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INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
MORA
INTERPELAÇÃO
DEPRECIAÇÃO DO VALOR FACIAL DA MOEDA LEGÍTIMA
Sumário
1 – No domínio da falta de cumprimento e mora do devedor, na conformidade das regras que regulam o tempo da prestação, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado, independentemente de interpelação, constituir-se-á em mora se a obrigação tiver prazo certo, ou provier de facto ilícito, ou se ele próprio impedir a interpelação e, bem assim, nas hipóteses previstas , bem assim, nas hipóteses previstas na segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil. 2 – Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora. 3 – Nos juros moratórios a que se reportam os artigos 805.º e 806.º do Código Civil está legalmente estabelecido, nos casos de obrigação ilíquida, no tocante à responsabilidade civil extracontratual, um termo inicial específico da mora do lesante-devedor, que corresponde ao momento da citação. 4 – Isto é, consagra-se um regime próprio para a via delitual, no caso de iliquidez de crédito (805.º/3, segunda parte), o qual permite antecipar o momento da constituição da mora para o da citação do devedor. 5 – O incidente de liquidação de sentença destina-se tão só à concretização do objecto da sua condenação, com respeito do caso julgado da sentença objecto de liquidação, não sendo permitido às partes tomar contrariar ou ampliar os termos da condenação genérica. 6 – Ainda que tal cenário hipotético pudesse ocorrer, de acordo com o artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de cinco anos, o que significava que estariam prescritos os juros que se tivessem vencido há mais de cinco anos contados da citação ou da prática de qualquer dos actos referidos no n.º 1 do artigo 323.º do mesmo diploma. 7 – O n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil não impõe uma actualização indiscriminada do valor da indemnização de acordo com os valores da inflação e a regra da actualização cômputo indemnizatório só é de aceitar na medida em que a consideração da inflação seja imposta por este preceito ou se refira à indemnização por danos não patrimoniais. 8 – Os fenómenos de «dilação especulativa» do lesado são manifestamente contrários aos ditames da boa fé e este instituto, enquanto fonte modeladora e correctiva do relacionamento contratual, pode conduzir à supressão da possibilidade de actualização monetária da decisão condenatória, mormente em situação de abuso do seu exercício perante um incumprimento insignificante ou não culposo da parte contrária. 9 – A ratio normativa e a aplicação jurisdicional da regra da actualização da indemnização por desvalorização monetária visa essencialmente compensar o lesado pela perda de poder aquisitivo e evitar que este seja penalizado pela excessiva dilação do processo judicial e a sua operacionalização não pode servir de meio para legitimar o prolongamento excessivo duma liquidação duma obrigação determinada judicialmente. 10 – Não se pode imputar ao lesante o risco da depreciação monetária nos casos em que os prejuízos causados ao lesado não decorrem de qualquer retardamento na liquidação motivado por comportamento dilatório do devedor nem é o atraso no funcionamento do aparelho judicial que obsta à liquidação pontual da indemnização, mas antes existe um cenário de culpa própria do credor que demorou cerca de 19 anos a propor o competente processo tendente a tornar líquida a obrigação. E assim a indemnização pecuniária de objecto actualizado não tem aqui lugar. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 476/20.0T8SSB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local de Competência Genérica de Sesimbra – J1 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
* I – Relatório:
No presente incidente de liquidação de sentença proposto, ao abrigo do disposto nos artigos 358.º e 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por (…) contra “(…) Seguros, SA”, o Autor veio interpor recurso da sentença.
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O Autor pediu que fosse liquidada a quantia € 19.829,29, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados deste a data de citação na acção até efectivo pagamento, que, à data da propositura do presente incidente, totalizavam o montante de € 28.164,19.
A título subsidiário e no caso de o Tribunal considerar não serem devidos juros de mora nos termos peticionados, pediu se que procedesse à actualização da moeda em que agora se traduzirá o valor liquidado através da aplicação do índice de preços ao consumidor, o que faria ascender a liquidação a € 34.453,55.
Solicitou a condenação da Ré no pagamento de uma sanção compulsória pecuniária, nos termos do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil.
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Notificada para o efeito, a Ré deduziu oposição, defendendo que sobre o valor a liquidar apenas se vencem juros de mora a partir da decisão a tomar neste incidente e que não é devida qualquer actualização monetária do montante liquidado.
A título subsidiário, a Ré invocou a prescrição parcial dos juros, por apenas serem atendíveis os vencidos nos últimos cinco anos. *
Foi exercido o contraditório quanto à matéria de excepção.
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Designada audiência prévia, não foi possível alcançar o acordo entre as partes, tendo sido proferido despacho saneador.
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Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo decidiu:
a) liquidar «os montantes respeitantes às quantias despendidas para pagamento da garagem para a guarda do Volkswagen, e do pagamento do ALD e respetivo seguro, respeitantes ao período temporal a partir de 30.09.1995», a que alude o ponto II da parte decisório da sentença proferida nos presentes, no valor de € 19.829,19 (dezanove mil e oitocentos e vinte e nove euros e dezanove cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de juro legal, contabilizado desde a data de notificação da Ré do presente incidente até integral e efectivo pagamento, condenando-se assim a Ré ao seu pagamento.
B) absolver a Ré do demais peticionado.
*
Inconformado com tal decisão, o Autor apresentou recurso de apelação e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas e que copiam na quase totalidade o corpo do recurso [1][2][3][4][5]:
«a) O que, na douta sentença, ora recorrida, se põe em causa neste recurso é tão só o segmento respeitante ao termo a quo da contagem dos juros de mora sobre o capital liquidado (€ 19.829,29) – assim se aceitando este – que, aí, se fixa na data de notificação para este incidente (20/03/20023) entendendo o Recorrente que deverá situar-se no momento da citação para a ação (20/11/1995), tratando de igual forma a Matéria de Facto considerada Provada nas alíneas a) e b), por um lado, e na alínea c), por outro, da sentença ora liquidanda, de 18/10/2003, confirmada pelo Ac. da Relação de Lisboa, de 08/06/2004.
B) Lapsos a corrigir.
b) Como se pode verificar, subsiste um pequeno lapso aritmético: liquidou-se, no referido ponto 18 do pedido inicial e na alínea a) da sua conclusão, a quantia de € 19.829,29, e do ponto 4 da matéria de Facto Provada na douta sentença consta a quantia de € 19.829,19, isto é, menos € 0,10). Verifica-se também o lapso de, na douta sentença recorrida, se ter entendido que montante do capital liquidado se refere, conjuntamente, ao pagamento da garagem para a guarda do Volkswagen sinistrado, ao ALD e respetivo seguro, quando nessa alínea a) da conclusão do pedido, se menciona apenas a liquidação-base referente ao pagamento do ALD e respetivo seguro.
d) No que toca à Matéria de Facto Provada e com relevo para decisão da causa na douta sentença recorrida, uma vez que aí se não tomaram em conta os pontos 3 a 8 do despacho saneador, impõe-se que àquela seja aditado, pelo menos, o ponto 3 deste onde vão distinguidas as diversas verbas de danos patrimoniais, salientando o pagamento do ALD e o respetivo seguro (€ 7.082,88), e não também o pagamento da garagem do Volkswagen sinistrado.
C) Termo a quo de contagem dos juros moratórios
i. A partir da data de citação para a ação
e) A douta sentença recorrida, para a fixação do termo a quo da contagem dos juros moratórios, parte, salvo o devido respeito, de um pressuposto menos correto qual seja o de a sentença exequenda não condenar, em juros de mora, nem vencidos nem vincendos, nos montantes que vão para além do que nessa sentença se considerou vencido e foi liquidado (06/06/1994 a 30/09/1995), e que, entretanto, de 30/09/1995 a 30/06/1998, se venceu antes de ter sido proferida a douta sentença liquidanda (18/10/2003), e foi liquidado neste incidente, concretamente e só no tocante ao ALD.
f) Com efeito, a douta sentença recorrida, transcrevendo na alínea c) do ponto 1 da Matéria de Facto Provada, o que consta do ponto II da sentença liquidanda e indo buscar, como seu elemento interpretativo, o inciso constante da fundamentação de direito dessa sentença, afasta, liminarmente, que a sentença liquidanda contemple os juros de mora a partir da data de citação, no que respeita às prestações do ALD e respetivo seguro, vencidas desde 30/09/1995 a 30/06/1998.
g) Porém, no seu contexto, tal afigura-se demasiado óbvio para que se não tenha duvidado da linearidade dessa interpretação literal, tendo importado, salvo melhor opinião, aprofundar esta problemática da interpretação das leis que a elas equivale uma sentença. – Desde logo questionando sobre se, assim, se estará a administrar a justiça em nome do povo, ou seja, a fazer a justiça do caso concreto, a prosseguir o ideal da verdade e da justiça material e não a raciocinar dentro da lógica formal ou dos meros conceitos, com ofensa do artigo 202.º, n.º 1, da CRP.
h) E, salvo o devido respeito, crê-se que não, o que logo se poderá inferir do facto de o Tribunal se sentir na necessidade de preencher a lacuna que entende existir na douta sentença, derivada da sua interpretação restritiva, meramente explícita e não implícita, derivada da própria citação dos preceitos sobre a responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito ou risco), por vias menos diretas:
− apontando, embora sem citar os preceitos que o prescrevem, apesar de constantes da sentença (artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do CC.), para a natureza indemnizatória dos juros moratórios dos danos causados pela mora – passe a tautologia – que deriva de se tratar de uma obrigação pecuniária (de indemnização que visa reconstituir a situação – artigo 562.º do CC –, e não obrigação de juros – artigo 559.º do CC), a calcular segundo o princípio geral daquele preceito de reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, e que, quando a indemnização seja fixada em dinheiro, tem a medida da diferença prevista no artigo 566.º do CC, correspondendo a forma legal dessa indemnização, nos termos do artigo 806.º, n.º 1, aos juros a contar do dia da constituição em mora, a qual, independentemente da interpelação e de liquidação, na interpretação conjugada dos artigos 804.º, n.º 1, 805.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, in fine, tem como termo a quo a citação;
− deixando de interpretar o título executivo em si mesmo – a sentença –, para apelar para o que a lei determina acerca de um qualquer título executivo em que se consideram abrangidos os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, nos termos do artigo 703.º, n.º 2, do CPC, menosprezando aqui, desde logo, a natureza da obrigação constante desse título, conforme resulta do item anterior.
i) Para além de que os fundamentos jurídicos que deveriam ter sido invocados na douta sentença, subjacentes à expressão "como é consabido", constantes do título liquidando, servem também, ou por maioria de razão, para alavancar a posição do A. de que, numa obrigação pecuniária de indemnização por factos ilícitos ou pelo risco (artigos 483.º e 499.º do Código Civil), o termo a quo da constituição em mora deve ser o da citação para a ação, o que, inclusive, dispensa a interpelação e a própria falta de liquidez (liquidação) dessa obrigação, nos termos do citado artigo 805.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, in fine, do Código Civil.
j) A douta sentença viola porque os omite, os preceitos do Código Civil acabados de mencionar, assim como os da alínea h) também omitidos ou interpretados e aplicados indevidamente.
k) Com efeito, a douta sentença viola, por omissão ou errada interpretação e aplicação, os fundamentos de direito constantes da sentença liquidanda – os antes mencionados artigos 562.º e 566.º e ainda 483.º, 564.º, n.ºs 1 e 2 – não levando na devida conta o princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos ou pelo risco, nem que o dever de indemnizar compreende os danos emergentes e os lucros cessantes, nem atende também aos danos futuros previsíveis e até determináveis na data da sentença liquidanda (18/10/2003), visto que se referem ao contrato do ALD de 16/06/1994 (Docs. 5 e 6 juntos à p.i e ponto 31 da Matéria de Facto da sentença liquidanda) que, portanto, nela têm de considerar-se implícitos, por derivados daquela responsabilidade, e consequentes, por inseridos no ALD e na sucessão das suas prestações, devendo ser tratados da mesma forma que os vencidos e liquidados no pedido, pois que não se encontra qualquer fundamento material e racional para que o sejam diferentemente.
l) A simples sistematização do que consta no ponto 1 da Matéria de Facto dada como Provada – alíneas a) e b), por um lado, e a alínea c), por outro – mostra que a sentença exequenda tem uma lógica e coerência internas, uma ratio, afinal, que impede uma interpretação e aplicação dessas suas três alíneas de forma distinta e até contraditória entre si no que respeita ao termo a quo da contagem dos juros a acrescer aos respetivos danos liquidados com base no mesmo pedido relativo ao contrato único e de prestações continuadas do ALD constante no ponto 31 da Matéria Provada da sentença liquidanda, com referência aos Docs. 5 e 6 junto à p.i..
m) Com efeito, a sentença liquidanda tem se interpretada coerentemente e no seu todo: se o A. peticionou, inclusive na redução do pedido, as quantias liquidadas, e o mais que, até integral pagamento se vier a liquidar, atualizadas de acordo com a taxa de inflação e acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos (fls. 2 da sentença liquidanda e do Ac. confirmativo), e essas quantias vencem juros desde a citação, designadamente a respeito do ALD, tendo-os liquidado relativamente àquele período delimitado, não pode deixar de entender-se que o restante dessa espécie (o ALD), integralmente vencido na data da sentença, mas a liquidar posteriormente, não deva, por igualdade de razões, vencer juros também a partir da citação e até integral pagamento.
n) Tanto mais que, como se diz na fundamentação de direito da sentença liquidanda, exatamente no parágrafo que antecede o transcrito como elemento interpretativo na douta sentença recorrida, a atualização monetária, requerida em alternativa ao pagamento de juros de mora ou através das taxas de inflação, até integral pagamento, não foi efetuada, como é confirmado pelo Acórdão da Relação de 08/06/2004, quando, contra a posição da Seguradora, decide que a contabilização dos juros sobre a indemnização, arbitrada a título de danos morais, deve vencer juros a partir da citação e não da sentença de 1.ª instância.
o) Existe, com efeito, uma sequência lógica e cronológica das prestações relativas ao total do preço do ALD, de € 26.912,17 (= € 19.453,44 + € 3.278,7 (IVA) + € 4.179,75 (seguro)), que a (…) Money, sucessora da (…), Aluguer de Viaturas, S.A., comprova e resulta do respetivo contrato (Docs. 5 e 6 juntos à p.i, conforme o ponto 31 da Matéria de Facto Provada na sentença exequenda), e verifica-se que, por mero cálculo aritmético (€ 26.912,17 - € 7.082,88, pago por cheque), se adquiriu o que consta no ponto 4 da Matéria de Facto Provada relativamente às prestações que, depois de 30/09/1995, se foram vencendo até 30/06/1998, isto é, € 19.829,29.
p) Ora, essa sequência lógica e cronológica, assente no comprovado contrato do ALD, não pode sofrer cortes, digamos epistemológicos, quanto ao vencimento de juros, lá porque, quanto aos vencidos mas não liquidados, se não se diz expressamente desde quando eles se vencem, justamente porque, isso se considera despiciendo porque implícito face ao decidido, a esse respeito, quanto às parcelas vencidas e liquidadas na douta sentença liquidanda, resultando, também, de se tratar de uma responsabilidade por facto ilícito (do segurado) ou pelo risco (da seguradora), nos termos do artigo 805.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, 2.ª parte, dispensando-se, neste caso, quer a interpelação destinada à constituição em mora do devedor, quer a própria liquidação. Tendo-se decido o contrário viola-se a própria sentença, ainda por errada interpretação e aplicação.
q) Mais do que isso, a interpretação da sentença liquidanda pela sentença recorrida afigura-se demasiado ao pé da letra com ofensa, também, dos princípios interpretativos constantes no artigo 9.º do Código Civil, aliás nem sequer invocados, desprezando a reconstituição do pensamento do tribunal na sentença liquidanda e subvertendo a unidade do sistema que ela constitui e as circunstâncias dos próprios autos (o contrato do ALD) e as condições específicas do tempo em que foi elaborada, sendo que a interpretação que se entende dever-lhe ser conferida tem um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente (ou implicitamente) expresso, não podendo deixar de presumir-se que o tribunal consagrou a solução mais acertada e que a soube exprimir, adequada e implicitamente, nos termos do prescrito nos seus pontos 1, 2, por um lado, e 3, por outro, do ponto 1 da Matéria de Facto.
r) Transpondo para o caso dos autos, seria só substituir a palavra lei pela palavra sentença e concluir que o Tribunal, nem sequer o invocando, não teve, deliberadamente, em conta os elementos interpretativos contidos neste preceito, que seguramente lhe permitiria vencer dúvidas resultantes do paradoxo ou da contradição entre o conteúdo das alíneas a) e b), por um lado, e da alínea c), por outro, do ponto 1 da Matéria de Facto Provada, no que toca ao termo a quo de cálculo de juros, relativamente a um contrato de ALD de cumprimento continuado entre junho de 1994 e junho de 1998 (Docs. 5 e 6 juntos à p.i. – ponto 31 da Matéria de Facto Provada) assim se mostrando violado, por omissão de recurso a este princípio geral da interpretação das leis, a interpretação da sentença liquidanda pela sentença recorrida.
s) A douta sentença, descurando tudo o que antes refere, sintetiza que a questão que, afinal, importa apurar é então a de saber quando é que o crédito aqui em causa se tornou líquido, concretamente se a partir da notificação da R. para contestar este incidente ou se apenas com a prolação da presente sentença e traz à colação o confronto entre o já antes mencionado artigo 703.º, n.º 1, alínea a) e 2, do CPC (a sentença, aqui título executivo, abrange os juros de mora à taxa legal relativamente à obrigação dele constante) e o decidido no Acórdão do STJ n.º 9/2015, de 24/06/2015 (Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros).
t) Procede, porém, a uma interpretação congruente, entendendo que o disposto no primeiro não afronta o decidido no segundo, no sentido de que, não constando na sentença a condenação em juros de mora, estes apenas serão devidos a partir da data prolação da sentença, afastando-se deste modo a regra geral (cfr. artigo 805.º, n.º 1) que dita que a mora se constitui desde a data da citação.
u) Ora, este segmento final, sublinhado pelo A., não coincide com o prescrito no citado artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil (necessidade de interpelação para o devedor ficar constituído em mora), mas antes apela para o determinado na 2.ª parte do n.º 3 do mesmo preceito, isto é, se se trata de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a data da citação, sendo, portanto, manifesta a contradição entre o preceito invocado e a estatuição transcrita, com violação desses preceitos, por errada interpretação e aplicação, se não se tratar de um lapso , todavia, sintomático, na medida em que se põe em prática a máxima de aí se estar, afinal, a escrever ou a fazer direito por linhas tortas, em favor do ideal da justiça material do caso do Recorrente!
v) Por outro lado, completando o raciocínio, a douta sentença, atendendo a que o crédito em discussão é proveniente da prática de facto ilícito – mais precisamente do risco – acaba por decidir que os juros moratórios devem ser contabilizados desde a data da notificação da R. para o incidente uma vez que foi nesse momento que tomou conhecimento e não impugnou a liquidação do crédito, estando desde essa altura, em plena condição de ressarcir o credor, invocando, em apoio disso, os artigos 805.º, n.º 3, 2ª parte e 806.º, n.º 1, do Código Civil.
w) Ora, mais uma vez se afigura patente a contradição entre, digamos, a premissa – o crédito é proveniente da prática de facto ilícito – e a conclusão – os juros moratórios deverão ser contabilizados desde a data de notificação da R. para o presente incidente – pois que, ao invés deste raciocínio, se o crédito é proveniente da prática de facto ilícito, o devedor constitui-se em mora desde a citação para a ação, correspondendo, nesta obrigação pecuniária, a indemnização aos juros a contar do dia da constituição em mora, nos precisos termos dos artigos 805.º, n.º 3, 2.ª parte e do 806.º, n.º 1, ambos do Código Civil, invocados na douta sentença, e dispensando-se, nos termos do primeiro, a própria liquidação, e trazendo à colação os n.ºs 1 e 2, alínea b), ainda do 805.º, dispensando-se também a interpelação do devedor para que fique constituído em mora.
x) Mas, além disso e como se pode verificar, esta fundamentação assenta no pressuposto de que inexiste qualquer condenação em juros na sentença liquidanda, segundo o resumo da alínea c) do ponto 1 da Matéria de Facto Provada, e que se trata de uma obrigação ilíquida proveniente de uma condenação genérica em que a liquidação não depende de simples cálculo aritmético.
y) Ora, este pressuposto não se afigura correto pelas razões já acima invocadas, desde logo porque se sentiu a necessidade de apontar para a natureza indemnizatória dos danos causados através dos juros moratórios (artigos 562.º e 566.º do Código Civil, aliás, não invocados) e de se ter de socorrer do mecanismo do artigo 703.º, n.º 2, do CPC, para, afinal, entender que qualquer título executivo abrange juros de mora à taxa legal da obrigação dele constante, tudo isto aparentemente externo ao título executivo em causa, em vez de encontrar na sentença liquidanda, implicitamente e na sua alógica interna e consequente com a matéria de facto em que assenta – prestações sucessivas de uma dívida desde início fixada no provado contrato de ALD – esse mesmo ditame, como aliás decorre da fundamentação de direito da própria sentença liquidanda omitida na sentença recorrida (artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º, n.ºs 1 e 2, 566.º, 804.º e 806.º do Código Civil).
z) É que tem de ser nesse próprio título executivo - a douta sentença liquidanda – que se deve encontrar a ratio para deverem ser tratadas da mesma forma as situações resumidas nas alíneas a) e b), por um lado, e na alínea c), por outro, do ponto 1 da Matéria de Facto dada como Provada na douta sentença, a partir da sentença liquidanda: se as prestações referentes ao ALD, vencidas e liquidadas na p.i. e decididas na douta sentença, vencem juros de mora a partir da citação, e se pede a condenação no mais que, até integral pagamento, se vier a liquidar, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo pagamento, conforme Ac. confirmativo, forçosamente os têm de vencer, também a partir dessa data, as que se venceram até ao fim da sucessão de prestações (de 30/09/1995 a 30/06/1998) que, constando do contrato inicial, se venceram antes da própria sentença em 1.º instância, de 18/10/2003, referentes que são a prestações regulares, periódicas e continuadas do ALD, precisamente o tal mais que se veio a liquidar em execução de sentença – Cfr. Doc. 5 e 6 junto à p.i e ponto 31 da Matéria de Facto dada como provada na sentença liquidanda, e ponto 4. da Matéria de Facto Provada.
aa) Isso deriva também, como se alegou, quer de uma interpretação coerente e racional da própria sentença liquidanda, de acordo com os princípios do artigo 9.º do Código Civil, quer de uma correta interpretação e aplicação dos preceitos invocados nela própria, concretamente nos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º, n.ºs 1 e 2, 566.º, 804.º, n.º 1 e 2, 805.º, n.º 1, 2, alínea b) e 3, in fine e 806.º, todos do Código Civil – obrigação de indemnizar, reconstituição da situação, nexo de causalidade, danos emergentes e lucros cessantes, danos futuros previsíveis e determináveis, obrigação pela mora do devedor, prestação não efetuada por causa imputável ao devedor, interpelação ou desnecessidade dela, liquidação ou também desnecessidade dela por, resultante de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, poder ser imputável ao devedor – assim violados pela douta sentença recorrida por omissão ou errada interpretação.
ii. A partir da interpelação extrajudicial para pagamento (subsidiariamente).
bb) No quadro do que antes se alegou, e contra aquilo que consta da douta sentença acerca de se tratar de uma obrigação genérica e não dependente de cálculo aritmético, tem de chamar-se à colação, embora subsidiariamente, o que resulta da correspondência trocada pelo Recorrente Seguradora, junta ao req. inicial deste incidente, entre 22/07/2004 e 06/04/2005, concretamente esta última, correspondência esta dada como provada no ponto 3 conjugado com o resultado do ponto 4 da Matéria de Facto da sentença recorrida:
− aquele enviou a esta uma declaração, de 24/03/2005 (Doc. 12 junto ao req. inicial) que então obtivera da locadora, (…) Consumer Finance, IFIC (antiga …, Aluguer de Viaturas, SA.), e em que esta confirmava a quantia total paga pelo ALD, com IVA e Seguro, de € 26.912,17 (= € 19.443,44 + € 3.278,78 de IVA + € 4.179.95 de Seguro);
− por uma simples operação aritmética, subtraindo ao que foi pago pela Seguradora através do cheque, emitido em 10/03/2005, no total de € 25.494,30, a parte atinente ao ALD, que representava € 7.082,88 dos € 14.548,04, do total de danos patrimoniais, como consta ponto 3 da Matéria Provada no despacho saneador, obtinha-se o valor liquidado de € 19.829,19 (= € 14.548,04 - € 7.082,88), como consta do ponto 4 da Matéria de Facto Provada da douta sentença recorrida;
− como acima alegado, subsiste um pequeno lapso aritmético: liquidou-se, na alínea a) da conclusão do pedido, a quantia de € 19.829,29, e deste ponto 4 consta a quantia de € 19.829,19, isto é, menos € 0,10.
cc) Não há dúvida, pois, que a forma de cálculo da verba ora liquidada neste incidente (€ 19.829,29), respeitante exclusivamente ao ALD, já consta da carta de 06/04/2005, do A. para a Seguradora (Doc. 6 junto ao req. inicial.), na medida em que aí se subtraiu, do total pago pelo ALD, segundo a Locadora (€ 26.912,17 e não € 26.712,17, como consta dessa carta), o que, a esse mesmo título, fora pago (€ 8.675,54 mas, corrigindo este outro lapso, foram, apenas € 7.082,88, como consta no ponto 3 do despacho saneador) pela Seguradora e incluído no cheque de € 25.494,30, se encontraria, corrigidos esses dois lapsos, até favoráveis à Seguradora, aquele mesmo valor de € 19.829,29, o que melhor se clarifica da forma seguinte:
− o que consta da carta de 06/04/2005: € 26.712,17 - € 8.675,54 = € 18.036,63;
− o que é correcto, corrigidos os dois lapsos: € 26.912,17 - € 7.082,88 = € 19.829,29.
dd) Assim sendo, e ao contrário do que consta na nota de rodapé 3, na página 8 da douta sentença, uma vez que se tratou de simples erros de cálculo que, no seu absoluto mutismo, a Seguradora se não dignou corrigir, sendo que isso lhe era até favorável, deverá, portanto, considerar-se que a condenação, resumida na alínea c) do ponto 1 da Matéria de Facto dada como Provada na douta sentença:
− ficou dependente de liquidação da obrigação por simples cálculo aritmético, nos termos do artigo 704.º, n.º 6, com remissão para o n.º 2 do 609.º do CPC;
− que essa liquidação se operou pela carta de 06/04/2005 (com referência à carta de 27/01/2005);
− que essa carta constituiu uma verdadeira interpelação extrajudicial, com a virtualidade de antecipar o momento da mora, quer nos termos dos artigo 804.º, n.º 2 (não ter o devedor efetuado a prestação no tempo devido e isso lhe ser imputável), quer nos termos do artigo 805.º, n.º 1 (interpelação extrajudicial, apesar de esta ser dispensável, nos termos do n.º 2, alínea b)), ficando a partir daí obrigado a indemnizar o Recorrente, nos termos combinados dos artigos 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º 1, apesar de lhe ser também imputável a falta de liquidez e de, por se tratar de responsabilidade pelo risco, ser legalmente dispensável a própria liquidação, nos termos do artigo 805.º, n.º 3, 1.ª e 2.ª partes, respetivamente, do Código Civil.
ee) Ao descurar a Matéria de Facto considerada Provada no ponto 3, na parcela referente ao ALD pago pela Seguradora ao A. ora Recorrente – € 7.082,88 – e, portanto, dela não fazer o devido enquadramento jurídico, a douta sentença viola os preceitos constantes da al. anterior destas, tanto adjetivos como substantivos.
ff) A douta sentença, salvo melhor opinião, não leva na devida conta ou pelo menos não tira quaisquer ilações a esse respeito, a distinção que, no caso dos autos e nos termos da lei civil, se tem de fazer entre:
− obrigação (pecuniária) de indemnização – artigos 562.º a 572.º – que deve obedecer aos critérios de reconstituição fixados nos artigos 562.º e, por se tratar de indemnização em dinheiro, o prescrito no artigo 566.º do CC com referência à mora do devedor, ao momento da sua constituição e à indemnização por isso mesmo nas obrigações pecuniárias, de acordo com os artigos 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil; e
− a simples obrigação (pecuniária) de juros, prevista nos artigos 559.º a 561.º do Código Civil.
gg) Ora, é de uma obrigação (pecuniária) de indemnização que aqui se trata e não de obrigação de juros, e daí, além do mais, a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação – artigo 562.º –, a ser efetuada em dinheiro, tendo ainda a medida a diferença entre a situação patrimonial hipotética e a real, nos termos do artigo 566.º, n.º 1 e 2, do CC. – Ao omitir e, portanto, ao não tirar conclusões desta distinção a douta sentença viola também os preceitos acabados de referir.
hh) Quanto ao Ac. da Relação de Guimarães, trazido pela douta sentença para coonestar, a título de exemplo, a posição acerca do termo a quo para contagem dos juros de mora – da notificação para o incidente de liquidação – deve dizer-se que a situação nele decidida não se confunde com a dos presentes autos, quer porque nem sequer foi formulado um pedido de condenação genérica sobre tal matéria, quer porque não se trata aí de qualquer responsabilidade pelo risco, quer porque a ratio do preceito do n.º 3, 2.ª parte do artigo 805.º do CC – constituir-se o devedor em mora desde a citação por se tratar de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco –, continua a visar que se evitem os atrasos no pagamento da indemnização pelos danos imputados ao devedor.
D) Pedido subsidiário de atualização monetária.
ii) A recusa, pela douta sentença recorrida, de atualização monetária, só se impugna subsidiariamente, isto é, por não terem sido contados juros moratórios a partir da citação, a esse propósito se tendo de dar por reproduzido o acima alegado acerca do termo a quo do vencimento destes, a partir da citação, designadamente invocando os princípios gerais da responsabilidade por factos ilícitos (artigo 483.º do CC), e as teorias da diferença, constantes nos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, ambos do CC, tendo em conta também a dispensa de interpelação e mesmo de liquidação, no caso de obrigação proveniente por facto ilícito ou pelo risco, de acordo com o artigo 805.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, 2.ª parte, respetivamente.
jj) Com efeito, ao contrário da sentença recorrida, tem de entender-se que a coerência interna da sentença liquidanda, com base no vencimento continuado das prestações do ALD, provado no ponto 31 da Matéria de Facto dessa sentença, com apoio nos Docs. 5 e 6 juntos à p.i., implica que o crédito do Recorrente aí se deve considerar implicitamente liquidado a partir da citação (e não da notificação para este incidente), interpretando da mesma forma as alíneas a) e b), por um lado, e a alínea c), por outro, do ponto 1 da Matéria de Facto Provada na sentença recorrida, pondo aí em prática os critérios estabelecidos do artigo 9.º do CC acerca da interpretação da lei, que o mesmo é dizer da sentença liquidanda, além da aplicação ao cálculo da indemnização das teorias da diferença, ínsitas nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil.
kk) Aliás, ao asseverar-se na douta sentença que o dano em discussão se tornou certo em junho de 1998 – data do pagamento da última prestação do ALD, provado no ponto 31 com referência aos Docs. 5 e 6 juntos à p.i. –, do mesmo passo estará a afirmar que o dano se tornou líquido, dada a sua fonte no ALD, o vencimento sucessivo e continuado das respetivas prestações e a dependência de simples cálculo aritmético para a respetiva liquidação, nos termos do artigo 704.º, n.º 6, independentemente do prescrito no artigo 805.º, n.º 2, alínea b) (dispensa de interpelação) e no n.º 3, 2.ª parte (dispensa de liquidação por se tratar de responsabilidade por facto ilícito – do Segurado – ou pelo risco – da Seguradora). – Aliás, é precisamente no sentido de que certo equivale a liquido que, no último parágrafo da fl. 9 da douta sentença, se escreve: ... é que a Ré tomou conhecimento do valor certo do dano.
ll) Por outro lado, e sem conceder, o Recorrente, modesto comerciante de restauração sazonal em confronto com uma inabalável e poderosa multinacional, teria de sentir-se penalizado, com a imputação, pela douta sentença recorrida, de culpa exclusiva do alegado atraso na liquidação, postergando-se, assim, a finalidade última de alcançar a verdade material e o ideal da justiça material, sendo oportuno evidenciar que:
− se tratou de uma ação proposta em 26/10/1995, com citação em 20/11/1995, que veio a ter a sua decisão final através do Ac. confirmativo da RL de Lisboa de 08/7/2004, sem qualquer responsabilidade ou benefício do Rte.;
− logo a partir do 22/07/2004, com mais específica concretização em 06/04/2005, o Recorrente começou a contactar a Recorrida Seguradora, apresentando-lhe uma correta fórmula de cálculo da diferença, quanto ao ALD, do valor total pago pelo Recorrente à Locadora (€ 26.912,17) e do valor recebido da Seguradora a esse título (€ 7.082,88 – ponto 3 do saneador), que daria a quantia liquidada de € 19.829,29, não fossem os lapsos cometidos, perfeitamente corrigíveis por uma qualquer reposta da Seguradora, se os não aceitasse porque favoráveis. – Com efeito, na carta de 26/04/2005, conforme acima alegado, cometeram-se dois lapsos: em vez de € 26.912,17 indicaram-se € 26.712,17 e em vez de € 7.082,88, indicaram-se € 8.675,74.
mm) Aliás, ao raciocínio da sentença recorrida, sob a forma interrogativa, de se saber se a R. poderia, em algum momento anterior à propositura deste incidente, ressarcir o A., terá de responder-se afirmativamente, pelas razões legais antes expostas – designadamente, dispensa do interpelação e até de liquidação – ou, quando menos, desde que a R. foi interpelada extrajudicialmente logo a partir de 22/07/2004, quando o Ac. de 08/06/2004 teria transitado, até, mais concretamente, a 06/04/2005, com a comunicação do montante cobrado ao A. pela Locadora, conhecendo a Seguradora o que havia sido pago, quanto ao ALD, através do cheque de 10/03/2005, emitido em nome do A e, portanto, depender de uma simples operação de subtração aritmética a liquidação do montante a pagar ao A.
nn) Portanto, ao contrário da douta sentença recorrida, a atualização nos termos dos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, do CC, deverá reportar-se à citação ou, quando menos, à interpelação extrajudicial de 06/04/2005, visto que a sentença liquidanda não procedeu a qualquer atualização monetária, pelo que se não afigura oportuno, para decidir este pedido subsidiário, que seja chamado à colação o AUJ n.º 4/2002, de 09/05/2002, justamente porque se trata aqui de um pedido subsidiário e não de um pedido cumulativo com o de juros de mora, que implicasse, portanto, uma interpretação restritiva do artigo 805.º, n.º 3, 2.ª parte, no sentido de o conjugar com o artigo 566.º, n.º 2 (teoria da diferença), fixando o termo a quo dos juros de mora na decisão atualizadora e não na citação, o que, aliás, resulta do próprio Ac. confirmativo da sentença liquidanda, na medida em que aí se entende que a indemnização por danos morais deverá vencer juros da data da citação e não da data da sentença em 1.ª instância, onde se não procedeu qualquer atualização monetária.
oo) Também se deve dar por reproduzido o acima alegado no sentido de que, ao contrário do que entende a douta sentença recorrida, a sentença liquidanda, na sua lógica interna e invocando preceitos acerca da responsabilidade extracontratual, das obrigações pecuniárias de indemnização e da mora no cumprimento deste tipo de obrigações, condena, implicitamente, em juros de mora, a partir da citação, termo a quo a transpor aqui, subsidiariamente, para a atualização da moeda, no que se refere à parcela do ALD e quanto às prestações vencidas de 30/09/1995 até 30/07/1998, relativas a um contrato que se documenta nos autos – Docs. 5 e 6 juntos à p.i. e ponto 31 da Matéria de Facto – e está dado como provado no ponto 3 da Matéria de Facto, no seu cumprimento continuado, sob pena de violação das regras de interpretação consagradas no artigo 9.º do Código Civil.
pp) A propósito do outro Ac. STJ, n.º 9/2015, de 14 de maio de 2015, publicado no Diário da República n.º 121/2015, Série I de 2015-06-24, citado na douta sentença, poderá trazer-se à colação o que consta da declaração de voto da Sr.ª Conselheira Maria Clara Sottomayor, e a doutrina aí citada no sentido de se evitar a “prevalência absoluta de uma visão puramente literal do princípio do dispositivo que pode conduzir à sobreposição do direito adjetivo ao direito substantivo e que não é compatível com a natureza da obrigação de indemnizar enquanto dívida de valor, a esta luz devendo interpretar-se o pedido do autor” – Cfr. Graça Trigo, em comentário ao acórdão uniformizador n.º 13/96 («Incumprimento da obrigação de indemnizar», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Almeida Costa, Universidade Católica Editora, 2002, págs. 1022-1023) – Cfr. ainda os Acórdãos do STJ, citados na resposta do Recorrente de 26/03/2023, à exceção de prescrição: proc. n.º 630-A/1996.S1, de 14/07/2009; proc. n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1 de 14/11/2021; proc. nº 10489/17.0T8SMP.L1.S1 de 01/03/2023 e Proc. n.º 386/20.0T8SCR.L1.S1, de 27/04/20023.
qq) Para concluir tal voto, em situação idêntica à dos autos, que: “Não viola o princípio do pedido, nos termos do artigo 609.º, n.º 1, do CPC, a decisão de decretar juros de mora à taxa legal sobre indemnizações provenientes de factos constitutivos de responsabilidade civil extracontratual, por tal não consistir numa condenação em objeto diverso ou em quantidade superior do pedido, mas apenas numa forma de combater a inflação verificada entre a data da citação e a data do efetivo e integral pagamento, atribuindo ao lesado o valor real do dinheiro pedido”, só assim, poderá acrescentar-se, se reconstituindo a situação que existiria, de acordo com os artigos 652.º e 656.º do CC.
rr) Assim sendo, se se entendesse que as prestações respeitantes ao ALD, vencidas entre 30/09/1995 e 30/06/1998 não venceriam juros de mora a partir da citação mera hipótese de raciocínio, os montantes de tais prestações deveriam ser atualizados de igual modo a partir da citação ou, quando menos, a partir da interpelação extrajudicial, em 06/04/2005, de acordo com o princípio estabelecido no artigo 551.º do Código Civil, conjugado com os artigos 562.º e 566.º do CC (teoria da diferença), sem se prescindir de que esta interpelação seria dispensável, nos termos do artigo 805.º, n.º 2, alínea b), tal como a própria liquidação, nos termos da 2.ª parte do n.º 3, ainda do artigo 805.º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito que doutamente serão supridos pelo venerando Tribunal Superior, considerando procedentes os fundamentos do presente recurso, deverá ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por Acórdão:
− que fixe o termo a quo da contagem dos juros da quantia ora liquidada – 19…… – respeitante às prestações, de vencimento continuado, do ALD, provado pelos Docs. 5 e 6 junto à p.i. e ponto 31 da Matéria de Facto, entre 30/09/1995 e 30/06/1998, a partir da data da citação para a ação (20/11/1995) e não da data da notificação da Seguradora para este incidente (20/03/2023), interpretando de forma igual e coerente as alíneas a) e b), por um lado, e a alínea c), por outro, do ponto 1 da Matéria de Facto Provada, na sentença recorrida, transcritas da sentença liquidanda;
− que, se assim não entendesse, uma vez que a liquidação do remanescente das prestações do ALD dependia de uma simples operação aritmética de subtração do que, a ele respeitante, fora pago à Locadora pelo Recorrente (€ 26.912,17) e o que a Seguradora lhe pagou, através da parcela do cheque de 10/03/2005 (€ 7.082,88 – ponto 3 da Matéria de Facto Provada no despacho saneador), e que isso foi objeto de interpelação extrajudicial à Seguradora através da correspondência que lhe dirigiu o Recorrente entre 22/07/2004 e 06/04/2020 (mais concretamente esta última, apesar dos lapsos perfeitamente corrigíveis pela Seguradora se quisesse, como devia ter respondido), os juros de mora deveriam ser contados a partir da data desta interpelação, sem conceder, que ela seria dispensada por se tratar de responsabilidade por facto ilícito e pelo risco, assim como a própria liquidação, de acordo, respetivamente, com o artigo 805.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, 2.ª parte;
− que, ainda se assim não se entendesse, as prestações respeitantes ao ALD, de vencimento continuado, (relativamente às vencidas e liquidadas na sentença liquidanda, entre 06/06/1994 e 30/09/1995), entre esta última data e 30/06/1998, deveriam ser objeto de atualização monetária de igual modo a partir da citação, ou, quando menos, a partir da interpelação extrajudicial, de acordo com o princípio estabelecido no artigo 551.º do Código Civil, conjugado com os artigos 562.º e 566.º do Código Civil (teoria da diferença), ainda sem se prescindir de que esta interpelação seria dispensável, nos termos do artigo 805.º, n.º 2, alínea b), tal como a própria liquidação, nos termos da 2.ª parte do n.º 3, ainda do artigo 805.º do Código Civil.
Assim se fará a esperada Justiça».
*
A parte contrária contra-alegou onde defendeu o indeferimento do recurso, alargando o objecto do recurso à matéria da prescrição dos juros.
*
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha.
Analisadas as alegações de recurso o thema decidendum está circunscrito à apreciação da alegada errada interpretação do Tribunal recorrido quanto à operação de não contabilização dos juros – e, a título eventual, a questão da prescrição parcial dos mesmos – e, subsidiariamente, de actualização da moeda.
* III – Dos factos com interesse para a justa resolução do recurso: 3.1 – Matéria de facto provada:
Discutida a causa e com revelo para a decisão a proferir, provou-se que:
1) Por sentença proferida nos autos em 18/10/2003, posteriormente confirmada por acórdão de 08/06/2004 e transitada em julgado a 05/07/2004, foi a Ré condenada a pagar ao Autor:
a. A quantia de 2.916.620,00 escudos, a que corresponde € 14.548,04, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
b. A quantia de 100.000,00 escudos, a que corresponde € 498,80, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
c. Relega-se para execução de sentença, os montantes respeitantes às quantias despendidas para pagamento da garagem para a guarda do Volkswagen, e do pagamento do ALD e respectivo seguro, respeitantes ao período temporal a partir de 30/09/1995.
2) A propósito do ponto c), consta, no segmento de fundamentação de direito da referida sentença, o seguinte trecho: «E uma vez que o Autor ainda requer a condenação da Ré no pagamento do mais que se vier a liquidar, até integral pagamento, relega-se para execução de sentença, os montantes respeitantes às quantias despendidas para pagamento da garagem para a guarda do Volkswagen, e do pagamento do ALD e respetivo seguro, respeitantes ao período temporal compreendido a partir de 30.09.1995».
3) Após o trânsito em julgado da sentença, a Autora contactou com a Ré, por cartas datadas de 22/07/2004, 27/01/2005 e 06/04/2005, no sentido de se apurar o cálculo dos juros da quantia liquidada na sentença como quanto ao cálculo do que havia sido relegado para execução de sentença.
4) Com a guarda do Volkswagen na garagem, ALD e respectivo seguro entre 31/10/1995 e 30/06/1998, data do último pagamento, o Autor despendeu a quantia total de € 19.829,29[6].
* 3.2 – Factos fixados no despacho saneador e não transpostos para a decisão final[7]:
5) […] A totalidade dos danos patrimoniais liquidados derivou das seguintes parcelas: reboque – 9.605$00, aluguer de viatura de substituição – 225.320$00, garagem de guarda do veículo sinistrado (até 31/10/95) – 310.800$00, pagamento do ALD, respectivo IVA e seguro do novo veículo (…) 1.4 SLX desde 05/07/1994 até 30/09/1995 (€ 7.082,88) – 1.419.990$00, reparação do (…) 950.905$00; no total de 2.916.620$00 (equivalente a € 14.548,04).
6) A este montante fizeram as partes acrescer o valor dos danos não patrimoniais e, sobre essa totalidade, juros de mora à taxa legal sucessiva, desde a citação em 20/11/1995 até 31/01/2005, o que representou um total de € 25.494,30, assim repartido:
- Danos patrimoniais (até 30/09/1995): € 14.548,04.
- Danos não patrimoniais: € 498,80.
- Juros de mora, sobre ambos, desde 20/11/1995 a 31/01/2005: € 10.447,46
no total de € 25.494,30.
7) O pagamento desta totalidade foi efectuado pela Ré através de cheque à ordem do Autor, com data de 10/03/2005, sobre o Banco, que lhe foi entregue em mão directamente na sua sede, em 14/03/2005, mediante assinatura do recibo e declarada autorização do seu mandatário, a pedido da Ré.
8) A referida sentença transitou em julgado, mostrando-se, assim, devidas essas prestações, correspondentes concretamente ao ALD[8].
9) A presente liquidação da sentença foi instaurada a 15/03/2023.
10) E a Ré foi citada nela a 23/03/2023.
* IV – Fundamentação: 4.1 – Da iliquidez da obrigação e do pedido de contagem de juros desde a data da citação para os termos da acção declarativa:
No antecedente processo declarativo a Ré foi condenada a pagar ao Autor as quantias despendidas para pagamento da garagem para a guarda do (…) e do pagamento do ALD e respectivo seguro, respeitantes ao período temporal a partir de 30/09/1995. E o Autor veio liquidar as verbas relacionadas com o pagamento do ALD e seguro.
A obrigação diz-se líquida quando se encontra determinada em relação à sua quantidade, isto é, quando se sabe exactamente quanto se deve (quantum debeatur)[9], ou quando essa quantidade é facilmente determinável através de uma operação de simples cálculo aritmético com base em elementos constantes do próprio título. Consequentemente, a obrigação será ilíquida quando, apesar de a sua existência ser certa, o seu montante ainda não se encontrar fixado[10][11].
Numa visão mais ampla, Miguel Teixeira de Sousa advoga que a obrigação será líquida não só quando já está determinada, mas também quando é determinável em relação à sua quantidade[12].
Como se afirma na decisão recorrida o incidente de liquidação de sentença destina-se tão só à concretização do objecto da sua condenação, com respeito do caso julgado da sentença objecto de liquidação, não sendo permitido às partes tomar contrariar ou ampliar os termos da condenação genérica.
O Juízo Local de Competência Genérica de Sesimbra liquidou a obrigação principal no montante de € 19.829,19 (dezanove mil e oitocentos e vinte e nove euros e dezanove cêntimos)[13] e o Autor disse aceitar nesse segmento o decidido na sentença proferida em 17/11/2024.
E, assim, a questão controvertida cinge-se à matéria dos juros, à hipotética prescrição parcial dos mesmos e, subsidiariamente, à matéria da actualização monetária da obrigação.
A obrigação de juros tem por objecto os denominados frutos civis[14], sendo que essa obrigação incide, em regra, sobre rendimentos de uma quantia líquida e exigível[15], sendo que, consensualmente na doutrina e na jurisprudência, à mesma é reconhecida uma natureza acessória e uma relação de dependência relativamente à obrigação principal, desempenhando os juros funções de índole indemnizatória, remuneratória e compulsória.
Os juros constituem frutos civis que o credor aufere como rendimento de uma obrigação de capital e caracterizam-se pelo vencimento periódico das respectivas prestações. Não constituem obrigação de juros as prestações que, tendo embora por base a entrega dum capital, não resultem do rendimento do mesmo.
Os juros são, assim, a compensação que o devedor paga continuadamente pelo uso ou simplesmente pela disponibilidade temporária de um capital constituído por dinheiro ou outras coisas fungíveis e que é expressa numa fracção previamente determinada ou determinável da quantidade devida[16][17].
A questão base da impugnação por via recursal assenta na interpretação da disciplina prevista no artigo 805.º[18] do Código Civil, dispositivo que regula a questão do momento de constituição em mora.
Na mora debitoris está-se perante um ilícito culposo por parte do devedor, ou seja, ocorre, nas palavras de Menezes Cordeiro, uma violação voluntária de uma certa norma jurídica, por parte devedor[19].
Neste domínio, a regra base é a de que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Contudo, existe uma norma especial que trata da questão das obrigações ilíquidas.
A saber, prescreve o n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
No comentário de Maria da Graça Trigo e de Mariana Martins a primeira parte do n.º 3 vem reproduzir a regra in iliquidis non fit mora: perante a iliquidez do crédito, em virtude da indeterminação do seu conteúdo, estabelece este normativo que não há mora[20].
A situação sub judice enquadra-se na segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, por estar em causa um quadro de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, decorrente de acidente de viação. Este evento delituoso constitui excepção à regra da necessidade de interpelação do devedor, ainda que exista uma situação obrigacional de iliquidez.
No caso da responsabilidade por facto ilícito ou risco, sendo o crédito ilíquido, para a constituição da mora, está dispensada a interpelação do devedor para o início da contagem do prazo.
Como atesta Jorge Ribeiro de Faria «se o crédito for ilíquido, não há mora, enquanto ele não se tornar líquido, salvo tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, caso em que o devedor se constitui em mora pelo menos desde a citação»[21].
Rodrigues Bastos ensina que a isenção da interpelação para a constituição em mora do devedor de indemnização por facto ilícito resulta da exigência que deve fazer-se-lhe de eliminar imediatamente as consequências danosas do facto ilícito, especialmente tendo em consideração que habitualmente decorre bastante tempo entre a prática do facto ilícito e a liquidação do dano; esse fim obtém-se obrigando-o a pagar juros moratórios sobre a soma que virá a ser liquidada, a contar da citação para a acção[22].
Isto é, consagra-se um regime próprio para a via delitual, no caso de iliquidez de crédito (805.º/3, segunda parte), o qual permite antecipar o momento da constituição da mora para o da citação do devedor[23].
Em suma, nos juros moratórios a que se reportam os artigos 805.º e 806.º do Código Civil está legalmente estabelecido, nos casos de obrigação ilíquida, no tocante à responsabilidade civil extracontratual, um termo inicial específico da mora do lesante-devedor, que corresponde ao momento da citação.
A inovação introduzida pela redacção do DL n.º 262/83, de 16/06 – segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil – pretendeu consagrar o agravamento da indemnização exigível do devedor responsável pelo dano, por forma a que no seu pagamento, com a contínua desvalorização da moeda, lhe não aproveite[24].
Dias Marques sintetiza que, na conformidade das regras que regulam o tempo da prestação, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado, independentemente de interpelação, constituir-se-á em mora se a obrigação tiver prazo certo, ou provier de facto ilícito, ou se ele próprio impedir a interpelação[25] e, bem assim, nas hipóteses previstas na segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil.
E esta conclusão afasta irremediavelmente a aplicação da jurisprudência convocada na decisão de Primeira Instância[26]. Não existe qualquer identidade com a hipótese aqui colocada, sendo que naquele aresto não se estava perante uma situação subsumível na parte final do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil.
No entanto, se o recorrente tem razão quanto à aplicação do n.º 3 do artigo 805.º, este vencimento interpretativo nenhum efeito prático tem na atribuição dos pretendidos juros.
Na realidade, basta atentar na distinção literal dos segmentos condenatórios da sentença proferida a 18/10/2003 para se concluir que, ao contrário daquilo que sucedeu no arbitramento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sobre os quais incidiram juros, o mesmo já não sucedeu no caso da parte que foi relegada para a execução de sentença.
Tendo sido certa ou errada a ausência de fixação de juros relativamente à obrigação ilíquida, aquilo que é incontestável é que a dita decisão transitou em julgado e, de harmonia com o disposto nos artigos 619.º[27] e 621.º[28] do Código de Processo Civil, a mesma constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Neste particular, é de atender à solução encontrada no acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2015 fixou que «se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros»[29].
Deste aresto tem de se retirar um outro corolário se, estando em apreciação uma situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o Tribunal que profere a decisão ilíquida não sujeitar esta obrigação ao pagamento de juros, os mesmos não são devidos nos termos pretendidos pelo recorrente.
Tendo em conta que na sentença condenatória já existiu uma fase declarativa prévia, em que as partes tiveram a possibilidade de discutir, com toda a amplitude, o mérito da causa, teremos de concluir que esse título constitui a base do incidente, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva ou da liquidação.
Nesta ordem de ideias, inexistindo uma condenação no pagamento de juros relativamente à parte ilíquida desta obrigação, os mesmos não podem agora ser cobrados e muito menos desde o momento da propositura daquela acção.
* 4.2 – Do conhecimento condicionado da questão da prescrição de curto prazo relativamente aos juros:
Sem conceder, ainda que não fosse acertada esta posição, a obrigação de pagamento de juros estaria parcialmente prescrita, tal como sustenta a sociedade recorrida.
O decurso do tempo é especificamente causa de extinção ou perda de direitos, por inobservância do prazo para o seu exercício, sendo que a prescrição se destina a sancionar a negligência do titular do direito.
Diz-se prescrição quando alguém se pode opor ao exercício dum direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado por lei[30].
Vaz Serra escreveu «sem querer entrar na discussão de qual seja exactamente o fundamento da prescrição, que uns vêem na probabilidade de ter sido feito o pagamento, outros na presunção de renúncia do credor, ou na sanção da sua negligência, ou na consolidação das situações de facto, ou na protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento ou no sossego quanto à não existência da dívida, ou na necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, ou na de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos, ou na de promover o exercício oportuno dos direitos – pode dizer-se que a prescrição se baseia, mais ou menos, em todas estas considerações, sem que possa afirmarse só uma delas ser decisiva e relevante»[31].
Em trabalho sobre esta temática, Aníbal de Castro comenta que «a prescrição destina-se a contrariar a situação anti-jurídica da negligência; a caducidade a limitar o lapso de tempo a partir do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos. Estes os motivos específicos de cada uma das limitações temporais, sendo comuns as razões que as determinam por destinarem-se ambas a servir a segurança e certeza da ordem jurídica, pondo-se assim termo a situações contrárias ao direito e à prejudicial ou perturbante dilação do seu exercício, distinguindo-se ainda pelos efeitos, paralisação num caso, extinção no outro»[32].
Dias Marques define a «prescrição como a extinção dos direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo, o que significa, em outros termos, que, uma vez completada a prescrição, tem o sujeito passivo por ela beneficiado a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito»[33].
Efectivamente, tal como está precipitado no n.º 4 do artigo 306.º[34] do Código Civil, se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação e neste caso o prazo iniciar-se-ia no dia seguinte ao trânsito em julgado do processo declarativo.
Assim, no domínio dos juros, caso os mesmos tivessem integrado o segmento condenatório, importaria declarar prescritos os juros vencidos em momento anterior aos últimos 5 anos[35], contados desde a data de entrada do incidente de liquidação[36].
Com efeito, quanto às prestações à data ainda não constituídas (juros vencidos), o prazo prescricional aplicável seria o que é previsto no artigo 310.º do Código Civil, uma vez que assim o impõe a razão de ser da prescrição quinquenal[37][38]. As prestação ainda não devidas, mesmo quando se lhe refira a sentença ou outro título executivo, mantém os prazos curtos de origem[39] – o que não é caso, conforme já acima demonstramos.
Isto é, os juros posteriores à sentença prescrevem no prazo de cinco anos[40]. E quanto aos juros anteriores e contemporâneos à sentença, a mesma é omissa quanto à respectiva condenação não havendo assim fundamento para a respectiva titularização.
A presente liquidação da sentença foi instaurada a 15/03/2023 e a Ré foi citada nela a 23/03/2023, posto que, nesta ordem de ideias, caso tivesse obtido vencimento a posição do recorrente, mostrar-se-iam prescritos os juros vencidos há mais de 5 anos, contados da data citação.
* 4.3 – Do pedido de pagamento de juros a partir da interpelação para pagamento:
Aquilo que se acabou de dizer para os juros vencidos e vincendos teria mutatis mutandis aplicação à questão da convocada interpelação efectuada para contagem de juros posteriores ao da prolação da sentença datada de 2003, com a agravante de, em sede de incidente de liquidação, não ter sido deduzida qualquer pretensão nesse sentido, o que por força do princípio do dispositivo inscrito nos artigos 3.º[41] e 5.º[42] do Código de Processo Civil inviabilizaria o conhecimento da referida solicitação.
Miguel Teixeira de Sousa sublinha que existe «um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (artigo 660.º, n.º 2, 2.ª parte)[43], e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (artigo 661.º, n.º 1)[44]. A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte)[45] ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (artigo 668.º, n.º 1, alínea e)»[46].
No que respeita ao pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, vigora um princípio que o mesmo baliza os limites de decisão do juiz – isto é, aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse – e só dentro dessas margens se admite a decisão.
Em sede de recurso, o Autor veio suscitar a questão da contagem de juros a partir de uma interpelação extrajudicial – artigo 44º das alegações, sendo que essa matéria não admite o seu conhecimento oficioso por parte do Tribunal e essa possibilidade mostra-se como tal precludida, face aos limites em que foi deduzido o pedido e, bem assim, a causa de pedir.
Na verdade, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Na verdade, Miguel Teixeira de Sousa ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas .
De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.
Deste modo, a matéria introduzida ex novo não é susceptível de ser apreciada em sede de recurso e não existe qualquer outro argumento recursivo que tenha a idoneidade para alterar a decisão recorrida, sendo que, neste domínio, valeriam as conclusões dos pontos anteriores quanto à ausência de título legitimador e ao decurso do prazo prescricional.
Isto sem deixar de salientar que, em parte, existe um cenário de culpa (rectius, responsabilidade) própria do credor que demorou cerca de 19 anos a propor o competente processo tendente a tornar líquida a obrigação.
* 4.4 – Da apreciação subsidiária da questão da actualização monetária:
Não sendo lícita a cumulação pelo lesado dos pedidos de juros de mora desde a citação e de actualização de indemnização por desvalorização monetária, a parte veio a título subsidiário requerer esse pagamento.
Neste domínio é de atender à decisão uniformizadora de jurisprudência tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça que decidiu no sentido que «sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação»[47].
Porém, como ponto de partida para a discussão, importa realçar que no pretérito processo declarativo o Tribunal a quo não procedeu à reclamada actualização, a parte afectada pela decisão não interpôs recurso e, incidentalmente, o Tribunal da Relação de Lisboa fundamentou a decisão nos seguintes termos: «Não resulta dos autos que a sentença tenha tido em conta essa actualização no cálculo da indemnização. Não sendo o caso de se poder falar de decisão actualizadora, nos termos do artigo 566.º do Código Civil, não tem aplicação a parte transcrita do acórdão mencionado» [referindo-se ao AUJ n.º 4/2002]. Deste modo, o efeito do caso julgado não abrange qualquer decisão actualizadora.
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de não atribuição do mecanismo de correcção monetária nos seguintes termos:
«(…) para que o tribunal possa proferir uma decisão atual é necessário que «alguém o chame a juízo», isto é, que o lesado proponha uma ação judicial liquidando o seu dano, proferindo, a final, o tribunal uma decisão que tenha em consideração a eventual desvalorização da moeda. No caso presente, o que se verifica é que o dano em discussão não se encontrava líquido ficando a cargo do Autor promover tal liquidez com a instauração do presente incidente de liquidação. Ora, tal incidente só veio a ser proposto no dia 20.03.2023 por sua exclusiva opção, pelo que, a decisão atualizadora a tomar nestes autos terá que ter, necessariamente, como termo inicial, a data de propositura do presente incidente. Na verdade e pese embora se tenha apurado que o dano que ora se liquida tornou-se certo em junho de 1998 e que a sentença liquidanda transitou em julgado no 05.07.2004, foi o Autor que optou por aguardar cerca de 19 anos para vir intentar o presente incidente de liquidação, não podendo por isso beneficiar com a sua inércia uma atualização monetária que, caso tivesse agido de forma mais atempada (diga-se que o podia fazer de junho de 1998) teria tido a sua justa medida. Se o intuito da presente diretriz é proteger o lesado da demora da decisão, tal proteção não pode vigorar quando a demora é provocada pela sua inércia».
Efectivamente, estamos totalmente de acordo com esta solução, porquanto não se pode imputar ao lesante o risco da depreciação monetária nos casos em que os prejuízos causados ao lesado não decorrem de qualquer retardamento na liquidação motivado por comportamento dilatório do devedor nem é o atraso no funcionamento do aparelho judicial que obsta à liquidação da indemnização, mas antes existe um cenário de culpa própria do credor que demorou cerca de 19 anos a propor o competente processo tendente a tornar líquida a obrigação.
Como sublinha a melhor jurisprudência, uma decisão actualizadora da indemnização, em rigor, pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização, situação a que não se reconduz necessariamente ao cálculo da indemnização, com base no princípio da diferença de esfera patrimonial a que se reporta o n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil[48][49].
Maria de Lurdes Pereira alerta que uma actualização indiscriminada da indemnização por meio da aplicação da taxa anual de inflação levaria a resultados insustentáveis e não corresponde ao método de cálculo do dano consagrado no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil[50].
Para esta autora «não se pode fundar no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil uma actualização indiscriminada do valor da indemnização de acordo com os valores da inflação. A jurisprudência da decisão actualizadora só é de aceitar na medida em que a consideração da inflação seja imposta por este preceito ou se refira à indemnização por danos não patrimoniais. De facto, a actualização impõe-se no domínio dos danos não patrimoniais – por consideração da função de compensação deste tipo de danos – e, em termos limitados, no domínio dos danos patrimoniais, concretamente impõe-se sempre que o próprio valor do dano varie na dependência da variação do valor da moeda[51].
Na situação judicanda não há qualquer sinal objectivo ou facto de suporte que permita concluir que pela existência de variação do dano relativamente aos valores de ALD e respectivo seguro que implique a actualização monetária, a qual, aliás, só seria viabilizada a partir da citação para os termos do incidente de liquidação, face ao limites do caso julgado.
Pelo contrário aquilo que transparece, à saciedade, é que, a ser assim, estar-se-ia num enquadramento de «dilação especulativa»[52] do lesado, manifestamente contrária aos ditames da boa fé, caso o Tribunal validasse a transformação de uma dívida liquidada na quantia € 19.829,29 num montante global de € 34.453,55, quando na acção declarativa não foram atribuídos juros nem foi aceite a questão da desvalorização monetária, aliada à circunstância de a demora na liquidação se dever a culpa própria.
Em última análise, o instituto da boa fé, enquanto fonte modeladora e correctiva do relacionamento contratual, conduziria sempre à supressão da possibilidade de actualização monetária da decisão condenatória, dado que se está perante um caso em que foi o próprio lesado que protelou o recurso ao mecanismo da liquidação e não está factualmente demonstrado qualquer comportamento culposo da parte contrária.
A ratio normativa e a aplicação jurisdicional da regra da actualização da indemnização por desvalorização monetária visa essencialmente compensar o lesado pela perda de poder aquisitivo e evitar que este seja penalizado pela excessiva dilação do processo judicial e a sua operacionalização não pode servir de meio para legitimar o prolongamento excessivo duma liquidação duma obrigação determinada judicialmente.
Os danos decorrentes da demora do pagamento, posteriores à citação e anteriores à liquidação, tem in casu origem numa situação de contumácia do próprio credor e assim a indemnização pecuniária de objecto actualizado não tem aqui lugar.
Nestes termos, também nesta parte se julga improcedente o recurso apresentado, confirmando-se a decisão recorrida.
* V – Sumário: (…) * VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, nos termos e abrigo do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique. *
Processei e revi.
*
Évora, 27/03/2025
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel Maria Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] Lapso manifesto rectificado nos termos dos artigos 613.º e 614.º do Código de Processo Civil.
[7] A integração dos referidos factos é realizada ao abrigo do disposto dos artigos 613.º e 614.º do Código de Processo Civil, por não configurar qualquer alteração do acervo factual, mas apenas um lapso manifesto na transcrição da factualidade assente.
[8] Por conflito e sobreposição de datas com o ponto dos factos provados foi eliminada a data aqui mencionada.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/2003, in www.dgsi.pt.
[10] Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 144.
[11] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/10/2014, in www.dgsi.pt. Propugna que «I – A liquidação de condição genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo Tribunal e agente de execução. II – Diversamente, não depende de simples cálculo aritmético (embora implique, também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso. III – Para que a execução se possa fundar em liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético, nos termos previstos nos nºs 4 e 5 do CPC, é necessário que não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração».
[12] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pág. 107.
[13] O Autor recorrente invoca um lapso material na sentença de liquidação, por o incidente não abranger qualquer objecto relacionado com a guarda do veículo sinistrado, mas o referido lapso por corresponder a uma questão interpretativa do julgador «a quo» não é susceptível de ser corrigida pelo Tribunal da Relação, uma vez que não se enquadra na categoria do lapso manifesto.
[14] Artigo 212.º (Frutos):
1. Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância.
2. Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm directamente da coisa, e civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica.
3. Consideram-se frutos das universalidades de animais as crias não destinadas à substituição das cabeças que por qualquer causa vierem a faltar, os despojos, e todos os proventos auferidos, ainda que a título eventual.
[15] José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2.ª edição (revista e actualizada), Universidade Católica Editora, Porto, 2017, pág. 165.
[16] Vaz Serra, Obrigação de Juros, BMJ n.º 55, págs. 159 a 170.
[17] Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª edição, Coimbra, 1989, págs. 14 e seguintes.
[18] Artigo 805.º (Momento da constituição em mora):
1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
[19] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. IX, 3.ª edição totalmente revista e aumentada, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 238.
[20] Maria da Graça Trigo e Mariana Nunes Martins, Comentário ao Código Civil – Direito das obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 1131.
[21] Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 377.
[22] Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. III, Lisboa, 1993, pág. 262.
[23] António Barroso Rodrigues, O Concurso de Responsabilidade Civil – Ensaio sobre o concurso das modalidades delitual e obrigacional de responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 67.
[24] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. II, 4.ª edição revista e actualizada (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 65.
[25] J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 7ª edição, Lisboa, 1992, pág. 230.
[26] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08/06/2017, pesquisável em www.dgsi.pt, que afirma que «os juros de mora só são devidos desde a data da notificação do requerido para os seus termos».
[27] Artigo 619.º (Valor da sentença transitada em julgado):
1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
2 - Mas se o réu tiver sido condenado a prestar alimentos ou a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação.
[28] Artigo 621.º (Alcance do caso julgado)
A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
[29] Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2015, publicado do D.R., 1.ª série, de 24 de junho de 2015.
[30] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, pág. 155.
[31] Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, BMJ n.º 105, pág. 32.
[32] Aníbal de Castro, A caducidade, 3ª edição melhorada e actualizada, Petrony, 1984, pág. 30.
[33] Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, págs. 114 e 112.
[34] Artigo 306.º (Início do curso da prescrição)
1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
2. A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.
3. Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele.
4. Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado.
[35] Artigo 310.º (Prescrição de cinco anos)
Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
[36] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25705/2023, disponível em, www.dsgi.pt, que decidiu que «de acordo com o artigo 310.º, alínea d), do CC, os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de cinco anos, o que significa que prescrevem os juros que se tenham vencido mais de cinco anos antes da citação ou da prática de qualquer dos actos referidos no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil».
[37] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade – Anotação aos artigos 296.º e 333.º do Código Civil (“o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”), Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 88.
[38] No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. II, 4.ª edição revista e actualizada (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 281.
[39] António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, Vol. I – Parte Geral Almedina, Coimbra, 2020, pág. 894.
[40] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/07/2007, publicado em Colectânea de Jurisprudência – CJ XXXII-II-17-19.
[41] Artigo 3.º (Necessidade do pedido e da contradição):
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
[42] Artigo 5.º (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal):
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
[43] Que corresponde ao actual artigo 608.º do Código de Processo Civil (Questões a resolver - Ordem do julgamento)
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
[44] Que corresponde ao actual artigo 609.º do Código de Processo Civil (Limites da condenação):
1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
3 - Se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação realmente verificada.
[45] Que corresponde ao actual artigo 615.º do Código de Processo Civil) (Causas de nulidade da sentença):
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
[46] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 362.
[47] Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2002 de 09/05/2002, disponível em www.dgsi.pt
[48] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2004, consultável em www.dgsi.pt.
[49] Posição replicada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2006.
[50] Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil – A obrigação de indemnizar, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 120.
[51] Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil – A obrigação de indemnizar, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 122.
[52] Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil – A obrigação de indemnizar, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 74.