RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DESPESAS
INCUMPRIMENTO
ALTERAÇÃO
Sumário

Ainda que fosse desde já manifesta a improcedência da pretensão da recorrente de ficar totalmente desonerada da obrigação de comparticipar no custeio das despesas referidas nos pontos N e O do regime de exercício das responsabilidades parentais (o que, como vimos em 1, não acontece), inexistiria obstáculo processual a que a acção prosseguisse, para conhecimento da pretensão, naquela implícita, de ficar desonerada de apenas uma parte daquela obrigação.

Texto Integral

Processo n.º 630/21.7T8ABT-K.E1

Autora/recorrente: (…).

Réu/recorrido: (…).

Pedido da autora:

Alteração dos pontos N e O do regime de exercício das responsabilidades parentais, no sentido de passar a ser o réu a suportar, na íntegra, o valor das despesas ali referidas.

Pedido reconvencional:

Alteração do ponto L do regime de exercício das responsabilidades parentais, nos seguintes termos: «O pai pagará a título de alimentos devidos à criança (…) a quantia mensal de trezentos e cinquenta euros (€ 350,00), a pagar até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para a conta bancária da mãe, a qual deve dar conhecimento da mesma ao pai e ao Tribunal; o pai e a mãe pagarão, a título de alimentos devidos ao filho maior (…), a quantia mensal de trezentos e cinquenta euros (€ 350,00) cada um, a pagar até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para a conta bancária do maior (…).»

Decisão recorrida:

Determinou «o arquivamento dos presentes autos instaurados pela requerente» e não admitiu «a reconvenção deduzida pelo requerido».

Conclusões do recurso:

1 – O facto de a recorrente continuar a exercer a profissão de dentista não constitui, por si só, fundamento legal bastante para se concluir que esta não pode eximir-se de contribuições extraordinárias, como são aquelas que constam dos pontos N e O da sentença proferida em 03.07.2023, solicitando seja o outro progenitor a suportar, na íntegra, o valor dessas despesas extraordinárias.

2 – O decréscimo significativo dos rendimentos da recorrente, ocorrido já após a data da fixação do regime em vigor, constitui um fundamento bastante para determinar a sua alteração, constituindo os presentes autos o meio processual adequado para a obter, tal como decorre do disposto no artigo 42.º/1, do RGPTC.

3 – Mesmo que à recorrente não fosse possível eximir-se de quinhoar nas contribuições extraordinárias constantes dos pontos N e O da sentença proferida em 03.07.2023, tendo sido este o pedido deduzido na petição inicial, os princípios de especial simplificação e de não sujeição a estritos requisitos de forma e de legalidade que caracterizam os processos de jurisdição voluntária, de acordo com os quais o tribunal deve proferir a decisão mais equitativa, conveniente, oportuna e que melhor serve os interesses em causa, impunham que a causa fosse julgada e decidida como de direito, sendo legítimo impor-se uma contribuição mais reduzida à requerente, apesar de esta ter solicitado a total eximição nessas contribuições.

4 – A decisão de arquivamento dos autos e consequente extinção da instância determinada pelo tribunal a quo em nada salvaguarda o interesse dos menores e interpreta erradamente o disposto nos artigos 12.º e 42.º/4, do RGPTC, assim como no artigo 987.º do CPC, violando tais normativos legais.

Por ser relevante para a decisão do recurso, transcrevemos o regime de exercício das responsabilidades parentais fixado por sentença proferida, em 03.07.2023, no apenso A:

«A)- A criança (…) é confiada à guarda e cuidados da mãe, ficando a residir com esta, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos correntes da vida da criança.

B)- As questões de particular importância da vida da criança, como sejam, designadamente, a representação, as intervenções cirúrgicas não urgentes, as questões relativas ao credo religioso até aos 16 anos e as deslocações para o estrangeiro, fora do “Espaço Schengen” serão decididas em conjunto, por ambos os progenitores.

C)- A (…) poderá estar com o pai sempre que quiser, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares da mesma.

D)- A (…) passará 15 dias das suas férias escolares de Verão com o pai, sendo que, no presente ano de 2023, passará, com o pai, os últimos quinze dias do mês de Julho e, nos anos posteriores, a criança passará 15 dias das suas férias escolares de Verão com o pai, a coincidir com as férias do pai, avisando este a mãe, com 30 dias de antecedência, até 31 de maio de cada ano, devendo os pais articular entre si de modo a que os períodos de férias de cada um não se sobreponha.

E)- A (…) conviverá, com o pai, aos fins-de-semana, quinzenalmente, desde as 19 h. de Sexta-Feira, até às 19h. de Domingo, competindo ao pai ir buscá-la à casa onde reside com a mãe e ir entregá-la no mesmo local, com início do primeiro fim de semana de Setembro de 2023, uma vez que a criança irá passar 15 dias do mês de Julho, de férias, com o pai.

F)- A criança (…) encontra-se a estudar, em regime de internato, no Colégio Militar, em Lisboa, pelo que, em consequência, os seus fins de semana e as suas férias escolares serão passados, com cada um dos pais, em regime de residência alternada, passando a criança, com cada um dos pais, um igual período de tempo.

G)- Neste ano de 2023, o (…) passará 15 dias das suas férias escolares com o pai, nos últimos quinze dias do mês de Julho, de forma a coincidir esse período de tempo com a sua irmã e, nos anos posteriores, o António passará metade das suas férias escolares de Verão com cada um dos progenitores, em períodos concretos a coincidir com as férias de ambos os progenitores, os quais se deverão avisar, mutuamente, até 31 de maio de cada ano, devendo os pais articular entre si, de modo a que os períodos de férias de cada um não se sobreponha.

H)- As crianças (…) e (…) passarão os períodos de Natal, alternadamente, com cada um dos progenitores, iniciando-se o primeiro período às 10:30 horas do dia 24 de Dezembro, indo até às 10:30 horas do dia 25 de Dezembro e o segundo período inicia-se às 10:30 horas do dia 25 de Dezembro e vai até às 10:30 horas do dia 26 de Dezembro. No ano em que um dos progenitores passe com as crianças o primeiro período referido, não passará com ela o aludido segundo período e vice-versa. No presente ano, as crianças passarão com a mãe o primeiro período e com o pai o segundo período. Nos anos seguintes, proceder-se-á de forma alternada.

I)- As crianças (…) e (…) passarão os períodos de Ano Novo, alternadamente, com cada um dos progenitores, iniciando-se o primeiro período às 10:30 horas do dia 31 de Dezembro, indo até às 10:30 horas do dia 1 de Janeiro e o segundo período inicia-se às 10:30 horas do dia 1 de Janeiro e vai até às 10:30 horas do dia 2 de Janeiro. No ano em que um dos progenitores passe com as crianças o primeiro período referido, não passará com ela o aludido segundo período e vice-versa. No próximo Ano Novo, as crianças passarão o primeiro período com a mãe e o segundo período com o pai. Nos anos seguintes, proceder-se-á de forma alternada.

J)- As crianças (…) e (…) passarão o dia de Páscoa, alternadamente, com casa um dos progenitores, sendo que, no ano de 2024, passarão esse dia com a mãe.

L)- O pai pagará a título de alimentos devidos à criança (…) e ao maior de idade (…), a quantia mensal de trezentos e cinquenta euros (€ 350,00), a pagar até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para a conta bancária da mãe, a qual deve dar conhecimento da mesma ao pai e ao Tribunal.

M)- Esta quantia será actualizada anualmente, em janeiro, de acordo com a taxa de inflação fixada pelo INE.

N)- As despesas extraordinárias de saúde com as crianças (…) e (…) na medida em que não cobertas por quaisquer sistema de saúde públicos ou privados, tais como aparelhos, consultas de revisão do aparelho dentário, próteses auditivas, dentárias, óculos, despesas médicas com medicamentos, desde que haja receita médica, bem como as escolares de início de ano lectivo, serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, devendo, para o efeito, o progenitor que fizer a despesa, no prazo de 10 dias, após efectuá-la, comunicá-la ao outro progenitor por qualquer meio e com cópia dos comprovativos das mesmas, cabendo ao progenitor que receber a comunicação, nos 10 dias após a mesma, depositar na conta do outro progenitor o que lhe corresponde.

O)- Cada um dos progenitores suportará, em partes iguais, as despesas com as propinas da Universidade que frequenta o filho (…), bem como as despesas do colégio militar do (…).»


*


O tribunal a quo ordenou o arquivamento do processo, nos termos do n.º 4 do artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), com a seguinte fundamentação:

«(…) a requerente pediu que passe a ser o requerido progenitor quem suporte, na íntegra, o valor das despesas referidas nas als. N) e O) da sentença proferida em 3/7/2024, dos autos apensos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, atentas as superiores condições que detém e a impossibilidade atual da requerente de quinhoar nas mesmas, na proporção, determinada da sentença, assim se cumprindo o superior interesse dos menores.

Estamos a falar das despesas extraordinárias de saúde com as crianças (…) e (…), na medida em que não cobertas por quaisquer sistema de saúde públicos ou privados, tais como aparelhos, consultas de revisão do aparelho dentário, próteses auditivas, dentárias, óculos, despesas médicas com medicamentos, desde que haja receita médica, bem como as despesas escolares de início de ano lectivo, as quais foi decidido que seriam suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, devendo, para o efeito, o progenitor que fizesse a despesa, no prazo de 10 dias, após efectuá-la, comunicá-la ao outro progenitor por qualquer meio e com cópia dos comprovativos das mesmas, cabendo ao progenitor que recebesse a comunicação, nos 10 dias após a mesma, depositar na conta do outro progenitor o que lhe correspondesse.

E estamos também a falar das despesas com as propinas da Universidade que frequenta o filho (…), bem como as despesas do colégio militar do filho (…), tendo sido decidido que, cada um dos progenitores suportaria, em partes iguais, tais despesas.

Por conseguinte, a requerente não pretende que seja fixada uma proporção menor da própria quanto ao pagamento de tais despesas, mas que elas fiquem, exclusivamente, a cargo do progenitor.

Entendemos que o pedido, tal como é feito, é manifestamente improcedente, porque a requerente trabalha como médica dentista e, ainda que tenha tido uma diminuição dos seus rendimentos do trabalho, como a mesma alega, ela não deixou de exercer a sua profissão, como também alegou, pelo que pode e deve contribuir para as despesas extraordinárias de saúde, bem como para as despesas escolares de início de ano lectivo e, ainda, para as despesas com as propinas da Universidade que frequenta o filho (…), bem como as despesas do colégio militar do filho (…).

Com efeito, a requerente alegou auferir um rendimento mensal de, aproximadamente, mil euros (€ 1.000,00) – cfr. os artigos 25º da petição inicial e da petição inicial aperfeiçoada, apresentada em 8/7/2024.

Está documentado nos autos que a requerente, em sede de I.R.S., no ano de 2023, declarou rendimentos anuais de € 11.760,00 (doc. n.º 3 junto com a petição inicial) e que, para além disso, existe uma sociedade denominada «(…), Unipessoal, Lda.» (págs. 160 e 161 do doc. junto com a petição inicial aperfeiçoada, em 8/7/2024, revelando-se desse documento, a págs. 160 e 161, que a requerente é a gerente da sociedade).

No entanto, mesmo na petição inicial aperfeiçoada, a requerente não alegou quaisquer factos sobre se a gerência desta sociedade é remunerada, ou não, e em que termos.

Por conseguinte, os factos que foram alegados no processo, pela requerente, e os documentos que constam dos autos, na opinião do Tribunal, não são demonstrativos de que a requerente esteja impossibilitada, totalmente, de contribuir para o pagamento das despesas já referidas com os filhos.

Se a requerente, na sua óptica, não pode pagar metade das despesas extraordinárias de saúde, nem metade das despesas escolares de início de ano lectivo e nem, ainda, metade das despesas com as propinas da Universidade que frequenta o filho (…), e metade das despesas do colégio militar do filho (…), porque os seus rendimentos são inferiores do que eram, quando estava casada com o requerido, então deve efectuar, em acção própria, com outra causa de pedir e outro pedido, um pedido de redução da sua contribuição quanto ao pagamento dessas mesmas despesas, fixando a parte da contribuição que pode pagar. O que a requerente não pode, na opinião do Tribunal, é eximir-se a essa mesma contribuição, como pretende através da presente acção, pedindo que passe a ser o progenitor a suportar, na íntegra, o valor de todas essas despesas.

Para além disso, os progenitores trouxeram, à colação, os vários litígios judiciais que mantém entre si, em várias jurisdições, procurando assim justificar perdas ou ganhos de rendimentos, consoante as posições assumidas por cada um em cada litígio.

No entanto, esses vários litígios, desde logo, os que correram e ainda correm termos na jurisdição comercial, são estranhos à regulação do exercício das responsabilidades parentais das crianças e não podem os mesmos servir de pressuposto da alteração da prestação alimentar nos presentes autos, tanto mais que uma parte desses litígios ainda nem sequer está decidida, por sentença transitada em julgado, e os factos relativos aos mesmos não podem ser discutidos na jurisdição de família e menores. Por exemplo, não podemos estar a discutir na presente acção em que circunstâncias um dos progenitores foi afastado da gerência de uma sociedade e se isso foi, ou não, legal.

Essas questões devem ser tratadas nos foros próprios e não replicadas na presente acção para aqui serem discutidas ou voltadas a discutir.

(…)

Em conclusão podemos dizer o seguinte :

- em relação à requerente, encontrando-se a mesma a trabalhar enquanto médica dentista, auferindo rendimentos correspondentes, não pode eximir-se da contribuição nas despesas extraordinárias de saúde, bem como nas despesas escolares de início de ano lectivo e, ainda, nas despesas com as propinas da Universidade que frequenta o filho (…), bem como nas despesas do colégio militar do filho (…). Pode discutir-se a medida dessa contribuição, de acordo com os seus actuais rendimentos, mas não a existência de uma contribuição».

Esta fundamentação não procede, pelas razões que passamos a expor.

1. Como acima referimos, o tribunal a quo ordenou o arquivamento do processo ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 42.º do RGPTC, ou seja, sem a realização da audiência final.

Fê-lo por ter concluído que a pretensão da recorrente é manifestamente improcedente, porquanto:

a) A própria recorrente admite exercer a profissão de médica dentista e auferir um rendimento mensal de cerca de € 1.000,00;

b) Está documentado nos autos que a recorrente declarou, em 2023, em sede de IRS, rendimentos anuais de € 11.760,00;

c) A recorrente é gerente de uma sociedade denominada «(…), Unipessoal, Lda.».

No entendimento do tribunal a quo, isto é suficiente para a demonstração de que a recorrente «pode e deve contribuir para as despesas extraordinárias de saúde, bem como para as despesas escolares de início de ano lectivo e, ainda, para as despesas com as propinas da Universidade que frequenta o filho (…), bem como as despesas do colégio militar do filho (…).»

Discordamos.

Nos termos do n.º 1 do artigo 1878.º do Código Civil (CC), compete aos pais, no interesse dos filhos, prover ao sustento destes. Trata-se de uma obrigação que incumbe a ambos os progenitores e que se mantém na hipótese de estes se divorciarem, aplicando-se, então, o disposto no artigo 1905.º do mesmo Código.

O n.º 1 do artigo 2003.º do CC estabelece que, por alimentos, se entende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, acrescentando o n.º 2 que os alimentos compreendem também a instrução e a educação do alimentado no caso de este ser menor. Portanto, todas as prestações referidas nos pontos L a O do regime de exercício das responsabilidades parentais têm natureza alimentícia.

Se os filhos da recorrente e do recorrido se encontrassem à guarda deste último e a primeira quisesse desonerar-se da totalidade da sua obrigação de lhes prestar alimentos, a conclusão a que o tribunal a quo chegou seria correcta. Vivendo os filhos com o recorrido e sendo, em consequência disso, a prestação de alimentos a única forma de a recorrente contribuir para o sustento daqueles, é fora de dúvida que os elementos constantes do processo seriam, desde já, suficientes para concluir que o rendimento da segunda não justificaria a pretensão de deixar de pagar alimentos. Mais, tal pretensão seria incompatível com o disposto no citado n.º 1 do artigo 1878.º do CC.

Porém, é a recorrente quem tem os filhos à sua guarda. Por inerência, é ela quem assegura directamente a satisfação das necessidades destes. Mesmo recebendo alimentos do recorrido para esse efeito, tudo indica que a recorrente suporta uma parte das despesas dos filhos. Sendo assim, não é líquido, com base nos elementos actualmente constantes do processo, que a recorrente também tenha capacidade económica para suportar, além das referidas despesas, aquelas que se encontram previstas nos pontos N e O do regime de exercício das responsabilidades parentais. Sem a produção de toda a prova que a recorrente e o recorrido tiverem para oferecer, não se afigura possível formular um juízo seguro sobre a viabilidade da acção.

Consequentemente, carece de fundamento o juízo de manifesta inviabilidade da acção que esteve na origem do arquivamento do processo pelo tribunal a quo. O que, por si só, justifica a revogação desse segmento da decisão recorrida e que se ordene o prosseguimento do processo, nos termos do n.º 5 do artigo 42.º do RGPTC, para apreciação do pedido da recorrente.

2. Imaginemos, contudo, que era, desde já, possível formular um juízo seguro no sentido da manifesta improcedência da pretensão da recorrente de deixar de comparticipar no pagamento das despesas previstas nos pontos N e O do regime de exercício das responsabilidades parentais. Nem assim haveria fundamento para o tribunal a quo mandar arquivar o processo nos termos em que o fez.

A este propósito, o tribunal a quo raciocinou nos seguintes termos:

- Nesta acção, a recorrente deduziu a pretensão de que o recorrido passe a suportar as despesas referidas nos pontos N e O do regime de exercício das responsabilidades parentais na íntegra; não a de mera fixação de uma proporção menor dessas despesas a seu cargo;

- Se a recorrente não pode continuar a pagar metade das despesas referidas naqueles pontos devido à diminuição do seu rendimento, deverá «efectuar, em acção própria, com outra causa de pedir e outro pedido, um pedido de redução da sua contribuição quanto ao pagamento dessas mesmas despesas, fixando a parte da contribuição que pode pagar.»

Discordamos novamente.

O artigo 12.º do RGPTC estabelece que os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária.

O artigo 987.º do Código de Processo Civil estabelece que, nas providências a tomar em sede de processos de jurisdição voluntária, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

O n.º 1 do artigo 33.º do RGPTC estabelece que, nos casos omissos, são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores.

Para concluirmos em sentido diverso do tribunal a quo, nem sequer necessitamos de fazer apelo às regras, mais flexíveis, dos processos de jurisdição voluntária. Mesmo de acordo com as regras gerais do processo civil, nada obsta a que a presente acção prossiga com vista a apurar-se se se justifica uma mera redução da contribuição da recorrente para o custeio das despesas referidas nos pontos N e O do regime de exercício das responsabilidades parentais e, sendo caso disso, decidir-se nesse sentido.

Ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, a causa de pedir é a mesma. A causa de pedir desta acção consiste numa alegada diminuição do rendimento da recorrente que, segundo esta, a impossibilita de continuar a contribuir para o custeio daquelas despesas. Essa mesma causa de pedir é apta para fundamentar uma pretensão de mera redução da comparticipação da recorrente no custeio das mesmas despesas.

O pedido de mera redução da percentagem da comparticipação da recorrente está contido no de isenção dessa comparticipação. Tal como quem pede a condenação do réu no pagamento de 100, pede implicitamente que, a não haver condenação em 100, haja uma condenação em menos de 100, também quem pede uma isenção total do pagamento de uma despesa, pede implicitamente uma isenção parcial desse pagamento. Na primeira hipótese, é óbvio que o juiz que entenda que o réu não deve 100, mas apenas 90, 50 ou 10, deverá julgar a acção parcialmente procedente e proferir uma condenação em 90, 50 ou 10. Não menos óbvia é a possibilidade de, na segunda hipótese, o juiz, em vez de decidir no sentido de isentar totalmente o autor do pagamento de uma despesa, se limitar a reduzir a percentagem da comparticipação do autor no pagamento dessa despesa. Em qualquer das duas hipóteses que enunciámos, não faz sentido julgar a acção improcedente e obrigar o autor a propor outra acção, de âmbito mais limitado.

Concluindo, ainda que fosse desde já manifesta a improcedência da pretensão da recorrente de ficar totalmente desonerada da obrigação de comparticipar no custeio das despesas referidas nos pontos N e O do regime de exercício das responsabilidades parentais (o que, como vimos em 1, não acontece), inexistiria obstáculo processual a que a acção prosseguisse, para conhecimento da pretensão, naquela implícita, de ficar desonerada de apenas uma parte daquela obrigação.


*


Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se o segmento da decisão recorrida que foi dele foi objecto e, nos termos do n.º 5 do artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ordenando-se o prosseguimento do processo, para apreciação do pedido da recorrente.

Custas a cargo do recorrido.

Notifique.

27.03.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Branco Coelho (1.º adjunto)

Mário João Canelas Brás (2.º adjunto)