EXECUÇÃO
CAUSA DE PEDIR
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário

I. A contestação do processo de oposição / embargos de executado não é sede própria para o exequente proceder ao aperfeiçoamento da omissão na alegação da matéria de facto do requerimento executivo.
II. O requerimento executivo que não permite sindicar o critério de determinação do valor da quantia exequenda, não preenche o requisito previsto pela alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC sendo, consequentemente, inepto por falta de indicação da causa de pedir.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação 442/17.2T8SLV-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de Silves - Juiz 2

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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)

Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: Elisabete Valente;
2º Adjunto: Filipe César Osório.
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I. RELATÓRIO
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A.
A Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou a execução para pagamento da quantia de € 260.400,00, contra (…) – Sociedade de Compra e Venda de Imóveis, Lda.. Alegou para o efeito no requerimento executivo que a quantia exequenda decorre do incumprimento de contratos de mútuo bancário celebrados entre a Exequente e a sociedade “(…), Empresas de Investimentos Urbanos, (…) e (…), Lda.”, cujos capitais mutuados, respetivos juros e despesas, se encontravam garantidos por hipotecas constituídas sobre o imóvel que corresponde atualmente ao prédio urbano sito na (…) ou Quinta da (…), lote 3, descrito na Conservatória de Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), freguesia de Portimão e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…). A Executada é a actual proprietária das frações "I", "P", "V" e "AA" do prédio hipotecado, sendo que a “(…)” foi declarada falida encontrando-se em dívida, à data de 07.02.2017, valor superior ao total da quantia exequenda garantida pela hipoteca.
B.
Por apenso aos autos de principais, veio a Executada deduzir oposição à execução, excepcionando:
- nulidade do requerimento executivo por ineptidão, uma vez que a Exequente não indica o montante amortizado pela mutuária ou as datas da sua entrada em incumprimento e do início da mora;
- a prescrição do crédito exequendo e a consequente caducidade da hipoteca, por ter sido reclamado pela Exequente no processo de falência que com o n.º 637/03.6TYLSB correu termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, cuja sentença de declaração de falência transitou em julgado a 25.07.2015, sendo certo que já antes da declaração da propositura da acção de falência o crédito em apreço estava em incumprimento, pelo que decorreram mais de 5 anos sobre o vencimento da última prestação e capital e juros (cfr. alínea e) do artigo 310.º do CC) e relativamente ao mutuário originário decorreram já mais de 20 anos (cfr. artigo 309.º do Código Civil).
C.
Contestou a Exequente.
Negou a prescrição do crédito exequendo, esgrimindo para tanto os seguintes argumentos:
- à dívida exequenda é aplicável o disposto no artigo 309.º do CC pois os contratos dados à execução chegaram ao seu termo, estando vencidas todas as prestações por força do incumprimento definitivo da mutuária, sendo que com a alienação dos imóveis hipotecados a favor da embargante, os valores em dívida assumiram natureza de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de vinte anos;
- nos autos de execução não são peticionados juros pela Exequente;
- a Executada reconheceu a situação de incumprimento dos contratos de mútuo e a responsabilidade decorrente da hipoteca constituída sobre as fracções de que é proprietária, por declaração remetida à Exequente em 2014, o que tem por efeito a interrupção da prescrição nos termos previstos pelo n.º 1 do artigo 325.º do CC.
Manteve que não ocorre a alegada ineptidão do requerimento executivo, pois contém a explicitação do que deu origem ao montante da dívida (cfr. artigos 15º e 16º) e todos os factos essenciais da causa de pedir.
Impugnou os demais fundamentos da oposição à execução.
D.
Com data de 29.04.2024 (ref.ª Citius 132999598), foi proferido saneador-sentença com o dispositivo “…julgam-se procedentes os presentes Embargos de Executado e, em consequência, declara-se extinta a execução”, considerando, na respectiva fundamentação, verificada a excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo.
E.
Inconformada com o assim decidido, a Exequente interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e sublinhado da origem):
“(…)
I) A CGD instaurou execução hipotecária contra a Embargada, na qualidade de actual titular inscrita das frações "I", "P", "V" e "AA" hipotecadas a seu favor, cfr. foi expressamente invocado no ponto 4 do requerimento executivo – nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 54.º, n.º 2, do CPC.
II) Mais, alegou expressamente que a dívida emergente dos dois contratos de mútuo com hipoteca, dados como provados nos autos, ascendia à data de 07.02.2017 a € 1.248.923,82 – ponto 6 do requerimento executivo.
III) E porque a Executada (…) – Sociedade de Compra e Venda de Imóveis, Lda., é demandada apenas na qualidade de titular inscrita das identificadas fracções autónomas, discriminou o montante da dívida que tais fracções garantem, restringindo o pedido exequendo a € 260.400,00, cfr. ponto 7 do requerimento executivo, supra transcrito.
IV) Em sede de Contestação foram invocados diversos factos e juntos vários documentos, nomeadamente os que supra se transcreveram (apenas os relativos à decisão proferida pelo despacho saneador sentença no tocante à pretensa excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo).
V) Para além do mais, foi aí concretamente alegado que «O valor peticionado na execução, dos quais os presentes autos constituem apenso, corresponde ao valor de avaliação de cada uma das frações hipotecadas à data da propositura da execução, acrescido de 20% (sendo € 45.600,00 relativo à fracção “I”; € 68.400,00 relativo à fracção “P”; € 78.000,00 relativo à fracção “V”; e € 68.400,00 relativo à fracção “AA”) – artigo 16º da contestação».
VI) A Embargante, tendo sido notificada da Contestação apresentada por parte da Exequente, por Ofício datado de 28.10.2021, com a ref.ª Citius 121972341, nada disse, confessando, por acordo, os factos que lhe são pessoais aí invocados, nomeadamente, o supra transcrito.
VII) O douto Tribunal a quo, em sede de saneador sentença, deu como provados os contratos de mútuo com hipoteca, as hipotecas, e o incumprimento daqueles por parte da mutuária (…), Empresas de Investimentos Urbanos, (…) e (…), Lda., cfr. ponto 6 da matéria de facto dada como provada.
VIII) Não obstante, o douto saneador sentença recorrido, proferido nos autos em 29.10.2024, a fls…, julgou, em suma, os presentes embargos procedentes, e, em consequência, declarou extinta a execução.
IX) Para o efeito, julgou verificada a excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo, com os fundamentos que supra se transcreveram (para melhor facilidade de análise, sem com tal significar qualquer reconhecimento ou confissão).
X) Contudo, a Exequente discriminou o montante da dívida que tais fracções garantem, restringindo o pedido exequendo a € 260.400,00.
XI) É precisamente este o valor da “parte da dívida pela qual respondem os bens propriedade da Embargante, e sobre o qual incidem as garantias hipotecárias”.
XII) E isso resulta da alegação, pedido e liquidação efectuados pela Exequente em sede de Requerimento Executivo, ao invés do que conclui o douto Tribunal a quo.
XIII) A Exequente invocou os contratos de mútuo com hipoteca, as hipotecas, a dívida total emergente dos mesmos, a legitimidade passiva da Executada, e o montante que as fracções hipotecadas garantem, e que corresponde ao pedido exequendo – foram, assim, alegados todos os factos concretos que consubstanciam a causa de pedir da presente execução.
XIV) Significa isto que a relação fundamental foi alegada por parte da CGD, ao invés do que é referido por parte do douto Tribunal a quo.
XV) A quantia exequenda encontra-se perfeitamente discriminada, indicando-se especificamente o valor que é devido pela Executada, na sua qualidade de actual proprietária das fracções hipotecadas a favor da Exequente, pelo que a situação dos autos não é susceptível de se reconduzir à figura da ineptidão do requerimento executivo.
XVI) A obrigação exequenda é certa, líquida e exigível.
XVII) Basta atentar no invocado pela CGD, S.A., no Requerimento Executivo e na Liquidação, para se constatar que, para além o que já resulta dos títulos executivos dados à execução, a Exequente invocou os demais factos, em observância do disposto no artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC, para balizar a obrigação exequenda.
XVIII) Inexiste, pois, qualquer pretensa ineptidão do requerimento executivo, pelo que, salvo o devido e merecido respeito, o douto despacho saneador sentença de 29.10.2024 sofre de errada aplicação de Direito quando conclui no sentido inverso, sempre se impondo a sua revogação.
XIX) Acresce que, in casu, não há “falta de indicação da causa de pedir” no requerimento executivo, pelo que, inexiste vício enquadrável na alínea b) do n.º 2 do artigo 726.º, ex vi do artigo 265.º, ambos do CPC.
XX) Em primeiro lugar porque no requerimento executivo foi expressamente invocado que a dívida emergente dos dois contratos de mútuo com hipoteca, dados como provados nos autos, ascendia a € 1.248.923,82 à data de 07.02.2017 e a Exequente discriminou o montante da dívida que tais fracções garantem, restringindo o pedido exequendo a € 260.400,00, cfr. ponto 7 do requerimento executivo.
XXI) Significa isto que o invocado por parte da Exequente permite, assim, “certezas quanto à quantia ainda em dívida” (€ 1.248.923,82 à data de 07.02.2017) e qual a “parte da dívida pela qual respondem os bens propriedade da Embargante” (€ 260.400,00).
XXII) Ora, como a Exequente discriminou o montante da dívida que tais fracções garantem, restringindo o pedido exequendo a € 260.400,00, não está em causa a divisibilidade da hipoteca.
XXIII) Uma vez que o referido valor (de € 260.400,00) corresponde ao valor de avaliação de cada uma das frações hipotecadas à data da propositura da execução, acrescido de 20% (sendo € 45.600,00 relativo à fracção “I”; € 68.400,00 relativo à fracção “P”; € 78.000,00 relativo à fracção “V”; e € 68.400,00 relativo à fracção “AA”), cfr. explicitado na Contestação, e não por referência às permilagens fixadas aquando da constituição do prédio em propriedade horizontal, ao invés do referido por parte do douto Tribunal a quo, irreleva saber se as identificadas fracções autónomas são as únicas sobre as quais continuam a incidir hipotecas a favor da CGD.
XXIV) Em segundo lugar, a tese expendida por parte do Tribunal a quo tem como pressuposto a “falta de causa de pedir”, que, reitera-se, inexiste.
XXV) Com efeito, a causa de pedir foi alegada na execução – Executada demandada na qualidade de titular inscrita das fracções hipotecadas a favor da CGD, aí se indicando qual a “parte da dívida pela qual respondem os bens propriedade da Embargante”, que é de € 260.400,00.
XXVI) Desta forma, o patamar mínimo da inteligibilidade do raciocínio e/ou da liquidação exequenda encontra-se atingido, o que afasta a total “falta de causa de pedir”.
XXVII) Sendo certo que a Executada, tendo sido notificada dos factos invocados em sede de contestação, não apresentou impugnação concreta e específica do alegado por parte da Recorrente, confessando, por acordo, o aí invocado.
XXVIII) É, pois, notório que a Recorrente alegou os factos concretos da relação fundamental, ao invés do que conclui o douto Tribunal a quo.
XXIX) Quanto muito, a considerar-se existir uma eventual irregularidade da causa de pedir, que não há, mas que aqui se refere por mera hipótese de raciocínio, sem com tal conceder ou transigir, sempre seria apenas reconduzível a uma situação de “insuficiência da causa de pedir”, a qual é suprível através do convite ao aperfeiçoamento (cfr. artigo 590.º, n.º 4, do CPC) – neste sentido Assento 12/94, in DR, I Série – A, de 21.07.1994.
XXX) Ora, tal aperfeiçoamento, a ser devido, já foi cumprido em sede de contestação, sendo certo que a Embargada, ao não impugnar os factos aí invocados, aceitou-o como correcto.
XXXI) Por esse motivo, as indicações Doutrinárias e Jurisprudenciais que constam no douto despacho saneador sentença relativos à pretensa “falta de causa de pedir” não têm qualquer aplicação no caso em apreço.
XXXII) Ao invés do concluído por parte do douto Tribunal a quo, in casu existe certeza quando ao valor em dívida emergente dos dois contratos de mútuo com hipoteca (€ 1.248.923,82) e qual a parte da dívida pela qual respondem os bens propriedade da Embargante, que é de € 260.400,00.
XXXIII) Não há, pois, qualquer pretensa “falta de indicação da causa de pedir” no requerimento executivo, pelo que, inexiste vício enquadrável na alínea b) do n.º 2 do artigo 726.º, ex vi do artigo 265.º, ambos do CPC, pelo que, salvo o devido e merecido respeito, o douto despacho saneador sentença de 29.10.2024 sofre de errada aplicação de Direito quando conclui no sentido inverso, sempre se impondo a sua revogação.
XXXIV) Por outro lado, no douto despacho saneador sentença proferido pelo Tribunal a quo nenhuma referência se faz aos factos supra transcritos, invocados em sede de contestação, em concreto o seguinte: O valor peticionado na execução, dos quais os presentes autos constituem apenso, corresponde ao valor de avaliação de cada uma das frações hipotecadas à data da propositura da execução, acrescido de 20% (sendo € 45.600,00 relativo à fracção “I”; € 68.400,00 relativo à fracção “P”; € 78.000,00 relativo à fracção “V”; e € 68.400,00 relativo à fracção “AA”), devendo-o fazer, por se tratarem de factos essenciais para a análise e decisão da causa.
XXXV) Assim, sempre com o devido e merecido respeito, que é muito, do processo constam elementos que, por si só, implicavam necessariamente decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo.
XXXVI) Não poderia, pois, o douto Tribunal a quo decidir, desde logo, do mérito da causa, desconsiderando tais factos.
XXXVII) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o princípio basilar do direito adjectivo que é o da descoberta da verdade material.
XXXVIII) Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, o douto despacho saneador sentença de 29.10.2024 sofre de errada aplicação de Direito quando conclui no sentido inverso, sempre se impondo a sua revogação.
XXXIX) O douto despacho saneador sentença recorrido fez, assim, menos correcta interpretação e aplicação da lei, violando, designadamente, as normas constantes dos artigos 54.º, n.º 2, 590.º, n.º 4, 596.º, 724.º, n.º 1, alínea e) e 726.º, n.º 2, alínea b), ex vi do artigo 265.º, todos do CPC. (…)”
Pediu a revogação da decisão recorrida e a improcedência dos presentes embargos.
*
F.
Notificada, a Recorrida não contra-alegou.
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G.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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H.
Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
É única a questão, exclusivamente jurídica, em apreciação no presente recurso:
Se o requerimento executivo é inepto por falta de causa de pedir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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Reprodução integral dos factos provados elencados no despacho saneador sentença sob recurso (sem negrito e itálico da origem):
“(…)
1. A Exequente instaurou a presente execução em 01.03.2017, invocando conforme consta do requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Por escritura lavrada em 04.02.1982, no Notariado Privativo da Exequente, esta, no exercício da sua actividade, mutuou à sociedade (…), Empresas de Investimentos Urbanos, (…) e (…), Lda. a quantia de € 249.398,95, conforme Doc. 1 junto com o requerimento executivo cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo sido acordado, entre o mais, que
O capital emprestado vencerá juros à taxa anual de vinte e três por cento que a Caixa se reserva o direito de alterar dentro dos limites legais em vigor na data da mesma alteração, os quais serão calculados dia a dia e pagos em quatro de Agosto próximo e no final dos semestres seguintes.
O capital do empréstimo será amortizado em seis prestações iguais, a primeira com vencimento em quatro de Agosto de mil novecentos e oitenta e quatro e as restantes no final dos semestres seguintes.
3. Ainda no exercício da sua actividade, por escritura lavrada em 08.11.1983, no Notariado Privativo da Exequente, esta Exequente concedeu à sociedade (…), Empresas de Investimentos Urbanos, (…) e (…), Lda. um mútuo no valor de € 59.855,75 conforme Doc. 2 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo sido acordado, entre o mais, que
O capital emprestado vencerá juros à taxa anual de trinta e um e meio por cento, que a Caixa se reserva o direito de alterar dentro dos limites legais em vigor na data da mesma alteração, os quais serão calculados dia e dia e pagos em oito de Maio de mil novecentos e oitenta e quatro e no final dos semestres seguintes.
O capital do empréstimo será amortizado em duas prestações iguais, a primeira com vencimento em oito de Maio de mil novecentos e oitenta e seis e as restantes no final dos semestres seguintes.
4. Para garantia do pagamento dos capitais mutuados, respectivos juros e despesas para a cobrança de crédito, foram constituídas hipotecas sobre o imóvel que corresponde actualmente ao prédio urbano sito na (…) ou Quinta da (…), lote 3, descrito na Conservatória de Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), freguesia de Portimão e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…).
5. Tais hipotecas estão registadas sob as Ap. (…), de 1981/09/17, ampliada pela Ap. (…), de 1982/02/18, e Ap. (…), de 1983/07/14, ampliada pela Ap. (…), de 1983/12/02.
6. A sociedade (…) não cumpriu os supra referidos contratos.
7. Encontra-se registada a favor da Executada a propriedade das fracções "I", "P", "V" e "AA" hipotecadas a favor da Exequente:
- fracção “I”: Ap. (…), de 2003/02/21;
- fracção “P”: Ap. (…), de 2004/08/06;
- fracção “V”: Ap. (…), de 2003/08/20;
- fracção “AA”: Ap. (…), de 2003/02/21.
8. Encontra-se averbado o cancelamento parcial das referidas hipotecas relativamente a outras fracções autónomas, como resulta da respectiva informação predial, cujo teor se dá por reproduzido.
9. A sociedade (…), Empresas de Investimentos Urbanos, (…) e (…), Lda. foi declarada falida no âmbito do Processo n.º 637/03.6TYLSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 3, por sentença proferida em 16.06.2005, transitada em julgado em 25.07.2005, conforme certidão junta em 15.02.2022 cujo teor se dá por reproduzido.
10. A CGD, no processo de falência da mutuária (…) – Empresa de Investimento Urbanos, (…) e (…), Lda., reclamou, entre outros, os empréstimos aqui dados à execução, tendo os créditos aí reclamados sido julgados verificados e graduados por sentença de 21.02.2018, conforme certidão junta em 15.02.2022 cujo teor se dá por reproduzido.
11. A Executada foi citada para a presente execução no dia 09.06.2017.”
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B. De direito
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Vem o presente recurso interposto de decisão que absolveu a Executada da instância por julgar verificada excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo.
Nela se considerou que:
- tendo ocorrido a divisão da hipoteca constituída para garantia do crédito titulado pela Exequente, parcialmente pago por proprietários de outras fracções sobre as quais incidia a garantia e, por isso mesmo, cancelada na parte correspondente, subsiste ainda quanto às fracções "I", "P", "V" e "AA" tituladas pela Executada;
- uma vez que o credor hipotecário aceitou que cada fracção autónoma servirá apenas o pagamento da parte proporcional do crédito que ainda se encontre em dívida, a responsabilidade da Embargante está limitada aos imóveis que adquiriu, mas a Exequente não faz constar do requerimento executivo qualquer menção à parte da dívida garantida pelas hipotecas que, por força daqueles sucessivos distrates, se mostra entretanto liquidada, tendo apenas alegado que executa o montante de € 260.400,00 dos € 1.248.923,82 que considera estarem em dívida;
- nos moldes em que a execução foi instaurada, não se mostra susceptível de ser conhecida a parte da dívida pela qual responderiam os bens que são propriedade da Embargante e sobre o qual incidem as garantias hipotecárias, cabendo à Exequente alegar, embora de forma sucinta, os factos concretos (isto é, as ocorrências concretas da vida real) que constituem tal relação fundamental, imposição que resulta do princípio do dispositivo previsto no artigo 5.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 551.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Contra os fundamentos expostos, esgrime a Exequente, nas suas alegações de recurso, os seguintes argumentos:
i. Em sede do artigo 16º da contestação ao presente incidente de oposição à execução, a Oponida alegou que «o valor peticionado na execução, da qual os presentes autos constituem apenso, corresponde ao valor de avaliação de cada uma das frações hipotecadas à data da propositura da execução, acrescido de 20% (sendo € 45.600,00 relativo à fracção “I”; € 68.400,00 relativo à fracção “P”; € 78.000,00 relativo à fracção “V”; e € 68.400,00 relativo à fracção “AA”)», o que não foi objecto de impugnação pela Embargante, devendo tais factos considerar-se assentes e relevantes para clarificação do cálculo da quantia exequenda;
ii. A Exequente discriminou, no requerimento executivo, o montante da dívida que tais fracções garantem, restringindo o pedido exequendo a € 260.400,00, sendo este o valor da “parte da dívida pela qual respondem os bens propriedade da Embargante, e sobre o qual incidem as garantias hipotecárias”, tendo invocado os contratos de mútuo com hipoteca, as hipotecas, a dívida total emergente dos mesmos, a legitimidade passiva da Executada e o montante que as fracções hipotecadas garantem, alegando, assim, todos os factos concretos que consubstanciam a causa de pedir da presente execução; e
iii. A considerar-se existir uma eventual irregularidade da causa de pedir, sempre seria apenas reconduzível a uma situação de “insuficiência da causa de pedir”, a qual é suprível através do convite ao aperfeiçoamento (cfr. artigo 590.º, n.º 4, do CPC), cumprido em sede de contestação à presente oposição / embargos.
Analisemos, seguidamente, as razões invocadas pela Exequente / Recorrente.
i.
Começando pelo argumento de que a Recorrente alegou, no artigo 16º da contestação ao presente incidente de oposição à execução, que «o valor peticionado na execução, da qual os presentes autos constituem apenso, corresponde ao valor de avaliação de cada uma das frações hipotecadas à data da propositura da execução, acrescido de 20% (sendo € 45.600,00 relativo à fracção “I”; € 68.400,00 relativo à fracção “P”; € 78.000,00 relativo à fracção “V”; e € 68.400,00 relativo à fracção “AA”)», não nos parece merecedor de acolhimento.
Isto porque estamos perante um vício do requerimento executivo, não sendo função da contestação aos embargos de executado / oposição à execução, aperfeiçoar o articulado inicial dos autos de execução principais, mas sim responder aos argumentos aventados pelo executado que, tendo invocado a ineptidão do requerimento executivo, hão-de reportar-se às concretas suficiências e insuficiências apresentadas pelo mesmo articulado que dá início ao processo executivo, não a elementos que deste não constam, como é o caso da alegação contida no supracitado artigo 16º da contestação do presente apenso.
Acresce que, como veremos de seguida, a alegação contida neste mesmo artigo, não permite suprir as lacunas identificadas no requerimento executivo pela decisão recorrida.
ii.
Quanto à alegação de que a Exequente discriminou, no requerimento executivo, o montante da dívida que as fracções abrangidas pela hipoteca garantem, restringindo o pedido exequendo a € 260.400,00, tampouco se nos afigura atendível.
Como deflui dos fundamentos da decisão recorrida, a deficiência do Requerimento executivo não está em não ter indicado um valor da quantia exequenda, mas na falta de um critério sindicável na determinação de tal valor.
Isto porque, o que se mostra fundamental alegar são os factos a partir dos quais chegou a Exequente ao referido valor de € 260.400,00, para o que deveria o requerimento executivo:
- não só discriminar a parte do mesmo valor correspondente a cada uma das fracções da Executada oneradas pela hipoteca, em termos dos quais resulte ter ocorrido uma repartição proporcional, equitativa e resultante da aplicação de um critério homogéneo;
- mas ainda, tomando como ponto de partida os valores máximos garantidos pelas hipotecas constituídas sobre várias fracções que não apenas as pertencentes à Executada, demonstrar que a subtracção do valor conjunto dos pagamentos correspondentes àquelas em que a garantia foi já objecto de distrate (nas sucessivas operações de “divisão da hipoteca” a que bem alude a decisão recorrida), tem como resultado a diferença correspondente ao montante da quantia exequenda que, percute-se, respeitando apenas à garantia oferecida pelas fracções “I”, “P”, “V” e “AA” pertencentes à Executada, há-de inscrever-se num mesmo critério de repartição do montante máximo coberto pelas hipotecas entre todas as fracções inicialmente abrangidas.
Só assim será possível aferir se a imputação que Exequente faz às fracções tituladas pela Executada, da parte da dívida contraída pelo devedor originário junto da CGD, se encontra coberta pela garantia constituída pelas hipotecas constituídas sobre as mesmas e, consequentemente, onera a Executada que não é a devedora originária e responde, apenas e tão só, na medida da garantia oferecida pelas hipotecas que impendem sobre o património que adquiriu onerado.
Do que acaba de se expor resulta ainda que a mera repartição feita pela Recorrente / Oponida no artigo 16º da contestação destes autos, da quantia exequenda pelas fracções da Opoente por referência «…ao valor de avaliação de cada uma das frações hipotecadas à data da propositura da execução, acrescido de 20% (sendo € 45.600,00 relativo à fracção “I”; € 68.400,00 relativo à fracção “P”; € 78.000,00 relativo à fracção “V”; e € 68.400,00 relativo à fracção “AA”)», não satisfaz a exigência de exposição factual necessária à cabal justificação da quantia exequenda, na medida em que é totalmente omissa relativamente às partes das quantias máximas garantidas pelas hipotecas que foram já pagas e ao critério de repartição por cada fracção seguido nesses pagamentos, de modo a permitir compreender a razão pela qual vem imputada à Executada uma responsabilidade total de € 260.400,00 relativa ao conjunto das fracções de que é titular.
iii.
Por fim, considera a Exequente que, a existir eventual irregularidade da causa de pedir, sempre seria apenas reconduzível a uma situação de “insuficiência da causa de pedir”, suprível através do convite ao aperfeiçoamento (cfr. artigo 590.º, n.º 4, do CPC).
Sobre este aspecto concreto, a sentença recorrida considerou que “…não podendo o requerimento executivo ser aperfeiçoado em sede de contestação aos embargos, temos de admitir que a Exequente não podia suprir tal falta de alegação da causa de pedir pois tal consistiria em admitir uma ilegal alteração da causa de pedir (vide artigo 265.º, ex vi do artigo 551.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil).”
Em termos que resultam já da exposição feita em i. supra, concordamos com a sentença recorrida no que à afirmação de que não é em sede de oposição / embargos que há-de ser suprida a omissão de alegação dos mencionados factos do requerimento executivo. [1]
Por outro lado, a faculdade de o juiz, nos termos do n.º 4 do artigo 726.º do CPC e fora dos casos de indeferimento liminar previstos no n.º 2, convidar “…o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º”, está reservada à tramitação do processo de execução, nos momentos processais aí previstos.
Em sede de embargos impõe-se avaliar da suficiência da alegação dos factos constantes do requerimento executivo para sustentar a causa de pedir.
No caso vertente, como vimos, o requerimento executivo é omisso quanto ao critério em que se fundou na determinação do valor da quantia exequenda de € 260.400,00.
Dando aqui por reproduzidas as considerações constantes da fundamentação precedente, nas quais se discriminaram os concretos pontos de que o requerimento executivo é carente, constata-se que não permite aferir se a imputação que Exequente faz às fracções tituladas pela Executada, da parte da dívida contraída pelo devedor originário junto da CGD, se encontra coberta pela garantia constituída pelas hipotecas constituídas sobre as mesmas e, consequentemente, onera a Executada que não é a devedora originária, respondendo, apenas e tão só, na medida da garantia oferecida pelas hipotecas que impendem sobre o património que adquiriu onerado.
Por isso, o requerimento executivo não preenche o requisito previsto pela alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC e não sendo, em sede dos presentes embargos de executado, susceptível de suprimento é, consequentemente, inepto por falta de indicação da causa de pedir, o que determina a nulidade de todo o processo (cfr. artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do mesmo diploma legal).[2]
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Assim, concluímos que não merece reparo a decisão recorrida.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito.
No caso vertente, apenas a Recorrente / Exequente da acção principal recorreu, tendo ficado vencida.
Assim, devem as custas ser suportadas pela Recorrente.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em:
1. Julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
2. Condenar a Recorrente nas custas do presente recurso.
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Notifique.
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Évora, 27 de Março de 2025
Ricardo Miranda Peixoto (Relator)
Elisabete Valente (1ª Adjunta)
Filipe César Osório (2º Adjunto)


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[1] Neste sentido, v. também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.01.1992, relatado pelo então Juiz Desembargador Noronha do Nascimento no processo n.º 0052872.
Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bdca2cf8e530331480256803000459c4?OpenDocument
[2] Neste sentido, o acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 16.04.2024, relatado pelo Juiz Desembargador Vítor Sequinho dos Santos no processo n.º 1427/23.5T8PTG-A.E1.
Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7e4f4a009044dc7180258c0a00348a3b?OpenDocument