SOCIEDADE ANÓNIMA
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
Sumário

1. Numa sociedade anónima, os accionistas titulares de 76,16% do capital social podem requerer a convocação da assembleia geral e requerer que na ordem do dia de uma assembleia já convocada ou a convocar sejam incluídos determinados assuntos, entre eles, a destituição do fiscal único.
2. Estes accionistas, pretendendo apresentar a proposta de destituição do fiscal único, podem enviar-lhe a carta com essa proposta, ficando assim cumprida a função prevista no artigo 419.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais – informar o fiscal único dos motivos pelos quais é proposta a sua destituição, a fim de exercer o correspondente direito de audição na assembleia.
3. A falta de convocação dos accionistas não os impede de reunir em assembleia geral, se todos nisso estiverem de acordo.
4. Neste caso, o fiscal único, notificado da proposta de destituição, deve estar presente na assembleia geral que aqueles accionistas o informaram que iria decorrer e ali exercer o seu direito de audição, se assim o quiser fazer.
5. Se na causa de pedir formulada na petição inicial não é invocada a questão da invalidade da procuração detida por um dos accionistas, para os fins do artigo 54.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, não pode essa questão ser conhecida, pois sobre a mesma a Ré não teve a oportunidade de apresentar a sua defesa.
6. O articulado de resposta escrita às excepções invocadas na contestação, não tem por função ampliar a causa de pedir.
7. A irregularidade de convocação da assembleia constitui mera invalidade mista, dada a sua possibilidade de sanação, pelo que o prazo de propositura da acção de anulação é de 30 dias, contados da data de encerramento da assembleia.
8. A declaração de nulidade é um instrumento jurídico apto a atingir um determinado fim.
9. No caso da destituição do fiscal único, nomeado a termo certo, o direito que lhe assiste em caso de inexistência de justa causa de destituição é obter a correspondente indemnização, não excedente ao montante das indemnizações que receberia até ao final do período para o qual estava nomeado.
10. Se não formula esse pedido de indemnização, este não lhe pode ser concedido, sob pena de violação do princípio do dispositivo.
11. Na acção proposta pelo fiscal único destituído é a este que incumbe provar, para além da sua qualidade de fiscal único e a sua destituição, a ausência de justa causa.
12. Não definindo o artigo 419.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais o conceito de justa causa, para esse efeito se deve entender toda a circunstância, facto ou situação, que, objectivamente considerada, e à luz da boa fé, torne inexigível à parte afectada a manutenção do vínculo contratual.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Sumário: (…)

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Comércio de Santarém, (…) demandou (…) e Filho, S.A., pedindo a declaração de nulidade da deliberação social da Ré que o destituiu de Fiscal Único e ROC da sociedade.
Alegou que, sendo o fiscal único da sociedade para o triénio de 2018 a 2021, os administradores da Ré comunicaram-lhe a sua intenção de, na assembleia geral de 13.12.2019, propor a sua destituição. Respondeu que a assembleia não tinha sido regularmente convocada, não havia sido respeitada a antecedência legalmente exigida, e apesar disso foi destituído, sem fundamento para tal.
Na contestação, a Ré invocou a incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral voluntário, a ilegitimidade activa do A., a caducidade do direito para instaurar a acção, e alegou existir justa causa para a deliberação adoptada.
No saneador, as excepções de incompetência absoluta e ilegitimidade activa foram julgadas improcedentes.
Após julgamento, a sentença julgou procedente a excepção de caducidade no que respeita ao vício de irregularidade na convocação da assembleia, e no demais julgou a causa totalmente improcedente.

Recorre o Autor da sentença, e apesar da extensão das suas conclusões, coloca as seguintes questões, que assim se identificam (artigo 663.º, nº 2, do Código de Processo Civil):
a) Os factos dados como provados nas alíneas Y), Z), HH), UU), VV), XX), YY), ZZ), AAA), DDD), EEE) e FFF), devem ser dados como não provados;

b) Os factos dados como provados nas alíneas X), BBB), CCC), K) e M) devem ser valorados como não demonstrando a justa causa de destituição;

c) Ser alterada a redacção da alínea BBB) para: “BBB) Na reunião realizada em 25/09/2019, a administração da Ré fez-se acompanhar pelo accionista e trabalhador Sr. Eng. (…), filho dos administradores e director fabril e com funções relacionadas, designadamente com o aprovisionamento de matérias-primas”.

d) Ser alterada a redacção da alínea CCC) para: “CCC) Assim que chegou, o autor, invocando que a ré apenas tinha dois administradores, recusou-se a dar início à reunião na presença do referido trabalhador, solicitando que o mesmo se retirasse, ao que a administração acedeu”.

e) O facto dado como não provado no ponto 1) ser dado como parcialmente provado e, como tal, a alínea G) dos factos provados passar a ter a seguinte redacção: “G) Em 13/12/2019 realizou-se a assembleia geral da ré, com a presença dos accionistas, com excepção da accionista Sra. (…), sem a presença do autor, com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto Primeiro: destituição do Fiscal Único Efectivo da Sociedade. Ponto Segundo: eleição do Fiscal Único Efectivo para o mandato em curso, 2018/2021”;

f) os factos dados como não provados nos pontos 15) a 20) serem valorados como demonstrando que o A. não violou qualquer dever de urbanidade;

g) ser aditado aos factos provados a alínea UUU) com a seguinte redacção: “Não existiu qualquer convocatória emitida pelo órgão competente para a assembleia geral de 13 de Dezembro de 2019”;

h) ser aditado aos factos provados a alínea VVV) com a seguinte redacção: “O Autor/Recorrente não foi convocado para, na qualidade de fiscal único e visado, estar presente na assembleia geral de 13 de Dezembro de 2019, não tendo sido ouvido ou exercido por qualquer forma o seu direito a se pronunciar sobre a proposta para a sua destituição”;

i) ser aditado aos factos provados a alínea WWW) com a seguinte redacção: “O Autor/Recorrente não foi notificado da sua destituição e do teor da Acta da Assembleia Geral de 13 de Dezembro de 2019, apenas tendo tomado conhecimento da sua destituição a 16 de Janeiro de 2020, nos termos referidos em K)”;

j) ser declarada a nulidade da deliberação de destituição do Autor/Recorrente do cargo de fiscal único e ROC da Ré/Recorrida, tomada na Assembleia Geral da Ré/Recorrida de 13 de Dezembro de 2019, e a excepção de caducidade do direito de interposição da acção considerada improcedente;

k) ou ser a deliberação de destituição declarada anulada e, assim, ser a excepção de caducidade do direito de interposição da acção considerada improcedente por não provada;

l) ser considerado que não existe justa causa de destituição do cargo de fiscal único e ROC.


A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Cumpre-nos agora decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Começando pela impugnação fáctica, e reconhecendo, preliminarmente, que estão cumpridos pelo Recorrente os requisitos do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, desde já temos a adiantar que, de acordo com o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nesta Relação de Évora tem sido afirmado que a referida norma não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória, antes exige que o juízo efectuado pela primeira instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova.[1]
Na apreciação da impugnação fáctica, a Relação não deve atender, apenas, aos meios de prova indicados pelo recorrente ou pelo recorrido, pois detém poderes de investigação oficiosa – artigo 640.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil –, devendo apreciar a globalidade da prova produzida, analisando criticamente as provas e retirando as ilações que se mostrarem necessárias, como o determina o artigo 607.º, n.º 4, do mesmo diploma.

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Quanto às alíneas Y) e Z), o Recorrente alega que o acréscimo de pedidos de documentação se ficou a dever à conduta da Ré, que no ano de 2019 não enviou atempadamente os elementos necessários para que procedesse à certificação das contas referentes ao exercício de 2018.
No entanto, não se detecta na sentença recorrida qualquer lapso relevante na apreciação da prova quanto a esta matéria, que imponha decisão diversa a esta Relação, devendo afirmar-se que a prova produzida sustenta a decisão de facto proferida pela primeira instância.
Com efeito, as solicitações repetitivas ao longo do ano de 2019, de forma fragmentada e obrigando a compilar e reenviar documentação já em poder do A., foi confirmado em audiência pelas testemunhas (…), trabalhadora da Ré responsável pela documentação contabilística, (…), trabalhadora com funções de controlo de stocks, (…) e (…), TOC’s da empresa de contabilidade que assiste à Ré, relatando os sucessivos pedidos do Autor de documentação e de informação.
Deste modo, porque a convicção formada pelo tribunal recorrido tem efectivo apoio na prova produzida, decide-se nesta parte julgar improcedente a impugnação.
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Quanto à alínea HH), o email de 13.06.2019 está junto aos autos – documento n.º 4, fs. 33, anexo à contestação e não impugnado – e as restantes comunicações também foram confirmadas pela testemunha (…), que respondeu ao A. quanto aos procedimentos adoptados quanto ao fornecimento de mercadorias solicitada pela empresa mencionada na alínea DD), e ao motivo pelo qual a queixa na polícia ficou registada como “contra incertos”.
Deste modo, também nesta parte a impugnação não procede.
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Quanto às alíneas UU), VV), XX), YY), ZZ) e AAA), o comportamento pouco cordial, os comentários depreciativos em relação à administração da Ré, feitos junto dos seus trabalhadores, o consequente nervosismo dos trabalhadores que tinham de lidar com o Autor, e as altercações com a administração da Ré, com escalada ao longo do ano de 2019, foram confirmadas em audiência pelas trabalhadoras (…) e (…), que tinham o dever de trabalhar com o Autor para lhe prestar as informações que este solicitava, em depoimentos complementados pelo prestado por (…), responsável de produção da Ré e filho dos seus administradores, que assistiu às altercações ocorridas.
Porque nada nos depoimentos nos permite concluir que a decisão deva ser diversa da obtida na sentença recorrida quanto a estes pontos, não se vislumbrando qualquer lapso relevante na apreciação da prova, também nesta parte a impugnação não procede.
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Quanto às alíneas DDD), EEE) e FFF), para além do lapso material existente quanto à menção do email de 25.09.2019 estar referido na alínea Z) – está referido na alínea X) – para além do depoimento de (…), que esteve presente no início da reunião ocorrida em 25.09.2019 (tendo de se retirar por exigência do Autor), porque é director fabril da Ré e filho dos seus administradores, estando assim a par dos assuntos mais relevantes da administração da empresa e sabendo que os seus pais pretendiam cessar por acordo as funções do Autor como fiscal único da empresa, sabendo também que estes se sentiram ofendidos na sua honra e seriedade face à insinuação feita pelo Autor, também a decisão da sentença recorrida tem suficiente apoio no depoimento de (…), administrador da Ré e cujo depoimento foi valorado livremente, confirmando esse comportamento do Autor.
Há, pois, corroboração do depoimento deste administrador da Ré, e nada nos permite afirmar que a sentença recorrida, ao decidir estes pontos da matéria de facto no modo como o fez, incorreu lapso relevante na apreciação da prova, motivo pelo qual se decide julgar também improcedente esta parte da impugnação – sem prejuízo de rectificar o lapso material existente na alínea FFF), onde passará a constar que o email de 25.09.2019 está referido em X).
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Quanto às alíneas BBB) e CCC), para além da retirada da referência à alínea Z) – que parece tratar-se de mero lapso material – o Autor argumenta que não exigiu mas solicitou a retirada do filho dos administradores da Ré e trabalhador desta.
Mas certo é que o A. impôs essa retirada – como referiu a testemunha (…), logo no início da reunião de 25.09.2019 o A. declarou que não prosseguia a reunião enquanto ele não saísse da sala, adoptando uma atitude de imposição da retirada do filho dos administradores, assim os obrigando a aceder à sua vontade.
Motivo pelo qual se decide julgar também improcedente esta parte da impugnação – sem prejuízo de rectificar o lapso material existente na alínea BBB), onde se eliminará a referência à alínea Z).
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Quanto à alínea G) dos factos provados e ao ponto 1) dos não provados, o Autor argumenta que não estiveram presentes todos os accionistas, pois a accionista (…) não esteve presente mas apenas representada pelo seu filho, o também accionista (…), argumentando que a procuração que este detinha não era válida para a representar naquela assembleia, face ao disposto no artigo 54.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais.
No entanto, trata-se de matéria de facto não alegada na petição inicial – a insuficiência da procuração para representar a accionista naquela assembleia – e de todo o modo a presidente da assembleia, a testemunha (…) considerou que todos os accionistas estavam presentes e devidamente representada a totalidade do capital social, como consta da respectiva acta.
Note-se ainda que a arguição do Autor parte de uma premissa não alegada e não demonstrada – que a accionista (…) não foi regularmente convocada para a assembleia. A esse respeito, nada está alegado nem provado, pelo que não se pode partir do pressuposto que, quanto à mesma, o accionista (…) não podia utilizar a procuração que detinha.
Como tal, também nesta parte improcede a impugnação fáctica.
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Quanto ao aditamento de novos factos, numerados como UUU), VVV) e WWW), pretende o recorrente que se adite ao elenco de factos provados que não existiu qualquer convocatória para a assembleia geral de 13.12.2019, que ele não foi convocado, e que não foi notificado da sua destituição e do teor da acta daquela assembleia, apenas tendo tomado conhecimento da sua destituição em 16.01.2020.
Quanto à inexistência de qualquer convocatória – proposta alínea UUU) –, é preciso recordar que na petição inicial apenas está alegado que o Autor “não foi convocado para a assembleia geral pela respectiva presidente” – art. 11.º daquela peça processual. Quanto à falta de convocação dos accionistas da sociedade, nada está alegado e certo é que nenhum dos accionistas invocou a sua falta de convocação, sendo que apenas a eles incumbia deliberar acerca da proposta de destituição do fiscal único efectivo da sociedade e eleger outro em sua substituição.
Se este facto desde logo implica que não se possa dar como provada a inexistência de qualquer convocatória dos accionistas da sociedade, também há a dizer que os termos como o A. foi informado do agendamento de uma assembleia geral para o dia 13.12.2019 já constam das alíneas D) e E) dos factos provados, sendo assim redundante a proposta alínea VVV).
De igual modo, o modo como o Autor foi informado das deliberações tomadas na assembleia de 13.12.2019 já constam das alíneas K), L) e M), mostrando-se também redundante a proposta alínea WWW).
Em consequência, também nesta parte a impugnação não procede.
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Em resumo, decide-se:
· rectificar o lapso material existente na alínea FFF) dos factos provados onde passará a constar que o email de 25.09.2019 está referido em X);
· rectificar o lapso material existente na alínea BBB) dos factos provados, onde se eliminará a referência à alínea Z);
· no demais, julgar improcedente a impugnação fáctica.

A matéria de facto provada fica assim estabelecida:
A) A ré foi constituída em 1989 e tem por objecto a “fabricação de alimentos para animais de criação (excepto para aquicultura) e transformação de cereais e leguminosas; comércio por grosso e a retalho de produtos para a agro-pecuária e agro-alimentar, rações, adubos, palhas, cereais, farinhas e batata. Acessoriamente, a Sociedade desenvolve ainda actividades relacionadas com a agricultura, produção animal e serviços conexos, designadamente a cerealicultura (excepto arroz), cultura de leguminosas secas sementes oleaginosas, criação de ovinos, caprinos e bovinos (excepto para produção de leite). Actividades relacionadas com a compra e venda, por grosso e a retalho e supermercados e hipermercados”, cfr. doc. junto sob o n.º 3 com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) Autor e ré celebraram um contrato de prestação de serviços de revisor oficial de contas em 28/06/1997, o qual foi sucessivamente renovado até à sua destituição.
C) O autor foi nomeado fiscal único da ré para o mandato de 2018 a 2021 por deliberação de 30/05/2018.
D) Por carta datada de 29/11/2019, os administradores da ré (…) e (…) comunicaram ao autor a sua intenção de apresentar, na assembleia geral agendada para o dia 13/12/2019, proposta para a sua destituição do cargo de fiscal único da sociedade, alegando que:
(…) Nos termos do artigo 413.º e do artigo 446.º do Código das Sociedades Comerciais, V. Exa. foi designado para o exercício do cargo de Fiscal Único da (…), tendo iniciado as suas funções em 1998. No decorrer destas duas décadas, a relação profissional de V. Exa. com a (…), designadamente com a sua administração, pautou-se por uma cooperação saudável, de exigente mas cordial relacionamento, tendo por base o respeito, honestidade, transparência e zelo no cumprimento das obrigações legais aplicáveis, nunca tendo sido registados quaisquer incidentes.
Sucede que, nos últimos dois anos, V. Exa., tem vindo reiteradamente a desrespeitar as obrigações legais e estatutárias a que se encontra adstrito, o que, de acordo com o juízo da administração e também dos accionistas proponentes, resultou no deficiente exercício da fiscalização e consequente impossibilidade de manutenção de V. Exa. como titular do órgão de fiscalização da (…).
(…)
Ora, o trabalho desenvolvido por V. Exa. tem decorrido de forma lenta e atribulada devido às inúmeras solicitações de informação dirigidas de forma pouco clara e fragmentada, levando a um esforço desproporcionado e injustificado do conselho de administração.
Na sequência dos sucessivos pedidos de informação formulados por V. Exa., a (…) viu-se obrigada a afectar os seus serviços administrativos à recolha e ao tratamento de informação (aproximadamente uma centena de pedidos entre Maio e Julho de 2019) para o exercício da fiscalização da sociedade, originando a impossibilidade deste sector exercer cabalmente as suas funções de que a actividade social depende. A afectação do pessoal a tais tarefas, evidentemente teve impacto da produtividade da empresa.
A emissão da Certificação Legal de Contas de 2018 foi deliberadamente protelada relativamente àquele que era desde o início o objectivo de eficiência da empresa, conhecido por V. Exa. Sem que nada o justificasse. Para tal atraso V. Exa. fez-se valer de pretensas faltas de informação que, bem sabia, tratarem-se de insignificâncias. Só a entrega da IES por iniciativa da administração, aliás contra a vontade de V. Exa., desencadeou a emissão da dita Certificação.
A Certificação Legal de Contas referente ao ano de exercício de 2018 foi emitida com reservas. V. Exa. conhecia as situações em causa, não obstante, solicitou mais explicações, que lhe foram integralmente dadas, não tendo sido capaz de manter uma posição coerente relativamente às mesmas, e, a final, acabou por ignorar totalmente as suas próprias recomendações. As ditas reservas foram ali inseridas com o objectivo de afirmação de poder e reacção à entrega (atempada) da IES e, bem assim, à insatisfação que vinha sendo demonstrada pela administração face à conduta que V. Exa. passou a adoptar sempre que visitava as instalações da (…).
As reservas em causa são, na opinião da administração, infundadas. Independentemente de o serem ou não, importa que as mesmas resultam, não de uma análise objectiva e profissional, mas da postura de arrogância que V. Exa. passou a adoptar, constituindo assim uma inobservância ao dever de imparcialidade que lhe incumbe nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 422.º do CSC.
Tal conduta viola os princípios da integridade, objectividade e competência profissional presentes no Código de Ética da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas a que V. Exa. está obrigado.
A postura de V. Exa. relativamente à (…) é evidenciada, não apenas na forma como, por escrito, se dirige à administração, mas sobretudo na atitude de V. Exa. aquando das deslocações às instalações da empresa. Afronta a administração, dá instruções directas aos trabalhadores de direcção, tece comentários àqueles trabalhadores quanto ao demérito das decisões da administração.
A postura de V. Exa. de cada vez que se dirige às instalações da (…), lança em todos quantos com V. Exa. contactam o medo, face à arrogância e atitude afrontosa evidenciada.
Claramente V. Exa. extravasa as competências inerentes ao cargo e procura insistentemente interferir na tomada de decisões, comportamento este que lhe está vedado pelo preceituado no n.º 1 do artigo 71.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
Exemplo de tal extravasar deliberado de competências é igualmente a reunião ocorrida em 25 de Setembro 2019, onde participavam os administradores da (…) e o seu trabalhador (…), que V. Exa. bem conhece. Por mero capricho e sem que nada o justificasse, V. Exa. recusou-se a ter a dita reunião com a presença do referido trabalhador. Muitas outras reuniões anteriores houve com aqueles participantes - não era uma reunião de órgãos sociais. Mas nesta, por puro autoritarismo e arrogância, V. Exa. decidiu que assim não seria, furtando-se do cumprimento da obrigação que lhe é imposta pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 422.º do CSC.
Adicionalmente, V. Exa. incorreu no incumprimento de outros deveres, de que são exemplos: (i) assistir à assembleia geral de prestação de contas (422°, n.º 1, alínea a), do CSC); (ii) fiscalizar a eficácia do sistema de gestão de riscos, do sistema de controlo interno e do sistema de auditoria interna (artigo 420.0, n.0 1, alínea i) do CSC); (iii) obtenção de prova de auditoria suficiente e apropriada respeitante à existência e condição dos inventários através de assistência à contagem física dos inventários, inviabilizando o cumprimento do dever que lhe é aplicável por força do disposto na Norma Internacional de Auditoria (ISA 500) - Prova de Auditoria.
Face ao exposto, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 419.º do CSC, informamos V. Exa. de que os signatários irão propor a destituição com justa causa de V. Exa, do cargo de Fiscal Único, por adequada e proporcional à respectiva culpabilidade e gravidade, com efeitos a contar da data da assembleia geral agendada para o dia 13 de Dezembro de 2019, pelas 10:00h, na sede da sociedade sita na Zona Industrial de (…), Lote (…).
Todos estes factos descritos reflectem um fiscal único sem lealdade e sem consideração pelos interesses da sociedade, quando no exercício das suas funções de fiscalização, em discordância com o teor do disposto do artigo 64.º do CSC.
Após várias tentativas de conciliação por parte da (…) com vista ao entendimento entre as partes, consideram os signatários que os factos descritos consubstanciam uma violação reiterada dos deveres legais e estatutários que impendem sobre V. Exa., traduzindo-se na impossibilidade de manutenção da relação de confiança e colaboração que o exercício do cargo de V. Exa. implica e que paulatinamente se vem degradando. Ademais, tais condutas comportaram prejuízos e ofenderam o bom nome da sociedade, quer junto dos seus parceiros de negócios, quer junto dos seus trabalhadores. A gravidade da conduta torna incomportável o prosseguimento da relação segundo os ditames da boa-fé.
Nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 419.º do CSC, V. Exa. poderá, até à data da assembleia geral (13 de Dezembro de 2019, pelas 10:00h) responder, querendo, à presente missiva, podendo juntar os documentos que considere pertinentes
Mais tem V. Exa. o direito de ser ouvido, se assim o entender, na dita assembleia geral, conforme previsto legalmente.
Será dado conhecimento do teor da presente notificação à Sra. Presidente da Mesa da Assembleia Geral, considerando-se, para todos os efeitos, dado conhecimento da mesma à sociedade, na pessoa dos signatários.”, cfr. doc. 3 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) A carta referida em D) foi expedida a 02/12/2019 e recepcionada pelo autor em 06/12/2019.
F) Nessa sequência, em 11/12/2019 o autor comunicou à Presidente da mesa da assembleia geral da sociedade, com conhecimento ao Conselho de Administração, que “não existindo qualquer convocatória expedida por V. Exa. nem comunicação oficial de tal assembleia, que a ter por objecto qualquer medida de destituição obriga à minha intervenção, considero ilegal qualquer acto que à revelia seja decidida.
Com efeito é manifesto que a referida pretensão dos accionistas é infundada e ilegal e visa coarctar os deveres de isenção e imparcialidade a que estão adstrito, pondo em causa os interesses da sociedade.
Aliás, o curto espaço de alguns dias e a existência de outras obrigações impedem-me de estar presente no dia indicado pelos Srs. Accionistas.
Esperando de V. Exa., único órgão que prima facie tem legitimidade para a convicção, as clarificações pertinentes (…)”, cfr. doc. junto sob o n.º 4 com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) Em 13/12/2019 realizou-se a assembleia geral da ré, com a presença da totalidade dos accionistas, sem a presença do autor, com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto Primeiro: destituição do Fiscal Único Efectivo da Sociedade. Ponto Segundo: eleição do Fiscal Único Efectivo para o mandato em curso, 2018/2021.”
H) Consta da Acta n.º 47 da referida assembleia geral que “Entrando-se na discussão do ponto primeiro da ordem de trabalhos, os accionistas (…) e (…) solicitaram que fosse transcrito para o livro de actas da Assembleia Geral o teor da notificação por si remetida ao Fiscal Único Efectivo da Sociedade, Dr. (…), por carta datada de 29 de Novembro de 2019, a qual terá sido recebida no dia 4 de Dezembro de 2019.
Antes de prosseguir com a leitura da mencionada notificação a Sra. Presidente da Mesa informou os presentes de que lhe havia sido dado conhecimento da mesma pelos accionistas signatários.
Passou-se então à leitura da notificação em causa:
(…)
Terminada a leitura da notificação, a Sra. Presidente da Mesa da Assembleia Geral informou os presentes do e-mail que lhe foi dirigido pelo Sr. Fiscal Único, recebido no dia 11 de Dezembro de 2019, com o seguinte teor:
(…)
Dada a palavra aos accionistas (…) e (…) para se pronunciarem sobre as objecções apresentadas pelo Fiscal Único, reafirmaram os mesmos a intenção de apresentação da sua proposta.
Tomou então a palavra a Sra. Presidente da Mesa, fazendo referência ao disposto no artigo 419.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, nos termos do qual antes de ser tomada a deliberação, as pessoas visadas devem ser ouvidas na assembleia sobre os factos que lhe são imputados. No seu entendimento o Sr. Fiscal Único foi informado com uma antecedência razoável sobre os factos que lhe eram imputados, tendo tido a oportunidade para se pronunciar sobre tais factos. Ainda de acordo com a Sra. Presidente da Mesa, o objectivo da referida disposição legal é o de acautelar o direito ao contraditório por parte do visado pela decisão. Tal direito de audição poderá ser exercido por escrito antes da assembleia ou, seguindo literalmente o disposto na norma legal, no decurso da própria reunião, antes da tomada de decisão.
O Sr. Fiscal Único, após notificação dos factos que lhe eram imputados, respondeu qualificando os factos alegados como manifestamente infundados e insusceptíveis de fundamentar a destituição, entre outras considerações. Procedeu, portanto, a uma análise crítica de tais factos e pronunciou-se sobre os mesmos. Entre a data de recepção da notificação em causa (4 de Dezembro de 2019) e a data da reunião teve a possibilidade de efectuar uma pronuncia especificada aos factos ou, como previsto na lei, a possibilidade de comparecer na assembleia para se fazer ouvir pelos accionistas.
Prosseguiu a Sra. Presidente da Mesa indicando que a questão levantada pelo Sr. Fiscal Único relativa à inexistência de convocatória ou outra comunicação “oficial” não tem, salvo melhor opinião, aplicação ao seu caso, porquanto o artigo em questão não prevê a necessidade de convocatória da assembleia, nem tão pouco prevê qualquer prazo mínimo para que o mesmo seja inteirado das razões que fundamentam a proposta de destituição. Cumpre, portanto, verificar se foi ou não garantido o direito ao contraditório, o que sucede neste caso concreto.
Como tal, decidiu a Sra. Presidente da Mesa admitir a proposta apresentada pelos accionistas (…) e (…).
Dada a palavra aos referidos accionistas, propuseram os mesmos que fosse deliberada, com efeitos imediatos, a destituição com justa causa do Fiscal Único da Sociedade, Dr. (…), com os fundamentos invocados na notificação remetida ao mesmo, cujo teor foi lido e será transcrito para o livro de actas da Assembleia Geral.
Uma vez que ninguém mais pretendeu usar da palavra, foi a proposta colocada à votação, tendo sido aprovada por unanimidade. (…)”, cfr. doc. junto sob o n.º 1 com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
I) Por documento de 04/12/2019, o autor comunicou à ré que “As 2 reservas de 2018 ainda não foram resolvidas em 2019, pelo que ainda permanecem em 2019:
a. Imparidades para Clientes € 125.555,00
b. Inventários adulterados € 133.294,00
c. Cobrança duvidosa da relacionada (…) e (…), SL Espanha € 150.844,00
SOMA € 409.693,00
d. No exercício de 2019 terão que ser feitos os ajustamentos relativos às saídas dos materiais para a produção a preços inferiores aos do preço de cada artigo, o que gerou custos de produção inferiores aos reais e daí e consequentemente melhorou indevidamente a margem bruta de actividade, logo reduzindo por esta via os custos reais e daí a Entidade pelas contas analisadas reportadas a 30/09/2019 já ter entrado na zona de lucros antes de impostos.
e. Uma outra situação a analisar é o desenvolvimento dos processos judiciais e extrajudiciais contra clientes, suas cobranças e eventuais incobráveis, para além de outras situações, só verificáveis com trabalhos de campo.
As 4 situações acima são garantidas e a 5 será a apurar em revisão de contas.
Só por esta realidade e nada mais, tentam ilegalmente afastar o Fiscal Único pois os valores em causa são substanciais e por não estarem reflectivos nas Contas a autonomia financeira só aparentemente é da ordem dos 18%, mas a final com as Reservas ou com introdução dos ajustamentos nas contas reduzirá a autonomia financeira para entre 12% a 15%, podendo colocar em risco os financiadores da Entidade quer sejam instituições Bancárias, Fornecedores, Estado, Segurança Social e também os postos de trabalho e o princípio da continuidade, por insuficiência de capitais próprios versus capitais alheios. (…)”, cfr. doc. junto sob o n.º 7 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
J) Por carta remetida em 02/01/2020, recepcionada em 03/01/2020, invocando para tanto o disposto no art.420.º-A do Código das Sociedades Comerciais, o autor solicitou ao Presidente do Conselho de Administração da ré que se pronunciasse no prazo limite de 30 dias para os factos mencionados no doc. junto sob o n.º 6 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, por entender que os mesmos revelavam graves dificuldades na prossecução do objecto da sociedade, e que eram os seguintes: “1. Dívida do ex-cliente (…) e Herdeiros, Lda., no montante de Euros 125.500,00 e dos respectivos juros, como consta a Reserva na Certificação Legal de Contas de 2018;
2. Montante de Euros 133.294,00 acrescidos nos inventários de 2018 e não integrados na Contabilidade nem divulgados no Anexo, como consta a Reserva Certificação Legal de Contas de 2018;
3. Dívida da relacionada (…) e Filho, SL em Espanha no montante de Euros 150.844,00 reportados às contas de 30 de Setembro de 2019, bem como dos respectivos juros e sem qualquer amortização.
4. As situações acima descritas têm um impacto nas Contas de Euros 409.693,00;
5. No exercício de 2019 e pelo sistema informático de stocks as saídas estão a ser processadas a preços inferiores aos preços médios dos diversos artigos de stocks, daí gerando custos de materiais vendidos e consumidos inferiores com a indevida melhoria da margem bruta de actividade, resultando a final em resultados operacionais superiores ao devido, como consta na Certificação Legal de Contas de 2018, com os montantes a apurar do exercício de 2019.
6. Pelo que os capitais próprios à data de 30/09/2019 apresentados nas Contas ainda não se encontram ajustados e terão um impacto na redução da autonomia financeira, situações que podem razoavelmente esperar que influenciem decisões económicas dos utilizadores tomadas com base naquelas demonstrações financeiras”.
K) Em 16/01/2020, a administração da ré comunicou ao autor que “Como é do perfeito conhecimento de V. Exa., em assembleia geral de 13 de Dezembro de 2019, V. Exa. foi destituído das funções de Fiscal Único Efectivo da (…) e Filho, SA, como poderá constatar na certidão permanente da DCF.”, cfr. doc. junto sob o n.º 5 com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
L) O autor respondeu à comunicação mencionada em K) nos termos que constam do doc. junto sob o n.º 5 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
M) Para além do referido em K), nem a Presidente da Assembleia Geral nem qualquer outro órgão ou pessoa da sociedade comunicaram ao autor que o mesmo havia sido destituído por deliberação da assembleia geral de 13/12/2019.
N) Resulta das contas aprovadas pelo Conselho de Administração em 2018 que a ré apresentou um lucro de € 7.875,54.
O) Na iminência de não cumprir com o prazo legal de submissão da IES, em assembleia geral realizada em 17/07/2019, foi deliberado, por unanimidade, a aprovação do relatório e contas de exercício do 2018, constando da referida acta que “O Presidente do Conselho de Administração (…) esclareceu todos os accionistas que até ao momento ainda não tinham sido recepcionados pela Administração a Certificação Legal das Contas e o Relatório e Parecer do Fiscal Único, documentos estes a emitir pelo Revisor Oficial de Contas da Sociedade, situação esta que explicou ser completamente anómala e estranha, pois o conjunto completo de demonstrações financeiras do exercício de 2018 já foi disponibilizado ao Revisor Oficial de Contas, tendo em vista a sua análise e emissão da correspondente Certificação Legal das Contas (CLC) e bem assim do relatório e parecer do fiscal único (RPFU). Para além disso, e com referência à revisão/auditoria do exercício de 2018, o Revisor Oficial de Contas continua sistematicamente e em catadupa a solicitar, praticamente todos os dias, o envio de novos elementos, esclarecimentos, informações e documentos, o que de todo não se compreende, pois o mesmo já exerce as suas funções para a nossa Sociedade há mais de 20 anos, sendo absolutamente conhecer da postura de lealdade e honestidade da nossa empresa, e para mais sabendo também que necessitamos dos seus relatórios referentes à conclusão dos trabalhos de revisão/auditoria para entrega a bancos e outros parceiros de negócio, logo a sua não entrega até à presente data (dia 17 de Julho de 2019, prazo limite para entrega à AT da Declaração IES de 2018), poderá prejudicar-nos gravemente. Deste modo, tendo em conta todos os esclarecimentos prestados pelo Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Administração, os quais foram perfeitamente assimilados e até aplaudidos por todos os accionistas da Sociedade, e após analisados e discutidos os documentos de prestação de contas supra referidos, procedeu-se à votação, sendo o Ponto Um da Ordem de Trabalhos aprovado por unanimidade, e sem qualquer reserva ou limitação, tendo em vista enviar hoje mesmo à AT a IES do exercício de 2018, para efeitos de cumprimento do prazo legal, pois todos os accionistas entendem que devem ser preservados e acautelados os superiores interesses da nossa Empresa (…).”, cfr. doc. junto sob o n.º 6 com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
P) Na mesma assembleia geral, procedeu-se à apreciação geral da fiscalização da Ré durante o exercício de 2018, a qual foi “repudiada e não mereceu a aprovação dos accionistas, situação esta que aconteceu pela primeira vez na história da nossa Empresa, configurando até um comportamento agressivo e desapropriado do ROC nas relações estabelecidas com a nossa Administração, com maior incidência durante todo o primeiro semestre do ano de 2019 e até à presente data.”
Q) Em 17/07/2019 a autora procedeu à entrega da IES.
R) E mediante o Dep. (…), de 12/08/2019 foi efectuado junto da Conservatória do Registo Comercial o registo da prestação de contas do ano de 2018, sem certificação legal de contas.
S) Em 25/07/2019 a ré emitiu, a pedido do autor, a Declaração do Órgão de Gestão nos termos que constam do doc. junto sob o n.º 13 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
T) Em 25/07/2019 o autor emitiu a certificação legal de contas do ano de 2018 e o relatório e parecer do fiscal único, sendo a primeira com as seguintes reservas:
1. Não foram relevadas perdas por imparidades em Clientes de Cobrança Duvidosa no montante de Euros 125.555,00, ficando sobrevalorizado o Activo por não terem sido aquelas aumentadas pelas dívidas a não receber e em igual montante:
2. Foram alterados os custos de conversão para alguns artigos de Inventários relacionados com as unidades de produção, só revelados no Programa Informático de stocks sem ligação directa à Contabilidade, sem suporte documental e omissão dos critérios de imputação, sem divulgação no Anexo às Contas, no montante total de Euros 133.294,00, que levou a uma sobrevalorização do activo e redução do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas no mês de Dezembro de 2018 em igual montante.
Acontece que alguns dos mesmos artigos valorizados em 2018, já no decorrer de 2019 reflectem preços médios inferiores aos preços antes das valorizações de 2018, pelo que a manter-se irá provocar distorções materiais nas Demonstrações Financeiras de 2019”, cfr. doc. junto sob o n.º 11 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
U) Em 15/11/2019, a administração da ré procedeu à entrega de declaração de substituição da IES referente ao exercício de 2018, incluindo a referência à certificação legal das contas e às reservas formuladas pelo autor.
V) Mediante o Dep. (…), de 15/11/2019, foi registada na Conservatória do Registo Comercial a actualização da prestação de contas do ano de 2018, com emissão de certificação legal de contas, sendo o parecer de revisão: Com reservas.
W) O relatório e contas do ano de 2018 foram enviados pela ré ao autor por carta registada de 04/07/2019 recepcionada em 09/07/2019, cfr. doc. junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
X) Entre Janeiro de 2019 e 25 de Julho de 2019, para além do mais, autor e sociedade trocaram a correspondência constante do doc. n.º 11 junto com a petição inicial e doc. n.º 4 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, entre a qual:
- email datado de 25/07/2019 remetido pelo autor à ré com o seguinte teor: “Sei bem que a valorização de 133.000,00 está aumentada no inventário, óbvio.
Só que foi erradamente integrado, pois como o foi fez reduzir indevidamente os consumos inerentes às vendas de Dezembro de 2018, melhorando a margem do mês e indirectamente do ano.
Ora, o novo método de aumentos dos custos de transformação gera um proveito directo e tem que ficar espelhado nas contas próprias para tal efeito e não o foi.
Qualquer mediano Contabilista sabe como se faz e se não o fizeram assim é porque não o queriam mesmo.
Pelo que seria aconselhado o Dr. (…) ou a sua equipa lerem a reserva 2 que consta na DOG que é muito clara, só evidências.”
- email datado de 25/07/2019 enviado pelo autor à ré com o seguinte teor “(…)
Esclareço que o lançamento da valorização de stocks deveriam ter sido correctamente integrados na contabilidade segundo o SNC, pelo que haveria que corrigir as contas em conformidade e ainda a sua divulgação no Anexo.
Acta de aprovação das Contas já emitida, com excelente louvor ao trabalho desenvolvido pelo ROC e às suas qualidades humanas e profissionais até já foi entregue IES, pelo que perante estas contingências em que deliberadamente optaram, julgo que o caminho dificilmente será reversível.
Esclareço que as Deliberações sem a certificação legal de contas e também o relatório e parecer do Fiscal único padecem de nulidade, pelo que outra Assembleia Geral terá que ser realizada e tudo o mais. (…)”
- email datado de 18/09/2019 em que a ré solicitou, com a máxima urgência a presença do autor nas instalações da ré com vista a clarificar alguns pontos, e informando que até à data da reunião não seriam enviados mais elementos;
- email do autor datado de 25/09/2019 remetido ao Conselho de Administração da ré com o seguinte teor: “(…) No seguimento do pedido de reunião por V. Exas para hoje pelas 9 horas na sede social compareci e foi dado início à mesma sem a presença de Accionista não membro do Conselho de Administração e a meu pedido.
Iniciada a reunião (…) foi-me proposta rescindir amigavelmente o Contrato ROC com a proposta de compensação monetária a acordar, tendo ficado completamente perplexo com a proposta.
Porque poderia ser entendida ou julgada que o signatário ROC teria deliberadamente emitido a Certificação Legal de Contas de 2018 com Reservas em ordem a obter uma vantagem na eventual compensação monetária, o que obviamente não foi o caso, pelo que de imediato liminarmente recusei na sua plenitude e sem mais. Entendo que o dinheiro não compra a minha dignidade e honra pessoal e profissional, pois a contrapartida seria uma contrapartida por trabalhos não prestados. (…);
Y) Nos últimos dois anos de exercício do respectivo cargo e em particular no ano de 2019, o autor dirigiu várias solicitações à ré de forma fragmentada, pouco clara e repetitiva.
Z) Face ao referido em Y), a ré viu-se obrigada a compilar e reenviar informação e documentação que o autor já anteriormente tinha em seu poder, obrigando a um esforço acrescido de resposta por parte daquela.
AA) Em 3 de Abril de 2019, incendiou-se enquanto em funcionamento, nas instalações da Ré, uma máquina de movimentação de carga (Telescópica Bobcat TL 740 III B).
BB) A Ré participou o sinistro em causa à seguradora Ageas Seguros, a 4 de Abril de 2019, e enviou orçamento de reparação, a 29 de Maio de 2019.
CC) Não obstante o referido em BB), o Autor endereçou à ré sucessivos pedidos de esclarecimento a respeito da máquina incendiada, respectivo contrato de locação financeira, etc., cfr. doc. junto sob o n.º4 com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
DD) Em 2018 a ré recebeu contactos de pessoa que se identificou como sendo responsável da empresa (…), S.A., sediada na Madeira, com pedido de carga para um ou dois camiões.
EE) Pelo que a Ré efectuou seguro de crédito e o fornecimento solicitado, tendo depois apurado que o destino da carga havia sido alterado e percebido que se tratava de “burla” quando uma das facturas foi devolvida.
FF) Na sequência do mencionado em DD) e EE), a administração da Ré apresentou queixa contra incertos na Polícia Judiciária.
GG) …E procedeu à regularização dos inventários, por contrapartida da rubrica de perdas em inventários “sinistros”, pelo montante total do custo das mercadorias envolvidas nos fornecimentos em causa (€ 14.040,00).
HH) Apesar de ter sido disponibilizada ao autor a informação e documentação relevante, incluindo facturas e nota de crédito, cartas, relatórios de risco, participação à Polícia Judiciária, durante o ano de 2019, o Autor efectuou também sucessivas exigências a respeito deste assunto, designadamente que fosse apresentada participação por furto à companhia de seguros e que a ré accionasse o transportador, e alegando por email de 13/06/2019 não entender “porque foi apresentada queixa na Polícia Judiciária contra incertos quando à partida e sem mais temos pelo menos uma entidade responsável e parece que ainda não foram pedidas responsabilidades, situação que a persistir me obrigará a não me conformar com esta estranha situação”, cfr. doc. junto sob o n.º 4 com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
II) O autor acompanhou a fiscalização e certificação de contas do ano de 2018, quer nas visitas que realizou, quer nos pareceres emitidos, teve acesso a documentação, informação e às pessoas da sociedade junto das quais considerou necessário obter informações e ainda ao contabilista certificado da ré, que respondeu às questões que lhe foram colocadas.
JJ) Em 9 de Julho de 2019, realizou-se uma reunião entre a administração da Ré, o Autor e o contabilista certificado, em que foi feito um ponto de situação quanto ao fecho contabilístico do ano.
KK) Nessa reunião, o autor manifestou, pela primeira vez, que não estava de acordo com o critério utilizado na classificação do imobilizado, pretendendo que tal classificação fosse alterada.
LL) O referido em KK) implicaria a alteração de lançamentos contabilísticos da ré de 2018.
MM) A primeira reserva formulada pelo autor na Certificação de Contas de 2018 reporta-se a um único cliente, (…) e Herdeiros, Lda., sociedade que já não labora e cuja dívida remonta a Novembro de 2001, data do último fornecimento e factura.
NN) Desde então, os valores em aberto correspondem ao débito de encargos financeiros, designadamente despesas com letras.
OO) Tendo o cliente em causa efectuado, a título pessoal, um reconhecimento de dívida, ao abrigo do qual tem efectuado diversos pagamentos.
PP) Não obstante o referido em MM) a OO), nas certificações legais de contas dos anos anteriores, o autor não efectuou qualquer reserva por imparidade.
QQ) E só no último ano é que o autor começou a insistir junto da ré para que accionasse judicialmente o cliente.
RR) Relativamente à segunda reserva, a alteração aos custos de conversão a que o autor se refere é proveniente da incorporação dos custos de processos intermédios afectos a algumas matérias-primas, após entrada em armazém, tais como a limpeza de grãos, secagem/desidratação de grãos e forragens e armazenagem.
SS) E através da análise do balanço, demonstração de resultados e inventários, é possível verificar que o valor da rubrica inventários do balanço é igual ao valor das listagens dos inventários emitidos pelos programas informáticos de gestão de stocks.
TT) Desde a sua constituição e até à certificação legal de contas de 2018 nunca havia sido aposta qualquer reserva às suas contas.
UU) A partir do ano de 2019 quando o autor se deslocava às instalações da ré mostrava-se exaltado, não dando tempo aos interlocutores para responder às questões que efectuava, falando por cima das respostas daqueles e fazendo novas perguntas.
VV) …E de forma arrogante e pouco cordial, tecia comentários sobre a administração da ré junto dos seus trabalhadores e da própria administração, ora afirmava que a ré tinha trabalhadores a mais, ora afirmava que a ré tinha trabalhadores a menos, fazendo ainda críticas ao sistema informático e aos procedimentos de contabilidade da ré, que qualificava de inadequados, afirmando ainda que os contabilistas da ré eram incompetentes.
WW) A Ré é acompanhada contabilística e fiscalmente pela Direcção de Finanças de Santarém, sem qualquer reparo até à data, e tem o seu sistema informático devidamente certificado.
XX) Em consequência dos comportamentos do autor, aqueles que com ele contactavam com o Autor passaram a sentir nervosismo e receio.
YY) O Autor dirigia-se aos interlocutores num tom inquiridor e com desconfiança, voltando a repetir questões depois de lhe serem dadas as respectivas explicações e exibido o respectivo suporte documental.
ZZ) Frequentemente, o Autor interrompia ou demonstrava de forma explícita que estava a ignorar o que os seus interlocutores lhe diziam.
AAA) Nessa sequência passaram a existir algumas altercações entre a administração da ré e o autor, que provocaram um clima de animosidade entre ambos.
BBB) Na reunião realizada em 25/09/2019, a administração da Ré fez-se acompanhar pelo accionista e trabalhador Sr. Eng. (…), filho dos administradores e director fabril e com funções relacionadas, designadamente com o aprovisionamento de matérias-primas.
CCC) Assim que chegou, o autor, invocando que a ré apenas tinha dois administradores, recusou-se a dar início à reunião na presença do referido trabalhador, exigindo a sua saída, ao que a administração acedeu.
DDD) Foi em virtude do referido em Y, Z) e UU) a AAA) que a administração da Ré abordou então a possibilidade de cessação por acordo das funções do Autor enquanto fiscal único, sem que alguma vez se tenha falado em “dinheiro” ou oferecido ao Autor quaisquer valores.
EEE) Imediatamente, o Autor retorquiu que aquilo consubstanciava uma “tentativa de corrupção”.
FFF) Os administradores da ré sentiram-se ofendidos na sua honra e seriedade com o referido em EEE) e com o teor do email de 25/09/2019 referido em X).
GGG) Uma vez que o registo e a atitude do Autor se mantiveram nos meses seguintes e na contingência de iniciar os trabalhos de revisão do exercício de 2019, a Ré decidiu destituir o Autor de funções.
HHH) Com a destituição do autor, a administração da Ré não pretende “ocultar de terceiros” a situação financeira da empresa nem “impedir o cumprimento dos deveres” do fiscal único.
III) Por comunicação datada de 17 de Dezembro de 2019, a Ré foi notificada para penhora dos créditos detidos pelo Autor sobre a sociedade, até ao montante de € 11.505,11, no âmbito de processo executivo instaurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., nos termos que constam do doc. junto sob o n.º 9 com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
JJJ) Posteriormente, o autor regularizou a mencionada dívida.
KKK) Em virtude dos comportamentos do autor a Ré efectuou participações junto da CMVM e OROC, em 11 e 14 de Outubro de 2019, respectivamente.
LLL) Na sequência da participação efectuada junto da OROC foram emitidas pela referida entidade as decisões e informações juntas aos autos em 20/11/2020, 03/02/2021 (cujo parecer da Comissão do Controlo de Qualidade, homologado, entendeu que deveria ter sido emitida mais uma reserva na Certificação Legal de Contas de 2018 por limitação de âmbito abrangendo as rubricas de Inventários, Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas e Variação da Produção), 28/09/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
MMM) Consta do relatório pericial junto aos autos em 06/03/2023 e 02/10/2023 relativo às contas de 2018, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para além do mais que:
- o suporte das regularizações de saídas e entradas de stocks da ré está de acordo com as exigências do SNC;
- os valores registados para as quantidades de entradas e saídas conduziram a um aumento do valor dos inventários de € 101.150,46;
- os movimentos constantes do programa de gestão de stocks, a débito das saídas e a crédito das entradas, relativas à valorização do inventário estão registados na contabilidade da ré;
- não obstante a correcta correcção introduzida na valorização dos inventários em 2018, tal implicaria a apreciação sobre a correcção dos comparativos e a consequente alteração contabilística dos resultados de 2017 e 2018;
- no exercício de 2018 verificou-se uma alteração dos custos de conversão para alguns artigos de inventários, no montante de 133.294,00€. Esta valorização dos custos de processos intermédios de transformação e conservação desses inventários afigura-se correcta;
- a alteração e mensuração acima referida, tendo em conta o volume de negócios (€ 19.925.166,00) e o total do activo (€ 13.074.064,00) não é materialmente relevante sendo apenas relevante relativamente ao resultado da empresa (€ 7.866,00);
- a reserva relativa a imparidades de Clientes de cobrança duvidosa refere-se a um único cliente, devendo ter-se referido “perda por imparidade em cliente de cobrança duvidosa”, e já deveria ter sido reconhecida em anos anteriores e, sendo materialmente relevante, registada em 2018 em resultados transitados e não nos resultados do exercício;
- desde 2010 que a ré dispõe de sistema de inventário permanente, extra-contabilístico, que integra, mensalmente, na sua contabilidade, cumprindo as exigências do SNC;
- a ré tem um programa informático de gestão de stocks, não contabilisticamente integrado, o que lhe é permitido pelo Ofício-Circulado n.º 20.193, de 23/06/2016;
- caso entendesse ser necessário, quer na altura da contagem, quer posteriormente, o autor poderia ter tomado conhecimento e conferido as contagens físicas de artigos de inventários, designadamente através das fichas extraídas do programa informático de gestão de stocks utilizado pela ré;
NNN) Em 04/06/2020 o autor apresentou participação junto da Ordem dos Contabilistas Certificados contra (…) e (…), contabilistas do escritório que presta os serviços de contabilidade à ré, alegando a existência de fraude contabilísticas em Inventários no fim do exercício de 2018 em conluio com os membros da administração da ré e a trabalhadora desta que exerce funções de operadora de stocks.
OOO) A referida participação deu origem a processo de averiguações posteriormente remetido ao Conselho Jurisdicional.
PPP) Por email de 13/12/2019, o novo fiscal único da Ré (…, …, … e Associado, SROC, Lda.) comunicou ao autor que tinha sido convidado para o exercício das funções de ROC para o período remanescente do mandato 2018/2021 e solicitou que este o informasse se existiam razões de ordem profissional que desaconselhassem a aceitação de funções.
QQQ) A cessação de funções do autor como Fiscal Único da ré, por destituição, foi registada na Conservatória do Registo Comercial mediante a Ap. (…), de 24/12/2019.
RRR) E a nomeação do novo fiscal único foi registada mediante a Ap. (…).
SSS) Por força das funções que exercera, o autor tinha conhecimento do código de acesso à certidão permanente do registo comercial da ré (…), subscrita em 7 de Novembro de 2017 e com validade até 7 de Fevereiro de 2021.
TTT) A presente acção foi instaurada em 10/02/2020.

Aplicando o Direito.
Da destituição do fiscal único
Argumenta o Autor que não foi regularmente convocado para a assembleia geral de 13.12.2019 e que assim não teve a oportunidade de se defender da proposta de destituição, para os fins do artigo 419.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.
Para o efeito, alega que a assembleia não foi convocada pela entidade que a deveria convocar – a respectiva presidente – tendo apenas recebido a carta dos accionistas maioritários e membros do conselho de administração, na qual estes lhe comunicavam a sua intenção de apresentar, em assembleia geral, a proposta de destituição do seu cargo de fiscal único da sociedade. Nessa carta, parcialmente transcrita na alínea D) do elenco fáctico, aqueles accionistas não só fundamentavam as razões pelas quais consideravam ocorrer justa causa de destituição, como ainda informavam o Autor da data para a qual estava designada a assembleia geral e que podia “responder, querendo, à presente missiva, podendo juntar os documentos que considere pertinentes”, tendo, ainda, “o direito de ser ouvido, se assim o entender, na dita assembleia”.
O argumento apresentado pelo A. é formal: no seu entender, a assembleia não estava convocada pela pessoa que a deveria convocar, pois apenas recebeu a referida carta dos accionistas maioritários da Ré, na qual estes lhe comunicavam a sua intenção de apresentar a proposta de destituição – e daí entende que o vício da deliberação é de nulidade.
Mas temos a dizer que, na assembleia geral de uma sociedade anónima, como é o caso, quem discute e vota são os accionistas que, segundo a lei e o contrato, tiverem direito a, pelo menos, um voto – artigo 379.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
Os membros do conselho fiscal ou, como é o caso, o fiscal único, não exercem esse direito. Compete-lhes, isso sim, assistir às assembleias gerais – como dispõe o artigo 422.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, o fiscal único tem o dever de “participar nas reuniões do conselho e assistir às assembleias gerais e, bem assim, às reuniões da administração para que o presidente da mesma os convoque ou em que se apreciem as contas do exercício”.
E este dever de assistência às assembleias gerais é tão intenso que o n.º 4 do mesmo artigo 422.º comina com a perda do cargo o fiscal que não compareça a uma assembleia geral.
Quanto à carta que foi enviada pelos accionistas maioritários da Ré, mencionada na alínea D) do elenco fáctico, há a recordar que o artigo 378.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais dispõe que “o accionista ou accionistas que satisfaçam as condições exigidas pelo artigo 375.º, n.º 2, podem requerer que na ordem do dia de uma assembleia-geral já convocada ou a convocar sejam incluídos determinados assuntos” – referindo-se este artigo 375.º, n.º 2, aos accionistas que possuam acções correspondentes a, pelo menos, 5% do capital social, que têm o poder de requerer a convocação da assembleia geral.
Resulta da certidão permanente anexa à contestação e não impugnada, que as acções da Ré são nominativas – conforme alterações ao contrato de sociedade registadas em 02.11.2017 – e o Autor não nega que os accionistas que lhe enviaram a carta detinham acções em valor superior àquele limite mínimo. Aliás, basta ler a lista de presenças na assembleia geral de 13.12.2019, para se constatar que os referidos accionistas detinham (57.120 x 2) = 114.240 acções, num total de 150.000 acções da sociedade, ou seja, controlavam 76,16% do capital social.
O A., na sua qualidade de fiscal único, não podia ignorar que os subscritores da carta de 29.11.2019 eram não apenas os dois administradores da sociedade (tal está devidamente registado na certidão permanente da empresa), como também eram os seus accionistas maioritários, podendo assim requerer a convocação de assembleias gerais e requerer que na ordem do dia de uma assembleia-geral já convocada ou a convocar fossem incluídos determinados assuntos, entre eles, a sua destituição como fiscal único.
Logo, a carta datada de 29.11.2019 podia não apenas ser enviada por aqueles accionistas, porque tinham o direito de requerer a convocação da assembleia geral e apresentar a proposta de destituição do fiscal único, como a dita carta cumpria a função prevista no artigo 419.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais – informar o fiscal único dos motivos pelos quais os accionistas maioritários pretendiam apresentar a proposta de destituição das suas funções e conceder-lhe o correspondente direito de audição na assembleia, pois como determina aquela norma, “antes de ser tomada a deliberação, as pessoas visadas devem ser ouvidas na assembleia sobre os factos que lhes são imputados.”
A lei não diz em lado algum que seja o presidente da mesa da assembleia geral quem detém a legitimidade exclusiva para propor a destituição do fiscal único, e sendo a autoria dessa proposta de destituição dos accionistas maioritários, a eles competia informar o Autor dos motivos pelos quais pretendiam apresentar essa proposta, como fizeram.
Como tal, ao A. assistia o dever de estar presente na assembleia geral de 13.12.2019, porque a tal estava obrigado pelo disposto no artigo 422.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4 e 419.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, e se optou por não estar presente, como declarou na comunicação enviada em 11.12.2019 à presidente da mesa da assembleia geral, invocando “a existência de outras obrigações”, que não especificou ou justificou, sibi imputat.
Questão diversa, é a convocação dos accionistas para a assembleia geral, e aqui há a notar o seguinte: sendo todas as acções da Ré nominativas, o artigo 379.º, n.º 3, permite que a convocação seja feita por correio electrónico com recibo de leitura, em relação aos accionistas que comuniquem previamente o seu consentimento; e mesmo que a convocação não seja regularmente efectuada, mesmo assim os sócios, inclusive nas sociedades anónimas, podem tomar deliberações unânimes por escrito, ou reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto, porque assim o permite o disposto no artigo 54.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
O Autor argumenta que ele não foi convocado, mas devia saber que tal não impedia os accionistas da sociedade de reunir-se em assembleia geral, se todos nisso estivessem de acordo – em especial, quando se está perante uma sociedade anónima na qual as acções são nominativas, como é o caso. Quanto ao Autor, não sendo sócio mas apenas o fiscal único, estando notificado da proposta de destituição, competia-lhe estar presente na assembleia geral que os accionistas maioritários o informaram que iria decorrer e ali exercer o seu direito de audição, se assim o quisesse fazer.
Em sede de alegações, o Autor suscita uma questão que não integra a causa de pedir, tal como a formulou na sua petição inicial: não teriam estado presentes todos os accionistas, pois uma delas, a accionista (…) esteve representada pelo seu filho, o accionista e administrador (…), não sendo a procuração que este detinha válida para os fins do artigo 54.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais.
Pois bem, para além de se tratar de uma questão nova, que não integra a causa de pedir formulada na petição inicial, pelo que em relação a essa questão a Ré não teve a oportunidade de apresentar a sua defesa, expondo os motivos pelos quais a procuração seria válida e apresentar a devida prova, há também a dizer que o artigo 56.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais estipula que a nulidade de uma deliberação tomada em assembleia geral não convocada “não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação.”
A circunstância de o Autor não ter invocado na sua petição inicial a invalidade da procuração passada pela accionista (…) ao accionista (…), para a representar na assembleia geral da Ré, “podendo deliberar sobre todos os assuntos, conforme entender” – conforme consta do texto da procuração de 23.08.2018, junta aos autos – impediu a Ré não apenas de apresentar a sua defesa quanto a esta questão como, na eventualidade de ocorrer alguma irregularidade de representação, proceder à sua sanação, obtendo e apresentando o assentimento escrito daquela accionista à deliberação de destituição do Autor como fiscal único da sociedade.
E não argumente o Autor que veio a incluir essa questão na resposta às excepções invocadas na contestação, que apresentou em 12.10.2020 após notificação para se pronunciar por escrito sobre as ditas excepções, pois não é função desse articulado ampliar a causa de pedir – artigos 265.º, n.º 1 e 3.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Assente, pois, que a assembleia geral podia reunir – tendo o A. sido previamente informado que iria reunir – e que ao fiscal único assistia o dever de estar presente, a fim de exercer o seu direito de audição, não tendo justificado o motivo pelo qual optou por faltar, não se pode concluir pela violação do disposto no artigo 419.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.
O direito de audição foi concedido, se optou por não exercer esse direito, foi escolha sua.
Acresce que qualquer irregularidade de convocação da assembleia constitui mera invalidade mista, dada a sua possibilidade de sanação – artigo 56.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, e Pinto Furtado, in Curso de Direito das Sociedades, Almedina, 2000, págs. 432 a 434 – pelo que o prazo de propositura da acção de anulação era de 30 dias contados da data de encerramento da assembleia geral, nos termos do artigo 59.º, n.º 2, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais.
Acompanhamos, pois, o que a propósito se escreve na sentença recorrida: “(…) a partir do momento em que foi (ainda que irregularmente) convocado para aquela assembleia geral, de nada serve ao autor alegar que não foi comunicado a respeito das deliberações que ali tiveram lugar, visto que sempre lhe competiria informar-se a esse respeito. (…) tendo a acção sido instaurada depois de decorrido o prazo de 30 dias previsto no artigo 59.º, n.º 2, do CSC deverá ser julgada procedente a excepção de caducidade relativamente ao vício de irregularidade na convocação da assembleia.”
No mesmo sentido se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2015 (Proc. 235/13.6YXLSB.L1-2), publicado na página da DGSI, no qual estava em causa uma carta informando da realização de uma assembleia para destituição da sociedade de revisores oficiais de conta, recebida com 5 dias de antecedência.
Ali se escreveu o seguinte: “É incontroverso que as deliberações que através do seu processo de formação – e não através do seu conteúdo – infringem normas legais – ainda quando se trate de norma imperativas ou cogentes, ou seja, daquelas que se impõem aos sócios por forma que estes não podem adoptar uma regulamentação divergente, quer no pacto social primitivo, quer através de deliberação, embora unânime, que posteriormente a modifique – são, por via de regra, meramente anuláveis. O que significa que a Autora, aqui apelante, tinha o prazo de um mês para propor a correspondente acção de anulação, nos termos do artigo 59.º do CSC. E a partir do momento em que foi – ainda que irregularmente – convocada para aquela assembleia geral – de nada lhe serve referir que não foi comunicada a respeito das deliberações que ali tiveram lugar, visto que sempre lhe competiria informar-se a esse respeito (…).”
Quanto à questão da justa causa na destituição do fiscal único, o Autor limita-se a peticionar a declaração de nulidade da deliberação, “com as demais consequências legais”, mas não diz que consequências são as que pretende obter da Ré.
Note-se que a declaração de nulidade – e, no caso de inexistência de justa causa, a deliberação não é nula, apenas ilícita – é um instrumento jurídico apto a atingir um determinado fim.
Tal como no caso da destituição dos administradores de sociedades anónimas, em que a inexistência de justa causa não produz o seu regresso ao cargo, mas apenas confere o “direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito” – artigo 403.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais – também quanto ao fiscal único, nomeado a termo certo (quadriénio 2018-2021, como inscrito na certidão permanente da empresa), o direito que lhe assiste em caso de inexistência de justa causa de destituição é obter a correspondente indemnização, não excedente ao montante das indemnizações que receberia até ao final do quadriénio que estava em curso – como se decidiu, de resto, no Acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2015, supra citado.
Mas, acerca desta questão, o Autor nada diz na sua petição inicial.
Não diz qual a remuneração que lhe era devida, e não formula qualquer pedido indemnizatório, que assim também não pode ser concedido, sob pena de violação do princípio do dispositivo.
De todo o modo, concordamos com a sentença recorrida quando afirma que “na acção proposta pelo fiscal único destituído é a este que incumbe provar, para além da sua qualidade de fiscal único e a sua destituição, a ausência de justa causa”, citando, a propósito, o citado Acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2015.
O argumenta que a não prova de certos factos alegados na carta de 29.11.2019 – enumerados na sentença recorrida nos pontos 15) a 20) do elenco de factos não provados – implica que logrou provar a inexistência de justa causa, mas temos a dizer que a não prova de certa materialidade fáctica alegada nos autos, não significa que o seu oposto seja verdadeiro, significa apenas que não se logrou obter a necessária prova.
Não definindo o artigo 419.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais o conceito de justa causa, a jurisprudência vem afirmando que para esse efeito se deve entender “toda a circunstância, facto ou situação, que, objectivamente considerada, e à luz da boa fé, torne inexigível à parte afectada a manutenção do vínculo contratual” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.11.2002 (Proc. n.º 02B3430), na página da DGSI, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2015, já citado.
Os factos elencados nas alíneas X), Y), Z), HH), UU), VV), XX) a CCC), EEE) e FFF), demonstram que a relação de confiança que o exercício do cargo de fiscal único exige, estava comprometida e afectava o próprio funcionamento da empresa.
Tal resulta da exigência repetitiva de informação já anteriormente em poder do A., obrigando a um esforço acrescido de resposta por parte da Ré e dos seus trabalhadores, a exaltação nas deslocações às instalações da Ré, os comentários despropositados sobre a administração da Ré junto dos seus trabalhadores e da própria administração, e a imputação aos administradores e accionistas maioritários de uma “tentativa de corrupção”, ofendendo-os na sua honra e seriedade.
Também por este motivo, devia a causa improceder, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 27 de Março de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Eduarda Branquinho
Cristina Dá Mesquita


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[1] Vide, por todos, o Acórdão de Relação de Évora de 30.06.2021 (Proc. 2287/15.3T8STR-E.E1), publicado em www.dgsi.pt.