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COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL CÍVEL
TRIBUNAL DE FAMÍLIA
PARTILHA DE BENS DO CASAL
Sumário
I. Mesmo estando pendente inventário para partilha dos bens comuns do casal após divórcio, o processo comum de declaração é o meio processual próprio para a autora pedir contra o seu ex-cônjuge uma compensação pecuniária, até à homologação da partilha dos bens comuns, por este a impedir de usar um bem imóvel comum. II. A letra ou a “ratio legis” do n.º 2 do artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ, não consentem a interpretação no sentido de que é da competência especializada dos Tribunais de Família e Menores a tramitação da acção declarativa que tem por objecto a regulação do uso e o arbitramento da compensação pecuniária resultante da aludida privação, referentes a bem do património comum do ex-casal que se encontra a ser partilhado em sede de processo de inventário judicial intentado na sequência de acção de divórcio. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Apelação 17/25.2T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Faro - Juiz 1
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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral;
2º Adjunto: Sónia Moura.
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I. RELATÓRIO
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A.
(…) propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra o seu ex-marido (…), ambos residentes em Lisboa, pedindo que se:
A) Regule e fixe o uso do imóvel comum, nos termos expostos no articulado; e
B) Condene o Réu a pagar à Autora a quantia pecuniária de € 115.200,00, acrescida de juros moratórios vincendos desde a data da citação.
Alegou para o efeito que faz parte do acervo conjugal constituído durante o casamento havido entre Autora e Réu, dissolvido por divórcio decretado por decisão transitada em julgado a 04.05.2010, proferida no processo de divórcio litigioso convertido em mútuo consentimento que com o n.º 1815/08.7TMLSB correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, o imóvel sito no (…), Moradia C2, em Tavira, correspondente à fração autónoma “S”, que corresponde ao rés-do-chão e primeiro andar, designado por C-2, sito no módulo C, descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Tavira sob o n.º (…), freguesia Tavira (…) e inscrito na respetiva matriz da união de Freguesias de Tavira (…) sob o artigo (…). Desde a data da separação de facto entre as partes que se deu ainda em 2006, o bem comum em causa tem vindo a ser utilizado exclusivamente pelo Réu, que é, aliás, o único que tem a detenção do mesmo e as suas chaves de acesso, as quais nunca facultou nem faculta à Autora. A Autora pretende utilizar também o imóvel ou, em alternativa, ser compensada em quantia pecuniária mensal pelo uso exclusivo do Réu, compensação essa a que tem direito pela utilização que vem sendo feita pelo Réu sem autorização da Autora.
B.
Com data de 07.01.2025 (ref.ª Citius 134832256) foi proferida decisão com o seguinte teor (transcrição integral, sem o itálico e o negrito da origem):
“I. RELATÓRIO
(…) veio intentar a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum contra o seu ex-marido (…), ambos residentes em Lisboa, requerendo que este tribunal regule o uso de bem comum e o condene no pagamento de quantia pecuniária no montante de € 115.200,00 (cento e quinze mil e duzentos euros), pedido este que encontra o seu fundamento na utilização que este faz do imóvel que constitui bem comum, desde o ano de 2008 e que, no seu entender, excede a meação que lhe cabe nos bens comuns.
Logo na sua petição inicial, a autora expande diversa argumentação no sentido da competência material deste tribunal para a causa, não obstante a anterior pendência de ação de divórcio litigioso (posteriormente convertido em divórcio por mútuo consentimento) que correu termos sob o n.º 1815/08.7TMLSB, do 1.º Juízo, 2.ª seção do Tribunal de Família e Menores de Lisboa e, alegadamente, em 2015, ter dado entrada de um processo de inventário com vista à partilha dos bens comuns que fazem parte desse acervo, o qual começou por correr termos no Cartório Notarial de Lisboa de (…), sob o n.º de processo 1575/2015 e se encontrará a correr termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores – Juiz 8, sob o processo n.º 6765/20.6T8LSB., processo que “(…) dura há quase 10 anos e, atendendo ao seu atual estado processual, não se vislumbra quando possa vir a terminar de modo definitivo” – vide artigos 11º, 14º e 15º da petição inicial.
No seu entender a pendência do referido processo de inventário com vista à partilha de bens comuns não obsta à instauração da presente ação para regulação do uso desse mesmo bem e obtenção da reclamada contrapartida pecuniária (vide artigo 7º da petição inicial).
Como se deixou escrito, coloca-se a questão da eventual procedência da exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, a qual, a proceder, determinaria a absolvição do réu da presente instância (artigo 96.º, alínea a), do Código de Processo Civil).
A exceção de incompetência absoluta pode (e deve) ser conhecida ex officio pelo julgador, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida nos autos (artigo 97.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil).
Para a determinação da competência é imprescindível a análise do pedido e da materialidade que integra a “causa petendi” conforme sejam expressos unilateralmente pelo autor. Como refere o Prof. Manuel de Andrade (apud “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, 91), a competência “afere-se pelo “quid disputatum” (“quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor’ (cfr. ainda o Prof. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 1ª, pág. 110).
Vejamos.
Ambos os pedidos têm por objeto material o imóvel situado em Tavira e descrito a favor do réu, no estado de casado com a autora, sob o n.º (…), da Conservatória de Registo Civil de Tavira, o qual se encontra a ser partilhado no âmbito de processo de inventário que estará apenso ao referido processo de divórcio e se encontra pendente no Juízo de Família e Menores de Lisboa.
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 122.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (doravante, de forma abreviada, designada por L.O.S.J. – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), as secções de família e menores exercem as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.
Em conformidade com o disposto pelos artigos 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 64.º do Código de Processo Civil e 40.º, n.º 1, da LOSJ, os tribunais judiciais têm competência residual, no sentido de que, só no caso de a competência não estar legalmente atribuída aos tribunais de competência especializada, é que o tribunal judicial tem competência para conhecer da causa.
Tendo em conta o peticionado e a pendência no Juízo de Família e Menores de Lisboa, de um processo de inventário para divisão dos bens comuns, no âmbito do qual o imóvel em questão terá sido relacionado, uma vez que faz parte do acervo dos bens comuns a partilhar, será aquele o tribunal competente para a presente ação, face às referidas regras que lhe atribuem competência especializada.
Pelas aludidas razões de facto e direito, consideramos que este tribunal não é materialmente competente para a tramitação e apreciação da matéria em causa, cabendo a competência para a sua tramitação e apreciação ao Juízo de Família e Menores de Lisboa onde já se encontrará a correr termos o competente processo de inventário.
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III. DECISÃO
Em face do exposto e ao abrigo dos artigos 96.º, alínea a), 97.º, nºs 1 e 2, 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 590.º, n.º 1, todos do C.P.C. e n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste tribunal e, consequentemente, absolvo o réu da presente instância.
Custas a cargo da autora, por ter dado causa à ação (artigo 527.º do C.P.C. e artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais).
Fixo à ação o valor de € 115.200,00 (cento e quinze mil e duzentos euros) – artigo 303.º, nºs 1 e 2.º, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
C.
Inconformada com o decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação.
Concluiu as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e sublinhado da origem):
“(…)
III. Ambos os pedidos da Recorrente (regulação do uso de bem comum e pagamento de quantia monetária) têm por objeto material o imóvel situado em Tavira e descrito a favor do réu, no estado de casado com a autora, sob o n.º (…), da Conservatória de Registo Civil de Tavira, o qual se encontra a ser partilhado no âmbito de processo de inventário pendente junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores – Juiz 8.
IV. Neste tocante, o Tribunal a quo ancorou-se no disposto nos artigos 40.º e n.º 2 do 122.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (“LOSJ”) e artigo 64.º do Código de Processo Civil (“CPC”) para sufragar a tese de que os tribunais judiciais têm competência residual, no sentido de que, só no caso de a competência não estar legalmente atribuída aos tribunais de competência especializada, é que o tribunal judicial tem competência para conhecer da causa.
V. Ademais, o Tribunal a quo sentencia que tendo em consideração o peticionado pela Recorrente e a pendência no Juízo de Família e Menores de Lisboa, de um processo de inventário para divisão dos bens comuns, no âmbito do qual o imóvel em apreço terá sido relacionado, uma vez que integra o acervo dos bens comuns a partilhar, será aquele o tribunal competente para a ação de regulação do uso de bem comum e condenação no pagamento de quantia pecuniária, face às normas que lhe atribuem competência especializada.
VI. De facto, numa análise mais perfunctória da questão, poder-se ia apressadamente concluir que se aplicaria o artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ. que estende a competência dos juízos de família e menores aos processos de inventário instaurados em consequência de divórcio.
VII. Porém, atenta a formulação do pedido de regulação de uso de coisa comum e de condenação no pagamento de quantia pecuniária (ademais de natureza indemnizatória), dúvidas se não podem suscitar de que não há regra, no Código Civil ou no Código de Processo Civil, que obste à Parte exigir judicialmente tal regulação e compensação, lançando mão do competente processo declarativo.
VIII. E é neste silogismo lógico que reside a máxima ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit!
IX. Neste sentido, vem decidindo o Tribunal da Relação de Coimbra, em vários arestos, entre os quais podemos aqui invocar o acórdão de 24.05.2022, onde se refere: “Segue-se do exposto que não há regra, no Código Civil ou no Código de Processo Civil, que determine que, havendo inventário para partilha dos bens comuns, a compensação pecuniária que a autora está a exigir ao réu através da presente ação deve ser deduzida no processo de inventário. E, não havendo, a conclusão a retirar é a de que era permitido à autora exigir judicialmente tal compensação através do processo comum de declaração. Cita-se em abono desta interpretação da lei, o acórdão do STJ proferido em 3-10-2019, no proc. n.º 1517/13.2TJLSB.L1.S2, publicado em www.dgsi.pt.” (…).
X. Não nos equivoquemos: a lei, entenda-se o CPC, não determina que a pretensão da ora Recorrente fosse deduzida no processo de inventário para partilha dos bens comuns – videbimus infra.
XI. Noutra ordem de considerações, o crédito que a Recorrente reclama surgiu já depois de cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges e de dissolvido o casamento por divórcio decretado por sentença transitada em julgado, pelo que tal crédito não integra a massa a partilhar através do processo de inventário, não integra o passivo comum, nem integra as eventuais operações de compensação; estamos perante um crédito ao qual se aplica o direito das Obrigações.
XII. A existência de um processo de inventário a correr termos não pode privar as partes do direito geral de ação, nomeadamente do direito de recorrerem aos meios comuns para fazerem valer um seu direito, como ocorre na presente situação.
XIII. Ad latere, existem proveitos patentes ao nível da justiça material, uma vez que a resolução antecipada deste quesito permite libertar o processo de inventário para discussão de outros assuntos, simplificando e abreviando a tramitação do mesmo para os fins que lhe foram determinados por Lei: proceder à partilha dos bens que integravam o património conjugal.
XIV. Aqui chegados, anote-se que em 2015, a Recorrente iniciou processo de inventário com vista à partilha dos bens comuns, o qual começou por correr termos no Cartório Notarial de Lisboa de (…), sob o n.º de processo 1575/2015, e que se encontra presentemente a correr termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores – Juiz 8, sob o processo n.º 6765/20.6T8LSB, tal como adelgaçado pelo Tribunal a quo.
XV. O referido processo de inventário dura há quase 10 anos e, atendendo ao seu atual estado processual, não se vislumbra quando possa vir a terminar de modo definitivo.
XVI. Apesar de, nos termos da Lei, o processo de inventário ser o meio processual adequado a fazer cessar a comunhão dos bens comuns, incluindo o imóvel em crise,
XVII. Não é, contudo, o meio processual adequado para regular o uso dos bens comuns, ou para uma Parte reclamar da outra os direitos próprios que lhes assistem em virtude do uso que é dado aos bens comuns pela outra Parte.
XVIII. In casu, estando pendente inventário para partilha dos bens comuns de casal após divórcio, verifica-se um impedimento ilícito do uso de bem imóvel comum, ocupado exclusivamente por outrem, o que acarreta uma compressão dos direitos da Recorrente, suscetível de ser compensado nos termos da lei, até à homologação da partilha dos bens comuns.
XIX. Primo, a obrigação que está em causa nos autos não é uma dívida das Partes ao património comum, antes sim, uma incumbência à Recorrente, devida pela privação do uso do Imóvel em apreço.
XX. Secundus, a compensação que a Recorrente peticiona nos presentes autos foi contraída já depois de terem cessado as relações patrimoniais entre as Partes (o que ocorreu no momento da propositura da ação de divórcio em setembro de 2008); e já depois de dissolvido o casamento por sentença transitada em julgado em maio de 2014.
XXI. Nesta medida, trata-se de uma dívida que não faz parte do património comum, que não integra a comunhão objeto de partilhas no processo de inventário;
XXII. Dívida essa que se reporta ao património próprio de cada um, sem a intervenção do património comum (apesar deste estar na sua base, uma vez que o crédito que agora se reclama de forma subsidiária deriva do uso em exclusivo e consequente privação pelo Requerido do bem comum das Partes), tal como decorre do n.º 1 do artigo 1689.º do Código Civil, combinado com o n.º 2 do artigo 1697.º do mesmo diploma.
XXIII. Tem-se, de facto, entendido, com alguma margem de consenso, que este crédito sempre se justificaria, pois surge já depois de terem cessado as relações patrimoniais entre as Partes e, inclusive, já depois de ter sido decretado o respetivo divórcio, não tendo de ser, necessária e obrigatoriamente, relacionado/reclamado no inventário pós divórcio, considerando que a reclamação de tal crédito ultrapassa as funções desse processo especial e as inerentes operações de partilha.
XXIV. Neste diapasão, densificando o direito de recorrer à ação comum, pronuncia-se a voz autorizada da mais Ilustre Doutrina nesta matéria, com destaque para Alberto dos Reis:
“Vê-se, pois, que o campo de aplicação do processo comum se determina não diretamente, mas por exclusão de partes: depois de nos certificarmos de que para um determinado caso concreto não há na lei processo especial, é que podemos tranquilamente concluir que esse caso entra na órbita do processo comum. Sendo assim, o problema que se põe, a averiguar se deve adotar-se, em certo caso, o processo comum ou processo especial é sempre este: estabelece a lei algum processo especial que seja aplicável ao caso? Se estabelece, é esse o processo que deve empregar-se; se não, cai-se no processo comum”.
XXV. Este tema não é novo e a jurisprudência já sobre ele se pronunciou ex professo, sendo lapidar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/05/2022, no seguinte segmento:
“(…) o n.º 2 do artigo 1689.º e o n.º 1 do artigo 1697.º, ambos do Código Civil, apontam no sentido de que, em relação a uma certa categoria de créditos – mais concretamente aqueles com origem no facto de um dos cônjuges ter satisfeito além do que lhe competia fazer por dívidas das responsabilidades de ambos os cônjuges – o cônjuge pode reclamar, no processo de inventário, o seu crédito contra o outro. Trata-se, no entanto, de uma faculdade. Se a não exercer não fica inibido de exigir o seu cumprimento através dos meios judiciais comuns. E o mesmo se pode dizer em relação aos créditos de um dos cônjuges sobre o outro com uma origem diferente da prevista no n.º 1 do artigo 1697.º do CC, como sucede com o crédito em causa nos presentes autos.” (…).
XXVI. Tertius, não há regra, no Código Civil ou no Código de Processo Civil, que determine que, havendo inventário para partilha dos bens comuns, a compensação pecuniária que a Recorrente exige ao Réu através da ação declarativa deve ser deduzida no processo de inventário, Hoc opus, hic labor est!
XXVII. Crê-se, com efeito, que resposta à questão da propriedade de um processo para o autor fazer valer o seu direito é dada, num primeiro momento, pelo n.º 2 do artigo 546.º do CPC.
XXVIII. Nos termos deste preceito, o processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponde processo especial. (…)
XXX. Isto assente, resulta vítreo que o processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal está previsto no artigo 1133.º do CPC, sendo inequivocamente um processo especial. A sua função é a de partilhar bens comuns do casal (alínea d) do artigo 1082.º do Código Civil) e não a de regular o seu uso.
XXXI. Ademais, resulta, no entanto, do n.º 1 do artigo 1689.º do Código Civil que a partilha dos bens comuns compreende várias operações, sendo uma delas a conferência das dívidas dos cônjuges ao património comum,
XXXII. Note-se, de resto, que estas dívidas são as previstas no n.º 2 do artigo 1697.º do Código Civil, ou seja, as que têm origem, ad nauseam, no facto de terem respondido bens comuns por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges.
XXXIII. Não se olvide que a conferência em questão só terá lugar se tais dívidas forem relacionadas ou reclamadas.
XXXIV. E, assim, havendo inventário para partilha dos bens comuns, se os cônjuges pretenderem que cada um deles confira o que deve ao património comum, o inventário é inequivocamente o processo próprio para os cônjuges reclamarem tais dívidas.
XXXV. Postulado este que rejeitamos, por temerário.
XXXVI. Pois que, a dívida reclamada nos autos não é uma dívida de um dos cônjuges ao património comum, é dívida de um dos cônjuges ao outro (Recorrente).
XXXVII. E dívida cujo facto que lhe deu origem ocorreu já depois da dissolução do casamento, ou seja, já depois de cessadas as relações patrimoniais entre as Partes.
XXXVIII. Trata-se, assim, de uma dívida que, segundo o n.º 1 do artigo 1689.º do Código Civil, conjugado com o n.º 2 do artigo 1697.º do mesmo diploma, não releva para as operações de partilha dos bens comuns.
XXXIX. Deste modo, não relevando para tais operações, só se poderia afirmar que o processo próprio para a reclamar era o inventário se resultasse expressa ou implicitamente da lei que, havendo inventário para partilha dos bens comuns, cada um dos cônjuges só podia reclamar os seus créditos contra o outro no processo de inventário.
XL. Uma vez mais, alega-se ad nauseam, que esta regra não existe, sendo certo que também não existe a regra contrária, ou seja, que os cônjuges não podem reclamar, no processo de inventário, os créditos de cada um sobre o outro.
XLI. Mas não nos equivoquemos: o n.º 2 do artigo 1689.º e o n.º 1 do artigo 1697.º, ambos do Código Civil, apontam no sentido de que, em relação a uma certa categoria de créditos
- mais concretamente aqueles com origem no facto de um dos cônjuges ter satisfeito além do que lhe competia fazer por dívidas das responsabilidades de ambos os cônjuges
- o cônjuge pode reclamar, no processo de inventário, o seu crédito contra o outro.
XLII. Em abono da verdade, trata-se de uma faculdade. Se a não exercer não fica inibido de exigir o seu cumprimento através dos meios judiciais comuns. E o mesmo se pode dizer em relação aos créditos de um dos cônjuges sobre o outro com uma origem diferente da prevista no n.º 1 do artigo 1697.º do CC, como sucede com o crédito em causa nos presentes autos.
XLIII. Cumpre consignar que, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a louvar-se no douto aresto de 03.10.2019 (processo n.º 1517/13.2TJLSB.L1.S2), donde se respiga: “não há regra, no Código Civil ou no Código de Processo Civil, que determine que, havendo inventário para partilha dos bens comuns, a compensação pecuniária que a autora está a exigir ao réu através da presente ação deve ser deduzida no processo de inventário. E, não havendo, a conclusão a retirar é a de que era permitido à autora exigir judicialmente tal compensação através do processo comum de declaração.
XLIV. Resulta, assim, do conúbio das disposições legais e jurisprudência citadas que a ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, é a competente para conhecer da questão ínsita nos autos, não ocorrendo qualquer erro na forma de processo, e, por isso, mal andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria. (…)”.
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D.
Uma vez que a decisão recorrida foi proferida antes da citação do Recorrido, não há contra-alegações de recurso.
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E.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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F.
Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, sem prejuízo da possibilidade da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
No caso vertente, é a seguinte a questão, exclusivamente jurídica, suscitada pelo recurso:
É da competência especializada dos tribunais de família e menores ou, em alternativa, dos tribunais da jurisdição cível, a tramitação da presente acção declarativa, respeitante à regulação do uso e ao arbitramento de compensação pecuniária ao ex-cônjuge impedido pelo outro consorte de usar bem do património comum do ex-casal que se encontra a ser partilhado em processo de inventário judicial intentado na sequência de acção de divórcio?
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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O recurso é exclusivamente de direito e os elementos relevantes para a decisão constam do relatório antecedente.
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B. De direito
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Da competência dos tribunais cíveis e de família e menores.
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Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Juízo Central Cível de Faro – Juiz 1 e, consequentemente, absolveu o réu da presente instância, na acção declarativa em que a Autora pede, se:
A) Regule e fixe o uso do imóvel comum, nos termos expostos no articulado; e
B) Condene o Réu a pagar à Autora a quantia pecuniária de € 115.200,00, acrescida de juros moratórios vincendos desde a data da citação.
De acordo com a versão carreada aos autos pela Autora, o pedido contido na alínea A) reporta-se a um imóvel situado no concelho de Tavira que continua a integrar a comunhão conjugal de A. e R., apesar de ser encontrar pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores – Juiz 8, sob o n.º 6765/20.6T8LSB, processo de inventário que tem por objecto a partilha dos bens comuns do casal, entre os quais aquele prédio se inclui. O pedido da alínea B) tem por base o arrogado direito de compensação da Autora pelo uso não autorizado e exclusivo do mesmo prédio que o Réu vem fazendo desde a separação dos elementos do casal, privando a Autora de beneficiar dos cómodos pelo mesmo proporcionados.
Da fundamentação da decisão recorrida resulta que a Sr.ª Juíza de 1ª instância considerou verificar-se excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, entendendo que por mor da pendência do processo de inventário apenso ao divórcio no Juízo de Família e Menores de Lisboa, onde o imóvel em apreço terá sido relacionado como bem comum a partilhar, será aquele o tribunal competente para tramitar a presente acção.
Com o devido respeito, não nos revemos neste entendimento.
A pretensão formulada na presente acção é distinta do âmbito e dos objectivos do processo de inventário para separação de meações.
Na verdade, se nos presentes autos pretende a Autora regular os termos em que deve processar-se o uso do bem comum pelos consortes até à efectiva partilha e obter uma compensação pecuniária financeira pela exclusão, imposta à Autora pelo Réu, do uso e fruição do bem comum desde a separação dos elementos do casal, já o processo de inventário para separação e meações destina-se a pôr fim à situação de comunhão conjugal decorrente do regime de bens do casamento, repartindo os bens considerados comuns, existentes à data da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges.
Um outro elemento relevante a considerar na questão consiste na distinção entre o momento a que se reporta a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, tido em conta no processo de inventário para apurar o acervo dos bens comuns a partilhar, e o momento a que respeitam os direitos arrogados pela Autora na presente acção, decorrentes do uso feito pelo Réu, consorte dos mesmos bens, posteriormente à separação dos cônjuges.
Os direitos arrogados pela Autora na presente acção constituíram-se em momento posterior à cessação das referidas relações patrimoniais, reportadas à propositura da acção de divórcio ou à separação de facto quando declarada na sentença (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 1789.º do Código Civil).
Rege o n.º 1 do artigo 1689.º do Código Civil que “cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.”
Deste modo, as dívidas que relevam à realização das operações de inventário são as dos cônjuges ao património comum e, de acordo com o disposto no artigo 1697.º do Código Civil, é ainda atendível o crédito de um cônjuge sobre ou outro, na medida em que o primeiro tenha respondido com bens próprios em valor superior ao segundo, na satisfação de dívidas da responsabilidade comum (cfr. n.º 1), assim como ser considerado o crédito do património comum sobre um cônjuge sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade deste tenham respondido os bens comuns (cfr. n.º 2).
Isto significa que nenhum dos pedidos da presente acção contende com o propósito do processo de inventário ou por este se mostra abrangido: a regulação do uso do bem comum porque constitui uma medida de mera administração temporária do bem integrado na comunhão que, por natureza, se extinguirá no momento da concretização da partilha; e a condenação no pagamento de compensação pecuniária por ser expressão de um direito de indemnização próprio da Autora sobre o Réu (e não sobre o património comum, ou deste sobre qualquer dos cônjuges, nem resultante da satisfação de dívidas da responsabilidade comum), constituído após a cessação das relações patrimoniais comuns entre os cônjuges, pelo que irrelevante às operações de partilha dos bens comuns do casal.
Sobre a questão da compensação pecuniária a arbitrar a favor do cônjuge impedido pelo outro de usar o bem comum do casal, na pendência do processo de inventário, pronunciou-se, nos seguintes termos que aqui se transcrevem pelo acerto e clareza da exposição, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.05.2022, relatado pelo então Juiz Desembargador Emídio Santos no processo n.º 4224/19.9T8VIS.C1:
«O processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal está previsto no artigo 1133.º do CPC, sendo inequivocamente um processo especial. A sua função é a de partilhar bens comuns do casal (alínea d) do artigo 1082.º do Código Civil).
Apesar de ser esta a função do inventário resulta, no entanto, do n.º 1 do artigo 1689.º do Código Civil que a partilha dos bens comuns compreende várias operações, sendo uma delas a conferência das dívidas dos cônjuges ao património comum. Precise-se que estas dívidas são as previstas no n.º 2 do artigo 1697.º do Código Civil, ou seja, as que têm origem no facto de terem respondido bens comuns por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges. (…)
Sucede que a dívida que está em causa na presente acção não é uma dívida de um dos cônjuges ao património comum, é dívida de um dos cônjuges ao outro. E dívida cujo facto que lhe deu origem – segundo a alegação da autora – ocorreu já depois da dissolução do casamento, ou seja, já depois de cessadas as relações patrimoniais entre a autora e o réu. Trata-se, assim, de uma dívida que, segundo o n.º 1 do artigo 1689.º do Código Civil, combinado com o n.º 2 do artigo 1697.º do mesmo diploma, não releva para as operações de partilha dos bens comuns.
E não relevando para tais operações, só se poderia afirmar que o processo próprio para a reclamar era o inventário se resultasse expressa ou implicitamente da lei que, havendo inventário para partilha dos bens comuns, cada um dos cônjuges só podia reclamar os seus créditos contra o outro no processo de inventário. Esta regra não existe. É certo que também não existe a regra contrária, ou seja, que os cônjuges não podem reclamar, no processo de inventário, os créditos de cada um sobre o outro.
Mais: o n.º 2 do artigo 1689.º e o n.º 1 do artigo 1697.º, ambos do Código Civil, apontam no sentido de que, em relação a uma certa categoria de créditos – mais concretamente aqueles com origem no facto de um dos cônjuges ter satisfeito além do que lhe competia fazer por dívidas das responsabilidades de ambos os cônjuges – o cônjuge pode reclamar, no processo de inventário, o seu crédito contra o outro. Trata-se, no entanto, de uma faculdade. Se a não exercer não fica inibido de exigir o seu cumprimento através dos meios judiciais comuns. E o mesmo se pode dizer em relação aos créditos de um dos cônjuges sobre o outro com uma origem diferente da prevista no n.º 1 do artigo 1697.º do CC, como sucede com o crédito em causa nos presentes autos (…)» (sublinhados nossos). [1]
Dada a assertividade da exposição precedente, afigura-se incontornável que as partes não estão obrigadas a incluir tais tópicos no processo de inventário pendente na Comarca de Lisboa.
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Aqui chegados, dir-se-á ainda que a tramitação do processo de inventário para separação de meações por apenso ao processo de divórcio que corre termos no Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 8, decorre do regime previsto no n.º 2 do artigo 206.º do CPC, de acordo com o qual, “as causas que por lei ou por despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependam”, o que se verifica na instauração do inventário para partilha dos bens comuns que é desencadeada pelo divórcio, a separação de pessoas e bens ou a anulação do casamento decretados noutro processo judicial.
Como dão conta Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, «para o efeito, há que considerar que a separação da meação dos bens comuns que o inventário visa concretizar é decorrência direta da dissolução do casamento ou dos demais eventos referidos. Por opção legal, tais inventários correm no tribunal do qual emanou a decisão judicial motivadora da divisão do acervo comum do casal. Aliás, sendo aqueles litígios da competência material dos juízos de família e menores, nos termos do artigo 122.º/1, da LOSJ, compreende-se que, para tratar do processo de inventário, se mantenha a competência em razão da matéria». [2]
Sobre qual o âmbito a considerar da competência conferida pelo artigo 122.º, n.º 1, da LOSJ, tenhamos presente o que consta dos seguintes fundamentos do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2025, relatado pela Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, no qual se considerou que carece de fundamento uma interpretação extensiva, a concretizar mediante extensão teleológica, da norma prevista no artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ, que conduza a integrar no âmbito desta norma outras acções declarativas como as respeitantes à determinação dos bens que compõem o património comum do ex-casal:
«Sob a perspectiva da interpretação declarativa, é inegável que a letra da norma em causa (“os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio ...”) restringe a competência dos tribunais de família aos processos de inventário instaurados em consequência de acções matrimoniais, não abarcando, na sua literalidade, acções declarativas, ainda que as pretensões nas mesmas deduzidas pudessem ser apreciadas, por via incidental, no processo de inventário (cfr. artigo 91.º do CPC). Será que a razão de ser da norma postula a sua aplicação a estes casos, que não são directamente abrangidos pela sua letra? Não nos parece.
Com efeito, se é verdade que se poderá verificar uma vantagem, em termos de celeridade e de boa administração da justiça, na concentração, no mesmo tribunal, da competência para a resolução das questões que se prendem com a definição do acervo a partilhar pelo ex-casal, esta vantagem seria neutralizada pelo desvio à especialização que implicaria atribuir a um tribunal de família e menores o julgamento de acções em que se discutirão temas estranhos às matérias relativas ao estado civil das pessoas e família, a menores e filhos maiores, e ao domínio tutelar educativo e de protecção que tipicamente integram a sua competência (cfr. artigos 122.º a 124.º da LOSJ). (…)
Não é, pois, configurável que o legislador, intensamente comprometido com o princípio da especialização, pretendesse estender a competência dos tribunais de família nos termos defendidos pelo tribunal a quo – para além dos processos de inventário que constituem decorrência imediata da dissolução do casamento ou eventos análogos –, justamente para causas que, presumivelmente, apresentarão uma complexidade atípica, não compaginável com a tramitação simplificada e as limitações probatórias inerentes ao processo de inventário. (…)
Sob outra perspectiva, dir-se-á que alargar aos tribunais de família a competência para julgar as mencionadas acções declarativas significaria reconhecer a existência de um critério desigual, que não se nos afigura materialmente fundado, de aferição da competência material quanto a processos incidentes sobre questões prejudiciais aos processos de inventário referidos no artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ, relativamente a processos incidentes sobre questões prejudiciais aos restantes processos de inventário judicial. Também nestes últimos, certamente, se sentiriam as vantagens de ter o mesmo tribunal, já familiarizado com a matéria do processo de inventário, a decidir questões que lhe são prejudiciais – e o legislador não consagrou qualquer competência por conexão fundamentadora de uma excepção às regras gerais que disciplinam a competência em razão da matéria. (…)” (sublinhados nossos). [3]
Ora, as razões apontadas neste acórdão são, com toda a propriedade, transponíveis para as questões suscitadas pelos pedidos e respectivas causas de pedir constantes da presente acção, já que também aqui estamos perante temas estranhos às matérias relativas ao estado civil das pessoas e família, a menores e filhos maiores, e ao domínio tutelar educativo e de protecção típicos da jurisdição e família e menores, e se coloca a questão da desigualdade de tratamento do inventário para separação de meações relativamente aos demais inventários.
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Deste modo, em resultado da precedente exposição conclui-se que nem as questões versadas na presente acção fazem parte do objecto necessário do processo de inventário que corre termos na Comarca de Lisboa, nem devem correr por apenso àqueles autos, carecendo, por tais razões, de fundamento bastante a decisão recorrida que julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta (em razão de matéria), do Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Faro e, consequentemente, absolveu o Réu da instância.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito.
No caso, a Recorrente obteve vencimento no recurso e o Réu não foi sequer citado nos autos, tendo sido por exclusiva iniciativa do tribunal a prolação da decisão recorrida, pelo que não há lugar ao pagamento de custas.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em:
1. Julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida.
2. Não condenar a Recorrente em custas.
Notifique.
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Évora, 27 de Março de 2025
Ricardo Miranda Peixoto (Relator)
Susana Ferrão da Costa Cabral (1ª Adjunta)
Sónia Moura (2ª Adjunta)__________________________________________________
[1] Trata-se do acórdão pertinentemente citado nas alegações da Recorrente, cujo sumário reza: “I – Mesmo estando pendente inventário para partilha dos bens comuns do casal após divórcio, o processo comum de declaração é o meio processual próprio para a autora pedir contra o seu ex-cônjuge uma compensação pecuniária mensal, até à homologação da partilha dos bens comuns, por este a impedir de usar um bem imóvel comum, ocupado exclusivamente pelo mesmo. II – Em tal caso, ainda que a mesma pretensão tenha sido deduzida no âmbito do processo de inventário, este não é o meio processual adequado para o efeito.”
Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/73243e8acbc1d850802588560052e1cd?OpenDocument
[2] In “Código de Processo Civil Anotado”, volume II, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2024, anotação 5 e 6 ao artigo 1133.º, págs. 668 e 669.
[3] Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/28440c22b6b5135680258c15005a414c?OpenDocument