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro, isto é, antes de qualquer citação e até à dedução destes embargos, havendo por isso um reconhecimento expresso da existência da dívida, o que constitui causa de interrupção da prescrição nos termos do artigo 325.º, n.º 1, do Código Civil;
- O dito acordo de pagamento, apesar de não ter chegado a ser redigido a escrito, foi lançado pelo valor de € 13.533,70, valor esse que não teria mais juros adstritos até integral pagamento, sendo que o mesmo teria 271 prestações, acabando a sua liquidação em 05-12-2045;
- Assim, nem pode proceder a alegação da prescrição quinquenal sobre quotas de amortização ou mesmo dos juros considerando o valor que se ficou o acordo de pagamento.
Concluiu dever:
“- Ser julgada totalmente improcedente a excepção dilatória de falta de integração do Embargante em PERSI deduzidas, por falta de fundamentos de facto e de direito;
- Ser julgada totalmente improcedente a excepção de prescrição alegada de capital e de juros, considerando a existência de um claro reconhecimento da existência desse direito nos termos do artigo 325.º do Código Civil”.
C.
Realizada audiência prévia, na qual foram as partes notificadas para exercerem o contraditório quanto ao entendimento de que o tribunal estaria em condições de decidir do mérito da causa sem necessidade de produção de quaisquer outros meios probatórios, foi:
- fixado o valor da causa em € 12.333,70 (doze mil e trezentos e trinta e três euros e setenta cêntimos);
- identificado o objecto do litígio e as questões a decidir: a apreciação da prescrição da obrigação fundamental subjacente à livrança exequenda; e a excepção dilatória inominada insanável decorrente da preterição da sujeição ao PERSI;
- proferida sentença de cujo dispositivo consta: “… julgo verificada a arguida excepção peremptória de prescrição e, em consequência, procedente a presente oposição deduzida por (…), determinando a extinção da execução na parte em que contra o mesmo foi movida pela sociedade “(…) – STC, S.A.”.”
D.
Inconformada com o assim decidido, a Exequente interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e sublinhado da origem):
“(…)
I. Vem o tribunal a quo em sede de Saneador-Sentença julgar verificada a exceção peremptória de prescrição, sem contudo, atentar os factos essenciais alegados pela Embargada.
II. Em sede de contestação aos embargos apresentado a Embargada alegou factos concretos que importam, por parte do Embargante, um reconhecimento da dívida nos termos do artigo 325.º do Código Civil e renúncia à prescrição nos termos do artigo 302.º do Código Civil, tendo para o efeito requerido a produção de prova por depoimento de parte e produção de prova testemunhal.
III. Dúvidas inexistem de que foi celebrado um acordo de pagamento em prestações após a propositura da presente ação executiva.
IV. Tal comportamento assumido pelo Embargante traduz-se numa renúncia expressa ao decurso do prazo prescricional.
V. Não podia o Embargante desconhecer a existência um prazo de prescrição, sendo certo que o Homem médio, ainda que sem quaisquer conhecimentos de direito, sabe que lhe assistem direitos e que beneficiam de um prazo de prescrição.
VI. Ademais, à luz das regras da experiência comum, se recorreu a Mandatário posteriormente à celebração do plano de pagamento, poderia e devera ter recorrido anteriormente.
VII. Ao assumir o compromisso do plano de pagamento tal deverá ser entendido por qualquer pessoa medianamente diligente e sagaz no sentido de o Embargante estar a assumir essa obrigação como um vínculo, pelo que tal declaração tem de ser entendida como a assunção de uma obrigação civil.
VIII. Acresce ainda que, em sede de contestação e com a alegação dos factos essenciais à boa decisão da causa, mormente o reconhecimento e renúncia expressa à prescrição através de celebração de plano de pagamento, a Embargada requereu para o efeito a produção de prova por depoimento de parte e produção de prova testemunhal.
IX. Ao sustentá-lo pretende a Embargada produzir contraprova, de modo a contrariar as pretensões do Embargante quanto à existência e verificação da exceção perentória de prescrição presuntiva, e para a qual não apresentaram qualquer princípio de prova.
X. Visa o depoimento de parte provocar e obter do depoente uma confissão judicial, pelo que tendo sido requerida a diligência com esse mesmo intuito não poderia o Tribunal a quo ter conhecido da exceção peremptória extintiva de prescrição, prescindindo de uma audiência final de julgamento.
XI. Com a produção da prova requerida, iria o tribunal ficar conhecedor de que o devedor conhecia o decurso do prazo prescricional à data da celebração do acordo de pagamento, implicando, assim, decisão contrária à que ora se recorre.
XII. Tal omissão e desconsideração pelos factos alegados pela Embargada conduz inevitavelmente a uma errada e incompleta fundamentação de facto e de direito.
XIII. Assim, não pode o tribunal a quo ainda fundamentar a sua decisão no facto de que o Embargante desconhecia o decurso do prazo prescricional, sem ser produzida prova nesse sentido.
XIV. Conclui-se, deste modo, por uma total desconsideração do tribunal a quo no exercício da sua função de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC) sobre uma questão essencial, aliás a única que foi tomada em conta na sentença final, a exceção peremptória extintiva de prescrição da dívida, o que determinou uma fundamentação errada e incompleta (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC).
XV. Tal comportamento configura uma nulidade por omissão legal de um acto que a lei prescreve como obrigatório, e, em último termo, violador do direito constitucional do direito à jurisdição (artigo 20.º da CRP), pelo que nulo o saneador-sentença, deverá ser recomentado pelo tribunal a quem que tal prova seja realizada. (…)”
Pediu a revogação da decisão recorrida.
E.
Notificado, o Recorrido não contra-alegou.
F.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
G.
Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
São as seguintes, as questões, exclusivamente jurídicas, em apreciação no presente recurso:
- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia; e
- Se a obrigação exequenda se encontra prescrita.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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Reprodução integral dos factos provados elencados no despacho saneador sentença sob recurso (sem negrito da origem):
“(…)
Factos assentes (…)
1. Por requerimento datado de 12-05-2023 a sociedade “(…) – STC, S.A.” moveu contra (…) e (…), sob a forma de processo comum ordinário, acção executiva para pagamento da quantia global de € 12.333,70 (doze mil e trezentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), oferecendo para valer como título executivo uma livrança subscrita por ambos os executados, com data de emissão de 15-05-2003, data de vencimento de 23-05-2003, com o valor aposto de € 6.453,32 (seis mil e quatrocentos e cinquenta e três euros e trinta e dois cêntimos), relativa ao «contrato de crédito n.º (…)» e cujo demais teor se tem por integralmente reproduzido.
2. No requerimento executivo alegou, além do mais, o seguinte:
«1 -A (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A., em 17/10/2007, por alteração ao pacto social, mudou-se a firma social de (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A. para Banco (…), S.A..
2- Por Contrato de Cessão de Créditos assinado no dia 18 de Maio de 2012, em Lisboa, o Banco (…), S.A., cedeu à sociedade (…) 3, S.A.R.L., ora Requerente, os créditos que detinha sobre os ora Executados, incluindo capital, juros, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias, conforme Documento N.º 1 e N.º 2 que ora se junta.
3. Cessão essa notificada aos Executados nos termos do artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil, conforme Documento N.º 3.
4. Posteriormente, em 16 de março de 2021, foi celebrado um contrato de cessão de créditos, entre (…) 3, S.A.R.L, na qualidade de cedente e (…) – STC, S.A., na qualidade de cessionária, conforme Documento N.º 4.
5. Contrato pelo qual foram transmitidos os créditos e as garantias que a cedente detinha sobre os Executados, conforme Documento N.º 5 tendo sido esta cessão essa notificada ao Executado, nos termos do artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil – conforme Documento N.º 6.
6. A Cedente primária, no âmbito da sua actividade, celebrou com os Executados o contrato, ao qual foi colocado o n.º (…), conforme Documento N.º 7.
7. O referido contrato tinha como objeto um mútuo.
8. Ora, apesar de devidamente interpelados para regularizar a dívida em que incorreram, pelo não pagamento do montante total em incumprimento, os ora Executados não efetuaram, até à presente data, qualquer pagamento. Nem prestaram qualquer justificação, situação que motivou a resolução do contrato e o preenchimento da livrança, conforme Documento N.º 8. (…)».
3. De acordo com o susodito «contrato de crédito n.º (…)», outorgado entre a “(…) – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A.” e os executados em 21-08-2000 e que de igual modo se tem por reproduzido na íntegra, decorre que foi concedido aos executados, para aquisição de um automóvel de passageiros usado, um crédito no valor de PTE 2.303661.00 (dois milhões trezentos e três mil setecentos e sessenta e um escudos) a amortizar em 72 prestações no valor de PTE 48.681.00 (quarenta e oito mil seiscentos e oitenta e um escudos), incluindo juro a uma taxa nominal de 14,40000% e com uma TAEG de 16,63000%, vencendo-se a primeira prestação em 21-09-2000 e as restantes nos dias 21 dos meses subsequentes.
4. Das respectivas Condições Gerais ressaltam as seguintes cláusulas ora mais relevantes:
«(…)
4 – Reembolso
O reembolso do empréstimo será efectuado em prestações mensais sucessivas, cujo número, valor e data estão fixadas nas Condições Particulares deste Contrato. (…)
5 – Juros
Os juros, à taxa referida nas Condições Particulares, são calculados diariamente sobre o capital que em cada momento se encontrar em dívida e cobrados postecipadamente. (…)
7 – Garantias
Em garantia do cumprimento das obrigações assumidas neste Contrato ou dele emergentes, os Consumidores prestam as garantias referidas nas Condições Particulares. (…)
11 – Convenção de Preenchimento
Os Consumidores e os Avalistas autorizam expressamente o (…), a preencher qualquer livrança por si subscrita e não integralmente preenchido, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos seus valores, até a limite das responsabilidades assumidas pelos Consumidores perante o (…), acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos. (…)
14 – Antecipação do vencimento
O (...) poderá considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do Contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação.
15 – Penalização por incumprimento
O não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas neste Contrato, implicará a obrigatoriedade do seu pagamento e de todas as prestações vencidas, podendo o (…) aplicar, a título de cláusula penal, uma taxa de 4%, a acrescentar à taxa de juro que estiver a vigorar para o Contrato, no momento do incumprimento, a qual incidirá sobre a parte do capital das prestações não liquidadas.
Serão também aplicados os juros moratórios previstos na Lei, bem como comissões de penalização por atrasos no recebimento de prestações, de acordo com o preçário em vigor. (…)».
5. Em 15-05-2003 o (…) remeteu ao aqui executado/embargante a carta registada com aviso de recepção de cujo teor emerge, além do mais, o seguinte:
«(…)
ASSUNTO: PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA DO CONTRATO DE CRÉDITO N.º (…)
Vimos por este meio informar que o contrato acima referido, de que V. Exa. é titular, foi denunciado por falta de pagamento. Desta forma, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante das prestações em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do empréstimo, acrescido das despesas extra-judiciais, incorridas até à data desta carta.
Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual, foi efectuado o preenchimento da livrança caução entregue para o efeito por V. Exa., com o montante de 6.453,32 EUR (…).
(…)».
6. Em 11-07-2003 a “(…) – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, SA” instaurou contra (…) e (…), nos então denominados Juízos Cíveis de Lisboa, acção executiva para pagamento de quantia certa com processo ordinário que correu termos sob Processo n.º 26864/03.8TJLSB e na qual foi oferecida para valer como título executivo a mesma livrança mencionada em 1 supra.
7. Em 27-09-2011 foi proferido o seguinte despacho:
«Declaro a instância interrompida, nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Civil.
Aguardem os autos o impulso processual da exequente, sem prejuízo do disposto no artigo 291.º do mesmo Código».
8. Por ofícios datados de 08-03-2013 foram as partes notificadas «de que se considera extinta a presente execução, por força do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do D-L 4/2013, de 11 de janeiro de 2013».
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B. De direito
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Vem o presente recurso interposto de decisão que julgou verificada a arguida excepção peremptória de prescrição e, em consequência, procedente a oposição deduzida por (…), determinando a extinção da execução na parte em que contra o mesmo foi movida pela sociedade “(…) – STC, S.A.”.
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Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
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Invoca o Recorrente a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre factos carecidos de produção de prova por depoimento de parte e testemunhal.
Concretamente, a matéria alegada nos artigos 99º a 102º da contestação junta a 13.11.2023, referente aos contactos que a Recorrente manteve com o Embargante e co-Executada, na sequência dos quais estes realizaram pagamentos voluntários nos valores de € 50,00, nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2023, carentes da produção de prova requerida pela Embargada e decisivamente relevantes para a apreciação da excepção peremptória da prescrição porquanto aquele acordo de pagamento traduz-se numa renúncia expressa ao decurso do prazo prescricional e ainda num reconhecimento da existência da dívida.
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Prevê o n.º 1 do artigo 615.º do CPC que “é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença taxativamente previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas a) a e), do CPC, são vícios formais e intrínsecos, designados como error in procedendo, respeitando apenas à estrutura ou aos limites da decisão.
Como refere José Lebre de Freitas, “os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 constituem rigorosamente situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade. Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).” [1]
São vícios a apreciar em função do texto da sentença, do discurso lógico nele desenvolvido, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando – que são
erros quanto à decisão de mérito constante da sentença), decorrentes de errada consideração da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do Direito (error juris) à matéria de facto, levando a que o decidido não corresponda à realidade ôntica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos.
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Apreciando a nulidade prevista pela supracitada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, dir-se-á que a omissão de pronúncia ocorre perante a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
A norma em apreço conjuga-se com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC que impõe ao juiz o dever de “…resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)” (sublinhado nosso).
A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que, por isso, tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.
O que se compreende porque, por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.
Como ensina Alberto dos Reis, não enferma da nulidade em apreço, a decisão “…que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito. (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer do seu ponto de vista: o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”[2] (sublinhados nossos).
A este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2022, relatado pelo Juiz Conselheiro Isaías Pádua no processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1[3], dá conta de que “constitui communis opinio, o conceito de “questões”, a que ali se refere o legislador, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência / improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, como já acima deixámos referido, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (…)”. No mesmo sentido, entre outros, v. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, relatado pelo Conselheiro Raul Borges no proc. 17/09.0TELSB.L1.S1 e do Tribunal da Relação de Évora de 11.02.2021, relatado pela Desembargadora Emília Ramos Costa no proc. 487/20.5T8TMR.E1. [4]
Sobre a questão também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Filipe Pires de Sousa referem ser “…pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com questões (STJ 23-1-19, 4568/13).”.[5]
No caso em apreço, alega a Recorrente que a decisão recorrida omite a consideração de factos por si alegados na contestação, essenciais à decisão da excepção da prescrição invocada pelo Embargante, na medida em que têm efeito impeditivo da mesma.
Vejamos se lhe assiste razão.
A decisão recorrida considerou verificada a prescrição com base nos argumentos que, sintetizando, são:
- prazo prescricional aplicável à obrigação subjacente, é de 5 anos contado desde a denúncia do contrato de crédito, a 15.05.2003;
- a instauração, a 17.07.2003, da acção executiva para pagamento de quantia certa com processo ordinário que correu termos sob o n.º 26864/03.8TJLSB dos então denominados Juízos Cíveis de Lisboa, pela “(…) – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A.” contra (…) e (…), interrompeu a contagem do referido prazo;
- a 27.09.2011, foi proferido despacho nos referidos autos de execução, a declarar a instância interrompida, nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Civil vindo posteriormente, por ofícios datados de 08.03.2013, as partes a ser notificadas “…de que se considera extinta a presente execução, por força do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do D-L n.º 4/2013, de 11 de janeiro de 2013”;
- o trânsito do despacho que declarou extinta a instância executiva por falta de impulso processual faz, nos termos previstos pelo n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil, com que a contagem do prazo prescricional interrompido se reinicie na data em que ocorreu o acto interruptivo (ou seja, 17.07.2003) e não na data do trânsito em julgado da decisão que declarou a instância extinta;
- consequentemente, o prazo de prescrição da obrigação subjacente concluiu-se a 17.07.2008;
- em face do esgotamento do prazo prescricional a 17.07.2008, são inócuas as alegações no que toca ao acordo verbal entre as partes de pagamento em prestações, acertado em Junho de 2023, na pendência da presente execução, porque o prazo se encontrava há muito esgotado, sem possibilidade, por isso, de ser novamente interrompido;
- a Embargada / Recorrente não esgrimiu o argumento da renúncia à prescrição ao abrigo do disposto no artigo 302.º do Código Civil que, para ser operante, imporia que o devedor conhecesse ou devesse conhecer o decurso do prazo prescricional, incidindo sobre a exequente/embargada o ónus de alegação e prova de factualidade que pudesse subsumir-se à contra-excepção da prescrição em que se traduz a renúncia em análise (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), ónus que não foi cumprido porque nada foi alegado no sentido de o embargante devedor conhecer ou dever conhecer o decurso do prazo prescricional aquando do dito acordo de pagamento.
Assim, no que respeita aos factos alegados pela Exequente / Embargada nos artigos 99º a 102º da contestação, a sentença recorrida considerou que não têm o condão de:
- por um lado, reiniciar a contagem do prazo totalmente decorrido à data da sua prática; e,
- por outro, sustentar a contra-excepção da renúncia à prescrição, aliás, tampouco invocada naquele articulado, já que não permitem a conclusão de que o Executado / Embargante tinha conhecimento, ou devia ter conhecimento, de que o prazo prescricional estava totalmente decorrido.
Por consequência, como expressamente refere na sua fundamentação, a sentença reputou “…irrelevante fazer prosseguir os autos para produção de prova acerca dos preditos factos efectivamente alegados no que concerne ao acordo de pagamento em apreço”.
Como vimos, a omissão de pronúncia coloca-se relativamente a questões e não argumentos.
No caso, o saneador-sentença conheceu da prescrição invocada pelo Embargante, sem esquecer uma tomada de posição expressa sobre a relevância da matéria alegada pela Embargada nos artigos 99º a 102º da sua contestação para impedir a produção do efeito da excepção da prescrição que ao tribunal se impunha apreciar.
A via argumentativa seguida foi a de que, não tendo o condão de suportar a interrupção / suspensão da contagem de um prazo já findo, nem de demonstrar a renúncia à prescrição, os factos alegados não carecem de prova e, menos ainda, de figurar na decisão recorrida.
Deste modo, não estamos perante o vício de omissão de pronúncia porque, na lógica do entendimento adoptado na fundamentação da decisão recorrida, a matéria de facto em apreço não reveste qualquer relevância para a decisão das questões de direito suscitadas pelas partes e cujos fundamentos jurídicos aí foram claramente tratados.
Impõe-se acrescentar que, encontrando-nos perante um despacho saneador-sentença, por definição anterior à realização do julgamento sobre a matéria de facto, não é possível que a sentença considere, no elenco dos factos provados, matéria de facto que se mostra controvertida e, como a própria Recorrente admite nas suas alegações de recurso, carente de prova (neste sentido v., entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.09.2021, relatado pelo Juiz Desembargador João Venade no proc. n.º 1029/11.9TJPRT-K.P1).[6]
Afigura-se, por isso, claro que a decisão recorrida não padece da apontada nulidade por omissão de pronúncia, conclusão que não prejudica a possibilidade de se discordar da fundamentação jurídica pela mesma seguida e que levou à conclusão de que o tribunal estava habilitado a conhecer do mérito no despacho-saneador sem produzir prova sobre outra matéria de facto para além da aí elencada nos factos provados.
Tratar-se-á, neste caso, não da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas da reapreciação dos fundamentos de direito que levaram ao entendimento que era suficiente a matéria assente por acordo / documento para decidir, na fase do processo imediatamente anterior à instrução contraditória da prova, as questões suscitadas nos autos.
Não sendo ainda o momento próprio para avaliar a bondade da argumentação jurídica expendida no saneador-sentença recorrido, aquilo que se impõe agora concluir é que este se pronunciou, em sede de fundamentação, sobre a questão da prescrição e da interrupção / renúncia ao respectivo prazo, considerando a primeira procedente e os últimos inatendíveis.
Razões bastantes para, sem necessidade de outras considerações, concluir que se não verifica o vício de omissão de pronúncia apontado ao saneador-sentença de 1ª instância.
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Da prescrição da obrigação exequenda
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A Recorrente considera nas suas alegações de recurso que:
i. Os factos por si alegados na contestação mostram-se essenciais à tomada de posição sobre a excepção da prescrição da obrigação subjacente invocada pela Embargante, na medida em que, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida, dos mesmos resulta ter havido o reconhecimento e a renúncia expressa à prescrição através de celebração de plano de pagamento;
ii. Ao assumir um compromisso perante a Embargada de realização de plano de pagamento em prestações, estava o Embargante perfeitamente ciente do que se tratava e das obrigações que se encontravam por liquidar, pois que já havia sido anteriormente instaurada acção executiva relativamente à mesma obrigação, não podendo ser alegado o eventual desconhecimento do prazo de prescrição em curso;
iii. Não pode o tribunal a quo aferir, sem mais e sem a produção da prova necessária, que o devedor desconhecia o decurso do prazo prescricional;
iv. À data da interposição da oposição, 28.09.2023, ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de 20 anos.
Debrucemo-nos, por isso, sobre os argumentos expendidos.
i, ii. e iii.
Para decidir sobre a relevância dos factos alegados pela Recorrente na contestação para a decisão do pleito importa, antes do mais, ter presente a respectiva redacção:
“99.º Tal como acima já se indicou ao longo da gestão deste processo a Embargada promoveu a várias tentativas e contactos, designadamente para o n.º (…) e para o n.º (…) , para acordar a liquidação do processo que aqui se debate, sendo que, em Junho de 2023, após contacto com explicação da divida e titulação da mesma veio o Embargante e a Co-Executada, unidos de facto e vivendo em economia comum iniciaram pagamentos! (…)
100.º Pagamentos estes que ocorreram voluntariamente e antes de qualquer citação e até destes Embargos, o que, havendo por isso um reconhecimento expresso da existência da divida, tendo somente cessado o pagamento quando houve a apresentação dos doutos Embargos por ordem do Il. Colega, como nos informou o Sr. (…) e a Sra. (…).
101.º Os pagamentos realizados por entidade e referencia do processo que lhe está adstrito foram realizados nomeadamente no mês de Junho, Julho, Agosto e Setembro no valor de € 50,00 cfr. Imagem abaixo e cfr. Docs. 11, 12, 13, 14 – mail e comprovativos de pagamento que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos. (…)
102.º Tendo havido concordância por parte do Embargante, no início do acordo de liquidação nos valores imputados, sem qualquer alegação de prescrição de juros, visto que vivem em união de facto e considerando que em contactos sobre incumprimento e valor de prestação com o mesmo sempre indicou que o acordo era seu. (…)”
Em síntese, a matéria de facto que dos mesmos consta reporta um acordo celebrado entre Exequente e Executados, em Junho de 2023, no seguimento de contacto com explicação da dívida e titulação da mesma, no cumprimento do qual os Executados realizaram pagamentos voluntários nos valores de € 50,00, nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2023, sem qualquer alegação de prescrição de juros. Em contactos sobre o incumprimento e valor da prestação o Embargante sempre indicou que o acordo era seu.
O respigo dos descritos factos é revelador de que, tal como considerou a fundamentação da decisão recorrida, a Embargada não alegou que os Executados / devedores conheciam, ou deviam conhecer, à data do mencionado acordo de pagamento, que a dívida estava prescrita, pressuposto do acto de renúncia consciente à prescrição.
Nenhum facto alegado o refere, o que é compreensível e coerente com a posição que a própria Embargada veio sustentar na sua contestação, negando à partida a ocorrência de prescrição da dívida estribada em considerações como a aplicabilidade do prazo prescricional de 20 anos e a interrupção do prazo em curso, das quais não consta, em momento algum, a renúncia à prescrição pelos Executados que, percute-se, exigiria prévia alegação de que sabiam ou deveriam saber que a dívida se encontrava prescrita.
A propósito, atente-se no enquadramento jurídico que a Embargada deu à matéria de contra-excepção por si alegada, nos artigos 103º e 104º da contestação:
“(…) 103.º Ora, diz-nos o artigo 325.º, n.º 1, do C.C. que “A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.”,
104.º Ora, a existência de um plano de pagamento ainda no decorrer deste ano, onde participa o Embargante e a Co-Executada é sem dúvidas um meio de interrupção de prazo, veja-se nesse sentido o Ac. Tribunal de Relação de Lisboa de 12/10/2017 – processo n.º 1561/13.0TBSCR.L1-2 (…)”.
Daqui se extrai que o enfoque jurídico dado aos supra elencados factos por si alegados, é o do efeito interruptivo da contagem do prazo prescricional ainda em curso no momento do acordo.
Não se esperaria que a credora / Exequente / Embargada, convicta de que o prazo da prescrição do crédito ainda não decorrera, fosse, contra toda a lógica, dar conhecimento aos devedores / Executados da ocorrência de um efeito jurídico que, na verdade, não considerava ter-se produzido.
Para além do mais, em momento algum da contestação alega a Embargada que os Executados, por qualquer razão alheia à intervenção da Exequente (que, como vimos, nunca seria a fonte dessa informação jurídica) estavam, ou devessem estar, convictos de que a dívida estava prescrita quando aceitaram o acordo de pagamento.
Daqui resultam, desde logo, as seguintes consequências relativamente aos argumentos aventados pela Recorrente:
Começando pelos dos pontos ii. e iii.:
O tribunal a quo não pode considerar provada matéria de facto não alegada pela parte sobre a qual impende o respectivo ónus (cfr. artigo 342.º do CC).
É sobre a Embargante que recai a obrigação processual de alegar que o Embargado tinha, ou por qualquer razão concreta e discernível, deveria ter, conhecimento da prescrição do direito de crédito titulado pela Exequente quando celebrou com esta o acordo de pagamento.
No sentido de que a prova da renúncia, como contra-excepção da prescrição, cabe ao credor, se vem pronunciando há muito a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como fazem os acórdãos de 21.02.1991 relatado pelo Conselheiro Silva Paixão no processo n.º 0025306[7], ou de 01.10.1998, relatado pelo Conselheiro Noronha do Nascimento no processo n.º 97B912[8] de cuja fundamentação consta:
“Na verdade, o ónus da prova, no nosso direito substantivo, está estruturado segundo estes princípios basilares: o facto deve ser provado pela parte a quem ele interessa e aproveita (e que por isso é a parte que o deve invocar processualmente); a parte que o deve provar – porque é a parte interessada nele – é aquela que em repor mais facilmente o deve e o pode provar porque, normalmente, é ela que possui os elementos probatórios para tanto. (…)
Ora, a prova da renúncia à prescrição não interessa nunca aos Réus; a estes interessa provar que houve prescrição mas jamais interessará fazer a prova de que renunciaram à prescrição que entretanto provaram. De outro modo, impor-se-ia ao Réus a prova da inutilização dos efeitos do facto de que beneficiavam contra toda a lógica jurídica que subjaz às regras da repartição do ónus probatório. (…)
A renúncia à prescrição é uma excepção à excepção, isto é, corresponde à extinção de um facto extintivo; em boa verdade, a renúncia extingue os efeitos da prescrição como facto extintivo, e nessa medida, faz renascer em todo o seu esplendor os factos constitutivos do direito do Autor. Como negação da negação – ou seja, como excepção à excepção – a renúncia é, destarte, a afirmação do direito; nessa conformidade, ela é um elemento constitutivo do direito cuja prova compete ao Autor nos termos do artigo 342.º, n.º 1. (…)”.
Não tendo a Embargante feito alegação e prova dos factos constitutivos, soçobra, por falta dos necessários pressupostos, a viabilidade de uma hipotética, apesar de nem sequer invocada na contestação, contra-excepção de renúncia dos Executados à prescrição.
Assim, não tem o tribunal a quo de aferir que o devedor “desconhecia” o decurso do prazo prescricional, sendo antes a Embargante que tinha de alegar que o devedor “conhecia ou devia conhecer” o decurso daquele prazo e a produção do correspondente efeito jurídico.
Como a Embargante não alegou o facto constitutivo da contra-excepção, tampouco se impõe a produção de prova sobre um facto processualmente inexistente.
Relativamente ao i.:
Não existe a alegada essencialidade dos factos descritos nos artigos 99º a 102º da contestação para a tomada de posição sobre a excepção da prescrição da obrigação subjacente invocada pela Embargante, na medida em que, como deflui da precedente fundamentação, a renúncia à prescrição estaria dependente da alegação de outros factos omitidos pela Embargada na contestação.
O eventual interesse dos factos em apreço para o conhecimento de excepção da prescrição está, por isso, confinado à eventual eficácia interruptiva do prazo prescricional caso, na subsequente avaliação dos fundamentos jurídicos da sentença recorrida, se considere que, contrariamente ao nesta expendido, tal prazo se encontraria ainda em curso.
O que nos leva ao ponto iv. dos argumentos da Recorrente:
Considera a Recorrente que o prazo prescricional aplicável à obrigação subjacente é de 20 anos e, como tal, estava ainda em curso à data do acordo de pagamento celebrado.
A alegação, desprovida de aprofundamento, esbarra na argumentação expendida no despacho saneador-sentença recorrido da qual, entre outras referências, decisivamente consta a jurisprudência uniforme do acórdão n.º 6/2022 (publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 184, de 22-09-2022) do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 30.06.2022, relatado pelo Juiz Conselheiro Vieira e Cunha no âmbito da revista n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1:[9]
“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo a quo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”.
Estando em causa um contrato de mútuo no qual ficou estabelecido que a amortização do capital mutuado e juros seria paga em quotas, o tribunal a quo seguiu o entendimento uniformizador do STJ, sustentando que o prazo prescricional era, no caso, de cinco anos contados desde o vencimento antecipado decorrente do disposto no artigo 781.º do CC, sendo o termo inicial considerado a partir da data de tal vencimento, nos termos da fundamentação que se transcreve, por correcta:
“…uma vez «usada a faculdade prevista no artigo 781.º do Código Civil, a integralidade dos cinco anos conta-se da data do seu uso (da produção de feitos do seu uso) apenas em relação às prestações que só naquela data se tornaram exigíveis (todas prestações cujo prazo de prescrição já estava em curso, continuam a contar o prazo prescricional desde a data em que se iniciou a contagem, ou seja, o prazo não começa de novo a ser contado)».”
E, em conformidade com o entendimento acolhido, prossegue na determinação do momento do início da contagem do prazo prescricional em apreço, nos seguintes termos:
“Regressando à situação dos autos, foi contratualmente convencionado que «o (…) poderá considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do Contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação».
Essa faculdade foi exercida em 15-05-2003, data em que, como já constatámos e resulta do facto assente em 5, o contrato base foi denunciado.
Destarte, começou aí a contar o susodito prazo de prescrição de 5 anos que, contudo, face ao facto assente em 6, se interrompeu em 17-07-2003. (…)”. (sublinhados nossos).
Tendo tido em devida conta o efeito interruptivo da contagem do prazo da prescrição iniciado em 15.05.2003, produzido pela instauração, a 17.07.2003, da acção executiva para pagamento de quantia certa com processo ordinário que correu termos sob o n.º 26864/03.8TJLSB dos então denominados Juízos Cíveis de Lisboa, proposta pela “(…) – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A.” contra (…) e (…), o Sr. Juiz de 1ª instância, analisou o efeito produzido pelo decurso e desfecho do processo de execução, na contagem do prazo prescricional de cinco anos, nos termos que a síntese seguinte evidencia:
Uma vez que na acção executiva em apreço foi proferido, a 27.09.2011, despacho que declarou a instância interrompida nos termos do artigo 285.º da redacção então vigente do Código de Processo Civil (na qual se previa a interrupção da instância do processo parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento), vindo, posteriormente, por ofícios datados de 08.03.2013, as partes a ser notificadas da extinção daqueles autos (por efeito do disposto no artigo 291.º daquela redacção do CPC, no qual se previa a deserção da instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos), a decisão recorrida, em linha com a jurisprudência dos nossos tribunais superiores – nomeadamente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.01.2022, relatado pelo Desembargador Pedro Damião e Cunha, no processo n.º 12564/20.8T8PRT-B.P1[10] – considerou que nos termos previstos pelo n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil, a contagem do prazo prescricional interrompido se reiniciou na data em que ocorreu o acto interruptivo (ou seja, 17.07.2003) e não na data do trânsito em julgado da decisão que declarou a instância extinta. Consequentemente, o prazo de 5 anos de prescrição da obrigação subjacente concluiu-se no dia 17.07.2008.
Os fundamentos da decisão recorrida vindos de percorrer não nos merecem qualquer reparo, afigurando-se bem justificado e certo o entendimento de que há muito se encontrava findo o prazo de prescrição da obrigação subjacente, na data do acordo de pagamento alegadamente celebrado entre Exequente em Executados durante o mês de Junho de 2023.
Assim, mostra-se correcta a conclusão de que nenhuma relevância os factos alegados sob os artigos 99º a 102º da contestação têm para decidir a excepção da prescrição invocada pelo Embargante, uma vez que:
- em primeiro lugar, não podem interromper o decurso de um prazo que, à data da alegada ocorrência do acordo, se encontrava esgotado; e
- em segundo, não são aptos a preencher os pressupostos jurídicos da contra-excepção de hipotética renúncia à prescrição por parte dos Executados.
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Não tendo merecido acolhimento os argumentos das alegações de recurso da Recorrente, deve manter-se o saneador-sentença proferido pelo tribunal a quo.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito.
No caso vertente, a Recorrente / Embargada não obteve vencimento no recurso por si interposto, pelo que deve suportar as respectivas custas.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em:
Julgar improcedente a presente apelação, confirmando-se o saneador sentença recorrido.
Condenar a Recorrente no pagamento das custas do presente recurso.
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Notifique.
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Évora, 27 de Março de 2025
Ricardo Miranda Peixoto (Relator)
Sónia Moura (1ª Adjunta)
António Fernando Marques da Silva (2º Adjunto)

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[1] In “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, anotação 3 ao então artigo 668.º, pág. 669.
[2] In “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, anotação 5 ao artigo 668.º, pág. 143.
[3] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/952807c78e863705802588d9004df1b1?OpenDocument
[4] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/716b1b216836db4c802579980057452c?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/749cacb56fc5b1868025868800764267?OpenDocument
[5] In “Código de Processo Civil Anotado”, volume I, Almedina, 3ª edição, anotação 13 ao artigo 615.º, pág. 794.
[6] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/459680f99d867e4380258759004e0958?OpenDocument
[7] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c0d22b8f466978ef802568030003146e?OpenDocument
[8] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1010ddce91bf5af080256c2a006291b5?OpenDocument
[9] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a02c9b1bde6c218b80258879003d59ea?OpenDocument
[10] Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/e5a011b334072e48802587f0005ee961?OpenDocument