DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
ADMINISTRAÇÃO DE CONTAS BANCÁRIAS
PARTILHA DE BENS
Sumário

I - Na pendência de casamento sujeito ao regime de comunhão de adquiridos, apurada a livre administração pelo cônjuge marido de contas bancárias que constituem bens comuns do casal, já que provenientes do rendimentos do seu trabalho, o mesmo pode movimentar e dispor singularmente das quantias monetárias daí decorrentes, incluindo autorizar terceiros a movimentá-las, sem prejuízo de, uma vez dissolvido o casamento, na partilha, comprovada que estivesse uma utilização daqueles valores que não teve em vista a vida em comum do casal, os mesmos terem de ser contabilizados como crédito da assistente (ex-mulher) para efeitos de formação da meação de cada um dos ex-cônjuges.
II - A questão, enquanto perdurar a comunhão conjugal, é de natureza cível e não criminal.
III - Com este pressuposto, e com o assumido consentimento do cônjuge marido ao seu irmão, arguido nos autos, para a prática dos actos descritos na acusação relativamente à movimentação das contas ali indicadas, falece totalmente a imputada intenção do arguido de apropriação para si ou para terceiro, assim como não tem sentido a invocação do carácter alheio da coisa, posto que a conduta do arguido teve a prévia autorização do legítimo proprietário do dinheiro e seu administrador.
IV - Mas tal não significa uma total desresponsabilização penal do agente após a partilha, caso se venha a demonstrar que dissipou intencionalmente património do ex-cônjuge.
V - Neste caso, sendo seguro que tais quantias deviam ser creditadas na meação da ex-mulher, o ex-cônjuge marido, e por via dele o aqui arguido, cometia, não um crime de furto, pois o património sempre esteve ao seu dispor, mas um crime de abuso de confiança, dando-se a inversão do título de posse relativamente a bens da meação da ex-mulher com a dissolução do casamento e sequente partilha de bens.
VI - No caso dos autos, o ex-casal celebrou acordo de partilha, onde a assistente declarou mostrar-se ressarcida dos valores integrantes da sua meação, tendo ainda ambos os ex-cônjuges apresentado pedido de levantamento do arrolamento mencionado na acusação por terem celebrado acordo para partilha dos bens comuns e se mostrar inútil a manutenção da providência.
VII - Fica assim por demonstrar que o ex-marido, e por via dele o aqui arguido, se apropriaram de quantias que deveriam compor a meação da assistente com a partilha dos bens após a dissolução do casamento, mostrando-se correcta a decisão de não pronúncia.

Texto Integral

Proc. n.º 210/17.1T9AMT.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz 1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Inquérito n.º 210/17.1T9AMT, a correr termos no DIAP – Secção de ..., foi deduzida acusação, em Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo, contra AA, a quem foi imputada a prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, 26.º e 204.º, n.º 2, al. a), do CPenal, sendo ainda requerida a perda de vantagens dos factos ilícitos típicos a favor do Estado.

Irresignado, o arguido AA requereu a abertura da instrução, que foi admitida, tendo sido realizadas diligências de prova e debate instrutório, tendo, a final, sido proferido despacho de não pronúncia.

Inconformado com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso, solicitando a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que pronuncie o arguido nos termos da acusação deduzida.

Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

«1. O presente recurso tem como objeto a decisão instrutória proferida nos presentes autos que não pronunciou o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204º, nº 2, al. a), por referencia aos artigos 202º, al. b), 203º, nº 1, 14º e 26º, todos do Código Penal.

2. Com efeito, o Meritíssimo Juiz o quo baseou a decisão de não pronúncia em, resumidamente, três ordens de razão, a saber: 1ª) Por entender inexistir “prova forte” que indicie os elementos do tipo objetivo e do tipo subjetivo exigidos para o preenchimento do tipo de ilícito penal em causa, ou, nas palavras do Mm.º JIC, “por inexistir prova indiciaria forte de que os valores movimentados pelo arguido pertenciam à ofendida, e muito menos existe de que este agiu tendo efetivo conhecimento desse facto e que não o poderia fazer, pois sempre acreditou que os valores das contas em causa eram seus e do seu irmão”, estando assim em causa o elemento do caracter alheio da coisa e a intenção dolosa de apropriação; 2º) Por entender que “a ter-se imputado o crime de furto qualificado ao arguido AA, então o seu irmão, BB, também deveria ter sido acusado pelo mesmo ilícito criminal, em coautoria, pois toda a atuação do arguido foi motivada, orientada e decidida em decorrência da ação do seu próprio irmão, BB, como resultou dos depoimentos recolhidos na instrução e não é contrariada pela prova decorrente do inquérito.” e, finalmente, 3º) Por a movimentação das contas em causa ter sido realizada pelo arguido, tal como o foi pela ofendida, CC, em relação a outras contas, pelo que, no fundo, a ofendida, teria cometido a mesma conduta que imputa ao arguido, pelo que também aquela deveria ter sido acusada pelo mesmo crime, “pela movimentação das contas à posteriori, pois apesar de pedir o arrolamento das mesmas, movimentou-as”, e não o foi; razões estas que levaram o Mmº JIC a concluir que a prova indiciária recolhida nos autos, não poderá, em sede de julgamento, sustentar a condenação do arguido AA.

3. A questão nuclear suscitada com a interposição do presente recurso, prende-se com a circunstância de, no nosso entender, e salvo o devido respeito, que é muito, a decisão recorrida não ter feito justiça porque não atendeu à significação social da conduta do arguido no contexto em que a mesma foi praticada, não valorando de forma correta os elementos de prova objetivos carreados para os autos, nomeadamente a prova documental concatenada com as próprias declarações do arguido e do seu irmão BB, prestadas em sede de Instrução, e analisadas à luz das regras da experiência comum, antes aceitou de forma acrítica e em violação das normas legais e das regras da experiência comum, a tese trazida pelo arguido e pelo seu irmão, de que teriam agido não com a intenção de subtraírem aquelas quantias mas a fim de ”se acautelarem” e convictos de quais quantias pertenciam em exclusivo, desconsiderando o Mm.º JIC a restante e abundante prova documental mencionada na acusação pública e as normas legais de valoração da prova (art. 516º e 1724º do CC e 127º do CPP), que impunham conclusão diversa, tendo, ao invés, o Mm.º JIC concluído, erradamente a nosso ver, de que não existem indícios suficientes de que o arguido tenha praticado o crime de que vinha acusado porquanto não agiu com intenção de subtração e com conhecimento de que a coisa subtraída pertencia à ofendida.
4. Ao decidir assim o despacho de não pronúncia de que ora se recorre incorreu, a nosso ver, em erro notório na apreciação da prova e erro na apreciação da matéria de facto e de direito ao concluir pela não indiciação de parte dos factos que foram imputados pelo Ministério Público ao arguido na acusação pública, antes devendo dar como indiciados todos os factos constantes da acusação pública (art. 1º a 52º), factos esses que, por sua vez, integram o crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 204º, nº 2, al. a), por referência à al. b) do art. 202º, todos do Código Penal,
5. Com efeito, resulta suficientemente indiciada toda a factualidade que o Mm.º JIC deu como não indiciada, bem como resultou suficientemente indiciado o dolo, a intenção de subtrair as quantias mencionadas na acusação à assistente e, bem assim, o caracter alheio daquelas quantias de que o arguido se apropriou, tendo o arguido agido sempre em proveito do irmão, mancomunado com este, a pedido e com o consentimento deste, como ambos reconheceram na Instrução, apesar de o arguido bem saber que aquelas quantias pertenciam, pelo menos em parte, à ofendida e que esta tinha direito a elas, pelo que a decisão instrutória de que ora se recorre, ao não pronunciar o arguido pela prática deste crime, violou o disposto nos arts. 204º, nº 2, al. a), por referência aos arts. 203º, nº 1 e 202º, b) do Código Penal e 308º, n.º 1 do Código de Processo Penal, devendo por isso, a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido AA pelos factos e incriminação jurídica constantes da acusação pública.
6. Nos termos do art.º 203.º n.º 1 do Código Penal “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”, sendo que o artigo 204º, nº 2, al. b), prevê a qualificação do crime de furto quando a “coisa móvel ou animal for “de valor elevado”.
7. A subtração consiste na violação da posse exercida pelo lesado e a integração da coisa na esfera patrimonial do agente ou de terceira pessoa, sendo que “(…) o elemento “subtracção” caracteriza-se sobretudo pela finalidade prosseguida, a qual consiste “…no fazer entrar no domínio de facto do agente da infracção as utilidades da coisa que estavam anteriormente no sujeito que as detinha” (sendo absolutamente irrelevantes as modalidades e os meios de realização da conduta, considerando-se que o “desapontamento” e consequente “apossamento” possa ser feito sem apreensão manual.” (negrito nosso), ou, dito de outro modo, consiste "(...)no fazer entrar no domínio de facto do agente da infracção as utilidades da coisa que estavam anteriormente no sujeito que a detinha" e implica a aquisição de um poder de facto de disposição sobre a coisa alheia, com a concomitante cessação ou ablação (a ablatio) desse poder de facto pelo seu legítimo possuidor ou detentor”. Resumindo, “a subtração não se esgota com a mera apreensão da coisa alheia, e pode mesmo não haver apreensão; essencial é que o agente a subtraia da posse alheia e a coloque à sua disposição ou à disposição de terceiro; não é necessário que a coisa seja mudada de um lugar para outro, nem tão pouco que chegue a ser usada pelo agente ou terceiro; tão pouco é necessário o «lucri faciendi», exigido pelos romanos” (cfr. GONÇALVES, MAIA, Código Penal Português, 7.ª ed., 636.)
8. Resulta da prova documental indicada na acusação pública que o arguido efetivamente retirou do poder de disposição da assistente as quantias mencionadas na acusação pública que consistiam nos saldos bancários que integravam os bens comuns do casal (pertencentes à ofendida e ao irmão do arguido), e cujas contas bancárias a ofendida era cotitular e transferiu parte dessas quantias para outras contas bancárias pessoais do arguido, exclusivas deste, às quais a ofendida não tinha como aceder, muito menos qualquer poder de facto, inviabilizando assim o arrolamento dessas quantias, e fê-lo precisamente movido pelo propósito de “ajudar” ou “auxiliar” o seu irmão, BB, a fugir com os bens comuns do casal à sua ex-mulher (cunhada do arguido).
9. A circunstância de a ofendida ter apresentado queixa e se ter constituído assistente nos presentes autos é sinal de que a mesma se considerou lesada e prejudicada pela conduta do aqui arguido, sendo certo que tal é uma decorrência natural das regras da experiência comum e do bom senso porquanto se não fosse a conduta do arguido os saldos bancários teriam sido arrolados e os bens comuns do casal ficariam “acautelados”/”assegurados” para ambas as partes, cuja finalidade se destina precisamente aquela providência cautelar – a de assegurar que nenhum dos donos dos saldos os dissipe ou os faça desaparecer, pelo que é notório que se a intenção do arguido (e do irmão) fosse realmente a de “acautelar” as bens, não teria o arguido levantado a totalidade dos ditos saldos e/ou os transferido para contas pessoais, exclusivamente suas, tanto mais que é o próprio quem refere que aquelas quantias não lhe pertenciam na totalidade, sendo também do irmão, em proporção de metade. Ao colocar essas quantias em contas não acessíveis à ofendida nem ao marido desta, o arguido logrou efetivamente causar prejuízo patrimonial à ofendida equivalente ao valor das quantias que lhe subtraiu, porquanto a ofendida deixou de poder aceder às mesmas, quer diretamente, enquanto titular da conta, quer por via da quota parte a que tinha direito relativamente à metade do marido, enquanto bem comum do casal, por ser bem integrante do património conjugal, como sucederia no caso de as quantias serem transferidas para outra conta em que fosse cotitular o seu marido.
10. O facto de o arrolamento não permitir que a ofendida dispusesse das quantias que o arguido subtraiu não significa que a subtração daqueles montantes não tenha efetivamente lesado e prejudicado a ofendida, porquanto o que o arrolamento visa é precisamente evitar que qualquer dos titulares das contas que integram o património conjugal dissipe esses bens, os oculte ou os faça desaparecer do acesso do outro, tendo sido essa a preocupação da ofendida, que recorreu aos meios judiciais para fazer valer os seus direitos por via legal, pretendendo apenas e tão só proteger o património conjugal existente à data da instauração da providência cautelar a fim de o mesmo ser depois alvo de partilhas. Inversamente, o arguido, ao subtrair aquelas quantias inviabilizou a utilização daquela providência cautelar cível, retirando das contas praticamente quase toda a totalidade das quantias aí existentes de modo a que a ofendida a elas não tivesse acesso, não sendo as mesmas abarcadas pelo arrolamento, pelo que é inequívoco o prejuízo daí resultante para a ofendida, a qual apenas em 2022 logrou chegar a acordo de partilhas com o seu ex-marido.
11. De igual modo, não podemos concordar com a sentença recorrida quando conclui não resultar dos autos suficientemente indiciado o elemento do tipo objetivo o carater alheio da coisa subtraída e o elemento do tipo subjetivo a ilegítima intenção de apropriação porquanto, conforme ensina o Professor Faria Costa é alheia “toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção e, parafraseando Miguel, essa outra pessoa pode ser um comproprietário ou algum dos herdeiros; daí que possa uma coisa ser ainda “alheia”, mesmo que o agente seja seu proprietário, desde que o não seja sozinho, mas com outro ou outros” (cfr. “O Direito Penal Passo a Passo, Volume II, 2011, pág. 43.
12. Acresce que por força do disposto no art. 516.º do CC, presume-se que os credores solidários comparticipam em partes iguais no crédito. Esta presunção estabelecida no citado normativo legal de que os credores solidários comparticipam em montantes iguais no crédito é uma presunção ilidível, bem podendo acontecer que sejam distintos os montantes dos respetivos créditos ou até exclusivo de um só dos titulares da conta. Se, designadamente, se provar que o dinheiro do depósito tem origem na propriedade exclusiva de um dos titulares da conta, ilidida fica, necessariamente, a presunção de comparticipação igualitária no crédito consubstanciado no depósito, estabelecida no referido art. 516.º do Código Civil, o que não sucedeu no caso concreto porquanto nenhuma prova foi feita pelo arguido que ilidisse a dita presunção legal.
13. Na verdade, resulta da prova documental junta na acusação que o arguido é detentor de participações sociais conjuntamente com o seu irmão, BB, em várias sociedades comerciais, nas quais aquele seu irmão é o detentor da maior parte do capital social na razão de 2/3, assumindo uma posição hegemónica em relação ao arguido, o qual detém apenas 1/3 do capital, não sendo, portanto, o dono da totalidade das quantias ali depositadas, o que o arguido bem sabia.
14. Por seu turno, a ofendida casou em regime de comunhão de adquiridos com o irmão do arguido, BB, em 1982, do qual se divorciou em 2015, pelo que tinha direito a metade de todos os bens adquiridos pelo casal na constância do casamento, do que o arguido tinha total e perfeito conhecimento, bem como, de resto, de toda a vivência e litigiosidade vivida entre a sua ex-cunhada e o seu irmão subjacente ao divórcio e, em particular, às questões de partilha de bem, como o próprio arguido reconheceu nas declarações que prestou em sede de Instrução.
15. Ora, os factos descritos na acusação pública, sustentada na prova documental carreada nos autos (e a que a prova realizada em sede de Instrução veio corroborar e não infirmar), demonstram abundantemente que mais de metade dos depósitos existentes nas indicadas contas bancárias não pertenciam, nem podiam pertencer por inteiro, ao arguido, erigindo-se ainda contra essa tese a presunção legal extraída do art. 516.º do Código Civil, que tem como consequência dispensar a ofendida de provar que era comproprietária das quantias depositadas, face ao preceituado no n.º 1 do art. 350º do Código Civil conjugado com o n.º 1 do art. 344º do mesmo diploma, existindo já uma decisão do Tribunal da Relação do Porto, junta aos autos, que se pronunciou no sentido de que os saldos existentes nas contas bancárias em questão pertencem à ofendida e ao seu ex-marido, constituindo bens comuns do casal – documentos de fls. 28 a 44 – pelo que o arguido apropriou-se da totalidade dos saldos bancários mencionados na acusação, subtraindo dessas contas bancárias, o quinhão pertencente aos outros dois outros cotitulares, os quais faziam (esses sim) parte de um regime de bens em comunhão fruto do casamento em comunhão de adquiridos.
16. Pelo que mal andou o Mm.º JIC ao dar como não indiciados a factualidade constante dos art. 1º a 52º da acusação pública, sendo que prova constante dos autos impunha decisão diversa da recorrida, nomeadamente a prova documental (o auto de denúncia de fls. 2 a 17; Assento de casamento de fls. 19; Certidões de nascimento do arguido e do seu irmão BB; os Documentos de fls. 20 a 64; 90 a 101 verso; 102 a 110; 115-T a 116-T; 130 a 142; 144 a 146 verso; 149 a 150; 228 a 231; 413 a 416; 452 a 455; 456; 480 a 485; 486 a 612; 625; 769 a 785 verso; 795; 800 a 814; 816 a 820; 822 a 824; as Certidões de fls. 22 a 65 e de fls. 250 a 370; 655; e 667 a 684 e 685 a 730; os Relatórios de fls. 82 a 84; 113 a 118; 154 a 160; e 831 a 838; e as Certidões permanentes de fls. 632 a 638, 639 a 644; 645 a 648; 649 a 654 verso), bem como a prova testemunhal produzida em Instrução, nomeadamente, as declarações prestadas pela testemunha BB, irmão do arguido (e beneficiário direto da conduta daquele), porquanto, é certo que esta testemunha tentou convencer o Tribunal de que as quantias depositadas naquelas contas bancárias pertenciam apenas aos dois irmãos, isto é, à testemunha e ao arguido, e que a ofendida apenas constava como titular das contas por sugestão do gerente do Banco, asseverando que para além do dinheiro ser apenas seu e do seu irmão, a proporção desse dinheiro era de metade para cada um, todavia, tais declarações estão em manifesta contradição com a demais prova carreada nos autos, mais concretamente, com os elementos documentais que constam dos autos, dos quais resulta que as proporções das participações, dos lucros e dos negócios que tinham nunca foi em iguais proporções, mas sempre de 2/3 para BB e de 1/3 para o arguido, mas também com as próprias declarações que os próprios (testemunha e arguido) foram prestando ao longo do seu depoimento/interrogatório na Instrução, e bem assim, em violação das regras de valoração e ónus da prova estabelecidas nos arts. 516º e 1724º do CC e art. 127º do CPP.
17. A própria testemunha BB, quando questionado sobre de quem foi a ideia de proceder aos levantamentos destas quantias, referiu que o arguido, seu irmão, “não fez nada sem o seu consentimento, o que corrobora inteiramente a tese do Ministério Público, que na acusação pública alega que o arguido agiu mancomunado com aquele BB, por o arguido saber que aquele seu irmão estava em processo de divórcio com a ofendida, e sendo além de seu irmão, seu confidente, sabia bem de todos os problemas pessoais e patrimoniais que aquele BB travava com a ofendida, tendo o arguido agido, a pedido e em conluio com aquele BB, na medida em que a intenção do arguido nunca foi furtar ou prejudicar o seu irmão, mas sim ajudá-lo a salvaguardar o máximo de património comum do casal possível das partilhas que aquele teria de efetuar por conta do processo de divórcio e de partilha que aquele seu irmão atravessava nos Tribunais contra a ofendida, tendo o arguido levantado todas as quantias (praticamente a totalidade dos saldos existentes nessas contas, “limpando-as”), e não apenas a quota-parte que supostamente lhe pertencia, precisamente por pretender assim subtrair aquelas quantias à ofendida, o que conseguiu (v. Depoimento prestado no dia 15.05.2024, com início às 14h26m58s e termo às 14h 56m14s, em especial, as declarações prestadas entre os 03:00m e os 10m15s da gravação)
18. Com efeito, é o próprio tipo legal que prevê que o agente atue “com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, como foi o caso, já que atuou com a referida intenção de apropriação para si e para o seu irmão, querendo assim subtrair a quota parte que pertencia à ofendida por força da quota parte (de 1/3) que lhe cabia por força da presunção previsto no artigo 516º do Código Civil enquanto cotitular da conta, e da meação na quota parte (de 2/3) a que tinha direito por força da comunhão conjugal que estava para ser partilhada e que era bem comum do casal, motivo pelo qual o arguido não se limitou a levantar as quantias correspondentes à quota parte que lhe pertencia, antes levantou a totalidade dessas quantias.
19. Também as declarações prestadas pelo ARGUIDO AA, cujo depoimento foi prestado no dia 15.05.2024, com início às 14h56m30s e termo às 15h15m53s, corroboram a factualidade da acusação, impondo conclusão diversa a que chegou o Mm.º JIC, que as valorou incorretamente incorrendo em erro de apreciação da prova.
20. Assim, tentou o arguido convencer o Tribunal dizendo que os saldos ou o dinheiro dessas contas, apesar de estar em contas cotituladas pelos três (arguido, ofendida e marido desta), apenas pertencia ao arguido e ao seu irmão, por ser proveniente de lucros, prémios e ações que obtiveram do exercício profissional. Mas, para além de nenhuma prova concreta ter apresentado que corroborasse as suas declarações a fim de afastar a presunção prevista no art. 516º do Código Civil, o arguido e o seu irmão limitaram- se a dizer que o dinheiro era só deles, o que, diga-se, nada prova nem tão pouco ilide a presunção legal de comparticipação igualitária no crédito consubstanciado no depósito, estabelecida no referido normativo legal, não sendo, de resto, expectável que viessem alegar coisa diferente dada a responsabilidade penal que daí resultaria para o arguido.
21. Ao atribuir credibilidade às declarações do arguido e ao considerar que “não existem indícios suficientes de que o arguido ao ordenar ou movimentar as contas bancárias em causa o fez, sabendo que tais valores pertenciam à ofendida…, apropriando-se ilicitamente deles e fazendo-as suas. Desde logo, o arguido sempre agiu no consentimento de que tais montantes eram seus e do seu irmão, BB, tanto mais que este sempre assim o afirmou e foi defendendo essa tese, durante anos, ao longo dos autos de divorcio e partilha”, o Mm.o JIC fez tábua rasa da prova documental junta aos autos (e para a qual chamamos a atenção, sobretudo para os documentos que provam que o arguido transferiu parte desses saldos para contas exclusivamente tituladas por si, o que contradiz claramente a versão do arguido porquanto se o dinheiro era seu e do irmão, o natural seria o arguido transferir tais quantias para contas tituladas por ambos), ao contexto circunstancial e cronológico em que os factos foram praticados por cada um dos intervenientes, ao conhecimento concreto e à situação de proximidade familiar, profissional e sentimental que existia entre o arguido e o seu irmão, a favor de quem o arguido aturou, aos elementos documentais que comprovam a desproporção das participações sociais que o arguido e o seu irmãos detinham nas sociedades comerciais de que eram sócios, à intencionalidade subjacente a este tipo de condutas quando existem quezílias entre pessoas familiares que nos são próximas que se encontram em processo de divórcio e partilhas e às regras da experiência comum, às próprias declarações de BB e do arguido na parte que em corroboraram a intencionalidade subjacente à atuação do arguido, decidindo assim o Mm.º JIC contrariamente às regras da experiências comum e em violação das regras da valoração e de ónus da prova, incorrendo assim em erro notório na apreciação e valoração da prova indiciária e violou o disposto no art. 127º do CPP e nos artigos 516º e 1724 do Código Civil (v. declarações do arguido prestadas no dia 15.05.2024, com início às 14h26m58s e termo às 14h 56m14s).
22. Analisadas as declarações prestadas pelo arguido, conjugadas com toda a prova documental carreada nos autos, as declarações prestadas pelo seu irmão BB, e analisado o comportamento global do arguido e o circunstancialismo em que os factos foram praticados, tudo apreciado em conjunto e na sua globalidade, somos de entender que o Mm.º JIC incorreu em erro de valoração da prova ao valorar as provas apresentadas pelo arguido em sede de Instrução da forma como o fez, atribuindo-lhe uma maior credibilidade, aceitando-as de forma acrítica, e em violação das regras da experiência comum e das normas legais de valoração da prova que impunham conclusão diversa, tal como o art. 127º do CPP e da presunção legal prevista no artigo 516º Código Civil, que apesar de ilidível, não foi ilidida, como de resto resulta do teor da decisão recorrida, e no disposto no artigo 1724º, do mesmo Código.
23. Outro dos argumentos servidos para justificar a conduta do arguido e o alegado receio de que a ofendida dissipasse os saldos bancários de que era cotitular, que foi invocado pelo arguido, foi o de que a assistente havia, ela própria, efetuado idêntica conduta, pela qual foi acusada e pronunciada por um crime de desobediência, por ter, já após o arrolamento decretado, movimentado saldos de contas bancárias nos mesmos termos, ou seja, em que a conta era titulada pela ofendida, marido e irmão (aqui arguido). Argumento este que foi acolhido pelo Mm.º JIC na fundamentação da decisão de não pronúncia do arguido.
24. Sucede que quanto a este aspeto, ao acolher este argumento trazido pelo arguido e o seu irmão, o Mm.º JIC desconsiderou um pormenor de importante relevo para a apreciação global dos factos, que é o facto de a ofendida tê-lo feito muito tempo depois, cerca de três anos depois de o arguido, mancomunado com o ex- marido da ofendida, terem procedido à movimentação e transferência das quantias mencionadas na acusação pública, e já depois, note-se, de ter sido a ofendida quem tomou a iniciativa de recorrer aos meios judiciais lançando mão da providencia cautelar civil de arrolamento a fim de velar pelos seus direitos, a qual se afigurou infrutífera devido a um lapso que não lhe era imputável, mas sim ao Tribunal de Amarante. Ou seja, a ação da ofendida, além de ter sido muito posterior à do arguido, cerca de três anos depois e pelas razões que aquela explicou em Instrução, foram uma reação à conduta do arguido e depois de um lapso na concretização do arrolamento imputável ao Tribunal.
25. Não menos despiciendo é salientar que por essa mesma conduta da ofendida, foi esta acusada e pronunciada pela prática de um crime, ainda que de diferente natureza – crime de desobediência, atendendo a que a ofendida se encontrava vinculada à decisão de arrolamento, ao contrário do aqui arguido AA tendo aquela tendo sido julgada, ao invés do aqui arguido, que até ao momento tem vivido num pleno clima de impunidade, quer porque nada lhe aconteceu, a não ser a instauração do presente processo crime, tendo esse sentimento de impunidade ficado ainda mais vincado e reforçado com a decisão de não pronúncia de que ora se recorre, tanto mais que apenas bastou ao arguido alegar estar convencido de que o dinheiro era somente dele e do seu irmão (beneficiário direto da conduta do arguido, note-se), cuja testemunha apresentou a fim de corroborar tal versão, sem que nenhuma outra prova tenha apresentado que infirmasse a prova indiciária já recolhida em sede de Inquérito, assente em prova essencialmente documental.
26. Ora, estamos em crer que não basta que o arguido alegue que estava convicto ou de que, no seu entender, aquele dinheiro era só dele e do irmão, tendo antes tais declarações de ter o mínimo de correspondência com a realidade aparente e com a prova carreada (o que não sucedeu), a que acresce ainda a circunstância de tais declarações estarem em total contradição com as regras da experiência comum e com a prova documental coligida nos autos.
27. Na verdade, é o próprio arguido que reconhece que, tal como o seu irmão, está casado no regime de bens de comunhão de adquiridos e que tudo o que tem, isto é, tudo o que é seu, metade é da sua mulher, assim como reconheceu ser sabedor de todo o processo que antecedeu o divórcio e, em particular, da litigiosidade subjacente às partilhas desses bens comuns do ex-casal (do seu irmão e da assistente).
28. Aqui chegados e vistas as declarações do arguido e o factualismo que lhe era imputado na acusação pública, diverge este, fundamentalmente, quanto ao conhecimento do carácter alheio das quantias que subtraiu, o qual ainda hoje não reconhece, e à intenção que lhe é assacada de apropriação dos montantes transferidos.
29. Nesta parte, porém, a versão alternativa apresentada pelo arguido e pelo seu irmão, quanto aos aspetos em dissídio, são incoerentes, inverosímeis e contrárias às regras da lógica e da experiência, não nos merecendo, por conseguinte e salvo melhor entendimento, credibilidade.
30. Na verdade, face à negação da intencionalidade pressuposta pela acusação, foi então o arguido questionado pelo Digno Procurador da República colocado junto do Juízo de Instrução Criminal de ... sobre se aquele tinha ou não consciência de que com a sua conduta impedia a que a ofendida tivesse acesso àquelas quantias, na sua totalidade (já que o arguido as levantou ou transferiu na totalidade), ao que aquele logo admitiu que sim, que “isso tinha” (sic).
31. Nesta parte, começou por afirmar que apenas agiu, com o conhecimento e a autorização do seu irmão, para se “acautelarem” (sic), isto é, para impedirem que a ofendida acedesse a tais quantias a fim de proteger a parte que lhes cabia e no interesse do seu irmão, garantindo a integralidade daqueles saldos bancários. E quando questionado por que razão não admitia que parte desses saldos seria da ofendida, tanto mais que esta era casada em regime de comunhão de adquiridos com o seu irmão, o arguido nunca apresentou uma razão plausível para esse “seu entendimento”, tanto mais que acabou por dizer, a instâncias do Mm.º JIC, que dizia sempre à sua mulher que aquilo que era dele, isto é, que da quota parte que lhe cabia a ele (arguido), metade era da sua mulher, e que quando fizesse contas com o irmão, metade do que era do arguido seria dela (da mulher do arguido), não se compreendo esta dualidade de interpretações e de critérios do arguido pois que se a sua quota parte pertencia, no seu entender e bem, a si e à sua mulher, em partes iguais, então tal raciocínio se deveria aplicar, por maioria de razão, à sua cunhada, a ofendida, que além de ser casada com o irmão do arguido, era também ela própria cotitular da conta.
32. Ademais, a razão invocada pelo arguido é, ela própria, contrária à presunção legal e à proporção de todos os bens, quotas, participações sociais e divisão de lucros praticados pelo arguido e o seu irmão nos negócios que têm em comum e nas sociedades em que são sócios, sendo a testemunha BB o titular da maior parte do capital social das sociedades comerciais (66%), detendo uma posição hegemónica, enquanto o arguido detém apenas 33%.
33. Nas suas declarações o arguido laborou, pois, em completo contra senso e em desacordo com as regras da experiência comum, sendo aquelas incoerentes nos seus próprios termos e, como tal, deveriam ter sido desconsideradas nessa parte, resultando, pois, a nosso ver, das suas próprias declarações, a afirmação da sua intencionalidade, no sentido preconizado pela acusação, da objetividade dos factos que lhe são imputados. Na verdade, e desde logo, há que atentar no timing das condutas do arguido, a primeira realizada apenas uns dias após a decisão que decretou o arrolamento, a qual foi indevidamente notificada aos Bancos pela Secção do Tribunal de Amarante, inviabilizando assim o seu cumprimento e a oportunidade para o arguido praticar os factos que lhe são imputados e que lhe permitiu, como o próprio bem sabe, movimentar a totalidade dos saldos das contas cotituladas por si, pelo seu irmão e pela ofendida.
34. Ora, uma vez que não foram juntas quaisquer provas que ilidissem a presunção da comparticipação igualitária no crédito consubstanciado nos depósitos bancários estabelecida no artigo 516º do Código Civil, sempre teria de presumir-se que 1/3 daqueles saldos pertencia à ofendida, nos termos do art. 516º do Código Civil que estatui que: “Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.”
35. Por outro lado, mesmo que vingasse a tese do arguido, isto é, mesmo a aceitar-se o pressuposto de quer os saldos bancários pertenciam em partes iguais ao arguido e seu irmão, 50% do arguido e 50% de BB, ainda assim, nos termos do disposto no artigo 1724º do Código Civil, a quota-parte daquele BB (de 50%, na tese do arguido) seria bem comum do casal e, por isso, pertenceria em parte à ofendida (na proporção de metade=, constituindo assim coisa alheia para o arguido.
36. E ao contrário do que alega o Mm.º JIC na sentença recorrida, a circunstância de o arguido ter agido com a autorização e o conhecimento do seu irmão BB não o desresponsabiliza da sua conduta criminosa porquanto não invalida que o mesmo tenha atuado sem a autorização e contra a vontade da ofendida, também ela legítima dona daqueles bens comuns, tendo sido, aliás precisamente esse o propósito criminoso com que o arguido agiu, que mancomunado com o seu irmão, visou subtrair os bens comuns do casal à ofendida a fim de favorecer o seu irmão, em prejuízo daquela, privando a ofendida de aceder e usufruir dos bens comuns e de assegurar o seu arrolamento com vista à posterior partilha de bens comuns no processo próprio, ao coloca-las ou transferi-las para uma conta pessoal sua, exclusivamente titulada por si – cfr. documentos de fls. 97, 99, 108 130 e ss e 140 a 141 – e não titulada por ele e pelo seu irmão, como seria de esperar no caso de as quantias serem de ambos. E depositou-as numa conta só sua precisamente para que a ofendida não lograsse aceder àqueles fundos porque se o nome do seu irmão constasse da conta a ofendida continua a ter direito a metade da quota parte do seu marido por via da comunhão conjugal, por se tratar de um bem comum.
37. É o que resulta precisamente do art. 1724º, do Código Civil, que prevê que: “Fazem parte da comunhão: a) O produto do trabalho dos cônjuges;n b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei.
38. Dito de outro modo, a afirmada intencionalidade sai ainda reforçada pelo facto de o arguido não se ter limitado a levantar a sua quota parte e a quota parte que cabia ao seu irmão, antes tendo “limpado” todos os saldos das contas bancárias em que o arguido e o seu irmão e também a ofendida eram titulares, bem como, pela conduta posteriormente adotada já que, em momento algum, e contrariamente ao que faria sentido fazer se fosse legítima a sua intenção, devolveu qualquer valor à ofendida, antes manteve as quantias transferidas e subtraídas ao longo de todos estes anos, sem nunca ter devolvido qualquer quantia à ofendida, nem mesmo após ter sido confrontado com os presentes autos e neles ter sido constituído arguido e nessa qualidade interrogado.
39. Quanto ao conhecimento da proibição e punição das suas condutas, é do conhecimento geral que a apropriação de bens alheios (e realça-se que para ser alheia a coisa basta que a mesma seja, em parte, de outra pessoa) é cominada na lei penal como crime, conhecimento de que o arguido comungava, conforme a generalidade das pessoas sabem, não obstante o arguido ter tentado negá-lo em Instrução, procurando, inclusivamente, fazer crer que não sabia que as quantias que levantou eram alheias e negar aquela sua intencionalidade, consciente das consequências que da sua confissão e demonstração lhe poderiam advir.
40. Resumindo, resulta evidente que o arguido sabia, direta e indiretamente, que os 2/3 (dois terços) dos depósitos e aplicações depositados naquelas contas bancárias não lhe pertenciam porquanto integravam o património conjugal do seu irmão e da ofendida, os quais se encontravam em litigio judicial, em processo de divórcio e de partilha de bens. E tudo isto resulta de acordo com as regras da experiência comum e da prova documental carreada nos autos, do contexto temporal e circunstancial em que a subtração ocorreu, e das próprias declarações que o arguido prestou em Instrução.
41. Por conseguinte, o arguido quis movimentar os montantes integrantes dos bens comuns pertença da ofendida e do seu ex-marido, mancomunado com este último como se refere na acusação pública (e conforme o arguido e a testemunha BB admitem ao referirem que foi tudo feito com o prévio conhecimento deste último), retirando- os das referidas contas onde aqueles eram cotitulares, transferindo-os para outras suas contas bancárias (exclusivamente tituladas pelo arguido), assim se apropriando deles e fazendo deles seus, privando a ofendida de assim aceder àqueles fundos, pelo será imperioso concluir, salvo devido respeito por melhor entendimento, que o elemento subjetivo do tipo legal de crime está totalmente preenchido e mais do que suficientemente indiciado.
42. Já no que concerne ao argumento do Mm.º JIC ao defender que também a ofendida, CC, teria cometido o mesmo tipo de condutas em relação a outras contas, e que tal deveria levar a que a mesma também tivesse sido acusada pelo mesmo crime, isto é, pela movimentação das contas à posteriori, pois apesar de pedir o arrolamento das mesmas, movimentou-as (o que não sucedeu), somos de entender que tal argumento olvida dois aspetos essenciais ter em conta na consideração global dos factos ora em análise, a saber: 1) o primeiro é que as movimentações realizadas pela ofendida ocorreram em 2014, conforme bem menciona a decisão instrutória, ou seja, três anos depois das movimentações realizadas pelo arguido, o que significa que a conduta da ofendida nunca poderia servir para fundamentar o receio do arguido e do seu irmão, como faz o Mm.º JIC, para justificar a conduta do arguido desresponsabilizando-o, porquanto quando o arguido realiza as movimentações descritas na acusação pública a ofendida não tinha ainda praticado os factos pelos quais veio a ser acusada e pronunciada (e posteriormente absolvida); e 2) o segundo e o mais significativo é que a acusar-se a ofendida por tais factos estar-se-ia a violar o principio da proibição do “ne bis in idem” porquanto a ofendida, ao contrário do que parece resultar da decisão instrutória, foi acusada e pronunciada no âmbito do Processo nº ..., ainda que por um crime de diferente natureza – um crime de desobediência, atenta a circunstância de a ofendida se encontrar vinculada a respeitar a ordem judicial de arrolamento, que efetivamente desrespeitou, pelos motivos que expressou e explicou em Instrução perante o Mm.º JIC e na sequência cronológica e todo o contexto a que já aludimos supra, isto é, em que a ofendida toma a iniciativa de recorrer aos meios judiciais para fazer valer os seus direitos patrimoniais na sequência do divórcio.
43. Tal argumentação desconsidera por completo o princípio do ne bis in idem, o qual tem consagração expressa no art.º 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual prevê que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, o qual encontra-se aí consagrado por razões de segurança e paz jurídicas, pois que “assume também uma garantia fundamental do cidadão que se traduz na certeza, que se lhe assegura, de não poder voltar a ser incomodado pela prática do mesmo facto” (vide FREDERICO ISASCA, Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância em Processo Penal, p. 218 e 226). O caso julgado pressupõe que seja apreciada “efectivamente a mesma questão, com os mesmos fundamentos ou que os mesmos fundamentos sejam submetidos à sua apreciação tendo em vista o mesmo efeito público.” (v. Ac. TRC de 06.02.2013, relator: Belmiro Andrade, in www.dgsi.pt.). Por outro lado, o referido princípio pressupõe que os elementos sobre os quais o Tribunal é chamado a pronunciar-se sejam idênticos quanto aos sujeitos, aos factos e aos fundamentos do processo já decidido. Verifica- se por isso, a nosso ver, que os factos praticados pela ofendida nunca poderiam ser alvo de investigação ou de julgamento nestes autos por já se encontrarem abrangidos pelo caso julgado do processo em que a ofendida viu tais factos apreciados, com o nº ....
44. Este princípio, estruturante em qualquer Estado de Direito, destina-se a preservar a segurança jurídica (obstando a que uma mesma causa venha a ser julgada mais do que uma vez, com os consequentes riscos de contradição entre decisões) e a proteger os cidadãos contra o arbítrio punitivo do Estado (assim se evitando uma constante perseguição criminal e inexistência de paz jurídica), sendo certo que para se aferir da violação deste princípio é necessário saber quando se está perante o mesmo idem, isto é, o mesmo objeto do processo, pois o caso julgado (para além de efeitos que se prendem com o contraditório e a litispendência) obstaculiza a tramitação de um processo cujo objeto já foi alvo de decisão transitada em julgado, pelo que, nunca poderia a ofendida figurar como arguida nos presentes autos pelas movimentações dos saldos das contas arroladas que a própria efetuou, no ano de 2014, porquanto a mesma foi já julgada por esses factos, contrariamente ao aqui arguido, sendo irrelevante, a nossa ver, a data em que a mesma apresentou queixa contra o aqui arguido, bem como, quem é que diligenciou pela instauração daquele processo crime contra a ofendida, e anda, a data em que a ofendida apresentou a queixa que deu origem aos presentes autos, sendo sim relevante, a nosso ver, a data em que cada uma das movimentações foi realizada (as do aqui arguido, e as da ofendida) para efeitos de perceção do comportamento global de cada um dos intervenientes e a sucessão e desencadeamento de acontecimentos que esses comportamentos motivaram para aferir da intencionalidade subjacente a cada um desses comportamentos, não havendo dúvidas de que foi o arguido quem, primeiramente, e beneficiando de um lapso praticado pelo Tribunal de Amarante, imediatamente após ter sido decretada a decisão que determinou o arrolamento dos bens que integravam o património do casal, subtraiu a totalidade das quantias existentes naquelas contas bancárias “limpando-as”, de forma a que a ofendida a elas não acedesse nem lograsse o seu arrolamento.
45. Finalmente, quanto ao argumento constante da decisão instrutório de que “a ter- se imputado o crime de furto qualificado ao arguido AA, então o seu irmão, BB, também deveria ter sido acusado pelo mesmo ilícito criminal, em coautoria, pois toda a atuação do arguido foi motivada, orientada e decidida em decorrência da ação do seu próprio irmão, BB, como resultou dos depoimentos recolhidos na instrução e não é contrariada pela prova decorrente do inquérito”, diremos apenas que concordamos efetivamente com o raciocínio jurídico argumentativo do Mm.º JIC (sendo aliás, o único ponto em que convergimos com a decisão recorrida) quando aí se refere que também o irmão do arguido, BB, deveria figurar nos autos como arguido e ter sido acusado pela prática do mesmo crime que o arguido AA (furto qualificado). Sucede, porém, que por razões jurídico-formais tal não é possível em virtude de relativamente ao agente BB o procedimento criminal se encontrar prescrito desde novembro de 2021, em virtude de até essa data o dito BB nunca ter sido constituído arguido, tendo já decorrido mais de 10 anos desde a prática dos factos.
46. Consequentemente, e por tudo o exposto, o Mm.º JIC deveria ter pronunciado o arguido AA, pela prática, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 204, nº 2, al. a), por referência ao art. 202º, b), 203º, nº 1, 14º e 26º, todos do Código Penal por assim o impor a prova indiciária recolhida nos autos e em conjugação com a prova produzida em sede de Instrução e com as regras da experiência comum e as regras de valoração e do ónus da pra, as quais evidenciam que estão preenchidos todos os elementos do tipo objetivo e do tipo subjetivo do ilícito criminal em causa nos autos, tal como descrito na acusação pública.»


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O arguido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.

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Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser em última análise o Tribunal de recurso a ponderar a suficiência da prova e a pertinência da aplicação ao caso do princípio in dubio pro reo.

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Cumprida a notificação a que alude o art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, não foi apresentada resposta.

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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.

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II. Apreciando e decidindo:

Questões a decidir no recurso

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].

A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se se mostra incorrecta a decisão de não pronúncia do arguido, por existir prova indiciária recolhida que evidencia que estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime imputado na acusação.


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Para análise da questão que importa apreciar releva desde logo o teor da decisão recorrida, que é o seguinte (transcrição):
«Declaro encerrada a instrução
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Relatório:
A Digna Magistrada do Ministério Público, findo o inquérito, proferiu despacho de acusação pública contra o arguido, AA, imputando-lhe a prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº2, alínea a) e 14º e 26º, todos do Código Penal, como decorre da acuação pública de fls. 842 e ss. que aqui se dá por reproduzida.
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O arguido, inconformado com a acusação pública, requereu a abertura da instrução considerando que não praticou o ilícito que lhe é imputado, tal como melhor decorre do teor do requerimento de abertura da instrução, de fls. 866 e ss. dos autos, que aqui se dá por reproduzido.
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Declarada aberta a instrução, o tribunal procedeu à tomada de declarações à assistente, à testemunha BB e ao arguido, AA, seguido da realização do correspondente debate instrutório, cumprindo-se as formalidades legais, tal como resulta da ata.
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Saneador:
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não são conhecidas nulidades.
Os sujeitos processuais encontram-se dotados de capacidade e legitimidade.
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Finalidade da instrução:
A instrução que tem carácter facultativo visa, in casu, a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídicos factuais da acusação pública e, assim, da decisão processual do Ministério Púbico em ter proferido despacho de acusação contra o arguido – artigo 286º, nº 1 do Código de Processo Penal.
Constitui, portanto, uma fase preparatória e instrumental em relação ao julgamento.
Assim, a prova produzida em sede de instrução tem carácter meramente indiciário, no sentido em que não se pretende através dela a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só indícios, sinais de ocorrência do crime, donde se pode formar a convicção, para a decisão de pronúncia, de que existe uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (cfr. artigos 308º, nºs 1 e 2; 283º, nº 2 e 301º, nº 3 do Código de Processo Penal), visando-se assim apurar se, em face das diligências probatórias realizadas, foram ou não recolhidos indícios suficientes da prática pelo arguido de factos que constituam crime [cfr. Germano Marques da Silva, in “Curso de Direito Processual Penal”, Editorial Verbo, 1994, páginas 182/183].
O que sejam indícios suficientes procurou o legislador definir no artigo 283°, nº 2 do Código de Processo Penal, quando estatui “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Em suma, há que fazer um juízo de prognose, apreciando criticamente as provas existentes nos autos, sempre com pleno respeito pelo princípio da presunção de inocência.
Contudo, além de avaliar da existência de indícios suficientes, o Juiz de Instrução deve também aferir da verificação dos pressupostos de punibilidade no caso concreto, sendo que, como bem refere o Professor Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2000, pág. 170) «os mesmos fundamentos que determinam o arquivamento do inquérito, nos termos do art. 277.º, serão também causa de decisão instrutória de não pronúncia.»
***

Enquadramento factual e jurídico.
Como decorre dos autos, o Ministério Público imputa ao arguido a factualidade seguinte:
AA, casado, empresário, filho de DD e de EE, natural da freguesia ..., Concelho ..., nascido a ../..../1956, residente na Rua ..., ... ..., ....
Porquanto os autos indiciam suficientemente que:
1.º
A ofendida CC foi casada, entre o dia 21 de março de 1982 e o dia 27 de novembro de 2015, no regime geral de comunhão de adquiridos com BB, o qual é irmão do arguido.
2.º
O casamento da ofendida veio a ser dissolvido por despacho judicial datado de 27-11-2015, já transitado em julgado, que homologou a conversão do processo judicial de divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, que correu os seus termos no Tribunal da Comarca do Porto Este - ... - Instância Central - Juízo de Família e Menores - ..., sob o n.º ....
3.º
Por sua vez, o arguido é irmão do ex-marido da ofendida, o dito BB.
4.º
Ciente da tentativa iminente de dissipação dos bens comuns do casal por parte daquele BB, a ofendida, através da sua mandatária à data, apresentou, nos inícios do ano de 2011, procedimento cautelar de arrolamento junto do Tribunal Judicial de Amarante, como preliminar à ação de divórcio sem consentimento, providência que correu os seus termos no Juízo 3 sob o n.º ... do Tribunal Judicial de Amarante.
5.º
Em conformidade com a providência cautelar requerida, foi ordenado, por decisão judicial datada de 04/07/2011, o arrolamento de vários bens comuns do casal, incluindo diversas contas bancárias, sem audiência prévia do requerido, BB.
6.º
De entre os bens comuns do casal encontravam-se as seguintes contas bancárias domiciliadas no Banco 1..., S.A. - Banco 1..., com os respetivos saldos bancários:
a) Conta de depósitos à ordem n.º ...18 - com o saldo de €692,86 a 04/07/2011;
b) Conta de depósitos a prazo n.º ...78 (relacionada com a conta D.O. nº ...18) - com o saldo de €798.076,64 a 07/11/2011;
c) Conta de depósitos a prazo n.º ...44 (relacionada com a conta D.O. nº ...18) - com o saldo de €474.000,00 a 20/07/2011;
d) Conta de valores mobiliários n.º ...18 (relacionada com a conta D.O. nº ...18) - com património existente de €1.203,65 em ações EDP NOM e €152,00 em ações FCP SAD a 04/07/2011;
e) conta de depósitos à ordem n.º ...52 - com saldo de €4.133,63 a 22/07/2011;
f) Conta de depósitos a prazo n.º ...30 (relacionada com a conta D.O. n.º ...52) - com saldo de €65.000,00 e data de vencimento de 25-11-2012;
g) Conta de depósitos a prazo n.º ...66 (relacionada com a conta D.O. ...52) - com saldo de €10.500,00 e data de vencimento de 20-08-2011;
h) Conta de depósitos à ordem n.º ...29 - com saldo de €185,71 a 04/07/2011.
7.º
Todas as contas bancárias supra identificadas eram cotituladas pela ofendida, pelo seu ex-marido, BB, e o aqui arguido, com a exceção da conta de depósitos à ordem n.º ...52, a qual era titulada pelo ex-marido da ofendida, o arguido e a mãe destes, EE.
8.º
Em data não concretamente apurada mas situada em junho ou julho de 2011, o arguido formulou o propósito de, no período compreendido entre julho e novembro de 2011, subtrair o máximo de quantias que conseguisse, das contas cotituladas com a ofendida e com o seu irmão, apesar de bem saber que tais quantias não lhe pertenciam, o que fez movido pelo propósito concretizado de favorecer aquele seu irmão em detrimento da ofendida, no âmbito do processo de partilhas dos bens comuns do ex-casal que se encontrava a decorrer.
9.º
Assim, na execução desse propósito por si formulado, de desapropriar a ofendida da maior quantidade de valores monetários que conseguisse, com vista a obter para si e para o seu irmão vantagens patrimoniais a que sabiam não terem direito, o arguido, mancomunado com o seu irmão, procedeu, em 29 de julho de 2011, ou seja, dias após a decisão de arrolamento, à alteração dos titulares daquela conta bancária com o n.º ...52, do Banco 1..., S.A. - Banco 1..., passando a constar a mãe do arguido, EE, como única titular, ainda que fossem o arguido e o seu irmão quem efetivamente movimentavam, a crédito e a débito, aquela conta, na qualidade de procuradores, procedendo ao levantamento e transferência de capitais, assinando recibos, sacando e endossando cheques, recebendo extratos de conta, constituindo e desmobilizando, ainda que antecipadamente, depósitos a prazo, bem como adquirindo ou resgatando quaisquer instrumentos financeiros, ainda que em Bolsa, e elaborando e assinando toda a documentação bancária relativa àquela conta.
10.º
Dos saldos existentes nas identificadas contas bancárias domiciliadas no Banco 1... pertenciam à ofendida as quantias correspondentes a, pelo menos, 1/3 do montante depositado em cada uma dessas contas, com exceção da conta de depósitos e à ordem n.º ...52, cujas quantias que pertenciam à ofendida eram as correspondentes a 1/6 dos montantes aí depositados.
11.º
De entre os bens comuns do casal encontrava-se também a quantia existente na seguinte conta bancária sediada no Banco 2..., S.A.:
i) Conta identificada pelo NIB  ...43 com o saldo de €94.507,63 à data de 10/08/2011, relativo a um depósito a prazo;
12.º
A conta identificada pelo NIB  ...43, domiciliada no Banco 2... com o saldo, à data de 10/08/2011, de €94.507,63 relativo a um depósito a prazo era igualmente cotitulada pela ofendida, pelo seu ex-marido e pelo arguido.
13.º
Por causa não imputável à ofendida, as supra identificadas contas bancárias não foram arroladas de acordo com a ordem judicial emanada do Tribunal Judicial de Amarante, em virtude de, ao invés de os bancos terem sido instados a arrolar as referidas contas, lhes ter sido solicitado, às entidades bancárias, apenas que informassem da existência de saldos.
14.º
Aproveitando-se da circunstância supra referida, no período compreendido entre o dia 11 de julho de 2011 e o dia 7 de novembro de 2011, ou seja, poucos dias depois da ordem judicial de arrolamento dos bens comuns do casal, datada de 4 de julho de 2011, o arguido decidiu apropriar-se de todas as quantias que conseguisse, que se encontravam em contas cotituladas por si, pelo seu irmão e pela ofendida, com o propósito concretizado de se apoderar das mesmas e assim desapossar a ofendida da posse, disponibilidade e fruição dessas mesmas quantias, agindo como se seu único dono fosse, visando assim obter para si e o seu irmão benefício patrimonial que sabia ser ilegítimo, bem sabendo que o fazia no desconhecimento e contra a vontade da ofendida e que ao agir assim lhe provocava um prejuízo patrimonial equivalente ao valor das quantias de que se apropriou.
15.º
Assim, no referido período temporal e na concretização do desígnio por si formulado, o arguido movimentou/transferiu os saldos bancários supramencionados e existentes nas contas bancárias supra identificadas.
16.º
Com efeito, no período compreendido entre o dia 11/07/2011 e o dia 7 de novembro de 2011, o arguido retirou do conjunto das identificadas contas bancárias domiciliadas no Banco 1... e no Banco 2... o total de €1.456.765,32 (um milhão, quatrocentos e cinquenta e seis mil, setecentos e sessenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos).
17.º
Concretizando, no dia 20 de julho de 2011, foi liquidado o depósito total especial nº ...44 (associado à conta bancária do Banco 1... nº ...18), no valor de €474.000,00, passando tal valor a estar disponível naquela conta à ordem nº ...18, sendo que nessa mesma data o Banco emitiu o cheque bancário nº ...84, no mesmo valor, de €474.000,00, a favor do irmão do arguido, BB, o qual endossou-o ao arguido, que por sua vez o depositou numa conta por si titulada em exclusivo, naquele mesmo Banco, conta essa com o nº ...73, assim se apoderando de tal quantia, apesar de bem saber que a mesma não lhe pertencia(1).
1 Cfr. fls. 97, 130 e ss. e 141.
2 Cfr. fls. 108.
18.º
E no dia 10 de agosto de 2011 o arguido assinou, no balcão do Banco 2... da agência de ..., um pedido de mobilização do depósito a prazo nº ...97 no valor de €93.968,12, associado à conta bancária com o nº ...01, domiciliada no Banco 2..., S.A., passando assim esta conta a ter um saldo de €94.507,63 e, nesse mesmo dia, o arguido transferiu para uma outra conta pessoal sua, com o nº ...01, apoderando-se assim daquela quantia de €94.507,63, que fez sua, deixando aquela conta sem saldo(2),
19.º
movimentação essa que inclusive veio a ser "justificada" pelo ex-marido da ofendida, quando foi questionado acerca dessa transferência e instado para repor o dinheiro, no âmbito do processo de arrolamento, alegando que não tinha sido ele o autor da transferência, mas que sim o seu irmão (aqui arguido), mais alegando que este não estava abrangido pela decisão de arrolamento.
20.º
dia 3 de outubro de 2011, na conta à ordem com o n.º ...18 foram depositados €16.183,22 de juros referentes ao depósito a prazo nº ...08, associado àquela conta à ordem, tendo sido debitados como imposto retido de IRS/IRC o valor de 3.479,39 euros, passando assim a conta à ordem com o n.º ...18 a ter o saldo de €13.281,69(3).
3 Cfr. fls. 99.
4 Cfr. fls. 130 e ss. e 142.
5 Cfr. fls. 140.
21.º
No dia 7 de novembro de 2011, o arguido liquidou o depósito a prazo como nº ...78 (associado à conta à ordem nº ...18 do Banco 1...), no valor de €798.076,64, passando este valor a estar disponível naquela conta à ordem, perfazendo um total de €811.327,73,
22.º
e, ato contínuo, o arguido procedeu, naquele mesmo dia, no balcão do Banco 1... da agência de ..., ao levantamento em numerário da quantia de €13.000,00,
23.º
e ainda, nesse mesmo dia, por solicitação do arguido, o Banco 1... emitiu o cheque bancário n.º ...66, no valor de 798.100,00 euros, à ordem do arguido, tendo este o depositado numa conta bancária por si titulada em exclusivo, com o nº ...73, deixando assim disponível, naquele dia 07-11-2011, na conta nº ...18 do Banco 1..., a módica quantia de €227,73(4).
24.º
Ainda no dia 7 de novembro de 2011, foram liquidados dois depósitos a prazo associado à conta à ordem nº ...52 do Banco 1..., a saber, a “poupança reformado” com o nº ...66, no valor de €10.500,00, e o depósito a prazo nº ...30, no valor de €65.000,00, passando o saldo daquela conta a ser de €77.157,69, após ter sido descontado o valor da comissão de levantamento em numerário e do imposto de selo(5).
25.º
Ato contínuo, o arguido, nesse mesmo dia, procedeu ao levantamento do montante de €77.157,69, em numerário, e ao subsequente encerramento da referida conta(6).
6 Cfr. fls. 140.
26.º
A ofendida só tomou conhecimento do desaparecimento dos montantes supra descritos quando as entidades bancárias visadas vieram informar, ao apenso de arrolamento, que não tinham sido devidamente instadas pela autoridade judiciária no sentido de arrolarem os montantes presumivelmente pertencentes à ofendida e ao seu ex-marido.
27.º
Dos €1.456.765,32 (um milhão, quatrocentos e cinquenta e seis mil, setecentos e sessenta e cindo euros e trinta e dois cêntimos) retirados das contas domiciliadas no Banco 1... e do Banco 2... entre os dias 04/07/2011 e 7/11/2011, incluía-se a quota-parte de um terço dos saldos/patrimónios pertencente à ofendida, bem como um terço pertencente ao seu ex-marido, BB, ou seja, os 2/3 dos saldos integrantes dos bens comuns do casal a partilhar em sede de inventário, sendo que no caso da conta de depósitos à ordem n.º ...52, o arguido apoderou-se, para além do mais, de um terço pertencente ao seu ex-marido, BB, o qual era bem comum do casal, a partilhar em sede de inventário, perfazendo assim um total de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), valor correspondente à quota ideal que integrava os bens comuns do casal.
28.º
O arguido tinha, à data, e tem ainda excelentes relações com a gerência das sucursais das entidades em questão.
29.º
O arguido tinha perfeito conhecimento de que não era o dono da totalidade dos saldos existentes nas contas bancárias supra identificadas,
30.º nem dos montantes correspondentes a 2/3 (dois terços) do total dos saldos/patrimónios existentes nas contas do Banco 1...,
31.º
e bem assim, nem dos montantes correspondentes a 2/3 (dois terços) do total dos saldos existentes na conta do Banco 2..., S.A.,
32.º
tendo total conhecimento de que pelo menos 2/3 do total dos saldos existentes naquelas contas bancárias pertenciam à ofendida e ao seu ex-marido e integravam os bens comuns do casal, a partilhar em sede de inventário,
33.º
assim como sabia que relativamente à conta de depósitos à ordem n.º ...52, a qual era titulada pelo arguido, o seu irmão BB, e a mãe destes, EE, 1/3 pertencia ao ex-marido da ofendida e, como tal, pelo menos essa quota parte integrava o património comum do casal, no valor de €25.719,23 pelo menos, devendo essa quantia integrar os bens a partilhar em sede de inventário em face da dissolução do matrimónio do seu irmão.
34.º
Como consequência direta e imediata da conduta do arguido, os montantes pertencentes à ofendida e ao seu ex-marido, ao serem movimentados pelo arguido, saíram efetivamente do poder de disponibilidade (de facto) da ofendida, ficando assim aquela impedida de a eles aceder, bem como de os utilizar, movimentando-os, levantando-os, aplicando-os, ou de os administrar e receber em sede de inventário, encontrando-se, até ao dia de hoje, privada desses montantes.
35.º
O arguido sabia, na altura em que ordenou as transferências e/ou os levantamentos dos montantes/saldos supra discriminados, no período compreendido entre os dias 04-07-2011 e 07-11-2011, que estava já a decorrer processo de divórcio sem consentimento entre a ofendida e o seu ex-marido, irmão do arguido.
36.º
Esse contexto de cisão familiar era conhecido do arguido e da generalidade da população local, uma vez que aquele, para além de ser irmão do ex-marido da ofendida, trabalhava conjuntamente com o seu irmão BB, sendo os dois muito próximos entre si e confidentes, sendo do conhecimento público atenta a exposição e notoriedade das sociedades de ambos eram sócios e das pessoas envolvidas.
37.º
O arguido, aproveitando-se desse contexto conturbado na vida da ofendida e com o propósito concretizado de obter para si e para o seu irmão vantagens patrimoniais que sabia não serem legítimas, à custa do empobrecimento da ofendida, ordenou as transferências e/ou os levantamentos da quase totalidade dos saldos existentes nas contas bancárias supra identificadas para as suas contas bancárias pessoais,
38.º
delas retirando não só a sua quota-parte, mas também a da ofendida e do seu ex-marido, as quais constituíam bens comuns do casal, assim se apropriando desses montantes, fazendo-os seus, como se seu dono e exclusivo dono se tratasse,
39.º
usufruindo de todas as vantagens e utilidades que esses montantes proporcionavam, a seu bel-prazer e conforme quis, contra a vontade e no desconhecimento da ofendida CC, sua legítima dona, com o propósito concretizado de a desapossar da detenção, posse e fruição daquelas quantias monetárias.
40.º
Como consequência direta e imediata da conduta do arguido, logrou o mesmo, de forma premeditada e concretizada, impedir outrossim que a ofendida pudesse aceder aos 2/3 (dois terços) das quantias que integravam os bens comuns do casal,
41.º
sabendo perfeitamente o arguido que aqueles montantes não lhe pertenciam.
42.º
Ao ter ordenado a transferência e/ou o levantamento dos saldos existentes nas contas bancárias supra identificadas para as suas contas pessoais, o arguido apropriou-se assim da quantia de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), a qual pertencia à ofendida e ao seu ex-marido, por integrarem património comum do casal.
43.º
Na verdade, à data dos factos o arguido auferia mensalmente a quantia de €3.000,00 como administrador da empresa "A..., S.A.”, pagando a quantia mensal de € 1.400,00 da amortização de crédito automóvel dos carros dos filhos, usufruindo de um carro da empresa, cujas despesas de manutenção estavam a cargo da empresa, detendo 33% do capital da sociedade "A..., S.A.", da qual não recebia prémios de gestão.
44.º
Por outro lado, a participação que o arguido detinha em todas as sociedades comerciais em que o seu irmão BB é também sócio, eram participações minoritárias, sendo sempre aquele seu irmão o detentor da maior parte do capital social na razão de 2/3 (dois terços) assumindo uma posição hegemónica em relação àquele.
45.º
Assim, à data dos factos, as participações sociais do arguido e do seu irmão, BB, nas sociedades comerciais em que ambos eram (e são) sócios, eram as seguintes:
a. Sociedade comercial "A..., S.A.": enquanto BB detinha €666.266,67 do capital social, o arguido detinha apenas €333. 133,33;
b. Sociedade comercial "B..., LDA.": enquanto BB detinha uma quota no valor nominal de €30.000,00, o arguido detinha apenas uma quota no valor nominal de €15.000,00;
c. Sociedade comercial "C..., LDA": enquanto BB detinha quota no valor nominal de €333.000,00, o arguido detinha apenas quota no valor nominal de €167.000,00.
d. Sociedade comercial “D..., LDA.": enquanto BB detinha uma quota no valor nominal de €100.000,00, o arguido detinha apenas uma quota no valor nominal de €50.000,00.
46.º
Na verdade, o arguido teve sempre, desde a constituição da sociedade por quotas “A..., LDA", no ano de 1995, uma posição minoritária face ao seu irmão e ex-marido da ofendida, que o colocava invariavelmente em posição minoritária de 1/3 (um terço) face aos 2/3 (dois terços) do seu irmão BB e da ofendida, em todos os empreendimentos em que ambos aparecem como sócios.
47.º
Ao ordenar a movimentação de mais de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos) das supra identificadas contas bancárias, sabendo ou não podendo deixar de saber que esses montantes pertenciam à ofendida e ao ex-marido daquela e seu irmão, BB, o arguido apropriou-se ilicitamente deles, fazendo-as suas.
48.º
Ao ter retirado os montantes das supra referidas contas bancárias, ordenando a sua transferência para contas bancárias pessoais suas ou levantando as quantias em numerário, o arguido apropriou-se desses montantes e retirou-os do alcance, disponibilidade e do poder de facto dos seus legítimos donos, em especial e em concreto, da ofendida, diminuindo assim, o acervo de bens comuns integrantes da comunhão do ex-casal a partilhar em sede de inventário.
49.º
Ao agir do modo supra descrito atuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apropriar dos montantes existentes nas contas bancárias supra identificadas, no valor global de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), quantia esta que fez sua, a qual bem sabia não lhe pertencer, e mesmo assim transferiu-a para as suas contas bancárias pessoais e usufruiu de todas as vantagens e utilidades que dela pôde retirar,
50.º
o que fez com o propósito concretizado de desapropriar a ofendida daqueles montantes, subtraindo-lhe o montante global de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), o qual integrou no seu património, não obstante bem saber que tais condutas eram ilícitas e criminalmente puníveis.
51.º
Em todas as circunstâncias supra descritas agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de fazer suas as supra mencionadas quantias monetárias, no valor global de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que ao apropriar-se delas nos moldes supra descritos, atuava contra a vontade, no desconhecimento e em prejuízo da sua legítima dona, a ofendida CC, o que representou e quis.
52.º
Mais sabia o arguido que todas as suas condutas, supra descritas, eram proibidas e punidas por lei penal.
Pelo exposto, incorreu o arguido, na prática, como autor imediato e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204º, nº 2, al. a), 14º e 26º, todos do Código Penal.
***
Com vista a sustentar a referida factualidade, o Ministério Público baseia-se na prova seguinte:
Meios de Prova:
A dos autos, designadamente:
A) Por declarações:
- da assistente CC, melhor id. a fls. 80, 392 a 393 e 444 a 445.
B) Testemunhal:
1. FF, melhor id. a fls. 179;
2. GG, melhor id. a fls. 181;
3. HH, melhor id. a fls. 183.
C) Documental:
1. Auto de denúncia de fls. 2 a 17;
2. Assento de casamento de fls. 19;
3. Certidões de nascimento do arguido e do seu irmão BB;
4. Documentos de fls. 20 a 64; 90 a 101 verso; 102 a 110; 115-T a 116-T; 130 a 142; 144 a 146 verso; 149 a 150; 228 a 231; 413 a 416; 452 a 455; 456; 480 a 485; 486 a 612; 625; 769 a 785 verso; 795; 800 a 814; 816 a 820; 822 a 824;
5. Certidões de fls. 22 a 65 e de fls. 250 a 370; 655; 667 a
6. Relatórios de fls. 82 a 84; 113 a 118; 154 a 160; e 831 a 838;
7. Certidões permanentes de fls. 632 a 638, 639 a 644; 645 a 648; 649 a 654 verso;
8. Certificado de registo criminal do arguido, a fls. 826 a 827.
Face ao teor do requerimento de abertura da instrução, para melhor compreensão dos factos, impõe-se uma breve análise ao tipo de ilícito em causa.
Como se sabe, o tipo objetivo do crime de furto, previsto no artigo 203.°, traduz-se em alguém «com ilegítima intenção de apropriação para si ou pura outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia».
O bem jurídico protegido pela incriminação do furto é, para Faria Costa (Código Penal conimbricense) a «especial relação de facto sobre a coisa - poder de facto sobre a coisa - tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa: como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica».
Diferente é, no entanto, a posição atualmente assumida maioritariamente pela doutrina, segundo a qual o bem jurídico tutelado é tão só a propriedade, a detenção só é protegida como emanação da proteção conferida ao direito de propriedade, pois que não distinguem a maioria dos autores a mera detenção como um bem jurídico autónomo protegido pela norma jurídica.
No entanto, embora a detenção ou a relação fáctica de poder entre uma pessoa e uma coisa, não seja o bem jurídico protegido pela incriminação do furto, ela constitui, no entanto, um critério fundamental para determinar a consumação do crime de furto, para determinar quando e como se lesa o direito de propriedade.
Em primeiro, é elemento objetivo do tipo que a coisa subtraída seja móvel e alheia.
A definição de coisa tem de ir buscar-se aos conceitos de subtração e de apropriação. Coisa é tudo aquilo que é suscetível de apropriação.
A tal acresce que a coisa objeto da ação do crime de furto tem que ser móvel, o que mais uma vez não pode ser definido através do conceito estabelecido na lei civil, mas antes como tudo aquilo que pode ser subtraído.
A coisa objeto do furto tem de ser alheia, ou seja, tem de ser uma coisa não pertencente ao autor do furto.
A subtração é um outro elemento do tipo objetivo de furto, sendo fundamental não só para determinar o momento da consumação formal do tipo, mas também, para delimitar este crime relativamente a outros.
A subtração é composta por dois elementos: a quebra de uma detenção originária e a constituição de uma nova detenção por parte do agente e consiste no poder de facto sobre uma coisa, através do domínio fáctico sobre a coisa, não no sentido de um contacto físico com a coisa ou de um relação material direta com a coisa, mas sim de um domínio efetivo no sentido das regras dia vida social. Necessário é assim, que exista a possibilidade efetiva de dispor da coisa, o que pressupõe o efetivo conhecimento de onde ela se encontra.
Para que se verifique a subtração é necessário que o objeto seja deslocado da esfera de domínio de uma pessoa para a esfera de domínio de outra pessoa. Ao que acresce que, a rotura de detenção se tem de dar sem ou contra a vontade do detentor inicial e tem de ser constituída uma nova detenção exclusiva sobre a coisa, que existe sempre que o agente detém o controlo efetivo sobre ela.
Aos elementos objetivos do tipo de furto, acrescem os dois elementos subjetivos o dolo e a intenção de apropriação.
O dolo traduz-se no conhecimento e vontade de realização do facto típico, podendo verificar-se em qualquer das modalidade previstas no artigo 14.° do Código penal e consistindo no conhecimento e vontade de que a coisa móvel que está a subtrair é alheia e na vontade de a subtrair.
Quanto à intenção de apropriação reporta-se a um elemento que não integra o tipo objetivo e basta-se com a subtração, independentemente de se verificar ou não o resultado intencionado - crime de resultado cortado ou parcial.
Para além disso, a intenção de apropriação tem de ser ilegítima, ou seja, tem de estar em contradição com o direito de propriedade do ofendido.
Assim, o crime de furto pode ocorrer na forma mais simples prevista no artigo 203°, ou numa forma mais complexa, revestido de elementos laterais ou acidentais que aumentam ou indiciam maior perigosidade do agente, sendo estas circunstâncias agravantes que se encontram enumeradas taxativamente no artigo 204° do Código Penal.
Nestes termos, importa não só que o tipo se consuma num dos locais identificados no tipo incriminador qualificado, mas ainda que se tenha processado pelos meios específicos que o legislador definiu.
Quanto à autoria:
A lei portuguesa acolheu, no artigo 26° do Código Penal, um conceito extensivo de autor, de sorte que no referido normativo encontram-se previstas duas formas de autoria singular (imediata e mediata) e duas outras formas de autoria plural (coautoria e instigação).
Por seu lado, a jurisprudência tem definido a coautoria como envolvendo um acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o coautor tome parte na execução de todos os atos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado.
No plano objetivo, o coautor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os atos que integram o iter criminis.
No plano subjetivo, é imprescindível, à comparticipação como coautor, que subsista a consciência da cooperação na ação comum.
Já a cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade. O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos atos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime, mas não toma parte nela, limitando-se a facilitar o facto principal ─ Ac. do STJ de 15-04-2009, Proc. n.º 583/09 - 3.ª.
No presente caso, atento à prova dos autos, a ter-se imputado o crime de furto qualificado ao arguido, AA, então o seu irmão, BB, também deveria ter sido acusado pelo mesmo ilícito criminal, em coautoria, pois toda a atuação do arguido foi motivada, orientada e decidida em decorrência da ação do seu próprio irmão, BB, como resultou dos depoimentos recolhidos na instrução e não é contrariada pela prova decorrente do inquérito.
Na verdade, bem ou mal, desde o início da utilização das contas referenciadas nos autos, o arguido, AA, sempre viu o dinheiro nelas depositado como sendo pertencente a si e ao seu irmão.
A determinada altura, por iniciativa do seu irmão, BB, a pedido do gerente bancário, determinadas contas passaram a ter, para além dos dois irmãos como titulares das contas, a ofendida, CC, mulher do seu irmão.
Do que se depreende da prova recolhida em sede de inquérito, como da instrução, tal facto teria ocorrido para distinguir as contas onde estes tinham dinheiro a titulo particular, ao longo de vários anos, de outras contas onde ambos eram titulares por força das empresas que foram possuindo ao longo da vida, inicialmente como empresários individuais e depois com as respetivas sociedades.
A referida circunstância foi reforçada pelo arguido, tal como pelo seu irmão, tanto mais que alegaram que se assim não fosse, se entendessem que o dinheiro das referidas contas fosse comum a todos, então também teriam colocado como titulares dessas contas a esposa do arguido, AA, o que nunca o fizeram.
Em suma, o arguido (tal como seu irmão, BB) alegaram que a titularidade da ofendida em algumas das contas, nada teve que ver com a sua participação, propriedade e movimentação dos valores em causa, mas apenas para a diferenciação daquelas contas com outras.
Por seu lado, não obstante as razões em causa (que se podem ter como boas ou más), constata-se o seguinte:
O arguido, AA, ao contrário do que se alega na acusação pública, procedeu ao movimento das contas por conta, autorização e/ou conhecimento de BB, seu irmão, pessoa que entrou em processo de divorcio com a ofendida, CC, proc. nº ....
Atento as divergências entre o casal – CC e BB – que motivou a existência de vários processos e incidentes em tribunal, nomeadamente do citado processo de divorcio, a ofendida requereu o arrolamento de vários bens comuns do casal, incluindo diversas contas bancárias, sem audiência prévia do requerido, no caso BB.
Por causas não imputáveis à ofendida, mas sim ao Tribunal de Amarante, as identificadas contas não foram arroladas como requerido, pois os bancos limitaram-se a informar da existência de saldos das referidas contas, atento à solicitação/determinação (errada) efetuada pelo tribunal.
Na sequência deste pedido de arrolamento, que foi alvo de oposição por parte do requerido – BB – e de divergências de interpretação quanto aos efeitos do recurso interposto, constatou-se um conjunto de movimentações de contas bancárias em que constavam como titulares, CC, BB, seu marido e o arguido, AA, seu irmão.
A movimentação das contas foi realizada pelo arguido, tal como pela ofendida, CC.
Em relação à motivação das contas efetuada pelo arguido, tal ocorreu com conhecimento, consentimento e autorização do irmão, BB.
Em face de toda a prova recolhida em sede de inquérito, tal como na instrução, se houve a prática de factos suscetíveis de integrar um crime de furto, então todos deveriam ter sido acusados, ou seja, CC, pela movimentação das contas à posteriori, pois apesar de pedir o arrolamento das mesmas, movimentou-as (tanto mais que até foi pronunciada por um crime de desobediência, por as ter movimentado enquanto pendia o arrolamento), e BB, dado que tudo o que o seu irmão (arguido) fez foi com o seu conhecimento e autorização.
Contudo, ao invés, por factos ocorridos no ano de 2011, depois de tudo estar resolvido entre a ofendida, CC e BB, surge a presente acusação pública omitindo-se por completo a atuação dos demais, nomeadamente do seu irmão, BB e da própria ofendida.
Quanto as citadas contas, importa dizer o seguinte:
Uma coisa é o direito de crédito de que é titular o depositante numa conta solidária, presumindo-se, por força do disposto no art. 516.º do CC, que os credores solidários comparticipam em partes iguais no crédito. Outra coisa, bem distinta, é o direito de propriedade das quantias depositadas na referida conta. Na verdade, a presunção estabelecida no citado normativo legal de que os credores solidários comparticipam em montantes iguais no crédito é uma presunção ilidível, bem podendo acontecer que sejam distintos os montantes dos respetivos créditos ou até exclusivo de um só dos titulares da conta. Se, designadamente, se provar que o dinheiro do depósito tem origem na propriedade exclusiva de um dos titulares da conta, ilidida fica, necessariamente, a presunção de comparticipação igualitária no crédito consubstanciado no depósito, estabelecida no referido art. 516.º do C.C.
Na situação concreta, a natureza dos valores depositados nas contas e a sua propriedade ao longo de todo o inquérito sempre foi controversa (dúvidas que se colocaram com a partilha), pois nunca foi claro se os valores em causa pertenciam aos três titulares – ofendida, marido e irmão – ou, a entender-se que eram valor dos casais, então falta a referência à esposa do arguido.
Por seu lado, não podemos deixar de ter em conta que ao longo dos vários anos, ou seja, desde o ano de 2011, o arguido, AA, motivado pelo que o seu irmão sempre lhe foi dizendo, nunca considerou a ofendida como proprietária dos valores (saldos) constantes nas referidas contas bancárias.
Dito de outra forma, BB, ex-marido da ofendida, CC, ao longo de todos os processos que teve com a sua ex-mulher, CC, sempre foi reafirmando e mantendo que a ofendida não era proprietária de qualquer dos valores depositados nas referidas contas identificadas na acusação pública, pelo que não havia qualquer razão para que o arguido, sem mais, não acreditasse que tal não fosse assim.
Na verdade, como se depreende do processo de divórcio e consequente oposição ao arrolamento de bens (proc. ...), BB alegou que os bens imóveis e moveis, cujo arrolamento foi requerido pela ofendida eram bens próprios e não comuns do casal – cfr. fls. 28 e ss.
Nessa medida, não obstante, BB, ter ou não razão em relação ao suscitado, o certo é que era esta a realidade conhecida e transmitida ao seu irmão, aqui arguido, pelo que nenhuma razão tinha este para duvidar do que lhe era transmitido, ou seja, que os valores constantes das referidas contas não pertenceriam à sua então mulher, a aqui ofendida, mesmo que mais tarde até pudessem não lhe dar razão.
Por seu lado, não deixa de ser curioso que a queixa destes autos, datada de 11 de abril de 2017, fls. 2, só ocorre depois da pronuncia da própria ofendida (na qualidade de arguida), pela prática de um crime de desobediência, no processo ..., ou seja, depois da própria ofendida ter movimentado contas nos mesmos termos, ou seja, em que a conta era titulada pela ofendida, marido e irmão (aqui arguido).
No citado processo, apurou-se e considerou-se indiciado que: “…No âmbito do Procedimento cautelar sob o proc. ..., do extinto 3º juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em que a arguida era a requerente, a 4 de julho de 2011, foi decretado o arrolamento, além do mais, de todas as contas bancárias e eventuais títulos nelas depositadas pertencentes ao requerido, aqui assistente, BB e a sua disponibilização à ordem do processo.
Por sentença datada de 19 de fevereiro de 2014, na sequência de oposição deduzida por BB ao arrolamento decretado, foi declarado sem efeito e revogado o arrolamento e, por essa via, ordenando o seu levantamento sobre todos os bens, imóveis e contas bancárias, à exceção do prédio rústico que era exclusiva propriedade do requerido.
Desta sentença foi pela arguida, enquanto requerente, interposto recurso, para o Tribunal da Relação do Porto, no dia 12 de março de 2014, o qual foi admitido 04 de junho de 2014, com efeito suspensivo.
O recurso foi julgado procedente por acórdão datado de 17 de dezembro de 2014, tendo-se revogado a decisão que ordenou o levantamento do arrolamento, em conformidade com a pretensão da requerente/arguida.
Em todos estes atos processuais, a arguida teve intervenção e conhecimento direto, pois naqueles autos interveio, como parte, mais precisamente, como requerente.
Não obstante essa atuação e conhecimento, a arguida:
No período compreendido entre os dias 8 de maio de 2014 e 27 de outubro de 2014, efectuou as seguintes operações bancárias tendo por referência a conta de depósitos à ordem n.º ...01, por si cotitulada, conjuntamente com o assistente BB e irmão, AA, no Banco 3...:
- em 08 de maio de 2014 procedeu a um levantamento em numerário no valor de €7.000,00, tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (3,95euros) e de imposto de selo (0,16euros), tudo no total de €7.004,11;
- em 09 de maio de 2014 realizou uma ordem de transferência de €684.349,50, a favor de FF;
- no dia 26 de maio de 2014 determinou a realização de ordem de transferência da quantia de 1.198,58€ a favor de FF;
- em 27 de junho de 2014 efetuou um levantamento em numerário no valor de 1.285,00€, tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (4,35€) e de imposto de selo (0,17€), tudo no total de 1.289,52€;
- em 25 de julho de 2014 realizou um levantamento no valor de €1.215,00 tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (4,35€) e de imposto de selo (0.17€), tudo no total de 1.219,52€;
- em 25 de agosto de 2014 procedeu a um levantamento em numerário no valor de 1.214,00€, tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (4,35€) e de imposto de selo (0,17€), tudo no total de 1.218,52€;
- no dia 25 de Setembro de 2014 realizou um levantamento em numerário da mesma conta no valor de 1.211,89€, tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (4,35€) e de imposto de selo (0,17€), tudo no total de 1,261,41€; e
- em 27 de outubro de 2014 efectuou um levantamento em numerário no valor de 1.303,94€;
Em face destes factos e prova, em termos indiciários, pode-se inferir que:
Ao actuar pelo modo descrito, portanto, em função do conhecimento que a mesma evidenciava, a arguida fê-lo com uma conduta voluntária e consciente, bem sabendo que a mesma era proibida por lei, e que a mesma consubstanciava desobediência a uma decisão judicial por si requerida e que lhe havia sido notificada.
Ademais, a arguida sabia que a sentença que havia determinado sem efeito e revogado o arrolamento não havia transitado em julgado, pois desta interpôs recurso com pedido de efeito suspensivo, o que veio a ser admitido.
Assim, a arguida sabia que aquela conduta era apta a produzir, entre outros, na pessoa do assistente um dano, que a concessão da providência que aquela solicitara, em concreto, visava evitar, a saber, a dissipação e ocultação de património…”
Em suma, a arguida a 11 de abril de 2017, apresentou queixa contra o arguido, AA, seu cunhado, imputando-lhe factos em muito semelhante ao que a própria fez no ano de 2014, pois movimentou, sem autorização do seu ex-marido e arguido, AA, cotitulares das contas, mais de 684.000€ (seiscentos e oitenta e quatro mil euros), alguns desses valores transferindo para contas tituladas por terceiros, nomeadamente o filho, FF.
Assim, analisado o alegado por AA, tal como pelo seu irmão BB, em sede de instrução, conjugado com todas as questões e processos que envolveram o divorcio e partilha de bens entre CC e BB, constata-se que havia por parte da ofendida, CC, tal como do seu ex-marido, BB, divergências quanto à propriedade dos bens (se eram bens comuns ou próprios apenas de BB), tal como existia o receio do levantamento desses valores, por qualquer um dos cotitulares.
Tendo presente o supra exposto, e todas as dúvidas em relação à propriedade dos bens ao longo do divórcio/partilha – bens imóveis e moveis, o certo é que não existem indícios suficientes de que o arguido ao ordenar ou movimentar as contas bancárias em causa o fez, sabendo que tais valores pertenciam à ofendida …, apropriando-se ilicitamente deles e fazendo-as suas.
Desde logo, o arguido sempre agiu no convencimento de que tais montantes eram seus e do seu irmão, BB, tanto mais que este sempre assim o afirmou e foi defendendo essa tese, durante anos, ao longo dos autos de divorcio e partilha;
Por seu lado, ao contrário do que se refere na acusação, o arguido sempre agiu com o conhecimento do seu irmão, BB (como este o disse em instrução), pelo que nada lhe poderia estar a subtrair sem o seu conhecimento.
Por outro lado, sabendo-se que a ofendida e ex-marido, BB, chegaram a acordo quanto à partilha de bens (fls. 872 a 884), sem que esta exigisse qualquer valor ou bem ao aqui arguido, AA, fica também por demonstrar que o arguido, a qualquer titulo, tivesse subtraído qualquer valor que lhe pertencia ou que tivesse causado qualquer prejuízo patrimonial à ofendida, tanto mais que esta, até ao levantamento do arrolamento requerido, que cessou no ano de 2022, nunca poderia dispor dos valores/ bens em causa.
Mais, se o arguido ao agir como agiu, sabia que subtraia bens à ofendida e ex-marido, então o que dizer da própria ofendida quando também movimentou verbas elevadas de contas cotituladas também pelo arguido, AA e seu irmão, BB?
Em nosso entender, atento a toda a prova recolhida no inquérito, constata-se que ao longo de vários anos (mais de dez anos) de discussão entre BB e CC quanto à propriedade dos bens imóveis e moveis, entre eles o valor de contas bancárias, levaram a que de parte a parte houvesse o receio de dissipação de bens/valores, o que terá justificado a movimentação de valores, quer pelo arguido, como pela ofendida.
Contudo, de toda essa análise, não se vislumbra que haja prova indiciaria forte de que os valores movimentados pelo arguido pertenciam à ofendida, e muito menos existe de que este agiu tendo efetivo conhecimento desse facto e que não o poderia fazer, pois sempre acreditou que os valores das contas em causa eram seus e do seu irmão.
Por outro lado, decorridos todos estes anos e atento ao fim do processo de partilhas, não se vislumbra que o arguido tivesse sido convocado ou interpelado, pela ofendida, para entregar qualquer quantia alegadamente subtraída ao seu património, pois esta (a ofendida) sempre agiu processualmente em decorrência das divergências que tinha quanto à propriedade dos bens (comuns ou próprios), com o seu ex-marido, BB e nunca com o aqui arguido.
Dito de outra forma, a discussão quanto à propriedade dos bens sempre foi entre a ofendida e o seu ex-marido (tal como a reclamação desses bens), pelo que é legitimo que o arguido agisse no convencimento que o valor das contas bancárias em causa eram apenas dele e do seu irmão, BB, como este ao longo dos anos sempre o afirmou, tal como o fez na instrução.
Em relação à conta de depósitos à ordem n.º ...52, a qual era titulada pelo arguido, o seu irmão BB, e a mãe destes, EE, ao contrário do alegado na acusação, não há prova de que o valores depositados fossem propriedade dos três titulares, pois tudo indica que, apesar do arguido e seu irmão serem também titulares da conta, que os valores ali depositados eram exclusivamente da propriedade de EE.
Em face do supra exposto, analisada toda a prova, constata-se que não se vislumbram elementos suficientes para a imputação ao arguido de um crime de furto, em particular por falta de prova suficiente para o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo de ilícito criminal em causa, tal como não existem elementos factuais suscetíveis de integrar a prática de um crime de abuso de confiança, pº e pº, pelo artigo 205º do CP.
Por outro lado, atento a todas as “quezílias” jurídicas entre a ofendida e o seu ex-marido, quanto à compropriedade ou não dos bens do casal em decorrência do divórcio, é de admitir como muito provável que, em sede de audiência de julgamento, sempre se suscitariam dúvidas quanto as razões concretas da atuação do arguido, em particular quanto ao conhecimento da compropriedade de alguns bens entre o seu irmão e a ofendida, em particular no que concerne as contas bancárias, tanto mais nem sequer resulta dos autos que o arguido incorporou tais valores no seu património, ou seja, que aumentou o seu património em prejuízo de terceiros.
Dúvidas que, atento ao princípio in dubio pro reo, sempre teriam que beneficiar o arguido.
Em decorrência do supra exposto, porque se apresenta como muito provável que o arguido fosse absolvido em sede de audiência de julgamento, impõe-se a sua não pronuncia.
*

Factos indiciados com interesse para a instrução
A da acusação pública, apenas referente as contas e movimentação das mesmas.
Factos não indicados
Que relativamente à conta de depósitos à ordem n.º ...52, a qual era titulada pelo arguido, o seu irmão BB, e a mãe destes, EE, que 1/3 pertencia ao ex-marido da ofendida e, como tal, pelo menos essa quota parte integrava o património comum do casal, no valor de €25.719,23.
Ao ordenar a movimentação os valores … das supra identificadas contas bancárias, sabendo ou não podendo deixar de saber que esses montantes pertenciam à ofendida …. o arguido apropriou-se ilicitamente deles, fazendo-as suas.
Ao ter retirado os montantes das supra referidas contas bancárias, ordenando a sua transferência para contas bancárias pessoais suas ou levantando as quantias em numerário, o arguido apropriou-se desses montantes e retirou-os do alcance, disponibilidade e do poder de facto dos seus legítimos donos…
Ao agir do modo supra descrito atuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apropriar dos montantes existentes nas contas bancárias supra identificadas, no valor global de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), quantia esta que fez sua, a qual bem sabia não lhe pertencer ….e usufruiu de todas as vantagens e utilidades que dela pôde retirar,
o que fez com o propósito concretizado de desapropriar a ofendida daqueles montantes, subtraindo-lhe o montante global de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), o qual integrou no seu património, não obstante bem saber que tais condutas eram ilícitas e criminalmente puníveis.
Em todas as circunstâncias supra descritas agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de fazer suas as supra mencionadas quantias monetárias, no valor global de €945.457,63 (novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que ao apropriar-se delas nos moldes supra descritos, atuava contra a vontade de CC, o que representou e quis.
Mais sabia o arguido que todas as suas condutas, supra descritas, eram proibidas e punidas por lei penal.
Decisão instrutória
Em face do supra exposto, e atento ao estatuído no artigo 308.º do CPP, decide-se pela não pronuncia do arguido, AA, pela prática de um crime de furto qualificado, pº e pº, pelos artigos 204º, nº2, alínea a), 14º e 26º, do CP, de que vinha acusada.
Estatuto processual
Em decorrência da decisão supra exposta, a medida de coação extingue-se por força da alínea b), do nº1 do artigo 214º do CPP.
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Sem custas, atento ao disposto nos artigos 513º e 514º, ambos do CPP e 8º do RCP, a liquidar a final
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Notifique (artigo 307º, nº 5, do Código de Processo Penal).»

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Vejamos.

A análise da prova recolhida nos autos e a sua relevância na decisão respeitante à potencial responsabilização criminal do arguido não prescinde da apreciação da dinâmica dos acontecimentos e da sua relevância penal na perspectiva da posição de BB, irmão do arguido, e ex-marido da assistente, o que nunca foi feito, pelo menos tomando este facto como contexto fundamental para a avaliação que se impunha realizar.

Na verdade, à data dos factos, ocorridos em 2011, e até 27-11-2015, data da dissolução do casamento por divórcio, a assistente e BB, irmão do arguido, eram casados em regime de comunhão de adquiridos.

No âmbito deste regime, havendo dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns. É uma presunção de comunicabilidade que é estabelecida no art. 1725.º do CCivil.

A assistente nunca invocou que os valores integrados nas contas em causa representassem bens próprios, assumindo desde logo na denúncia que 1/3 pusesse pertencer ao arguido.

Porque a efectiva propriedade dos valores nunca foi verdadeiramente demonstrada nestes autos, vamos colocar a hipótese mais extrema, em benefício da assistente, de que todos os valores das contas eram bens comuns do casal CC e BB, por serem valores resultantes do trabalho – nos termos do disposto no art. 1724.º, al. a), do CCivil, faz parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges.

E depois vamos perguntar: podia ou não BB movimentar a totalidade dos valores depositados nessas contas bancárias? A resposta só pode ser sim.

E se BB o podia fazer também podia autorizar, consentir, que o seu irmão, o arguido AA o fizesse.

Aliás, estando em causa contas bancárias de carácter solidário, como foram caracterizadas nos autos, importa atentar nos ensinamentos de Menezes Cordeiro, in Direito Bancário, 5.º Edição, Almedina, pág. 594, segundo o qual uma conta é solidária «quando qualquer dos titulares possa movimentar sozinho e livremente a conta, exonerando-se o banqueiro pela entrega da totalidade do saldo a quem o pedir». Esta solidariedade «é uma categoria tipicamente bancária: não corresponde, de modo linear, à solidariedade das obrigações, antes traduzindo o regime da movimentação e dos créditos em conta, livremente adotado pelas partes aquando da celebração do contrato de abertura de conta».

Nessa perspectiva, qualquer dos titulares podia ter movimentado a totalidade dos valores depositados.

A questão que se coloca de seguida é se podia BB dispor livremente dos valores movimentados?

E aqui entram em ponderação as regras do casamento com o referido regime de bens quanto à alienação ou oneração de imóveis.

A este propósito determina o art. 1682.º do CCivil que:
«1. A alienação ou oneração de móveis comuns cuja administração caiba aos dois cônjuges carece do consentimento de ambos, salvo se se tratar de acto de administração ordinária.
2. Cada um dos cônjuges tem legitimidade para alienar ou onerar, por acto entre vivos, os móveis próprios ou comuns de que tenha a administração, nos termos do n.º 1 do artigo 1678.º e das alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo, ressalvado o disposto nos números seguintes.
3. Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração:
a) De móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho;
b) De móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, salvo tratando-se de acto de administração ordinária.
4. Quando um dos cônjuges, sem consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, móveis comuns de que tem a administração, será o valor dos bens alheados ou a diminuição de valor dos onerados levado em conta na sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais.»

A assistente não põe em causa que o dinheiro das contas respeitava a proventos do trabalho do marido, designadamente das empresas de que era proprietário e que administrava, tanto mais que resulta dos autos que foi fixada uma pensão de alimentos à assistente, dando-se como provado nessa acção que a mesma nunca exerceu qualquer actividade profissional ao longo do casamento.

Ora, de acordo com o disposto no art. 1678.º, n.º 2, al. a), do CCivil, sob a epígrafe, “Administração dos bens do casal”, cada um dos cônjuges tem a administração dos proventos que receba pelo seu trabalho.

Daqui resulta que BB podia movimentar livremente as contas em questão e até utilizar a totalidade dos valores ali depositados, com uma ressalva: o valor dos bens alheados ou a diminuição de valor dos onerados será levado em conta na sua meação.

Ora, as contas à meação são realizadas com a partilha.

Aliás, o art. 1697.º, n.º 2, do CCivil, determina que sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha.

Ou seja, enquanto vigorou o casamento, o que em concreto ocorreu até 27-11-2015, o referido BB tinha a livre administração dos rendimentos do seu trabalho, podendo movimentar e dispor singularmente das quantias monetárias daí decorrentes, depositadas nas contas bancárias em causa, incluindo autorizar terceiros a movimentá-las, sem prejuízo de, uma vez dissolvido o casamento, na partilha, comprovada que estivesse uma utilização daqueles valores que não teve em vista a vida em comum do casal, os mesmos teriam de ser contabilizados como crédito da assistente para efeitos de formação da meação de cada um dos ex-cônjuges.

O regime de bens do casamento não equivale ao de compropriedade, contrariamente ao que se quis fazer crer, tendo regras muito específicas.

Veja-se, por exemplo o disposto no art. 1687.º do CCivil, que, sob a epígrafe “Sanções”, prevê no seu n.º 1 que os actos praticados contra o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 1682.º, nos artigos 1682.º-A e 1682.º-B e no n.º 2 do artigo 1683.º são anuláveis a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros, ressalvado o disposto nos n.os 3 e 4 deste artigo[2].

Não se prevê, por isso, a anulabilidade dos actos praticados contra o disposto no n.º 2 do art. 1682.º do CCivil, segundo o qual cada um dos cônjuges tem legitimidade para alienar ou onerar, por acto entre vivos, os móveis próprios ou comuns de que tenha a administração, nos termos do n.º 1 do artigo 1678.º e das alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo, ressalvado o disposto nos números seguintes[3].

Aliás, é particularmente relevante nesta análise perceber o regime de dívidas dos cônjuges, com realidades que se cruzam com os acontecimentos destes autos, e cuja solução não passa pela criminalização das condutas.

Assim, veja-se que qualquer dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro (art. 1690.º, n.º1, do CCivil), sendo que estas responsabilizam ambos os cônjuges, independentemente de qual deles a contraiu a dívida, desde que sejam para acorrer aos encargos normais da vida familiar ou em proveito comum do casal e nos limites dos poderes de administração (art. 1691.º, n.º 1, als. b) e c), do CCivil).

E as dívidas que não respeitam os objectivos apontados – encargos normais da vida familiar ou proveito comum do casal – acabam por ser da responsabilidade exclusiva do cônjuge que as contraiu (art. 1692.º, al. a), do CCivil), constituindo-se o outro como credor do património comum no momento da partilha, como já se referiu (art. 1697.º, n.º 2, do CCivil) [4].

As regras expostas nenhuma semelhança encontram, por exemplo, com o regime estabelecido no art. 1408.º do CCivil para a disposição e oneração da quota do comproprietário, onde expressamente se prevê (n.º 2) que a disposição ou oneração de parte especificada sem consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia.

Salvo o devido respeito, o Ministério Público errou ao impulsionar uma acusação sem atender ao específico regime de bens do casal à data dos factos, que ocorreram na constância do matrimónio, estando em causa – nesta versão que aqui construímos o mais favorável possível à assistente – bens comuns do casal, mas livremente administrados pelo cônjuge marido, BB.

Com este pressuposto, e com o assumido consentimento do marido para a prática dos actos descritos na acusação relativamente à movimentação das contas ali descritas, falece totalmente a intenção do arguido de apropriação para si ou para terceiro, assim como não tem sentido a invocação do carácter alheio da coisa, posto que a conduta do arguido teve a prévia autorização do legítimo proprietário do dinheiro e seu administrador.

Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 18-09-2018, relatado por Luís Gominho no âmbito do Proc. n.º 1910/17.1T9SNT.L1-5[5], aceitando como regra as razões do arquivamento dos autos, segundo o qual «o património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial que, atenta a sua especial afectação, a lei concede um certo grau de autonomia, embora limitada, que pertence a ambos os cônjuges em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela. Os bens comuns dos cônjuges constituem objecto de uma propriedade colectiva ou de mão comum: cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum. Trata-se de um direito à meação, que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar. Dos deveres patrimoniais dos cônjuges destacam-se os que respeitam ao exercício dos poderes de administração e de alienação dos bens de cada um ou de ambos os cônjuges, nos termos dos artigos 1678.º e 1683.º do Código Civil. A má administração de bens próprios do cônjuge não administrador ou de bens do casal constitui uma violação desses deveres patrimoniais, nos termos do 1678.º, n.os 1, 2 e 3, Ia parte, do Código Civil. O cônjuge administrador dos bens comuns ou próprios do outro está, em regra, isento da obrigação de prestar contas, face à letra do artigo 1681.º, n.º 1 do Código Civil. Contudo, responde pelos danos causados pelos actos praticados com dolo e em prejuízo do património comum do casal ou do outro cônjuge, nos termos do citado artigo 1681.º, n.º 1, in fine, do Código Civil. A dissolução do casamento determina a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os (ex-) cônjuges, nos termos do artigo 1688.º do Código Civil. Tal implica a partilha dos bens do casal, na qual, em princípio, cada um deles receberá os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, se os houver, nos termos do artigo 1689.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. Na fase da liquidação da comunhão, cada um dos cônjuges deverá conferir ao património comum tudo o que lhe deve: o cônjuge devedor (o que utilizou os bens ou valores comuns) deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum. No caso em apreço, o procedimento criminal terá de forçosamente soçobrar por falta de um dos elementos típicos objectivos que constituem a materialidade do crime de infidelidade: a falta do carácter alheio do bem rectius, o veículo com a matrícula 34... ) administrado pela arguida E."».[6]

No mesmo sentido, vejam-se também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-07-1996, relatado por Andrade Saraiva no âmbito do Proc. n.º 96P003J[7], onde se decidiu que «[n]o património comum conjugal, enquanto a comunhão persistir, as coisas móveis que dela fazem parte não têm a natureza de coisa alheia relativamente a qualquer dos cônjuges, pelo que a retirada de qualquer dela, por um deles, do lugar onde se encontram, sem consentimento do outro, não preenche o tipo legal do crime de furto.»

E também os acórdãos[8] do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-10-2003, relatado por Francisco Marcolino e do Tribunal da Relação do Porto de 16-03-2005, relatado por Élia São Pedro, onde se concluiu pela natureza não alheia de bens integrados no património comum do casal.

A questão, enquanto perdurar a comunhão conjugal, como bem se define no indicado acórdão da Relação de Guimarães, é de natureza cível e não criminal.

Mas tal não significa uma total desresponsabilização penal do agente após a partilha, caso se venha a demonstrar que dissipou intencionalmente património do ex-cônjuge.

Tomemos como exemplo a situação dos autos.

Imaginemos, agora, que no decurso da partilha, após o divórcio, necessariamente, tinha fica demonstrado que o cônjuge marido, BB, havia promovido na pendência do casamento, e para proveito próprio ou de terceiro, que não a mulher, a dissipação dos montantes das contas bancárias identificados na acusação e não as devolvia após instado a fazê-lo.

Neste caso, sendo seguro que tais quantias deviam ser creditadas na meação da ex-mulher, o ex-cônjuge marido, e por via dele o aqui arguido, cometia, não um crime de furto, pois o património sempre esteve ao seu dispor, mas um crime de abuso de confiança, dando-se a inversão do título de posse relativamente a bens da meação da ex-mulher com a dissolução do casamento e sequente partilha de bens.

Este cenário poderia ter ocorrido no caso dos autos, e a ter sido assim o aqui arguido seria responsável na mesma medida em o seria o ex-cônjuge, BB.

Porém, como bem se refere na decisão recorrida, o ex-casal celebrou em 2022 acordo de partilha, onde a assistente declarou mostrar-se ressarcida dos valores integrantes da sua meação, tendo ainda ambos os ex-cônjuges apresentado pedido de levantamento do arrolamento mencionado na acusação por terem celebrado acordo para partilha dos bens comuns e se mostrar inútil a manutenção da providência.

Ou seja, apesar de o ex-casal muito discutir a natureza própria ou comum dos montantes depositados nas contas identificadas na acusação, a verdade é que, com a celebração do acordo de partilha onde a aqui assistente se declarou totalmente ressarcida das quantias que lhe eram devidas, fica por demonstrar que o ex-marido, e por via dele o aqui arguido, se apropriaram de quantias que deveriam compor a meação da assistente com a partilha dos bens após a dissolução do casamento.

Assim, mesmo configurando o cenário mais favorável à assistente quanto à natureza da totalidade dos valores constantes das contas bancárias identificadas na acusação, considerando os poderes de administração do ex-marido BB, o consentimento que prestou à actuação do arguido e o desfecho da partilha após dissolução do casamento, a decisão a proferir em sede de instrução só poderia ser a de não pronúncia.

Improcede, pois, o recurso apresentado.


*


III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência, manter nos seus precisos termos a decisão recorrida.

Sem tributação (art. 522.º, n.º 1, do CPPenal).

Notifique.

Porto, 26 de Março de 2025

(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)

Maria Joana Grácio

Nuno Pires Salpico

Amélia Catarino

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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Realces a negrito da relatora.
[3] Realce com sublinhado da relatora.
[4] Realce a negrito da relatora.
[5] Acessível in https://jurisprudencia.csm.org.ptlecli/ECLI:PT:TRL:2018:1910.17.1T9SNT.L1.5.9B.
[6] As excepções que se encontram a este entendimento respeitam normalmente ao crime de dano, por destruição de bem que integra a comunhão patrimonial do casal. Mas também aqui não vemos razões para alterar o paradigma enunciado. Por exemplo, destruir voluntariamente um bem comum ou desbaratá-lo numa aposta perdida (a que não se costuma associar qualquer responsabilização criminal) tem exactamente o mesmo efeito sobre o património comum, estando o outro cônjuge habilitado em qualquer dos casos a reclamar o crédito respectivo sobre o restante património comum em caso de partilha.
[7] Acessível in www.dgsi.pt.
[8] Ambos acessíveis in www.dgsi.pt.