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AGENTE DE EXECUÇÃO
ACTO PROCESSUAL
RECLAMAÇÃO
RECORRIBILIDADE
Sumário
1. A norma do artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ao prever a não recorribilidade das reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução, deve ser interpretada de forma restritiva, no sentido de ser aplicável apenas quando o acto praticado se inserir no âmbito dos poderes discricionários do agente de execução ou, não se inserindo, dele não resulte a violação da reserva de competência legislativa, a violação de direitos fundamentais ou a ofensa do património das partes. 2. É recorrível o despacho que apreciou a reclamação de uma decisão da agente de execução, que reconheceu o exercício do direito de preferência, declarando que o título de transmissão seria emitido em nome do preferente. 3. As partes ou terceiros intervenientes afectados pela decisão da agente de execução, podem reclamar dos seus actos ou impugnar as suas decisões, no prazo de 10 dias a contar da notificação ou conhecimento, sob pena desses actos ou decisões se tornarem definitivos, formando-se, assim, caso estabilizado. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Sumário: (…)
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo de Execução do Entroncamento, em execução para pagamento de quantia certa que Caixa Geral de Depósitos, S.A. moveu, entre outros, a (…), foi vendido em leilão electrónico um imóvel penhorado à ordem dos autos.
O litígio em recurso surgiu entre a proponente do valor mais elevado nesse leilão, (…), Investimentos Imobiliários, Unipessoal Lda., e o preferente (…).
Antes do mais, vejamos o iter processual que nos levou ao recurso agora em apreciação, sendo os actos processuais consultados através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, Citius, como previsto no artigo 15.º, n.º 2, alínea b), da Portaria n.º 280/2013, de 26.08, na sua actual redacção:
1. Foi penhorado à ordem do processo o imóvel sito na Herdade dos (…), freguesia da (…), concelho de Coruche, com a área total de 122.000 m2, sendo a parte rústica composta de cultura arvense de regadio e sobreiros, e a parte urbana de casa de habitação de R/C com 92 m2, com a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo (…), secção (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche sob o n.º (…);
2. A agente de execução tomou a decisão de venda do imóvel por leilão electrónico, pelo valor base de € 88.235,00, sendo aceite o mínimo correspondente a 85% desse valor;
3. O leilão encerrou-se no dia 01.06.2022, às 11h05m, sendo a proposta mais elevada apresentada por (…), Investimentos Imobiliários Unipessoal, Lda., no valor de € 84.790,80;
4. Até esse momento não estava mencionada nos autos a existência de quaisquer preferentes;
5. Por registo expedido pela agente de execução em 02.06.2022, a referida (…), Lda., foi notificada para, em 15 dias, proceder ao pagamento do preço e demonstrar o cumprimento das obrigações fiscais – liquidação do IMT e do Imposto de Selo;
6. A proponente depositou o preço a 14.06.2022;
7. No dia 02.06.2022, (…) remeteu email à agente de execução, informando que pretendia exercer o seu direito de preferência, “ao abrigo do artigo 1380.º do Código Civil, confinante”;
8. No dia 25.07.2022, a agente de execução remeteu ao referido (…) a seguinte notificação: “(…) no seguimento do seu email onde informa que pretende, na qualidade de confinante exercer o seu direito de preferência, vem solicitar no prazo de 10 dias, o envio dos seguintes documentos: Caderneta(s) predial(ais) e registo predial que atesta que é titular do prédio que confina com o prédio misto descrito sob o n.º (…). Deverá ainda remeter nome completo, morada, NIF, e ainda dados do cônjuge e contactos telefónicos”;
9. Nessa sequência, (…) remeteu à agente de execução a caderneta do seu prédio, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), secção (…), da freguesia de (…), concelho de Coruche, e certidão do Serviço de Finanças, de 12.09.2022, na qual se declara que este prédio confronta a Sul com o imóvel penhorado;
10. Por carta de 23.09.2022, a agente de execução notificou a proponente (…), Lda., nos seguintes termos: “Veio (…) requerer na qualidade de confinante, exercer o seu direito de preferência para aquisição do imóvel adjudicado em Leilão com a ref. LO886072021, de 01/06/2022. Após ter sido comprovado a sua legitimidade enquanto confinante e preferente do prédio misto, declara-se que o título de transmissão será emitido em nome do preferente (…) e mulher, ficando a sua proposta de compra sem efeito. (…) Uma vez que já tinha liquidado, em seu nome, os impostos (IMT e IS) relativos a adjudicação do bem acima identificado, deverá V. Exa. solicitar a devolução das quantias pagas junto do Serviço de Finanças. Deverá ainda junto do Tribunal pedir que seja carregado o seu IBAN a fim de se proceder a devolução do valor correspondente ao preço do imóvel”;
11. Por carta do mesmo dia 23.09.2022, a agente de execução notificou (…) nos seguintes termos: “(…) após confirmação da legitimidade como preferente na aquisição do imóvel adjudicado em leilão com a referência LO886072021, de 01/06/2022, remete em anexo guia para depósito de preço e guia para registo de aquisição. Fica assim, V. Exa., notificado para proceder a liquidação das guias, a fim de dar seguimento a emissão do título de transmissão em seu nome. Segue ainda declaração para apresentar junto da AT para liquidação das guias de IMT e imposto de selo”;
12. O (…) procedeu ao depósito do preço no dia 26.09.2022 e pagou o IMT e o Imposto de Selo em 12.10.2022;
13. No dia 10.11.2022, o legal representante dirigiu email ao processo, nos seguintes termos: “(…) pretendo pedir esclarecimento no que concerne ao processo n.º 151/12.9TBCCH, pois após ter feito a compra do imóvel pertencente ao processo supra referido, fui informado, por via postal, que fora exercido direito de preferência por um vizinho do imóvel em apreço. Contudo, foi-me alertado pelo nosso advogado que esse mesmo vizinho não tinha, legalmente, direito de preferência. A agente de execução, enviou-me a este respeito, uma carta para que enviasse o NIB ao Tribunal, pedindo o reembolso do mesmo sem dar nenhuma explicação e para além do mais, sem nunca devolver as chamadas recebidas da minha parte, na tentativa de perceber melhor os contornos de toda esta situação”;
14. Nessa sequência, foi proferido despacho solicitando à agente de execução a prestação de esclarecimentos, e respondeu esta, em 06.01.2023, nos seguintes termos:
“Na sequência da diligência de venda do imóvel penhorado, veio (…) exercer o seu direito de preferência, por ser proprietário de terreno confinante (artigo …, secção …, freguesia de …) com área inferior à área mínima de cultura, conforme caderneta predial, cuja cópia se anexa. Tendo remetido a este escritório, certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Coruche, cuja cópia se anexa, onde constam as confrontações do artigo do qual é proprietário (artigo …, secção …, freguesia de …). Verificando-se que consta da referida certidão, que o imóvel objecto de venda (artigo …, secção …, freguesia de …) resultar ser confinante com o terreno de propriedade de … (artigo …, secção …, freguesia de …). Pelo que, nos termos do artigo 1380.º do CC, foi decidido adjudicar o imóvel ao preferente e confinante (…). Cuja informação e decisão, foi comunicada ao titular da proposta de maior valor, (…), na qualidade de representante da firma (…), Unip. Lda., cujo ofício se junta, e que o próprio anexou no email remetido a esse Tribunal. Assim, solicita-se informação sobre se o Título de Transmissão deverá ser emitido em nome e a favor do preferente (…).”
O despacho recorrido considerou intempestivo o exercício do direito de preferência, afirmando que o preferente se apresentou a exercer o seu alegado direito após a proponente ter liquidado os impostos e o preço do imóvel, pelo que determinou a emissão do título de transmissão a favor da (…), Lda.. Pelo que (…) se apresenta a recorrer, concluindo:
A. O presente recurso versa sobre a matéria de facto e de direito, e vem interposto do despacho proferido nos presentes autos, que considerou intempestivo o exercício do direito de preferência por parte do aqui Recorrente e Preferente, (…), tendo decidido, determinar que a Sra. Agente de Execução emita titulo de transmissão a favor da Adquirente (…), Investimentos Imobiliários Unip. Lda., por considerar que: (…).
B. Como consta do despacho proferido pelo tribunal a quo, na referida acção executiva a questão controvertida entre o adquirente (…) e o preferente (…), prende-se quanto ao direito de preferência exercido pelo preferente, o aqui recorrente.
C. O tribunal a quo não se pronunciou quanto a essa questão, mas tão somente veio por despacho decidir no sentido da intempestividade desse exercício de preferência.
D. Assim importa agora referir, o que no entender do apelante foi incorrectamente julgado pelo tribunal a quo, ao ter decidido, que o direito de preferência exercido é intempestivo.
E. Salvo o devido respeito, consideramos que mal andou o tribunal a quo, pois, contrariamente ao decidido por despacho, consideramos que o direito de preferência exercido pelo apelante foi exercido tempestivamente.
F. No âmbito do mencionado processo executivo, decorreu leilão electrónico para venda do imóvel, melhor identificado em 1, da decisão recorrida, tendo o leilão terminado no dia 01/06/2022, ref.ª L0886072021, de 01-06-2022.
G. Conforme certidão de encerramento de leilão também junta aos autos, com a refª 8760743, de 02-06-2022, a proposta de maior valor, foi apresentada pela empresa (…), Investimentos Imobiliários Unip. Lda., no valor de € 84.790,80.
H. O Recorrente, é proprietário de prédio rústico confinante, com o prédio rústico objecto da referida venda em leilão electrónico, tal como se mostra documentado nos mesmos autos, Refª 9028644, de 23-09-2022, na sequência dos documentos remetidos à senhora Agente de Execução pelo recorrente, e ambos os prédios, têm áreas inferiores á unidade mínima de cultura, também ficou comprovado nos autos, através das certidões prediais que se encontram nos presentes autos, e que se requer que venham a instruir o presente recurso.
I. O Recorrente não era preferente conhecido no âmbito da referida acção executiva, modo pelo que nunca foi notificado do resultado do leilão, nem foi notificado para o exercício do direito de preferência.
J. O leilão encerrou no dia 01/06/2022, Refª refª 8760743 de 02-06-2022, veio o apelante na qualidade preferente, por ser confinante (artigo 1380.º do Código Civil), e desacompanhado de mandatário, exercer o direito de preferência, de imediato, ou seja, no dia 02/06/2022, directamente para a senhora Agente de Execução, o que fez por e-mail, conforme documento que junta (uma vez que não se consegue ter acesso ao mencionado documento via citus, no entanto, pela data, leva-nos a entender ser o documento) com a Refª 8766576, de 03-06-2022, documento que se requer que seja solicitado à Sra. Agente de Execução para instrução do presente recurso.
K. No dia 02-06-2022, a sra. Agente de Execução notificou o adquirente (…) para, no prazo de 15 dias, efectuar o pagamento da totalidade do preço do bem, bem como notificou, para que o mesmo remetesse comprovativo do cumprimento das obrigações fiscais, nomeadamente, IMT e IS, refª 8760743, de 02-06-2022, desconhecendo o apelante o dia em que o adquirente procedeu aos mencionados pagamentos, mas cuja notificação foi efectuada em 02-06-2022, refª 8760743.
L. Depois de várias insistências, directamente para a Senhora Agente de Execução, efectuadas pelo aqui Apelante, a mesma veio a responder no dia 25/07/2022, refª 8901273, onde se pode ler (…, Agente de Execução, no seguimento do seu email onde informa que pretende, na qualidade de confinante exercer o seu direito de preferência, vem solicitar o envio dos seguintes documentos…
M. Em 23/09/2022, a sra. Agente de Execução, notifica com a refª 9028538, de 23-09-2022, o preferente / Apelante, para pagamento do preço e liquidação dos respectivos impostos de IMT e IS, o que efectivamente se concretizou no dia 13/10/2022, conforme comprovativos remetidos para a senhora Agente de Execução e juntos aos autos.
N. Posteriormente, no dia 13/12/2022, refª 9257214, é junta procuração ao processo por parte de mandatário do preferente, bem como juntou os comprovativos ao tribunal dos pagamentos do preço, e dos impostos (IMT e IS).
O. Ao que se seguiram por parte da Senhora Agente de Execução e do tribunal a quo, várias notificações, tanto para o preferente, como para o adquirente, todas constantes dos autos e da decisão recorrida, com as refªs (…).
P. O Tribunal a quo decidiu a intempestividade do direito de preferência, exercido pelo Apelante, fundamentando que, (…) Temos pois, que o preferente/apelante não era um preferente conhecido, logo não foi o mesmo notificado da data que findou o leilão electrónico, com indicação de prazo para exercer o seu direito de preferência, tal como referiu o tribunal a quo. (…) Não se consegue entender, o porquê do tribunal a quo assim o ter entendido, isto porque a notificação da Sra. Agente de Execução de 23-09-2022, é muito posterior ao exercício de preferência por parte do Apelante, que como já se referiu ocorreu no dia no dia 02-06-2022.
Q. Como também já se disse, o Apelante, exerceu o seu direito de preferência o dia 02-06-2022, pelas 10:02 horas, e o leilão electrónico, terminou no dia 01-06-2022, pelas 11:05 horas (certidão de encerramento de leilão junto com a refª 8760743, de 02-06-2022), ou seja, passadas 11 Horas, sobre o enceramento do mencionado leilão electrónico.
R. O que era completamente impossível, que no decurso desse tempo o, Adquirente (…), já tivesse liquidado em seu nome os impostos (IMT e IS) e bem assim, o valor correspondente ao preço do imóvel, o que leva a crer, que o tribunal a quo, não averiguou da data em que o preferente/apelante, exerceu o seu direito de preferência, tanto mais que ao longo de toda a decisão recorrida, proferida pelo tribunal a quo, em momento algum é mencionada em concreto, qual a data em que foi invocada a mencionada preferência.
S. Assim, tendo o leilão encerrado no dia 01/06/2022 (certidão de encerramento de leilão junto com a refª 8760743, de 02-06-2022), e o apelante na qualidade preferente, por ser confinante (artigo 1380.º do Código Civil), e desacompanhado de mandatário, exercido o direito de preferência, de imediato, ou seja, no dia 02/06/2022, directamente para a sra. Agente de Execução, o que fez por e-mail, conforme documento que junta, (uma vez que não se consegue ter acesso ao mencionado documento via citus, no entanto, pela data, leva-nos a entender ser o documento com a Refª 8766576, de 03-06-2022), deve o esse direito ser considerado tempestivo, com base no mencionado documento para o efeito.
T. Nos termos do disposto no artigo no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante, pressupostos do direito real de preferência atribuído pela mencionada disposição legal: que tenha sido vendido prédio com área inferior à unidade de cultura; que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
U. Nesta sequência, deve o direito de preferência exercido pelo Apelante, ser considerado tempestivo por provado, e nessa sequência, ser determinado que o título de transmissão seja emitido a favor do preferente/apelante.
V. Pelo que, deve assim, o despacho da decisão recorrida ser revogado, no sentido de ser declarada a tempestividade do direito de preferência, invocado pelo recorrente, (…), exercido na qualidade preferente, por ser confinante (artigo 1380.º do Código Civil).
Não foi oferecida resposta no prazo para o efeito previsto no artigo 638.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Cumpre-nos decidir.
Os factos a ponderar na decisão são os já supra expostos.
Aplicando o Direito. Da recorribilidade
Preliminarmente, partilha-se a interpretação segundo a qual a norma do artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ao prever a não recorribilidade das reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução, deve ser interpretada de forma restritiva, no sentido de ser aplicável apenas quando o acto praticado se inserir no âmbito dos poderes discricionários do agente de execução ou, não se inserindo, dele não resulte a violação da reserva de competência legislativa, a violação de direitos fundamentais ou a ofensa do património das partes.
Deste modo, em todas as decisões tomadas em domínio vinculado ou de legalidade, o recurso deve ser admitido.
Neste sentido, Delgado de Carvalho observa o seguinte: “(…) sempre que o agente de execução tomar uma decisão no âmbito discricionário da sua actividade e no uso legal desse poder, a decisão e controlo do juiz em reclamação a ele dirigida pelas partes, não admite recurso; porém, se a decisão for tomada no domínio da actividade do agente de execução legalmente definida ou determinada, já a decisão de controlo do juiz em reclamação a ele dirigida pode admitir recurso, condicionada pelo valor da causa e da sucumbência nos termos gerais, por não existir uma disposição específica recursiva (cfr. artigos 629.º e 671.º do nCPC).”[1]
Já Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa observam: “(…) a decisão judicial proferida na sequência de reclamação de acto ou da impugnação de decisão do agente de execução admitirá recurso desde que o acto ou decisão do agente de execução sejam vinculados. Na verdade, a irrecorribilidade nestas situações colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), num contexto em que a direcção e gestão do processo de execução está cometida ao agente de execução. Neste enfoque, a recorribilidade das decisões proferidas pelo juiz, ao abrigo da alínea c) deste artigo 723.º, que se traduzam na suspensão, extinção ou anulação da execução (artigo 853.º, n.º 2, alínea b)), constitui o afloramento de uma regra de recorribilidade e não uma excepção, devendo admitir-se a impugnação da decisão judicial sempre que na sua génese esteja uma decisão vinculada do agente de execução. Preterir o recurso da decisão judicial incidente sobre reclamação de acto ou decisão vinculada do agente de execução, designadamente quando estes actos são susceptíveis de agredir o património das partes de forma equivalente ou ainda mais intensa do que o que decorra de um despacho interlocutório numa acção declarativa, constituiria uma restrição desproporcional ao direito de recorrer.”[2]
Seguindo esta orientação, também a jurisprudência tem afirmado a necessidade de interpretação restritiva do referido artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, reconhecendo o direito de recurso sempre que esteja em causa acto ou decisão vinculados do agente de execução – e assim sucedeu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 11.07.2019 (Proc. n.º 13644/12.9YYLSB-C.L1-2) e de 10.10.2024 (Proc. n.º 2234/13.9TBPDL-E.L1-6); da Relação de Guimarães de 15.02.2024 (Proc. n.º 6874/16.6T8VNF-F.G1); e da Relação de Coimbra de 26.10.2021 (Proc. n.º 1064/08.4TBMGR.C1), de 23.01.2024 (Proc. n.º 771/10.6TBACB-A.C1) e de 12.11.2024 (Proc. n.º 331/22.9T8ANS-B.C1), todos publicados na página da DGSI. In casu, está em apreciação uma decisão da agente de execução que reconheceu o exercício do direito de preferência, tomada em domínio da actividade legalmente definida ou determinada, motivo pelo qual o despacho que apreciou a reclamação apresentada quanto a esse acto é recorrível.[3]
Da estabilidade dos actos da agente de execução não reclamados
Em 23.09.2022, a agente de execução tomou a decisão de reconhecer o exercício do direito de preferência que era invocado pelo Recorrente, declarando que o título de transmissão seria emitido em seu nome, ficando sem efeito a proposta apresentada pela proponente (…), Lda..
Dessa decisão notificou a proponente e o preferente, e enviou a este as respectivas guias para pagamento do preço, que este depositou no dia 26.09.2022, cumprindo as obrigações fiscais no dia 12.10.2022.
Apenas no dia 10.11.2022 a proponente se apresentou a reclamar da decisão da agente de execução, mas de forma extemporânea.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa observam, em anotação ao artigo 723.º do Código de Processo Civil, que a reclamação do acto do agente de execução é da iniciativa do interessado e deve ser deduzida no prazo de 10 dias, a contar da notificação ou do seu conhecimento.[4]
Delgado de Carvalho nota que “os actos e as decisões do agente de execução tornam-se definitivas sempre que, depois de notificados, às partes, estas não reclamarem do acto ou da decisão perante o juiz, nos termos do artigo 723.º, n.º 1, alíneas c) ou d), do CPC. Disto decorre que, se o acto ou a decisão daquele agente não for objecto de reclamação pelas partes o acto ou a decisão torna-se incontestável e inalterável dado que deixa de ser atacável por iniciativa de qualquer das partes; pode falar-se a este propósito num efeito semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, esse acto ou decisão torna-se, em princípio, imodificável.”[5]
A jurisprudência também vem afirmando que as partes ou terceiros intervenientes, afectados pela decisão do agente de execução, podem reclamar dos seus actos ou impugnar as suas decisões, no prazo de 10 dias a contar da sua notificação ou conhecimento, sob pena desses actos ou decisões se tornarem definitivos, formando-se, assim, caso estabilizado.
Neste sentido, pronunciaram-se os seguintes Acórdãos, todos publicados na página da DGSI:
- Relação de Coimbra de 27.06.2017 (Proc. nº 522/05.7TBAGN.C1);
- Relação de Lisboa de 20.12.2018 (Proc. nº 4536/06.1YYLSB.L1-7);
- Relação de Évora de 27.05.2021 (Proc. nº 2561/15.0T8STB-E.E1);
- Relação de Coimbra de 05.04.2022 (Proc. 830/15.9T8ACB-D.C1);
- Relação Guimarães de 07.06.2023 (Proc. nº 633/16.3T8CHV-B.G1);
- Relação Lisboa de 04.07.2023 (Proc. nº 9761/10.8YYLSB-A.L1-7);
- Relação Guimarães de 15.02.2024 (Proc. 6874/16.6T8VNF-F.G1);
- Relação do Porto de 09.01.2025 (Proc. nº 26299/19.0T8PRT-F.P1).
Adoptando-se esta orientação, quando a proponente reclamou da decisão da agente de execução que reconheceu o exercício do direito de preferência pelo Recorrente, declarando que o título de transmissão seria emitido em seu nome, já se encontrava esgotado o prazo de 10 dias para ser deduzida a reclamação para o juiz do processo, nos termos do artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, motivo pelo qual se deve afirmar que essa decisão já não pode ser modificada, tanto mais que não se trata de matéria que exceda as competências da agente de execução e integre a reserva de jurisdição do juiz.
Assim sendo, tendo o preferente, aqui Recorrente, pago o preço e satisfeito as obrigações fiscais inerentes à transmissão, apenas há que dar cumprimento ao disposto no artigo 827.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e emitido o título de transmissão a seu favor.
Decisão.
Destarte, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido e determina-se a emissão do título de transmissão a favor do Recorrente.
Custas do recurso pela proponente (…), Lda..
Évora, 27 de Março de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Mário João Canelas Brás
__________________________________________________
[1] In Jurisdição e Caso Estabilizado, Quid Juris, 2017, pág. 194.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, pág. 63.
[3] Apreciando um recurso de despacho judicial sobre reclamação de acto do agente de execução acerca do exercício do direito de preferência na venda judicial, vide o Acórdão da Relação do Porto de 09.01.2025 (Proc. n.º 26299/19.0T8PRT-F.P1), publicado na página da DGSI.
[4] Loc. cit., pág. 62.
[5] Loc. cit., págs. 163-164.